Post on 19-Sep-2018
FACULDADE RADIAL
Curso de Direito
OS IMPACTOS CAUSADOS NAS PEQUENAS E MDIAS CIDADES DO INTERIOR DO ESTADO DE SO PAULO COM A PRIVATIZAO E DESCENTRALIZAO DO SISTEMA PRISIONAL. O CASO DE IPER.
So Paulo - 2006
1
Livros Grtis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grtis para download.
FACULDADE RADIAL
Curso de Direito
OS IMPACTOS CAUSADOS NAS PEQUENAS E MDIAS CIDADES DO INTERIOR DO ESTADO DE SO PAULO COM A PRIVATIZAO E DESCENTRALIZAO DO SISTEMA PRISIONAL. O CASO DE IPER.
Mrcio Silva Gonalves
Monografia apresentada Faculdade Radial como exigncia parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.
Orientador: Carlos Bauer
So Paulo - 2006
2
Folha de Aprovao
Nome: Mrcio Silva Gonalves
Ttulo: Os Impactos Causados Nas Pequenas e Mdias Cidades do Interior do
Estado de So Paulo com a Privatizao e Descentralizao do Sistema Prisional. O
Caso de IPER
Banca Examinadora:
___________________________________
___________________________________
___________________________________
So Paulo _____/____/_____
3
Agradeo a DEUS, pelas foras que impulsionaram essa alma e dedico o
presente Trabalho a todos aqueles que de alguma forma contriburam para
meu aperfeioamento como ser humano, possibilitando o alcance desse
degrau, almejando um futuro promissor para minha pessoa e que contribua
para melhorar a sociedade.
4
Agradeo tambm a dedicao e sabedoria transmitida por todos os
professores nesses 5 anos, especialmente ao Mestre Carlos Bauer, pela
oportunidade de trabalhar nesse projeto ao seu lado.
5
Entre todas as obras pias, nenhuma se compara em piedade
criao de uma escola. Mais humano e cristo premunir contra o
mal os nossos semelhantes acendendo-lhes no esprito o facho da
educao, que instrui, consola, melhora e fortalece, do que deix-los
penar na cegueira primitiva, reservando-nos para oferecer mais
tarde aos invlidos o grabato do hospital, ou impor aos rebeldes a
moralizao cruciante da penitenciria.
(Rui Barbosa)
6
INTRODUO
A cada vinte minutos (), uma pessoa roubada no Rio de Janeiro.Em So Paulo, a situao no melhor: um roubo a cada quinze minutos ().Em Porto Alegre, no mesmo perodo ocorreram 81 homicdios, 1500 furtos e quinze assaltos por semana a motoristas de taxi.Em So Paulo() os nmeros foram aterradores: dois mil assassinatos, seiscentas agncias de banco assaltadas mais de cem mil assaltos a mo armada, 88 mil casos de roubo.(PIRES,1985: 02).
As cidades, seja em qualquer tempo e seja elas quais forem, tem implicaes
diretamente no ntimo e no comportamento dos muncipes, conforme a infra-estrutura do local
em que vivem podem influenciar nas sua qualidade de vida e de seus descendentes.
A violncia que muitas vezes est implcita em um ambiente urbano, principalmente
quando este se apresenta pelas grandes desigualdades sociais e de um contingente populacional
crescente, traz conseqncias negativas para toda a sociedade, se fazendo necessrio criar
polticas especficas para os problemas que surgem.
Os diversos conflitos de interesses entre os seus membros, como tambm daqueles que
surgem como fruto do prprio cenrio urbano, levam os governantes a tomar medidas que
muitas vezes aparentemente resolvem o problema.
Nesse contexto surge a questo do contingente populacional dos encarcerados, queles
que devem cumprir as penas no sistema prisional, trata-se um problema carcerrio e tambm
penitencirio que necessita de solues a mdio e a longo prazo, para isso surgem novas
polticas penitencirias.
Nos ltimos 10 anos no estado de So Paulo, observamos o fenmeno da
descentralizao e privatizao dos locais de cumprimento da pena, da excluso dos
sentenciados do solo da megalpole para uma progressiva migrao forada para o interior do
Estado.
Diante de tal realidade do cotidiano, um novo problema surge e com ele muitas
perguntas. Quais so os impactos para as cidades que acolhem essa nova leva de migrantes
especiais, ter trazido benefcios? Malefcios? A populao aceitou livremente esses indivduos
ou foram coagidas pelo Estado? A descentralizao trouxe um enfraquecimento das raizes da
violncia ou plantou novas mudas em todo o territrio do Estado.
A privatizao do sistema prisional e a conseqente construo de unidades fora dos
grandes centros urbanos ser abordado no presente trabalho, visando esclarecer esses pontos
obscuros e trazer luz das discusses, que por ventura tenhamos condies de produzir, para
benefcio de toda sociedade como tambm para aqueles que se interessam pelo tema e
7
principalmente aos muncipes, pessoas que atravessam o cotidiano com seus direitos e deveres,
e que foram atingidas diretamente pela nova poltica implantada em nosso estado.
No captulo 1 HISTRICO DO PAPEL DOS PRESDIOS NA SOCIEDADE, do
presente trabalho, expomos um panorama geral do histrico dos presdios na sociedade,
principalmente da sociedade ocidental, onde analisamos os diversos tipos de pensamento sobre
a pena e a sua finalidade, verificamos que no decorrer da histria passa de carter de suplcio
onde retirava-se a vida do indivduo, para momentos como o da era moderna onde preza-se a
desprisionalizao e a ressocializao da pessoa humana.
No capitulo 2, que traz como ttulo A CASA DE DETENO DE SO PAULO,
situamo-nos no espao e no tempo, remetendo as nossas referncias aos sitemas prisionais
existentes em nosso pas, utilizando como exemplo a Casa de Deteno de So Paulo existente
at o ano de 2002, estrutura prisional que em nossa poca no atende mais a finalidade da pena,
ao mesmo tempo analisamos como os problemas encontrados nessa instituio fomentaram o
modelo adaptado de privatizao e descentralizao dos presidios em nossos pas.
Continuando no tem 2.1, justamente intitulado Processo de Descentralizao,
comentamos a respeito do fenmeno mundial de privatizao e descentralizao das aes
governamentais nas reas sociais e como esse mentalidade influenciou nossos governantes a
aplicar essa metodologia na rea prisional.
Situamos um perodo no tem 2.2, que tem como ttulo 1980, como incio efetivo no
Brasil do processo de privatizao e descentralizao em todas as reas, causado principalmente
pela continuao do exdo rural iniciado na decada de 1970, do modelo capitalista de
desenvolvimento que expulsou o homem do campo e o introduziu no cenrio urbano e como a
falta de planejamento e de infra-estrutura em termo sociais nas cidades polos industriais,
afetaram significativamente o aumento da criminalidade no pas e principalmente no estado de
So Paulo.
Atualizamos os pensamentos sobre a questo do sistema prisional e da ressocializao
no tem 2.3, Exame Criminolgico, referindo-nos a ele como feito ateriormente Lei
10792/2003, e como essa alterao foi influenciada pelo processo de privatizao e
descentrazilao comentado no tem anterior. Relacionamos nesse mesmo tem o fato do
aumento da criminalidade em nosso estado ser causado por uma poltica pentenciria aplicada
sem o devido estudo de impactos que poderiam vir a ocorrer no sistema prisional bem como a
muncipes de pequenas e mdias cidades.
Nossa pesquisa para o presente trabalho ocorreu no ano de 2006 e no perodo
compreendido para a coleta de dados, houve atentados organizados por pessoas ligadas a grupos
8
criminosos dentro e fora dos presdios, contra instituies ligadas a segurana e ao sistema
prisional, incluimos o tem 2.4, O Poder das Grades, por achar pertinente e para demonstrar
como o processo de ressocializao e a devida finalidade da pena, podem ter obstculos a sua
efetividade quando males sociais no so combatidos em suas raizes. Comentamos tambm
como esses ataques podem influenciar nos nimos dos cidados das cidades que receberam
complexos prisionais.
Nos compremetemos a apresentar dados e informaes de fontes primrias e para isso
nos dirigimos a cidade de Iper no interior do estado de So Paulo, onde construi-se um
presdio e consideramos ideal para a coleta de dados, esta localizada no captulo 3,
CONHECENDO IPER, onde descrevemos um pouco da cidade e de seus cidados.
Para a coleta de dados primrios e comentar sobre essa cidade, fez-se necessrio
apresentar um perfil superficial da Penitenciria localizada em Iper, consta no tem 3.1, A
Penitenciria de Iper. As informaes apresentadas em sua quase totalidade constam no
endereo da internet da Secretaria de Administrao Penitenciria de So Paulo, por ser um
orgo estatal, as informaes prestadas ao pblico devem passar pela burocracia administrativa,
o que poderia causar transtornos na apresentao dos resultados at a data do depsito da
Monografia.
No captulo 4, AS CIDADES, informamos como surgiram e qual sua importncia
dentro do que conhecemos como pacto federativo nacional, demonstrando como algumas
questes que afetam o pequeno e mdio municpio no pas e principalmente no estado de So
Paulo, local onde implantou-se a privatizao e centralizao do sistema prisonal, podem
influenciar no aumento da criminalidade e na mudana de hbitos.
Das Leis e da Infra-estrutura, tem 4.1, determinamos a importncia do ente municipal
em elaborar leis e normas que visem proteger os cidados e como o Plano Diretor poderia
garantir mais igualdade nas relaes entre os trs entes que formam o Estado Nacional,
analisamos tambm as compensaes financeiras e sociais que poderia ocorrer com a aceitao
de presdios em seus territrios.
O projeto prisional esta inserido no presente trabalho por ser de suma importancia no
que se refere aos fundamentos dos Direitos Humanos mundialmente difundidos e que o Brasil
signatrio. Localizado no tem 4.2, Projeto Prisional comentamos como historicamente a
arquitetura prisional modifica-se em igualdade de pensamento com a finalidade da pena, dos
suplcios onde jogava-se o preso em qualquer construo onde estivesse um guarda para evitar a
sua fuga at ser executado, aos dias atuais onde o lugar de deteno o primeiro passo para a
ressocializao daquele que um dia infringiu a Lei.
9
Notamos apartir desse tem uma tendncia mundial em no usar mais o encarceramento
como meio eficaz de ressocializao, substituindo-o por penas alternativas e outros institutos
onde preserva-se a liberdade do indivduo, isso ser objeto de tem posterior.
No captulo 5, OS IMPACTOS POSITIVOS E NEGATIVOS feita a anlise de dados
de outros municpios que receberam presdios e os impactos causados, comparando-os com os
de Iper, muito diferente do que inicialmente imaginvamos, a populao da maioria dos
municpios aceita um estabelecimento como este, poderiamos citar diversas hipteses para essa
atitude, mas aquela que em nosso ponto de vista mais se aproxima da realidade, seria dizer que
nesses municpios a individualidade gerada pelo modelo capitalista de desenvolvimento ainda
no a regra, conserva-se ali, diferente das metrpoles, hbitos de solidariedade e amizade
entre as pessoas, no captulo 3 comentamos a respeito do surgimento dos municpios onde essas
atitudes so a base para o surgimento de aglomeraes que mais tarde se tranformaram em
cidades.
Consideramos que a problemtica prisional da ressocializao do indivduo, fase atual
da finalidade da pena, juntamente com o novo pensamento da desprisionilizao e susbstituio
das penas restritivas de liberdade pelas restritivas de direito so os caminhos apontados para
uma efetiva pacificao social, assim no captulo 6, DAS SOLUES APLICADAS,
informamos quais solues foram aplicadas no mbito do sistema prisonal paulista.
Continuamos a discutir o tema no tem 6.1, apresentamos os Centros de Ressocializao
criados pela SAP como modelo positivo na preveno do aumento da criminalidade e na
ressocializao do indivduo uma vez preso.
Comentamos no decorrer do trabalho que o estado o patrono em nosso pas da funo
de prevenir o crime e de punio aos infratores das leis, a auto-tutela no vigora legalmente em
nosso meio social, no tem 6.2, Das Associaes, das Fundaes e da Sociedade, discorreremos
sobre as Associaes e das Fundaes, bem como da Sociedade. Deixamos claro que
comentaremos superficialmente sobre cada uma delas, j que percebemos que h uma tendncia
mundial de privatizao acontecendo tambm na finalidade do Estado em atender necessidades
bsicas.
Consideramos que por diversos fatores histricos o Estado brasileiro no consegue
atingir essa meta, abre-se ento oportunidades para outros contribuirem no atendimento dessas
necessidades e no tem 2.4, denominado O Poder das Grades, que na falta do Estado, grupos
criminosos preenchem algumas lacunas na ressocializao dos presos, afetando os cidado e as
cidades, apartir da, pensamos que entidades como as Associaes, Fundaes e a prpria
Sociedade como um todo, devem intervir para evitar o surgimentos desses lacunas sociais.
10
Para o intento desse trabalho foi escolhida uma cidade que no perodo do fenmeno da
privatizao e descentralizao recebeu a construo de um presdio, em nosso caso a cidade
de Iper, localizada a 120 km da capital de So Paulo, com populao de 23.000 habitantes.
A pesquisa foi realizada levando-se em conta os aspectos jurdicos para construo
desses tipos de estabelecimentos e o fim para que se destina a pena contemporaneamente e os
impactos que tais construes trouxeram para essa cidades, para isso utilizamos informaes de
fontes primrias colhidas in loco, bem como referncias bibliogrficas, fontes jornalsticas,
consultas internet e outras que puderam subsidiar a compreenso do tema exposto.
1-HISTRICO DO PAPEL DOS PRESDIOS NA SOCIEDADE
At o sculo XVIII, em muitos pases ocidentais, a principal punio utilizada pelos
governantes que representavam o estado era a pena de morte nas suas diversas formas, como a
forca, o estrangulamento, a extrao das vsceras e outras todas com o condenado ainda em
11
vida; era espetculo, objetivava intimidar as pessoas para no praticarem delitos, chamavam-se
suplcios, as prises dedicavam-se exclusivamente a guardar os acusados e condenados at a
execuo.
No havia separao entre crimes graves e daqueles menos graves, no havia
proporcionalidade entre crime e pena cominada e segundo Cesare Beccaria em sua obra Dos
Delitos e das Penas declara:
Se for estabelecido um mesmo castigo, a pena de morte, por exemplo, para aquele que mata um faiso e para quem mata um homem ou falsifica um documento importante, em pouco tempo no se proceder a mais nenhuma diferena entre esses crimes; sero destrudos no corao do homem os sentimentos de moral, obra de muitos sculos, cimentada em ondas de sangue, firmada muito lentamente atravs de mil obstculos, edifcio que apenas se pode erguer com o auxilio das mais excelsas razes e o aparato das mais solenes formalidades (BECCARIA, 2006: 69).
A Igreja catlica na Europa, sempre teve grande influncia nos comportamentos das
pessoas, mas no aplicava nas punies a pena capital, criou prises em forma de celas
destinadas a cumprimento das penas clericais, que aos poucos se expandiram e propagaram-se
como exemplo de confinamento.
Mas excetuando os crceres clrigos que tinham o intuito de purgar os pecados e limpar
a alma, aqueles que no estavam sob o olhar da Igreja eram insalubres e tinham diversas
doenas contagiosas, neles a possibilidade de sobrevivncia eram mnimas, as revoltas era
constantes, o frio, a fome, as superlotaes eram a regra.
Segundo Pimentel (1977), mais contemporneo do tipo de priso como conhecemos
hoje, afirma que a chamada priso celular teve origem no sculo V, aplicada nos mosteiros
catlicos, como punio imposta aos monges e clrigos pelos seus erros. Como mencionado
anteriormente, a Igreja no permitia a pena capital e nem penas de suplcio, recolhiam-se os
faltosos em um lugar para sua penitncia, e esta era feita em celas, da vem designao como
conhecemos at hoje, priso celular e penitenciria.
Essa idia inspirou a construo da primeira priso destinada especificamente ao
recolhimento de criminosos, a House of Correction1.
A excluso do indivduo considerado faltoso das normas surge com a civilizao e seu
anseio de formar uma sociedade para um bem comum, inicialmente patriarcal era a pena de
carter sacramental, advinda do respeito aos tabus e as divindades.
1 Construda em Londres entre 1550 e 1552, difundindo-se por toda Europa, de modo marcante no Sculo XVIII.
12
Aqueles que no seguissem as regras impostas pelo patriarca eram expulsos da tribo ou
muitas vezes vendidos como escravos, a funo desse tipo de priso-tabu era controlar o
comportamento dos membros de determinados agrupamentos e manter o poder.
A Lei de Talio2, que consagra o celebre ditado Olho por olho e dente por dente a
representao natural do desejo do homem de vingana proporcional ao mal causado, os
primeiros indcios dessa lei foram encontrados no Cdigo de Hamurabi3, datado de 1730 a.C no
reino da Babilnia. Essa lei permite evitar que as pessoas faam justia elas mesmas,
introduzindo um incio de ordem na sociedade com relao ao tratamento de crimes e delitos.
a idia de correspondncia de correlao e semelhana entre o mal causado a algum
e o castigo imposto a quem o causou: para tal crime, tal e qual pena, tambm esta no Direito
hebraico (xodo, cap. 21) 4, o criminoso punido taliter, ou seja, tal como, maneira igual ao
dano causado a outrem.
No Antigo Imprio Romano, j havia a prevalncia dos suplcios das penas corporais,
tendo entre elas, a de morte as mais comum, prendia-se o indivduo por um determinado tempo
(at o julgamento), apenas para cumprir a execuo do condenado, no havia local especfico
para aguardar a execuo, ficavam em qualquer lugar onde tivesse algum ou guardas para
vigi-los.
A Idade Mdia Europia predominantemente dominada pela religio catlica marcada
pelo sofrimento corporal, praticado contra os acusados para a libertao da sua alma, mediante
suplcios como a forca, a roda, etc.
No perodo entre os sculos XVI e XVII, houve intensa migrao da populao dos
campos para as cidades e consequentemente aumento das necessidades sociais, crescendo em
muito as desigualdades oriundas do modelo capitalista nascente. Neste contexto, a
criminalidade crescia na mesma proporo, perambulando pelas ruas de todas as grandes
cidades havia mendigos, prostitutas, vagabundos e demais tipos de pessoas que como no
tinham utilidade, eram consideradas simplesmente criminosas, excludas da sociedade pela
crescente concentrao de capital da nova burguesia.
Ascendendo os burgueses e com o declnio da nobreza, houve mudana de interesse no
objeto do crime, havia um maior nmero de crimes cometidos contra o patrimnio, no que
2 A Lei do talio (do latim Lex Talionis: lex: lei e talis: tal, parelho) consiste na justa reciprocidade do crime e da pena. Esta lei freqentemente simbolizada pela expresso olho por olho, dente por dente. uma das mais antigas leis existentes.3 O Cdigo de Hamurabi um dos mais antigos conjuntos de leis encontrados, esto gravadas em um monolito de diorita preta de 2,5 m de altura.4 Est na Bblia, Captulo 21, Lei dos Israelitas, versculos 24 e25: olho por olho, dente por dente, mo por mo, p por p, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.
13
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leihttp://pt.wikipedia.org/wiki/Latim
estivesse extinto os crimes contra a vida e outros, mas o enfoque tinha mudado e nesse novo
aspecto poltico, os costumes e as normas eram criadas para assegurar a livre circulao de bens
e das propriedades da nova classe dominante.
Os criminosos na maioria das vezes eram pessoas comuns, assoladas pela fome,
buscavam alimento, para isso roubavam bens dos mercadores para trocar por comida, os delitos
aumentavam na proporo da misria, causavam prejuzos financeiros vultosos.
As normas criadas eram direcionadas privao da liberdade contra esses miserveis,
mas tambm criou outras, privativas de direitos aos burgueses, estes movimentavam a
sociedade e seria inconveniente serem privados da liberdade, para eles havia a possibilidade de
reverter s penas de priso em pecnias e estas quando pagas, no representavam um nfimo do
que lucravam com os seus delitos.
Os primeiros, os miserveis, eram apenados tambm com a priso como os burgueses,
mas mesmo quando tinham a possibilidade de converter a priso em dinheiro mas dificilmente
conseguiam, visto que se roubaram para vender e matar a fome, como arranjar dinheiro para
pagar as multas? Na prtica, restava-lhes o claustro, assim encheram-se as prises.
Entre as prises mundiais, destaca-se o modelo de Rasphuis de Amsterdam5, pelo uso da
metodologia cientfica no cumprimento da pena dos condenados, l existia regresso de pena
por bom comportamento, trabalho obrigatrio remunerado.
Na priso de Walmut Street, 6 acrescentaram-se novas polticas penitencirias com
diviso dos presos em classes, verificao dos antecedentes, reincidncias penais, como eram
eficazes este modelo seria adotado pela maioria dos presdios posteriormente.
No mundo ocidental, vrias prises se destacam como referncia positiva de instituies
e sendo outras de total fracasso no intuito de reeducar, destaca-se no Brasil a Casa de Deteno
de So Paulo como um exemplo negativo, o nosso prximo captulo.
2- A CASA DE DETENO DE SO PAULO
O problema penitencirio envolve as penitencirias e o carcerrio envolve todo o
sistema prisional, incluindo cadeias e presdios, que o contingenciamento de vagas.
5 Inaugurado em 1596, onde o trabalho era obrigatrio, a cela individual era utilizada somente a ttulo de punio com vigilncia contnua e leituras espirituais.6 Inaugurado em 1790 na Filadlfia, Estados Unidos
14
Atualmente h no estado de So Paulo 144 unidades prisionais, sendo 74 Penitencirias,
32 Centros de Deteno Provisria (CDP) e 22 Centros de Ressocializao (CR), 07 Centro de
Progresso, 02 Institutos Penais Agrcolas, 05 Hospitais e 03 Unidades de Segurana Mxima e
um contingente populacional carcerrio de 127.562 presos, isso at 28/09 de 2006 7, conforme
grfico abaixo:
Ilust 01-Grfico de populao carcerria na Sec. de Adm. Penitenciria (SAP) - Fonte: SAP-SP
Projetada pelo escritrio do arquiteto Ramos de Azevedo8 na dcada de 20, a Casa de
Deteno Professor Flamnio Fvero, teve seu nome escolhido em homenagem ao eminente
mdico-legista Flamnio Fvero nascido em 1895, na cidade de So Paulo e integrante em 1919
da primeira turma de formandos da Faculdade de Medicina de So Paulo, como destaque dele
o CRM n01.
A Casa de Deteno de So Paulo, tambm conhecida como Carandiru por estar
localizada no bairro com o mesmo nome, foi inaugurada em 1956, pelo Governador Jnio da
Silva Quadros, foi originalmente construda para abrigar 3250 presos, sendo reestruturada
durante os anos seguintes passando a abrigar at 6300 presos, era considerado o maior presdio
existente na Amrica Latina.
7 Fonte Secretaria de Administrao Penitenciria em www.sap.sp.gov.br.8 Em 1904 foi realizado um certame pblico, no qual concorreram os mais afamados engenheiros da capital e de outras localidades do pas, para planejar a estrutura de uma penitenciria que comportasse a populao condenada da poca. Seu vencedor foi Samuel das Neves, prestigiado profissional filiado ao escritrio do, no menos famoso, Ramos de Azevedo, conhecido pela construo do Teatro Municipal de So Paulo.Ramos de Azevedo, ao final, levou as glrias do projeto, em razo de uma simples adequao de linhas ao original.
15
At o ano de 1975, a da casa de Deteno de So Paulo era utilizada para abrigar os
presos que ainda no estivessem condenados, a partir dessa poca deixou de cumprir essa
funo abrigando todos os tipos de presos, entre os anos de 1968 e de 1977, a populao
carcerria do Carandiru, aumentou em mais de 4000 presos.
PIMENTEL em sua obra Prises Fechadas e Prises Abertas, descreve que em
26/04/19779, a populao carcerria em todo o estado de So Paulo era de 3173 indivduos,
estes includos no Sistema Prisional e na Penitenciria do Estado, para uma contingente de 2837
vagas, nota-se que mesmo um pouco acima da capacidade no era nada que no se pudesse
acomodar.
Segundo este autor, em 14/07/1977 a quantidade existente de vagas nos
estabelecimentos prisionais (cadeias e penitencirias) no interior do Estado de So Paulo era
mais que suficiente para abrigar os presos, deveria apenas haver uma recolocao de indivduos
nos locais onde havia mais vagas enquanto no se construsse estabelecimentos prisionais, mas
isso no foi feito.
Nos anos compreendidos entre 1976 e 1977, na capital do estado, iniciou-se a
superlotao das cadeias, e ao invs de construir estabelecimentos prisionais, optou-se por um
paliativo, um sistema de troca de presos ou permuta, entre as delegacias da capital e a Casa de
Deteno de So Paulo.
Mesmo construda para abrigar somente presos provisrios, recebia pela falta de vagas
nos estabelecimentos penitencirios, aqueles que j estavam condenados.
Nas permutas entre as delegacias e o Carandiru, este acabava ficando com os presos j
sentenciados e devolvia para as delegacias aqueles ainda no sentenciados e teoricamente
menos perigosos.
Acontece que, aquele preso oriundo da Casa de Deteno, j tinha inserido na sua
personalidade muito dos efeitos negativos da priso, enquanto quele vindo das delegacias,
encontrava-se pela primeira vez nesse novo local, um ambiente nada incentivador para a sua
ressocializao.
Aqueles presos j com os vcios da priso, facilmente dominavam aqueles que estavam
no crcere pela primeira vez, criava-se um crculo criminal que somente uma efetiva poltica
penitenciria voltada para a individualizao da pena, somado com construo de
estabelecimentos prisionais adequados para o intuito da priso, que de ressocializar poderia
quebrar, mas no foi feito.
9 Captulo 2, ob.cit.
16
A permuta foi criada como dissemos como um paliativo, mas aquilo que deveria ser
temporrio havia se tornado uma soluo que seria utilizada por vrios anos, tornando-se
presente at a desativao da maioria das carceragens da capital do estado em 2003.
Uma das causas que consideramos para o aumento da criminalidade e violncia e o
consequentemente aumento das prises efetuadas seria a exploso demogrfica que aconteceu
no Estado de So Paulo na dcada de 70.
Nessa poca a populao estava no patamar de 11 milhes com taxa de criminalidade de
13,5%, PIMENTEL verifica essa tendncia de crescimento da populao correspondente com a
alta taxa de criminalidade em sua obra Prises Fechadas e Prises Abertas, vejamos:
Se a taxa anual de crescimento da criminalidade na Grande So Paulo da ordem de 13,5%, como informamos, bvio que a taxa de demanda de crcere acompanha tal ndice.Mas nessa regio, desde 1968, verifica-se que nenhuma providncia foi tomada para fazer face demanda de crceres. Constata-se, isso sim,que houve decrscimo de vagas, provocado por interdio de vrias cadeias pblicas na rea (PIMENTEL, 1977:23).
Consideramos tambm para o aumento da criminalidade, a expulso do homem do
campo para as cidades, causado pelo incentivo do modo capitalista de produo baseado em
grandes latifndios, destruindo a agricultura familiar que mantinha o homem no meio rural, e
sem opo dirigiu-se aos grandes centros urbanos, tornando-se um proletrio e inserindo-se no
modelo capitalista de produo.
Nos centros urbanos em sua maioria, no havia um planejamento para abrigar esses
novos moradores, cresceram desordenadamente relacionando-se diretamente com o aumento da
violncia, para evidenciar esse fator vejamos o que diz Ceclia Pires em sua obra A Violncia no
Brasil, O grau de violncia nas grandes cidades no exclusivo fenmeno das metrpoles
(). Os grandes latifndios provocaram a migrao dos camponeses para as cidades destruindo
seu modo de vida (PIRES, 1985: 15).
No incio da dcada de 1990 foi iniciada a construo do Carandiru II para abrigar mais
3000 detentos, mas esta reforma no foi terminada, mesmo assim chegou a abrigar mais de
8000 em determinados anos.
Na histria da Casa de Deteno h fatos marcantes, a rebelio que terminou na morte
de 111 presos em 1992, o encontro em 2000 de 24 quilos de dinamite que serviriam para
explodir os muros da priso e tambm a rebelio que ocorreu simultaneamente em Fevereiro de
2001, onde 27000 detentos estavam amotinados em 21 cidades do Estado de So Paulo.
17
No final da dcada de 1990 e incio do ano 2000, o processo de descentralizao e
privatizao do sistema prisional encontrava-se em pleno vigor em nosso estado e para suprir a
falta de vagas foram construdas 11 unidades prisionais, com capacidade somada para mais de
8000 presos.
Cada uma poderia comportar at 768 presos com custo por unidade prisional gerando
em torno de dez milhes de reais, esperava-se criar benefcios para as cidades onde estavam tais
estabelecimentos, estimava-se que at 500 empregos diretos fossem criados na fase de obras,
abaixo vemos um quadro onde demonstra a localizao dos estabelecimentos penais nos
municpios do estado de So Paulo.
Ilust - 02 - Mapa dos Estabelecimentos penais instalados no Estado de So Paulo at Dez/05
Em dezembro de 2001, iniciou-se a transferncia de presos dos distritos policiais da
capital para estabelecimentos localizados no interior do estado, tambm daqueles que estavam
na Casa de Deteno nessa poca com 7470 presos, e em 15/09/2002, foi totalmente desativada
para recebimento de presos.
Historicamente indivduos de um grupo social, no sintonizados que atuam de forma a
ser contra ela, comprometem a sociedade como um todo, haver punio para que a ordem
volte, restringe-se a liberdade daqueles, a maneira que a sociedade achou para normalizar as
condutas.
18
Os governos de tempos em tempos colocam em prtica novas polticas penais com o
objetivo de resolver o problema do contingenciamento e ressocializao dos presos, na maioria
das vezes essas polticas se sustentam por modelos adotados em outros pases e adaptados ao
panorama prisional brasileiro, como exemplo, veremos a privatizao e descentralizao das
instituies penais no Estado de So Paulo, que ser objeto de estudo no prximo tpico.
2.1-O Processo de Descentralizao.
Em meados da dcada de 1970, o chamado Terceiro Setor que se constitui por
instituies privadas, sem fins lucrativos, iniciavam as suas atividades para substituir o Estado
na prestao de alguns servios que estavam relacionados ao bem-estar das parcelas
marginalizadas da populao.
Com o passar do tempo, muitas dessas instituies tornaram-se Associaes e outras
ainda permaneceram como empresas com fins lucrativos, aproveitando aquele espao deixado
pelo Estado.
Desde a dcada de 1980 os Estados Unidos da Amrica (EUA), iniciaram a privatizao
e descentralizao de suas prises, inicialmente especificando locais onde adolescentes
infratores cumpririam as suas penas nos municpios onde residiam.
Nos condados americanos eram implementadas privatizaes em pequena escala nas
instituies penais. Os Xerifes locais (algo similar a Delegados, mas subordinados aos
municpios), determinavam e controlavam o cumprimento da pena, o modelo implementado era
regrado em normas municipais.
Lembrando que naquele pas o sistema poltico de autonomia relativa dos estados
federados e cada um tem competncia para editar normas e deleg-las, inclusive aquelas
relacionadas aos cuidados com os presos, assim foi possvel uma maior mobilidade e
flexibilidade no trato com os delinqentes.
O estado americano permitia que os municpios tivessem como sua a manuteno do
contingente de presos e mediante contratos com instituies locais e empresas, os presos
haveriam de pagar as penas, mediante prestao de servios ao estado e a comunidade.
Estabelecidas s regras contratuais bsicas desse novo comrcio, empresas na sua
maioria particulares poderiam administrar os estabelecimentos prisionais onde havia certos
tipos de penas leves e mdias, e no caso de penas mais duras, havia a possibilidade de
progresso de regime, sendo cumprido nessas instituies gerenciadas pelas empresas.
19
Como o modelo era sinnimo de economia para o estado e lucrativo para as empresas, e
como conhecemos, a sociedade mais capitalista no mundo ocidental a americana, prosperou
este modelo sem precedentes, sendo adotado posteriormente em vrios estados americanos.
Como mais estados adotavam esse sistema, necessitava de mais empresas para
fornecimento de mo de obra especializada para suprir a demanda que crescia vertiginosamente,
itens como segurana, sade, educao, lazer, alimentao, trabalho, assistncia tanto jurdica,
espiritual e tambm social aos presos, foram repassadas as mos particulares.
Para se garantir a lisura e evitar o abuso financeiro e violao dos direitos humanos,
ligados a este tipo de comrcio, o governo americano determinou que as empresas devessem
prestar vrias vezes ao ano, declaraes ao Estado e aos rgos da Justia estaduais, de suas
aes referentes s prises sob suas responsabilidades.
A idia do no encarceramento do indivduo, a tendncia das penas alternativas, a
prestao de servios comunidade, hoje to na moda no Brasil, j era vislumbrado no exterior
como soluo de reabilitao dos condenados, o Estado com toda a sua estrutura no conseguia
efetivar o fim da priso e os gastos vultosos s aumentavam, no havendo contrapartida para
isso.
Entre as alternativas encontradas para a soluo desses problemas, temos na Amrica
passagem da responsabilidade da execuo da pena aos municpios, isso efetivamente ocorreu e
esses como no tinham de onde tirar recursos para implementar essa execuo, criaram
parcerias com o setor privado, e empresrios visionrios de oportunidade e lucros, fomentaram
a expanso desse tipo de negcio.
Mesmo o modelo americano de privatizao e descentralizao das prises no tendo
uma taxa de reabilitao muito diferente de pases onde o Estado o patrono das Instituies
Penais, h uma tendncia mundial de privatizao das prises pela sua lucratividade evidente e
cada pas dependendo do seu interesse e poder econmico est adaptando esse sistema de
privatizao sua poltica penal.
No Brasil, os sistemas prisionais, excetuando poucos estados como So Paulo, que
possuem instituies como o Centro de Ressocializao (CR), que ser objeto de tpico prprio,
so inadequados para uma perfeita reabilitao da maioria dos condenados.
A capacidade prisional, configurada na construo de estabelecimentos penais
adequados no Brasil diminuta, no conseguindo alcanar o mesmo patamar das prises
efetuadas e das conseqentes sentenas condenatrias prolatadas, enviando aos
estabelecimentos penais muito mais indivduos que eles podem suportar.
20
Essa nessa dura realidade que um governante se encontra ao se encontrar no comando
do estado, e para solucionar esse problema.
Deve alm de mudar as normas que regulam o cumprimento da pena, incentivar penas
alternativas, construir novos complexos prisionais que respeitem as garantias fundamentais do
ser humano, rezando por locais dignos para o cumprimento da pena e possvel volta ao convvio
social.
A Lei de Execuo Penal (LEP), criada em 11 de julho de 1984, beneficiou a poltica de
privatizao e descentralizao dos presdios pelos governos estaduais, criou regras legais a
serem cumpridas, como lotao carcerria mxima, instituindo deveres e obrigaes aos
sentenciados, locais ideais de cumprimento da pena, etc.
Antes desta Lei no havia normas especficas assegurando a efetividade do fim da pena
e seu objetivo, nem respeito aos princpios dos direitos humanos, e lembramos as palavras
ministradas por Edmundo Oliveira, professor da Universidade Federal do Par-Amaznia e da
Universidade de Miami (EUA), no Jornal do Advogado-SP, edio de julho de 2006, sobre os
benefcios da privatizao dos presdios:
Vale lembrar que h duas grandes vertentes no projeto de privatizaes das prises: o sistema norte-americano e o sistema francs. O atual modelo de priso privada norte-americano floresceu a partir de 1982 e francs, a partir de 1985.Avaliao realizada, em 2004, em Washington, pela National Council on Crime and Delinquency10, em torno da participao da iniciativa no sistema prisional norte-americano mostrou que as empresas privadas tm-se esforado para mostrar que a frmula vivel, sobretudo porque essas empresas procuram oferecer preparo educacional e profissionalizante de melhor qualidade, em relao ao ofertado pelos rgos pblicos, alm do que o custo de uma priso sob a responsabilidade de uma instituio privada menor que o gasto em estabelecimentos prisionais administrados pelo servio pblico: nas prises pblicas, o preso custa em mdia US 48 ao dia; nas privadas US25 ao dia.()Assim, dizer no privatizao, sem ao menos testar a experincia, ser parceiro do universo criminoso, antitico, desumano e catico das prises (OLIVEIRA, 2006: 12).
.
O fenmeno da privatizao e descentralizao dos sistemas penitencirios mundiais
uma tendncia tambm em nosso pas, devendo ser analisado e entendido como ponto
importante para garantir os direitos daqueles atingidos diretamente como os presos e
indiretamente dos muncipes.
Para isso deve primar pela utilizao correta de leis e normas que foram ou sero criadas
para regular os direitos e os deveres dos encarcerados e nesse intuito a sociedade pode cooperar
10 Instituio americana fundada em 1907, com o intuito de prevenir e reduzir o crime e a delinqncia, juntamente com iniciativas particulares, pblicas e privadas.
21
de diversas formas com o estado na funo de suprir os interesses de parte da populao de
baixa renda e excludas.
Consideramos que se houvesse um processo de privatizao no regime de cumprimento
da pena e na reabilitao do condenado, benefcios poderiam ser alcanados.
Se analisarmos que durante os ltimos 25 anos, o descaso e a morosidade dos
governantes do Estado em atender as necessidades daqueles que deveria legalmente proteger
so patentes, podemos imaginar como ficaram aqueles que foram privados do direito de
liberdade, excludos e esquecidos nos estabelecimentos prisionais.
Nessa mudana de estado unificador em um estado liberal e privatizado, analisaremos
no prximo captulo essa transformao e como isso afetou o muncipe e a sua vida.
2.2 1980
Na dcada de 1980 muitos direitos que no podiam ser usufrudos passaram a ter, sob as
vistas grossas do regime o seu uso dirio e nesse perodo o crescimento da populao dos
grandes centros urbanos ainda continuava e especificamente na cidade de So Paulo, como
citamos anteriormente, era fator de aumento da violncia.
Comentamos que a implementao de um sistema de agricultura voltado para a
exportao visando tica capitalista de lucros, substituiu vrios homens por apenas uma
mquina que fazia o servio mais rpido e sem descanso, acabava trazendo para as cidades os
camponeses expulsos do campo e com isso ocorria um crescimento populacional desordenado.
Na troca do agricultor pela mquina, houve migrao macia para os grandes centros
urbanos, e como os olhos dos governantes estavam voltados para a modernizao do parque
industrial brasileiro, naquelas cidades onde a estrutura para exportao era mais implementada,
houve incentivo e benefcios na construo de parques industriais.
Aliceradas pela mo de obra barata dos migrantes, estrutura rodoviria e porturia em
crescimento, a cidade de So Paulo e sua regio metropolitana eram ideais ao modo de vida
capitalista.
Com essa viso, era fcil entender o desinteresse dos governantes em implantar novas
estruturas industriais em outras regies do Brasil, cidades do Norte e do Nordeste, ficaram a
margem dessa modernizao, causando a fuga de retirantes ao Sul do pas em busca de
empregos e melhores condies de vida.
22
Milhares de pessoas ainda chegam aos grandes centros urbanos e encontram um local
totalmente desconhecido e diferente do modo de vida que levavam.
Por vezes ficavam a margem da sociedade, jogados na misria e pobreza, desesperados
por no conseguirem empregos, alimentos, condies melhores para as suas famlias, sem sada
enveredavam para o crime, causando aumento da criminalidade e com isso mais prises.
A conseqncia lgica dessa falta de planejamento foi o aumento da violncia, surgiram
elevados nmeros de sistemas privados de segurana, bem como migrao das pessoas para
condomnios, apartamentos, loteamentos particulares, transformando a paisagem urbana, agora
o recurso para a defesa da propriedade eram ces ferozes e armar-se, tudo isso causava mais
tragdias do que resultados positivos.
Mesmo com a represso poltica nos anos anteriores diminuindo, ainda havia resqucios
do perodo mais duro na mente dos cidados, o regime ainda utilizava a polcia como meio de
represso e dos muitos crimes que aconteciam, nem todos eram comunicados, nesse sentido
vejamos o que Ceclia Pires relata na sua obra A Violncia No Brasil: 62% da populao no
avisam a polcia, pois temiam serem presas... (PIRES, 1987:13).
Atualmente ainda percebemos esses resqucios da represso em nosso dia a dia ao
sermos abordados, e como 20 anos ainda nos pedem que mostremos os documentos e ainda
querem ver a nossa carteira de trabalho, como se isso fosse prova de que, se no trabalhamos
roubamos ou cometeremos algum ilcito um dia.
A lgica da sociedade ocidental o capital, a injusta diviso da oportunidade de acesso
social causa grandes males nas metrpoles como progresso do crime, corrupo,
desorganizao social.
Considera-se nessa lgica capitalista, que o indivduo deve gerar lucro, considerado
pea essencial na engrenagem do capital, fazendo o sistema funcionar, mas com o tempo o
individuo trabalhador tem a percepo de que nem sempre o lucro que o seu trabalho gerou e
que beneficiou o patro, poder ser usado para si, e quando percebe isso se revolta.
Os governantes para sufocarem essa pretenso de revolta, criam normas e leis que
limitam o poder de reclamao, visam somente segurar o nimo do cidado e muitas vezes
criadas para beneficiar somente a manuteno do governante ou us-las, para almejar um
patamar superior nos degraus do poder.
Nesse sentido o prximo captulo tratar de um exame que foi modificado por uma lei,
esta criada com o intuito de resolver um problema, mas em nosso ponto de vista produziu mais
malefcios que benefcios.
23
2.3-Exame Criminolgico
Consideramos que a individualizao da pena deve se iniciar quando o indivduo preso
e se prolongar at o trnsito em julgado da sua sentena condenatria.
Por esse motivo, em nosso ponto de vista deveria haver exames criminolgicos, desde o
momento da priso, isso para que a personalidade no seja influenciada por fatores externos e
internos, como m influncia de outros presos, perdurando esses exames at o momento da sua
sentena transitado em julgado, para que no seja contaminado com os efeitos da priso.
Lembramos neste tpico, dos requisitos objetivos e subjetivos que regem a pena, esses
que diretamente ou indiretamente influenciam no nimo da liberdade e da fuga dos detentos em
estabelecimentos penais.
Tambm a permanncia no local do cometimento do crime como prev a Lei de
Execuo Penal, e como essa transferncia ao interior do estado afetou os muncipes das
cidades onde so instalados presdios.
No Brasil a Constituio Federal prev as garantias de direitos de personalidade, como
tambm direito a proporcionalidade no cumprimento da pena a qual foi cominada, para isso
efetivamente acontecer, deve-se individualizar o condenado e coloc-lo na instituio penal que
mais se adequar ao seu comportamento.
E segundo Guilherme Souza Nucci, a execuo penal trata-se de fase do processo penal
em que se faz valer o comando contido na sentena condenatria penal, impondo-se,
efetivamente, a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniria
(Nucci: 947).
Como a meta de todo processo penal a ressocializao do condenado, necessrio
certificar que receber o tratamento correto no cumprimento da pena, devendo-se observar as
circunstncias que levaram o condenado a cometer o crime do qual foi processado e punido.
A personalidade individualiza o ser humano, o torna diferente de seu semelhante, que
fisicamente descende da mesma espcie, e compreendendo esse fato da natureza, deve-se ao
apenar, procurar os motivos sociais, ambientais, genticos e momentneos do seu passado, o
que esse indivduo espera de seu futuro, o que o levou ou o que pode lev-lo a delinqir outra
vez.
Na Constituio, evidente a inscrio de um princpio humanitrio na execuo da
pena, o artigo 5 inciso XIX, por exemplo, diz que no haver penas de morte e nem cruis,
24
alm de vrias passagens onde garante ao condenado condies mnimas de dignidade para o
cumprimento da pena.
O Cdigo de Processo Penal, norma infraconstitucional afirma em seu artigo 38, e o
artigo 3 da Lei de Execuo Penal (LEP) confere ao preso, todos os direitos que a sentena
condenatria no atingiu com a restrio de liberdade, como a integridade fsica e moral, no
artigo 41 da LEP h um rol de direitos conferidos ao preso que devem ser respeitados.
Direitos como a da inviolabilidade de correspondncia ao ser questionado sobre sua
violao, deve ser analisado sob o aspecto do perecimento de direito a segurana coletiva que
tambm previsto na Constituio como um direito fundamental.
A Lei de Execuo Penal garante o respeito, no somente ao preso condenado como
tambm para aquele cautelarmente detido e ficando recolhido em estabelecimento
penitencirio e nas bases acima discutidas, em nossa opinio, o Exame Criminolgico como
anteriormente aplicado era eficiente.
Atualmente, existe o Exame de Classificao e Individualizao da Pena, seguindo o
raciocnio de Guilherme de Souza Nucci, o processo de individualizao da pena d-se segundo
em trs estgios, sendo o primeiro a individualizao legislativa onde cada tipo penal tem a sua
pena correspondente, no segundo est individualizao judicial, onde feito pelo magistrado
mediante a sentena condenatria.
Por ultimo temos o Juiz das execues que durante o cumprimento da pena em
estabelecimentos prisionais pode alterar o regime de cumprimento.
A diferena ento entre o exame de classificao e o exame criminolgico que o
primeiro mais amplo e genrico, onde aspectos como a personalidade, antecedentes, vida
familiar, social, capacidade laborativa, so evidncias que servem na hora de escolha do regime
de pena que ser inserido.
O exame criminolgico segundo Nucci, especifico abrangendo a parte psicolgica e
psiquitrica do exame de classificao, concedendo assim maior ateno maturidade do
condenado, como tambm avaliando a disciplina, capacidade de suportar frustraes,
estabelecer laos afetivos familiares, graus de agressividade, era um conjunto de fatores que
construa um prognostico de periculosidade do agente.
Considerando que a personalidade do ser humano muda com o passar do tempo e a do
preso no diferente, deveria ser feito o exame criminolgico nos moldes do anterior.
A Lei 10792/2003, restringiu a atuao da Comisso Tcnica de Classificao, limitando
o seu parecer em fornecer inicialmente elementos para o juiz da pena e no mais da execuo,
25
ou seja, anteriormente estava no terceiro estgio (da execuo) e agora esta no segundo, da
fixao da pena.
Segue a redao anterior e a atual, da Lei de Execuo Penal:
Art. 6 - A classificao ser feita por Comisso Tcnica de Classificao que elaborar o programa individualizador e acompanhar a execuo das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor, autoridade competente, as progresses e regresses dos regimes bem como as converses. E a atual redao diz: Artigo 6 A classificao ser feita por Comisso Tcnica de Classificao que elaborar o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisrio (LEP, 2006).
Como se nota, a redao anterior da LEP dava a Comisso e ao Exame Criminolgico
um valor maior que atualmente, nas pesquisas realizadas para essa Monografia, constata-se
diversos fatores como razes para a mudana da lei.
Entre eles, percebemos que o interesse poltico um fator importante na elaborao de
qualquer lei e maior ainda quando a questo refere-se ao trato com o sistema prisional.
A premissa de seguir uma tendncia mundial de desprisionalizao e de penas
alternativas e juntando a ineficincia estatal latente em resolver o problema a longo prazo,
resultando em doses homeopticas para curar a doena em vez de trat-la na causa, o exame
como anteriormente idealizado, foi substitudo por algo que beneficia apenas poucos,
sobrepondo-se ao interesse da maioria da sociedade, as palavras de NUCCI reforam essa idia:
A modificao deveu-se a presses de vrios setores, especialmente de interesses do Poder Executivo, que arca com os custos no s das Comisses existentes, mas tambm dos presdios em geral, sob o argumento dos seus laudos padronizados, de pouca valia para a individualizao executria. Por outro lado havia excesso de subjetivismos nesses pareceres, que acabavam por convencer o juiz a segurar o preso no regime mais severo (fechado ou semi-aberto), o que terminava por gerar a superpopulao das cadeias e estabelecimentos penitencirios (NUCCI, 2006: 957).
Discute-se com a nova redao do artigo 6 da LEP, se o magistrado seria posto de lado
ou seria submisso, e aos dizeres da lei na sua literalidade se entende que: () Comisso que
elaborar o programa individualizador da pena (), ora a Comisso composta por diversos
membros e esta subordinada ao Poder Executivo, o diretor do estabelecimento prisional o seu
presidente conforme artigo 7 da LEP, ocorrendo uma subordinao do Judicirio ao Executivo,
NUCCI, complementa o pensamento sobre esse tema com a seguinte frase:
26
A submisso do Poder Judicirio aos rgos administrativos do Executivo no pode jamais ocorrer. Um diretor de presdio no pode ter fora suficiente para determinar os rumos da execuo penal no Brasil. Fosse assim e transformar-se-ia em execuo administrativa da pena, perdendo seu aspecto jurisdicional (NUCCI: 957).
Concordamos com o ilustre autor, pois realmente analisando a conduta humana
notamos que ela pode sofrer persuaso, podendo ocorrer corrupo internamente, quando o
agente estatal tem a sua ndole corrupta ou quando externamente sofre presses, que em regra,
de poder hierarquicamente superior que mesmo contra a sua vontade cede ao pedido.
Isso transforma a Lei criada com as melhores das intenes, em problemas que afetam
toda a comunidade constituda dos muncipes cidados.
J citamos que o problema do sistema prisional, alm de ser penitencirio, ou seja,
relacionado ao cumprimento da pena e a sua efetiva finalidade que se destina, tambm um
problema carcerrio, considerando a falta de vagas existentes e o constante aumento de
criminalidade e consequentemente prises efetuadas.
Seguindo esse raciocnio o Exame Criminolgico consistia em saber detalhes pessoais
do condenado, tendo a sua individualidade exposta e verificando comportamento desses
indivduos no meio social, alm de conseguir uma base psicolgica do preso, tinha tambm
aferio dos requisitos subjetivos para a progresso do regime da pena.
O preso para pleitear a progresso de regime e do livramento condicional, necessitava
do cumprimento de requisitos objetivos e subjetivos.
Os objetivos dizem respeito ao tempo de pena cumprida no regime prisional (1/6 para
progresso de regime ou 1/2, 1/3 ou 2/3 para livramento condicional, conforme o delito
praticado).
Quando o preso preenche esse requisito, h a j citada Comisso Tcnica de
Classificao, que forma documentos que so compostos de pareceres de psiquiatras,
psiclogos, assistentes sociais e de diretores de presdios e no caso de livramento condicional,
tambm havia um parecer do Conselho Penitencirio, esses so os requisitos subjetivos.
Todos eles estavam indicados na Lei de Execuo Penal, em seus artigos 5 ao 9, agora
com nova redao dada pela Lei 10.792 de 1 de Dezembro de 2003.
O Exame Criminolgico era realizado desde o momento em que o preso condenado,
fosse remanejado para estabelecimento penitencirio, como tambm at o trnsito em julgado
da sentena, nessa fase ou estgio ele poderia ser examinado novamente, para ver se a
periculosidade ainda estava presente e se tinha possibilidade de progresso de regime.
Poderia juntamente com esse exame e outros requisitos objetivos como tempo e
cumprimento da pena, pleitear condio mais branda, ou seja, progredir para um regime de
27
semi-liberdade, podendo ir para colnia agrcola ou estabelecimento de segurana mdia ou
mnima.
Os sistemas legais criados pelo homem para organizao do Estado, inclusive na
execuo da pena como a LEP tem a expectativa de imaginar perfeito e ilibado, mas
normalmente vemos que isso ocorre no campo terico.
Na realidade diria, crua e dura, verifica-se que aqueles sistemas com as maiores
probabilidades de darem certo em tese, sofrem influncias diretas e indiretas dos interesses
daqueles que os manipulam, sendo assim o ser humano como sujeito de personalidade, tende a
influenciar na efetividade da aplicao da lei.
Nessa viso pragmtica da manipulao de interesses prprios, inserem-se os desejos de
realizao daquilo que almejam, e aquilo que em tese deveria ser uma soluo para o problema,
torna-se mais um problema, pois o homem, ou queles homens que deveriam fazer o sistema
funcionar para o bem da maioria, definem como a principal meta, os seus prprios interesses.
Esses interesses individuais decorrem daqueles que detm o poder, a falncia do modelo
criado em um primeiro momento com as melhores das intenes previsvel, esse o caso do
que ocorreu com Exame Criminolgico ao ser modificado pela lei 10.792/03, alterando os
requisitos subjetivos para a concesso de progresso de regime.
A justificativa para a mudana era que o exame como anteriormente feito, no impedia a
reincidncia, pois se verificam apenas os critrios subjetivos.
Achava-se que o Projeto de Lei que foi apresentado e posteriormente transformado em
lei, daria mais visibilidade e celeridade na verificao das condies individuais dos presos,
com isso bastaria, ao invs de vrios pareceres dispendiosos, apenas um relatrio da conduta
elaborado pelos diretores dos presdios.
Como todo novo sistema na teoria sempre funciona, mas na prtica no ocorreu bem
assim, como estamos em um mundo real, criado e produzido pelos interesses muitas vezes
mesquinhos dos homens, quando esses prevalecem sobre a maioria, acabam dando margem para
a corrupo do sistema e a sua inevitvel falncia.
Essa falncia causada principalmente por interesses dos governantes, pois se o homem
tem a tendncia de ser corrupto, o meio em que se insere ir beneficiar ou no na sua corrupo,
o sistema prisional como todas as instituies oriundas do Estado tem interesse em disciplinar e
controlar, com desejo de evitar que ocorra o caos sem controle e sem disciplina.
Nesse contexto, quele que detm o poder, pode controlar e movimentar a mquina
estatal conforme os seus interesses, e muitos daqueles que so escolhidos pelo povo, no tem os
mesmos interesses daqueles que os escolheram, ou seja, uma sociedade melhor.
28
Quem deveria ter essa viso o escolhido, e conforme essa viso, a sociedade poderia
ser direcionada a um interesse que visaria beneficiar a todos, mas quando a direo tomada
errada, h conseqncias no curto e mdio prazo, que afetam negativamente a todos.
Assim, quando a tendncia beneficiar seus prprios interesses e no da sociedade,
existe a possibilidade de serem negativos os impactos para o povo governado como muncipes e
encarcerados.
A corrupo no sistema estatal patolgica e essa doena transforma Leis que deveriam
beneficiar todos, em malogros sociais. Com a extino de requisitos subjetivos do antigo Exame
Criminolgico, surgiu oportunidade ao dirigente estatal de, conforme seu interesse, fazer
paliativos ao invs de cuidar do problema em sua plenitude.
Muitos daqueles que se beneficiam com a nova poltica criminal, voltam a cometer
crimes quando libertados, em muito peridicos pode-se observar a enorme quantidade de
manchetes onde o criminoso logo depois de solto, ps em risco a vida de pessoas inocentes.
Oswaldo Faustino relata em artigo publicado no jornal Estado de So Paulo, coluna
Cidades em 17 de abril de 2006, um caso acontecido que retrata essa idia, tinha a seguinte
chamada: Detento beneficiado com indulto de Pscoa preso assaltando, segue alguns
trechos:
Beneficiado com indulto de Pscoa, IMS, de 30 anos, que cumpria parte da pena de 18 anos na Colnia Penal Agrcola de Pacaembu, no interior paulista, foi preso na tarde de domingo, 16, em Santo Andr, da Regio Metropolitana da Capital. Junto com um adolescente de 17 anos, ele assaltou uma residncia na Vila Humait (...) a dupla fez os moradores de refns. Houve troca de tiros e Ilson foi baleado no peito. () Na casa estavam o proprietrio, que bancrio, sua mulher e dois filhos, um deles ainda beb. Portando uma pistola semi-automtica, um dos marginais os ameaava, enquanto o outro coletava objetos de valor. Surpreendidos pela chegada dos PMs, Ilson disparou sua arma para intimid-los, mas foi baleado no revide. ()Ilson saiu em indulto para passar o feriado com os familiares, por apresentar bom comportamento, e deveria retornar para Pacaembu nesta segunda-feira. A reincidncia criminosa poder resultar na transferncia do detento para outro presdio com regime mais austero (FAUSTINO, 2006).
Nota-se que o artigo fala que o detento apresentava bom comportamento, sendo assim,
cumpria uma dos requisitos para a concesso da liberdade, mas e os requisitos subjetivos
psicolgicos do preso? Quem avaliou? Ser que se o mesmo passasse por exames feitos por um
corpo clnico especializado, poderia ter evitado o novo crime que atentou contra a vida daquelas
pessoas, inclusive de um beb?
29
Esse crime somente um exemplo singelo entre outros mais graves que ocorrem
diariamente, onde h participao de presos libertados para passar datas com a famlia ou
beneficiados por concesso de liberdades legais e optam por roubar e matar.
Deveria ser analisado tanto o aspecto objetivo que o detento obrigado a cumprir como
tambm deveria ser somado pelo exame da sua personalidade durante a execuo da pena e na
sada do estabelecimento prisional.
No se deseja o cumprimento da pena eternamente, mas sim uma razoabilidade no trato
como o preso, para que a libertao do individuo que cometeu um crime, possa ser feita com o
mnimo de segurana para a sociedade e seus cidados.
Nesse sentido o exame como existia anteriormente servia para minimizar esses riscos e
dar ao condenado uma oportunidade de progresso efetiva da sua pena.
Na maioria dos estabelecimentos penais no existem atividades para os detentos, a
ociosidade a regra, chamar o preso de reeducando uma forma de minimizar o peso da sua
pena, pois no h salas de aula para que possam retomar os estudos, nem to pouco
ressocializao do detento. H mnimas condies de higiene, a superlotao constante na
maioria dos institutos penais do Brasil, s perspectivas desses homens para o futuro incerta,
pelo seu passado no conseguem emprego, se consideram excludos, ento soltos delinqem, a
opo que lhes resta no futuro de novo a priso.
Oportunamente nossos governantes criam projetos visando substituir penas privativas de
liberdade por restritivas de direitos ou prestao de servios comunidade, outros mais radicais
partem logo para uma descriminalizao de certos ilcitos penais, declarando que em certos
casos, j se enraizou tanto a conduta negativa no meio social que no adianta mais ter a lei
positivada ela no faz mais efeito perdendo seu efeito repressor.
Contra essa posio de descriminalizao dos ilcitos penais e conseqentes
desprisionizao do encarcerados, Augusto Thompson em sua obra relata uma viso sobre o
tema: A desprisionizao, (...) tm sido usada como uma camuflagem ideolgica para obter
economia de custos, mascarada de benevolncia e tolerncia... (THOMPSON, 1998: 2).
Em nosso ponto de vista a causa para o aumento da violncia nos estados do Brasil de
cunho social, mas contribuem para esse aumento as atitudes legais viciadas pela corrupo
daqueles indivduos que regem o sistema estatal e os seus rgos, contribuindo negativamente
pela interpretao das leis conforme seus interesses particulares.
Quando atitudes, seja na elaborao e cumprimento das leis, seja na construo de
estabelecimentos prisionais em pequenas e medias cidades, ocorrem sem planejamento anterior,
resultando em local inadequado ao fim da pena, visando no resguardar garantias bsicas do
30
cidado e seus direitos, devemos nos preocupar, pois alm do crime organizado que
discutiremos no prximo tpico, temos como inimigo o prprio estado.
2.4-O Poder das Grades
Quando o homem possui apenas os braos como bens, s poder viver do produto do
seu trabalho, pelo exerccio de uma profisso, ou do produto do trabalho alheio, pelo ofcio do
roubo (FOUCAULT, 1976: 77), considerando essas afirmaes de Foucault, percebemos que o
sistema capitalista fundado no individualismo do ser humano alimenta o fenmeno da
criminalidade mundial, pois a desigualdade social a regra entre os aqueles que integram o
mundo ocidental capitalista, no se valoriza o emprego ou o trabalho, e sim a especulao e o
ganho fcil.
Essa viso individualista leva queles que no tiveram a oportunidade de usufruir do
capital a querer de algum modo obt-lo, para isso roubam e detidos vo para a priso.
De acordo com Thompson, a cadeia um sistema social peculiar h hierarquias de
poder, h uma ordem oficial imposta baseada nas normas legais, no caso do Brasil na Lei de
Execuo Penal. Tambm existe uma ordem interno-informal, onde os detentos criam as suas
normas para um convvio socivel dentro de suas possibilidades e ocorre que muitas vezes essas
normas entram em conflito.
Esses conflitos surgem de favorecimentos, condies, anseio pela liberdade, revolta
contra sociedade que os excluiu, etc. Essa luta de hierarquia influencia o local onde se
encontram e no caso da privatizao e da descentralizao dos presdios, tambm altera a vida
dos muncipes que no sabendo desse conflito entre aqueles que impem e aqueles que esto
sujeitos a esta imposio, so refns dos bandidos, o estado tambm tem a sua parte na causa ao
impor a construo de um estabelecimento penal em suas localidades.
Segundo Emir Sader11 a criminalidade organizada j esta infiltrada e estabelecida,
controlando parcialmente o estado brasileiro, isso causa custos sociais elevados, vidas perdidas,
desconstituio familiar e excluso de valores ticos, em artigo publicado na Agncia Carta
Maior, no dia 16 de julho de 2006, sobre os ataques de faces criminosas instituies e
servidores da cidade de So Paulo, afirma:11 Emir Sader nasceu na cidade de So Paulo em 1943., formado em Filosofia na Universidade de So Paulo, mestre em Filosofia Poltica e Doutor em Cincia Poltica pela Universidade de So Paulo, foi pesquisador do Centro de Estudos Scio Econmicos da Universidade do Chile, professor de Poltica na UNICAMP e coordenador do Curso de Especializao em Polticas Sociais na Faculdade de Servio Social da UERJ, atualmente dirige o Laboratrio de Polticas Pblicas na UERJ, onde professor de sociologia.
31
Antes de tudo que o governo do Estado de So Paulo perdeu completamente o controle da situao de segurana pblica. Os presdios se encontram sob o poder das gangues organizadas. Os lderes dessas gangues dirigem as aes diretamente de dentro dos presdios, contando com sistema de comunicaes eficiente. Alvos os mais diferentes so atacados sem que nenhum tipo de proteo das autoridades possa dar conta da sua defesa (SADER, 2006: 1).
Nesse contexto de pensamento e para elaborao de programas de reforma prisional
deve-se ater a natureza dos comportamentos daqueles homens na priso, segundo Druzio
Varella o encarcerado se transforma ao permanecer preso, diz: aprendi que a cadeia infantiliza
o homem e que tratar de presos requer sabedoria peditrica. (CARANDIRU, 1999:96).
O aumento de criminalidade nas metrpoles gritante e evidente, alastra-se como fogo
em mato seco, a distribuio de renda desigual, a falta de polticas preocupadas em valorizar o
ser humano em todas as faixas etrias e principalmente naquela em que o jovem busca emprego
tentando se inserir na sociedade como cidado produtivo pfia.
Como resultado aumenta-se o poder daqueles que controlam a criminalidade e refora o
poder das organizaes criminosas.
Em artigo publicado no Jornal do Advogado de So Paulo, em julho de 2006, o
Professor de direito penal da faculdade da USP, Paulo Jos da Costa Junior12, comenta sobre a
maioridade penal e tem uma viso sobre a pena e a delinqncia juvenil e seus impactos no
futuro da nao:
A pena, em sua essncia, castigo. Pune-se aquele que errou aquele que pecou (punitur quia peccatum). No histrico da pena, houve apenas um progresso, no fato de a emenda no ultrapassar ao mal causado. Olho por olho, dente por dente. O ideal seria que a pena regenerasse. Entretanto, nas condies das nossas prises dificilmente a funo regenerativa se apresenta (COSTA JUNIOR, 2006: 16).
O crime organizado nasceu nas cadeias onde a os governantes sem interesse e sem
noes de poltica criminal, colocaram no mesmo ambiente detidos por opinies polticas com
os presos comuns, esses cresceram no limbo poltico da poca de ferro, onde o capitalismo
selvagem manuseando e influenciando a grande massa, os favelados, e os marginalizados da
periferia, incorporaram seus costumes e seus individualismos.
Atualmente o crime organizado, reveste-se de nomes, sugestivos de
Comandos revestem-se tambm de luta armada, seu jargo, suas tticas de guerrilha urbana, 12 Paulo Jos da Costa Jnior professor titular de Direito Penal da USP e livre-docente de Roma. Nomeado cidado italiano por mritos, tambm Secretrio Adjunto para a Amrica Latina da Socit Internacionale de Dfense Sociale, membro da Accademia Panormitana Scientiarum Litterarum Artium e da Academia Paulista de Letras.
32
sua rgida linha de comando e suas punies daqueles que contrariam as suas ordem, quase
sempre tem como regra a morte, vemos tipicamente um regime de exceo de direitos, como
poca militar.
Em maio de 2006, a cidade de So Paulo conviveu dias de total descontrole sobre a
segurana, onde as faces que dominavam os presdios mandaram matar pessoas e transformar
a cidade em caos.
Nessa poca o secretario da Administrao Penitenciria era o Dr. Nagashi Furukawa,
permaneceu no cargo at pouco depois dos ataques, onde por divergncias nos tratamento com
os presos, pediu para sair da funo de secretrio.
Em entrevista logo aps a sua sada, avaliou o seu trabalho frente secretaria e comenta
sobre o crime organizado no estado, vejamos alguns trechos da entrevista de 27 de maio de
2006, fornecida ao reprter Bruno Paes Manso correspondente do Jornal Estado de So Paulo.
Falou sobre a sua sada:
Quando o senhor decidiu?
No final de semana, depois da repercusso da semana que passou.O que levou o senhor a tomar essa deciso?Primeiro eu acho que os meios de comunicao esto discutidos o que no deve ser discutido nesse momento. Esto discutindo se a rebelio acabou com o acordo. Fiquei quatro dias falando disso. Fiquei falando do fim da crise e no das causas da crise. Erraram o foco. Entrega laudo, no entrega laudo. Tudo isso importante. Mas no momento, todo o foco, sem exceo, tem que ser 'por que falhamos no combate ao crime organizado'. Quais so as causas da crise? Tambm discordo totalmente da questo irresponsvel e criminosa da Rede Record e TV Bandeirante. No meio daquele sufoco, ficar jogando no ar coisas mentirosas. Um falando com o Marcola, outro falando com o Macarro. Colocando em xeque a palavra do governador do Estado, dos comandantes da Polcia Militar, Polcia Civil, Delegado Geral de Polcia, dizendo que no houve acordo nenhum (MANSO 2006).
Em outra parte da entrevista fala sobre divergncia de pensamentos entre outro membro
do governo estadual e quando perguntado, avalia o tamanho e a influencia da faco que
comandou a mega rebelio em So Paulo:
Por que o secretrio de Segurana age dessa forma?
O problema no pessoal. de formao de cada um. O governador disse no Estado: o Saulo13 o concretista e o Nagashi o romntico. Ns temos formas de enxergar o mundo diferente. Eu acredito que a finalidade da pena de reintegrar o criminoso. a lei que diz assim. Ele no acredita nessas coisas. Acredita que o criminoso irrecupervel. Ele no m pessoa. Mas nossas vises so muito
13 Saulo de Castro Abreu Filho mestre em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica (PUC), onde foi professor. promotor de Justia da Instncia Especial desde 1990. Depois de assumir vrias comarcas em cidade do interior e Grande So Paulo, passou a titular do 1 Tribunal do Jri da Capital e, desde1995, exercia o cargo de Corregedor Geral da Administrao do Governo paulista. Assumiu a presidncia da Febem em janeiro de 2001. Em 22 de janeiro de 2002, assumiu a Secretaria da Segurana Pblica.
33
diferentes. O Saulo, certa vez, deu uma bronca pblica no Bittencourt14 por alertar o governador sobre os perigos do PCC.
Por acaso o senhor acha que o Saulo preferia esconder o problema a atac-lo?
No diria que negar a existncia do problema, mas que houve uma grande omisso, especialmente do Deic, que o rgo oficialmente institudo para combater o crime organizado, houve. Isso evidente. No adianta atribuir a responsabilidade da existncia do PCC a mim. Se eu deixasse de faltar comidas aos presos, essa responsabilidade minha. No tem preso trabalhando, a responsabilidade minha. Eu no tenho nenhum policial trabalhando comigo. A atribuio legal da minha secretaria no de investigao. As coisas precisam ser colocadas nos devidos lugares. Os promotores que esto reclamando que eu omiti informao, atribuio do Ministrio Pblico denunciar o crime organizado, no atribuio minha. Se houve informao ocultada por mim, o que no verdade, porque no disseram pra mim. Agora fcil tirar o corpo fora e dizer que o japons que passa a mo na cabea dos presos culpado de tudo. s analisar com seriedade o que se fez aqui. Eu recebi 70 mil presos em seis anos. a populao prisional do Reino Unido. E bem ou mal ns colocamos essa gente em algum lugar. Mal instalados em alguns lugares. Mas nesse episdio de 74 rebelies, no fugiu um. E dizem que o crime domina as penitencirias. Eles dominam outros criminosos. Eu reconheo. Mas se dominassem o Estado, muitos presos teriam ido embora. Ser que ningum est analisando isso? Ser se algum j pensou o que seria essa rebelio se a gente tivesse a Casa de Deteno lotada? Se tivssemos 93 distritos com presos, com 2.400 presos? Isso tudo no se tornou uma desgraa maior porque o Carandiru e os distritos foram desativados por ao nossa. Eu no vi ningum falar isso.
O Godofredo falou na CPI do Trfico de Armas que existem 140 mil presos filiados ao PCC. O tamanho esse mesmo?
mentira. uma afirmao completamente amadora. Se ns temos 140 mil presos no Estado de So Paulo, 74 unidades se rebelaram, portanto 70 no se rebelara. Portanto todas as prises que no se rebelaram no so comandadas pelo PCC. Das unidades que se rebelaram, com 1200 presos, eu duvido que tenham mais de 200 PCCs. Essa gente uma minoria. Minoria ousada, organizada, perigosa. Mas minoria.
Qual o tamanho do PCC?
difcil dizer. Mas sei que transferimos 765 que eram os principais lderes do PCC. Essa transferncia que causou a confuso toda. A transferncia no foi uma medida desesperada depois que vocs souberam que a rebelio iria estourar?A transferncia foi o motivo. Desde o comeo do ano a ao do PCC vem num crescendo. Vrias rebelies, numa ao de guerrilha. Ataca, recua, ataca, recua. Ficam quietos, depois se armam, ataca, ataca, ataca. Vinha nesse crescendo e as informaes chegando que mais dia menos dia iria ocorrer uma megarebelio, programada para agosto, segundo as nossas informaes. Decidimos tirar as principais lideranas e quem sabe assim impedir a rebelio. Ns nos antecipamos em retirar. Fizemos uma estratgia, e eu no sou estrategista militar, mas montamos a estratgia de transferncia. A deciso do governador foi tomada s 18h30 de quarta-feira. Comeamos a transferncia s 16h30 da quinta-feira. E conclumos a transferncia para Venceslau por volta das 2h30 da manh. Sem nenhum incidente. Mas houve um problema no meio do caminho. Algo que era segredo de estado vazou na CPI do Trfico de Armas. No momento que o Governador estava tomando a deciso aqui, o cara estava vendendo as informaes na CPI.
14 Godofredo Bittencourt Filho delegado da Polcia Civil de So Paulo, diretor do Departamento de Investigaes sobre Crime Organizado.
34
A surpresa que a gente esperava ter no aconteceu. Se no houvesse deciso do comando, os que ficaram teriam dificuldades de decidir sobre o que fazer. Falando em termos militar. Voc tira o coronel comandante, tira os tenentes coronis e se chegou ao ponto de tirar o major. Esses so os que decidem. Mas eles decidiram antes, porque as informaes vazaram. Agora capito e sargento cumprem ordens. Ento se eles tm a deciso tomada s cumprir. Por isso que a reao na priso foi to rpida e violenta (MANSO 2006).
Como podemos notar na parte final da entrevista que julgamos oportuno reproduzir na
ntegra, inclusive como as perguntas formuladas pelo reprter, percebemos facilmente que o
poder de influncia dessas faces somado com a corrupo, confere ao crime organizado, uma
atuao semelhante a estatal, como meio de infiltrao na sociedade, compra informaes
privilegiadas de altos membros do governo, usa-se o jogo, o trfico de entorpecentes e armas, a
evaso fiscal, a sonegao, e outros meios ilcitos.
H significativas prestaes de servios sociais s populaes das favelas, essas
excludas dos olhos do poder pblico, o desinteresse poltico daqueles que governam o Estado,
faz com que se alastre o desvalor do crime, considerado como algo corriqueiro e normal, no
so somente aqueles residentes nas favelas e periferias que fornecem subsdios ao chamado
crime organizado, cada vez mais, se verifica diariamente nos peridicos que pessoas oriundas
da classe mdia fazem parte dessa realidade.
No prprio sistema prisional, existe propina e corrupo para concesso de regalias,
agentes que devem manter rgido controle sobre a massa carcerria, tem retribuies salariais
muito menores que deveriam pelo encargo que lhes passado, alm de sofrerem presses dos
superiores hierrquicos, sofrem tambm das organizaes que comandam os presos, nesse
sentido transcrevemos a frase de Pimentel sobre o mecanismo prisional:
Para obter a tranqilidade do ambiente carcerrio preciso contar com a colaborao dos sentenciados. O Governador espera que o Secretrio de Justia no lhe traga problemas com o sistema carcerrio. O Secretrio de Justia espera o mesmo do Diretor Geral Dos Institutos Penais, esse Diretor mantm a expectativa de que os Diretores de estabelecimentos tambm no criem problemas.Os Diretores tambm esperam os mesmos dos terapeutas e do seu - staf e estes aguardam que os presos no lhes tragam problemas.No final da linha portanto, so os presos que comandam o sistema, pois com eles esta a chave da tranqilidade.Se No colaborarem, o sistema balana e eles conhecem sua fora de presso (PIMENTEL,1977:84).
Nesse contexto a entrevista de Nagashi tambm relevante para analisarmos como a
sociedade chamada de intra-muros como Thompson definiu, real e como influencia a
sociedade extra-muros, seno vejamos o que diz sobre o acordo feito para parar a onda de
ataques que abalaram So Paulo:
35
H acordos com os presos?
Sobre o acordo que deu fim s rebelies, eu volto a dizer: no houve acordo nenhum. Houve negociao? Houve. Nunca ningum escondeu nada. Quando a advogada que dizia ter contato com o Comando Externo do PCC se apresentou dizendo: as pessoas que esto cometendo crimes aqui fora esto muito exaltadas com a possibilidade de o Marcola estar quebrado, arrebentado, que foi torturado. E no era verdade. Mas a pessoa queira ver. E essa deciso de permitir que ela visse foi tomada. Tanto que no houve nada escondido que a advogada foi levada no avio da Polcia Militar.A PM estava de acordo com a deciso do governo, a Polcia Civil estava de acordo, o governador estava de acordo. Vamos fazer isso sem fazer nada porque uma deciso correta. Ela fez contato, conversou com os presos e passou a notcia. Ele no sofreu a tortura. Agora se foi isso que determinou o fim dos ataques, a deciso do governo foi acertadssima (MANSO 2006).
H oferecimento paralelamente de contribuies em dinheiro para a populao
marginalizada, de sade pblica, segurana, transporte, emprego, escola, obtendo com isso
apoio popular das camadas mais carentes da populao. Ironicamente, os criminosos so vistos
como teis para aqueles que no so lembrados pela poltica social dos governos capitalistas e
individualistas, sendo o Estado ausente nessas reas criamse as oportunidades para que outros
assumam seu papel, essa idia tambm verificada anlise feita sobre a privatizao dos
presdios, de Sergio Mazima Martins, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Cincias
Criminais (IBCCrim) em artigo publicado no Jornal do Advogado em julho de 2006, que
debatia sobre as causas de rebelies, afirma:
O crescimento das rebelies, tenses prisionais e das organizaes criminosas nos nossos presdios no so processos gratuitos e isolados. Na sua base temos a ausncia do Estado formal, seja para enfrentar a exploso da populao prisional surgida pelo abandono, a partir dos anos noventa, das polticas penais que antes delineamos em 1984 -, seja por sua estrutural e histrica precariedade material e humana para gerenciar multiplicaes absurdas, seja, mais precisamente, por sua incapacidade de valer o direito formal no universo intra-muros. Portanto esse ocaso poltico, verificado com a sada do Estado, esta no eixo dos processos expressivos que agora vivenciamos (MARTINS, 2006: 13).
Com tal poder, os comandantes dos encarcerados podem atuar na vida dos muncipes
tanto psicologicamente, como tambm fisicamente, por meio de seqestros, ameaas e
atentados, afetando diretamente o padro de vida das cidades onde foram instalados os
estabelecimentos penais e no prximo tpico conheceremos uma cidade onde construiu um
estabelecimento penal nos moldes da privatizao e descentralizao contempornea.
36
3 - CONHECENDO IPER
A violncia urbana filha legtima da pobreza e da misria (PIRES,
1985: 9).
O objetivo deste captulo conhecermos um municpio onde foi construdo um
estabelecimento prisional motivado pela desativao da Casa de Deteno e pela poltica de
descentralizao e privatizao do sistema penitencirio como um todo, saber se a cidade estaria
estruturalmente preparada para abrigar tal contingente populacional sem afetar a vida daqueles
que j l viviam.
37
Durante o desenvolvimento de nossas pesquisas, nos preocupamos com a coleta de
dados primrios que pudessem colaborar com a realizao de nossos objetivos, neste sentido,
visitamos a cidade de Iper.
Nesse local tivemos a oportunidade de entrevistarmos Sandro Antonio Canatelli
Diretor de Cultura da Prefeitura e Fernanda Luvizotto de Carvalho Diretora do Departamento
de Comunicao da Prefeitura, nos interessava saber como os membros do executivo municipal,
pensam a construo do Presdio, exporemos suas opnies no decorrer do tema.
Considera-se um Municpio, alm de ser uma instituio poltico-jurdica, um ente
social, constitudo de muitas pessoas que se juntaram em determinado local com interesses
comuns de sociedade, como a famlia, e a propriedade, considerado um fenmeno social, estas
precederam ou so fundamentos sociais da figura do Estado como conhecemos.
No Direito Constitucional definido o Municpio como sendo uma criao jurdica,
assentado no princpio de direito natural sendo formado basicamente por pessoas vizinhas
dentro de uma rea determinada.
s origens dessas associaes de pessoas, fundamentalmente, se d pela necessidade de
um desempenho mais satisfatrio de servios que possibilitem melhores condies para a vida
individual e coletiva, e esse interesse por ajuda recproca a marca das pequenas e mdias
cidades, o mestre Hely Lopes Meirelles afirma que "o gigantismo das cidades modernas e os
problemas do campo destruram as relaes de vizinhana e o esprito comunitrio que
caracterizavam os Municpios da Antigidade (MEIRELLES 1996: 33).
Em 1988, com o advento da promulgao da Constituio Federal deu-se a autonomia
municipal, agora os Municpios tinham a possibilidade de elaborar a prpria Lei Orgnica, os
Prefeitos podiam ser eleitos pelo voto direto e simultneo com vereadores.
Das competncias do Municpio podemos citar as constantes no artigo 23 da
Constituio Federal em concorrncia com a Unio, os Estados e o Distrito Federal, todos
devendo zelar pela guarda da Constituio, das instituies democrticas, da sade e assistncia
pblicas, meios de acesso cultura, educao e cincia, proteo ao meio ambiente, etc.
Algumas competncias inseridas nos artigo 30 se tornaram privativas dos Municpios
que so: legislar em assuntos de interesse local, e nesse sentido que vem a importncia de saber
do interesse do ente municipal e conseqentemente de seus muncipes na construo de
presdios.
Na anlise dos aspectos referentes aos direitos dos muncipes, observamos que o
executivo municipal tem o poder discricionrio de decidir questes e criar normas legais que
poderiam antecederam e evitar a implantao de estabelecimentos penais.
38
Essas normas devem ser seguidas e respeitadas em relao aos impactos ambientais,
artsticos e culturais, para no haver nenhuma violao nas garantias sociais tanto dos
muncipes, como tambm dos prprios presos, pois mesmo estes ltimos tendo alguns direitos
de cidadania suspensos, mantm outros ntegros.
Como em muitos municpios, esta cidade alm de um presdio tem bairros onde a
misria mais evidente, convivem com baixos ndices de desenvolvimento humano, poderia ser
traado um paralelo sobre a construo de um estabelecimento penal e o aumento da misria,
mas para isso seria necessrio traar um perfil scio econmico de cada morador
individualmente, que no o foco do tema.
Os prprios agentes da prefeitura levantam dvidas sobre esses impactos que podem
causar um presdio, em determinado trecho da entrevista realizada, a senhora Fernanda
questiona o autor sobre as causas para o aumento da criminalidade em determinado bairro:
Voc acha que o aumento de criminalidade em George esta relacionado com o presdio? (...)
George Ueter um bairro de periferia daqui e voc acha que tem relao ou no?.
A resposta foi que, no havia subsdios suficientes para ter uma suposio sobre o tema,
deveria ser feito uma pesquisa pontual, ir at o local e verificar se a populao oriunda de
outros lugares ou no.
Poderia a populao existente ser catalogada nos cadastros das escolas municipais que
atendem essa regio, se a famlia veio de outro lugar a primeira coisa que procura e colocar seu
filho na escola e na escola h o cadastro dessa criana e de onde veio, de So Paulo, nasceu aqui
em IPER, se paulista ou paulistano e as