Post on 07-Apr-2016
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Copyright © Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
Governo do Estado de Pernambuco
Governador | João Lyra Neto
Secretaria de Cultura
Secretário | Marcelo Canuto Mendes
Diretor de Gestão | Maria de Lourdes Mergulhão Nunes
Diretor de Políticas Culturais | André Brasileiro
Diretor de Projetos Especiais | Félix Farfan
Gestores de Comunicação | Michelle de Assunção e Tiago Montenegro
Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco (Fundarpe)
Presidente | Severino Pessoa dos Santos
Diretora de Gestão | Sandra Simone dos Santos Bruno
Diretor de Gestão do Funcultura | Thiago Rocha Leandro
Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais | Ascendina A. da Lapa Cyreno
Diretora de Preservação e Patrimônio Cultural | Celia Campos
Diretor de Produção | Luiz Cleodon Valença de Melo
1ª Edição:
Coordenação editorial: Maria Acselrad
Supervisão: Eduardo Sarmento
2ª Edição:
Coordenação editorial: Jaqueline de Oliveira e Silva
Supervisão: Janine P.C. Meneses
Assistência: Gabriel Navarro de Barros
Pesquisa e textos: Maria Alice Amorim
Fotografia: Aguinaldo Leonel,
Clara Gouvêa, Costa Neto, Cristiana Dias,
Daniela Nader, Edmar Melo, Eric Gomes,
Flávio Barbosa, Luca Barreto, Marcelo Lyra, Mateus Sá,
Passarinho, Priscilla Buhr, Renato Spencer, Ricardo Moura,
Roberta Guimarães, Rodrigo Ramos, Lívia Froes,
Luiz Henrique Santos e Jaqueline Silva
Projeto cartográfico: Luís Bulcão
Projeto gráfico: Gilmar Rodrigues
Diagramação: Flávio Barbosa da Silva
Revisão: Maria Helena Pôrto
Impressão: Companhia Editora de Pernambuco - Cepe
A981pAmorim, Maria Alice.
Patrimônios Vivos de Pernambuco /Amorim, Maria Alice; 2. ed. rev. e ampl. - Recife: FUNDARPE, 2014.
176 p.: il.ISBN 978-85-7240-093-0
1. Patrimônios vivos – Pernambuco. 2. Patrimônio imaterial. 3. Salvaguarda. I. Amorim, Maria Alice. II. FUNDARPE. III. Título.
CDD 363.69
TEXTO INSTITUCIONAL Marcelo Canuto eSeverino Pessoa
PATRIMÔNIO VIVO EM CONTEXTO · 17
Maria Acselrad
· 20CARTOGRAMA DE MESTRES E GRUPOS
Jaqueline Silva e Gabriel Navarro
NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO · 7 BANDA MUSICAL CURICA
CAMARÃO
DILA
J. BORGES
LIA DE ITAMARACÁ
MANUEL EUDÓCIO
MARACATU LEÃO COROADO
ZÉ DO CARMO
HOMEM DA MEIA-NOITE
ÍNDIA MORENA
JOSÉ COSTA LEITE
CONFRARIA DO ROSÁRIO
ZEZINHO DE TRACUNHAÉM
CABOCLINHO SETE FLEXAS
SELMA DO COCO
TEATRO EXPERIMENTAL DE ARTE
CLUBE INDÍGENA CANINDÉ
MARACATU ESTRELA BRILHANTE DE IGARASSU
MAESTRO NUNES
CAPA-BODE - EUTERPINA JUVENIL NAZARENA
DIDI DO PAGODE
MAESTRO DUDA
MARIA AMÉLIA
MESTRE GALO PRETO
MARACATU ESTRELA DE OURO DE ALIANÇA
ASSOCIAÇÃO MUSICAL EUTERPINA DE TIMBAÚBA
BANDA REVOLTOSA
LULA VASSOUREIRO
MAESTRO FORMIGA
VIVA OS PATRIMÔNIOS VIVOS!
· 10 TEXTO INSTITUCIONAL
Luciana Azevedo
10 ANOS DE APLICAÇÃO DA LEI DE REGISTRO · 12
· 23 · 27
· 31
· 35
· 39
· 43
· 47
· 51
· 55
· 59
· 63
· 67
· 71
· 75
· 79
· 83
· 87
· 91
· 95
· 99
· 103
· 107
· 111
· 115
· 119
· 123
· 127
· 131
· 135
· 9
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
ANA DAS CARRANCAS
CANHOTO DA PARAÍBA
MESTRE SALUSTIANO
MESTRE NUCA
FERNANDO SPENCER
ARLINDO DOS 8 BAIXOS
JOÃO SILVA
PATRIMÔNIOS VIVOS IN MEMORIAM · 139
REFERÊNCIAS · 170
· 141
· 145
· 149
· 153
· 157
· 161
· 165
2005
2012
2007
Na presente obra Patrimônios Vivos de Pernambuco, 2ª Edição Revisada e
Ampliada, a autora, Maria Alice Amorim, nos contempla com as histórias
dos vinte e nove Patrimônios Vivos eleitos até 2013, acrescidos de outros
sete textos sobre os patrimônios in memoriam. Dentre estes, contamos
com os vinte e quatro textos da primeira edição e mais doze textos
inéditos. Às fotografias originais, foram acrescentadas imagens de autoria
do fotógrafo Costa Neto e do acervo de documentação da Fundarpe.
Nota à Segunda Edição
07
09
instituição, em 2 de maio de 2002, pela Lei Estadual nº
12.196 e regulamentada pelo Decreto nº 27.503, de 27 de
dezembro de 2004, do Registro do Patrimônio Vivo de
Pernambuco – RPV-PE. Em 2014 teremos a 10ª edição do
concurso, com a escolha de mais três novos patrimônios
pelo Conselho Estadual de Cultura.
Atualmente, estão registrados vinte e nove Patrimônios Vivos
(além dos sete falecidos, em caráter in memoriam). São
pessoas e grupos situados na Região Metropolitana, na Zona
da Mata, no Agreste e no Sertão. Entre eles estão
ceramistas, poetas, xilogravuristas, cirandeiras, coquistas,
sanfoneiros, artistas circenses, grupos de teatro, agremiações
carnavalescas, bandas de música, maracatus, caboclinhos e
uma irmandade religiosa.
Agradecemos à sensibilidade da Companhia Editora de
Pernambuco (CEPE), que entendeu a importância do projeto,
possibilitando a impressão deste novo catálogo. Desejamos
que esta iniciativa leve cada vez mais longe a história desses
reconhecidos mestres da cultura pernambucana. Boa leitura.
Marcelo CanutoSecretário de Cultura
Severino PessoaPresidente da Fundarpe
Registro de Patrimônio Vivo de Pernambuco tem como
missão reconhecer, valorizar e apoiar mestres e grupos
que detenham os conhecimentos ou as técnicas necessárias
para a produção e a preservação de aspectos da cultura
tradicional ou popular (formas de expressão, saberes, ofícios e
modos de fazer). A transmissão desses conhecimentos,
valores, técnicas e habilidades possibilita o reconhecimento,
acesso, difusão e fruição dos diversos bens, memórias,
saberes e histórias presentes nas culturas populares.
O Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura e da
Fundarpe, ciente desta responsabilidade, apresenta a versão
atualizada e ampliada do livro Patrimônios Vivos de
Pernambuco. Esta publicação reúne informações históricas e
culturais sobre pessoas e grupos registrados como Patrimônio
Vivo de Pernambuco, desde o primeiro ano deste concurso,
em 2005. A primeira edição foi escrita em 2009, pela
pesquisadora Maria Alice Amorim. De 2010 a 2013, mais
doze patrimônios foram eleitos, e ocorreram cinco
falecimentos, o que torna necessariamente importante uma
nova edição, no propósito de dar continuidade à valorização e
difusão do Patrimônio Cultural Pernambucano.
Pernambuco está entre os estados pioneiros ao adotar uma
legislação própria para reconhecimento dos saberes dos
mestres e mestras da cultura popular e tradicional, com a
O
ocumentar, através deste livro, a trajetória dos
“Patrimônios Vivos de Pernambuco” e, consequentemente,
seus múltiplos saberes, histórias e memórias, representa
para nós, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco – Fundarpe –, um momento oportuno de
reconhecer, salvaguardar e difundir parte da diversidade
cultural que constitui Pernambuco. Mais do que isso, reforça
o nosso compromisso em promover e proteger o patrimônio
cultural imaterial, contido nas tradições, no folclore, nos
saberes, nas línguas, nas festas e em diversas outras
manifestações, fortalecendo as “referências culturais” dos
grupos sociais em sua heterogeneidade e complexidade.
Cientes da importância dessa categoria do patrimônio,
temos, nos últimos anos, nos esforçado para criar e
consolidar instrumentos e mecanismos, de maneira coletiva
e compartilhada, que visam garantir o seu reconhecimento,
defesa e, acima de tudo, viabilidade. Assim, no ano de
2002, o Governo do Estado de Pernambuco lançou,
de maneira pioneira no Brasil, a “Lei do Registro do
Patrimônio Vivo”, possibilitando o reconhecimento e o
apoio aos mestres e grupos da cultura popular e tradicional,
avançando para uma concepção do patrimônio entendido
como “o conjunto dos bens culturais, referente às
identidades e memórias coletivas”. Nesse contexto, formas
de expressão, saberes, ofícios e modos de fazer ganharam
um novo espaço, quanto à apreensão dos seus sentidos e
significados.
Hoje, nosso desafio é asseverar a inserção dos nossos
patrimônios vivos na Política Cultural do Estado, o que
temos feito através da realização de oficinas de transmissão
de saberes, exposições, apresentações culturais, palestras,
entre outras ações, que para nós significa a apropriação
simbólica e o uso sustentável dos recursos patrimoniais
direcionados à preservação e ao desenvolvimento
econômico, social e cultural do Estado. Nessa trajetória,
articulamos diversas ações institucionais que possibilitaram
investir em atividades como pesquisa, documentação,
proteção e promoção desses patrimônios vivos.
Portanto, ao dar corpo a testemunhos de pernambucanos
e pernambucanas, este trabalho ousa servir como um
memorial, um “pergaminho identitário” fundamental para a
construção do futuro. Um futuro que começa na percepção
do que fomos e de quem somos, possibilitados pela
“consciência patrimonial”.
Sem dúvida, esta valiosa e inédita publicação é mais um
fruto desses desafios! Queremos compartilhar com vocês,
leitores – e por que não “patrimônios vivos”? –, um pouco
das nossas descobertas e redescobertas. Saibam, desde já,
que o livro em mãos é resultado de um trabalho de pesquisa
e registro, de um olhar atento e sensível, e incompleto,
por essência, pois a cada ano serão incorporados novos
patrimônios vivos. Mais do que registrar, portanto, estas
linhas e imagens que seguem nos possibilitam mergulhar
num mosaico de experiências que marcaram e marcam
as vidas de grandes mestres e grupos da cultura popular
e tradicional, verdadeiros tesouros vivos, guardiões e
sacerdotes de memórias e saberes. Em seus testemunhos,
são revelados o simbólico, o imaginário e o real, numa
dinâmica objetiva e subjetiva que articula um saber fazer,
conhecimentos e empreendimentos sociais desafiadores à
nossa maneira de pensar e agir. Um rico universo em que
as pessoas se expressam e se relacionam com o mundo;
que comunica vida, fatos, pensamentos, sonhos, ideias e
sentimentos. Boa leitura!
Luciana Azevedo
Histórico e Artístico de Pernambuco. (Exercício de 2007 a 2010)
Diretora-presidente da Fundação do Patrimônio
10
D
A lei de RPV prevê, além do incentivo financeiro mensal, uma
série de outras ações, de forma a potencializar a transmissão
de saberes, o acesso, a fruição e a majoração da visibilidade
da instituição, dos mestres e das mestras. Neste intuito, os
Patrimônios Vivos de Pernambuco são convidados a participar
das ações culturais realizadas pela Fundarpe, como o Festival
de Inverno de Garanhuns, os Festivais Pernambuco Nação
Cultural e a Semana do Patrimônio, esta última promovida
anualmente pela Diretoria de Preservação Cultural da
Fundarpe. Aqueles que trabalham com artesanato, desfrutam
da possibilidade de comercializar e exibir seus trabalhos no
Centro de Artesanato de Pernambuco e na Alameda dos
Mestres, situada na Feira Nacional de Negócios e Artesanato
(Fenearte).
Entretanto, constatamos alguns desafios concernentes à lei,
relacionados de forma estreita com o contexto sócio cultural
do estado. Pernambuco é repleto de expressões culturais
populares, de forma que a quantidade de “patrimônios vivos
no cotidiano da cultura” é consideravelmente maior do que a
possibilidade que o Estado possui em registrá-los de acordo
com os ditames da Lei do RPV. Um dado significativo é o
número de inscrições que a Fundarpe vem recebendo desde as
primeiras edições do Concurso. No ano de 2013 foram
setenta e sete instituições, mestras e mestres inscritos, sendo
vinte e três reconhecidos como inabilitados sob a justificativa
de ausência de documentação. Sendo assim, constatamos ao
fim do processo uma média de dezoito candidatos e
candidatas para cada uma das três vagas.
Porém, tendo em vista o fato de que a política de registro dos
Patrimônios Vivos faz parte de uma ação mais ampla de
Viva os Patrimônios Vivos!
Pernambuco é o estado brasileiro precursor em adotar uma
legislação própria para as ações de reconhecimento e
valorização dos saberes de mestres e mestras do patrimônio
cultural imaterial. Em 2004, realizou-se a primeira edição do
concurso, sendo registrados, em 2005, doze patrimônios vivos
(referente aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005). O ano de
2014, neste sentido, se consolida como o responsável pela 10ª
edição do concurso. Atualmente, além de Pernambuco, 2
apenas seis estados brasileiros e sete municípios possuem leis
específicas de valorização de seus mestres e mestras da cultura
popular tradicional. A nível nacional está em tramitação,
desde 2010, um projeto de lei que institui a “Politica nacional
de proteção e fomento aos saberes e fazeres das culturas
tradicionais de transmissão oral do Brasil”, conhecida como
“Lei Griô Nacional”.
1 Jaqueline de Oliveira e Silva. Antropóloga pela Universidade Federal de
Pernambuco. Gabriel Navarro. Mestrando em História pela Universidade
Federal de Pernambuco.
2 Bahia (Lei dos Mestres de Saberes e Fazeres. Lei n° 8.899/2003), Ceará,
(Lei dos Mestres/ Tesouros Vivos da Cultura. Lei 13.427/ 2003), Alagoas
(Lei do Patrimônio Vivo. N° 6.513/2004), Paraíba (Lei Mestres das Artes
Canhoto da Paraíba. Lei n° 7.694/ 2004), Rio Grande do Norte. (Lei do
Patrimônio Vivo. Lei n° 9.032/2007) e Piauí (Lei do Patrimônio Vivo. Lei n°
5.816/2008). Os municípios de Cachoeira do Itapemirim, (ES); Irará (BA);
Belém (PA), Fortaleza (Ceará), Belo Horizonte (MG), Laranjeiras (SE) e
Tracunhaém (PE), também contam com leis próprias de registro e
salvaguarda de seus Patrimônios Vivos.
Jaqueline de Oliveira e Silva1Gabriel Navarro
12
10 anos de aplicação da Lei de Registro.
valorizar a memória do homem. A memória de um
pode ser a memória de muitos, possibilitando a
evidência dos fatos coletivos (THOMPSON, 1992: 17)
Nesta ação nos valemos também do método etnográfico, com
o objetivo de compreender as histórias contidas nas falas, nos
gestos, na memória, de uma maneira que possibilitou
perceber as condições de saúde, o modo como utilizam os
recursos provenientes da política, as condições de trabalho em
seus estúdios, galpões e ateliês, e ainda acessar percepções
dos mesmos acerca das ações de registro e salvaguarda.
De maneira geral, a maioria ostenta com muito orgulho o
título, declarando o sentimento de reconhecimento e respeito
aos seus trabalhos e trajetórias. Uma fala bastante significativa
foi feita por Ricardo, filho da artesã Maria Amélia, de 91 anos,
residente em Tracunhaém e eleita Patrimônio Vivo em 2007.
Em suas palavras:
“artesanato em Pernambuco é igual a futebol no
Brasil: todo mundo sabe um pouquinho e tem
muito jogador bom. Mas o Patrimônio Vivo é como
se fosse a seleção brasileira. Estão lá alguns
escolhidos para representar a todos”.
Luiz Adolpho, presidente do Clube de Alegoria e Crítica
Homem da Meia Noite, ressalta: “O Patrimônio Vivo foi um
divisor de águas na vida do Homem da Meia Noite. A gente
dá valor ao prêmio, está na entrada da sede”.
Com relação a aplicação do benefício do Patrimônio Vivo, foi
possível perceber que grande parte dos mestres e mestras,
gozando de saúde e disposição, utilizam os recursos para
3valorização do patrimônio imaterial , considera-se que uma
maneira de diminuir esta discrepância é a contemplação de
uma multiplicidade de expressões culturais, de forma que a
salvaguarda dos bens imateriais pernambucanos esteja
garantida. Dentre os trinte e seis Patrimônios Vivos registrados
(sendo sete em caráter in memoriam), estão artistas do barro,
cordelistas, instrumentistas, bandas de música, representantes
das artes cênicas, maracatus, caboclinhos, entre outros, de
forma a compor uma pequena amostra da diversidade cultural
que caracteriza o estado.
No que diz respeito à documentação e ao diagnóstico, ações
também previstas na Lei do RPV foram realizadas nos anos de
2013 e 2014, como visitas de acompanhamento nas
residências dos mestres, mestras e nas instituições. Tendo
como princípio o fato de que as tradições culturais se
perpetuam em grande parte mediante a tradição oral e a
forma mais profícua de alcançar este conhecimento é através
dos relatos e memórias de seus detentores, nos pautamos na
metodologia da história oral, tendo como princípio o fato que
[...] a história oral pode dar grande contribuição para
o resgate da memória nacional, mostrando-se um
método bastante promissor para a realização de
pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a
memória física e espacial, como também descobrir e
3 O documento de referência para as ações de reconhecimento e
valorização dos saberes de mestres e mestras da cultura popular é o
Programa Tesouros Humanos Vivos, aprovado pela Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura (UNESCO) em 1993, a
partir de uma proposta da República da Coréia, notoriamente inspirada na
legislação japonesa em vigor desde 1950 (principal referência para a
proteção das culturas orais e modos de fazer tradicionais).
13
envolverem em mais apresentações, de participarem de
encontros periódicos com outros Patrimônios Vivos e de
sentirem, de forma mais acentuada, o crescimento da
visibilidade de seus trabalhos.
Destaca-se, portanto, a necessidade de alguns avanços, no
sentido de promover uma legítima expansão do alcance das
ações do RPV, assim como aprofundar o debate e a
participação popular em um sentido mais amplo, o que nos
direciona a uma efetiva democratização das políticas públicas.
No intuito de erigir estratégias de incentivo às expressões dos
Patrimônios Vivos, o estado de Pernambuco, a partir do
reconhecimento das histórias de vida dessas pessoas, de seus
anseios, necessidades e potencialidades, têm respeitado as
trajetórias percorridas por cada um dos mestres e mestras,
assim como das instituições culturais, que são os arcabouços
da cultura popular do estado.
A segunda edição do presente livro se pauta numa perspectiva
de valoração da diversidade cultural que se revela em terras
pernambucanas, bem como de assegurar o prestígio que nos
enlaça em contribuir para a continuidade de políticas públicas
que assegurem o fomento a um leque de expressões que
emprestam brilhantismo e vislumbre aos habitantes do estado
e visitantes.
Desejamos uma boa leitura, firmada com o prazer que advém
da imaginação sonora, visual e táctil, impossível de não vir à
tona através das palavras inscritas neste livro e que reforçam a
riqueza cultural do estado de Pernambuco.
impulsionar seus trabalhos, estruturando seus ateliês,
comprando equipamentos ou mesmo reformando suas casas.
Outros, já em idade avançada, vivenciam problemas de saúde
que, por vezes, os impossibilitam de dar continuidade às suas
atividades. Assim, a verba a eles destinada passa a se
configurar como a principal renda, substituindo aquela que
antes era conseguida por meio do trabalho.
Já os grupos e agremiações, em sua maioria, aplicam o
benefício de um modo a proporcionar a continuidade de suas
tradições culturais. O discurso do vice-presidente da Sociedade
Musical Euterpina Juvenil Nazarena, João Paulo, opera para
reforçar a positividade do RPV: “Com esse prêmio, hoje nós
estamos tendo uma ajuda para fazer com que essa história de
126 anos não venha a ruir, que os nossos instrumentos não
possam vir a ser calados. Foi muito bom, está sendo muito
boa essa ajuda”. Já a irmandade religiosa Confraria do
Rosário, da cidade de Floresta, efetivou a reforma da sua
sede, a gravação de um documentário e a produção de um
calendário anual, além de custear, em parte, a sua
tradicional festa, que acontece no dia 31 de dezembro,
desde 1972.
É importante ressaltar que as políticas públicas norteadas pela
concepção de patrimônio imaterial lidam diretamente com
pessoas e, por conseguinte, seus sentimentos e valores, que
dizem respeito às suas trajetórias de vidas em uma estreita
conexão com o meio social e cultural em que vivem, de forma
que as visões dos mestres e mestras não são consensuais.
Muitos desses indivíduos declararam o desejo de se
14
Recife, julho de 2014.
10
1Maria Acselrad
Um dos instrumentos mais relevantes das políticas públicas
voltadas para o reconhecimento das culturas populares
desenvolvidas no Brasil, nas últimas décadas, tem sido as
patrimonializações de bens culturais imateriais. É inegável que para
o enriquecimento desse processo a circulação de documentos,
como a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Popular e
Tradicional, de 1989, e, mais tarde, a Convenção para Salvaguarda
do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003, ambas promulgadas
pela UNESCO, e das quais o Brasil é signatário, foram decisivas
para a reverberação de um debate público sobre o assunto.
A resposta a esse movimento, por parte dos órgãos gestores
de cultura, deu-se através da criação de instrumentos jurídicos
apropriados que procuravam atender à demanda que se impunha
em relação à lacuna gerada pelas políticas patrimoniais até aquele
momento, no que diz respeito à dimensão imaterial do patrimônio
cultural brasileiro.
A repercussão dessa discussão, no cenário brasileiro, ganha
destaque com a criação do Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000,
ápice de um longo processo de debates políticos e intelectuais, que
institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria
o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, abrindo um espaço
para o reconhecimento, por parte do Estado, de bens de caráter
processual e dinâmico como patrimônio cultural do Brasil, tendo
“como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância
nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade 2brasileira”.
1 Antropóloga e professora do Depto. de Teoria da Arte e Expressão
Artística da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE.
2 Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000 in: Patrimônio imaterial no
Brasil – legislação e políticas estaduais.VIVEIROS DE CASTRO e FONSECA,
Vale ressaltar, de acordo com Barbosa e Couceiro (2008), que
Maria Laura e Maria Cecília Londres. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008.
algumas experiências, consideradas exemplares, de programas
nacionais de salvaguarda – realizadas por países como Japão,
Tailândia, Filipinas e Romênia, conhecidas como Tesouros
Humanos Vivos – em prática desde o fim da Segunda Guerra
Mundial, contribuíram de forma significativa para a ampliação
das agendas políticas patrimoniais no mundo, inserindo o tema
da salvaguarda através da transmissão de saberes e apoio direto
a mestres e grupos, na pauta de diversos debates públicos de
âmbito nacional. Num mundo cada vez mais globalizado, em
constante e acelerado processo de transformação, a preocupação
com as especificidades culturais alçava a um novo patamar a
discussão sobre o patrimônio cultural.
Nesse contexto, as políticas de patrimonialização de pessoas
ou grupos da cultura popular e tradicional, amparadas por
leis de registro estaduais, surgem no rastro de uma série de
discussões acerca da salvaguarda do patrimônio imaterial que
encontram repercussão no âmbito local. Em Pernambuco, a
Lei do Patrimônio Vivo3 surge como uma tentativa pioneira,
no contexto brasileiro, de instituir no âmbito da administração
pública estadual, o instrumento do registro, procurando
fomentar diretamente as atividades de pessoas e grupos culturais
representantes da cultura popular e tradicional, contribuindo
para a perpetuação de suas atividades. O registro prevê a
implantação de ações de formação, difusão, documentação e
acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos premiados.
Nesse conjunto de ações, o processo de transmissão de saberes
assume papel de destaque na salvaguarda das expressões,
celebrações e ofícios aos quais os mestres e grupos encontram-se
vinculados, através do repasse de seus conhecimentos às novas
gerações de alunos e aprendizes, em sua comunidade ou fora
dela.
3 LEI nº 12.196 de 02 de maio de 2002. Idem.
17
O Patrimônio Vivo em Contexto
11
saúde debilitado, para continuar efetivamente trabalhando, já têm
em seus filhos um caminho que aponta para o futuro da tradição.
O universo dos mestres e grupos contemplados abrange
expressões das diversas linguagens artísticas, dos ofícios artesanais,
da religiosidade popular, entre outras manifestações culturais.
Dentre os grupos registrados até o momento, podemos encontrar
de forma predominante manifestações culturais ligadas ao
Carnaval: um clube de frevo, dois maracatus de baque virado
e dois caboclinhos. Também foram registrados: uma banda de
música, um grupo de teatro e uma irmandade religiosa. Entre
os mestres, encontramos uma diversidade de tradições culturais,
através do registro de representantes da ciranda, do coco, da
xilogravura, da cerâmica, do forró, do cordel, do circo, da pintura,
do cinema, entre outras.
Segundo Gonçalves (2003), se relativizarmos a noção moderna de
patrimônio – criada no século XVIII, com o surgimento dos estados
nacionais –, podemos encontrar correspondência na experiência
universal do “colecionamento”, prática comum entre muitos povos
e comunidades, ao longo da história da humanidade. A atribuição
de valor, onipresente nos processos de identificação e registro do
patrimônio, faz com que essa tendência ao “colecionamento”
venha a oferecer um panorama daquilo que de mais representativo
e singular compõe o patrimônio cultural de um povo. São histórias
de vida, processos de aprendizado, dinâmicas de trabalho, escolhas
estéticas, processos criativos e de transmissão de saberes de nossos
patrimônios vivos, compartilhados com a pesquisadora Maria
Alice Amorim e com o fotógrafo Luca Barreto que, através desta
publicação, temos o imenso prazer de apresentar.
Sendo assim, é com muita alegria que oferecemos aos nossos
patrimônios vivos este trabalho, em retribuição a toda uma vida
dedicada à cultura.
Recife, novembro de 2009.
Nos últimos anos, o Governo de Pernambuco, através da Fundação
do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe –,
vem realizando oficinas, palestras, aulas-espetáculo, apresentações
culturais, homenagens, exposições, numa experiência inédita de
inserção dos patrimônios vivos na política de cultura do estado.
Essas ações, cujos formatos diferem de acordo com a expressão
cultural, idade e disponibilidade do mestre, revelam algumas
questões importantes para a reflexão sobre a transmissão de
saberes populares e tradicionais, quando fomentada pelas
políticas públicas de cultura, por exemplo: 1) o reconhecimento da
importância de serem preservadas as singularidades das tradições
culturais representadas pelos mestres e grupos contemplados;
2) a valorização da diversidade de técnicas, conteúdos e formas
de repasse praticadas pelos mestres, características de processos
pedagógicos identificados com os princípios da educação não
formal; e 3) o entendimento de que o processo de aprendizado
do mestre é fator relevante para compreensão do seu processo
de transmissão de saberes, entre outros aspectos. Todos esses
fatores implicam na concepção de que ações de salvaguarda não
devem prescindir dos atores sociais que se encontram em foco e
que isso vem a ser decisivo para que a própria produção de sentido
das tradições por eles representadas se atualize e se perpetue no
tempo e no espaço.
Em Pernambuco, entre 2005 e 2010, foram registrados 24
patrimônios vivos. Dentre eles, 16 mestres e oito grupos, através
da publicação de cinco editais. O lançamento do primeiro edital 4rendeu excepcionalmente a premiação de 12 mestres . Nos anos
subsequentes, três patrimônios vivos foram eleitos a cada edital
publicado, através de um processo de inscrições que já soma mais
de 250 candidaturas ao registro. Em 2008, Pernambuco perdeu
três mestres – Ana das Carrancas, Canhoto da Paraíba e Manoel
Salustiano –, e hoje conta com 21 patrimônios vivos, a maioria em
atividade; e mesmo aqueles que se encontram com o estado de
4 A publicação tardia do Decreto nº 27.503, de 27 de dezembro de
2004, que traz a regulamentação da Lei, gerou este acúmulo.
18
Cartograma dos Mestres e Grupos contempladospelo Registro do Patrimônio Vivo
Pernambuco (2005-2013)
Tracunhaém
Condado
Goiana
Igarassu
Ilha de Itamaracá
Olinda
Recife
Jaboatão dosGuararapesBezerros
Caruaru
FlorestaPetrolina
1 2
Timbaúba
Aliança
Nazaréda Mata 3
3 35
25
26
35
33
6
87
9
10
1112 34
13
14
1516 20
17
18
19
21 22
23
24
27
28
Paulista
29
30
31 32
36
20
Legenda Nome Artístico Tradição cultural Data de nascimento CidadeAno da
titulação
Artesanato em cerâmica
8 Baixos / Forró
Banda filarmônica
Banda filarmônica
Banda filarmônica
Caboclinho
Forró
Choro
Caboclinho
Irmandade Religiosa
Samba e Pagode
Xilogravura e Cordel
Cinema
Clube de Frevo
Circo
Xilogravura e Cordel
Música / Forró
Xilogravura e Cordel
Ciranda
Artesanato
Frevo
18/02/1923
16/04/1942
09/02/1928
08/09/1848
14/01/1915
Fundado em 1973
23/06/1940
17/03/1931
05/03/1897
Fundada provavelmente em 1777
12/12/1943
23/09/1937
17/01/1927
02/02/1932
13/07/1943
20/12/1935
16/08/1935
27/07/1927
12/01/1944
02/11/1944
15/10/1942
Petrolina
Recife
Timbaúba
Goiana
Nazaré da Mata
Recife
Recife
Recife
Recife
Floresta
Recife
Caruaru
Recife
Olinda
Jaboatão dos Guararapes
Bezerros
Recife
Condado
Ilha de Itamaracá
Bezerros
Recife
Ana das Carrancas
Arlindo dos 8 Baixos
Associação M. E. de Timbaúba
Banda Musical Curica
Banda Revoltosa
Caboclinho Sete Flexas
Camarão
Canhoto da Paraíba
Clube Indígena Canindé
Confraria do Rosário
Didi do Pagode
Dila
Fernando Spencer
Homem da Meia-Noite
Índia Morena
J. Borges
João Silva
José Costa Leite
Lia de Itamaracá
Lula Vassoureiro
Maestro Ademir
2005
2012
2012
2005
2013
2008
2005
2005
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Frevo
Frevo
Artesanato em cerâmica
Maracatu de baque virado
Maracatu de baque solto
Maracatu de baque virado
Artesanato em cerâmica
Coco e Embolada
Artesanato em cerâmica
Rabeca, Cavalo-Marinho e Maracatu
Cult. Popular/ Coco de roda
Música/ Banda filarmônica
Teatro
Pintura e escultura
Artesanato em cerâmica
23/12/1935
22/06/1931
28/01/1931
Fundado provavelmente em 1824
01/01/1966
08/12/1863
18/04/1923
08/10/1935
05/08/1937
12/11/1945
10/12/1929
01/01/1888
16/07/1962
19/11/1933
05/07/1939
Recife
Recife
Caruaru
Igarassu
Aliança
Olinda
Tracunhaém
Paulista
Tracunhaém
Olinda
Olinda
Nazaré da Mata
Caruaru
Goiana
Tracunhaém
Maestro Duda
Maestro Nunes
Manuel Eudócio
Maracatu Estrela Brilhante
Maracatu Estrela de Ouro
Maracatu Leão Coroado
Maria Amélia
Mestre Galo Preto
Mestre Nuca
Mestre Salustiano
Selma do Coco
Sociedade M. E. Juvenil Nazarena
Teatro Experimental de Arte
Zé do Carmo
Zezinho de Tracunhaém
2010
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Legenda Nome Artístico Tradição cultural Data de nascimento CidadeAno da
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urica, do tupi ku’rika, é pássaro de canto estridente, da família
de papagaios e araras, que canta pelas matas e mangues.
Talvez por isso o nome da centenária sociedade musical goianense,
numa alusão ao papagaio trombeteiro. Melhor explicando,
existem, de fato, duas versões que apontam tal escolha para o
nome da banda, fundada em 1848. Segundo uma delas, a senhora
chamada dona Iria perguntou ao mestre João José, que passava
pela rua da Conceição: “Seu João, por que é que a música grita
tanto, que até parece uma curica?” A outra versão, variante da
primeira, conta que dona Iria era irmã do padre José Joaquim
Camelo de Andrade, e morava à rua Direita, em companhia das
próprias escravas. Estando, certa vez, na porta de casa, o maestro
José Conrado executava uma polca do musicista Francisco Tenório,
e ela teria dito, em voz alta, a uma de suas escravas: “Ô Rosa,
aquela música só parece dizer cu-ri-ca-cá”. A outra respondeu com
uma gargalhada, e assim ficou o apelido que, supõe-se, era usado
em tom depreciativo.
A Sociedade Musical Curica oferece, justamente por ser antiga, um
repertório de tradições, de histórias contadas pelos mais velhos,
dentre eles os nonagenários Antônio Secondino de Santana,
Meia Noite, e João José da Silva, Calixto, dois dos mais antigos
participantes da banda – falecidos após a banda conquistar o título
estadual de patrimônio vivo, concedido em 2005. Uma dessas
histórias diz respeito a uma tocata para o Imperador. Conforme
consta nos anais de Goiana, a Curica, sob a regência do mestre
Ricardinho, participou das festas em homenagem a D. Pedro
II, durante visita à cidade, em 6 de dezembro de 1859. Quatro
dias depois, ou seja, 10 de dezembro, o Diario de Pernambuco
noticiava a visita da autoridade máxima do país e dizia que a
Guarda Nacional “esteve reunida com mais de 700 praças e boa
música”. A Curica, naquele período, era a banda do batalhão.
Com um repertório musical cheio de sofisticação e variedade, o
grupo também marcou presença nas comemorações da Abolição
da Escravatura, da Proclamação da República, ajudou em
campanhas políticas do Partido Conservador e, então militarizada,
fez parte da Guarda Nacional. Criada com o objetivo de realizar
tocatas em festas religiosas, a banda foi fundada em 1848,
por José Conrado de Souza Nunes, primeiro regente do grupo
musical. Do Rio Grande do Norte, era conhecido como o filho do
marinheiro, Boca de Cravo. Segundo o historiador Álvaro Alvim
da Anunciação Guerra, cujo pseudônimo era Mário Santiago –
conforme pesquisado e publicado, na ocasião do centenário, em
1948, no livro Elementos para a história da Sociedade Musical
Curica – tudo começou com um grupo de 12 a 15 músicos que
se reuniu no consistório da igreja de Nossa Senhora do Amparo
dos Homens Pardos e resolveu criar uma orquestra sacra,
apresentando-se pela primeira vez numa tocata, no Amparo,
durante as comemorações da natividade de Nossa Senhora, ou
seja, no dia 8 de setembro de 1848. À época da fundação, era
chamada de corporação musical. Assim começa a história da
Panorâmica da rua da sede da banda.
Luca Barreto
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Curica, a mais antiga banda de música, em atividade ininterrupta,
do Brasil e da América Latina.
O abolicionista e senador do Império João Alfredo Corrêa de
Oliveira dá notícia, na biografia que escreveu sobre o 2º Barão de
Goiana – Bernardo José da Gama –, que “cada partido tinha a
sua banda de música a estafar-se em ajuntamentos e passeatas”.
Deduz-se que a outra banda era a rival Saboeira, de 1855, ainda
hoje em atividade, fundada com o objetivo de acompanhar o
Partido Liberal, oposicionista do Partido Conservador, ao qual
pertencia a Curica. As histórias da inimizade figadal entre as duas
bandas foram escritas com sangue. Entre pontapés e lances de
capoeira, gritava-se: “Viva a Curica! Morra a Saboeira!” E vice-
versa. Em 1928, visitou a capital da Paraíba, o que teve enorme
repercussão na imprensa local. Entre os sócios honorários, constam
os nomes do então presidente Getúlio Vargas e de Flores da
Cunha, interventor no Rio Grande do Sul. Durante a 2ª Guerra
Mundial, participou de passeata antinazista em agosto de 1942.
Vista aérea de Goiana (autor desconhecido).
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Títulos e premiações conquistadas pela banda. Fotografia de antigos mestres e componentes.
Músicos da Banda Curica.
No dia 1º de dezembro de 1944 recebe a visita do famoso
musicólogo uruguaio, professor Francisco Curt Lange, que,
demonstrando grande interesse pelos arquivos de composições
musicais, obteve uma relação das peças escritas no século 19, mais
uma fotografia da corporação. A banda executou, em homenagem
ao visitante, a Sonata Patética, de Beethoven; a valsa Obstinação,
de Nelson Ferreira, e o dobrado Conselheiro João Alfredo. Na data
do centenário, em 1948, Antonio Correia presenteou a Curica com
uma sede própria, a mesma onde o grupo desenvolve as atividades
até hoje, à rua do Rosário. Naquele ano, a banda também decidiu
criar estatuto próprio, ainda em vigor, em que se estabelecia a
fundação de uma escolinha de música, a fim de gratuitamente
serem transmitidos os conhecimentos musicais, pelos mais antigos,
para as novas gerações. De meados de 1960 a 1970, a banda
manteve uma formação denominada Curica Jazz, que é retomada
no início de 2009. São 29 componentes, escolhidos entre os mais
talentosos alunos da escolinha e integrantes da banda. Em meio às
novas realizações, a diretoria está organizando o primeiro registro
fonográfico, tanto da banda, quanto da jazz, para a gravação de
dois CDs a serem lançados ainda em 2010.
A Curica é um dos grandes patrimônios culturais de Goiana
e sempre marca presença em solenidades cívicas e religiosas,
inclusive nas viagens pelo Brasil. No Carnaval, subdivide-se em
duas orquestras de frevo, para tocar no centro, nos distritos e
vizinhança. Em variados eventos e inaugurações, apresenta-se
sob a forma de orquestras menores. O acervo musical conta com
mais de 800 títulos, de todos os gêneros, entre clássicos, barrocos,
dobrados, marchas de procissão, músicas religiosas, MPB, para
execução por cerca de 60 a 70 músicos. A catalogação do arquivo
histórico e musical foi realizada pelos estudantes da escolinha, em
regime de voluntariado. Resultante de um trabalho filantrópico
de maestros, diretores e instrumentistas, a banda é responsável
pela contínua preparação de novos artistas, pela renovação dos
próprios integrantes e traz no histórico a passagem de nomes
consagrados, como o famoso capitão Zuzinha, ou José Lourenço
da Silva, e os maestros Duda e Guedes Peixoto. É inegável que
a Curica tem colaborado com o despertar de talentos, com a
formação de músicos. E mais: toca a sensibilidade dos goianenses,
que a veem passar pelas ruas, despertando-lhes o amor à música e
às vivas tradições da cidade.
Edson Júnior, músico
e presidente da banda.
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Componentes da Curica, durante ensaio na sede do grupo.
uando Antonio Ferreira da Silva e Josefa Alves Freire viram
nascer o filho, não imaginavam que ali começava a trajetória
de um grande sanfoneiro do agreste. Na verdade, o início de
tudo tem a influência do pai, exímio tocador de oito baixos, a
quem o filho, desde criança, passou a acompanhar nas andanças
musicais. Na labuta cotidiana, enquanto o sanfoneiro ia para a
roça, o filho de sete anos matreiramente ia experimentando os
sons da sanfoninha pé-de-bode, até o dia em que o pai descobriu
as artes da criança engenhosa, emocionou-se e passou a cultivar
o talento do herdeiro, levando-o para as festas, onde o garoto
prestava atenção nos músicos e depois, em casa, tirava os mesmos
sons no instrumento. O menino conquistou definitivamente o
pai executando, de ouvido, os acordes de Maria Bonita, um dos
maiores sucessos àquela época. E o mestre Camarão, ou Reginaldo
Alves Ferreira, tem consciência de que foram decisivos esses
primeiros momentos da infância dedicados à música. Natural de
Brejo da Madre de Deus, é também emblemático o próprio dia do
nascimento: 23 de junho de 1940, véspera de São João.
Foi em Caruaru – a mais importante cidade do Agreste
pernambucano, protagonista de uma das mais tradicionais festas Camarão ministra aula de acordes.
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juninas do Estado e contemplada, ainda na década de 1970, com
o título de Capital do Forró – que Camarão construiu as bases
da carreira artística. Começou a trabalhar, aos 20 anos, na Rádio
Difusora daquela cidade, por onde passaram importantes nomes
da música brasileira, como Sivuca e Hermeto Pascoal. Foi na mesma
rádio que ganhou o apelido, dado por Jacinto Silva. Luiz Gonzaga
o conheceu na difusora, tocando como profissional. Tinha 18 anos.
Graças à amizade surgida entre ambos, o rei do baião produziu
dois discos de Camarão, pela RCA Victor, em 1969 e 1970.
Gonzaga foi, na verdade, o seu grande mestre, embora nunca
esqueça a importância dos ensinamentos paternos. Na discografia,
o artista contabiliza, ao lado dessa feliz parceria com Luiz Gonzaga,
28 discos, entre long plays, compactos, 78 rotações e CDs, a
maioria fora de catálogo. É de 1998 o CD Camarão Plays forró,
produzido na Inglaterra e com circulação exclusiva na Europa.
Inventivo desde o princípio, foi o mestre quem criou, em 1968, a
primeira banda de forró no país, a Bandinha do Camarão; quem
introduziu sopros (tuba, clarinete, trombone e piston) em banda
de forró; quem criou a Orquestra Sanfônica de Caruaru, em que
diversas sanfonas executam não só variados ritmos juninos, mas
também frevo e maracatu. Norteando-se pela música desde
a primeira infância, o mestre chegou a acompanhar o rei do
baião, após conhecê-lo num programa da Difusora de Caruaru,
mesma rádio por onde passaram músicos renomados e onde
surgiu o seu primeiro conjunto musical, ou seja, o primeiro trio
de Camarão, o Trio Nortista, liderado por ele, um dos maiores
sanfoneiros nordestinos, tocador de forró nas latadas das fazendas
e arraiais juninos, experiente forrozeiro de animados grupos
pés-de-serra. O trio era formado com os músicos Jacinto Silva e
Ivanildo Leite. Afinadíssimo na sanfona, acompanhou grandes
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O músico e seu instrumento, em detalhe.
nomes da música nordestina, a exemplo de Sivuca, Dominguinhos,
Santanna, Marinês, Jackson do Pandeiro, Arlindo dos Oito Baixos.
O repertório de Camarão é, como manda a tradição da sanfona
nordestina, generoso nos ritmos regionais – xote, xaxado, forró,
baião e arrasta-pé.
O nome do Maestro Camarão corre mundo. Em 1961, foi
a sanfona dele que representou Pernambuco no primeiro
aniversário de Brasília, a convite do presidente Jânio Quadros. Viaja
acompanhado do Trio Nortista, que toca, então, em vários eventos
comemorativos. Tem participado de encontros de acordeonistas
pelo país, graças ao talento e maestria com que empunha a
sanfona. Em 2004, participa do projeto O Brasil da Sanfona, de
Myriam Taubkin, que produziu dois CDs, um livro de fotografias
e um DVD. Fixado no Recife há quase 30 anos, mantém a Escola
Acordeon de Ouro, fundada há uma década no bairro de Areias,
onde já formou diversos músicos nas artes dessa invenção vienense
de 1829, que, no Brasil, ganhou um sotaque bem nordestino e
fez fama. Para facilitar a transmissão de conhecimentos, elaborou
uma cartilha, em que registra importantes informações acerca
dos instrumentos de fole, do manejo do fole, como escolher e
manusear o acordeom, além de noções elementares de música.
Marcelo de Feira Nova, Julinho do Acordeom, Ellan Ricard, Gleyson
Alves, Juquinha, Deivison, Diego Reis e Cezinha do Acordeom são
alguns dos reconhecidos sanfoneiros que passaram pela escola do
mestre. Em parceria com Salatiel d’Camarão, desenvolve o projeto
De pai para filho, com a realização de shows musicais, e, ainda,
Sanfona nas escolas, voltado para oficinas em escolas públicas.
Certamente inspirado na atitude do próprio pai, Camarão estimula
e oferece contribuição decisiva à carreira de iniciantes e, inclusive,
à do próprio filho, parceiro e continuador mais que legítimo da
obra do mestre.
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angaço e peripécias diabólicas são os temas predominantes
no universo do mestre em fabulações, gravador de capas
de folheto e álbuns em policromia, autor de rótulos de bebida
e remédios, ilustrador de livros e publicações variadas. O nome
de batismo do marechal do cordel do cangaço, conforme se
autodenomina, é José Soares da Silva, ou Dila, nome emblemático
no mundo da gravura popular. Nascido em 23 de setembro de
1937, em Bom Jardim, e estabelecido em Caruaru, o filho de
Domingos Soares da Silva e Josefa Maria da Silva testemunha que,
dos anos 1950 em diante, mergulha no mundo do cordel e da
xilogravura, quando passa a comercializar folheto nas feiras de
Pernambuco, Alagoas, da Paraíba e do Ceará.
Municiado de generosa fabulação, Dila compartilha com amigos
e visitantes a riqueza do seu mundo imaginário, as invenções e
reminiscências de mais de cinco dezenas de anos dedicados às
artes gráficas, à poesia de cordel e à xilogravura. No limiar entre
realidade e imaginação, tão bem-cultivadas pelo poeta, rememora
a chegada em Caruaru, em 1952, e as primeiras xilogravuras, que Lu
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Mestre Dila e seu processo de trabalho.
foram para folhetos dele mesmo, de Francisco Sales Arêda e de
outros poetas de meio de feira, tais como Vicente Vitorino, Chico
Sales, Jota Borges, Antônio Ferreira de Morais e João José da Silva.
E, finalmente, a facilidade para com os desenhos credita ao pai
que, segundo ele, foi caricaturista. Em 1974, em plena atividade
de poeta, gravador, impressor, aparece no documentário de Tânia
Quaresma, Nordeste: cordel, repente, canção, em que figura a
profissão registrada em letras garrafais pintadas na fachada do
mesmo endereço onde ainda hoje reside, em Caruaru: Art Folheto
São José. Romances e folhetos. Do autor e editor: Dila é aqui.
A partir da experiência na fabricação de carimbos, substitui
as matrizes de madeira pela borracha, obtendo um resultado
de impressão que o pesquisador Roberto Benjamin batizou de
folk-off-set. Utiliza cores diversas numa mesma matriz, ou faz
inúmeras combinações de gravura a partir de detalhes elaborados
em matrizes diferentes. As figuras são preparadas separadamente
para permitir isso. Irrepreensível no desenho e na invenção, a
gravura limpa, bem-talhada, complexa exibe narrativa imagética
absolutamente original, sob ângulos inusitados, sem contato
sistemático com os cânones do desenho clássico. A partir dos anos
1970, inova em publicações coloridas e no formato cordel. Em
1973, edita o álbum de gravuras em policromia Rasto das histórias,
utilizando-se de azul, vermelho e amarelo sobre fundo branco.
Em 1974, publica A bagagem do Nordeste, com a capa em preto,
vermelho e amarelo sobre fundo branco. Viver do cangaceiro sai
em 1975, pela Art folheto São José. O álbum Réstias do cangaceiro
é editado em 1981.
O fabricante de rótulos de bebida instala na própria casa máquinas
de tipos móveis e prelo, a fim de publicar folhetos e imprimir
gravuras. Além disso, as ferramentas manuseadas para cavar
a matriz são faca, peixeira, canivete, lâmina de barbear, que
cortam a borracha, ou neolite, para fazer capas de cordel, rótulos
e carimbos. Abre letreiros e desenhos do cordel numa mesma
matriz, em borracha ou ainda na madeira, reinventando o tipo
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Detalhe de seu ateliê, em sua residência na cidade de Caruaru.
fixo, conforme lembra Roberto Benjamin, no texto Aparatos dos
livros populares – Dila editor popular. E o registro da própria
editora é tão mutante quanto o caudaloso fluxo narrativo do
poeta. A Art folheto São José virou Gráfica São José, ou Gráfica
Sabaó, ou Preéllo Santa Bárbara, ou Fhòlhéteria Càra d’Dillas.
Nesse registro, o nome da folheteria aparece na contracapa do
cordel, com um autorretrato de Dila vestido de cangaceiro.
E, mais, o registro de autoria do texto e da xilogravura é sempre
tão variável quanto o do editor. Dila: o marechal do cordel do
cangaço. Dila Soares da Silva. Dila Ferreira da Silva. Dyyllas Sabóia.
Dila Sabaó Sabóia. José Cavalcanti e Ferreira, José Soares da
Silva, Dila ou Dillas. Recorrentes num universo poético expresso
em ininterrupto fluxo criador, e também na atual invenção da
“literatura de cordel em contos”, da “literatura de cordel em
prosas” que vem engendrando e editando, os motivos passam
por ciganos e cangaceiros, Chico Heráclio, Lampião, Padre
Cícero, o Pai Eterno, Pessoa e Dantas, Ariano Suassuna, “xylgra
e cordel”, Dyylas Sabóia. Se, em vez de cordel e xilogravura,
produzisse um filme de cangaço, deliberou, de antemão: seria o
protagonista, o cangaceiro Relâmpago. Assim, em meio a fantasias
e criação poética, Dila vai recebendo visitas diárias de estudantes,
pesquisadores, turistas, todos ávidos em conhecer o mundo
maravilhoso do artista que está sempre a exibir, com o maior
prazer, as mais recentes invenções de poesia e xilogravura.
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O trabalho detalhista do entalhe em madeira.
Prensa alemã, utilizada na
impressão dos cordéis.
rtesão de cestinhas de cipó e brinquedos de madeira,
oleiro, pedreiro, carpinteiro, pintor de parede, marceneiro,
trabalhador da palha da cana, passador de jogo de bicho. Esses
foram alguns dos ofícios que Jota Borges experimentou, antes
de se decidir pela venda de cordel nas feiras de Pernambuco,
Paraíba, Ceará e, principalmente, na Praça do Mercado de São
José, no Recife, o que aconteceu a partir de 1956. Matuto
esperto e comunicativo, logo descobriu ser exímio talhador
de madeira e criador de histórias em versos. E o tempo de
permanência na escola foi de apenas 10 meses. Da experiência
com as artes manuais, sobretudo marcenaria e miniatura de
móveis, desenvolveu habilidades que não seriam de jeito nenhum
desperdiçadas mais adiante, conforme atestam as publicações
impressas, as gravuras inconfundíveis, as inúmeras capas de livros
e discos, exposições, oficinas.
O primeiro folheto é de 1964, com capa do poeta e xilógrafo
Dila: O encontro de dois vaqueiros no sertão de Petrolina. A partir
de 1965, incentivado pelo amigo cordelista Olegário Fernandes,
resolve fazer a capa dos próprios folhetos, e então escreve e faz a
capa de O verdadeiro aviso de Frei Damião. Nascido no Sítio Piroca,
Bezerros, agreste pernambucano, a 20 de dezembro de 1935,
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José Francisco Borges nem avaliava o significado dessas decisões
profissionais, apenas se deixava levar pela intuição criadora. Em
1976, faz uma das gravuras mais famosas: A chegada da prostituta
no céu. A vida do sertanejo, o imaginário nordestino, as fabulações
dos contos populares, o cenário rural e as narrativas de cordel
declamadas pela boca do pai, tudo foi misturado na cabeça e nas
memórias afetivas do artista, e o resultado é a plena vitalidade
conferida à famosa e premiada obra, que tem sido traduzida em
outras línguas e linguagens artísticas, a exemplo de peça de teatro,
telenovela, filme, coleção de roupa.
Se o nome dos pais – Joaquim Francisco Borges e Maria Francisca
da Conceição – está inscrito irremediavelmente na vida de J.
Borges, também não podem ser desprezados os nomes do
artista plástico Ivan Marchetti, do escritor Ariano Suassuna e
do pesquisador Roberto Benjamin, que fizeram as primeiras
encomendas de gravuras maiores, escreveram sobre o artista e
deram-lhe ampla divulgação. Suíça, Estados Unidos, Venezuela,
França, Alemanha, Portugal, Cuba foram países para onde
viajou, além dos lugares aonde tem ido a obra do artista: Itália,
Espanha, Holanda, Bélgica, México, Argentina. Para Caracas, foi
em 1995. Visitou Cuba em 1997, num avião russo dos anos 1950,
onde permaneceu 12 dias, ministrando oficina num festival de
cultura caribenha. Na década de 1970, uma exposição de Borges
percorreu 20 países. Em 1964, ilustrou a novela Roque Santeiro,
da TV Globo, e fez a primeira viagem de avião.
Daí por diante não mais parou de percorrer o mundo. Há décadas
tem viajado quase que ininterruptamente dentro e fora do país.
Em 2005, comemorou os 400 anos do D. Quixote, de Miguel
de Cervantes, com uma versão em cordel da referida novela de
cavalaria. E foi para a França participar da exposição itinerante
O universo da literatura de cordel, na condição de principal
homenageado. Graças ao talento e à amizade que cultiva há
anos com importantes galeristas, artistas plásticos, jornalistas e
pesquisadores, Borges tem obras no acervo da Biblioteca Nacional
de Washington e no Museu de Arte Popular do Novo México
(em Santa Fé, EUA); é divulgado no New York Times, participou
Familiares de J. Borges auxiliam na impressão das gravuras.
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da revista suíça Xilon em número especial (1980) dedicado aos
xilógrafos nordestinos, ilustrou o livro As palavras andantes, do
uruguaio Eduardo Galeano (1993), figurou no calendário da ONU
de 2002 com a gravura A vida na floresta, tem participado de
exposições na Galeria Stahli, Suíça, entre outras notáveis aparições
internacionais no circuito artístico mundial.
É importante mencionar, ainda, a atuação da Gráfica J. Borges,
em plena atividade, que, durante quatro décadas, utilizou tipos
móveis e prensa manual na produção de cordéis e xilogravuras,
e vem construindo desde então parte da história da literatura de
cordel. Borges à frente, claro, contando com a participação dos
filhos J. Miguel, Ivan, Manassés, Cícero, Pádua, Jerônimo (falecido);
irmãos, cunhada, sobrinhos, como Amaro Francisco (falecido),
Severino Borges, Nena, Joel, Lourenço, Givanildo; dos três mais
novos, os filhos Pablo e Baccaro e o neto Williams. O filho George
vive de serigrafia e Ariano é gráfico. Ao todo, foram gerados 18
filhos. E um grande projeto de vida e arte, de que é testemunha o
Memorial J. Borges, em Bezerros, onde o visitante pode apreciar as
obras gráficas, plásticas, poéticas do mestre e, ainda, desfrutar de
um dedo de prosa com o artista bom de papo.
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O trabalho de pintura, para gravação de xilogravuras coloridas, um diferencial a obra do artista.
oberana, feito uma deusa surgida das águas do mar ou uma
rainha plena de realeza, é assim que Lia sempre aparece,
levando-nos ao prazer de ouvir e dançar uma ciranda. Sim,
porque ninguém fica imune ao ritmo da ciranda, muito menos
aos encantos da filha de Iemanjá, que se habituou a cantar desde
criança, na praia de Jaguaribe, localidade da Ilha de Itamaracá
onde nasceu em 12 de janeiro de 1944 e vive até hoje. Cheia
de familiaridade com a música e a dança, Maria Madalena
Correia do Nascimento começou a carreira artística muito jovem,
cantando ciranda desde os 12 anos. A filha de Severino Correia do
Nascimento e Matildes Maria da Conceição é a mesma Maria, ou
Lia, da música que se transformou num hino: Essa ciranda / quem
me deu foi Lia / que mora na Ilha de Itamaracá.
A história dessa deusa de ébano, de um metro e oitenta, não é
só feita de glamour. Após permanecer quase duas décadas no
ostracismo, lança em 2000 o CD Eu sou Lia, que recebe selo de
world music, graças à mescla de instrumentos de percussão e
sopro aos ritmos populares, e, por isso, chega a ser comercializado
nos Estados Unidos e na Europa. Nessa nova etapa de divulgação
do trabalho, Lia passa a viajar constantemente pelo Brasil e pelo
continente europeu, e, ainda assim, não é difícil vê-la nas rodas
de ciranda do Recife e Olinda, ou em Jaguaribe, onde funciona, à
beira-mar, o Espaço Cultural Estrela de Lia, sob o efeito mágico da
envolvente paisagem marinha, com direito a lua, pancada do mar,
cheiro de maresia e brisa balançando os coqueiros.
Nesse ambiente, Lia tem recebido, aos sábados – e desde
novembro de 2004 –, diversos artistas, como Cátia de França,
Célia coquista, a Ciranda de Baracho (das filhas do mestre, Dulce
e Severina Baracho), Antúlio Madureira. Mas, diferentemente
do bem-sucedido ressurgimento, antes a artista havia produzido
apenas um LP, A rainha da ciranda, gravado pela Rozemblit
em 1977, do qual lembra não ter recebido nada. Quando foi
cozinheira de um restaurante na ilha, também cantava no local.
Frequentava outras rodas de ciranda, esporadicamente, sem
Espaço cultural é dedicado a Iemanjá.
O neto Misael
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nenhuma projeção fora do restrito circuito de aficcionados da
cultura popular. A partir dos anos 1980 passa a ser merendeira
da Escola Estadual de Jaguaribe, profissão que seguiu exercendo,
paralelamente à carreira artística.
A volta triunfal ao mundo da música se deu graças à atuação do
produtor Beto Hees, que a levou, em 1998, a participar do festival
recifense Abril pro Rock, no qual foi aplaudida por 12 mil pessoas.
Daí em diante, sobretudo a partir de 2000, passou a fazer turnês
pelo Brasil e exterior, com os shows do primeiro CD, gravado
pela Ciranda Records, que contém composições dela própria,
de cirandeiros do Recife, de compositores renomados e algumas
de domínio público. Cinco músicas foram gravadas ao vivo em
1998, no Rio de Janeiro, durante participação no projeto Vozes do
Mundo, do Centro Cultural Banco do Brasil. Quase uma década
depois desse lançamento, sai em 2008 o segundo CD, Ciranda
de ritmos, com direção musical de Carlos Zens, e destaque para
Bezerra do Sax, as filhas de Baracho e uma composição de Capiba.
Conforme indica o título, o disco contempla outros ritmos
pernambucanos para além da ciranda: frevo, coco, maracatu.
Mas, claro, quem permanece reinando é a majestosa cirandeira.
Habituada, há mais de 50 anos, ao convívio com mestres da
ciranda, Lia sempre faz questão de lembrar que Baracho era um
grande amigo. É dele a ciranda: Morena vem ver / que noite tão
linda / a lua vem surgindo / cor de prata. // Faz-me lembrar / da
minha Maria / quando pra ela / eu fazia serenata. No embalo da
ciranda e das afinidades eletivas, Baracho e Lia compartilhavam
três importantes aspectos: boa voz, presença marcante na hora de
puxar a roda e habilidade no tratamento dos temas, como o do
amor.
O convívio artístico, entretanto, não se resumiu aos experientes
cirandeiros. Teca Calazans, Edu Lobo, Clara Nunes, Geraldo de
Almeida, Ney Matogrosso e Paulinho da Viola, entre outros, são
alguns dos grandes nomes da música brasileira que já cantaram Lia
em versos próprios, em composições da cirandeira ou de outros.
Essa ciranda quem me deu foi Lia é a mais antiga, de 1960 para
1961, e foi gravada por Teca Calazans. Paulinho da Viola também
ofereceu versos bonitos para a negra mais elegante dentre todos
os ilhéus: Eu sou Lia da beira do mar / morena queimada do sal e
do sol / da Ilha de Itamaracá (...), música incluída no primeiro CD.
O convívio artístico também levou a dama da ciranda por outras
veredas, como a de estrela do curta-metragem Recife frio, de
2009, dirigido e realizado por Kleber Mendonça Filho.
Com o porte e a realeza da soberana Iemanjá, a artista comanda
as atividades do Centro Cultural Estrela de Lia, transformado
desde 2008 em Ponto de Cultura, onde são oferecidas oficinas
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Lia, na Praia de Jaguaribe, Itamaracá.
de arte, cerâmica, percussão, fotografia, malabares, rabeca,
teatro, cavalo-marinho. Permanecem, ainda, as temporadas de
apresentação artística: recitais poéticos, bandas alternativas,
duplas de violeiros, filhas de Baracho, e, claro, a tradicional
ciranda de Lia. Toda a programação cultural é gratuita e
sempre conta com o envolvimento da comunidade local, ou
seja, os habitantes da Ilha de Itamaracá e, especificamente, os
da praia de Jaguaribe. Em franca ebulição, o Ponto de Cultura
foi contemplado, no início de 2009, com o prêmio Interações
Estéticas e Residências Artísticas, numa parceira da Fundação
Nacional das Artes (Funarte) com o Ministério da Cultura (Minc).
Quem mais se beneficiou foram os habitantes da localidade, com
as oficinas promovidas pelo mestre rabequeiro Luiz Paixão e pela
atriz Cinthia Mendonça.
Por onde viaja, Lia de Itamaracá vai somando os elogios que
tem recebido também na própria terra. É chamada de deusa,
rainha. Na França, um jornal comparou-a à cabo-verdiana Cesária
Évora. No Brasil, é constantemente relacionada a Clementina
de Jesus, sobretudo no sul e Sudeste. No mesmo local em que
nasceu, frequentou a escola primária e assistiu a muito coco
de roda, ciranda, pastoril e bumba meu boi. Não teve iniciação
musical com ninguém, foi aprendendo sozinha, inspirando-se
na paisagem iluminada da ilha, nos jangadeiros que saem para o
alto-mar e vêm trazendo peixes, nas ondas salgadas que quebram
na praia, na brisa marinha que tem lhe soprado aos ouvidos umas
rimas, sussurrando-lhe quantas estrelas tem o céu e quantos
peixes tem o mar. Versos e balanço encadeados pela percussão e
sopro realçam a voz rascante de Lia, “uma diva da música negra”,
conforme noticiou o New York Times. A deusa da ciranda sabe
envolver-nos todos, plena de generosidade e magnetismo, até
quando empresta a voz ao genial Capiba: “minha ciranda não é
minha só, é de todos nós, é de todos nós”.
As filhas de Baracho cantam ciranda com Lia.
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om voz pausada e dedos firmes na modelagem, é assim que o
primeiro galante do reisado vai debulhando os grãos de uma
vida dedicada à arte e à agricultura. É pelas mãos e pela oralidade
que saem as imagens trazidas da memória de um tempo em
que conviviam os amigos Vitalino, Zé Caboclo e Manuel Eudócio
Rodrigues. Sentado num banco de madeira, tem sempre diante
de si uma mesa, barro molhado e ferramentas para fazer as
esculturas, que, começadas no início do dia, por volta das cinco
da manhã, precisam ser concluídos ao final da mesma jornada.
As mãos não param, enquanto as lembranças emergem. Quase
aos 80 anos, o narrador, mestre Eudócio, exibe o vigor mental e
as habilidades manuais invejáveis de quem teve sempre uma vida
regrada, dedicada à família, ao plantio e, sobretudo, à catarse da
atividade artística iniciada ainda na infância, com a avó louceira
Tereza Maria da Conceição. De 28 de janeiro de 1931, nascido e
criado no Alto do Moura, Caruaru, o filho de Eudocio Rodrigues
de Oliveira e Maria Tereza da Conceição desde criança trabalha na
agricultura e ocupa as mãos esculpindo o barro.
Frequentou apenas seis meses de escola e é com o auxílio
das mãos e das experiências que vai descrevendo o que tem
vivido esses anos todos no Alto do Moura. São sete décadas de
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Peças de Manuel Eudócio.
aprimoramento, de adaptação ao gosto da freguesia e de convívio
com fregueses alemães, franceses, portugueses, americanos. De
viagens ao Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Portugal. Lembra
que as primeiras peças foram pintadas a dedo e, onde o dedo não
cabia, pintadas com auxílio de uma varinha. Mais adiante, resolveu
deixar peças ao natural, depois voltou a pintá-las. Gosta de fazer
bonecos grandes, coloridos, embora menos vendáveis. A queima
das esculturas sempre foi num forno do quintal, quinzenalmente,
exceto quando há encomenda urgente. De preferência, o forno
deve estar cheio, pois do contrário fica muito dispendioso.
O que não admite, sob hipótese alguma, é a utilização de fôrma
para moldar as esculturas. As experiências cotidianas sempre
serviram de fio condutor nas criações inspiradas: batizado,
enterro, casamento matuto, casamento forçado, casal andando
em boi manso, violeiro, sanfoneiro, banda de pífano, cangaceiros,
padre Cícero. Mergulhado no universo da cultura tradicional,
uma das inspirações recorrentes é o reisado, com os respectivos
personagens do folguedo natalino do qual participou: dona
Joana, diabo, doutor, padre, mascarado. Em 1948, quando
começou a fazer os bonecos, resolveu fazer um reisado. Fez vários
personagens e conseguiu vender a uma pessoa do Rio de Janeiro. Ateliê no Alto do Moura, em Caruaru.
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Depois, com a dificuldade de comercializar o conjunto, foi fazendo
as figuras individuais. O reisado já não sai no Alto do Moura, o
mestre sente saudade e tenta recuperar, no barro, as práticas
culturais da infância e juventude.
Eudócio sabe que é um criador, um perfeccionista. Jamais
desperdiçou os anos de convivência com Vitalino e Zé Caboclo.
Quando Vitalino saiu do Sítio Campos para o Alto, em 1948,
Eudócio tinha 17 anos. Conheceu os trabalhos do mestre na rua:
naquela época ninguém vendia escultura em casa, o local de
exposição era o buliçoso espaço da feira. Do professor, Vitalino,
lembra-se de muitas coisas: por exemplo, que passou dois anos,
com o cunhado Caboclo, trabalhando para o afamado ceramista
e nem sequer assinavam as próprias peças. Lembra, ainda, que
em 1957 já fazia questão de dizer aos compradores que aqueles
bonecos chamados de “Vitalino” também eram criação de
outros artistas. Com o desaparecimento do mestre, Eudócio não
acreditava na continuidade do ofício. Mostra-se impressionado
com a permanência da atividade e o aumento quantitativo de
artesãos.
A família, uma das pioneiras no ramo, tem na nova geração os
continuadores. Os irmãos Eudócio, Celestina e Josué herdaram o
ofício da avó e da mãe, e se veem sucedidos pelos filhos. Dos nove
filhos de Eudócio, Carlos e José Ademildo, e as respectivas esposas,
vivem do barro. Do casal Celestina Rodrigues e Zé Caboclo, as
filhas Marliete, Socorro, Carmélia e Helena “puxaram ao pai, que
era um artista de mão cheia”, segundo o tio Eudócio. Lembra,
inclusive, das miniaturas que fazia, quando jovem, e guardava
numa caixa de fósforos, esculturas em tamanho minúsculo que são
uma das especialidades das irmãs Rodrigues. A linha de sucessão
também se repete na família Vitalino, na família Rodrigues, na
família Galdino.
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A riqueza de detalhes nas peças de Eudócio.
écada de 1950 do século 20. O respeitado oluô (sacerdote
máximo) Luís de França recebe a incumbência de dirigir uma
brincadeira de carnaval, que havia sido fundada pelo pai, um
africano ex-escravo. O brinquedo era o Maracatu Leão Coroado.
Morto um dos coordenadores, corria-se o risco de não haver quem
o substituísse. Herança de família e de tradição religiosa, o baque
virado daquela nação nagô precisava continuar. Desafio aceito, a
vigorosa liderança de seu Luís proporcionou aos brincantes manter
a atividade ininterrupta desde 8 de dezembro de 1863, data
considerada como a de fundação, apesar de a memória oral indicar
a possibilidade de o Leão já existir desde 1852. Mesmo mantendo-
se a dúvida quanto ao marco fundador, o contexto político e
social no qual nasce o grupo é marcado pelo debate em torno da
abolição da escravatura e os maracatus eram folguedos de negros
escravos. Ressalte-se, ainda, que, no Recife, o dia 8 de dezembro é
dedicado a Iemanjá e a Nossa Senhora da Conceição, esta última,
a representação católica, no sincretismo religioso, daquele orixá do
culto nagô e padroeira da grande festa do morro, que acontece
anualmente na mesma data, em Casa Amarela.
Luís de França dos Santos é de 1º de agosto de 1901. Nasceu na
rua da Guia, bairro do Recife, filho de Laureano Manoel dos Santos
e Philadelpha da Hora. Segundo contava, durante a juventude
vendeu jornais ao longo da via férrea, até Palmares, o que o levou
a conhecer senhores de engenho e chefes políticos da região.
Ganhou muito dinheiro revendendo produtos importados, trazidos
nos navios, quando trabalhava de estivador, profissão exercida até
aposentar-se. Cresceu no bairro de São José, espécie de gueto de
escravos libertos, local onde aconteciam cultos africanos. Guardava
na memória a participação intensa em terreiro de candomblé, o
Sítio do Pai Adão, em Água Fria, embora a sua iniciação religiosa
não tenha acontecido lá. Os pais de santo de Luís de França foram
Eustachio Gomes de Almeida e Maria Júlia do Nascimento, a Dona
Santa do Maracatu Nação Elefante.
Apresentação na cidade de Goiana, 2003. Rei do Maracatu Leão Coroado.
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O líder começou a participar do maracatu quando a sede ficava no
bairro da Boa Vista, numa rua que hoje se chama Leão Coroado.
Foi membro da Irmandade de São Benedito da Igreja de São
Gonçalo da Boa Vista e da Irmandade do Rosário dos Homens
Pretos de Santo Antônio. Um dirigente desta última, José Luís, foi
quem passou ao afilhado Luís de França a direção do folguedo.
Daí em diante, o decidido líder passou a cuidar da organização
do grupo, das obrigações religiosas e da direção da batucada,
cujo baque secular aprendera com o pai e com os avós. Passado
por Luís de França, continua mantido o mesmo baque tradicional,
conforme garante o babalorixá Afonso Aguiar, que integra o
grupo a partir de 1996 e conduz a agremiação desde a morte de
França, em 1997.
Na função de rei e rainha, o Leão Coroado teve Estanislau, João
Baiano, José Nunes da Costa, José Luís, Gertrudes Boca-de-Sola,
Martinha Maria da Conceição e Dona Santa. Esta última, uma das
mais imponentes rainhas de maracatu, filha e neta de africanos,
marcou presença, sobretudo no Maracatu Nação Elefante. As
calungas são pretas, de madeira, e existem desde a fundação do
grupo: uma delas representa Oxum, é Dona Clara; a outra, que
representa Iansã, chama-se Dona Isabel. Durante mais de quatro
décadas – provavelmente de 1954 até a morte, em 3 de maio de
1997 – o mestre Luís de França guiou o grupo com dedicação
extremada, a ponto de provocar elogios da pesquisadora norte-
americana, antropóloga Katarina Real, que, no início dos anos
1960, realizou pesquisa sobre o folclore no carnaval do Recife.
À época, Katarina considerava o Leão Coroado a única legítima
nação de maracatu ainda existente. São desse período diversos
troféus conquistados pela agremiação.
Em outubro de 1996, França convida Afonso Gomes de Aguiar
Filho para sucedê-lo na liderança do grupo. Após amargar uns
anos de isolamento e consequente retração do maracatu, o filho
de Xangô acerta em adotar a sugestão do presidente da Comissão
Pernambucana de Folclore, pesquisador Roberto Benjamin, quanto
à indicação de Afonso Aguiar, que, desde então, tem conseguido
realizar importantes viagens e apresentações em São Paulo, Rio de
Janeiro, Bahia, Paraná, Santa Catarina, França, Holanda, Bélgica,
Suíça, Espanha, Itália, Timor Leste, Ilhas Canárias. A comemoração
dos 140 anos, em 2003, foi marcada pela gravação de CD, ao vivo,
com as toadas tradicionais do grupo. Voltando, ainda, a 1997,
o mesmo ano da morte de Luís de França, em 22 de dezembro
é instituído o Dia Estadual do Maracatu: pela Lei 11.506, fica
escolhido o 1º de agosto, em homenagem à data de nascimento
daquele mestre. Mestre Afonso e o centenário bombo-mestre.
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Nascido na Campina do Barreto, Recife, em 15 de março de
1948, o mestre Afonso comanda há mais de 20 anos um terreiro
em Águas Compridas, Olinda, para onde transferiu a sede do
maracatu e todo o acervo do grupo. Ao longo do ano, desenvolve
dinâmica de ensaios, aulas de percussão e toque de candomblé,
oficinas de feitura e manutenção dos instrumentos musicais, de
confecção do vestuário do maracatu, além de outras atividades
educativas, como a preparação de um corpo de baile de danças
afro. Todas as ações, tanto as preparatórias ao Carnaval quanto
as pedagógicas envolvem continuamente a comunidade, sob
a coordenação geral de Afonso Aguiar, que, inclusive, tem
comandado oficinas de percussão e de confecção de instrumentos
no Brasil e no exterior, a exemplo do Festival do Caribe, em
2009, na cidade de Santiago de Cuba. Seguidor fiel do mestre
Luís de França, empolgado com a repercussão do primeiro CD e
preocupado com a manutenção do grupo, o dedicado Afonso
anuncia que o master do segundo disco está pronto e que as
comemorações do sesquicentenário já estão sendo planejadas.
Na primeira edição do Prêmio Cultura Viva (2005/2006), do
Ministério da Cultura, o maracatu foi uma das iniciativas
contempladas, na categoria manifestação tradicional. A partir
de maio de 2008, o grupo é transformado em Ponto de Cultura.
Instalado no mesmo endereço da sede do maracatu, lá funciona
um telecentro, com cursos básicos de informática e acesso 24
horas à internet, para atendimento de demandas da comunidade,
em todas as faixas etárias. Com firmeza, o mestre mantém rotina
semanal de ensaios e de trabalho. A triagem de novos integrantes
obedece a exigentes normas de conduta social. Provavelmente, o
sucessor das tradições do terreiro e do maracatu será Afonsinho,
o neto nascido em 1997, que toca nas obrigações da seita e
tem comandado, quando necessário, a batucada do maracatu.
Entretanto, como frisa o mestre Afonso, o Leão Coroado é mais
religião do que carnaval. Com as bênçãos todas de Olorum, eguns
e orixás.
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As diferentes gerações no batuque do Maracatu.
Dama do Paço e sua Calunga.
asseando pelos labirintos da memória do artista e pelos objetos
mais recônditos do ateliê de José do Carmo Souza, conhecido
internacionalmente pelas estátuas de anjos cangaceiros, descobre-
se uma encantadora obra poética, uma narrativa visual do barro
massapê, que não se sabe exatamente quando e com quem
começa em Goiana, mas registra, com certeza, a importância
do legado materno de Joana Izabel de Assunção e dos filhos
talentosos. A mãe – oleira, artesã, costureira – fazia figuras de
barro e de pano, mané-gostoso e rói-rói. O pai, padeiro, fazia
máscaras em papel machê para vender aos foliões, o molde era
em barro e a modelagem em papel e grude. Manuel de Souza
dos Santos e Joana Izabel de Assunção chegam a Goiana no ano
de 1930, vindos de Igarassu, onde nasceram. Casados a partir de
1932, é um ano depois, em 19 de dezembro de 1933, que nasce o
primogênito, Zé do Carmo.
Conhecido desde 1947 no circuito artístico, autor de respeitável
conjunto de esculturas cerâmicas tão originais quanto às da mãe,
Escultura de anjo cangaceiro seria presenteada
ao Papa e a Igreja Católica se recusou a receber.
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foi com apenas sete anos, em 1940, que Zé do Carmo começa a
fazer figurinhas de barro, pintar com tinta d’água, como faziam
os pais artistas, e vender nas feiras de Goiana. Os dois irmãos,
João Antônio de Souza e Manuel Miguel de Souza, também
aprenderam o ofício dos pais. Das peças mais antigas de Zé,
destacam-se figuras de mendigo, agricultor, carregador de açúcar,
Preto Velho, anjo cangaceiro, apanhador de papel, apanhador
de água, vendedor de couro, jornaleiro, Lampião, Maria Bonita,
carregador de água, tocador de bandolim, Padre Cícero, Nossa
Senhora Artesã, São Pedro Pescador (o padroeiro de Goiana). No
acervo pessoal, conta com peças autorais feitas há cerca de 40 e
50 anos. Há uma rendeira que criou entre 1949 e 1950, quando,
segundo confessa, ainda copiava as figuras da mãe. A iniciação,
obviamente, foi com ela e o pai, mas o aluno atento, que cursou
apenas o Ensino Fundamental, sempre se valeu da observação e do
autodidatismo para aperfeiçoar a técnica e dar vazão às invenções
artísticas.
Depois que a mãe morreu, em 1972, Zé do Carmo inaugura uma
nova fase criativa, a que chama de “transfiguração humana”,
pois transforma anjos em cangaceiros, a despeito da vontade da
própria mãe, que não queria que o artista modelasse anjos com as
vestimentas do cangaço. Daí por diante, ganham asas, espingarda
e ares nada angelicais os beatos de movimentos messiânicos, os
cangaceiros Lampião e Maria Bonita, entre outros personagens da
cultura regional – o que resultou em polêmicas, sobretudo quando
Zé do Carmo ofereceu ao papa um monumental anjo cangaceiro
e o presente foi recusado. Medindo cerca de dois metros, a
escultura é mantida no ateliê, além de uma outra, em menor
proporção, também rejeitada pela Igreja, e mais um Papai Noel
nordestino, de gibão, alpercatas e chapéu de couro. Em 1982,
criou o Vovô Natalino, um velho simpático de aspecto messiânico
medindo 1,80 m, que faz Gilberto Freyre escrever artigo no Diario
de Pernambuco, de 2 de janeiro de 1983, louvando “bom e bravo
repúdio ao Papanoelismo que vem descaracterizando os bons
Natais castiçamente brasileiros...”.
Sobre a engenharia das peças gigantescas, o artista explica:
constrói um bloco até a cintura e espera secar. Depois que
está enxuto, torna oco esse bloco e levanta o restante. Em
seguida, modela os detalhes do corpo e do rosto. As peças ficam
alicerçadas numa base de barro e pousam sobre um suporte de
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Zé do Carmo e suas obras: um negro recém-liberto, pela "Princesa Isabel".
madeira com rodízios. Para ele, os primeiros trabalhos eram populares
demais. Depois disso, acredita que conseguiu modelar figuras de proporções
acadêmicas, como o Padre Cícero que mantém no acervo exposto no ateliê.
Tem, ainda, um busto de São Pedro jovem, que fez seguindo o padrão de
escultura neoclássica: proporção seguida à risca, com detalhes do rosto
bem-delineados. Durante muitos anos, foi professor de modelagem em
barro e de proporção. Escultor também em pedra, prova isso com um
busto exposto em meio às peças mais antigas. É inegável que, além da
observação do artista, o talento sobressai, garantindo a qualidade e a
adesão de discípulos. E não foram poucos os ceramistas que passaram pelo
ateliê de Zé do Carmo, na condição de aluno: Irene, Mário Pintor, Severino,
George, Tog, Luiz Carlos, Luiz Gonzaga, Précio Lira, Dica, Andréa Klimit
e Tiner Cunha. O único filho que possui não é discípulo, mas, segundo o
próprio pai, tem talento para a arte. Dedicado desde 1980 à pintura, o tema
preferido nas telas é o mesmo das esculturas: anjo cangaceiro.
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Zé do Carmo hoje e as obras Zumbianjo e o anjo-cangaceiro.
e fraque, cartola, gravata borboleta, dente de ouro, lá vem o
Homem da Meia- Noite, vem pela rua a passear, enfeitiçando
os céus olindenses e arrancando suspiros de amor. Claro, é o mais
afamado galante, o grande Don Juan do carnaval de Olinda e não
é, de maneira alguma, simplesmente um boneco, é calunga, com
todos os atributos e segredos que essa palavra suscita. A figura
do sorridente cavalheiro, envolta em mistérios e rituais próprios, é
associada ao candomblé, pois foi no dia 2 de fevereiro de 1932,
data dedicada a Iemanjá, que o calunga de madeira desfilou
pela primeira vez na tradicional folia. O Homem da Meia-Noite,
com cerca de quatro metros de altura, é o mais antigo boneco
gigante de Olinda. Nascido na categoria “troça” em 1932, passa
a clube de alegoria e crítica a partir de 1936. É de muitos anos,
portanto, que o galanteador vem arrancando suspiros de moças e
senhoras postadas à janela para ver o amado passar: ele próprio
em figura de gentleman anima as ladeiras do sítio histórico desde
a madrugadora invenção na longínqua década de 1930.
As ruas estreitas, sobretudo a do Amparo, e o Largo do
Bonsucesso testemunham a alegria e irreverência dos foliões
que gastam pelos menos quatro horas para acompanhar um
dos desfiles mais cobiçados da folia olindense. O percurso
é praticamente o mesmo desde o princípio, e o boneco vai
desfilando trajado de verde e branco, com um relógio na lapela
e a chave da cidade nas mãos. A saída acontece pontualmente
à meia-noite do sábado de Zé Pereira, partindo da sede, que
fica em frente à igreja do Rosário dos Homens Pretos, no
Bonsucesso. O local é marcado pela prática de tradições culturais
de negros escravos, desde a construção do templo religioso na
segunda metade do século 17, e, inclusive, foi essa a primeira
igreja em Pernambuco a ter irmandade de homens pretos.
Nenhuma estranheza, portanto, quanto à ligação do calunga
com o candomblé, mesmo que a aura de misticismo se misture à
irreverente balbúrdia momesca, em meio a orações e oferendas
com cachaça na troca de roupas do calunga, nos preparativos do
sábado à tarde.
Saída do Homem da Meia Noite, Estrada do Bonsucesso, Olinda, 1998.
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Fotografia da sede da banda nos anos 1990.
A existência do grupo carnavalesco se deveu a uma dissidência
de integrantes da Troça Carnavalesca Mista Cariri, fundada em
1921 e que àquela época era quem abria o carnaval, saindo às
quatro da manhã do domingo. O exímio entalhador Benedito
Bernardino da Silva, ou “Benedito Barbaça”, o encadernador
Cosmo José dos Santos, o pintor de paredes Luciano Anacleto
de Queiroz, acompanhados de Sebastião Bernardino da Silva,
Eliodoro Pereira da Silva e do sapateiro Manoel José dos Santos,
apelidado “Neco Monstro”, ao se sentirem excluídos da diretoria
daquela troça decidiram criar uma nova agremiação que “desse
uma rasteira no Cariri”, conforme conta o pesquisador Olimpio
Bonald Neto, no livro Os gigantes foliões em Pernambuco. O autor
refere, aliás, que esse não foi o primeiro gigantone a aparecer no
carnaval pernambucano: o mais antigo registro é creditado a Zé
Pereira e Vitalina, bonecos nativos da cidade sertaneja de Belém
do São Francisco, criados respectivamente em 1919 e 1929.
Quanto ao surgimento do boneco olindense, pelo menos duas
versões explicam a genealogia do fenômeno: uma delas credita
Saída oficial do Homem da Meia Noite, no Carnaval de 2003.
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ao cinéfilo e fundador Luciano Anacleto de Queiroz a inspiração a
partir do filme O ladrão da meia-noite; a outra atribui a Benedito
Bernardino, fundador e autor do hino da agremiação, a construção
do calunga a partir de alegado flagrante de certo namorador, alto,
elegante e sorridente, que andava principalmente na madrugada
do sábado para o domingo, sempre de verde e branco, com
chapéu preto e dente de ouro.
A dissidência do Cariri foi tramada em dezembro de 1931. Para
dar forma ao boneco que ganharia as ruas à meia-noite do sábado
de Momo, os fundadores Benedito Barbaça e Luciano de Queiroz
tomaram todas as providências de marcenaria e pintura, na
modelagem daquele que seria o boneco dos primórdios do grupo.
Originalmente, o calunga pesava mais de 55 quilos, porque, além
da armação em madeira, a cabeça, o busto e as mãos eram feitos
em papel gomado; os braços, recheados com palha de colchão;
nas mãos, areia para dar peso e equilíbrio às evoluções executadas
ao som do frevo. Evidente que o boneco passou por um processo
de reengenharia, a fim de perder peso e, assim, aliviar a carga do
carregador ou “chapeado”. Um dos mais ilustres carregadores foi
Alcides Honório dos Santos, Cidinho, que durante mais de quatro
décadas deu vida e alma ao boneco. Bastos “Botão”, Henrique
Alabamba, Amaro de Biluca, Paulo 19, Pedro Garrido compõem a
galeria dos chapeados do Homem da Meia-Noite.
Esses históricos nomes animam, há décadas, a algazarra de
foliões inveterados, além dos novatos que são acrescidos às
ladeiras estreitas de Olinda, a cada ano. E o mais animador é
saber que a alegria repercute durante todos os meses, com o
projeto social Gigante Cidadão – Ponto de Cultura nacional desde
2005 – que oferece, de segunda a sábado, na sede do clube,
oficinas de música, dança, teatro e vídeo a cerca de 50 crianças da
comunidade. Apreciando de dentro ou de fora do boneco, quem
haveria de resistir a esse fogoso e ao mesmo tempo sóbrio cidadão
olindense, a esse magnético sorriso de manequim, a essas gigantes
pernas de pau dançando na multidão?
Saída dos clarins à cavalo na frente da agremiação, década de 1980.
O atual presidente da agremiação, Luiz Adolpho.
O relógio. Carnaval de 2014.
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ontorcionista, trapezista voadora, acrobata, cantora, ginasta,
atriz circense. Eis aí alguns dos atributos da grande dama do
circo pernambucano: Margarida Pereira de Alcântara. Ou, Índia
Morena, nome artístico deliberadamente escolhido por serem
índios o pai e a avó paterna. Destacada pela dedicação profissional
exclusiva à vida circense, Margarida convive desde os 10 anos
com o magnetismo do mundo dos mágicos, palhaços, humoristas,
rola-rola, malabaristas, equilibristas. Na verdade, a estreia na vida
artística foi inaugurada, a partir de 1952, em shows de calouros,
nas matinês infantis promovidas pelo Circo Democratas, que
aconteciam na Vila de São Miguel, bairro de Afogados, Recife,
onde àquela época o circo estava montado. Aos 12 anos, a
cantora mirim já interpretava, com alma, canções de Vicente
Celestino, Ângela Maria, Núbia Lafayete.
Filha de Eloy Pereira de Alcântara e Maria das Dores de Alcântara,
Margarida nasceu no Recife, em 13 de julho de 1943. Órfã de pai
aos nove anos, interrompeu os estudos no terceiro ano primário
e não havia grande expectativa de desenvolvimento profissional,
sequer de realização artística, para essa criança nascida e criada
dentro da maré, pescando crustáceos nos mangues de Afogados
para ajudar na sobrevivência da família. Adotada por Severino
Ramos de Lisboa – o palhaço Gameloso – e afilhada de crisma de
Maria Tenório Cavalcanti – a dona do antigo circo Itaquatiara Real,
no qual Índia se engajou a partir de 1º de julho de 1953, contra a
vontade materna –, essas confluências resultaram, claro, do talento
evidente da jovem circense e contribuíram para o florescimento
de singular trajetória artística. E mais: vieram acrescentar novos
elementos à história dos circos populares do Brasil.
Além de realizar viagens pelos Estados Unidos, Argentina,
Paraguai, Uruguai, Bolívia, trabalhando em diversos circos – dentre
os quais o Gran Bartolo, o Garcia, o Itaquatiara, o Edson, o Águia
de Prata, o Coliseu Mirim, o New American Circus –, Índia Morena
organizou, com a participação de Albemar Araújo, a coletânea
Dramas Circenses, em que foram transcritos seis tradicionais
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dramas encenados nos circos populares, tais como A louca do
jardim e Lágrimas de mãe. As peças teatrais, cedidas por Índia,
fazem parte do acervo da Associação dos Proprietários e Artistas
Circenses do Estado de Pernambuco (Apacepe), organização
fundada em 1993 por Índia Morena e pelo marido, Maviael Ribeiro
de Barros. O livro, contendo 161 páginas, foi publicado em 2006,
pela Fundação de Cultura Cidade do Recife.
Índia Morena considera o circo “o palácio onde vive com alegria”
desde os 13 anos, quando decidiu largar totalmente a mãe e
entregar-se de vez ao picadeiro: passou no teste de caloura e foi
contratada para trabalhar no Itaquatiara. “Ali, eu vi o mundo”:
foi assim que nasceu para a vida artística, ao mergulhar desde
a primeira vez na lona de um circo e depois sagrar-se como
trapezista voadora e melhor contorcionista pernambucana. Depois
do Itaquatiara, trabalhou como ginasta e cantora num circo de
Olinda, o Circo do Palhaço Violino. Atuou no Circo Águia de
Prata, de propriedade de Euclides Águia de Prata que, depois,
passou a ser o Circo Edson. Ainda participou do Coliseu Mirim,
pertencente a um funcionário da prefeitura do Recife, conhecido
Apresentadora do próprio circo,
Índia Morena inicia mais um espetáculo,
dessa vez no subúrbio de Jaboatão.
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por Benigno. Em meio ao talento e à dedicação integral à carreira,
ia consolidando-se um contínuo processo de aprendizagem no
próprio meio circense, a partir do convívio com grandes nomes
do circo e da ousadia de cada nova experiência. Entretanto, em
meio aos prazeres e conquistas da biografia artística, um grande
desgosto na vida de Índia Morena quase a leva à bancarrota:
a traição do ex-marido com uma menina de circo resultou em
doença e lesão pulmonar, com prolongado internamento no
hospital Otávio de Freitas. Foi aí onde conheceu o atual marido,
que nada sabia de circo e, entretanto, aceitou abraçar o ofício,
acompanhando-a ainda hoje.
Desde 1977 possui, com Maviael, o Gran Londres Circo, pois o
antigo proprietário do Circo Edson, falido, e para quem Índia
Morena trabalhava, doou parte do negócio a título de pagamento
pelos serviços prestados por ela à companhia circense. Índia nele
injetou experiência e recursos próprios e é no Gran Londres que,
desde essa época, vai exibindo as múltiplas habilidades aprendidas
em todo o percurso artístico, cantando e apresentando os
espetáculos. Em meio a uma trupe com mais de 20 integrantes,
contracena com um palhaço cantor e compositor de músicas
irreverentes, com equilibristas, contorcionistas, transformistas,
engolidores de faca, malabaristas, pernas-de-pau, escada giratória
e mais quatro palhaços. A temporada em cada local é variável,
conforme a aceitação do público. Os espetáculos são geralmente
noturnos, mas há também matinês nos finais de semana e
feriados. A folga é sempre na segunda-feira.
O Gran Londres, itinerante como deve ser todo circo de
tradição, circula, sobretudo, pelos arredores do Recife e Região
Metropolitana, a exemplo de Jaboatão, Paulista, Abreu e Lima.
Aonde o circo vai, agrega as bandas de música locais, fisga o
público com espetáculo tradicional e ainda oferece uma atração
única: um bode pagador de promessa, que sobe uma rampa,
ajoelha-se e beija uma imagem de Nossa Senhora Aparecida,
padroeira do Brasil. “Eu só tenho o terceiro ano primário, mas
quem tem o primeiro ginasial não vai comigo, não, porque eu
aprendi muita coisa em teatro”, vangloria-se a artista, que também
não esquece a dureza da infância mergulhada na lama, catando
caranguejo. Apesar de todas as mazelas, Índia segue cantando
e louvando a magia do circo, com a elegância e o magnetismo
próprios de uma grande dama circense.
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versatilidade tem marcado a trajetória do cordelista, xilógrafo
e autor de almanaque popular. Nascido a 27 de julho de
1927, em Sapé, na Paraíba, o filho de Paulino Costa Leite e Maria
Rodrigues dos Santos radicou-se em Condado, Pernambuco, a
partir de 1955. José Costa Leite estreou na literatura de cordel
em 1947, vendendo, declamando e escrevendo folheto de feira.
O primeiro almanaque foi feito em 1959, para o ano de 1960,
e chamava-se, àquela época, Calendário brasileiro. As primeiras
xilogravuras são de 1949, para os folhetos, de própria autoria, O
rapaz que virou bode e a Peleja de Costa Leite e a poetisa baiana.
Na infância e adolescência, trabalhou na cana, plantou inhame,
foi cambiteiro, cambista, mascate, camelô de feira. Xilogravador
primeiramente por obra da necessidade, ou seja, a de produzir
a capa dos próprios folhetos, Costa Leite conseguiu aprimorar o
talento para as artes plásticas nessas seis décadas de familiaridade
com a madeira, quicé, goiva e formão. Como acontece a diversos
autores de cordel, o talento extrapola o mundo da escrita. É ele
quem desenha e talha na madeira e depois imprime no papel as
ilustrações de capa dos próprios folhetos. Conforme tradição dos
gravadores populares pernambucanos, que se iniciaram a partir do
diálogo com a poesia, aprendeu sozinho a arte da gravura, vendo
fazer e experimentando.
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Os primeiros cordéis chamavam-se Eduardo e Alzira – “uma
historinha de amor”, conforme classificação do próprio poeta – e
Discussão de José Costa Leite com Manuel Vicente, cujos temas
eram “se não casar perco a vida” (Costa Leite) e “eu morro e não
caso mais” (Manuel Vicente). Essas primeiras publicações não tinham
ilustração de capa, apenas os letreiros. Voz imortalizada, na década
de 1970, em três LPs gravados no Conservatório Pernambucano de
Música, nos quais deixou registradas grandes histórias de cordel,
Costa Leite já cantou muito na feira da cidade onde vive e na vizinha
Goiana. Atualmente continua indo, sozinho, de madrugadinha
e em transporte coletivo, vender folheto em Itambé, cidade
pernambucana em que o outro lado da avenida principal é Pedras
de Fogo, Paraíba. São duas cidades, dois estados numa mesma
geografia, espécie de síntese da vida do poeta. Assim que se encerra
a feira, por volta do meio-dia, segue para Itabaiana, Paraíba, dorme
lá, e, dia seguinte, passa a manhã cumprindo um ofício que exerce
há mais de seis décadas. Cantava e vendia bem nas feiras. Ainda
dá voz a uma ou outra estrofe. Às vezes, recita e canta trechos de
folheto da própria autoria, como O sanfoneiro que foi tocar no
inferno, e mais alguns versos de outros autores, a exemplo de O
navio brasileiro, clássico de Manoel José dos Santos.
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A diversidade de temas na obra de Costa Leite: o amor, o sertão e a beleza da mulher.
Costa escreve diariamente. Aventura, discussão, exemplo
são alguns dos temas preferidos. Criou pelejas fictícias com
importantes personagens do mundo da cantoria de viola, como
Preto Limão, Severino Borges Silva, Patativa do Assaré, Ivanildo
Vila Nova. Publica versos fesceninos sob pseudônimo para,
segundo ele próprio, não manchar a reputação do restante
da obra. Assina H. Renato, João Parafuso, Seu Mané do Talo
Dentro, Nabo Seco nos folhetos de safadeza, cheios de picardia
e duplo sentido, como A mulher da coisa grande, A pulga na
camisola. Frequentador assíduo da capital, semanalmente vem
ao Recife entregar originais ou receber edições produzidas
na Editora Coqueiro. Viajava muito a Olinda, entre os anos
1970 e 1990, quando editava os folhetos na Fundação Casa
das Crianças. Tem, também, folhetos impressos na editora
Tupynanquim (Fortaleza, Ceará), do poeta e artista gráfico
Klévisson Viana.
Entretanto, independentemente de quem imprime, todas as
publicações autorais recebem o selo A voz da poesia nordestina,
de José Costa Leite. E recebem, na capa, xilogravuras do próprio
autor. No campo da astrologia, continua a escrever o Calendário
nordestino, distribuído para todos os estados do Nordeste, Rio
de Janeiro e São Paulo. Sobre os cordéis, não tem a menor ideia
da quantidade de histórias que fez chegar a leitores e ouvintes,
além dos muitos manuscritos inéditos que guarda nas gavetas.
Contudo, para além de todas essas rememorações, há muito
mais: Costa Leite, andarilho das tradições, é testemunho vivo
de mais de 60 anos de peregrinação por feiras e mercados de
Pernambuco, da Paraíba, do Ceará. São mais de oito décadas
com vigor físico e memória suficientes para comercializar os
folhetos que produz e recapitular parte da história das edições
populares brasileiras, da qual é um dos protagonistas.
Acervo pessoal de JCL contém
manuscritos, matrizes, xilogravuras,
estoque de cordéis variados.
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o som de caixa, zabumba e pífanos, o último dia do ano em
Floresta é solenemente comemorado: a secular irmandade
denominada Confraria do Rosário reservou, no calendário
religioso, o 31 de dezembro para festejar Nossa Senhora do
Rosário, a patrona dos confrades. Paralelamente, a cidade
comemora a festa do padroeiro, o Bom Jesus dos Aflitos. Assim,
no início da manhã, os fogos logo denunciam: é chegado o dia do
desfile e coroação dos reis, que, em azul e branco, se apresentam
ornados com manto, cetro e coroa. Acompanhados de vistoso
cortejo, com estandarte, guarda de honra armada de espada e
séquito de juízes, todos trajados de branco, os componentes da
confraria cantam, louvando a Senhora do Rosário: Virgem do
Rosário, sois uma alta rosa / Que entre as mais flores sois a mais
formosa – ou com antigas loas, como a registrada, em 1957, por
Álvaro Ferraz, no livro Floresta: Memórias duma cidade sertaneja
no seu cinquentenário: Oi Quenda, oi Quenda, / Oi Quenda,
Maravi’a! / Hoje é dia do Rosário / Do Rosário de Maria. Pequenos
agricultores e criadores das Fazendas Paus Pretos e Boqueirão,
empregados de um curtume e funcionários públicos compõem o
grupo, formado por habitantes da zona rural e também da sede
do município.
A comunidade é, sobretudo, formada por quilombolas e, por
isso mesmo, é símbolo de resistência negra. Nesse contexto
socioeconômico e cultural floresceu a irmandade religiosa, que,
conforme registros datados de 1792 e depoimento de João Luiz da
Silva, rei perpétuo desde 2007 e representante legal da instituição,
há mais de 200 anos a confraria existe na cidade de Floresta
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dos Navios, sertão de Itaparica. Composta por 36 membros,
sobretudo antigos guardiões da tradição, a cada ano o ritual se
repete sempre no mesmo dia, com a missa matinal e mesa farta
à base da culinária regional para todos os que estiverem na festa,
e entra pela tarde, quando são coroados os novos reis para o ano
seguinte, conforme escolha das juízas (às vezes, a decisão decorre
da necessidade de pagamento de promessa). À noite, a irmandade
prestigia a missa do padroeiro e sempre faz questão de que o dia
dedicado aos negros seja o melhor do novenário.
A Igreja do Rosário é o ambiente onde se desenrola parte da
festa. Construída em 1777, pelo capitão José Pereira Maciel,
em homenagem ao Senhor Bom Jesus dos Aflitos, na localidade
denominada Fazenda Grande, de onde se originou a cidade
de Floresta, sabe-se que somente em 1792 é que a igreja foi
inaugurada, e, segundo tradição oral, desde essa data a confraria
existe, embora somente a partir de 1897 o templo passe a ser
dedicado a Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, quando
o padroeiro da cidade, o Bom Jesus dos Aflitos, ganhou novo
templo defronte. Tais irmandades, a exemplo da Confraria do
Rosário, incluem-se, conforme defende o pesquisador Veríssimo de
Melo, entre as “várias formas de reações contra-aculturativas dos
negros no Brasil”. A existência de irmandades religiosas de homens
pretos e suas respectivas cerimônias estão sempre intimamente Reprodução de fotografias antigas do acervo do grupo.
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associadas às festividades de coroação de reis e rainhas e é uma
recorrência em folguedos e danças brasileiros, a exemplo de
reisados, congadas, maracatus, cambindas, pretinhas do congo.
A 500m das duas igrejas, está a sede da Confraria do Rosário,
de onde sai a rainha para, com o rei, seguirem à igreja. São
precedidos por oito espadachins e acompanhados de 11 juízes.
Há cinco juízas principais, estas são as mais antigas integrantes
do grupo, a quem todos devem obediência, inclusive rei e rainha.
Entre elas, uma é juíza do rei, outra é da rainha. Há, ainda, dois
juízes do andor, dois para as espadas e duas juízas são do altar.
O cortejo, segundo antigos relatos, era composto por quatro
espadachins, sendo dois velhos e dois jovens. Conforme dá conta
João Luiz, Manuel Preto foi um grande espadachim que ocupou a
função desde criança e por mais de 70 anos. Entretanto, antes de
morrer, passou o cargo para Manuel Caetano, ou Jubileu, que tem
33 anos. Hoje, os espadachins são todos jovens, menos Seu João,
que tem 80 anos. Cabe aos espadachins a proteção do cortejo
real, cruzando as espadas a fim de que rei e rainha possam passar
por todas as portas que estiverem no caminho até à igreja. Eles
também realizam movimentos que se assemelham a um imaginário
combate ou luta de espadas. Na procissão, São Benedito abre o
cortejo dos santos, acompanhado da imagem histórica de Nossa
Senhora do Rosário e do Bom Jesus dos Aflitos. Uma banda de
pífanos, composta por quatro músicos – dois pífanos, uma caixa
e uma zabumba –, vai executando músicas religiosas. Apenas na
volta da missa, alterna repertório variado com a banda de música
da cidade, tocando inclusive frevo, forró, maracatu. João Grande,
que foi rei perpétuo durante cerca de duas décadas, certamente
estaria satisfeito vendo perpetuar-se a festa dos ancestrais.
Tesoureiro Quinca Leocádio e Rei Perpétuo João Luiz. Rainha Perpétua Lúcia de Amaro, falecida em junho/2010. Juiz das Espadas Manoel Cassiano e Espadachim Fernando.
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e cambiteiro, cortador de cana e agricultor chegou a pedreiro
e barbeiro, num tempo em que, nos anos 1960, de dia
labutava na construção civil e à noite, na cerâmica. Para aumentar
o orçamento, também se virava nas artes da barbearia. O estalo
que desencadeou toda a carreira artística aconteceu no dia 20 de
abril de 1966, conforme registrado no jornal Gazeta de Nazaré,
em artigo escrito pela jornalista Marliete Pessoa e publicado a 27
de agosto de 1966: “No cortiço do velho prédio do Acadêmico,
nasce mais um artista do povo”. Soldado, boêmio, músico,
valentão, vendedor de milho assado e de amendoim, mendigo de
braço cotó, marceneiro, pedreiro, ferreiro: essas são as primeiras
figuras que reinam na gênese da estatuária do mestre Zezinho.
Os primeiros ensaios de modelagem resultam de inquietações e
descobertas próprias de artista, a partir da observação do trabalho
de Lídia Vieira nas visitas inspiradoras à vizinha Tracunhaém. O
artista lembra, entretanto, que a primeira peça foi um par de
namorados, encostado na porteira de um engenho de açúcar,
com cerca de 20 cm de altura. Nessa época ele vivia em Nazaré,
era trabalhador rural e o barro que esculpia vinha de um engenho
próximo, o Alcaparra.
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Zezinho, ao lado da escultura de São Francisco de Assis.
Detalhes da obra do autor.
A estreia no cenário artístico aconteceu na 1ª Exposição de Arte
Popular em Nazaré da Mata, na biblioteca municipal, organizada
pela jornalista que escreveu o artigo, e inaugurada a 1º de outubro
de 1966, mesmo ano em que o escultor se inicia e é descoberto
pela jornalista. Exibe 60 bonecos. Nessa mesma década, dois
anos depois, ou seja, em 1968, decide morar em Tracunhaém
e dedicar-se exclusivamente ao trabalho de ceramista. Era a
época em que os famosos da região eram José Antônio e Lídia
Vieira, então viúva do renomado santeiro Severino. O filho de
Júlia Batista da Cruz, que nasceu em Vitória de Santo Antão, a 5
de julho de 1939, jamais havia pensado que antes dos 30 anos
fosse viver em Tracunhaém e se sustentar do ofício de ceramista.
Nem mesmo imaginou que receberia o título de cidadão daquele
município, o que aconteceu em novembro de 2002. Honraria que
vem se somar à comenda Troféu Construtores da Cultura Cidade
do Recife, recebida em 1992, e ofertada pelo então prefeito da
capital pernambucana. Além da jornalista Marliete Pessoa, um
dos principais incentivadores e divulgadores da obra do santeiro
foi o colecionador pernambucano Abelardo Rodrigues, que
frequentemente visitava o artista e encomendava trabalhos.
Há mais de 40 anos radicado naquela cidade da Mata Norte, José
Joaquim da Silva não calculava que conquistaria alguma fama
com os gigantescos santos de barro, pois sequer tinha parentes
envolvidos com a arte cerâmica, quando optou pelo ofício.
Constituída a fama de homem talentoso, calcada na inventividade
de peças como José e Maria Grávida, Lampião, Maria Bonita, São
José de Bota, Pietà, é que os filhos e a esposa também passaram a
viver do artesanato em barro, cuja matéria-prima vem da Paraíba.
A esposa, Maria Marques, mais quatro dos nove filhos – José
Carlos, Josenildo, Cláudio e Fernando –, e dois dos13 netos –
Lucas (filho de Carlinhos) e Bruno (filho de Cláudio) –, todos eles se
inspiraram na labuta de Zezinho e passaram a trabalhar as próprias
peças em regime semicoletivo, envolvendo-se com o conjunto
Filhos se dedicam ao mesmo ofício.
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das etapas, que vão desde o preparo do barro até à modelagem,
secagem, queima em forno a lenha e coloração das esculturas.
Nelas, predominam os motivos sacros, dondocas e namoradeiras.
Algumas das obras do mestre recebem dele mesmo uma
certificação de autenticidade, como é o caso da peça São Francisco
sentado olhando para o céu, registrada como peça única e com
data de conclusão em 1º de setembro de 2004. A temática
preferida do artista é a sanfranciscana, em que o santo e pássaros
são esculpidos em grandes proporções. Especialista em imagens
sacras, grandioso é o aspecto visual da obra de Zezinho, que adora
modelar peças com dois metros de comprimento e prefere pintá-
las com tinta terracota. Na Mata Norte, Tracunhaém, topônimo
indígena que significa panela de formiga, testemunha há décadas
o florescimento de diversos artistas do barro, tais como Antônia
Leão, Lídia Vieira, Severino Gomes de Freitas, Nuca, Maria Amélia.
O mestre Zezinho, um dos mais antigos ceramistas vivos naquela
cidade, tem obras espalhadas pelo mundo, em museus, igrejas,
coleções particulares. Sua obra tem figurado em inúmeros salões
de arte, coroando décadas de habilidades manuais e invenção.
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Zezinho, em seu ateliê na cidade de Tracunhaém.
uem são vocês que vêm da jurema?” Esta é pergunta
que pode ser feita a um mestre daqui, mais precisamente
a José Severino dos Santos Pereira, o Mestre Zé Alfaiate, sócio
fundador do Caboclinhos 7 Flexas, desde 7 de setembro de 1971,
no bairro de Água Fria, Recife. Com a finalidade, expressa no
estatuto, de “promover e desenvolver atividades carnavalescas,
recreativas, sociais e culturais”, Alfaiate lembra que criou a
brincadeira no ano de 1969, em Alagoas. Nessa época, em
que frequentava terreiro de umbanda, certa vez sonhou com o
Caboclo Sete Flexas – “cacique, pajé, deus do sol e deus da lua,
moreno, alto, foi criado sozinho nas matas e é curandeiro” – a
quem fez pedido. Portanto, graças a promessa, e como oferenda,
decidiu que criaria o clube, sob a proteção daquele guia,
exatamente por considerar unha e carne caboclinho e jurema.
Nascido em São Lourenço da Mata, em 25 de julho de 1924,
Alfaiate volta para Pernambuco em 1971 e, embora à época
mantivesse vínculo com o antigo Caboclinhos Carijós (de 1896),
em que começou a brincar aos 10 anos, funda o grupo que se
mantém exuberante, graças à dedicação integral que dispensa
ao brinquedo, das mais triviais demandas às mais invisíveis,
como bordar fantasia e levar comida para o caboclo da mata. Os
caboclinhos, da linha da jurema, são uma das belas e tradicionais
expressões do carnaval pernambucano.
Mais do que somente com pajelança, é à base de muito sacrifício
e trabalho que o caboclinho se mantém firme e vigoroso. Paulo
Sérgio dos Santos Pereira, ou Paulinho 7 Flexas, é filho e parceiro
incansável de Alfaiate, ao lado da mãe, Marlene Francisca
Neponucena. Figura importante na organização do grupo e um
dos mais respeitados dançarinos tradicionais do país, Paulinho 7
Flexas dança desde os dois anos. Nascido em Maceió, Alagoas,
a 28 de outubro de 1968, a partir dos 14 anos passa a dar aulas
no Teatro Brincante, na capital paulista, a convite do multiartista
Antônio Carlos Nóbrega. Paulinho e o sobrinho Carlos André
Rodrigues Pereira são os guias Jupi e Agaci, puxadores dos
Mestre Alfaiate.
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irmã Carla dos Santos Pereira são as guias Taquaraci e Jupiara, dos
cordões das caboclas. Alfaiate, além de tudo, comanda desenhos
e bordados da vestimenta. No caboclinho, o núcleo familiar lidera
todas as atividades: onde há a casa, há a sede do brinquedo, a
oficina de dança com os ensaios semanais, as sessões de costura
e bordado, as reuniões, os preparativos de cada carnaval, enfim,
a colorida e melodiosa alegria, a firmeza dos gritos de guerra do
folguedo, mesmo quando em repouso tocadores e bailarinos.
Guerra, baião, perré, toré de caboclo, guerra: alternam-se as
batidas ou toques executados pelo baque, assim denominados
os músicos. Ouvidos atentos à execução das loas ou versos
gritados – os gritos de guerra, e das loas ou versos declamados,
improvisados ou não, sincronizados com a regular batida das
Paulinho Sete Flexas, Oficina de Transmissão de Saberes, FIG 2012.
preacas (conjunto de arco e flecha em madeira), tarol, atabaque,
caracaxá marcam a melodia executada pelo gaitista. Reginaldo
Caetano do Nascimento, ou Nadinho da Gaita, é o músico que
executa as melodias no instrumento também chamado flauta ou
inúbia. O tirador de loa pode ser o cacique, o puxante, o guia,
o morubixaba. Nesse caso, é Paulinho 7 Flexas quem puxa as
loas. Enquanto isso, os olhos se maravilham com as flutuações
de penachos e plumas, com o saltitar das coreografias. Cacique,
cacica, pajé ou curandeiro, os curumins, os guias Jupi e Agaci, a
ala dos caboclos, os contraguias ou substitutos dos guias, as guias
Taquaraci e Jupiara, a ala das caboclas são as figuras que enchem
de graça as ruas e os olhares, aprendizes ou não. É obedecendo
aos sons dos caboclos do baque que os brincantes exibem
coreografia aeróbica, plena de leveza e agilidade. Impossível não se
encantar com a sonoridade e as coreografias de um caboclinho.
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O terno do Caboclinhos: o bumbo, a gaita e o caracaxá.
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cordões dos caboclos. A sobrinha Adriana Rodrigues Pereira e a
Conforme depoimento de Paulinho, o grupo pertence à mesa
branca, espírita, aos orixás de caboclo, à mesa da jurema. Entre
os ritos, há a saída de caboclo. Uma semana antes do Carnaval,
é necessário preparar uma oferenda, ou seja, levar comida para
o caboclo da mata. Um prato virgem, sete bifes, sete qualidades
de fruta, uma vela e mel. O pedido é sempre pedido de paz:
contra brigas e desavenças. O pajé porta um cachimbo e dá
fumaçadas para limpar a frente do clube, quando os brincantes
estão dançando. A jurema, bebida preparada à base de vinho,
champanha, mel, liamba, semente e folha de alfavaca de
caboclo, é alcoólica, entretanto tem a função de limpar o corpo
dos brincantes – as ervas cortam as dores e os males físicos.
Muita lantejoula, semente de ave-maria, cocar de pena de
ema, machadinha, cabaça, cipó, lança e preaca são alguns dos
elementos que compõem o deslumbrante vigor da cabocaria. Nas
manobras e evoluções, as coreografias apontam para a dança do
cipó, a dança da rede, a caça do caboclo, o casamento de uma
tribo com outra. Os dois puxantes Jupi e Agaci marcam com apito
a virada dos ritmos. E o porta-estandarte sai na frente, anunciando
a chegada do clube: Caboclinhos 7 Flexas, um nome de respeito.
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Altar em homenagem ao Caboclo Sete Flexas.
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s cocos nordestinos, conforme escreveu Mário de Andrade,
“São ardentes. São expressivos. São profundamente
humanos e sociais”. Assim é que, entre tapiocas e coco, canta a
ex-tapioqueira da Sé de Olinda: O coco me adotou, me chamam
rainha do coco, o povo é meu amor. Filha de Maria Valentina
da Conceição e José Teodósio da Silva, Selma Ferreira da Silva
nasceu em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, a 10 de
dezembro de 1929. As lembranças mais antigas envolvendo a
brincadeira do coco de roda remontam à infância, claro, quando
pais e avós levavam aquela criança esperta e de voz melodiosa
para dançar e se divertir nos terreiros de chão batido e luz
de candeeiro. Frequentemente cantavam coco nas casas dos
compadres, sobretudo para comemorar o São João. As memórias
e experiências, aliadas ao talento artístico, deram o mote e Selma
vem glosando, com classe. E não deixa de ter importância saber
que a alegria da tradição familiar foi mantida, no desfiar de todas
essas décadas dedicadas ao ritmo.
Ainda criança, aos 10 anos, transferiu-se para o Recife, bairro
da Mustardinha, onde se casou, teve 14 filhos e, mal saía da
juventude, ficou viúva. Há 50 anos, decidiu morar em Olinda,
tradicional reduto de samba de coco, e daí por diante cultivou o
hábito de promover concorridas rodas para animar os finais de
semana da família e ganhar uns trocados. Quando foi tapioqueira
no Alto da Sé, jogava charme para os turistas com o feitiço da voz,
do temperamento e ritmo envolventes. Cantava coco na Sé, no
Carmo e na frente da própria casa, aos domingos. E, bom para
Selma, bom para todos, integrantes da geração manguebeat se
encantaram com a coquista, o que certamente contribuiu para a
consolidação da carreira da cantora. O filho José Ferreira da Silva,
pandeirista, foi o produtor, parceiro e diretor musical da mãe
famosa.
Morena do dente de ouro, qual é o teu feitiço? Cantando e
dançando um coco sincopado, matreiro e cheio de duplo sentido,
Selma sabe que agrada. E gosta do que faz. Embrenhando-se
Selma do Coco em frente à Igreja de Guadalupe, Olinda.
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no meio poético-musical do coco de roda, entramelando-se
nas devoções de um coco que sutilmente também batuca, o
grito de guerra “a-há” antecede o canto e faz a amarração de
uma performance cheia de ginga, simpatia e irreverência. Na
malemolência foi expandindo-se, conquistando o mercado.
Segundo a própria artista, o “a-há” não tem nenhuma relação
com orixás e outras entidades, o grito acontece enquanto o
pensamento vai rodando, procurando no repertório o próximo
coco a ser executado. Com três coletâneas gravadas na Alemanha
e uma na Bélgica, Selma do Coco também já cantou no Lincoln
Center Festival, em Nova Iorque, Estados Unidos, no ano de
2003. Tem feito shows Brasil afora: no Rio de Janeiro, em São
Paulo, Salvador, Natal, Fortaleza, Limoeiro do Norte, Itamaracá,
Garanhuns, citando apenas alguns dos locais por onde tem
passado. Os trabalhos se espalham em muitos países, como
França, Espanha, Suíça, Portugal.
No Recife, em 1990, quando ainda nem tinha um nome
consolidado no cenário nacional, participou do I Festival de
Cantadores de Praia do Nordeste, na praia de Boa Viagem. Em
1997, o festival recifense Abril pro Rock ajudou-a a deslanchar a
fama. Nesse mesmo ano, a Câmara de Vereadores concedeu-lhe
Netas fazem backing vocal do grupo.
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o título de cidadã olindense em reconhecimento à artista que
mora naquela cidade desde o final da década de 1950. O carnaval
pernambucano de 1998 ficou marcado pelo sucesso da música
A rolinha, gravada em Berlim, Alemanha, no estúdio Ufa Fabrik,
entre agosto e outubro de 1997, para o disco Cultura viva. E o
refrão Pega, pega a minha rola reinou quase absoluto naquela
folia. Em São Paulo, fez show no Instituto Itaú Cultural, no ano de
1998 e, na casa de espetáculos Tom Brasil, apresentou-se em 1999
com a banda de pífanos de Caruaru e Zeca Baleiro. Em 2006,
volta a se apresentar no Itaú Cultural. Recebeu a comenda 2007
“Ordem do Mérito Cultural”, diploma concedido pelo Presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Dos vários CDs produzidos, foi com Minha história, gravado
na Alemanha e depois lançado pela Paradoxx em 1998, que
conquistou o Prêmio Sharp de 1999, concedido à música de
mesmo título do disco. Há, ainda, na discografia, Coco de roda,
o elogio da festa, gravado ao vivo em Olinda, em 1996, que,
após masterização na Bélgica, ficou pronto em 1999. Em 2000,
o filho Zezinho fez a produção geral e direção musical do disco
Jangadeiro. Outro trabalho é Raízes da cultura, gravado em Olinda
e lançado em 2003. Dona Selma: Bodas de ouro em coco, com
faixa multimídia, foi gravado e produzido entre 2008 e 2009.
Há, ainda, a registrar, a participação em várias coletâneas. Todos
os discos são independentes, e sempre sob a coordenação do
incansável Zezinho, à época o único filho vivo, lamentavelmente
falecido em abril de 2010.Pris
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que há por trás de um nome? Teatro Experimental de Arte
é o nome que resume toda uma vida dedicada às artes
cênicas e à formação de jovens e estudantes. Sociedade civil de
caráter puramente artístico cultural, é assim que se autodefine a
organização fundada em Caruaru, a 16 de julho de 1962, pela
pedagoga, atriz e encenadora Arary Marrocos Bezerra Pascoal
e pelo contador, ator e autor teatral Argemiro Pascoal, cuja
nomenclatura primeira – Movimento Teatral Renovador – foi
logo substituída pela atual, na ocasião da assembleia inaugural
para aprovação do estatuto. Ao lado de Arary e Argemiro, a
lista de fundadores inclui Antonio Paulino de Medeiros, Carlos
Fernandes da Silva, José Gustavo Córdula, Fernando Gomes de
Oliveira, Edvaldo Pereira de Castro, Antonio Silva, Margarida
Miranda, Maria José Bezerra, Abias Amorim, Paulo Roberto e
Sá, Maria Ezinete de Melo, Inácio Tavares e Jonas Mendonça.
Filiado à Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape), o TEA é
considerado, por lei municipal, um órgão de utilidade pública.
Quando Argemiro se muda de Bezerros para Caruaru, em 1951,
de modo intermitente atuava na cidade o Grupo Intermunicipal
de Comédia, com a participação dos atores Rui Rosal, Joel Pontes,
Pedro Valença. Em 1956, o declarado apreciador da linguagem
cênica decide fundar o Teatro de Amadores de Caruaru (TAC),
com Cosme Soares, Creuza Soares, Antônio Medeiros e Wilson
Feitosa. Entretanto, é em julho de 1962, ocasião em que a
cidade recebe o I Festival de Teatro de Estudantes do Nordeste,
coordenado por Joel Pontes, caruaruense radicado no Recife,
que surge o TEA, justamente a partir da breve, mas instigante,
experiência e da constatação de que algo precisava ser feito
quanto à cena teatral local.
Marcado pela ininterrupta atuação no agreste pernambucano,
o grupo é o criador do Festival de Teatro Amador e Estudantil
do Agreste (Feteag), promovido desde 1988, e do Festival de
Teatro do Estudante de Pernambuco (Festep), que acontece a
partir de 2002. Tais eventos contam com a participação de alunos
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Peça Teatral "A Hora Marcada" de Isaac Gondim Com Arari sentada ao fundo da foto e Argemiro Pascoal, atrás da personagem central ao fundo da foto.
Peça teatral "A Derradeira Ceia" de Luiz Marinho, 1970, com o ator Argemiro Pascoal, atuando como o Soldado.
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São José do Rio Preto, em São Paulo; Feira de Santana e Salvador,
na Bahia; São Cristóvão, em Sergipe; Maceió, em Alagoas;
João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba; Recife, Garanhuns,
de colégios privados e escolas públicas municipais e estaduais
daquela região, visto que um dos principais objetivos do grupo é
exatamente contribuir com o desenvolvimento de jovens talentos e
promover intercâmbios artísticos mediante a promoção de festivais
e mostras de artes cênicas. Outro importante projeto é o Teatro na
Comunidade, que consiste em apresentar espetáculos populares
em palco ou praças públicas da cidade e zona rural, inclusive
promovendo debate acerca de questões de interesse das próprias
comunidades.
Construída com recursos próprios, a sede fica no bairro de
Indianópolis. Chama-se Teatro Lício Neves, em tributo ao poeta
pernambucano. Anualmente, são oferecidas oficinas de iniciação
teatral, ministradas por Arary Marrocos, Jô Albuquerque, José Carlos
da Silva e Carlos Alves, sob a coordenação de Argemiro Pascoal. O
TEA é considerado um dos principais responsáveis pela renovação
da cena teatral do interior do estado. Além de já haver encenado
diversos textos de qualidade inquestionável, tais como A bruxinha
que era boa, O Baile do Menino Deus, Cancão de fogo, Morte e vida
severina, e os clássicos Antígona, Romeu e Julieta, A metamorfose,
entre os anos de 1967 e 1979 o grupo registrou participação
contínua no espetáculo da Paixão de Cristo, em Fazenda Nova. O
primeiro seminário do teatro de Caruaru foi promovido pelo TEA.
Desde a fundação, mais de 50 espetáculos foram encenados pelo
grupo que, inclusive, vem acompanhando o despertar de novos
talentos, a exemplo do premiado teatrólogo Vital Santos.
Sede do TEA, em Caruaru.
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Argemiro Pascoal, in memoriam.
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Arary Marrocos.
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Serra Talhada, Arcoverde, São José do Egito, Bonito, Limoeiro,
Pesqueira, Belo Jardim e Gravatá, em Pernambuco, são algumas
das cidades nas quais o grupo participou de festivais, mostras de
teatro e com as quais estabeleceu intercâmbio cultural. Ao longo
de todas essas décadas, o TEA se ocupa, igualmente, em promover
palestras, debates, seminários, simpósios. Diversos cursos têm
sido ministrados por importantes profissionais da cena teatral
e das artes, a exemplo de Clênio Wanderley, Marco Camarotti,
Luiz Maurício Carvalheira, Isaac Gondim Filho, Didha Pereira,
Rubem Rocha Filho, Romildo Moreira, Ivan Brandão, Valdeck de
Garanhuns, Roberto Benjamin, José Manoel, Zélia Sales, José
Francisco Filho, Feliciano Félix, Ivonete Melo, Valdi Coutinho,
Antonio Miranda Cavalcanti, José Soares da Silva (poeta e xilógrafo
Dila), ceramista Manoel Galdino, Vavá Paulino, Jorge Clésio, Joel
Pontes, Luiz Marinho Filho.
Obstinação: este é o motor que move o casal cheio de amor pelas
artes cênicas. O que resulta daí são as muitas trajetórias artísticas
que vêm ganhando o mundo, com a decisiva colaboração de Arary
e Argemiro.
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Atual elenco do TEA, 2014.
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onumental, com quase dois metros, a escultura guarda a casa,
imperturbável e acolhedora. É o Rei Canindé, o encantado que
livra de todos os embaraços e semeia o ânimo. É ele quem comanda
“a famosa Tribo Canindé do Recife, a campeonísssima do Carnaval”
e razão de viver de Juracy Simões, a se desmanchar em alegria
e lágrimas sempre que convidada a discorrer sobre o grupo de
caboclinhos, do qual é presidente e herdeira por tradição de família.
Praticamente desde os primórdios, pai e tios de Juracy comandaram
a agremiação carnavalesca, vinculada ao culto da jurema.
Sabe-se pela história oral que, na antiga Rua das Jangadas, no
bairro de Afogados, alguém conhecido por Elesbão ou “Libão”,
com a ajuda de um amigo, identificado apenas como Eduardo,
decidiu criar um grupo de caboclinhos. Ambos eram estivadores. A
data de fundação é 5 de março de 1897, e uma característica do
grupo, inicialmente denominado “Príncipe do Rio do Rei Canindé”,
era a participação exclusiva de curumins ou crianças. Em 1909,
quando passa a ser conduzido por Manuel Batista da Silva, ou
Manuel Rufino, a agremiação começa a aceitar a presença de
adultos (apenas homens), transfere-se para a Bomba do Hemetério,
bairro onde está ainda hoje, e a denominação muda para Canindé
do Recife.
Em 20 de fevereiro de 1957, sob a direção de José Silva Araújo,
o estatuto é registrado com o nome Club Indígena Canindé,
embora a brincadeira fosse conhecida por Tribo Canindé do Recife.
Poucos anos depois, dois irmãos de Rufino – Miguel e Severino
Batista da Silva – tomam a frente do grupo e é Severino quem
passa a comandá-lo. Tratado entre os colegas por “Criança” e em
família como “Bibiano”, Severino assume a missão de conduzir
o brinquedo, sem perder de vista a íntima relação com a jurema
sagrada. O símbolo do grupo é um índio com arco e flecha. As
cores oficiais são o vermelho e o branco. Desde essa época, década
de 1950, registros orais dão conta da participação feminina, o que
terminou se transformando num diferencial em favor do sucesso
conquistado nas décadas seguintes.
Reprodução de fotografia do aniversário de 106 anos do Canindé:
na imagem, Juracy Simões, sentada, de blusa branca e óculos,
comemora com o grupo
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Estandarte da Tribo Canindé.
É o que testemunha e comprova a bisneta, neta e filha de
juremeiros Juracy Simões da Silva que, pela vida devotada aos
cabocolinhos, honra a filiação. Nascida no Recife, em 15 de julho
de 1945, o pai era o mestre carpinteiro Bibiano, ou Severino
Batista da Silva, e a mãe, Lucila Simões da Silva. Guardiã das
tradições religiosas da família e do caboclinho, Juracy vive imersa
no grupo desde que nasceu, e coordena, de fato, todas as
atividades desde 1985, quando o pai, por problemas de saúde,
fica impossibilitado de atuar no comando da agremiação. Em
1994, com o falecimento de Bibiano, funcionário da Prefeitura do
Recife, a única filha assume oficialmente a presidência, tornando-
se a primeira mulher a presidir um caboclinho, alçando, portanto,
à condição de destaque na história do carnaval do Recife, em
decorrência tanto desse pioneirismo quanto da marcante liderança.
A mãe, Lucila, devotada à jurema, enquanto tem saúde segue
colaborando na empreitada da filha. Falece em 2006.
Totalmente familiarizada com o cotidiano da Tribo Canindé,
Juracy conhece não apenas histórias da formação do grupo, mas,
sobretudo, a maneira como se desenvolviam as apresentações.
Para cada toque, ela sabe cantar e recitar as linhas, os pontos de
caboclo, as loas que vêm sendo excluídas do repertório devido
à exiguidade de tempo nas exibições públicas. Relembra, ainda,
que, na infância e adolescência, via e ouvia muito mais do que se
oferece hoje nas performances da tribo. Executado pelos caboclos
homens e por algumas caboclas, o característico e rápido bater de
flechas do grupo – a exemplo da guerra de uma, de duas e de três
–, declara Juracy que só o Canindé faz. Ao som do terno ou dos
caboclos do baque – gaita, tarol e maracaxá, aliados à batida seca
das preacas (arco e flecha) dos caboclos –, os toques ou gêneros
musicais executados são guerra, perré, baião, toré ou macumba,
sob os quais se apresentam bandeirista, casal de caciques, os
puxantes Jupi e Agaci, dois perós, dois cordões de curumins, dois
cordões de caboclos e caboclas, o rei e a rainha. São eles que
exibem a beleza das fantasias, a cadência do ritmo frenético da
percussão e sopro, a leveza dos corpos ágeis a exibir aeróbico
bailado.
Preocupada com a transmissão da memória do Canindé, sobretudo
direcionada aos jovens, Juracy tem promovido oficinas de
confecção de figurinos, de dança e de música, auxiliada por Dado,
ou Ednaldo Manuel dos Santos, um dos brincantes mais antigos e
uma espécie de show-man, que ocupa a função do puxante Jupi.
Zelosa quanto às características do Canindé, Juracy cuida para que
as fantasias tenham bordados primorosos, tenham vistosas plumas
e penas de ave, e que as manobras ou danças sejam executadas
Encontro de Caboclinhos, semana pré-carnavalesca, Recife 2010
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com vivacidade, exuberância. Os ensaios ou treinos, momentos
preciosos de interação e aprendizagem, acontecem sempre
defronte da sede, e sempre na noite dos domingos, a partir do
mês de julho, estendendo-se à semana pré-carnavalesca. Há,
tradicionalmente, em todos os eventos e reuniões da agremiação,
principalmente nas semanas anteriores ao Carnaval, uma mesa
de frutas, oferenda aos encantados, das quais se servem os
brincantes, ao final.
Certamente esse rito propiciatório abre caminhos. O Canindé
esmera-se em todos os quesitos, sempre atraindo olhares
admirados. Em 1960, Bibiano levou o grupo a se apresentar em
Brasília, durante a inauguração do Sesi. Sem jamais perder a
realeza, foi campeão nove vezes consecutivas, de 1996 a 2004,
no concurso de agremiações do carnaval do Recife. Em 2003,
a TV Viva produziu o documentário Três rainhas e um reinado
de Momo, em que são apresentadas mulheres no comando de
agremiações, entre elas a carismática Juracy. O primeiro registro
fonográfico do secular caboclinho – No traçado do guerreiro – é de
2005, realizado pelo músico e produtor cultural Adriano Araújo.
Graças à importância do tradicional caboclinho – inclusive este era
um dos grupos carnavalescos já existentes à época de fundação da
Federação Carnavalesca de Pernambuco (1935) –, a Prefeitura do
Recife promoveu a exposição comemorativa Canindé: 110 anos de
resistência, realizada entre 13 de abril e 1º de maio de 2007, na
Casa do Carnaval, Pátio de São Pedro.
Concorrendo a edital público do Ministério da Cultura, Canindé
conquista, no ano seguinte, o Prêmio Culturas Populares 2008
– Mestre Humberto de Maracanã. Em 2009, sai o Batuque Book
Cabocolinho, de Climério Santos e Tarcísio Resende, com textos,
fotos, partituras, mais a gravação de sete faixas de áudio e faixa
multimídia dedicadas ao Canindé. Sem perder de vista a cidade tão
linda e os caminhos distantes de um reino encantado, em fevereiro
de 2010 o caboclinho foi homenageado na abertura do carnaval
do Recife, juntamente ao centenário maracatu Estrela Brilhante
de Igarassu. Com a firmeza própria do temperamento de Juracy,
sete caboclos flechando e a devida proteção do rei, as demandas
vão se desmanchando e a tribo resplandece. Salve o Rei Canindé
na Jurema, mestre que garante essa Nação. Quem for Canindé,
sustente o penacho: este é um rio que não deixará de correr, o rio
do Rei Canindé.
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ma estrela para nos guiar, canta a loa. Uma Nação muita
antiga, vinda da África para morar em Igarassu. É o que
pronuncia a voz firme de Olga e Gilmar, encantando nossos
ouvidos com as toadas herdadas dos antepassados. Pela voz deles
remontamos aos avós e pais da centenária dona Mariu, chegamos
ao tempo presente, aos seguidores de um baque triunfante a
iluminar toda a família. Se fosse para seguir uma das versões da
história oral relacionada ao grupo, 1730 poderia ter sido o início.
Entretanto, a data oficializada é 8 de dezembro de 1824. O local
era Vila Velha, em Itamaracá, à época pertencente a Igarassu. De
lá, os antepassados do maracatu migraram para o Alto do Rosário.
Mas da cidade de Igarassu o grupo não saiu e é a antiga Rua do
Rosário, no sítio histórico, quem testemunha, há décadas, o canto,
a dança e o batuque de descendentes de escravos. Às mulheres
cabe a dança, os homens ficam com a percussão.
Olga de Santana Batista, filha de dona Mariu, agora é a matriarca,
guardiã da tradição, desde que a mãe, centenária, faleceu em
2003. Olga, nascida em Igarassu a 28 de fevereiro de 1939,
começou a brincar aos 10 anos, como rainha, e com o pai também
brincava cavalo-marinho e fandango. Auxiliada pelo filho caçula,
mestre Gilmar, é com firmeza que os dois lideram rei, rainha,
vassalos, ministros, princesas, dama-regente, dama do paço, porta-
estandarte, porta-candeeiros, porta-símbolo, baianas, batuqueiros.
Gilmar de Santana Batista é o mestre dos batuqueiros. Rogério
Raimundo de Sousa, o contramestre. Gilberto de Santana Batista
é o porta-estandarte. Dona Rita, a dama-regente, é herdeira de
uma função – a de conduzir a calunga – que coube a dona Mariu
durante os anos todos em que participou da Nação.
Mariu, ou Maria Sérgia da Anunciação, nasceu no dia 8 de
dezembro de 1898 e morreu no dia 8 de outubro de 2003, na
mesma cidade – Igarassu. Sempre na função de dama-regente,
começou a participar do maracatu aos 12 anos. O apego a “dona
Emília”, a calunga de madeira feita pelo carpinteiro Minervino do
Ó, era tanto, que a boneca dormia com ela. Afinal, dona Emília é
Foto vencedora do Concurso de Fotografia Pernambuco Nação Cultural - 2008.
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Os componentes da agremiação.
quem manda, cantam as toadas do grupo fincado nas tradições
do candomblé, para quem a calunga – a evocar ancestrais e
orixás – desempenha primordial função de protetora do folguedo:
trata-se de um objeto ritual. O pai, João Francisco da Silva, passou
a liderança do maracatu para o marido de Mariu, Manoel Próximo
de Santana. O seu Neusa, como era conhecido Manoel, ficou
incumbido das funções de rei do maracatu e mestre do batuque.
A mãe de Maria Sérgia, dona Mariassu, morreu aos 115 anos.
Com o marido, era quem comandava o maracatu e costurava
manualmente as roupas do grupo. A filha Mariu, que chegou a
quase 105 anos, ganhou a festa “100 anos de uma rainha negra”,
organizada em dezembro de 1998 pela prefeitura de Igarassu. No
centenário, Sérgia relembrou, em entrevista concedida ao Jornal
do Commercio, em 6 de dezembro de 1998, que, no cortejo real,
havia antigamente os lanceiros, ou duas crianças que iam à frente
da corte fazendo a ordenança do rei e da rainha. Outra ausência,
lamentada ainda hoje por dona Olga, é a da calunga Joventina,
que não mais se encontra no acervo do grupo.
Os instrumentos utilizados no batuque tradicional do Estrela
Brilhante são zabumba (o mesmo que tambor ou alfaia), tarol
(ou caixa de guerra), mineiro (ou ganzá) e gonguê. Os tambores,
que antigamente eram feitos com barrica de transportar o peixe
bacalhau, agora talhados no tronco de macaíba, são tocados com
uma baqueta (ao invés de duas) e uma vareta ou galho de árvore,
chamado bacalhau, o que confere um toque diferenciado ao
baque do Estrela, “um suingue muito mais gostoso”, conforme
demonstra, orgulhoso, o mestre Gilmar, que puxa, entre
outras toadas, a seguinte: Toque o gonguê / toque o tambor
/ vem mineiro e caixa / foi o mestre que mandou. Os ensaios
tradicionalmente ocorrem a partir de setembro e se prolongam
até a semana pré-carnavalesca. E no período junino, os brincantes
também se divertem, mas é com o centenário samba de coco e o
banho ou “batismo” de São João pela madrugada do dia 24 de
junho.
Entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, o maracatu
passou quatro anos sem se apresentar, conforme registrado
numa reportagem do Diario de Pernambuco, em 11 de fevereiro
de 1982, intitulada: “Maracatu volta a desfilar”. Adiante, após
mais alguns anos desativado em decorrência do falecimento
de seu Neusa e da impossibilidade de locomoção de dona
Mariu, um grupo de estudiosos da Comissão Pernambucana de
Folclore, presidida pelo pesquisador Roberto Benjamin, realizou,
durante 1993, um levantamento das toadas e da história do
grupo e, assim, foi responsável pela retomada do grupo, em
janeiro de 1994. A seguir, o grupo não mais parou. Em 1997,
foi o homenageado do carnaval de Igarassu. No mesmo ano,
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Músicos: cantores e batuqueiros.
16mm, colorido, no projeto Som da Rua, intitulado Maracatu
Estrela Brilhante. Em 1998, dona Mariu ganhou destaque com o
aniversário de 100 anos, conforme mencionado acima.
O primeiro registro fonográfico aconteceu em 2003, com
gravação ao vivo e ao ar livre, resultando no CD Maracatu Estrela
Brilhante de Igarassu – 180 anos. No início de setembro de 2008,
o grupo viaja a Portugal, para participação no XII Festival Folclore
Internacional Alto Minho, em Viana do Castelo, cidade-irmã de
Igarassu, por esta ter sido fundada pelo capitão Afonso Gonçalves,
natural daquela cidade portuguesa. Ponto de Cultura Estrela
Para Todos desde 2008, o grupo passou a promover oficinas
de percussão e dança e colocou no ar uma home page, em três
línguas. Conquistou o Prêmio Culturas Populares 2008 – Mestre
Humberto de Maracanã, do Ministério da Cultura (Minc), com o
qual realizou a remasterização e reedição do CD comemorativo
aos 180 anos. Foi contemplado com o projeto Cine Mais Cultura
(Minc), edição 2008. O tradicional Coco de Olga também foi
contemplado com o Prêmio Culturas Populares 2009 – Edição
Mestra Dona Isabel. Em fevereiro de 2010, juntamente à
centenária Tribo Canindé do Recife, ganhou homenagem na
abertura do carnaval do Recife, no Marco Zero. Com tantas ações
importantes, com tantas vozes e loas bonitas, sustente o baque,
dona Emília, que o Estrela vai continuar!
Roberto Berliner dirigiu um documentário de três minutos, em
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Batuqueiros.
Catirinas, Batuqueiro, Estandarte, Dama do Paço, Rei e Rainha: Personagens do Maracatu.
Largo de Santa Cruz é testemunha: os acordes do arranjador,
compositor e maestro atiçam ouvidos e olhos em direção
ao sobrado de número 438, no bairro da Boa Vista. É ali onde
funciona a Escola de Frevos do Nordeste Maestro Nunes e aonde
o artista vai diariamente para compor, dar aulas, receber pessoas.
Vem da infância o gosto pela música: aos nove anos, tornou-se
clarinetista e já sabia orquestrar. Aos 12, compunha dobrados,
tocava num pastoril religioso. O pai, que era músico, pedreiro e
mestre de obras, não tinha tempo nem paciência para ensinar ao
filho e ainda queria enviá-lo para o seminário. Mas a criança, que
sonhava ser instrumentista, sempre chorava ao ver passar a banda
de música de Angélica, o povoado onde nasceu e viveu a infância.
Graças a Sebastião Luís, mestre da banda e amigo da família, o
garoto se livrou de ser padre e passou a receber aulas de iniciação
musical.
Filho do clarinetista e violonista José Francisco Nunes e de Maria
Apolônia Nunes, José Nunes de Souza é da cidade de Vicência,
Pernambuco, e a data de nascimento é 22 de junho de 1931. Em
1950, por problemas políticos relacionados ao pai – que perdeu o
cargo de diretor da Banda 1º de Novembro, do distrito de Angélica
–, muda-se com toda a família para o Recife, onde decidiu
aprimorar as habilidades musicais. Foi aluno do Conservatório
Pernambucano de Música (CPM). Estudou música sacra e regência
na Faculdade de Filosofia do Recife, em 1960. Cinco anos depois,
concluiu o curso de licenciatura em Belas Artes, pela UFPE.
Frequentou aulas de canto gregoriano e canto coral, harmonia,
regência, teoria e solfejo, contraponto, fuga e orquestração. O
principal orientador, conforme depoimento do próprio Maestro
Nunes, foi o professor Mário Câncio Justo dos Santos, além do
padre Jaime Diniz. No rol dos principais mestres, com quem
aprendeu grandes lições, situa Capiba, Nelson Ferreira e Zumba.
Quando fala da formação musical, o maestro ressalta a
importância de ter estudado os períodos barroco, clássico e
romântico da música ocidental, dos quais os artistas preferidos
são Bach e Beethoven. Com formação política de esquerda,
filiou-se desde jovem ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
engajando-se no Movimento de Cultura Popular (MCP), o que lhe
rendeu perseguição política e afastamento da Banda Municipal
do Recife (BMR), no início da década de 1960. Havia assumido
em 1958, por meio de concurso, o cargo de primeiro clarinetista
da BMR. Entretanto, continuou na militância apesar da censura
e da repressão, e as conquistas artísticas fizeram sobressair o
talento do compositor que, a partir dos anos 1970, foi campeão,
consecutivas vezes, na categoria “frevo de rua”, dos concursos
Leda de Carvalho, Frevança, Recifrevo. Entre as músicas premiadas
estão: Formigueiro, uma homenagem ao maestro Formiga, ou
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Maestro Nunes e seu instrumento.
Ademir Araújo; É de perder o sapato, relembrando o fato de
um músico ter perdido o sapato enquanto tocava na banda do
maestro, durante o desfile da troça carnavalesca mista O cachorro
do homem do miúdo; Mosquetão, em alusão a um colega que foi
baleado durante a ditadura; É de rasgar a camisa, dedicado à troça
Camisa Velha; Bomba-relógio, em parceria com Mário Orlando,
após a explosão de uma bomba, no Recife, durante a ditadura
militar. Interessante notar que o próprio maestro faz questão de
sempre registrar a gênese de cada criação musical.
Outras composições importantes, independentemente da
conquista de prêmios, há décadas têm-lhe rendido fama de “rei
do frevo de rua”, sobretudo o clássico Cabelo de fogo, feito para
um amigo, apelidado de Birino, que pintava os cabelos. Coquinho
no frevo, Fubica, Folhas que não caem, Santa, Ecos do Carnaval,
Balançando a pança, Segurando a peteca, entre tantos outros
célebres frevos, corroboram o talento do artista e enriquecem
o repertório de diversas agremiações carnavalescas, a exemplo
de Cachorro do Homem do Miúdo, Vassourinhas, Lenhadores,
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Girassol da Boa Vista, Lavadeiras de Areias, Amantes das Flores,
Pás Douradas, Beija-flor em Folia, Pão Duro, Seu Malaquias.
Compôs e gravou para os tradicionais clubes Leão e Camelo, do
carnaval de Vitória de Santo Antão.
Em 1972, na condição de assessor musical da Federação
Carnavalesca de Pernambuco, abriu a Escola Musical do Frevo,
destinada a crianças de baixa renda e aos filhos dos presidentes
das agremiações; e foi a partir desse ano que passou a ser o
principal e mais prolífico criador de frevo para os grupos foliões
pernambucanos. Em 1984, criou a Banda de Frevos do Nordeste.
Foi fundador do Centro de Educação Musical de Olinda (CEMO)
e regente da banda de música 10 de Agosto, da cidade de São
Lourenço da Mata. Integrou a banda de música do Liceu de Artes e
Ofícios, da Universidade Católica de Pernambuco; a Banda Manoel
do Óleo, da União Operária da Macaxeira; a Orquestra Cassino
Americano, da concorrida boate do Recife, à época. Antes de
transferir-se para a capital, Nunes foi músico da Euterpina Juvenil
Nazarena, a Capa Bode, de Nazaré da Mata.
Na discografia, os trabalhos mais recentes são os CDs Locomotiva
do frevo 1 e 2, de 2002, em que oferece a remasterização de
repertório dos vinis lançados desde 1975. O CD Maestro Nunes:
60 anos de frevo, feito em 2008, apresenta-se também em dois
volumes, um com frevo de rua e o outro com frevo-canção e frevo
de bloco. Em 2009, sai o CD Homenagem ao criador: Maestro
Nunes, o mestre do Cabelo de Fogo, em que todas as músicas
gravadas – frevos de rua – são de autoria dele. Possui valioso
acervo de mais de duas mil partituras musicais e, exatamente com
a proposta de preservar tais preciosidades, conquistou o Prêmio
Culturas Populares 2007 – Maestro Duda, 100 anos de frevo,
concedido pelo Ministério da Cultura (Minc). Nesse mesmo ano, foi
o homenageado do carnaval do Recife.
Além da prolífica produção de frevos, o maestro compõe, ainda,
diversos outros gêneros: samba, bolero, rumba, forró. Mantém,
inclusive, a Banda Junina do Maestro Nunes, que interpreta
repertório próprio e dos mestres Luiz Gonzaga, Jackson do
Pandeiro, Zé Dantas, Humberto Teixeira. A coordenação da
agenda e das produções do maestro compete à compositora e
musicista Fátima Lapenda. Em meio ao processo criativo, entre
shows, gravações e aulas, o maestro Nunes faz questão de estar
sempre engajado em trabalhos comunitários, ministrando oficinas
a crianças e jovens, de comunidades dos bairros dos Coelhos e
Ilha do Leite, entre outros. Professor de maestros celebrados, a
exemplo de Spok e Forró, Nunes continua incansável na missão
de descobrir e incentivar novos talentos. Vida longa ao centenário
frevo, assim seja!
Reprodução de fotografia antiga do acervo do maestro.
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Maestro Duda e Maestro Nunes durante apresentação em 2010.
Musa Euterpe, aquela que sabe agradar, desde muito espalha
melodias em Nazaré da Mata. Os ouvidos da cidade, cheios
de música, deliciam-se com alvorada, tocata de natal, com as
retretas de ano novo, carnaval. A dona da música assim orquestra
memórias afetivas, habita a história, percorre o imaginário coletivo
pelas artes da centenária Euterpina Nazarena. O renome vem de
longínqua data, século XIX. Passeios, saraus, danças estão na
gênese da sociedade musical, cheia de frescor desde o princípio,
que rapidamente conquista simpatia e fama. O Recreio Juvenil
Nazareno, fundado em 1886, é a origem de tudo: a partir desse
clube de lazer a associação foi criada em 1º de janeiro de 1888,
constituída por jovens comerciários, sob a regência do Mestre João
Tomé. E, como acontece às filarmônicas no interior, plena
vitalidade quer dizer compor cenas urbanas, conduzir celebrações
e formas de expressão das mais festivas às mais pesarosas.
Enterros, folguedos, troças, cavalhadas, noites de maio, novena à
padroeira, festas de São João, aí sempre correm todos à rua pra
ver a orquestra passar, segundo bem registrou a poeta e cronista
nazarena, Clélia Raposo. O poeta Mauro Mota, que foi orador
desta filarmônica e viveu a infância na cidade, homenageia-a com
o poema "Valsinha da banda de música municipal", assim
iniciado:
Música da Banda Euterpina
Juvenil de
Nazaré da Mata
tocando ao
luar de prata.
(O seresteiro
achando a rima
da serenata.)
Cheia de histórias interessantes, contemporânea do Grêmio
Musical 22 de Novembro – a então aclamada Cabeluda – eis que a
Euterpina Juvenil Comercial Nazarena se estabelece na condição
de rival à altura e, no mesmo ano de fundação, ganha todos os
aplausos na missa solene da padroeira, Nossa Senhora da
Conceição, dia 8 de dezembro. E isto foi apenas o início. Na
cronologia do grupo, que abandona a seguir o designativo
"comercial", ilustres ouvidos se deleitam com o repertório.
Quando realizou dois comícios no distrito eleitoral de Nazaré, o
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O maestro João Paulo a frente do ensaio da Euterpina Juvenil.
abolicionista Joaquim Nabuco foi saudado com composições de
Heitor Villa-Lobos, Carlos Gomes, Beethoven, Verdi, executadas
por hábeis instrumentistas da Euterpina. Em junho de 1906, na
cidade de Carpina, tocou o dobrado Águia da Mantiqueira para o
então presidente da República, Afonso Pena, composto
especialmente para homenageá-lo. No final de 1908, a Euterpina
integrou as festividades de posse, no governo estadual, do
nazareno Herculano Bandeira. Ex-senador e duas vezes prefeito
da cidade, o político nomeia a praça, no centro da cidade, onde
fica a sede da banda.
Quando começou, a sociedade ganhou um apelido: Capa-Bode. A
motivação para a escolha é controversa. Pelo menos três histórias
tentam justificá-lo. Uma delas diz que os sócios fundadores
frequentemente se reuniam para comer buchada de bode castrado.
Outra dá conta de um costume antigo, que era o hábito de desfilar
acompanhada de mascote. Fala-se que a Euterpina era guiada por
um bode, chamado Elamir ou Alamir, doação do sócio Joaquim
Coutinho Maranhão. A terceira variante registra que certo grupo
visitou Nazaré para conceder diploma de sócio benemérito a João
Hermógenes, comerciante cujo apelido era Capa-Bode. Como o
fardamento de ambas as filarmônicas era parecido, também a
Euterpina passou a ser tratada por este nome-fantasia. Essas, as
versões que circulam oralmente. No entanto, em meio a
documentos colecionados pela secular nazarena, consta artigo do
pesquisador Evandro Rabello, escrito em comemoração ao
centenário da sociedade musical, em 1988, comentando que a
recifense Banda Matias Lima, com sede no Pátio do Livramento,
tinha o apelido de Capa-Bode. Havia, ainda, vinculada a ela uma
agremiação carnavalesca chamada Clube Capa-Bode, cujos foliões
saíam pelas ruas da capital pernambucana trajados à portuguesa.
Rabello acrescenta outra informação importante: a Capa-Bode do
Recife Antigo andou excursionando por várias cidades do interior,
inclusive Nazaré da Mata.
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Sobre os destacados músicos que a integraram, há o regente
pernambucano José Lourenço da Silva, ou Capitão Zuzinha,
compositor que está para o frevo de rua assim como Donga está
para o samba. Houve, ainda, Lourenço Tomás da Silva, irmão do
Capitão Zuzinha; Manoel Martins de Morais, que dá nome à sala de
instrumentos, inaugurada em 1985 na sede; os maestros e irmãos
José Jandir Penaforte de Oliveira e Josaphat Penaforte de Oliveira.
Jandir se destacou como maestro e professor, enquanto o irmão
Josaphat ganhou reconhecimento como compositor de sinfonia,
frevo, dobrado, valsa, fox, maracatu, coco de salão. O maestro
Severino Hermes comandou a retreta comemorativa ao centenário
da Capa-Bode, no dia 1º de janeiro de 1988, para uma platéia de
cerca de cinco mil pessoas, conforme registrou o Diario de
Pernambuco. Na ocasião, igualmente apresentou-se a Revoltosa,
conterrânea que sobrepôs o tributo à secular rivalidade. Euterpina
100 anos de música é o título da revista comemorativa então editada,
sob o patrocínio da Fundarpe. Entre as inúmeras apresentações em
que prestigiou diversas bandas marciais do interior, registram-se
homenagens ao sesquicentenário da Saboeira, de Goiana, em 1999;
ao centenário da Nova Euterpe, de Caruaru, e da Novo Século, de
Santa Cruz do Capibaribe.
O atual maestro é João Paulo Ferreira da Hora, conhecido como
"João Minuto", e é quem lidera os músicos profissionais e a escola
de iniciação. Assim, com os júbilos da Musa, a Euterpina vai
seguindo, vibrante, como em serenata, pelas ruas de Nazaré da
Mata, achando antigas e novas rimas para o luar de prata.
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aldemir de Souza Ferreira, quarto zagueiro canhoto na perna
e destro na mão, foi do Santa, do Vovozinha, do Íbis. E por
causa do jogador Didi, da seleção brasileira campeã na Copa do
Mundo de 1958, na Suécia, ganhou o apelido. Apaixonado por
futebol, a paixão maior que entretanto se firmou, para nunca mais
largá-lo, atende pelo nome de música. E mais especificamente
samba, pagode. A mãe, Erundina de Souza Ferreira, era cantora. O
pai, Elpídio de Souza Ferreira, tocava violão, integrava um grupo
musical de violonistas. O próprio Didi, no entanto, criado em
ambiente musical, no bairro recifense de Caxangá, zona oeste da
cidade, somente aos 38 anos escolhe dedicar-se exclusivamente à
profissão artística. Antes disso, foi gerente de casas de show,
almoxarife, datilógrafo, auxiliar de escritório até finalmente decidir
inaugurar no centro do Recife, em 1981, o Bar do Didi, e, dois
anos depois, 1983, transformá-lo no aclamado reduto de
pagodeiros e sambistas, o Pagode do Didi.
"Quartel-general do samba na terra do frevo", o pagode oferece
ambiente para rodas de samba ao ar livre, de quinta a sábado, e,
que, em outras temporadas, chega a realizar-se de segunda a
sábado, ou seja, quase todos os dias da semana. Acolhedor, o
dono do estabelecimento recebe os pagodeiros com violão,
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Dos tempos de jogador de futebol, em 1969.
Em frente a sede de seu bar, o Pagode do Didi.
pandeiro, reco-reco, cavaquinho: quem vai chegando vai cuidando
de pegar algum instrumento e, pronto, está feita a roda de
bambas. Muitos são os artistas e grupos tarimbados que passaram
e adoram passar por ali. A casa já recebeu Bezerra da Silva,
Jovelina Pérola Negra, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Leci
Brandão e grupos de pagode famosos nos anos 1990, como o
Exaltasamba e o Art Popular. No disco Cacique de Ramos, o Fundo
de Quintal rende homenagem ao tradicional reduto, com a música
Pagode do Didi. Arlindo Cruz, Bira do Cavaco, Sereno, Ademir
Bateria, Almir Guineto, Gera da Vila Isabel, Só pra contrariar,
Grupo Raça, Negritude Júnior, Vanderson Martins, Samba Chic,
Raça Brasileira, Peninha, Wellington do Pandeiro fazem vibrar a
nata dos apreciadores do samba de raiz, das rodas de pagode, das
rodas de choro e samba.
É na rua Ulhôa Cintra, bairro de Santo Antônio, por trás da
movimentada avenida Guararapes, em pleno centro do Recife,
onde transborda de vibrações o reduto de amantes dessa boa
música bem brasileira. Quando tudo começou, Didi era professor
de violão e tinha um grupo de chorinho que se apresentava em
rodas de choro e seresta no mesmo local em que passou a
funcionar o pagode. Tal é a vibração do ambiente que o lugar se
firmou como ponto de convergência de amantes do ritmo e,
também por isso, endereço certo de profissionais em busca de
novos parceiros. No Pagode do Didi, por exemplo, o compositor
Belo Xis tem fisgado talentosos pagodeiros. Cheio de vitalidade, o
local se estabeleceu, enfim, como escola de pagode, escola onde
se aprende e se curte o samba de velha guarda lado a lado com
a produção mais recente de sambistas, chorões, pagodeiros.
Compositores, instrumentistas e intérpretes às vezes é ali que se
descobrem e são descobertos, inaugurando alianças artísticas,
estreando no mundo da música, atraindo as atenções de críticos
e produtores.
A história do pagode em Pernambuco passa obrigatoriamente por
este que é um dos mais famosos redutos do gênero musical.
Especialmente porque ao proprietário se credita considerável
parcela de estímulo à produção de artistas locais, às trocas culturas
com artistas de outras paragens, à criação e manutenção de
múltiplos espaços pernambucanos dedicados ao ritmo. Em terras
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Rodas de samba.
pernambucanas, onde empolgam os metais do frevo e os tambores
do maracatu, Didi ousa dizer, e com razão, que aqui também o
samba fez morada. Inúmeros pontos na capital protagonizam
encontro de sambista e pagodeiro, cujos grupos contabilizam
centenas, conforme enumera. A Terça Negra encontrou nesse
habitat as condições básicas para aflorar, firmando-se a seguir como
atração do Pátio de São Pedro. Os ritmistas das escolas de samba
contratam pagodeiros para os dias de carnaval. Os assíduos
compositores de pagode são às vezes os mesmos compositores de
samba-enredo das escolas de samba, e que, com frequência,
igualmente se dedicam a composições carnavalescas de frevo,
caboclinho, maracatu.
Na Zona Norte do Recife, estes ritmos pernambucanos explodem
com semelhante intensidade de ritmos outros, como o coco de
roda, a música de ursos e bois de carnaval, o hard core, o hip hop.
Por esses gêneros transita expressiva quantidade de sambistas que
passam frequentemente pelo Pagode do Didi, sustentando, com
talento poético movido pelo improviso e sem improviso, as rodas de
samba e de pagode, seja na base da crítica social, do lirismo, da
crônica urbana. E há suficiente espaço, naquele terreiro, para a
explosão criativa tanto quanto para a alegre expansão de
dançarinos cheios de ginga no corpo e no pé. A mais importante e
duradoura contribuição de Didi tem sido justamente essa celebração
da alegria, do poder da criação. Há três décadas consecutivas vem
formando músicos, criando condições para o desabrochar de
talentosos compositores, intérpretes, grupos: "e o poeta se deixa
levar por essa magia / e o verso vem vindo e vem vindo uma
melodia / e o povo começa a cantar la laia laiá".
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axofonista sapeca, este texto é seu: é para o arranjador, o
instrumentista, o regente, o diretor artístico, o compositor
prolífico, um dos grandes do Brasil, diversas vezes escolhido
melhor arranjador do Nordeste e um dos melhores do país, cujo
repertório criativo constitui-se de frevo, sinfonia, canção, choro,
samba e muito mais. Maestro Duda, ou José Ursicino da Silva, é da
cidade histórica de Goiana, Pernambuco, onde nasceu a 23 de
dezembro de 1935. Iniciou-se na música aos oito anos, na
condição de aluno do regente Alberto Aurélio de Carvalho,
passando, já a partir de então, a integrar a Saboeira, histórica
banda filarmônica daquela cidade, da qual era maestro o seu
professor, da qual participaram o pai e o avô. Começou tocando
trompa, depois clarinete, embora a preferência recaísse sobre o
piston. Talentoso, aos dez anos compõe o primeiro frevo, Furacão,
e desde o princípio da carreira vem obtendo destaque e
premiações. Aos 18 anos já trabalhava como arranjador e regente
de orquestra na capital pernambucana. A mais famosa obra de
Duda, conforme registra o Dicionário Cravo Albin de Música Popular
Brasileira, é a peça sinfônica Fantasia Carnavalesca, já gravada, entre
outras, pela Orquestra Sinfônica do Recife e Coral Ernani Braga.
Ano de 1950, participa da Jazz Band Acadêmica, liderada por
Capiba, e da Orquestra Paraguari, além de trabalhar na recifense
Rádio Jornal do Commercio. Quando é contratado para a
orquestra principal da TV Jornal, César Guerra Peixe era o maestro
e Clóvis Pereira, um dos músicos. Quando, na mesma década,
dirige o departamento de música da TV Jornal do Commercio,
assume as funções de músico, arranjador e maestro da orquestra
principal da emissora. Na década 1960 estudou regência e música
sacra na Escola de Artes da UFPE. Musicou trabalhos dirigidos por
Graça Melo, Lúcio Mauro e Wilson Valença. Passa a integrar a
Orquestra Sinfônica do Recife (OSR) em 1962, tocando oboé e
corne-inglês. Ano seguinte, 1963, cria orquestra de baile, e em
1967 assina contrato com a TV Bandeirantes, de São Paulo, onde
viveu três anos, e lá também trabalhou na TV Tupi. Ao voltar do
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Maestro Duda e seu saxofone soprano.
Sudeste em 1970, reassume participação na Orquestra Sinfônica do
Recife e assume, ainda, o cargo de professor-arranjador do
Conservatório Pernambucano de Música. O maestro foi, inclusive,
regente-arranjador e instrumentista da Orquestra Paraibana de
Música Popular. Em 1971 foi premiado com o frevo de rua Quinho,
e no mesmo ano cria uma orquestra carnavalesca, que passa a ser
sucessivamente premiada como a melhor do ano.
Na discografia de quem um dia foi assistente de Nelson Ferreira,
quatro volumes formam uma coleção de frevos de rua, lançados em
1999, sob o título Maestro Duda e Orquestra de frevo. Antes disso,
em 1997, participa do projeto Memória Brasileira, no CD,
Arranjadores, com a Suíte Nordestina, em regência própria. Nesta
composição, que tem sido executada por orquestras internacionais –
americana, japonesa, alemã – Duda se debruça sobre ritmos
nordestinos e, mais especificamente, pernambucanos, tais como
frevo, maracatu, oferecendo peça musical construída com apuro e
sensibilidade sobre bases da cultura tradicional do estado. É com o
referido projeto, coordenado pela Secretaria de Cultura do Estado
de São Paulo, que Duda é aclamado como um dos doze melhores
arranjadores do século XX. Compôs frevos que foram gravados por
Severino Araújo e Oscar Milani, da Orquestra Tabajara. Tem sambas
gravados por Jamelão. Composições para quintetos de sopro,
quintetos de metais, bandas e orquestras. Taradinho é o nome do
primeiro frevo gravado pela Jazz Band Acadêmica, sob o selo Harpa.
Pelo selo Mocambo, da recifense Rozenblit, Duda participou em
1962 da gravação do disco instrumental Velhos Sucessos em Bossa
Nova, tocando sax tenor, com Clóvis Pereira ao piano, nos arranjos
e direção musical.
Da prolífica obra, muitos são os destaques. Está no repertório de
orquestras e bandas sinfônicas, de bandas filarmônicas. Está em
mais de uma centena de discos, inclusive gravações internacionais.
Para cada filho compôs um frevo, montando a série de frevos
Familiar, dos quais Nino Pernambuquinho é o de maior sucesso.
Com o maracatu Homenagem à Princesa Isabel, obteve, em 1953,
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ou seja, antes de completar vinte anos, o segundo lugar no festival
de música carnavalesca promovido pela Câmara Municipal do
Recife. Era, então, arranjador e regente da Orquestra Paraguari. Em
1971, com o frevo de rua Quinho, vence festival de frevo da Rede
Tupi. Entre as principais obras, vários frevos de rua, suítes,
concertinos, fantasias. Sobressaem, entre outras, a Suíte Recife,
Suíte Pernambucana de Bolso, Suíte Nordestina; a Música para
Metais nº 1, a nº 2, a nº 3; Concertino para Trompete, Concertino
para Trombone; Fantasia Carnavalesca, Fantasia para Cinco
Trompetes. Entre os choros, compôs Trombonista Sapeca, Este é
seu, Este é para dançar. O repertório inclui, igualmente, valsa,
bolero, baião, xote, ciranda. A grande inspiração de Duda sempre
extrai sofisticada seiva das profundas raízes da rica musicalidade
brasileira, sobre cujos mistérios do ouvir o teatrólogo Peter Brook
escreve, em Os fios do tempo: vivem os maestros buscando
"harmonizar o corpo, a emoção e o pensamento. O esforço de
ensaiar e de apresentar-se exige deles todas essas partes – os seus
corpos como atletas ou dançarinos, os seus sentimentos como
cantores e amantes, as suas mentes como matemáticos e
pensadores – simultaneamente e em proporções iguais". Assim,
com ouvidos sensíveis, Duda se debruça sobre a tessitura, sobre o
brilho dos instrumentos, buscando a mais íntima e sensível
melopeia, compondo e regendo com a exuberância de gestos
precisos e expressivos, com a clareza de quem sabe conjugar
simplicidade e beleza, explosiva alegria e mansidão.
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Apresentação durante o carnaval de 2010.
poética do olhar transforma a vida em desejo de
contemplação e de ação criadora: assim os oleiros quando
modelam esculturas, representações de mundo; assim os
admiradores dessas obras quando contemplam e se extasiam com
mundos representados; assim Maria Amélia quando inventa
esculturas, sobretudo em torno de temas sacros, cujas faces se
voltam para o alto, fixando-se na imensidão cósmica. Certamente
as experiências afetivas de infância, imitando o pai oleiro,
acompanhando o dia a dia da cidade oleira, entranharam-se nas
vivências sensoriais particulares de Amélia frente ao mundo do
barro que, não por acaso, traz em si os quatro elementos da
natureza – terra, ar, fogo, água – e que, num amálgama mágico,
sensível, engendra bonecos, bichos, mitos, a própria vida, o cosmos.
Nascida em Tracunhaém, região canavieira da Zona da Mata
pernambucana, a pouco mais de 50 quilômetros do Recife, Maria
Amélia da Silva é do ano de 1923, mais precisamente do dia 18 de
abril. Até os anos 1980, partilhou experiências com escultores que
deixaram importante legado para a história das artes daquele
lugar, a exemplo de Severino de Tracunhaém, Antônia Leão,
Severina Batista e da família Vieira – Lídia Vieira, Antônia Vieira,
José Antônio Vieira. Aos oito anos Amélia já acompanhava a
produção cerâmica do pai, João Bezerra da Silva, louceiro
conhecido por José Dunde: “meu pai era um oleiro que conhecia
de tudo”. Primeiro foi orientada a alisar as panelas que ele
modelava. Ao mesmo tempo, menina naturalmente irrequieta,
foi instigada a modelar bichinhos, panelinhas, brinquedinhos
para consumo próprio e para transformar nuns trocadinhos nas
feiras da redondeza.
Com a exuberância da força criadora, Maria Amélia constrói uma
plasticidade singular, possibilitando identificar a assinatura da
artista: “meu trabalho é todo na mão”. E o olhar de cada boneco
de barro é um desses vórtices de singularidade e impulso de
clarividência, de expansão cósmica, como bem refere, no livro A
poética do devaneio, o filósofo francês Gaston Bachelard: "o olhar
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Detalhes da produção da artista.
é um princípio cósmico (...) quantos textos não poderíamos citar
que afirmam ser o olho um centro de luz, um pequenino sol
humano que projeta a sua luz sobre o objeto observado, bem
observado, numa vontade de ver claramente!" Assim, a artista,
com sensibilidade, modela a existência em alquímicas combinações
criativas dos elementos vitais – terra e céu, fogo e água. E, movida
pela modéstia, pela reverência paterna, declara considerar a
própria arte como uma espécie de missão herdada do pai e
escolhe incluir o fazer artístico pessoal na categoria de artesanato,
como se fosse excessivo qualificar-se a si mesma com o que
considera estabelecido num patamar superior.
Rainha do Céu, São Francisco, São João do Carneirinho, São José,
São Pedro, Santa Luzia são alguns dos santos católicos recorrentes
na obra de Maria Amélia. O repertório é mais amplo, claro, mas os
elementos que o compõem ajudam a identificar o conjunto da
obra, seja no panejamento do vestuário, seja nos detalhes das
incisões em florais e variadas texturas, seja na longa vestimenta
que deixa à mostra apenas as mãos, o rosto, às vezes apenas parte
do cabelo, os dedos dos pés. As figuras que, no percurso criativo
da ceramista, eram sempre bojudas, arredondadas, ganham ares
mais longilíneos a partir da parceria que estabelece com o filho
Ricardo Félix da Silva. Nos primórdios da carreira, bichos, carrancas
e bonecos de variedade temática conviviam com os santos,
entretanto estes foram os que mais contribuíram para consolidar a
fama da artista por todo o país e fora dele.
Talvez esta preferência se explique, de alguma maneira, pelo
princípio cósmico que rege a vitalidade e ancestralidade das artes
cerâmicas. O certo é que a grande alegria de Maria Amélia
consiste na feitura da Rainha do Céu, catolicamente traduzida por
Nossa Senhora, miticamente traduzida pelas deusas todas de
variadas religiões e mitologias. O aspecto mais comovente dessa
escultura é a cumplicidade estabelecida entre o céu e a terra, por
meio de um detalhe recorrente: a cabeça e o olhar sempre
voltados para o alto, como que a suplicar proteção, inspiração,
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Maria Amélia, ao fundo: as peças de São João e a Rainha do Céu.
força, vigor; como que a intermediar e facilitar o fluxo entre céu
e terra, entre fogo e água. Sábia e intuitivamente, a artista elege
o traço mais poderoso e representativo da própria obra, que é
este princípio vital feminino a conduzir, a manejar, a mediar as
forças da natureza.
Ao debruçar-se sobre múltiplas mitologias, Lévi-Strauss, no livro A
oleira ciumenta, interpreta ser a olaria motivo de combate
cósmico: conflito entre as potências de cima e as potências de
baixo, representadas mitologicamente por grandes aves e
serpentes. "A ideia de que o oleiro ou a oleira, e os produtos da
sua indústria, têm um papel de mediadores entre as forças celestes
de um lado, e as terrestres, aquáticas ou ctonianas, por outro, faz
parte de uma cosmografia que não é exclusiva da América." É,
pois, Maria Amélia – possivelmente a mais antiga oleira
pernambucana em atividade – guardiã de segredos ancestrais,
inclusive de técnicas tradicionais de preparo, manejo e queima das
peças em forno a lenha. Modela manualmente uma a uma e
sempre opta pela cor natural do barro. Assim, em tudo o que faz
vai imprimindo a energia vital das próprias mãos, reverentes ao
impulso criador do cosmos e capazes de extasiar-se e extasiar-
nos a todos.
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canto do galo desperta os sentidos, acorda a alegria. O galo é
preto e explode em cores, cantando à vida com voz fluente e
sedutora, plena de carisma e modulações cromáticas. Foi assim
desde o princípio. E uma das primeiras testemunhas, fisgada
casualmente por este jogo sedutor, era "apenas" o poeta Ascenso
Ferreira, que, a partir da janela de casa, se sentiu completamente
rendido à graça do adolescente de 12 anos que gritava na rua o
seguinte pregão, de própria autoria: "Batata inglesa, quer hoje,
freguesa? / Não dá pra pobreza, só pra riqueza / É uma beleza
minha batata inglesa". O ano era 1947, quando Tomaz Aquino
Leão acabava de migrar para o Recife, e, “achado” por aquele
poeta atento e declaradamente apaixonado pela poesia popular,
de imediato é conduzido ao programa de Zil Matos, Divertimentos
Guararapes, na Rádio Clube de Pernambuco. “Comecei já
prestando um serviço, sem saber, a Pernambuco e à cultura de
Pernambuco”, isto é o que compreende hoje o poeta improvisador,
que naquelas circunstâncias inaugurava trajeto de fama pelas artes
de poesia tradicional que desde os nove anos exercitava com
inteligência, talento e sagacidade: o coco improvisado.
Repentista, coquista, cantador, embolador, compositor. Variados
são os qualificativos e ainda maior é a poesia de Galo Preto, que
transita, à vontade, pelo repertório tradicional, pelos cânticos,
também tradicionais, da Jurema Sagrada, e por repertório autoral,
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Mestre Galo Preto com seu instrumento personalizado.
do samba de coco, de improviso ou não: “o cantador autêntico faz
a rima, faz o coco, e canta o coco que é dele”. Coco de roda, coco
brejeiro, coco praieiro, coco de embolada, coco sertanejo, coco de
umbigada, coco de parelha, coco de trupé integram o repertório
versátil do mestre, parceiro de artistas como Jackson do Pandeiro,
Fome, Luiz Boquinha, Ary Lobo, Coruja e seus Tangarás, Cauby
Peixoto, Arlindo dos Oito Baixos, Luiz Gonzaga, Jacinto Silva, Zé
Brown. Quando nasceu, em 8 de outubro de 1935, a localidade
de nascimento, Taquari, ou Quilombo da Rainha Isabel, na
cidade pernambucana de Bom Conselho, era tradicional reduto
de coco – a dança, o ritmo, o canto, a poesia, o repente, a rima.
Galo Preto, filho caçula de agricultores, nasce numa família de
poetas e já nasce irmão dos emboladores Curió e Preto Limão,
com os quais aprendeu o ofício pela convivência e observação:
“a família toda tem o dom”.
Na década 1950, foi garoto-propaganda de empresa
pernambucana, e, por isso, percorreu o Brasil cantando improvisos
para a então renomada fábrica de tecidos. Nos anos 1960, Galo
Preto e seu Trio de Ouro faziam shows apresentando repertório
bem pernambucano: embolada, ciranda, frevo. Em 1966, aparece
na TV Record, em programa de auditório gravado com Geraldo
Vandré. No ano de 1969, é o grande vencedor de festival de
repentistas organizado por Rubens Teixeira no Teatro Popular do
Nordeste (TPN), Recife, cabendo o segundo lugar ao irmão Curió.
Em 1970, apresenta-se no programa Fora de Série, de Flávio
Cavalcanti. No ano de 1971, fazia shows no restaurante Adega du
Bocage, Recife. E no final do mesmo ano participa de exibição de
caráter educativo – um "desafio amistoso" com Garoto de Ouro –
no Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, a convite do Ministério da
Educação e Cultura (MEC/RJ). Em 1979, vai ao programa do
Chacrinha. Na década 1980, mantém o Centro de Tradições
Pernambucanas, no bairro de Ouro Preto, Olinda, espaço cultural
próprio no qual promovia shows. Nos anos 1980, mais de uma vez
participa do Som Brasil, da TV Globo, cujo apresentador era o ator
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A vitalidade é uma das marcas do Mestre Galo Preto.
Lima Duarte. Em 1989, integra a campanha de Fernando Henrique
Cardoso para governador de São Paulo. “Final de 60 até a década
de 80 eu era o galo preto da história”, comenta, a propósito do
intenso percurso artístico, e, ainda assim, assegura: “sou um
mestre aprendiz”.
Reconhecido nacional e internacionalmente, Galo Preto, além de já
ter viajado por todo o país, foi à Europa, chegando a se apresentar
em Berlim, Alemanha, no Sabadão do Pagode. Integrou conjunto
musical em que o sanfoneiro era Arlindo Moita; o zabumbeiro,
Maurício da Zabumba, e Novinho da Paraíba tocava o triângulo.
Conquistou reconhecimento pela ampla atuação, inclusive com as
casas de shows que manteve entre 1973 e 1982. Na casa de
espetáculos Folclore do Minho, Recife, fazia shows ao vivo. Pisa na
Fulô era casa de forró em Olinda, onde Galo Preto era sócio
majoritário, apresentador e animador. Na beira-mar olindense de
Rio Doce, a Casa do Repentista Galo Preto consistia numa grande
sala de coco, em que o repertório também incluía forró, ciranda,
repente e frevo. Reverenciado pelo incontestável talento, o poeta
tem sido tema de filme, trabalho acadêmico, pesquisa, como o
livro O coco praieiro, de Altimar Pimentel, e o documentário Galo
Preto, o Menestrel do Coco, do cineasta Wilson Freire.
Recentemente lançou o disco Mestre Galo Preto: 65 anos de coco.
A cada apresentação, e também oficinas, entusiasma-se: “eu me
sinto bem em saber que aonde eu canto hoje os jovens gostam e
ficam querendo aprender”. Nos shows, partilha o palco com seis
pessoas, inclusive uma filha no back vocal. Entretanto, quem
chama mesmo a atenção de todos é ele, o mestre, porte elegante,
língua afiada, mente veloz.
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Maracatu Estrelade Ouro de Aliança Maracatu Estrelade Ouro de Aliança
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strela de Ouro, Aliança, Chã de Camará. Chã é campina,
terreno plano, planície. Da família das verbenas, camará, ou
cambará-de-jardim, lantana-cambará, camarazinho, é flor tropical,
flor em cachos que, agrupada em hastes aromáticas, desabrocha
pelos campos o ano inteiro, generosamente atraindo para si
abelhas, borboletas, insetos, pássaros. Multicoloridas, as flores de
camará preferem o sol pleno. Assim poeticamente, sobre
exuberante chão de flores, sob sol pleno – esta estrela de ouro –,
florescem, multicoloridos, deslumbrantes, folgazões do baque
solto, festejando os dias e as noites de carnaval e outras alegrias
desde 1º de janeiro de 1966, quando a família Batista inaugura
uma brincadeira cheia de brilho, o Maracatu de Baque Solto
Estrela de Ouro.
A história deste maracatu é uma história de tradição e resistência
cultural. Narrativa de amorosos obstinados, conta a história oral
que o folguedo remonta a 1882, sob o nome de Nação Maracatu
Cambinda Nova, originário de Santa Luzia, em Tupaóca, distrito de
Aliança, município geograficamente situado na Zona da Mata
Norte de Pernambuco e cuja subsistência dependia quase que
exclusivamente, desde o século XVI, da economia açucareira.
Severino Lourenço da Silva, o fundador do Estrela de Ouro, nasceu
ali, cresceu mergulhado nas expressões culturais lideradas pela
família e foi assim, pelos laços familiares, que aprendeu a cultivá-
las, sobretudo com o tio, José Batista, e com o avô, Antônio
Lourenço da Silva. A importância simbólica do grupo extrapola,
portanto, o que o segundo artigo da ata de fundação explicitava
naquele momento inaugural: "festejar os dias de carnaval e
promover festas para os sócios e admiradores".
Trabalhador rural, comerciante tropeiro, fiscal de campo,
comissário de polícia. Submetido à necessidade de sobreviver de
múltiplas maneiras, Severino Lourenço se estabelece em Chã de
Camará em 1965, após a morte de José Pereira, proprietário do
sítio e pai de criação da mulher, Sebastiana Maria da Silva. O local,
na rodovia PE-62, próximo à entrada do distrito de Upatininga,
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Caboclos de lança, símbolo máximo do Maracatu de Baque Solto.
mantinha um chalé avarandado e acolhedor, construído na década
1930, e ali foi morar o agricultor Severino Lourenço, com a mulher
e filhos. Assume o cargo de administrador do sítio e, um ano
depois, em 1966, cria o maracatu, acompanhado por mais quatro
fundadores, Sebastião Frei de Carvalho, Manoel Francisco de Lima,
Sebastiana Maria da Conceição e Luís Rosa da Silva. Líder da
brincadeira, Severino Lourenço passa a ser tratado, daí em diante,
por Mestre Batista, e o ambiente aglutinador dos integrantes do
brinquedo fica sendo o chalé e o amplo terreiro frontal, cenário
ainda hoje de grandes e festivos momentos do maracatu.
Filho único, Batista nasceu em 1934, em Aliança, e foi criado pela
mãe, tio e avós maternos. Funda o Maracatu Estrela de Ouro um
ano após a morte da mãe, pois a mesma não admitia vê-lo
transformado em folgazão, vê-lo envolvido em brincadeira à época
socialmente discriminada, ainda que liderada pela própria família.
Já tinha havido o antigo maracatu e havia ainda o cavalo-marinho,
heranças do tio e avô maternos. Neste contexto, o Estrela de Ouro,
agremiação carnavalesca, não chegava naquele momento como
invenção artística solitária. Folguedo enigmático, híbrido, o
maracatu de baque solto é originário da Mata Norte onde, ao lado
do cavalo-marinho, representava, então, uma das mais vigorosas
expressões da cultura tradicional. Além disso, a comunidade
também desfrutava de outras práticas arraigadas, como coco de
roda, coco de embolada, cantoria de viola, ciranda. O Estrela de
Ouro se firma, assim, por 25 anos entre as tradições do lugar, até
que morre Severino Lourenço, em 1991, e o grupo é quase
desativado. Poucos anos após, em 1995, o herdeiro da família
Batista, o filho José Lourenço da Silva, acompanhado de alguns
membros da comunidade, assume a liderança do maracatu,
reatando a tradição de família, e vai mais além, fundando o Coco
Popular de Aliança e a Ciranda Rosas de Ouro.
«Um leque de signos que, ao se abrir e fechar, nos deixa ver e
oculta, alternativamente, seu significado”. O maracatu de baque
solto é esse "leque de signos", no dizer do poeta Octavio Paz. A
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Zé Lourenço, atual presidente da agremiação.
Sede do Maracatu em Aliança.
elegância do brinquedo alia-se à complexidade de elementos
fundadores, personagens e ritos. O caboclo de lança é umas das
figuras centrais no folguedo, como o mestre de poesia é o grande
líder. Mestre Batista foi o primeiro mestre caboclo do novo
maracatu, e seguiu na função até 1990. Aprígio Gabriel, tocador
de viola, foi o primeiro poeta. Pouco depois, em 1969, o talentoso
José Bernardo Pessoa, conhecido por Zé Duda, passa a comandar o
apito e a poesia do maracatu. Quando fica afastado entre 1991 e
1997, outros mestres atuam no folguedo: Juriti, Cosmo Antônio,
João Júlio. Zé Duda, que nasceu em 1939, na pernambucana Buenos
Aires, desde 1950 é mestre de maracatu e mantém-se até hoje no
grupo, destacando-se pelas habilidades no improviso poético, as
quais o levaram a protagonizar nos anos 2000, com Jorge Mautner,
o disco e o documentário Maracatu Atômico Kaosnavial.
Integrando um dos núcleos de personagens – o cortejo real, o rei
da brincadeira é o babalorixá Pai Mário, que, mais do que se vestir
de realeza, cuida espiritualmente dos folgazões, com segredos
religiosos da Jurema, das linhas de caboclo, dos ritos propiciatórios
e atua diariamente no Centro Nossa Senhora da Conceição,
instalado vizinho à sede do brinquedo.
O maracatu, quando funcionou como Ponto de Cultura Estrela de
Ouro, pôde providenciar o restauro da casa-grande e instalar
estúdio de gravação, biblioteca, escola de informática. Pôde
gravar, em 2006, o primeiro CD, comemorativo aos 40 anos de
existência do grupo, e vem conseguindo realizar apresentações em
diversos estados e capitais do país, em países da Europa e das
Américas. Com o reconhecimento conquistado nos últimos anos,
têm surgido frequentes oportunidades de participação em
projetos, festivais e encontros, como o Festival Canavial, Festas de
Terreiro, Toques e Trocas, Maracatu Maracatuzeiros, como a
viagem que foi feita à cidade francesa de Murat, para um festival
de danças e músicas do mundo. Que "definição viva, estética e
não etnográfica da nossa arte popular", conforme reflete o
português Ernesto de Sousa, poderíamos propor a esta exuberante
expressão cultural? Compartilhando saberes com ciranda, coco,
cavalo-marinho, as flores de Camará conjugam canto, poesia,
dança, música, teatro, artes plásticas, artesanato, religião. No
êxtase criativo de maracatus, resplandece uma Estrela de Ouro,
alumiando o mundo com a cultura do baque solto. Carnaval,
paixão, alegria, arte.
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A preparação dos brincantes do mararacatu; pequena dama segurando a estrela, símbolo da agremiação, em apresentação no Marco Zero, Recife.
Associação MusicalEuterpina de TimbaúbaAssociação MusicalEuterpina de Timbaúba
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o reino da música e da memória, com todas as bênçãos da
Musa Euterpe, há quase um século brilha uma "deusa
estrelar": a Associação Musical Euterpina de Timbaúba. O poeta e
jornalista Balthazar de Oliveira presidiu a sessão solene de
fundação, a 9 de fevereiro de 1928. Dez meses depois, sob as
notas vibrantes de dobrados regidos pelo maestro Augusto
Rezende, sob os esforços e dedicada alegria dos professores José
Mendes da Silva e José Francisco Ribeiro, acontece a primeira
apresentação, daquela sociedade cujo nome José Mendes foi
quem propôs. Cultivar e desenvolver o gosto pelas artes da Musa
Euterpe é o que desde o princípio defende o estatuto da banda.
Tradição na cena cultural daquela cidade da Zona da Mata Norte
de Pernambuco, a filarmônica, que inicialmente se chamava
Sociedade Musical Euterpina Comercial de Timbaúba, por décadas
vem preenchendo com alegria e dignidade as ruas da antiga Vila
dos Mocós, nos mais variados momentos do calendário oficial e
não-oficial da comunidade. Por décadas, vem mantendo o firme
propósito, perante os associados, de "organizar recreios de várias
espécies, como sejam concertos, convescotes, passeios, retretas
etc., além de festas internas para diversões de seus associados".
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Foto da banda em 1997.
Momentos de recreio, de lazer, de festa, estes ritos de socialização
desdobram-se em múltiplas circunstâncias, de retumbante alegria
à mais profunda tristeza, e incluem a participação de históricos
personagens, como a do escritor Balthazar de Oliveira, pai do
pintor, escultor, ilustrador e poeta Montez Magno, e que depois
foi prefeito de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú. Retreta,
tocata, procissão, aniversário, funeral vêm garantindo à Euterpina
inscrição na memória coletiva da cidade e nas lembranças afetivas
de indivíduos e respectivos clãs familiares. E, seguindo o ritmo do
calendário, maio é tradicionalmente o mês das retretas. No
carnaval, apresenta-se como orquestra de frevo, como que
rendendo homenagens ao próprio aniversário, o dia nove de
fevereiro, em que também é celebrado o dia do frevo. Além das
músicas religiosas e carnavalescas, o repertório geral do grupo
compõe-se de bolero, valsa, choro, dobrados, ritmos tradicionais
pernambucanos e o que possa haver de mais pop e ousado na
cena musical, como Chico Science e o Maestro Forró. A oportuna
adequação do repertório vem funcionando como atrativo a
músicos e público jovens.
Ao divulgar históricas apresentações protagonizadas pela
filarmônica, o Timbaúba Jornal noticiou a audição de gala na Rádio
Tamandaré, Recife, em abril de 1954, quando foram "o maestro
Francisco Carneiro e os componentes da Euterpina delirantemente
aplaudidos por numerosa e seleta assistência". Esse regente, de
que fala a reportagem, é quem nomeia a Escola de Música Mestre
Carneiro, mantida para atender crianças, adolescentes e jovens em
processo de iniciação e profissionalização. E, aliás, é devido a essas
atividades pedagógicas que as filarmônicas se constituem em
verdadeiros conservatórios e, ainda, “equivalem às orquestras
sinfônicas das grandes metrópoles", conforme escreveu em artigo
o pesquisador Renan Pimenta, um dos grandes defensores das
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Detalhes dos instrumentos.
filarmônicas, articulador do Encontro de Bandas de Música da
Mata Norte e integrante da Federação de Bandas de Música de
Pernambuco, associação criada em 1996.
Mesmo conquistando tanto sucesso ao longo de décadas, a
Euterpina permaneceu inativa por quase trinta anos, entre 1962 e
1989, até que, no dia 2 de março de 1989, na sede do Lions Clube
de Timbaúba, um grupo de antigos admiradores – José Mário de
Albuquerque Rodrigues, Braz Coutinho Filho, Teófanes Martins,
Osvaldo Xavier Pedrosa, Ismael Vasconcelos, Nilson Neves Perrelli –
decidiu restaurar as atividades da associação, sob a presidência
deste último. Assim, após dois anos de preparativos e ensaios, a 31
de março de 1991 a Euterpina ressurge, exuberante, em alvorada
festiva e retreta com a participação de outros grupos tradicionais,
entre elas a Sociedade de Cultura Artística 22 de Novembro, de
Paudalho, a terceira mais antiga do Brasil e América Latina,
fundada em 1852; a centenária Sociedade Musical Comercial
Caruaruense, de 1900; a Filarmônica 28 de Junho, de Condado,
criada em 1905; a Sociedade de Cultura e Musical 1º de
Novembro, ou Pé-de-Cará, de Timbaúba (1922).
Retomar as atividades significou renovar antigas alegrias, e
igualmente acrescentar novas emoções, como aquela que, há
alguns anos, toda a cidade presenciou e a imprensa local registrou:
a execução do dobrado Sonhador, tocado em praça pública pelas
históricas rivais Euterpina e Pé-de-Cará, como se formassem uma
só orquestra, como se jamais tivesse havido renitente disputa entre
as duas aclamadas filarmônicas timbaubenses. Tal acontecimento,
extraordinário, foi noticiado pelo jornal A Província, em janeiro de
1997. Hoje, mantendo-se em contínua atividade desde a
retomada, mais de quarenta músicos atuam, sob a regência de
Josivânio Rique de Lima, Mestrim, e assim segue reinando a
Euterpina de Timbaúba, esta estrela de alegria, para júbilo até
mesmo da Musa Euterpe.
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evoltosos do Inferno: se o apelido guardava propósitos pouco
nobres, os fundadores, dissidentes da rival Euterpina,
alcançaram o que de mais louvável poderia haver. Com a
participação de músicos tarimbados criaram a Sociedade Musical 5
de Novembro, ou Revoltosa, estabelecendo mais uma interlocutora
para as pelejas musicais protagonizadas em Nazaré da Mata, com
o Grêmio Musical 22 de Novembro, popularmente conhecido
como Cabeluda, e a Euterpina Juvenil Nazarena, ou Capa-Bode,
ambos fundados no século XIX. Na gênese de tudo, já havia a
Cabeluda, que cuidava desde o cultivo de ouvidos afiados ao
preparo de virtuosos instrumentistas, desde a aprendizagem de
partituras à educação orquestral, sinfônica, até surgir a rival Capa-
Bode. As duas, que se enfrentavam em pelejas musicais, faziam a
cidade encher-se de alegria e vitalidade, e terminaram colaborando
para que mais uma banda se firmasse, desta vez no início do
século XX: assim nasceu a Revoltosa, fundada em Nazaré a 14 de
janeiro de 1915, tradicional desde o princípio.
O primeiro maestro líder dos revoltosos foi o regente Joquinha, ou
João Alves Cantalice, cujo nome é homenageado numa rua do
bairro do Sertãozinho. O primeiro presidente chamava-se Francisco
Salustiano Correia e a primeira apresentação, que aconteceu no
dia 5 de novembro do mesmo ano em que a banda foi fundada,
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Lápide dos antigos presidentes da Banda. Detalhe, da sede do grupo.
Seu Zé Dias, antigo componente da banda e Josenildo, atual presidente.
teve a referida data escolhida para oficialmente nomear a
associação. O maestro Joquinha, ex-aluno do primeiro regente da
Capa-Bode, o músico João Tomé, também chegou a reger a
Euterpina, antes de passar a integrar a dissidência. Foi Joquinha
quem protagonizou histórica disputa entre essas duas rivais, e,
liderando a Capa-Bode, a outra banda do enfrentamento, estava o
Maestro Brigada Carneiro. Além do talento indiscutível, figura no
currículo do mestre Joquinha a iniciação musical do regente,
arranjador, compositor e instrumentista nazareno José Menezes
(1923-2013), que começou a carreira estudando e tocando na
banda Revoltosa, consagrando-se depois como um dos maiores no
carnaval pernambucano.
Localizada à Praça Carlos Gomes, em casarão antigo de tradicional
endereço, em pleno centro, e quase aos pés da antiga Igreja do
Bom Jesus e casario histórico que enfeita rua homônima, a
Revoltosa mantém ainda hoje a saudável rivalidade com a Capa-
Bode: igualmente participa de desfiles cívicos, desfiles religiosos,
encontros de banda, carnavais, outras festas de rua e, ainda,
desenvolve atividades de educação musical, cujo público não se
restringe aos moradores de Nazaré, abrangendo alunos que se
deslocam de cidades vizinhas, como Aliança, Buenos Aires,
Carpina, Tracunhaém, atraídos pela envolvente musicalidade da
região, a exemplo dos ritmos locais – ciranda, coco, frevo,
maracatu – incluídos no vasto acervo de partituras da quase
centenária banda, lado a lado com o repertório, bastante eclético,
de tradicionais marchas e dobrados, de MPB e clássicos. Diversos
ritmos e estilos musicais são contemplados.
Para atrair os ouvidos sensíveis desta cidade "plena de música",
conforme definiu o maestro José Menezes em artigo publicado nos
anos 1980 e, sobretudo, para atrair adolescentes e jovens
naturalmente irrequietos, múltiplos são os cursos oferecidos pela
banda, sob a direção de Josenildo Dias de Melo e regência musical
de Rubens Luiz de Oliveira Santos. Cursos de editoração de
partituras, de ritmos regionais, de percussão compõem a grade
pedagógica simultaneamente ao ensino de técnica instrumental,
teoria e solfejo. E é histórica a contribuição da banda na formação
e encaminhamento de estudantes e músicos ao Conservatório de
Música de Pernambuco, aos centros profissionalizantes, centros de
arte e universidades, bandas e orquestras do país. O projeto
pedagógico inclui o atendimento a crianças e adolescentes
socialmente carentes. Para melhor executar esse projeto, o espaço
físico foi estruturado de modo a oferecer cinco salas destinadas a
aulas teóricas, à prática de instrumento, aos cursos e oficinas. Há,
ainda, auditório para concertos e audição musical, um pátio de
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Ata de fundação.
eventos para espetáculos e comemorações, um salão nobre onde
os músicos ensaiam semanalmente.
Ao longo da história é possível confirmar as qualidades da
instituição sem fins lucrativos. Em 1958 apresenta-se no auditório
da Rádio Clube de Pernambuco e conquista o título de campeã em
concurso promovido pela emissora. Bem antes, na comemoração
de mais um aniversário, especificamente o de 25 anos, o jornalista
nazareno João Manoel Vieira de Melo publica, em 5 de novembro
de 1939, "programa social, noticioso e humorístico" consistindo
em edição única de O Revoltoso, o qual o próprio Vieira de Melo
qualifica como "lembrança deste dia em que Nazareth em peso
comemora gostosamente a nossa data aniversária". O registro
noticia a programação do dia de festa, preenchido com alvorada,
salva de tiros, retreta, leilão de prendas oferecidas por amigos e
admiradores, mamulengo, pastoril, barraquinhas, coroado pelo
noturno chá dançante com a Jazz Band Almirantes do Ritmo,
"importante conjunto composto de elementos da 5 de
Novembro". O jornalista também dedicou espaço para traçar perfil
do então diretor da Revoltosa, Joel de Lima, e reverenciar o
maestro, naquela ocasião há 25 anos no cargo, declarando que
"aos vários sucessos da Revoltosa o mestre Joquinha tem o nome
profundamente associado. Uma geração de músicos deve-lhe a
sua formação artística".
Sempre em busca de um nível de excelência, a Revoltosa
conquistou em 2008 o Prêmio Maestro Duda 100 Anos de Frevo,
oferecido pelo Ministério da Cultura (Minc). É, ainda, a partir do
ano seguinte, 2009, que passa a funcionar como Ponto de
Cultura, mantido pela parceria entre o Governo Federal e o
Governo do Estado de Pernambuco (Minc/Fundarpe). E se o
ponto de partida foi uma disputa de poder, faz um século que
Nazaré, e todo o entorno, é quem permanece ganhando esta
saudável e musical peleja.
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Membros da banda durante ensaio.
a receita prosaica que mistura pedaços de jornal e grude de
goma nasce o objeto com que Lula Vassoureiro transfigura o
humano, evoca antigos sentidos. E que objeto é este? A máscara
de carnaval, mais especificamente a máscara de papangu, figura
emblemática da cultura de Bezerros, carnavalesca cidade
encravada no agreste pernambucano. "O nascimento da máscara
está ligado ao ato criativo de um escultor", lembra Ludovico Zorzi,
conferindo dignidade a cada inventor deste objeto e, portanto,
conferindo dignidade a quem de direito em Pernambuco vem
construindo para si e para o mundo um potente legado com este
"instrumento universal cuja origem no tempo é indeterminada"
conforme descreve Luis da Câmara Cascudo. O amor ao carnaval
se multiplica por arte das próprias mãos de artista que já foi
construtor de brinquedos populares nordestinos, como rói-rói e
mané gostoso, que desde a infância domina as artes circenses de
palhaço e de mágico, e há muito ocupa posição relevante na
cena cultural pernambucana, nordestina, brasileira: “toda a vida
fui criativo”.
Nascido em Bezerros a 2 de novembro de 1944 e conhecido na
cidade como "pai dos papangus", "mestre das máscaras
gigantes", “Lula, o gigante”, Amaro Arnaldo do Nascimento
começou a lidar com a técnica aos seis anos, quando fez a
primeira máscara, inspirada no contemporâneo personagem de
cartum O amigo da onça. Herdou do pai e do avô não apenas o
apelido, sobretudo o amor ao carnaval e a essa peça carregada de
símbolos que, segundo o teatrólogo Peter Brook, "é a mais
extraordinária experiência de liberação que se pode imaginar". O
pai de Lula, José Arnaldo do Nascimento, ou Zé Vassoureiro,
ensinou ao filho a arte de fazer máscaras, por sua vez aprendida
com o próprio pai, o artesão e vendedor de vassouras, Antônio
Vassoureiro. O resultado disso tudo é que, embora o pai nunca
tenha permitido o filho frequentar escola (mesmo assim ele
aprendeu sozinho), por causa das máscaras já viajou até aos
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Fotos antigas do Carnaval de Bezerros, arquivo do artista.
Estados Unidos para ministrar oficina em duas universidades, como
artista convidado. As obras artísticas que produz estão espalhadas
pelo mundo. Andam pelo México, Estados Unidos, Canadá,
França, Itália, Etiópia, Japão. Se a simbologia mostra-se em
contínuo processo de revisitação e renovação de sentidos, também
constantemente se renova o ofício artesanal da construção das
máscaras de Lula Vassoureiro, sem, entretanto, se romperem os
fios de alegria e irreverência que seguem tecendo a tradição
carnavalesca local.
Entre as características estéticas adotadas por Lula na manufatura
das caras, há a construção de tipos regionais, conforme
tradicionais modelos de rosto masculino e feminino, e,
simultaneamente, máscaras de deliberado estilo veneziano que se
firmaram em meio à tipologia recorrente na infância de Lula.
Modelos que, conforme descreve o próprio artista, são
classificados como antigo, moderno e estilizado. Aquelas mais
sugestivas de terror e desconforto foram propositadamente sendo
preteridas às que inspiram mais ingenuidade, alegria, e não
assustam criancinhas como acontecia em décadas passadas. A
máscara, mediadora entre forças – bem e mal, alegria e tristeza – é
objeto mágico de cerimônias rituais, é símbolo de identificação, de
organização dos sentidos da vida, de catarse. Por isso mesmo, as
máscaras de papangu não são objetos a serem simplesmente
apreciados de maneira isolada, ainda que o artesão se debruce
sobre os materiais para construí-las uma a uma, ainda que sejam
postas à vista separadamente. A exuberância dessas figuras
enigmáticas se apreende no espetáculo de catarse coletiva, que é o
carnaval. O mistério, o terror provocados pelas máscaras
comunicam, tanto quanto a alegria, os sentidos do efêmero e da
fragilidade da vida.
Objeto carregado de símbolos, as máscaras faciais não são a única
especialidade de Lula. O artista é sempre convidado a produzir
grandes máscaras para ornamentação da cidade durante o período
momesco, além de outros ícones do carnaval pernambucano,
como boi, burrica e boneco gigante. A cada ano, e com a
colaboração de equipe de artesãos auxiliares, Vassoureiro produz
em torno de 1.500 peças, das quais cerca de trezentas
correspondem a rostos gigantes e painéis ornamentais. Sobre as
técnicas de criação, menciona o uso de papier mâché, papier
encollé, materiais reciclados. Na Casa de Cultura Popular Lula
Vassoureiro, espaço criado por ele mesmo em 1985 para
produção, divulgação e repasse da técnica, há um auditório, uma
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As máscara de Lula Vassoureiro: marca do carnaval de Bezerros.
loja, e o acervo, permanentemente exposto, consiste em peças
artesanais, troféus, memórias várias da trajetória artística. Há peças
em exibição tanto no tamanho natural, quanto em miniatura e
formato ampliado. Aliás, o artista integra o Guiness Book por ter
produzido em 1997 a maior máscara do mundo, com cinco metros
e meio de altura. Participa anualmente, no Recife, de feira
internacional de artesanato, a Fenearte, onde ocupa lugar de
destaque na ala dos mestres.
É por amor ao carnaval que certamente o artista se destaca pelas
vibrações de mãos hábeis e de todos os sentidos sincronizados
com as tradições. Verdadeiro folião, Lula Vassoureiro também
herdou do pai o Bacalhau na Vara do Zé Vassoureiro, fundado em
1956, e que, pela persistência do herdeiro, continua saindo toda
quarta-feira de cinzas. Por este motivo e ainda mais pela
criatividade de papangus e outros objetos carnavalescos que
inventa, em 2002 e em 2014 Lula foi o homenageado do carnaval
de Bezerros, ciclo festivo em que igualmente conquistou muitos
louros – por vinte e uma vezes recebeu o prêmio de melhor
fantasia. A vida do artista sempre foi pautada pela criatividade,
pela alegria, pelo desafio da novidade. Passando-se por órfão, dos
7 aos 13 anos viajou acompanhando um circo, o que lhe rendeu
aprendizado nas artes circenses e mágicas. Observando o
artesanato do pai, e à revelia deste autor e proprietário dos
moldes, aventurou-se na criação de rosto de papangus, assim
articulando permanente diálogo com a própria comunidade e
com o mundo, fazendo ressoar a reflexão antropológica de Lévi-
Strauss: "as máscaras não são menos indispensáveis, para o
grupo, que as palavras".
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uero ser sempre o primeiro dia de carnaval". É assim que o
maestro gosta de viver, possuído pela melodia, braços
movendo-se para os lados e para o alto, expandindo-se feito frevo
de rua que começa derramando alegria. É a coerência entre vida e
obra o que expressa o artista, Maestro Formiga, elegendo o modo
maior como a forma por excelência para conduzir o ritmo da obra,
o ritmo da vida. A paixão por viver está tão entranhada nele
quanto a paixão pela alegria de viver mergulhado na música,
expressão artística que o emociona sempre: seja repente de viola,
seja frevo, seja Beethoven. Autodidata visceralmente ligado à
musicalidade popular de frevo, maracatus de baque solto e virado,
ciranda, caboclinho, bumba-meu-boi, suas composições incluem,
além de ritmos tradicionais, poemas sinfônicos, estudos para
piano, flauta e oboé. Ademir de Souza Araújo, que nasceu no
Recife em 15 de outubro de 1942, é formiguinha incansável da
cena musical pernambucana a partir da década 1950, e desde
então escreve significativa parcela da história cultural brasileira
com a versátil e talentosa arte.
Compositor, arranjador, instrumentista, regente, professor de
música, Maestro Formiga foi aluno de José Otávio dos Prazeres e
de José Gonçalves Lima. Estudou contraponto e fuga com Jaime
Diniz. Com o maestro César Guerra-Peixe estudou música
folclórica. A base da formação está na experiência vivenciada em
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Apresentação do maestro Ademir Araújo e Orquestra, no Festival de Inverno de Garanhuns 2012.
bandas de música. Aos 20 anos funda, com amigos, a Banda
Municipal do Recife, onde estreia tocando saxofone e onde, anos
depois, de 1970 a 1977, assume o cargo de regente titular. Diretor
da Federação das Bandas de Música do Estado de Pernambuco,
Formiga atuou como arranjador em bandas do interior, foi regente
da Banda Sinfônica Juvenil Pernambucana e, entre 1984 e 1991,
comandou a Banda Sinfônica da Cidade do Recife. Este sobrinho
do renomado maestro Severino Araújo, da Orquestra Tabajara, traz
no sangue o talento e no caráter irrequieto e criativo uma torrente
de melodias, arranjos, invenções traduzidas em jogos harmônicos
de metais e percussão, transformando-se, ele mesmo, numa das
mais importantes referências em composição e arranjo musical de
múltiplos gêneros populares e eruditos. A partir da exuberância da
obra e do ensino a jovens iniciantes, sobretudo nas bandas de
música, Formiga vem não apenas formando, sobretudo
influenciando gerações de artistas.
Logo no início da carreira, Ademir Araújo é vencedor, durante três
anos quase consecutivos – 1965, 1967, 1968 –, do concurso de
carnaval da Prefeitura do Recife, na categoria maracatu. A cheia de
1966 inspirou-o a compor a música Frevo na Tempestade. Em
1971 conquista o prêmio máximo no festival de frevo dos Diarios
Associados, com Alô, Recife. Em 1980, acompanhado da
Orquestra Popular do Recife e do cantor Claudionor Germano,
participa do lançamento da Frevioca, orquestra volante de frevos
criada pelo pesquisador Leonardo Dantas Silva. Aliás, há cinco
décadas Formiga é amigo de Claudionor, intérprete de premiadas
composições suas: os dois se conhecem desde 1964. Diversas
vezes vence o Frevança, encontro nacional do frevo e do maracatu
promovido pela Fundação de Cultura Cidade do Recife e Rede
Globo Nordeste. No ano de 1980, com Águia de Ouro,
composição de maracatu de baque solto. Em 1981, 1982 e 1989,
respectivamente com os frevos de rua Formiga está de volta,
Tonico está de volta e Andréa no Frevo.
Formiga é quem cuida da regência e direção musical da Orquestra
Popular do Recife, idealizada e criada por Ariano Suassuna, em
1975, como um dos ramos de atuação do Movimento Armorial.
Constitui-se, desde o princípio, como uma das mais importantes
orquestras de Pernambuco, pioneira na pesquisa e transcriação de
gêneros tradicionais, a exemplo de maracatu, coco, ciranda,
reisado, caboclinho. Conforme dito acima, foi a primeira a tocar na
Frevioca, em 1980. Em 2003, lança o disco O som dos
Caboclinhos, fiel a esse espírito de pesquisa, transcriação e
salvaguarda do tradicional gênero carnavalesco. Ao longo de
décadas de atuação, a OPR chegou a acompanhar, entre outros,
Luiz Gonzaga, Lenine, Gonzaga Leal, Balé Popular do Recife, e já
viajou por países como Alemanha, Bélgica e Cuba. É nessa
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Maestro Ademir e Claudionor Germano, década de 1970. Estreia da Frevioca em 1985.O primeiro frevo composto pelo maestro, 1966.
orquestra que Ademir mais potencializa e materializa as suas
criações artísticas, com "o timbre visceral dos metais e da
percussão (...) mestiçado, gingado e estabelecido em estilos
diversos", segundo aponta Renata Amaral, com propriedade, no
encarte do CD Olha o Mateus, de 2009, o primeiro da OPR.
No festival de música carnavalesca de 2010, realizado no Recife,
viu premiadas três composições das quais foi o arranjador: o frevo
de bloco Salu Rabequeiro, de Getúlio Cavalcanti, com
interpretação do Bloco da Saudade; o frevo-canção O molejo do
passo, de Roberto Cruz e Beto Ortiz, interpretado por Nonô
Germano; o maracatu Rainha do Morro, de Braulio de Castro e
Marcelo Varella, intérprete Gerlane Lops. Em 1982, com
o selo Mocambo produz o disco Carnaval do Nordeste nº 2,
distribuído pela Sudene em diversos países. Sua excelência o frevo
de rua é lançado em 1996 pela Polydisc e, em 2002, lança Release
- Música Erudita Pernambucana, disco que reúne quatro poemas
sinfônicos, produzidos entre 1976 e 1978: Festa do Carmo, Poema
Índio, Poema Negro, Abertura do Diario de Pernambuco.
Homenageado do carnaval do Recife em 2008, Formiga nos
convida a adotar o mote que ele mesmo vem glosando, a seguir
ao ritmo da própria música da vida, regendo-a em modo maior:
"queira ser sempre o primeiro dia do carnaval".
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Ergui um monumento mais duradouro que o bronze, mais elevado que as pirâmides dos reis. Nem a chuva cortante nem o vento devastador; nem a seqüência inumerável dos anos nem a passagem das eras conseguirão destruí-lo. Não morrerei de todo, pois de Libitina [deusa da morte] grande parte de mim escapará.
Horácio
Patrimônios Vivos
in memoriam
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o extremo oeste pernambucano, espiando as terras do
Piauí, saiu a louceira Ana Leopoldina Santos à procura de
sobrevivência, e o que conseguiu cavar foi bem mais que isso:
inspiração, talento, fama. Nascida em 18 de fevereiro de 1923,
no distrito de Santa Filomena, povoação encravada na Serra do
Inácio, à época pertencente ao município de Ouricuri, foram
as verdes águas do Velho Chico que mais tarde viram nascer a
artista. Serviu de mote criador a paisagem exuberante povoada
de nego d’água, maus espíritos, vapor, paquete, remeiros. De um
lado, Pernambuco. Do outro, a Bahia. No meio, o jorro inspirador.
Nas margens, a lama sagrada. Era corriqueiro apreciar esculturas
zoomorfas e antropomorfas na proa das embarcações, imagens
que se repetiam nos barcos, há mais de um século, e no artesanato
do Vale do São Francisco. Delas, um ícone se chamava Guarany,
outro atende por Ana, a filha de Joaquim Inácio de Lima e Maria
Leopoldina dos Santos.
Ainda criança, tinha sete anos e já sabia fazer e vender louça
utilitária – pote, moringa, panela, cuscuzeiro, jarro –, uma das
tradições ouricurienses, que se mantém com as ceramistas da
comunidade do Pradicó. Vendia “panelinha de guisado, boi zebu,
cavalinho com vaqueiro amontado, santinho de lapinha”. Ou seja,
moldava as peças de louça e mais uns tantos brinquedinhos para
ganhar uns trocados e ajudar a mãe louceira, com quem teve os
Pris
cilla
Buhr
142
Maria da Cruz dá continuidade ao estilo da mãe,
primeiros ensinamentos na modelagem do barro. Aos 22 anos
casou-se, teve duas filhas – Ana Maria e Maria da Cruz – e em
seguida ficou viúva. Um ano depois de enviuvar, Ana se casou com
o piauiense José Vicente de Barros. Moravam, então, em Picos.
A vida não era fácil naquelas terras do sertão do Araripe, em que
alternavam bom inverno e longos períodos de estiagem. Por esse
motivo, incluiu-se no rol de migrantes que corriam para Petrolina
em busca de um oásis.
Era 1954. Chegou à cidade e começou vendendo aribé, panela,
pote, presépio, burrinho, pato, boi, cabra. Depois da inspiração
saída das águas do Velho Chico, nunca mais foi a mesma. As
emblemáticas carrancas começaram a ganhar força e, a partir de
1970, tornaram-se disputadíssimas, graças, inclusive, ao trabalho
de pesquisa sobre o artesanato pernambucano que os técnicos
em turismo Olímpio Bonald Neto e Francisco Bandeira de Melo
estavam realizando pelo sertão, a serviço da Fundarpe. Ambos
ficaram impressionados com as carrancas da ceramista. A trajetória
artística de Ana Leopoldina ficou marcada, daí por diante – e para
sempre – pela mitopoética ribeirinha, a ponto de adotar o nome
artístico que correu mundo: Ana das Carrancas.
Ana das Carrancas, com quem aprendeu o ofício.
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A carranca mais antiga, da própria produção, data de 1963, quando
ainda era conhecida por Ana Louceira ou Ana do Cego. Sobre a
primeira peça, a carranca cangula, ela mesma contou: estava na
beira do rio e pensou que poderia fazer um barco, colocar um
velho, vendedor de jerimum, com um menino ajudante, umas
bolinhas para fingir que era o jerimum, uma cobertura de palha e,
claro, a carranca na proa do barco. Segundo Ana, essa invenção
“deu sorte”. E assim, de tão bem-sucedida, a cangula ganha
réplicas ainda hoje. Outras peças, igualmente difundidas, também
trouxeram sorte: carranca-cinzeiro, com três caras, jardineira,
totem. Aliás, não se pode falar em Ana sem associá-la às figuras
totêmicas modeladas no barro, em forma de animal e de gente,
alvo de chacota dos feirantes, quando circularam a primeira vez na
feira livre de Petrolina. Ana não se intimidou. Ao contrário, valeu-se
do imaginário da comunidade ribeirinha para moldar na cerâmica
um dos ícones da cultura local. Um casamento bem-sucedido
entre temática e talento. Nesse mesmo ano, 1963, inaugura-se
a Biblioteca Municipal e as carrancas de Ana fazem sucesso,
distribuídas a título de suvenir.
Após levar o nome de Petrolina para feiras de artesanato nacionais
e internacionais, figurar em galerias de arte e museus, alternar
fama e ostracismo, o grande sonho da mulher oleira tornou-se vivo
e palpável em setembro de 2000, mesmo ano em que conquistou
o título de cidadã petrolinense. É inaugurado o Centro de Arte
e Cultura Ana das Carrancas, com loja, ateliê e exposição de
antigas carrancas, inclusive a de 1963. Tudo no ambiente ressalta a
trajetória da ceramista. O olho vazado homenageia o marido, cego
de nascença, Zé Vicente, o amassador do barro. As filhas Ângela
Aparecida de Lima – adotiva – e Maria da Cruz Santos modelam
esculturas, tal qual a mãe. A filha Ana Maria é casada com o
escultor de carrancas em madeira, Domingos Lopes, ou Lopes de
Petrolina, um dos seguidores do estilo de Guarany. Mesmo tendo
falecido em 1º de outubro de 2008, na cidade de Petrolina, a família
vive imersa no rico imaginário da ceramista, que sempre afirmava,
orgulhosa: “meu sangue é negro, mas minha alma é de barro”.
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avô tocava clarinete. O pai, violão. O filho, Francisco Soares
de Araújo, tinha a certeza de que adorava música, e isto era
o que não faltava em casa, reduto dos principais instrumentistas
da cidade. Ainda criança, já sabia apreciar um bom repertório,
habituado aos saraus e serenatas na própria residência. Com o
pai, Antônio Soares de Lima, aprendeu, aos 12 anos, a tocar a
tabuinha, que era como apelidava o violão. O avô, o clarinetista
Joaquim Soares, também exerceu grande influência sobre ele. Com
o maestro Joaquim Leandro, regente da banda local, conheceu as
primeiras notas musicais. Mas, outros instrumentistas da infância,
a exemplo dos violonistas Zé Micas e Luiz Dantas, do saxofonista
Manoel Marra e do acordeonista Zé Costa, foram decisivos, pois,
por causa deles, manteve os primeiros contatos com um repertório
de choros e valsas que o marcaram para sempre. Alguns chorinhos
fizeram-no cultuado por músicos do porte de Radamés Gnatali,
Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Paulinho da Viola.
Nascido em 17 de março de 1931, em Princesa Isabel, alto
sertão paraibano, o filho de Quitéria Lopes de Araújo, lá mesmo,
foi o tocador do sino da igreja, fez iniciação musical e partiu
amadurecido à procura de outras cidades em que pudesse
expandir os dotes artísticos. Ainda adolescente veio ao Recife
apresentar-se na Rádio Clube, mas somente aos 25 anos é
que conseguiu realmente sair de Princesa Isabel. Foi para João
Pessoa, em 1952, onde morou alguns anos e brilhou na Rádio
Tabajara. Em seguida, 1958, transfere-se definitivamente para
Pernambuco e é imortalizado como Canhoto da Paraíba, um dos
mais importantes compositores de choro. O diferencial no uso
da tabuinha aconteceu assim: por necessidade de compartilhar
com os irmãos destros o mesmo instrumento, desenvolveu uma
técnica especial de dedilhar o violão, tocando os acordes com a
mão direita e usando a esquerda para o dedilhado das cordas, sem
invertê-las. Ou seja, um violão “tocado pelo avesso”, como diz o
título de um dos seus discos gravados.
Reprodução de ilustração e antigas imagens de Canhoto da Paraíba,
fotografadas na residência do artista, em Maranguape.
146
Não só a forma de tocar o instrumento, sobretudo o vigor das
composições de Canhoto é que o fizeram chegar ao panteão
dos grandes instrumentistas brasileiros. O repertório passa pelos
ritmos regionais – xote, xaxado, baião, frevo – e pela bossa nova,
predominando o choro e a valsa. Para a grandiosidade com que
compunha e tocava o violão, poucos foram os discos gravados por
Canhoto: Único Amor, de 1968, é gravado pela Fábrica Rozemblit,
no Recife. Um dos músicos, escolhido à época por Canhoto, foi
o jovem Henrique Annes, hoje violonista consagrado. O produtor
do disco foi o maestro Nelson Ferreira. Em 1974, também pela
Rozemblit, sai Um violão direito nas mãos do Canhoto. Em
1977, é a vez do álbum Com mais de mil, selo Marcus Pereira,
produzido por Paulinho da Viola e festejado pela crítica musical
do país. No repertório, as músicas Pisando em brasa e Com mais
de mil. Além de produzir o primeiro disco de Canhoto, Paulino da
Viola viajou com o violonista pelo país, no Projeto Pixinguinha, e
gravou, no seu primeiro trabalho, de 1971, o choro Abraçando
Chico Soares, seguindo o estilo de composição do paraibano. Em
1990, Geraldino Magalhães e Lula Queiroga produzem o disco
independente Fantasia nordestina: Violão brasileiro tocado pelo
avesso. E, pela Caju Music, lança, em 1993, o último trabalho solo,
Pisando em brasa, com participação especial de Raphael Rabello
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e Paulinho da Viola. Ainda em 1993, pelo Tom Brasil, sai o CD
Instrumental no CCBB: Canhoto da Paraíba e Zimbo Trio. Em
1999, Canhoto é ladeado por Annes, Rafael Rabello, Baden
Powell na coletânea Os bambas do violão, lançada pela Kuarup.
Radicado durante meio século em Pernambuco, Canhoto foi
agraciado, em 1984, com o título de cidadão pernambucano.
Reverenciado por Baden e outros grandes nomes da música
popular brasileira, apresentou-se com Luperce Miranda,
João Bosco, Sivuca, César Camargo Mariano, para citar
apenas alguns. Em 2004, recebeu uma homenagem do
presidente Lula, em Brasília. Na Paraíba, foi homenageado
com a publicação da Lei Canhoto da Paraíba, que, a partir
de 2005, concede a artistas o título de Mestres das Artes (Lei
7694/2004, Registro de Mestres das Artes – Rema) e ele foi um
dos primeiros agraciados. Após sofrer isquemia cerebral em
1998, interrompe-se a carreira do artista, que passa os últimos
anos de vida em Maranguape, Pernambuco, com uma filha,
falecendo em 24 de abril de 2008.
A importância musical desse requintado artista inspirou o Trio
de Câmara Brasileiro a produzir, em 2009, o disco Saudade de
Princesa – Sobre a obra de Canhoto da Paraíba, do selo Crioula
Records. O recifense Caio Cezar assina a direção musical do
CD e está organizando um livro com as partituras musicais de
Canhoto. A genialidade do mestre, de viva memória, perpetua-
se com ações desse porte, e, ainda, ao ser constantemente
revisitada nas gravações originais do instrumentista e em
regravações ou releituras de outros virtuoses.
148
inda menino, sete anos, brincava cavalo-marinho pelos
engenhos de Aliança. Foi arriliquim, dama, galante, cantador
de toada, nove anos de Mateus, depois foi ser mestre. O pai era um
tocador de rabeca, aprendeu com ele. Os folguedos e brincadeiras
eram vistos e experimentados desde criança: maracatu, ciranda,
coco, forró, mamulengo, improviso de viola. Estudou até a 4ª série
primária. Trabalhou em casa de família, vendeu sorvete, picolé, foi
ambulante. Conforme declarações próprias, considerava-se o maior
dançador de cavalo-marinho e, nos versos de maracatu, inspirava-se
no mestre Antônio Baracho. Manoel Salustiano Soares, ou mestre
Salustiano, artista múltiplo e produtor de espetáculos e folguedos
tradicionais organizados e mantidos em família, nasceu a 12 de
novembro de 1945, em Aliança, e foi lá, na Zona da Mata Norte,
que se iniciou no universo cultural de que é um dos mais afamados
representantes. O filho de Maria Tertunila da Conceição aprendeu
a ler, escrever e sempre teve inteligência suficiente para tirar o
máximo proveito dos dotes artísticos.
Começou a morar em Olinda em 1965, mesmo ano em que
começou a tocar rabeca profissionalmente, aprendida pelas mãos
do pai e professor, João Salustiano, que ensinou o filho a fazer e
a usar o instrumento. Passou a ser mais conhecido na década de
1970 e em 1977 participa de um comercial de TV. Foi entrevistado
em 1989 no programa televisivo Som Brasil e, nessa época,
segundo ele mesmo, só conhecia a Mata Norte, nem sequer outras
regiões de Pernambuco. Em 1997, integrou comitiva de artistas
locais que foi a Cuba. Durante mais de 10 anos organizou o festival
da rabeca e coordenou a Casa da Rabeca do Brasil. Por quase
20 anos participou, na condição de fundador, da Associação de
Maracatus de Baque Solto de Pernambuco. Recebeu o título de
reconhecido saber em 1990, concedido pelo Conselho Estadual de
Cultura, e o título de doutor honoris causa, na UFPE. Foi agraciado
com o título de Comendador da Ordem do Mérito Cultural, em
2001, pela Presidência da República. Percorreu todos os estados
brasileiros e outros países, como Bolívia, Cuba, França, Estados
Unidos.Maciel Salu e Barachinha
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Com a casa repleta de filhos, o mestre Salustiano sempre manteve
a liderança da família e conseguia envolver todos nos projetos
culturais que constantemente articulava no entorno da própria
residência, no bairro olindense de Cidade Tabajara, reunindo
a comunidade, os vizinhos, turistas e pesquisadores de cultura
popular. Inicialmente, era no espaço Ilumiara Zumbi que as
apresentações aconteciam. Depois, as festas foram transferidas
para a Casa da Rabeca do Brasil, espaço inaugurado pela família
para oficinas, danças, encontros de maracatu rural e de cavalo-
marinho, shows de música regional. No Natal, vários grupos de
cavalo-marinho se reúnem e brincam a noite toda. Tem também
pastoril, ciranda, o cavalo-marinho Boi Matuto, fundado pelo
mestre em 1968, e o Mamulengo Alegre, outro brinquedo da
família, cujos bonecos eram feitos por Salu mesmo. Dublê de
artista e artesão, esculpia no mulungu os bichos do bumba
meu boi, cavalo, boi, burra. Fazia em couro de boi e de bode as
máscaras do cavalo-marinho. No domingo de carnaval, chegam
ao terreiro da família troças, ursos, caboclinhos, boi, burra, além
do grande acontecimento da tarde: a trincheira do maracatu rural
Piaba de Ouro, que fundou em 1977, e hoje é estruturado com
mais de 300 componentes. Na segunda de carnaval, acontece o
encontro de todos os maracatus rurais de Pernambuco.
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Graças à sensibilidade artística e às invenções de homem
inteligente, Salustiano cultivava a memória da infância, povoada
de cavalo-marinho, maracatu, mamulengo, pastoril, ciranda,
forró de oito baixos, reisado, marujada, fandango, poesia
improvisada, ao mesmo tempo em que gerenciava os próprios
folguedos e temática casa de espetáculos. Depois de tentar a
vida como ambulante e empregado doméstico, foi funcionário
da prefeitura de Olinda e professor de arte popular. Por fim,
conseguiu certa dignidade financeira com o terreiro enorme para
apresentações, serviço de bar, salão para dança e uma loja, onde
são comercializados produtos de confecção própria, como rabeca,
alfaia, mineiro, bagem de taboca, pandeiro, mamulengo e os
discos. Foram quatro CDs gravados, movidos pelas sonoridades
de ciranda, maracatu, mamulengo, coco, forró, frevo: O sonho
da rabeca, As três gerações, Cavalo-marinho, Mestre Salu e a sua
rabeca encantada. Dos 15 filhos, dois fabricam rabeca: Wellington
e Cleiton Salu. O bailarino Pedro Salustiano montou o espetáculo
Samba no canavial. O músico, compositor, poeta improvisador
e MC Maciel Salu lançou o CD A pisada é assim, entre outras
importantes gravações, e é um dos integrantes da Orquestra
Contemporânea de Olinda.
Salustiano faleceu no Recife, em 31 de agosto de 2008.
Entretanto, confortável é saber que o legado se perpetua nas
produções culturais e criações artísticas dos filhos, legítimos
herdeiros e continuadores da obra do Mestre Salu.
Filhos Maciel, Cleiton e Manuelzinho.
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uca é apelido de infância: Nuca de Tracunhaém ou Nuca dos
Leões. Tracunhaém – topônimo indígena, que quer dizer
panela de formiga – é a cidade de adoção do artista, desde os
três anos. Leão é o signo de Nuca, ou Manoel Borges da Silva,
que nasceu em 5 de agosto de 1937, no engenho Pedra Furada,
Nazaré, Mata Norte pernambucana, filho dos agricultores Francisco
Costa Mariano e Josefa Borges da Silva. O pai, da roça, criou-
se nos engenhos de cana-de-açúcar. Vivendo a infância num
ambiente de ceramistas descobre-se um admirador do ofício e,
desde os 10 anos, um continuador da tradição, modelando em
barro elementos do cotidiano. O ano em que foi morar na cidade é
o mesmo da estréia de Zé do Carmo na cerâmica. Quando estreou,
havia em Tracunhaém o povo de Lídia, fazendo santo. Antônia
Leão era referência da geração mais antiga, Maria Amélia já se
destacava pela santaria. Zezinho chegou depois, de Vitória. Nilson,
de Goiana. Nuca passou a conviver com diversos ceramistas em
feiras e salões de arte popular, entre eles, Ana das Carrancas e
alguns netos de Vitalino. Foi ao Rio de Janeiro participar de uma
exposição e lá conheceu o mestre Vitalino.
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Embora desde a década de 1940 já vendesse esculturinhas
de cerâmica nas feiras, principalmente na vizinha Carpina, é
sobretudo a partir de 1968, quando esculpe o primeiro leão,
que se reconhece artista, consagra-se com o efeito visual da juba
leonina e se entrosa com ceramistas renomados. O motivo da
consagração veio da ideia de esculpir leões e floristas. A mulher,
Maria Gomes da Silva, ou Maria de Nuca, inventou de botar os
cabelos cacheados, também no leão. A moda da juba encaracolada
se difundiu tanto, que artesãos aderiram à onda, substituindo pena
de galinha pelos cachos. Além destes, que consistem nuns rolinhos
de barro aplicados um a um, há o leão de listra, o escamado e o
de tranças. Finas ou grossas, as escamas também são colocadas
individualmente, em leões e girafas. Sobre a escolha da temática
dos leões, cogita-se que pode estar vinculada à memória recente
da estatuária de louça portuguesa decorativa dos sobrados ou,
ainda, à memória ancestral daquele que é considerado o rei
dos animais. Entretanto, não podemos deixar de lembrar que o
símbolo de Pernambuco é o leão, tampouco menosprezar a força
do imaginário de ascendentes negros africanos presente na Zona
da Mata, nem esquecer que a antiga denominação de Carpina era
Floresta dos Leões.
Se a família de Nuca era de agricultores, e não de louceiros, o
mesmo aconteceu com a família de Maria, que também era da
roça, não tinha ninguém no barro. Pode-se dizer que a obra de
Nuca é quase obra de dois artistas, originalidade a quatro mãos.
O leão e as bonecas foram criação dele e da mulher. O talento de
ambos para as esculturas cerâmicas desabrochou no convívio com
artistas e artesãos de Tracunhaém, terra das figuras em cerâmica
e das panelas de barro. Depois de brinquedos, bonecas e anjos,
os leões vieram para imortalizá-los. As esculturas são sempre ao
natural, nunca pintadas, exceto sob encomenda. O forno, feito
por ele próprio, fica no quintal de casa e testemunha o fato de
que é indispensável ter ciência para saber construí-lo e usá-lo.
E Nuca foi exímio nisso: na hora de queimar, sabia precisar a
caldeação, a fim de não rachar a escultura, nem cair o cabelo.
Outro importante segredo é o da aplicação dos detalhes: como
fazer para não ressecar, enquanto vai modelando e colocando
simetricamente um a um.
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Guilherme de Nuca, filho do Mestre que dá continuidade ao seu trabalho.
Após afastar-se do ofício, por problemas de saúde, dois dos
seis filhos dão continuidade às artes dos pais, Nuca e Maria: o
primogênito Marcos Borges da Silva, ou Marcos de Nuca, faz os
leões e José Guilherme Borges da Silva, o filho mais novo, faz
as bonecas. Apesar de não terem sido muitas as viagens – Lima,
Peru (1980), São Paulo, Rio, Brasília, Bahia –, Nuca dos Leões
criou os filhos com a arte saída das próprias mãos, festejou a
alegria de viver fazendo sempre o que gosta e também ofereceu
todas as condições necessárias ao aprendizado e exercício
artístico dos filhos seguidores. A obra do artista pode ser
apreciada em antiquários, galerias de arte, e enfeitando praças
do Recife, como a do 1º Jardim de Boa Viagem e a Tiradentes,
no Cais do Apolo.
Em 27 de fevereiro de 2014, o ceramista morre no Recife e é
sepultado, dia seguinte, na cidade onde viveu desde a primeira
infância e da qualganhou parte do nome artístico. As obras
variavam entre formatos de 30 centímetros a um metro,
entretanto, invariavelmente nas esculturas assinava “Nuca de
Tracunhaém”, desenhando um nome de artista que enche de
beleza o mundo.
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Marcos de Nunca, trabalhando no leão no mesmo estilo consagrado pelo pai.
ilho de Nicodemes Brasil Hartmann e Maria Serafina Spencer
Hartmann, o cineasta Fernando José Spencer Hartmann nasceu
no Recife, em 17 de janeiro de 1927. Aposentado como analista
em ciência e tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco, o cineasta
coleciona prêmios e títulos que tem recebido ao longo de mais
de cinco décadas dedicadas à sétima arte. Recebeu o título de
Memória Viva do Recife, em 1997, quando completou 70 anos.
Aos 80, foi o homenageado do Cine PE, quando então apresentou
o novo filme Almery, a estrela. Tanto no Museu da Imagem e do
Som de Pernambuco (MISPE) quanto no Cinema Rosa e Silva,
há a Sala Fernando Spencer, franca homenagem ao incansável
cinéfilo/cineasta, cuja estreia se deu com um curta-metragem
experimental, a ficção A busca, em 1969.
Jornalista profissional, exerceu a crítica de cinema durante
quatro décadas no Diario de Pernambuco, exatamente de 1958
a 1998. Spencer também foi repórter do Jornal Pequeno, em
1951, e revisor do Jornal do Commercio em 1957. Foi produtor e
realizador do programa Falando de Cinema, entre os anos de 1963
e 1978, na TV Rádio Clube, Rede Tupi. Foi produtor, realizador e
apresentador de Filmelândia, programa veiculado na Rádio Clube
de Pernambuco e Rádio Tamandaré do Recife. No ano de 1985,
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coproduziu, com Ivan Soares, o projeto Coisas Nossas: Cinema
Pernambucano, em oito capítulos de 30 minutos. O cineasta e
pesquisador foi diretor da Cinemateca da Fundação Joaquim
Nabuco, membro do Centro Brasileiro de Pesquisadores do Cinema
Brasileiro, vice-presidente da Fundação Nordestina de Cinema,
sócio-fundador da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD),
fundador e primeiro presidente do grupo Cinema Super-8 de
Pernambuco.
Acumulando as funções de roteirista, diretor, jurado, palestrante,
debatedor, presidente de júri, professor, Fernando Spencer tem,
ainda, no currículo, diversos livros publicados, a exemplo de
Histórias do tio Joca, editado em 1990 pela Bagaço. Esse foi o
primeiro título que lançou no gênero literatura infantil. Sobre
cinema, escreveu o texto Ciclo do Recife: 60 anos, publicado pela
Massangana, em 1983. Ainda pela Massangana, lançou em 1985
o catálogo de filmes da Cinemateca da Fundaj. E, pela Bagaço,
produziu em 1989 a publicação 20 anos de cinema (1969 – 1989):
Filmografia. No Quase catálogo, organizado por Heloísa Buarque
de Holanda e publicado em 1991 no Rio de Janeiro, escreveu
verbetes sobre estrelas do cinema mudo de Pernambuco. Em
1995, publicou textos sobre os 100 anos de cinema. No mesmo
ano, publicou, em parceria com a bibliotecária Lúcia Gaspar, da
Fundaj, O Nordeste no cinema: uma contribuição bibliográfica,
para a revista Ciência & Trópico.
Em 1974, recebeu o prêmio de melhor Super-8 na III Jornada
Brasileira de Curta-Metragem, no estado da Bahia, com o filme
Valente é o galo. No mesmo ano, o cineasta fez a estreia no
gênero documentário com o filme Caboclinhos do Recife. Aliás,
Fernando Spencer, com carretéis e latas de filme 16mm.
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a temática dos folguedos tradicionais é recorrente na obra de
Spencer. Em 1999, realizou A arte de ser profano, vídeo sobre
os pastoris, e em 2004 volta ao tema, dessa vez com Os irmãos
Valença, em que o pastoril religioso é um tema incontornável.
No VI Festival Nacional de Cinema, realizado em Aracaju, pela
Universidade Federal de Sergipe, no ano de 1978, recebeu o
prêmio de Melhor Filme de Comunicação para As corocas se
divertem. Com o filme Estrelas de celulóide, recebeu um troféu
candango no Festival de Cinema de Brasília, em 1987. No III
Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa, realizado na
cidade de Aveiro, Portugal, em 1988, Fernando Spencer ganhou,
em parceria com Flávio Rodrigues, o prêmio de melhor curta,
na categoria documentário, pelo trabalho Evocações de Nelson
Ferreira.
O percurso de Spencer ganha ainda mais sentido quando ele
recapitula o princípio desse amor antigo: cedo, apaixonou-se pelo
cinema, precisamente aos 12 anos, quando o pai lhe oferece um
projetor alemão para filmes de 35mm, o suficiente para inaugurar,
de forma decisiva e em grande estilo, a trajetória deste cineasta
das três bitolas. Assim conhecido no meio cinematográfico pela
produção tanto em Super-8 quanto em 16 e 35mm, a criatividade
e o amor às tradições pernambucanas selam a produção de
Fernando Spencer, com os documentários acima mencionados
e, ainda, Frei Damião: Um santo no Nordeste? (1977), Santa do
Maracatu (1981), Trajetória do frevo no Recife (1987). Sobre
literatura de cordel, realiza o documentário O folheto (1971),
na bitola 16mm, em parceria com Liêdo Maranhão, João José e
Esman Dias.
Na produção mais recente, de 2009, está o curta Nossos ursos
camaradas, em que o cineasta compõe uma abordagem
antropológica de fogosos ursos e La ursas na cultura pernambucana,
a partir de pesquisa encomendada ao amigo folclorista Mário Souto
Maior. Com esse filme, Spencer estreia em nova bitola, a digital, e é
promovido a cineasta das quatro bitolas! Maria Bonita e Lampião
seriam personagens de novos projetos, interrompidos com a morte
do artista, a 17 de março de 2014, no Recife. A família planeja abrir
uma fundação como justa homenagem à memória desse cineasta
que assina uma obra autoral, prolífica, incansável.
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ito baixos: para Arlindo, um sobrenome e infinitas
possibilidades de voar. Fole de oito baixos, acordeon de botão,
pé-de-bode, concertina: para o instrumento, muitos são os
apelidos, mas o designativo nem importa tanto quanto saber o
valor histórico e artístico, a fim de melhor compreender e apreciar
o exímio Arlindo Ramos Pereira, que, pelas astúcias do "acaso",
conheceu Luiz Gonzaga, justo o filho de grande tocador de
concertina e inspirador da canção Respeita Januário (1952),
expresso manifesto de Gonzagão ao legado musical do Nordeste
do Brasil que visceralmente se vincula à prática dos oito baixos. A
escolha proposta pelo rei do baião mostrou-se vital, decisiva:
sanfona, sim, mas não mais aquela em voga, o acordeon de 120
baixos. Escolher, portanto, agarrar-se à sanfoninha pé-de-bode
prenuncia, nos primórdios da talentosa carreira, o que o Mestre
Arlindo conseguiria galgar rumo à consagração. Ouvido
sofisticado, hábil manejador das 42 notas da concertina, assim
rapidamente ganha nome e imortaliza-se, abraçado àquele
instrumento, alicerce de um dos complexos ramos da tradicional
musicalidade popular nordestina.
Foi o próprio pai de Arlindo quem o iniciou no mundo da música.
Chamava-se José Ramos Pereira, sanfoneiro e carpinteiro
especializado em cangas e rodas de carroça. Contudo, o encontro
emblemático com o rei do baião foi quem desencadeou os
contatos e trocas artísticas, agilizou a fama. Era 1969 quando o
sanfoneiro de Coruja e seus Tangarás atraiu o ouvido de Gonzaga
que, imediatamente, sugeriu a dedicação de Arlindo ao instrumento
quase fora de moda e ainda o convidou a viajar, para acompanhá-lo
tocando oito baixos e cuidando da afinação e conserto dos
instrumentos. Fora de cogitação imaginar que tudo se arranjaria fácil
assim, como num passe de mágica, pelas artes do famoso Luiz, a
quem o genial Arlindo acompanharia por mais de duas décadas. A
música chegou bem antes disso, ainda na infância, provocando o
florescimento e o exercício de habilidades que, num futuro
próximo, o consagrariam para sempre: começou pelos dez anos,
aos treze estava tocando, aos quinze já ganhava dinheiro.
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Arlindo dos 8 Baixos e Mestre Camarão em apresentação conjunta na VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco em 2013.
Longe de qualquer glamour, o ambiente de meninice, cercado de
cana-de-açúcar, era duro lavor. Nascido na área rural, a 16 de abril
de 1942, no Engenho Rubi, pertencente à Usina Trapiche,
município de Sirinhaém, Zona da Mata Sul de Pernambuco, o
mestre logo cedo se viu enredado nas árduas tarefas de canavieiro:
limpou mato, cortou cana, cambitou no engenho. Quando se
transferiu para a vida urbana – primeiro em Ponte dos Carvalhos,
no Cabo; depois em Água Fria, no Recife – Arlindo se dedicou às
artes da barbearia, antes mesmo de escolher, definitivamente,
morar no mundo musical e transitar, à vontade, nos rumos
traçados pelo virtuosismo de instrumentista, restaurador, afinador,
professor. A estreia em long play se dá em Pernambuco. O Mestre
do Beberibe, designativo do artista que dá título ao primeiro disco
gravado pela RCA (mas não o inaugural), consegue registrar em LP
o primeiríssimo dos seus trabalhos pela recifense Rozenblit. O disco
gravado pela RCA foi feito em 1981, época em que Luiz Gonzaga
dirigia o departamento de música nordestina da gravadora, e
contou com a participação de Dominguinhos na produção e
direção artística. O zabumbeiro era o reverenciado Quartinha, ou
Reginaldo Pereira de Melo. O título do disco e o nome artístico
adotado a partir de então foram sugeridos por Gonzaga e
imediatamente acatados pelo autor da obra. Antes disso, durante
os anos 1970, o sanfoneiro era conhecido pelo nome artístico de
Arlindo do Acordeon.
Daí por diante, rapidamente conquistou a fama de grande solista
de oito baixos, a fama de expert em restauro e afinação de
sanfona, para além da cumplicidade e trocas musicais
estabelecidas durante os 22 anos com Gonzaga. O músico firmou
importantes parcerias com Sivuca, Hermeto Pascoal,
Dominguinhos, Marinês, Elba Ramalho, Camarão, Quinteto
Violado, Genaro, Alcymar Monteiro, Flávio José, Novinho da
Paraíba, Nando Cordel, entre outros. Tocou, e foi aclamado, em
concorridos festejos juninos, como o de Caruaru, e o do Pátio de
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São Pedro e Sítio da Trindade, no Recife. Nos anos 1980 ensaiou
umas domingueiras de forró no quintal da própria casa, no bairro
de Dois Unidos, Olinda, que vieram a se firmar como atração
festiva semanal a partir de setembro de 1999, com o nome de
Forró do Arlindo. Misto de residência, casa de shows, oficina,
escola, assim era caracterizado o ambiente em que Arlindo
escolheu viver até os últimos momentos, e por onde passaram
exímios tocadores, ouvintes, dançarinos, atraídos por sedutor ritmo
nordestino e, ainda, outros gêneros musicais igualmente
executados com maestria pelo dono do terreiro.
Quase duas dezenas de discos foram lançadas, entre os quais
Merengue dela; Arlindo e Amigos dos 8 Baixos; Forró pra 500
anos; Dançando na Chuva; Choro, Forró e Frevo; Mistura
Harmônica; Oito Baixos no Frevo. O mais recente, No Forró do
Arlindo, saiu também em DVD e livro, com registros da carreira do
antigo barbeiro e ex-trabalhador rural. Já pelos títulos percebe-se a
variedade de ritmos deliciosamente interpretados com o
instrumento que, no Nordeste, ganhou afinação diversa da
afinação diatônica adotada em outras regiões do país: a afinação
"chorada" ou "transportada", que amplia as possibilidades de
modulação musical. Presenteando-nos, em meio ao consistente
legado musical, com os renomados filhos músicos, o percussionista
Raminho e o baixista Adilson, e a promissora neta Daiane nos oito
baixos, o Mestre Arlindo não resistiu às múltiplas complicações
acarretadas pelo diabetes, falecendo no dia 23 de outubro de
2013, aos 71 anos. Talvez, pela gradativa cegueira que acometeu
o mestre, a sensibilidade auditiva do artista tenha desenvolvido
ainda maior rigor, ainda mais apuro, premiando-nos, assim, com
o virtuosismo e a sofisticação de um instrumento possuído por
dedos velozes e ouvidos absolutamente sensíveis.
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ua dos Amores, Várzea da Alegria. Aí morou João Leocádio da
Silva, endereço assim pleno de poesia, como que
harmonizando a verve do artista talentoso que já na infância
dedilhava violão e tocava pandeiro, acompanhando um tio
paterno, o cavaquinista Aprígio, e um primo, Luiz Grande, tocador
de oito baixos. "Danado de bom" era este compositor, que, a
partir da década 1960, se transformaria em um dos principais
parceiros de Luiz Gonzaga, tornando-se o autor que mais
conseguiu gravar com o Rei do Baião. Entretanto, é bom que se
diga: o legado artístico de João Silva não se restringe à aclamada
parceria. Autor, intérprete, produtor musical, pesquisador de
música popular nordestina, João nos deixou cerca de duas mil
composições construídas durante quase oito décadas buliçosa e
intensamente vividas em terras pernambucanas e outros estados
do Brasil. Nascido a 16 de agosto de 1935, nascido e criado num
ambiente de tradicionais rodas de coco das Caraíbas, na Serra das
Varas, Arcoverde, Pernambuco, João Silva migrou em 1953 para o
Recife e, em 1958, época de ouro do rádio, se muda para a então
Capital Federal, o Rio de Janeiro, onde começou apresentando-se
em programas de rádio e TV. O difícil caminho de auto-afirmação
e reconhecimento artístico que aí tomava corpo não caiu no vazio.
A sintonia que estabeleceu com Luiz Gonzaga é um dos pilares
desta construção. João atraiu para si os olhares do famoso
sanfoneiro por causa da amizade com um casal, cuja principal
contribuição se concentrou no desenvolvimento artístico do
iniciante: Abdias dos oito baixos e a mulher, a cantora Marinês.
Esta, ao gravar composições suas, das quais Milho Verde
repercutiu bastante, catalisou para Silva as atenções de Gonzaga,
iniciando-se a grande afinidade de 25 anos, inaugurada em 1964 e
mantida até o fim da vida de Luiz, em 1989. A música Não foi
surpresa, que Silva fez com João do Vale, foi o primeiro trabalho a
aparecer em disco de Luiz Gonzaga: o baião está em Sanfona do
povo, de 1964. No ano seguinte, 1965, nova gravação. Desta vez
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a escolhida é a marcha junina Piriri, de João Silva e Albuquerque.
Finalmente em 1967, no disco Óia eu aqui de novo, Luiz Gonzaga
grava a primeiríssima obra dele com João Silva, Garota Todeschini,
além de também gravar a faixa Crepúsculo sertanejo, de Silva com
Rangel. Esta última foi, aliás, a que primeiro exibiu ao público
carioca, quando, logo que se estabeleceu no Rio, esteve no
programa Domingueira, apresentado por Arnaldo Amaral, na
Rádio Mayrink Veiga. No LP de 1968, São João do Araripe,
Gonzaga grava mais canções de ambos: Madruceu o milho, Lenha
verde e Meu Araripe, esta última conquistando grande sucesso.
Em meio às tantas composições criadas por Gonzaga e Silva, como
Pagode Russo, Vou te matar de cheiro, Sanfoninha choradeira,
Sangue nordestino, Nem se despediu de mim, importante
compreender que João Silva provocou uma guinada decisiva
quanto à retomada do nome de Gonzaga na boca do povo e nas
paradas de sucessos. Com o humor, a alegria, a galhofa das letras
de música de João, o tom lírico e saudoso se deslocou para o
satírico, reavivando a presença do Rei do Baião na vida de
nordestinos, migrantes ou não. O disco Danado de bom (1984),
por exemplo, com seis canções e produção de Silva, vendeu 1,6
milhão de cópias. Em 1989, mesmo ano em que morreu,
Gonzagão grava dois LPs instrumentais, nos quais mantém as
trocas com João Silva, resultando na co-autoria de mais de vinte
músicas. E é ainda em 1989 que Gonzaga grava o último disco,
cujo título – Vou te matar de cheiro – foi tomado de empréstimo
de uma das letras com João Silva, cuja participação, neste
derradeiro trabalho de Luiz Gonzaga, aparece em mais outras
faixas: Uma pra mim, uma pra tu; Vê se ligas para mim; Arcoverde
meu; Já era tempo. A troca criativa serviu de mote, inclusive, para
a escrita e titulação da biografia de João Silva Pra não morrer de
tristeza: o maior parceiro de Luiz Gonzaga, de autoria do poeta
José Maria Almeida Marques e publicada em 2008 pela editora
Bagaço. O título da obra – que alude, na verdade, a uma
composição de Silva com o renomado sambista Wilson das Neves,
o K-Boclinho – sobretudo reverencia a fértil trajetória de João, sem
negligenciar a cumplicidade pela qual resultaram, segundo o
biógrafo Marques, 107 músicas de João (com Luiz e com outros
autores) gravadas na voz do Gonzaga.
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Para além de exuberante troca artística, foram estabelecidas
parcerias, múltiplas, de João Silva com Dominguinhos, Onildo
Almeida, João do Vale, Rosil Cavalcanti, Severino Ramos, Bastinho
Calixto, Pedro Maranguape, Anatalício, Ney Matogrosso, Gilberto
Gil, Ivete Sangalo, entre outros artistas e grupos, incansáveis
intérpretes das canções de sucesso deste inventivo João, canções
consagradas pelo lirismo e alegria executados em diversos gêneros
musicais – samba, merengue, bolero, baião, guarânia, marcha
junina, lamento, carimbó. A primeira gravação autoral, conforme
registra o biógrafo Zé Maria, se deu num disco de 78 rotações, o
arrasta-pé Ó Lia. Entre os discos gravados, há o LP de 1976,
Carimbó e Cia. - João Silva e seus convidados, selo Olimpic, da
Crazy; em 1980, entra com participação especial no LP Forró com
malícia, de Chiquinha Gonzaga, e reedita o LP João Silva, que
havia gravado em 1971. Outro LP, de 1987, Trinta anos de forró:
João Silva e convidados, tem participação de Luiz Gonzaga, Maria
Alcina, Trio Nordestino. Em 1991, no CD O rei e eu, grava quinze
músicas. Ano seguinte, 1992, grava em Fortaleza o CD Inéditas de
João Silva e Luiz Gonzaga. Em 1995, grava o CD João Silva no
forró pé-de-serra e, em 2010, lança o CD João Silva sertão puro,
em que todas as faixas são de própria autoria e a maioria, inéditas.
Poucos anos depois, no dia 6 de dezembro de 2013, morre em
casa, no Recife, aos 78 anos, alegremente imortalizado nas
ondas sonoras de tantas canções, de tantas palavras plenas de
lirismo e encantamento.
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O compositor João Silva e Dominguinhos em Show do Festival Nação Cultural - Gonzagão 100 Anos, em dezembro de 2012.
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