Post on 07-Nov-2018
OUTROS OLHARES: PROVOCAÇÃO À ATIVIDADE CURATORIAL Carlos Eduardo Sousa da Fonseca
kaduart@gmail.com Universidade de Brasília
Julia Conde Rocha Rodrigues Carneiro Campello
campellojulia@gmail.com Universidade de Brasília
Monique Priscila de Abreu Reis moniquepriscile@yahoo.com.br
Universidade de Brasília
Susy Batista Dias Araújo susy@arteduca.unb.br
Universidade de Brasília
Sheila Maria Conde Rocha Campello sheilacampello@arteduca.unb.br
Universidade de Brasília
Verônica Moreira Neto veronicamn@arteduca.unb.br
Universidade de Brasília
Viviani Tessele Cunha vivianicunha@arteduca.unb.br
Universidade de Brasília
Resumo O projeto apresentado neste artigo objetiva construir a visão analítica da produção artística de Porto Velho, enfatizando o circuito artístico local com base em pesquisas etnográficas, na prática curatorial, em abordagens teórico-metodológicas aplicadas à arte-educação e no uso da cartografia colaborativa. Palavras-chave: Cibereducação em Arte; Prática Curatorial; Etnografia; Patrimônio Artístico e Cultural; Cartografia Colaborativa Abstract: The project presented in this paper aims to build the analytical view of the artistic production of Porto Velho, emphasizing the local art scene, based in ethnographic research, in curatorial practice, in theoretical and methodological approaches applied to art education and in the use of collaborative cartography. Keywords: Cibereducation in Art, Curatorial Practice, Ethnography, Artistic and Cultural Heritage; Collaborative Cartography
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Introdução
Uma fronteira não é o ponto onde algo termina, mas, como os gregos reconheceram, a fronteira é o ponto a
partir do qual algo começa a se fazer presente.
Martin Heidegger, 1997
Este projeto interdisciplinar1 objetiva construir a visão analítica das obras de arte, por
parte de professores/estudantes da Licenciatura em Artes Visuais do Programa Pró-
licenciatura2, vinculados ao pólo de Porto Velho, Rondônia, enfatizando o circuito
artístico local, com base na prática curatorial, em abordagens teórico-metodológicas
aplicadas à Arte-Educação, apoiado no uso da cartografia colaborativa e buscando
tornar significativos os conceitos aprendidos no curso e os apreendidos no meio
cultural local. Visa, ainda, propor sua aplicação na atuação diária dos graduandos,
nas escolas onde lecionam, proporcionando condições para a construção de suas
próprias propostas teórico-metodológicas de ensino da arte e promovendo a
valorização da produção artística e cultural em Porto Velho.
A metodologia está alicerçada em estudos referentes às teses dos seguintes
teóricos: Ana Mae Barbosa, como referência para os estudos sobre a Proposta
Triangular; Heinrich Wolfflin, no que diz respeito à análise formal das obras de arte;
Robert Ott, que propôs uma abordagem para realização de leitura de imagens; Ivone
Richter, ao tratar da interculturalidade e da estética do cotidiano; Roberto da Matta,
fundamentando a metodologia etnográfica para realização de pesquisa de campo
baseada no estranhamento do familiar; Felipe Chaimovich, mediando a Prática
Curatorial e, Suzete Venturelli no que se refere à aplicação da cartografia
colaborativa para realização do mapeamento da produção artística de Porto Velho.
Esse mapeamento será realizado tendo como suporte os mapas disponibilizados
pelo Google Maps3.
Porto Velho: o contexto de aplicação do projeto Rondônia é um dos estados brasileiros de menor movimentação no mercado de
Artes Visuais e que menos investe na cultura, como informam levantamentos
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cidade de
Porto Velho vive, entretanto, um momento de leve pulsão neste aspecto, como
resultado da oferta da Licenciatura em Artes Visuais do Programa Pró-Licenciatura,
iniciada em 2008, por meio de uma parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e
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a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e com patrocínio do Ministério da
Educação. Outra conseqüência desse recente interesse pela Arte/Educação pode
ser constatado pela inauguração, em 2010, de uma Licenciatura em Artes Visuais
presencial, oferecida pela UNIR. Essa movimentação no circuito artístico, ocorrida
nos dois últimos anos, ainda se mostra tímida e carente de profissionalismo na
prática expositiva. Alem disso, a embrionária formação acadêmica de profissionais
nesse contexto ainda não estabelece uma relação clara entre o conhecimento
teórico e a possibilidade de aplicação prática nas atividades artísticas locais.
Observa-se, ainda, em Porto Velho que a maioria dos professores que atuam nas
redes públicas de ensino não são graduados em Artes e aqueles que o são, não
demonstram preocupação em relacionar suas práticas pedagógicas com abordagens
teórico-metodológicas significativas na área da arte/educação. Dessa forma, torna-
se imprescindível que os professores/estudantes da Licenciatura em Artes Visuais
busquem superar dificuldades que enfrentam em relacionar os temas aprendidos no
curso, com sua prática profissional e com sua vida cotidiana.
Outro ponto a ser observado diz respeito ao papel desses professores no
estabelecimento de uma ponte entre os trabalhos artísticos produzidos e o público.
Esse problema se torna especialmente grave pelo fato desses estudantes atuarem
como professores de artes na rede pública de cinco cidades do Estado de Rondônia
(Porto Velho, São Miguel do Guaporé, Ouro Preto do Oeste, Pimenta Bueno e
Guajará-Mirim), sendo responsáveis pela formação de muitos cidadãos que integram
essas comunidades4. O prejuízo na formação desses professores, portanto, irá
afetar diretamente seus respectivos estudantes e o desenvolvimento cultural de
todos esses municípios. Daí o destaque dado ao papel fundamental do professor de
arte, alvo da nossa pesquisa. Nossa intenção é contribuir para a formação de
professores que serão responsáveis, em suas escolas, não apenas pela formação
de artistas, mas, antes de tudo, pela preparação de leitores críticos da produção
artística, que tenham o hábito de conviver com a arte no seu dia a dia e de perceber
sua relação com suas próprias vidas. Em resumo, o que pretendemos, ao propor
uma síntese entre abordagens da Arte/Educação, das Ciências Sociais/Antropologia
e das Artes Visuais é desenvolver uma abordagem metodológica de formação de
arte/educadores que sejam, também, agentes culturais em suas comunidades.
O projeto está vinculado aos módulos de Estágio Supervisionado da Licenciatura em
Artes Visuais e a um projeto de extensão, intitulado Práxis Poiética5, que objetiva
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proporcionar oportunidade de aplicação prática dos temas estudados ao longo do
curso, no contexto de atuação dos professores/estudantes. Seu desenvolvimento se
dará no decorrer do ano de 2010 e 2011 e com possibilidade de continuidade,
atendendo necessidades que possam surgir.
Os estudos e pesquisas desenvolvidos ao longo do projeto baseiam-se em ações
metodológicas propostas por meio de atividades presenciais e a distância. Estas
últimas terão como suporte o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) do Grupo
Arteduca6. Tais estudos relacionam-se com os seguintes eixos temáticos: Eixo da
Arte/Educação; Eixo da Etnografia; Eixo da Prática Curatorial e, Eixo Tecnológico.
As ações presenciais serão realizadas por meio de oficinas de introdução à prática
curatorial, de Arte/educação, de introdução à pesquisa etnográfica e de uso da
cartografia colaborativa, na qual será abordado o uso do Google Maps7. Segue a
apresentação da fundamentação teórica desses eixos temáticos.
Eixo da Arte/educação: Ao se falar sobre o ensino de arte no Brasil, deve-se citar o trabalho de Ana Mae
Barbosa, sistematizadora da Proposta Triangular, que propõe a articulação das
ações de contextualização, leitura e produção artística na prática pedagógica da
arte. Por meio dessas ações o professor poderá conduzir os estudantes a uma
análise clara de obras, e consequentemente, ao hábito de busca contínua pela arte.
A contextualização ajuda a entender o tempo, o espaço e o contexto social em que
as obras estão inseridas; a leitura ajuda o aluno a decodificar os significados
diversos agrupados em uma obra, de forma que ele perceba sua linguagem, as
diferentes formas, os tipos de construções, a influência das cores utilizadas e muitos
outros elementos nela encontrados e, o fazer artístico, vai levar o estudante a
experienciar a produção de uma obra por completo. (BARBOSA, 2005) Uma das questões abordadas na Proposta Triangular, bastante pertinente à nossa
pesquisa, diz respeito ao papel da arte na escola: o de formar conhecedores,
fruidores e decodificadores da arte, e não apenas artistas. Pensando dessa forma,
poderemos propor a formação, na escola, do público que se deseja ter em galerias e
museus. A escola representa, então, o caminho para tornar o acesso à arte possível
a uma vasta maioria da população, que poderá apreciar e usufruir da experiência
estética apresentada nos diversos espaços disponíveis.
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Neste contexto, é fundamental que o professor de arte seja um mediador no
processo de ensino-aprendizagem e que sua formação vise capacitá-lo para utilizar
abordagens teórico-metodológicas atuais de leitura, contextualização e produção
artística. Assim, para que esse professor também se configure como um agente
cultural, aliando a produção artística realizada na escola com a produção de artistas
locais, realizando um intercâmbio cultural e fomentando o circuito artístico da
comunidade, acreditamos que seja necessário, também, seu contato com outras
abordagens, propondo um estudo interdisciplinar, ou mesmo transdisciplinar, por
resultar em novo campo de atuação, envolvendo a Arte/Educação, a Antropologia e
as Artes Visuais, por meio da prática curatorial.
Sobre esse papel transdisciplinar da arte Leci Augusto (2010) afirma que [...] em função dos aspectos estéticos e comunicacionais do objeto artístico, a leitura da imagem torna-se fundamental na compreensão do objeto e enriquecimento do processo de formação cultural do aluno. Para tal, a leitura da imagem como atividade de pesquisa e experimentação prática deve pautar-se no caráter transdisciplinar da arte. Ao propor um estudo transdisciplinar para leitura da imagem, considera-se que o objeto artístico permite novas configurações e incorpora novos significados, tanto no momento da produção quanto na fruição. Neste sentido, a abordagem transdisciplinar possibilita o trabalho em interfaces com outras disciplinas, a superação de fronteiras, a migração do conceito de um campo do saber para outro, permanente questionamento sobre o objeto.
BASTOS (2005, p. 231), por sua vez, nos apresenta uma proposta que envolve uma
parceria entre arte/educadores, artistas e a comunidade. Essa proposta busca
aproximar a escola e práticas artísticas existentes na comunidade, almejando
promover mudanças pelo estudo crítico da arte local, que favoreçam “o
desenvolvimento de habilidades para interpretar, questionar e participar
conscientemente na cultura e sociedade locais”. Para tanto, ela se utiliza da filosofia
educacional de Paulo Freire que parte do princípio de que o objetivo fundamental da
prática educativa é promover a consciência crítica, marco referencial da mudança,
que envolve . Citando, também, Ana Mae Barbosa a autora afirma que o processo
educativo é essencialmente político e envolve a conscientização de nosso
pertencimento histórico e cultural, que norteia nossa reflexão crítica e nossa
participação social. É esse processo que nos interessa desenvolver neste projeto
No que diz respeito à leitura de imagens, podem ser utilizadas abordagens teórico-
metodológicas que possibilitem a análise e a compreensão da obra. Segundo
Analice Dutra Pillar (1993), é importante enfatizar que uma obra possibilita inúmeras
leituras proporcionadas não somente pela relação entre os elementos que a
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compõem, como também pelas possíveis relações entre a obra e diferentes
contextos. Tais leituras poderão ser feitas por meio de análise gestáltica,
semiológica, iconográfica, ou estética e, apesar das possibilidades de se obter
interpretações diferenciadas, essa ação de leitura não significa questionar ou julgar
sua excelência de imediato. O ideal é que isso aconteça de forma desapegada de
preconceitos. Dentre as abordagens que se aplicam à leitura de imagens, destaca-
se o método formalista proposto por Heinrich Wölfflin (1864–1945), que permite a
análise por meio de elementos básicos da sintaxe da linguagem visual. Segundo
Moreira (2009, p. 33), Wölfflin destaca que a obra de arte revela não só o
temperamento do artista, mas também o espírito de uma nação e as contingências
históricas de cada época.
Outra proposta metodológica para interpretação de obras de arte, o Image Watching,
se ocupa da elaboração de conceitos para a sistematização da crítica de arte
associada à prática criativa na arte-educação em museus. Surgida entre as décadas
de 70 e 80, foi adotado em museus de vários países, como Estados Unidos,
Canadá, Inglaterra, Alemanha e, também, no Brasil, onde ele foi apresentado por
Robert William Ott, em 1988, em um curso ministrado no Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo.
O sistema Image Watching é composto por um estágio preparatório – o Thought
Watching - e mais cinco categorias subseqüentes: descrevendo, analisando,
interpretando, fundamentando e revelando.
Assim como um prefácio poético está para um texto, o Thought Watching está para o
exercício da crítica como um aquecimento para elevar as possibilidades de
compreensão. Ao Thought Watching segue a primeira categoria, ‘descrevendo’, que
trata de inventariar e compartilhar o que é percebido na superfície da obra sem,
ainda, buscar significados. Nessa etapa, o educador deve mediar o processo sem
interferir na descrição dos educandos/público com explicações. Na sequencia temos
a categoria ‘analisando’, que possibilita a investigação da obra de arte, seus
detalhes de técnica, forma, elementos e composição, nesta etapa é apreciada a obra
e a virtuosidade do artista que a produziu. Na terceira categoria, ‘interpretando’,
indaga-se sobre as idéias que levaram o artista à produção da obra. Esta costuma
ser considerada a mais criativa das categorias e a mais rica em possibilidades
pedagógicas. Essa categoria permite a expressão individual do que se sente perante
a obra, participando-se assim da crítica. Na categoria seguinte, ‘fundamentando’, é
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disponibilizado conhecimento adicional para a interpretação da obra, como por
exemplo, conhecimentos históricos ou de outras formulações críticas a respeito da
obra. Culminando o sistema de crítica Image Watching, temos a categoria
‘revelando’, na qual é estimulada a revelação de todo o conhecimento adquirido
neste processo por meio da expressão artística e não do julgamento. Estas e outras
formas de leitura de imagens serão, também, abordadas nos estudos relacionados
com o Eixo da Prática Curatorial.
(b) Eixo da etnografia - o estranhamento do familiar: A etnografia, segundo Luis Makel (2009), refere-se à escrita (graphos) sobre um
povo (ethnos). Trata-se de um método que consiste na imersão do pesquisador no
contexto da sociedade e cultura estudada, assumindo-se que a interação entre
ambos e a influência mútua integram a pesquisa. Dessa forma, o trabalho
etnográfico é diferente dos modelos de pesquisa linear que começam com as
hipóteses, seguem com a coleta de dados e finalizam com a análise.
A idéia de estranhamento do familiar está relacionada com a metodologia de
pesquisa etnográfica proposta por Roberto da Matta. Ela parte do princípio que em
seus procedimentos de pesquisa de campo o antropólogo vive entre culturas
distintas, onde tudo parece estranho e exótico. Para o autor é necessário procurar
transformar o exótico em familiar, para dar um sentido lógico e coerente às práticas
encontradas em outras culturas. Num segundo momento, no retorno à própria
sociedade, o pesquisador precisa usar o mesmo procedimento num sentido inverso
e assim estranharia o que é familiar na sua própria cultura, para compreendê-la
melhor. Em nosso projeto o professor/estudante deverá tentar encontrar na própria
cultura o que há de familiar e fazer perguntas simples sobre esses temas - Como?
Porque? e, ao buscar respondê-las, poderá criar um novo um novo olhar a respeito
de suas próprias práticas sociais e culturais e perceber, assim, seu duplo papel
como produto e produtor dessas práticas.
Esse método de pesquisa se torna particularmente interessante no campo da arte,
se considerarmos que a cultura consiste em “como” as pessoas pensam sobre o que
produzem. Segundo Makl (2009), ao buscar a resposta à questão de “como” as
pessoas representam e pensam sobre o que estão fazendo, estarão formulando
questionamentos relacionados com o conceito de arte.
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Esse estranhamento consiste, portando em uma nova forma de se olhar o que nos é
familiar em nossa cultura, de modo mais afastado e isento de conceitos, valores ou
expectativas, objetivando observar as coisas em si, desveladas dos significados que
lhes são atribuídos por nós. O estranhamento do olhar possibilita uma nova
experiência estética a partir da ressignificação do ordinário.
BASTOS (2005, pp. 242 -243) também se utiliza do conceito do estranhamento do
familiar em sua proposta de arte/educação baseada na comunidade ao afirmar que [...] é possível revitalizar os elos entre escola e comunidade pelo estudo da arte local. Esse processo não é apenas significativo para os alunos e a comunidade, mas também é um passo essencial à caminhada da educação comprometida com a mudança social. Valorizar a arte produzida na comunidade é importante, pois ela carrega as sementes e as tradições da comunidade, criando e refletindo tradições e conflitos existentes e aludindo constantemente à mudança e à renovação. Portanto, é razoável acreditar que, mediados pelo estudo da arte local, alunos e professores poderão experienciar o perturbamento do familiar. Um perturbamento que, por meio da arte, tem o potencial de engendrar apreciação, crítica e transformação.
A idéia de estranhamento do olhar também está ligada à de “trocas culturais”, que
são resultados das relações estabelecidas nos encontros entre grupos culturais
diferentes. Associadas ao conceito de globalização, as trocas culturais são, entre
outros fatores, grandes responsáveis pelas mudanças ocorridas nos valores e
modos de fazer e viver de culturas locais, conjunto de expressões culturais que
mantêm forte e explícita ligação com seu contexto. A princípio, cultura local nos
remete ao sentimento telúrico, ao significado geopolítico de local. Homi BhaBha nos
alerta, entretanto, para a amplitude de sentidos de ‘local’, também relacionado aos
posicionamentos gerados pela consciência das posições dos sujeitos – de raça,
gênero, geração, orientação sexual – que habitam qualquer pretensão à identidade
no mundo moderno. Muitas vezes as trocas culturais assumem um perfil mais
coercitivo de embates culturais, outras vezes resultam em relações interculturais
interessantes. A percepção do aluno hoje, como sujeito participante desses
intercâmbios culturais, exige que educação considere a existência dessas relações.
A interculturalidade no ensino das artes possibilita a ampliação dos horizontes desse
aluno, permitindo o desenvolvimento de seu potencial criativo, diminuindo o
distanciamento entre a arte e a sua própria vida. Nesse momento, torna-se
importante a compreensão da estética do cotidiano por meio de uma ampliação do
conceito de “valor estético” trazendo para a escola um sentido mais amplo da
experiência estética, incluindo as consideradas “artes menores”, levando o aluno a
apropriar-se delas.
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Com o objetivo de conhecer melhor a maneira como nós, seres humanos, nos
manifestamos nas mais diversas formas artísticas, Ivone Richter cita Jacques
Maquet (1986) que estuda a experiência estética sob o ponto de vista do
comportamento humano, e afirma que tanto a relação do homem com a arte, como a
sua produção artística, está apoiada em três componentes: o componente humano,
componente cultural e o componente singular.
O componente humano é comum a todos, pois é inerente ao homem reagir de forma
cognitiva, afetiva e contemplativa ao ambiente no qual está inserido, trazendo a
necessidade de organização visual e de força expressiva. Esse componente, visto
de forma isolada, torna possível o entendimento que ultrapassa as barreiras
culturais, de forma que admiremos objetos de outras culturas. O componente cultural
relaciona-se a pessoas que pertencem a uma mesma sociedade, grupo, e a uma
mesma classe, pois falam a mesma linguagem e vivem de acordo com as mesmas
regras e códigos que se fazem presentes na forma como se apresentam seus estilos
estéticos. A multiplicidade de sociedades e grupos existentes resulta em uma
variedade enorme de estilos estéticos e de visões de mundo. O componente singular
trata da maneira como cada um de nós assimila essa cultura e tende a desenvolver
sua expressão singular.
A compreensão desses componentes, que traduzem a forma como o homem produz
seus artefatos e objetos estéticos, nos leva a compreender melhor as questões da
diversidade cultural, que constituem a maneira como cada sociedade se expressa
em coletividade. E a sala de aula é o ambiente propício para se discutir os diversos
tipos de contribuições culturais, de forma que o aluno possa transformar a sua
capacidade de apreciação artística, ampliando sua visão cultural a partir de novos
conceitos de arte e, por meio de uma apreensão criativa introduzir novas
perspectivas, novos olhares, diferentes daqueles tradicionalmente estudados - a
visão eurocêntrica de mundo. Avançando mais, esse debate poderemos destacar a
importância social da arte, trazendo para discussão o papel do artista como ativista
social, e levando-o a perceber suas próprias possibilidades de atuar como agente
social, por meio de seu próprio fazer artístico. Para tanto, torna-se necessário propor
um ensino da arte voltado para valorização das diferenças culturais, de forma a
possibilitar o desenvolvimento do potencial humano e criativo, apresentando
perspectivas diferentes sobre a arte e o design em outras culturas, proporcionamos
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aos alunos meios para melhor perceber sua própria cultura e cada vez mais
apropriarem-se dela.
(c) Eixo da Prática Curatorial: A prática curatorial é uma forma de mediação que tem um importante teor educativo
proporcionando condições de aplicarem seus conhecimentos teóricos na
fundamentação de critérios para a da seleção e análise das obras ou objetos
culturais locais. Para tal abordagem, entendemos que curadoria é uma atividade de
desenvolvimento teórico e prático que visa a apresentação de um conjunto coeso de
obras de arte, ou de outro bem cultural, para determinado público. Nessa função o
curador desempenha atividades como: selecionar o universo de obras que irá
apresentar; delinear a sua abordagem, ou seja, a sugestão de leitura do conjunto de
obras escolhidas (que pode ocorrer por encomenda, conforme de interesses
específicos de outrem); trabalhar as possibilidades de apresentação/montagem das
obras, buscando a melhor disposição destas no espaço expositivo, além de elaborar
o texto curatorial, que geralmente acompanha a exposição.
A curadoria também tem um compromisso com as teorias e a crítica de arte,
representadas pelo conjunto de estudos referentes à arte, que investigam,
constroem e transformam seus valores com abordagens diversas como a da história
da arte e das teorias estéticas. No âmbito da arte o valor de uma teoria é justificado
por sua relação com a prática. Menos voltada ao grande público e mais voltada aos
artistas, estudiosos e à posteridade, o interesse da teoria da arte é mais acadêmico,
científico e sua intenção se alcança ao longo tempo e não imediatamente, como
acontece com a crítica de arte. Boa parte da teoria que circula tem sido
estabelecida/comprada pelo mercado, ou é resultante de produção teórica
independente, acadêmica, não dispondo de uma fonte de financiamento para
publicação e divulgação. Tais condições tornam certas produções teóricas
tendenciosas.
A atividade do crítico de arte surgiu no século XVIII, com a necessidade da
burguesia de ostentar status por meio do consumo/obtenção de obras arte. Na
atualidade, quando nos referimos à crítica de arte estamos tratando de análises e
juízos de valor elaborados por estudiosos da arte, historicamente responsáveis pela
certificação do valor dos produtos artísticos para o conhecimento do público. A
crítica de arte se baseia em formulações teórico-filosóficas, contudo elabora seus
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comentários afetada (a crítica) pela repercussão que o contato imediato com a obra
provoca no crítico espectador.
Ao lado da teoria e a crítica de arte, e apoiando-se nelas, a atividade curatorial
exerce grande peso no circuito artístico, ou seja, no conjunto de agentes e meios
que articulam os acontecimentos no âmbito das artes visuais de determinado
contexto cultural. O circuito artístico é influenciado por fatores como os econômicos,
geográficos, políticos e cultural, fato que nos explica a discrepância entre circuitos
artísticos locais, como os de São Paulo e Rio de Janeiro, comparados aos de
Rondônia e o de outros locais fora desse eixo.
Após analisarmos a atuação e a repercussão da atividade curatorial, queremos
reforçar sua faceta educativa por meio do trabalho de mediação artística, que se
empenha na acessibilização da arte e da cultura, em sentido físico e metafísico, este
segundo se aproxima mais da atuação de aproximação na relação arte – público.
Por fim, a prática expositiva consiste em possibilitar a disponibilização da expressão
e comunicação artística ao público. Iniciou-se em apresentar objetos culturais
(gabinetes de curiosidades) e obras de arte, contudo, na contemporaneidade
consiste, também, na proposição de experiências estéticas que vão além da
contemplação, sendo experienciadas por outros sentidos e não se concentrando
apenas na visão. Como exemplo, citamos os Objetos Relacionais que Lygia Clark
elaborou na década de 1970, mostrados nas imagens abaixo.
A fruição artística como experiência, o momento da apresentação da arte como mais
uma etapa – a conclusiva do processo de criação – no caso dos happenings,
performances e instalações, transformaram cada vez mais o processo expositivo ao
pondo de artistas considerarem um velho galpão ou um espaço aberto mais
propícios que a incólume galeria. No caso deste projeto, optamos por concluir nosso
estudo e experiência curatorial com uma exposição organizada na Casa de Cultura
Ivan Marrocos8 e, também, no espaço fluido e infinito da Internet, por meio da
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construção de um mapa virtual, onde serão postadas as informações selecionadas
para o mapeamento da produção artística cultural local.
Eixo tecnológico - a cartografia colaborativa: O mapeamento cultural de Porto Velho, baseado na pesquisa etnográfica, será feito
por meio da cartografia colaborativa que une os contextos de arte e tecnologia.
Serão criados mapas pessoais no Google Maps, com a finalidade de realizar um
levantamento da produção artística local, de divulgá-la e de constituir um espaço de
colaboração e interação entre pessoas na web.
A cartografia colaborativa, segundo Rolnik, apud Venturelli (2009), surgiu
recentemente a partir de propostas coletivas de grupos artísticos ou culturas
construídas no espaço híbrido das redes, com possibilidades de interação em tempo
real, com elementos vindos de toda parte do planeta. Essa nova cultura de
mapeamento, realizada por meio dessas redes no espaço virtual, tem possibilitado o
compartilhamento de informações sobre lugares, arte e cultura, histórias,
engajamento político e social, criando significações sobre realidades distintas.
Venturelli afirma, com base em Tuters e Kazys, (2006) que “a cartografia virtual do
mundo, em mapas fixos, é como se a Terra estivesse sendo etiquetada”. Esse ato
de colocar etiquetas, geotagging, foi denominado por eles de mapeamento
anotativo. Nesses mapas, os usuários podem comentar sobre lugares, postar
imagens e vídeos que serão acessados por outras pessoas, em qualquer lugar do
mundo, possibilitando não apenas a navegação pelas informações, como também a
participação e contribuição, constituindo-se assim espaços de colaboração.
Quando falamos em cartografias colaborativas por meio das tecnologias
contemporâneas, segundo (Venturelli - 2009), temos que levar em consideração as
características específicas destas, que podem resultar em modos de execução
diferentes: existem os mapas desenhados a partir do deslocamento do indivíduo e
os mapas fixos, nos quais as informações são enviadas e apresentadas. Neste
projeto serão utilizados mapas fixos como forma de socialização de informações
sobre a arte e a cultura de Porto Velho.
A aplicação desse referencial para a proposição da metodologia Os estudos relativos ao Eixo da Arte/educação perpassam todo o processo e serão
realizados, como foi dito, por meio de atividades referentes às ações previstas na
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Proposta Triangular, com ênfase na leitura de imagens, também relacionada com a
prática curatorial, e baseadas em diferentes abordagens, visando fundamentar a
proposição de critérios a serem estabelecidos para a realização de pesquisa de
campo baseada em um levantamento etnográfico.
Na Oficina de Introdução à Pesquisa Etnográfica serão apresentadas diversas
técnicas de modo a proporcionar condições aos professores/estudantes de optarem
pelo método mais adequado a cada situação. Serão abordadas: observação
participante, entrevista com grupo focal, entrevista estruturada, entrevista aberta e
entrevista semi-estruturada. No caderno de campo o estudante/pesquisador deverá
anotar as informações que considerar importantes sobre o tema pesquisado, obtidos
durante a investigação em campo. Nele não devem constar referências teóricas,
mas apenas as observações empíricas sobre o tema. O ato de anotar durante a
investigação tem dois importantes aspectos básicos a serem considerados. O
primeiro diz respeito a uma questão prática: quando anotamos não corremos o risco
de esquecer algum aspecto importante observado. O segundo diz respeito ao
método do estranhamento do familiar, que será abordado na oficina. Muitas vezes,
num primeiro momento, pensamos em algo como próprio do objeto de pesquisa e
não percebemos o que há de nosso, de nossas próprias experiências, por trás do
que observamos. Num segundo momento, ao lermos nossas próprias observações,
podemos ser mais objetivos e perceber nossa própria ideologia, nossos conceitos e
visões no que foi observados. As anotações poderão ampliar nossas possibilidades
de análise dos dados coletados.
Ao longo da pesquisa, cada professor/estudante/pesquisador irá criar um mapa
individual utilizando o Google Maps, para o qual serão transferidos os resultados das
anotações do caderno de campo. Esses mapas serão analisados por todos os
integrantes do grupo e alimentarão debates realizados no AVA. Ao final do processo
será criado um mapa único, no qual serão registradas as principais descobertas do
grupo, ou seja, serão registradas geotags nos locais em que foram encontradas as
produções mais significativas. Será necessário, portanto, capacitar os professores
estudantes para a criação de seus mapas individuais e como proceder para inserir
tais registros nesse mapa colaborativo, disponibilizado na Internet.
O resultado dos estudos e pesquisas realizados serão apresentados à comunidade
de Porto Velho em um seminário organizado pelo grupo. A comunidade será
convidada a colaborar, a partir de então, realizando suas próprias demarcações, a
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indicação de locais em que possam ser encontradas novas produções artísticas,
ampliando, dessa forma, o mapeamento elaborado pelos pelo grupo.
O professor/estudante/pesquisador deverá desenvolver um planejamento de
atuação pedagógica, viabilizada por meio dos subsídios teóricos e metodológicos
oferecidos nas oficinas do projeto, visando a formação de novos fruidores,
produtores e decodificadores, tornando significativa a aprendizagem em arte nos
diferentes contextos escolares e realizando um intercâmbio entre a produção
artística dos alunos, dos artistas locais e da comunidade. visando . Todo este
planejamento deverá se pautar nos seguintes pontos: contexto de aplicação;
recursos disponíveis na escola; objetivos a serem alcançados; perfil dos alunos;
metodologia a ser aplicada; estratégias de atuação na mediação do conhecimento
em arte; organização de exposições na escola; cronograma de execução e
avaliação de todo este processo. Por meio da divulgação de seus planejamentos no
AVA, os professores/estudantes/pesquisadores poderão debater sobre as
possibilidades e dificuldades encontradas em seus ambientes de trabalho e pensar
em soluções para implementar um ensino efetivo da arte como área do
conhecimento.
A aplicação deste projeto será avaliada ao longo de todo o processo, com o objetivo
de analisar resultados e de propor sua continuidade. Tais avaliações deverão,
também, considerar a possibilidade de ampliação do alcance do projeto, envolvendo
os professores/estudantes matriculados na mesma Licenciatura em Artes Visuais e
vinculados aos pólos de Ceilândia e Planaltina, no Distrito Federal. Acreditamos que
poderão, também, ser buscadas novas possibilidades de oferta em cursos de
extensão, envolvendo, além de alunos de outros cursos a distância, um público
maior, formado por alunos de cursos presenciais e até mesmo da comunidade local.
Referências AUGUSTO, Leci Maria. Módulo 6 – Unidade 2. Dimensões da Imagem: Leitores e Leituras. Ambiente Virtual de Aprendizagem Arteduca 2009-2010. Disponível em: http://arteduca.unb.br/ava/file.php/95/modulo_dimensoes_da_imagem.pdf. Acesso: 22/06/2010. BARBOSA: Ana Mae. A imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005. BASTOS, Flávia Maria Cunha. O perturbamento do familiar: uma proposta teórica para a Arte/Educação baseada na comunidade. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais, São Paulo: Cortez, 2005.
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