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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
AO MUNDO DA LETURA PARA LEITURA DE MUNDO:
uma viagem pela crônica
Dalila Ferreira de Jesus Santos1
Elisiani Vitória Tiepolo2
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar o trabalho de pesquisa e implementação, voltado aos estudos da
linguagem, mais especificamente da leitura, desenvolvido por meio do PDE 2013/14 – Programa de
Desenvolvimento Educacional da Secretaria do Estado da Educação do Paraná (SEED), em parceria com a
Universidade Federal do Litoral do Paraná sob a orientação da professora: Elisiani Vitória Tiepolo. O público
alvo foram os alunos do segundo ano, do Ensino Médio do Colégio Estadual Professor Francisco Zardo, NRE de
Curitiba. A pesquisa docente teve por objetivo motivar o aluno ao mundo da leitura a partir do gênero crônica.
Para isso, seguiu-se as estratégias dos estudos de Rildo Cosson, autor que estabelece um “esquema”, ou uma metodologia para o “ensino da leitura da literatura”, no qual são fixados quatro passos ou etapas: motivação,
introdução, leitura e interpretação. No ato de motivação, o professor procura estabelecer um contato do aluno
com o tema escolhido, para que este se sinta mais receptivo ao texto que será lido. Logo após, há o momento de
introdução da leitura, ou seja, uma apresentação breve do autor e do contexto da obra, para, então, prosseguir-se
a leitura e a interpretação. As etapas desenvolvidas na implementação, além de trazerem resultados sobre o
conhecimento prévio dos educandos em relação à crônica e à leitura, permitiram que se construísse durante o
estudo um conceito sólido do que é o gênero crônica; além disso, a leitura e as atividades de observação do
cotidiano, sugeridas por esse gênero, impulsionou os alunos à escrita de forma criativa e motivadora. Foi um
despertar para a escrita, leitura e interpretação através de um gênero que instiga a reflexão diante dos
acontecimentos da vida.
Palavras-chave: Leitura. Crônica. Formação de leitores.
Introdução
Em decorrência do perfil de aluno, produto de uma sociedade do imediatismo, onde
tudo parece ser digerido sem ser saboreado, os momentos de leitura tendem ao fracasso
quando não se busca dar sentido a esses momentos, de forma a resgatar a importância de uma
interpretação (leitura) que vai além da decodificação ou, ainda, que busque dar sabor à leitura
que se realiza. José Fernandes de Oliveira, em seu livro de crônicas “Melhores filhos,
Melhores Pais” (2012, p.13), afirma que hoje: “ Perdeu-se a capacidade de pensar, meditar e
assimilar. Rejeita-se tudo que exija estudo, reflexão, leituras profundas e pensamentos.” Se
faz preciso olhar para essa realidade e buscar alternativas que mobilizem o aluno a fazer
reflexões a respeito das leituras que faz, sejam por meio de livros ou da leitura da vida, enfim,
sobre tudo que lhe vem no dia-a-dia, seja pelos meios de comunicação, seja pela leitura, ou
1 Formada em Letras pela UFPR. Professora da SEED, Colégio Estadual Professor Francisco Zardo. 2 Formada em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela UFPR. Professora da UFPR, Setor Litoral.
numa conversa informal.
Aceitar a apatia em relação à leitura e reflexão, seria desprezar as inteligências
múltiplas que cada aluno tem e que estimuladas formam um cidadão consciente de seu papel
transformador da sociedade. Os jovens da geração Y, apesar de demonstrarem tais sintomas
de apatia ao conhecimento e à leitura, fazem parte de seu instinto juvenil à rebeldia, o
comportamento de não se intimidar na repressão, de se aborrecer e se revoltar contra as
injustiças sociais e qualquer tipo de opressão; apesar disso, precisa um professor que o oriente
nas escolhas dos livros que lê, além de permitir a construção de significados.
Infelizmente o aluno não se convenceu do valor da leitura para sua vida. É comum nos
corredores da escola ouvir a fala de que “Os alunos não gostam de ler” e junto com esta
afirmação a pergunta: “Como mudar esta realidade?” A questão é: quem roubou o espírito
crítico dos alunos? Pennac (1993, p 43) afirma que o aluno se desgarrou da leitura).
A partir de uma enquete distribuída para 23 alunos participantes da implementação
pedagógica, as resposta ao desinteresse pela leitura são variados: O aluno L.C. M afirmou que
seu primeiro contato com a leitura foi quando estudou em uma escola particular, onde devia
ler para aproveitamento na prova. Mas, ao sair da escola, parou de ler completamente, apenas
lê uma parte e desiste. O aluno sabe da importância da leitura, mas não se sente atraído por
ela. Já a aluna G.S fez a seguinte fala: “Não me lembro ao certo quando foi meu primeiro
contato com o livro, mas sei que eu não era muito fã de livros. Recebi influências para leituras
de minha irmã e minha mãe, que sempre vinham acompanhadas de frases como: “quem lê tem
o futuro garantido e nem sabe”.
A aluna J.O. contou os resultados que surgiram a partir de um trabalho bem feito com
a indicação de uma leitura em um texto:
“Minha primeira leitura
Logo que aprendi a ler minha professora passou um livro que servia como meta de
leitura, e se chamava: “ A colcha de retalho” essa colcha narrava a história de uma velhinha
que fazia uma colcha com cada retalho que era importante na sua vida.
Depois dessa leitura, a professora fez uma atividade que formou uma colcha de
retalho.
Eu levei um retalho igual ao vestido que minha mãe me fez, era meu vestido mais
confortável e lindo, tirei uma foto para colocar em cima do retalho, sem dúvida foi um livro
que marcou muito minha vida, mais ainda que o Harry Potter ou qualquer outro livro.”
Mas para a maioria de leitores, os livros mais lidos são aqueles que despertam a
imaginação por tratarem de temas sobrenaturais ou ainda como afirmou a aluna G. V: “Prefiro
bruxas e vampiros do que políticos ladrões.Gostei do livro “Nascida à meia-noite” (C. C.
Hunter) porque fala sobre coisas que basicamente não existem, como lobisomens, vampiros,
bruxas, fadas, etc. O livro que estou lendo no momento (Dezesseis Luas), também aborda um
assunto semelhante. Acredito que esse tema me agrada pelo fato de uns anos atrás eu assistir
uma série que trata do mesmo tema (sobrenatural). Gosto disso porque crio uma realidade
completamente diferente do que vemos hoje. Prefiro bruxas e vampiros do que políticos
ladrões.”
A aluna F.M.F.L compreende que a leitura que mais lhe interessa são aquelas que a
faziam viajar e criar um mundo paralelo: “Um dos livros que mais gostei e me recordo muito
bem, contava a história de um menino que seu animal de estimação era um lagarto e também
linha uma nuvem que pairava pela sua, somente cabeça. Bom, o nome não lembro, mas sei
que em cada página eu conseguia viajar e “sair um pouco da Terra”. “Hoje meus gêneros
preferidos são romances e dramas, histórias de superação em geral, histórias que me
comovam.”
Como se pode notar pelas pelos argumentos da maioria dos alunos nos textos escritos,
a leitura tem acontecido entre eles, mas é importante que o professor intermedie, motivando-
os para que não fiquem apenas na leitura dos best sellers, mas oportunize um contato
agradável com a literatura que desperte para o senso crítico, tirando-os da zona de confortode
uma literatura conhecida como “água com açúcar”. Affonso Romano de Sant Anna escreveu
na crônica “Os que nos ensinam a ver” (2011 p. 46), extraída do livro: “Ler o Mundo”, que o
aluno leitor passa a enxergar o mundo por meio de uma “lente de aumento” oferecida pela
ótica dos escritores que leem o mundo e assim são capazes de emprestar a lente destes para ler
com seus próprios olhos.
Marquesi (2005) expõe que a crônica, em si, é um recurso que permite ao aluno
enxergar o mundo de forma criativa, ampliando sua visão de mundo, pois, ao lermos uma
crônica, envolvemo-nos pelo prazer da leitura e pela proximidade com o gênero, o que nos
permite ampliar nosso universo de conhecimento, pois somos instigados à interpretação e,
assim avançamos como leitores.
Uma viagem pela crônica
A escolha do gênero crônica levou em consideração o fato de ser um gênero que nasce
no cotidiano, podendo despertar maior interesse e identificação dos alunos. Além disso,
utiliza elementos literários mais próximos do leitor. Enfim, a crônica é um gênero muito
presente no jornalismo, sendo uma literatura que agrada, pois une a informação com a
subjetividade literária, criando um gênero rico de intertextualidade que pode ser explorado de
maneira rica em sala de aula assim como Moisés (1989) assegura que em toda a crônica os
indícios de reportagem se situam na vizinhança, quando não mescladamente, com o literário:
e é a predominância de uns e de outros que fará tombar o texto para o extremo do Jornalismo
ou da Literatura. Lima (2001) traz a seguinte concepção:
A crônica transita entre estes dois polos, entre ser no jornal e para o jornal.
Diferencia-se do texto jornalístico, por não visar à informação, pois seu
objetivo (declarado ou não) é ultrapassar o mero comentário diário, a
banalidade dos acontecimentos humanos, e atingir a universalização, mesmo
que sua temática se utilize do fait divers e do que se costuma considerar
trivial. (LIMA, 2001, p. 05)
Pensando nisso, o estímulo à leitura da crônica vem ao encontro das necessidades de
aprendizagem do aluno e, consequentemente o instigará à necessidade de expressar-se, expor
seus pensamentos pela oralidade e pela escrita. São Tomás de Aquino já dizia que para que a
comunicação acontecesse era preciso a comunicação, e esta se dá através da oralidade e da
escrita, que precisam ser praticados e propiciados na escola. O escritor Affonso Romano de
Sant´Anna, em entrevista à Biblioteca Pública do Paraná (2013) afirmou que a crônica se
transformou, para ele, num modo necessário de expressão; assim como alguém diz que algo
daria um filme, uma música, ele aprendeu a desentranhar do cotidiano a crônica.
As Diretrizes Curriculares do Estado (DCE, 2008) entendem a leitura como um
processo de produção de sentido que se dá a partir de interações sociais ou relações dialógicas
que acontecem entre o texto e o leitor de forma a conduzir à emancipação humana. Logo,
oportunizar o contato do aluno com a crônica, também é permitir que o aluno descubra o
diálogo que se insere entre ele, o escritor e o mundo e com isso o resgate à leitura torna-se
mais próximo.
O aluno se desgarrou da leitura
Trazer o aluno para o mundo da leitura não é tarefa fácil diante do contexto que a
escola se apresenta: uma instituição em declínio pela qualidade de ensino, como veremos no
depoimento abaixo. A transmissão do conhecimento, e aqui eu diria, da formação do leitor,
precisa ser (re) escrita por nós, pois parece que ainda não encontramos uma forma de
trabalhar a leitura que faça sentido para a vida do aluno. O relato de Aparecida Bonfim, no
jornal de Londrina (2012), mostra que para ela a escola não atingiu os objetivos esperados:
A doméstica Aparecida Bonfim é um exemplo de que aprovação não significa
domínio de conhecimento. Há 10 anos, ela, que tinha abandonado os estudos
na antiga 3 série, voltou a estudar. Em pouco tempo, estava no ensino médio.
“Os professores me aprovaram, só que eu não sabia nada. Na minha sala todos colavam, mas não me sentia confortável com isso. Queria aprender de
verdade, mas não consegui.” Ela lembra que até o inglês, disciplina que não
sabia nada, foi aprovada. A falta de seriedade levou Aparecida a largar os
estudos mais uma vez. (publicado no Jornal de Londrina em 26/07/2012)
A qualidade de ensino nas escolas públicas precisa ser repensada nesse aspecto.
Algumas ações merecem destaque aqui, como forma de nos motivar enquanto
professores. Outro depoimento para ilustrar isso é o ex-jogador de basquete e morador do
Cesarão R.J., Wanderson Geremias ou WG, à Tevê Brasil, dia 07/07/2014, no programa Sem
Censura. Ele contou sobre a necessidade que sentiu em unir literatura e esporte, para poder
suprir as deficiências que as crianças, vindas das escolas públicas apresentavam para se
comunicar. Então, criou o projeto Cultura na cesta. Segundo ele, “Muitos não sabiam ler
direito”. Ele percebeu que a prática da leitura com o esporte foi resistida logo no início, mas
que hoje seus alunos demonstram maior habilidade com a língua.
De fato, a leitura pode modificar a vida das pessoas e seu valor precisa ser resgatado
também nas escolas, nos grupos sociais, na sociedade em geral. Mas, acima de tudo, o
professor formador de opinião precisa ser o maior referencial, situação que não é muito
comum também nas universidades, que formam professores, como colocam a ex-professora
do curso de Letras, aposentada pela UFPR, Marta Morais Costa:
[...] descobrir que 10% dos docentes na universidade declaram não se
interessar pela leitura de jornais causa estranheza e provoca indagações a
respeito dos limites tênues entre a falta de leitura dos jovens e o exemplo
pouco edificante de seus professores. Convém enfatizar, uma vez mais, a
importância do exemplo dado pelo adulto para a formação de leitores. Não é
raro encontrar entre colegas um olhar ou gesto de surpresa quando alguém se refere à notícia do dia ou dá uma informação mais aprofundada sobre um
assunto da atualidade, encontrada no jornal diário.
Em relação à importância do papel do professor, as Diretrizes Curriculares deixam
bem claro:
[...] o professor precisa atuar como mediador, provocando os alunos a
realizarem leituras significativas. Assim, o professor deve dar condições para que o aluno atribua sentidos a sua leitura, visando a um sujeito crítico e
atuante nas práticas de letramento da sociedade. DCE (2008, p.71).
[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas
obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às
conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,
democrática e feliz. DCE (2008, p. 57)
Além da observação de Aparecida Bonfim, na revista em destaque, o ex-aluno de
escola pública, entrevistado por mim, R.V, contribuiu com esta pesquisa ao afirmar que
enquanto estudante percebia que professores tinham dificuldades em debater um assunto da
atualidade. Segundo ele, a causa poderia estar ligada a uma preocupação em cumprir o
currículo. Para ele, o currículo precisa ser aplicado visando às necessidades do momento.
Hoje, apesar de os professores saberem da importância do contato com a leitura,
afirmam que não leem porque falta tempo e então, de que maneira o professor poderá ser
referencial para o resgate da leitura?
Os 10 direitos imprescritíveis do leitor, ditados por Pennac (1993, p.139 ) podem
motivar alunos e professores a ter um olhar diferente para a leitura:
O direito de não ler.
O direito de pular páginas.
O direito de não terminar um livro.
O direito de reler.
O direito de ler qualquer coisa.
O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
O direito de ler em qualquer lugar.
O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
O direito de ler em voz alta.
O direito de calar.
O projeto aqui relatado buscou estratégias que aproximassem o aluno ao mundo da
leitura para uma leitura de mundo, de forma a respeitar e ao mesmo tempo instigá-lo para uma
nova visão a respeito da leitura, a partir de vivências significativas com ela.
Implementação do projeto
O conhecimento da realidade dos alunos, os quais participaram da implementação do
projeto, foi muito importante, embora já se tenha uma noção do perfil desta geração conforme
Maria Luisa M. Xavier (2008):
[...] então, os jovens vão para a escola para se encontrar, para saber onde vão
botar mais uma tatuagem, de que cor vão pintar o cabelo, com quem vão ficar
no fim de semana, qual a banda que está fazendo mais sucesso, quem tem o
último CD do ídolo do momento, entre tantos outros motivos. Essas são
algumas das preocupações da cultura adolescente, da cultura juvenil, que vêm
sendo negadas pela escola. (PEREIRA, 2008, p. 19),
Num primeiro momento, os alunos receberam uma enquete para comprovar o seu
interesse pela leitura. A pergunta realizada pedia que o aluno enumerasse pela ordem como
as informações costumavam chegar até ele. Dentre os itens sugeridos pela pesquisa estavam:
internet, TV, conversa entre amigos, pelos pais, pelo professor, pela leitura de jornais, outros.
A pesquisa obteve este resultado:
Primeiro lugar Internet
Segundo lugar Tv
Terceiro lugar Conversa entre amigos
Quarto lugar Pelos pais
Quinto lugar Pelo professor
Sexto lugar Pela leitura de jornais
Sétimo lugar outros
A leitura de jornal revela que o acesso dos alunos a este meio é quase nulo, pois para
eles há outros meios mais atrativos para o conhecimento. Além disso, o professor, que vem
em quinto lugar, é um indicador de que ainda precisamos levar mais informações ao aluno.
Embora a preocupação dos professores se volte para o cumprimento do currículo, é
importante que temas da atualidade sejam inseridos no planejamento. Mas para que isso
aconteça, o professor precisa estar informado. Pensando nisso, a crônica tende a despertar em
suas linhas uma realidade apresentada de forma criativa pelo fato de re(criar) uma realidade
que muitas vezes lida somente em seu contexto de notícia não atrai o leitor principiante. Além
disso, sua leitura orientada em sala, de forma a perceber as suas características literárias e
linguísticas tendem a formar um leitor crítico.
A internet, que vem em primeiro colocado, indica a necessidade urgente de se
orientar os alunos sobre o bom uso desde recurso, pois nele muitas informações que chegam
podem estar incoerentes com a realidade ou carregadas de ideologias de tom preconceituoso.
Porém, também é possível pensar que é um meio que, bem usado, pode mobilizar uma
sociedade a se conscientizar da importância de seus atos para mudar a realidade, como muito
bem falou o ex-senador Pedro Simon, ao programa Roda Viva, no dia sete de julho de 2014.
Ele declarou sobre a importância de uma sociedade consciente de sua força: “se não houver
pressão social, participação da sociedade, nada vai mudar”. “Atualmente, não sei o que
esperar”. Simon acredita que a força para a política contemporânea virá das redes sociais:
"Temos que trazer a mudança. As redes sociais trouxeram a Lei da Ficha Limpa, aprovada por
unanimidade graças à união social."
Remar contra a antipatia do aluno à leitura é um desafio que todos nós, professores,
precisamos abraçar e não fazer vistas grossas:
[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão,
pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas
obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto às
conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,
democrática e feliz. DCE (2008, p. 57)
Um mundo a ser descoberto pela ilusão de ótica
Como forma de preparar os alunos para a observação da realidade e como motivação
ao mundo da crônica, algumas imagens com ilusão de ótica foram mostradas para que cada
aluno pudesse interpretá-la, fazendo as devidas associações com a realidade. A atividade
despertou grande interesse dos alunos que tentavam decifrar a imagem, porém grande parte
apenas decodificava a imagem que estava escondida e não conseguia fazer uma leitura mais
aprofundada, mais detalhista. Exemplo disso foi a imagem de um bebê, cujo contorno nascia
das ramificações de uma árvore. Imediatamente todos diziam ver o bebê, porém só
descreviam a imagem: um bebê, uma árvore, um casal, um lago, mas não conseguiam
relacionar a interdependência entre o homem e a natureza. Revelou-se nesta atividade
dificuldades para refletir a partir de uma imagem, dificuldade para escrever sobre a imagem e
ir além da mensagem que está óbvia. Ou seja, ir além das entrelinhas, situação comum
também na leitura, que muitas vezes o aluno não consegue sair da superficialidade do texto,
do óbvio.
Essa situação vem de encontro com a “sociedade do imediatismo” citada por José
Alves Fernandes (2012, p.13,14) quando afirma que hoje “ Perdeu-se a capacidade de pensar,
meditar e assimilar. Rejeita-se tudo que exija estudo, reflexão, leituras profundas e
pensamentos.” Portanto, levar o aluno a “tirar leite da pedra” numa leitura, vem de encontro
com as necessidades apresentadas entre os alunos: a necessidade de refletir, pensar,
interpretar, contextualizar e tirar conclusões significativas para uma leitura sábia e
significativa .
Enquanto isso, Karl Marx, citado nas DCE (2008) antecipava o rumo de uma
sociedade presa ao capitalismo: “...o capitalismo e a propriedade privada determinam a
alienação dos sentidos e do pensamento, reduzindo-os à dimensão do ter. Portanto, a
emancipação humana plena passa, necessariamente, pelo resgate dos sentidos e do
pensamento. (DCE, p. 23)
Caminhando pelas origens da crônica
A primeira crônica que os alunos tiveram contato foi: “Você quer me irritar” de Mário
Prata (1997, p. 119). Foi realizada a leitura de um trecho desta crônica e, em seguida, um
aluno continuava as ideias contidas na crônica, mas falando das coisas que o irritavam. A
leitura inicial permitiu aos alunos observarem que ela surgiu de uma conversa entre
Melchiades Cunha Junior e o cronista. Vindo ao encontro com a afirmação de que a crônica
surge de situações do cotidiano:
“Meu velho amigo e jornalista Melchiades Cunha Junior, o popular
"Capitão", costuma usar esta frase "Quer me irritar é...", e acrescentar a
irritação do momento. Murilinho Felisberto, mestre da DPZ, sempre que se
encontra comigo, referindo-se ao "Capitão", também vem com o "Quer me
irritar"... Ficou uma brincadeira entre nós três. Na posse do presidente
Fernando Henrique, no Itamaraty, encontrei com o "Capitão" comendo em
pé, como todos, aliás. Lá veio ele: "Quer me irritar é me fazer comer em pé."
Além de descobrir como surge a inspiração da escrita para uma produção de crônica,
os alunos observaram que a linguagem coloquial faz parte da linguagem permitida neste
gênero, portanto a norma culta não é uma obrigação deste gênero, que reproduz a fala das
pessoas. Um bom exemplo é o uso do pronome oblíquo antes do verbo em: “Me irrita...”,
quando dita a norma culta a forma “Irrita-me...”
Na sequência das oficinas os alunos foram preparados para conhecer um livro
misterioso, cujo título era: “Crônica de uma vida anunciada”. Nele não havia nenhuma
crônica. Ele passaria a existir a partir do relato escrito que expressava a experiência de leitor
dos alunos. Os alunos produziram seu texto num diário e, em seguida, algumas crônicas
foram lidas e também contribuíram para a existência do livro:
(Texto 1)
“Não me lembro ao certo quando foi meu primeiro contato com o livro, mas sei que eu
não era muito fã de livros.
Recebi influências para leituras de minha irmã e minha mãe, que sempre vinham
acompanhadas de frases como: “quem lê tem o futuro garantido e nem sabe”.
Meu primeiro livro (comprado especialmente para mim) foi “A Bruxa Salomé”, dado
por minha irmã, mas não sei onde ele se encontra agora. Lembro que o empresti pra escola e a
mesma nunca mais devolveu.
Eu achava maravilhoso quando uma vez por semana, uma professora contava histórias
de um determinado livro. Ela encenava, fazendo vozes e caretas, deixando tudo mais
divertido, cada semana era uma aventura diferente.
Apesar de toda cobrança dentro de casa, o que realmente me fez tentar gostar de livros
foi um filme.
Então li um livro tento todas expectativas positivas possíveis, e desde então não parei
mais.” (G.S)
(Texto 2)
Livro
“Bom eu me lembro como se fosse hoje, o dia em que cheguei em casa da escola, depois de
um longo dia em que estávamos lembrando-nos da segurança no trânsito, e então nos
entregaram um pequeno livrinho, onde nele falava dos perigos do trânsito.
Cheguei em casa, e então fui empolgada contar tudo para minha mãe como de
costume, sentei-me no sofá e então comecei a ler, enquanto minha mãe cozinhava, ela
prestando muita atenção pensou que eu estava apenas lendo os desenhos( como eu fazia), até
que ela decidiu ir conferir e foi até mim, pegou o livro da minha mão e viu que eu realmente
estava lendo.
E assim até hoje, adoro ler, me sinto dentro das histórias, bom é o que eu lembro do
meu primeiro livro.” (Thalita)
A leitura dos textos dos alunos foi enriquecida com a história de leitor de outros
escritores que lhes foram apresentados. Dentre elas, a crônica sobre a experiência de leitora
da ex-professora da UFPR Marta Morais da Costa, (2006, p.36) intitulada: “ Nas bibliotecas
da escola”
Em busca do último sorriso nos arredores do colégio
Para oportunizar a leitura da crônica de Fernando Sabino, os alunos assistiram à curta
metragem da crônica : “A última crônica” e em seguida o texto foi lido na íntegra (1965, p.
174). Percebi o quanto foi importante e motivador para os alunos a descoberta do trabalho de
um cronista ao ir em busca de tema para a produção de uma história. De fato, nesta crônica,
Fernando Sabino consegue enriquecer um fato tão comum, a rotina de uma família, ao
(re)criar uma realidade trazendo para o leitor um mundo repleto de significados e capaz de
nos levar a outros mundos e interpretações de realidades e valores sociais.
Sugeridos pelo comportamento do cronista que caminha em busca de um tema para
escrever sua crônica, os alunos fizeram um passeio aos arredores do colégio para buscarem
um tema e produzirem a sua própria crônica:
(Aluno 1)
O PÁSSARO QUE ME ENCANTOU ( Silêncio! Um pássaro canta!)
Estava na quadra do Colégio Professor Francisco Zardo com a proposta de escrever
uma crônica para a aula de português e ao ouvir o canto dos pássaros pensei logo em
desenvolver minhas ideias.
Havia alguns passarinhos que desenhavam o céu para lá e para cá,outros andavam,
parecia que estavam a procura de comida.
Os pássaros me encantam pela delicadeza do andar e pelo canto que nenhuma pessoa
conseguiria imitar tal nota musical. Neste instante lembrei-me de minha filha, sempre que ela
vê um pássaro, ela faz silêncio e coloca o dedinho indicador sob a boca, como se dissesse:
“pare e escute a melodia!” ou ainda “não assuste o passarinho!” Grande ensinamento, muitos
de nós, adultos, não paramos para ver a beleza presente na natureza.
Os pássaros me trazem um sentimento de liberdade. (K)
(Aluno 2)
O que leva alguém andar com o carro em alta velocidade?
Pressa? Talvez.
É um fugitivo? Nem sempre.
Busca por adrenalina? Pode até ser, mas será que ele tem consciência de que essa boa
sensação, que por sinal é um momento, pode colocar a vida de muitos em risco.
Radares, lombadas, travessias, sinaleiros... De que adianta tudo isso se, por muitas vezes,
o álcool no sangue e no cérebro impede que uma vida ou mais continue?
De que adianta andar tanto pra chegar a lugar algum, ou melhor, à morada eterna.
De que adianta ganhar um racha e perder a liberdade para as grades?
Quantas pessoas já saíram de casa e jamais chegaram ao destino porque alguém bebeu,
perdeu a noção e tirou a vida de um pai de família, um trabalhador honesto, uma médica que
poderia estar salvando vidas agora, uma professora que poderia estar compartilhando seu
saber, um jovem com futuro promissor um casal apaixonado, ou uma criança com tudo pela
frente.
Ninguém sabe o dia de amanhã, mas se for pra que ele não exista, que não seja por essa
atitude violenta e que tem feito muitas vítimas no trânsito. (G.V.G)
(Aluno 3)
O DOCE SORRISO DA VIDA
É tão difícil ver um sorriso sincero e espontâneo hoje em dia que quando surge um isso
nos encanta.
Há alguns dias eu estava dentro de um ônibus, confesso que neste dia estava triste. De
repente o ônibus parou num ponto de um bairro humilde e embarcou uma família,
provavelmente uma família de bolivianos. Observei que no colo da moça que entrava, cujo
rosto estava abatido, tinha uma criança suja e ao seu lado um homem cuja vida não deveria ter
sido muito fácil.
Fiquei comovida ao olhar para aquela família, esqueci meus problemas que
provavelmente eram bem menores que os deles.
Por um instante a criança desceu do colo e como qualquer criança andou e observou o
ônibus ao seu redor. A cobradora conversava com uma mulher que tinha uma caixa de isopor
nas mãos. Esta abriu a caixa tirou um bombom e segurou-o nas mãos. A criança ficou
hipnotizada, o ar de desejo era fácil de ser reconhecido, mas ela ficou quieta, só olhando.
Meus olhos encheram-se de lágrimas ao ver que meu problema era extremamente fútil
diante daquela cena humilde.
A mulher que segurava o bombom, estendeu os braços até a criança, esta ligeiramente
pegou e lançou um sorriso que eu não via há anos. Eu me senti maravilhada e comecei a
valorizar os pequenos gestos, pois são eles que nos trazem grandes sorrisos, grandes
felicidades, e se for ao lado de quem a gente ama, tornam-se ainda inesquecíveis e
inigualáveis. (G.D.O)
(Aluno 4)
CULTURA PARA TODOS
Nada para fazer, então resolvi sair para dar uma volta e aproveitei para dar uma
passada na livraria.
Gosto de dar uma folhada nos livros novos e reler alguns trechos dos meus livros preferidos.
Entrei, sentei para tomar um café e enquanto observava o lugar parei por uns instantes
meus olhos no comportamento de um senhor, ele estava com roupas maltrapilhas e com uma
aparência meio desgastada. Olhei para alguns funcionários com uma ideia meio
preconceituosa, pensando que alguém iria lá pedir para ele se retirar, mas ninguém se atreve.
O Senhor então caminhou até a uma mesa ao meu lado e começou a ler entusiasmado.
Que gosto ele tinha por aquela ação!
Para minha surpresa um funcionário foi até a mesa do senhor e ofereceu-lhe um café.
Na curiosidade chamei e perguntei a um funcionário a respeito dele, a resposta que
obtive foi que ele era um morador de rua e muito conhecido ali na livraria, frequentava o
ambiente e era muito inteligente.
Surpreendi-me e quando já estava indo embora, voltei para cumprimentar aquele
senhor que ficou sem entender nada. Penso que aquele cumprimento era um elogio por ver
alguém que busca na leitura um prazer de vida.
A busca por um tema permitiu aos alunos várias reflexões, além da escrita os textos
dos alunos foram compartilhados numa oficina de leitura das crônicas que foram inspiradoras
a partir da busca por um tema. (F.M)
Esta atividade foi bastante enriquecedora, os alunos descobriram que, a partir de uma
realidade comum, uma caminhada, por exemplo, é possível o registro de uma riqueza de
coisas que passam do banal para o excepcional, e isso acontece quando damos alma ao texto.
Porém esta alma torna-se mais viva, quando e transmitida a outros, portanto, tomou-se o
cuidado de fazer as leituras das melhores crônicas produzidas entre os alunos num momento
especial: surgiu então o sarau da crônica. Neste momento além das crônicas desta oficina,
outras também realizadas no projeto foram lidas.
Laranjas de ontem e de hoje/ filha do jornal
Neste estágio da implementação, os alunos demonstravam compreensão do que era o
gênero crônica, de como ela surge, quais as características do gênero, quais os tipos de
crônicas, além de poderem conhecer um pouco sobre a vida e obras de alguns cronistas.
Com todos estes pré-requisitos, estavam preparados para fazer uma leitura
significativa da crônica de Carlos Heitor Cony: “Laranjas de ontem e hoje”. Passamos pelas
estratégias sugeridas por Rildo Cosson: motivação, introdução, leitura e interpretação.
a) Motivação
Como motivação para o tema, os alunos responderam no diário a seguinte pergunta:
“O que você faria se encontrasse uma carteira cheia de dinheiro e identificada?” Para
refletirem mais, assistiram a uma reportagem sobre honestidade.
Abriu-se um debate que levou a comparar o comportamento do brasileiro com o
estrangeiro. Para finalizar este momento, leu-se “A flor da honestidade”, um conto da China,
que narra que por volta dos anos 250 A. C., um príncipe que precisaria se casar lançou um
desafio: primeiramente entregou às moças presentes na sua festa uma semente; aquela que
cultivasse melhor a semente e retornasse com a mais bela flor, se casaria com ele. Porém, as
semente eram estéreis, e apenas uma moça foi fiel a esse fato. No dia marcado, flores bonitas
chegavam, porém flores compradas. Aquela foi honesta e não trouxe nenhuma flor casou-se
com o príncipe.
Esse conto permitiu um grande debate sobre os valores na formação do cidadão.
b) Introdução
Neste momento, os alunos foram até o laboratório de informática para pesquisarem
sobre a vida e obra de Carlos Heitor Cony. No contato com a Folha de São Paulo, tiveram
também acesso a outras crônicas produzidas pelo jornalista. Além disso, puderam conhecer
outros livros que o escritor produziu em diversos contextos históricos.
Aproveitou-se para contextualizar a crônica no ano de sua publicação (27/07/2004).
Algumas perguntas foram elaboradas para este seguimento como: o que acontecia na política
brasileira neste período? Como as pessoas reagiam diante dos acontecimentos?
E a partir disso puderam constatar que a crônica surge a partir de uma realidade do
cotidiano e que muitas vezes esta realidade repete-se em outros contextos históricos, de forma
mais acentuada ou menos. Com estes dados concluiu-se que a crônica “é filha do jornal”.
c) Leitura
A primeira leitura foi oral, mas antes de iniciar, o título foi discutido a partir da idéia
do que ele transmitia para cada aluno, então foi feita a pergunta: “O que o título do texto
sugere para você?” Após a leitura em voz alta, abriu-se um momento para o vocabulário que
oferecia dificuldades. O problema com o entendimento do vocabulário precisa ser sanado para
não haver o comprometimento do entendimento do texto e intencionalidade do escritor.
Somente a partir deste instante é que os alunos fizeram uma leitura silenciosa para que
compreendessem melhor o texto e pudessem partir para a interpretação do mesmo.
d) Interpretação
A interpretação seguiu as seguintes orientações e questões:
1- Leia a crônica e registre em seu diário o fato do cotidiano que Carlos Heitor Cony ilustrou para
falar do assunto tratado por ele.
2- Selecione os vocábulos que não entender e pesquise no dicionário.
3- Destaque do texto algumas expressões que revelam um diálogo com o leitor.
4- Crie um quadro com as expressões usadas pelo cronista que remetem ao uso da linguagem
coloquial.
5- Nesta crônica há dois tempos: um no passado outro no presente. Explique o significado da
palavra “laranja” para o cronista nestes dois tempos. Justifique sua resposta separando as
expressões associadas para cada tempo e observe o sentido que o poeta quis dar para cada
palavra. (Atividade realizada junto ao coletivo)
6- Agora pesquise no dicionário o significado da palavra laranja. Copie em seu Diário e
responda em qual tempo o cronista usou a expressão laranja conforme a explicação que
encontrou no dicionário.
7- Diferencie a visão de sociedade descrita por Cony ao falar dos Laranjais da Nova Iguaçu
com os imensos laranjais de hoje.
8- Pesquise a origem da expressão “laranja” no seu sentido figurado e pesquise em jornais
outras situações de corrupção, seja na política, no futebol, ou em outras instituições em que é
comum a denominação de “laranja” para alguns casos. Leia o seu texto para a sala, buscando
levantar as hipóteses de quem são os laranjas e o que fazem. Para isso siga as seguintes
perguntas e responda em seu diário:
a. O que aconteceu?
b. Onde?
c. Quando?
d. Quem?
e. Como?
9- Sobre a crônica de Cony, responda:
1- Qual o assunto?
2- Qual o ponto de vista do escritor?
3- Que recursos literários são usados?
4- O que há de comum entre uma notícia e a crônica?
Realizada esta leitura intermediada pelas idéias de Cosson, constatou-se que o trabalho
de leitura tornou-se significativo. Embora o tema sobre corrupção não agrade sempre,
descobriu-se que a crônica consegue re-criar uma realidade de forma brilhante, usando os
recursos que a linguagem literária permite. Sendo assim, também é capaz de falar de uma
coisa séria, sem banalizar ou vulgarizar um assunto, mas enriquecendo-o com a capacidade de
reflexão e uso de uma linguagem poética presentes neste gênero.
Conclusão
Por meio do letramento o cidadão se transforma e também transforma a sociedade. Os
livros trazem histórias que são metáforas da vida. Histórias que recriam uma realidade e
atingem a mente e o coração. Histórias capazes de despertar regiões adormecidas em nós. A
preocupação deste projeto em formar leitores pensantes deu um passo para novos trabalhos
com a leitura dentro da sala de aula. Levar o aluno a adentrar numa história é fazer o resgate
da leitura, esta que se “desgarrou” conforme Pennac (1993) dizia. A riqueza de uma obra
surgirá da análise linguística e estilística que precisa ser mais explorada nos momentos de
leitura. Cada livro, cada história, cada crônica, além de re (criar) uma realidade, criará novas
formas de ver o mundo pela ótica do escritor. A crônica é uma narrativa breve que registra o
circunstancial, cuja linguagem é a soma do estilo literário e do estilo jornalístico. O cronista
pretende, através da crônica, uma provocação, uma atitude enfim, uma resposta no leitor.
A crônica permitiu isso, é um gênero que provoca e estimula algumas percepções,
permite a construção de hipóteses, permite um olhar mais atento das coisas que parecem
banais, mas estão carregadas de significados e reflexões da vida. Além disso, consegue
transformar a língua em linguagem, com a cooperação da poesia e do retrato do cotidiano.
Aproxima o leitor por provocar um diálogo com ele, interage com ele, desperta no leitor
reflexões e opiniões, seja contra ou a favor do que lê. Além de tudo isso, torna-se um gênero
clássico toda vez que reproduz uma realidade que tende a perpetuar-se.
O conhecimento permite ao homem não se perder num mundo que exige o letramento,
num mundo que cobra a informação, a socialização e, consequentemente, a formação de um
cidadão capaz de se defender diante dos vários discursos da sociedade.
A leitura é um processo que precisa ir além da decodificação e da superficialidade dos
fatos, portanto, concluiu-se que as estratégias sugeridas por Rildo Cossom (2009) permitiram
a construção do conhecimento pelo aluno.
Ao finalizar o trabalho com a crônica: “Laranjas de ontem e hoje”, os alunos sentiram-
se instigados com o tema e provocados a ler mais sobre o assunto. Isso me chamou a atenção,
pois o tema “corrupção” adquiriu uma nova roupagem na leitura da crônica escrita por Cony.
Atualmente, a crônica é um dos gêneros mais ricos da literatura brasileira, atingindo
um grau de excelência a ponto de transformar-se na principal porta de entrada da literatura
para boa parte do público leitor. De acordo com Melo (1985):
“ no Brasil, a crônica é o relato poético do real, situada na fronteira entre a
informação da atualidade e a narração literária, portanto, situa-se entre o
jornalismo e a literatura, retratando a vida e as experiências comuns.
Despretensiosa e humanizadora, ajuda a estabelecer ou restabelecer a
dimensão dos acontecimentos e das pessoas, quase sempre com humor. Ela
representa o encontro mais puro com a vida real e com seu cúmplice favorito
– o leitor.”
A implementação do projeto abriu um espaço importante de leitura no meio escolar, e
consequentemente foi além das fronteiras a partir do ensino à distância, o GTR,que envolveu
professores de vários núcleos, a ideia foi disseminada e acredita-se que é um projeto que
tende a resgatar o aluno para o mundo da leitura. A cursista Odete descreveu seu sentimento
como professora a respeito do seu compromisso no ensino da leitura:
“Sabemos que o acesso do aluno às novas tecnologias é muito grande, ele lê muita
coisa na internet, mas é uma leitura superficial, sem interpretação, sem análise
crítica. E quando é para ler um livro acha chato, pois a verdadeira leitura precisa ser
refletida, analisada, compreendida. É assustador, mas o índice de alunos que não
gostam de pensar, interpretar, refletir, analisar está aumentando cada vez mais. E não
me refiro somente à leitura, mas a tudo que exige reflexão, análise, interpretação, criticidade, desempenho, argumentação.
É uma geração muito informada e não formada. Há um grande desinteresse no
verdadeiro aprendizado. Sei que alguma coisa deveria mudar na educação, talvez
novas leis, novas normas, novas médias, novos métodos... Há que se descobrir,
porque quem descobre o valor do estudo se interessa, lê, pesquisa e busca o
conhecimento.Mas infelizmente ainda é a minoria.”(OKF) (terça,25 março
2014,15:36)
Há uma tarefa de resgate como afirma a cursista Maria, mesmo que pareça impossível:
“Verdade. Aqui em minha cidade, é um pouco diferente. Nossa escola fica muito
próximo ao centro e Maringá é uma cidade bastante elitizada, nossos alunos
possuem poder aquisitivo razoável, mas o problema nosso é outro, não menos
difícil: a maioria não tem a cultura da leitura. Os pais, na maioria das vezes,
trabalham muito e se preocupam com o aqui e agora; deixam a cargo da escola a
responsabilidade de formar o leitor, o homem, a mulher... Como já foi dito aqui,
temos um conteúdo enorme pra atender e, mesmo que queiramos, não damos conta
de atender a todas as expectativas deles. Nossa! Eu me viro em cem!. Levo textos
digitados, peço atividades extraclasse de leitura, deixo um pouco o programa e tento
despertar o interesse pela leitura, porque sei que ela é o princípio para todo o aprendizado, mas tem sido difícil. Desistir? Nunca. Mas, graças a Deus e a muitos
colegas que pensam como eu, já temos grandes progressos. Sinto falta mesmo é do
apoio da família.” (M.V.M) seg.31 maço 2014, 20:59
O DCE (2006) nos orienta que a escola é um espaço do confronto e diálogo entre os
conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular. Logo, o incentivo ao
letramento literário permite esta formação integral do aluno, este aluno que acaba atingindo
uma maturidade, passando a ser protagonista do mundo da leitura, pois “leitor maduro é
aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu,
tornando mais profunda a sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1986,
p. 53).
As palavras do professor José Melquíades Ursi(sociologia), aperfeiçoam esta pesquisa
quando ele contribui dizendo:
“Diversão para escrever
Quando a estrutura escolar oferece condições mínimas, se não adequadas,
professores avançam além das dificuldades. Para o sociólogo italiano Domenico Di
Mais “é necessário eliminar a divisão entre escola e vida, para que a criança cresça
produzindo e divertindo-se com a aprendizagem”. Ante a evidência do conceito sociológico nem precisaria solicitar sua contribuição para compreender a validade e
ousadia da professora Dalila Ferreira de Jesus Santos nessa tarefa. Trata-se de
estimular seu trabalho ao observarmos que tirou os alunos do confinamento da sala
de aula para lhe oferecer nas calçadas e praça de Santa Felicidade o ambiente aberto
e criativo, quase como uma diversão, para observar ambientes e comportamentos
geradores da inspiração para compor um texto atraente e vivenciado.
Minha intervenção nesse tema não decorre de solicitação da professora, mas de
atitudes de alunos que mencionaram espontaneamente a iniciativa e descreveram-me
a intenção de seus textos, a partir de observações, mesmo que fosse o
comportamento de um transeunte, ao atirar um bituca ou guimba de cigarro ao chão
frente à expressão incomodada de uma senhora ao presenciar a atitude.”
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997
COSSOM, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009
COSTA, Marta Morais da. Mapa do Mundo: crônicas sobre leitura. Belo Horizonte: Editora
Leitura, 2006
DCE. Diretrizes Curriculares Estaduais: Língua Portuguesa. Curitiba: Imprensa Oficial, 2006
46p.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 46. ed. São
Paulo: Cortez, 2005
MARQUESI, S.C Lendo crônicas: perspectiva para a formação de leitores críticos. In:
ANDRADE, C. A. B.; ROSSATO, e. (Orgs). Prática de Escrita: A Crônica- um estímulo à
percepção e à criatividade. São Paulo: Andross, 2005
MELO, José Marques. A opinião no jornalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1985
MOISÉS, Massaud. A criação Literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2003
MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, 1983
OLIVEIRA, José Fernandes. Melhores filhos, melhores pais. São Paulo: Universo dos Livros,
2012. 304p.
PENNAC, Daniel. Como um romance. São Paulo: Rocco, 1996
PRATA, Mario. 100 Crônicas. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997SABINO, Fernando. A
Companheira de Viagem, Editora do Autor – Rio Janeiro, 1965, p. 174
SANT'ANNA, Afonso Romano. Ler o Mundo. São Paulo: Globo, 2011
SABINO, Fernando. A Companheira de Viagem, Editora do Autor – Rio Janeiro, 1965, p. 174.
Referências on line
Entrevista com o basqueteiro Wanderson Geraldo: Publicado em TV Brasil
http://tvbrasil.ebc.com.br acesso em 07/07/2014 -
Entrevista Afonso Romano de Sant Ana
http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteúdo/conteudo.php?conteudo=329 (acesso em
21/04/2013)
Crônica: “Laranjas de ontem e hoje:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult505u159.shtml
Vídeo da crônica: “Ultima crônica” de Fernando Sabino (acesso em 27/11/2013)
http://www.portugues.seed.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=17670
Crônica: “Nós que matamos Tim Lopes” Affonso Romano de Sant Anna (acesso em
27/11/2013)
http://www.umacoisaeoutra.com.br/cultura/affonso3.htm
Site do cronista Carlos Heitor Cony
http://www.carlosheitorcony.com.br/ (acesso em 14/11/2013)