Post on 06-Nov-2018
Cresce a tendência de concentração do mercado
varejista no mundo, e grandes redes possuem cada vez
mais força para negociar diante de fornecedores cada vez
mais pressionados. Trata-se do mais recente movimento
de um fenômeno econômico crescente e que impacta
significativamente o mercado mundial de alimentos e
bebidas: a concentração do varejo em todo o mundo. Em
busca de ganhos de escala, aumento de competitividade
e maior presença em mercados estratégicos, não foram
poucos os grandes grupos que se uniram ou fizeram
aquisições para ficarem ainda maiores. O resultado dessa
realidade é um enorme ganho de poderio econômico
dessas empresas em relação aos seus fornecedores.
Quando se observam os números dessas companhias,
a impressão é que não se fala de faturamento e sim de
“PIB”: apenas as cinco maiores redes varejistas do planeta
somaram juntas em 2014 um faturamento de US$ 1,08 trilhão,
OS GIGANTES DO VAREJOsegundo os dados do estudo da Markestrat, com base em
informações da Planet Retail ilustradas na tabela “Poder
de Negociação dos Varejistas”. Isso é o equivalente ao PIB
do México. Somente a rede Walmart, a maior do mundo,
fechou 2014 com vendas de US$ 524,9 bilhões, uma riqueza
proporcional ao PIB da Argentina em 2014.
Além do maior poder de negociação conquistado por
meio de aquisições e fusões, até mesmo as redes “menores”
da Europa conseguem se impor no mercado por meio de
negociações conjuntas. São os chamados pools de compra,
que reúnem empresas em organizações. O principal deles
é o AMS, que reúne 12 supermercados, presentes em 28
países e que somam um faturamento de US$ 214,3 bilhões.
Existem cinco grandes organizações desse tipo que
atuam na Europa, representando a maior parte da compra
de produtos no Velho Continente. O alto nível de con-
centração do varejo pode ser observado ao se constatar
SÉRIE CONSUMO DE SUCO DE LARANJA
SÉRIE CONSUMO DE SUCO DE LARANJA
US$ 524 bilhões
US$ 134 bilhõesUS$ 119 bilhões
US$ 114 bilhões
PRINCIPAIS VAREJISTAS NO MUNDO FATURAMENTO TOTAl
que, somando os pools de compra e as grandes redes do
mundo, se têm dez grupos econômicos que respondem
pela maior parte da compra de alimentos e bebidas e
que juntos somam um faturamento de US$ 1,707 trilhão,
ou o equivalente ao PIB da Rússia.
Na Alemanha, principal país consumidor de suco
de laranja da Europa, apenas cinco grupos respondem
por nada menos do que 75,6% das vendas de alimentos.
Em 2000, eles eram responsáveis por 66,4% das vendas.
Quando se observa a evolução da participação na venda
de alimentos das cinco principais redes varejistas dos
mercados selecionados, é possível notar que essa ten-
dência é crescente. Dos 15 países analisados, apenas nos
Estados Unidos a concentração das vendas está abaixo
de 60%, ficando ao redor de 40,1%, mas quando se analisa
regionalmente, afinal os EUA são “diversos países”, os
índices de concentração são bem maiores.
Os dados levantados pelo estudo de consumo mos-
tram exemplos emblemáticos como a Rússia, onde as
cinco principais redes que atuam no país respondiam
por 60,9% das vendas em 2000 e em 2014 passaram a
responder por 76,9%. Na Espanha essa relação passou
de 52,7% em 2000 para 66,1% em 2014. No Reino Unido,
a concentração também avançou e passou de 50,6%
para 60,6%. Um movimento que dá às redes um grande
poderio na hora de negociar condições e margens e que
US$ 114 bilhões
PODER DE NEGOCIAÇÃO DOS VAREJISTAS - 2014
ORGANIZAÇÕES DE COMPRA DOSVAREJISTAS NA EUROPA
Faturamento total dos
membros da organização
ORGANIZAÇÃO VAREJISTAS PARTICIPANTES Dólares (bi)
AMS28 países
Ahold Esselunga Migros $214.318
Booker ICA Morrisons
Dansk Supermarked
Jerónimo Martins Superquinn
Delhaize Kesko Système U
SPARInternational14 países
Franquiados do Spar nos seguintes países: $138.301
Áustria Finlândia Holanda
Bélgica Grécia Suíça
República Tcheca
Hungria Reino Unido
Dinamarca Itália
Eire Eslovênia
COOPERNIC/CORE16 países
Rewe Group IKI Colruyt $111.417
Conad Coop Schweiz
AGENOR/ALADIS8 países
Edeka Intermarché $123.833
EMD20 países
Axfood Musgrave Group Norgesgruppen $111.588
Euromadi Tuko Logistics Superunie
Casino ESD Italia
SuperGros Mercator
VAREJISTAFaturamento
totalDólares (bi)
5 PRINCIPAIS VAREJISTAS NO BRASIL
Casino - Extra, Pão de Açucar $30.164
Carrefour $16.652
Walmart $12.644
Lojas Americanas $7.884
Cencosud $4.313
WEB SITE PARA CONSUMIDORES DO REINO UNIDO VERIFICAREM OS PREÇOS DA LISTA DE COMPRA EM TODOS OS SUPERMERCADOS DE SUA VIZINHANÇA ANTES DE IREM ÀS COMPRAS www.mysupermarket.co.uk
Fonte: Planet Retail
Dispostas a conquistar espaço no cobiçado
mercado americano, a holandesa Ahold e a belga
Delhaize resolveram juntar forças. A fusão dos dois
grupos cria mais uma gigante do varejo, cujas ven-
das devem somar US$ 25 bilhões o que a tornaria
a quinta maior rede de supermercados dos EUA e a
quarta maior da Europa. A estratégia das empresas é
mais um movimento da concentração do varejo em
todo o mundo e, de acordo com o comunicado con-
junto das empresas, deverá ajudar a reduzir custos, a
aumentar a presença e a ganhar escala no mercado
norte-americano. O plano é incomodar outro gigan-
te, o Walmart, principal grupo varejista dos EUA.
A fusão dos dois grupos, que dará origem à
Ahold Delhaize, acontece num momento em que
grupos de supermercados nos EUA e na Europa en-
frentam vários desafios, que vão desde a ascensão
das redes de desconto alemãs até a mudança dos
hábitos do consumidor. A ideia é que, ao se associa-
rem, as empresas poderão usar o aumento de es-
cala para negociar melhores condições com os for-
necedores. Tanto a holandesa Ahold como a belga
Delhaize geram a maior parte de suas vendas nos
EUA, onde possuem redes como Stop & Shop, Giant
e Food Lion. Juntas elas contam com mais de 6.500
UM CASO EMBLEMÁTICO: A FUSÃO DA AHOLD E DELHAIZEDuas das principais redes de supermercados da Europa, a Ahold e a Delhaize, oficializam sua fusão e criam mais uma gigante do varejo disposta a ganhar espaço no mercado americano
lojas e 375.000 funcionários, atendendo a mais de
50.000.000 de clientes semanais.
Embora anunciado como “fusão entre iguais”, o negó-
cio foi estruturado como uma tomada de controle. Assim,
os acionistas da Ahold, que tem um valor de mercado de
US$ 16,8 bilhões, controlarão 61% do capital da nova em-
presa. Os acionistas da Delhaize deterão o restante.
traz reflexos diretos para toda a cadeia produtiva.
Já é possível notar esse mesmo fenômeno em mercados
em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, onde as cinco
principais redes varejistas, Casino, Carrefour, Walmart, Lojas
Americanas e Cencosud, também têm aumentado seu poder
de compra e já respondem por um faturamento conjunto
de US$ 71,6 bilhões. Este fato impacta na concentração da
indústria de sucos, o que será visto a seguir.
HIPERMERCADO
SÉRIE CONSUMO DE SUCO DE LARANJA
CONCENTRAÇÃO NA VENDA DE ALIMENTOS NOS CINCO PRINCIPAIS VAREJISTAS DOS MERCADOS SELECIONADOS
2000 2005 2010 2013 2014
99,3% 99,5% 100,0% 100,0% 100,0%
80,7% 85,1% 92,5% 96,2% 91,6%
58,5% 72,3% 84,4% 96,4% 90,0%
72,5% 71,9% 84,4% 82,7% 83,8%
60,9% 55,1% 74,4% 77,8% 76,9%
60,6% 54,8% 73,7% 63,8% 76,7%
66,4% 72,9% 80,0% 75,6% 75,6%
70,0% 64,8% 74,7% 72,8% 72,9%
66,6% 63,4% 66,5% 72,2% 72,2%
52,7% 56,7% 69,2% 64,7% 66,1%
41,0% 40,5% 43,0% 53,1% 63,3%
69,6% 67,5% 67,1% 64,4% 62,4%
51,4% 41,6% 53,2% 60,9% 61,2%
50,6% 59,8% 67,9% 62,9% 60,6%
42,7% 45,3% 46,3% 48,5% 40,1%
Fonte: Planet RetailPequeno varejo e mercearias de bairro não estão incluídos
Israel
Suíça
Coreia do Sul
Áustria
Rússia
Canadá
Alemanha
França
Japão
Espanha
Brasil
Itália
Polônia
Reino Unido
EUA
MERCADOS SELECIONADOS
PARTICIPAÇÃO DE MERCADODe acordo com o comunicado, as empresas
pretendem obter uma economia de custos
de 500.000.000 de euros em três anos. O
principal executivo da Ahold, Dick Boer, disse
que a meta representa um desafio, mas pode
ser alcançada. “Estamos muito convencidos
de que 500.000.000 de euros são factíveis,
mas será um trabalho árduo”, disse. Boer
será o principal executivo do novo grupo,
enquanto Frans Muller, principal executivo
da Delhaize, será seu vice, e acompanhará
a integração das duas companhias.
Com uma base de lojas que se estende desde
a Costa Leste dos Estados Unidos até a Indo-
nésia, a associação terá de ser aprovada pelos
órgãos reguladores. “Há muito a ser feito”, disse
Muller. As empresas informaram que preveem a
conclusão da operação para mea dos de 2016.
HIPERMERCADO
Além de impactar nas negociações junto aos fornecedores
e no preço final do produto na gôndola, a consolidação do varejo
acabou se tornando também o principal fator de mercado para a
concentração de outro elo da cadeia, os engarrafadores, donos
das marcas de sucos. Um dos exemplos mais emblemáticos desse
modelo foi a união das empresas alemãs Gerber-Emig e Refresco,
que deu origem à maior envasadora da Europa, denominada Re-
fresco Gerber Group. Uma gigante que sozinha é responsável pela
compra de cerca de 15% de todo o suco brasileiro que é exportado.
O caso da Refresco Gerber Group reflete uma tendência
que vem acontecendo na Europa em geral e de forma muito
A CONSOLIDAÇÃO DO VAREJO E MARCAS PRÓPRIAS MUDAM O COMPORTAMENTO DA INDÚSTRIA DE SUCOS
particular na Alemanha, principal cliente do Brasil na venda
de suco de laranja para o mercado europeu. Nos últimos 30
anos uma série de marcas deixou o mercado ou foi comprada
por outras empresas, em um movimento contínuo que faz
com que cada vez mais a compra de suco esteja nas mãos de
menos empresas. Um fator ainda mais complicador dentro de
um mercado altamente competitivo como o de suco de frutas.
Colocar um produto à venda na prateleira de um supermercado
está longe de ser tarefa das mais fáceis. Principalmente porque
quem atua no mercado mundial de alimentos e bebidas precisa se
acostumar a enfrentar verdadeiros gigantes do varejo que a cada
ano têm aumentado sua força na hora de negociar com quem quer
colocar seu produto em suas prateleiras. A explicação para esse
fenômeno está numa verdadeira “queda de braço” entre
as redes varejistas e as marcas de produtos.
Desde os anos 70, os supermercados têm
intensificado a internacionalização de suas
marcas e aumentado sua presença em
mercados estratégicos. De acordo com o professor Nirmalya
Kumar, autor do livro “Estratégias das Marcas Próprias”, que
trata da concentração desse mercado, essa estratégia foi
desenvolvida para que essas empresas se tornassem mais
competitivas, aumentando suas escalas e reduzindo custos.
Além disso, com poucas empresas sendo responsáveis
pela maior parte das vendas, o varejo consegue aumentar sua
influência no marketing das marcas e na distribuição das margens
do setor. Uma prova disso é o avanço do segmento dos private
labels, as marcas próprias dos supermercados, principalmente
na Europa. É interessante notar que cerca de 70% das vendas de
suco de laranja na Europa são oriundas de marcas próprias dos
supermercados e apenas 30% de marcas tradicionais.
Nos Estados Unidos, por outro lado, acontece exatamen-
te o oposto: 70% das vendas são de marcas tradicionais e
apenas 30% de marcas próprias de supermercado. Um dos
grandes problemas das marcas próprias de supermercado
é que seu grande diferencial é o preço.
Com os private labels as redes varejistas têm o poder de até
substituir determinadas marcas da prateleira por um de marca
própria, na maioria das vezes sublocando fábricas a um custo
unitário menor do que a marca “original”. Esse mecanismo traz
reflexo para o mercado de sucos, pois trata-se de produtos cujo
apelo está no preço e não em seu valor agregado, o que gera
desvalorização. Num mercado dominado por esse tipo de produto,
a agregação de valor não é um aspecto muito trabalhado, o que
diminui a distribuição de renda para toda a cadeia.
Outro exemplo da força que a concentração das grandes redes
varejistas exerce em todo o mercado está numa recente estratégia
da rede americana Walmart, que tem negociado junto aos seus
fornecedores que reduzam suas margens (ver matéria nesta edição).
Tudo para que a gigante americana volte a usar o
apelo de preços mais baixos aos consumi-
dores americanos e afaste a crescente
concorrência de outras redes de
menor porte que usam o
mesmo atrativo.
Como visto nas sessões anteriores, os problemas da cadeia
citrícola não estão apenas nas dificuldades e nos custos da
oferta de fruta, mas principalmente na menor sede mundial
por suco de laranja. O consumo mundial desse produto tão
brasileiro caiu 15,3% nos últimos dez anos e as perdas em
relação à demanda de 2004 somam 450.000.000 de caixas,
que deixaram de ser consumidas na forma de suco.
Também foi visto que a quebra da safra americana em
decorrência do greening tem aumentado os custos de produção
e os preços que chegam aos consumidores nas gôndolas dos
supermercados. E a alta desses preços interfere no consumo
negativamente. Além disso, tem-se a concentração varejista
vindo forte mais uma vez, com o faturamento somado dos cinco
maiores varejistas mundiais, assim como os cinco maiores
pools de compra somando mais de US$ 1,7 trilhão.
E é justamente nesse ambiente externo hostil que se encontra
a cadeia citrícola brasileira. Com a mudança dos paradigmas, dos
hábitos de consumo e a maior concentração do varejo, mudam
também os desafios enfrentados pelo setor. Assim, enquanto
no passado, a principal preocupação da citricultura estava na
oferta adequada de fruta, agora, as atenções se voltam para o
desafio de reverter a queda no consumo da bebida.
Diante desse desafio, a CitrusBR, com o apoio de institui-
ções do setor, vem encabeçando uma importante campanha
em prol do desenvolvimento do mercado interno, por meio do
estímulo ao consumo do suco 100%, em que a cadeia produtiva
se beneficiaria duplamente, vendendo no mercado interno e
secando um pouco o duto que vai ao mercado externo.
Assim, mais do que buscar alternativas para restabelecer
a demanda pelo suco apenas olhando para os mercados in-
ternacionais, torna-se cada vez mais fundamental enxergar as
oportunidades que temos de incrementar a demanda dentro de
casa, por meio de medidas como a desoneração do suco 100%.
CONCLUSÃO: MAIS DESAFIOS À CADEIA PRODUTIVA NO BRASIL
SÉRIE CONSUMO DE SUCO DE LARANJA
Mas para que esse projeto se transforme em uma realidade
promissora, no entanto, mais do que o apoio governamental,
é preciso que haja também a participação ativa e o apoio de
todos os elos da cadeia, em um cenário de ampla coope-
ração, a fim de que se possa extrair do mercado brasileiro
todo o potencial que ainda está adormecido.
Com essa importante estratégia, ganha o setor, ao
recuperar parte de sua demanda, ganha o consumidor, ao
ter acesso a um produto de alta qualidade a um preço mais
competitivo, e ganha a economia brasileira, com a geração
de empregos, renda e estímulos ao consumo.
A cadeia do suco de laranja é como um grande “sucoduto”,
em que o produto sai do Brasil e chega aos mercados de destino.
Quanto mais fechada a torneira nesses mercados, mais suco
“sobra” nesta grande “caixa-d’água” de suco que é o nosso país.
Isso mostra a fundamental importância de se observar e discutir
fortemente as questões de consumo e formas de recuperá-lo. E
,sem a devida união do setor, as torneiras do mundo continuarão
cada vez mais fechadas.