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PLANO DE SAÚDE – A RESPONSABILIDADE DOPODER PÚBLICO FRENTE ÀS OPERADORAS DE
PLANO DE SAÚDE
JOÃO LUIZ MARTINS BARBOSADEPARTAMENTO DE DIREITO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
II
JOÃO LUIZ MARTINS BARBOSA
PLANO DE SAÚDE – A RESPONSABILIDADE DO PODERPÚBLICO FRENTE ÀS OPERADORAS DE PLANO DE
SAÚDE
Monografia apresentada como trabalhofinal da Disciplina DIR – 499 – MonografiaII, e como exigência parcial para aconclusão do Curso de Direito daUniversidade Federal de Viçosa.
Orientador: Profª. ROBERTA FREITASGUERRA.
Viçosa – MGNovembro de 2003
III
Dedico este trabalho a meus pais, que sendo os provedores da minha
vida, são a própria razão da minha existência.
IV
Agradeço a Deus pelo dom da vida, a Nossa Senhora da
Conceição pela ajuda nos momentos difíceis, a Larissa pelo incentivo,
a equipe do Plano de Assistência Médica Hospitalar dos Hospitais
Unidos de Viçosa – PLAMHUV, na pessoa de seu administrador
Jansen Cardoso Pereira pela experiência e a UFV pela oportunidade
concedida.
V
“Ao lado dos direitos individuais, a democracia deve também
assegurar os direitos sociais, não somente deve defender o direito à vida e à
liberdade, mas também à saúde, á educação, ao trabalho, e daí, nos Estados
modernos, a abundante legislação social”.
Darcy Azambuja
VI
Sumário
Resumo VII
1. INTRODUÇÃO 012. SAÚDE PÚBLICA NO CONTEXTO BRASILEIRO 04
2.1. Histórico do SUS 052.2. Conceito do SUS 092.3. Falhas do SUS 12
3. DEFINIÇÃO DE OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE 163.1. Histórico 163.2. Conceito 193.3. Atualidades 21
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 254.1. Introdução 254.2. Teoria da Irresponsabilidade 264.3. Teoria Civilista 274.4 Teoria Publicista 284.5 Direito Brasileiro 314.6 Responsabilidade por Omissão 32
5. CONCLUSÃO 3511. BIBLIOGRAFIA 36
VII
RESUMO
O objetivo do presente trabalho foi demonstrar que existe a possibilidade
das operadoras de planos de saúde em efetuar a cobrança do Estado, dos gastos
que as mesmas desembolsaram, para com os seus beneficiários que de alguma
forma experimentaram algum tipo de dano, sobretudo devido a atos omissivos dos
agentes estatais. Contudo para alcançarmos nosso objetivo, foi preciso
contextualizar o cenário da assistência à saúde no Brasil, seja no sistema público,
quanto no privado, denotando por fim o instituto da responsabilidade civil do Estado
e suas nuanças. Assim fez-se um relato histórico da gradual intervenção do Estado
na área de saúde e conseqüente criação do Sistema Único de Saúde, demonstrando
seu conceito e suas principais falhas, posteriormente evidenciamos o surgimento do
sistema privado de assistência à saúde, seu conceito e o cenário atual que norteia a
questão. Sendo que finalizamos com a delimitação da responsabilidade do Estado e
a suas complexas variações e diversas teorias que balizam o instituto concluindo
pela possibilidade das operadoras de plano de saúde em efetuar a cobrança do
Estado.
1- Introdução
A Assistência à saúde sempre foi motivo de preocupação para o homem.O
relato infra mencionado reflete as estarrecedoras condições que a colonização européia
acarretou para a sociedade indígena que vivia da Terra do Fogo na Argentina, até o
México. O Império Inca e os Maias, certamente seriam dominados pelos europeus
quando do processo de conquista do novo mundo, em face da superioridade
tecnológica que os mesmos possuíam, contudo tal queda foi acelerada abruptamente,
pelo arsenal de pragas que os europeus traziam em seus corpos, roupas e
embarcações. Estes assim descobriram cedo o poder de um arsenal de armas
biológicas.
“As bactérias e os vírus foram os aliados mais eficazes, os europeus traziamconsigo como pragas bíblicas a varíola e o tétano, varias doenças pulmonares,intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as cáries queapodreciam as bocas.A varíola foi a primeira a aparecer. Não seria um castigo sobrenatural aquelaepidemia desconhecida e repugnante que aumentava a febre e descompunhaas carnes?“Já se foram a mexer em Plaxcala, então se difundiu a epidemia: tosse, grãosardentes que queimam” diz uma testemunha indígena e outro: “muitos jámorreram com a pegajosa, compacta, dura doença de grãos.Autores anônimos de Plapelolco e informantes de Sahagún em Miguel LeonPortilla.”1
A busca pela cura, foi sempre um anseio da nossa sociedade. O ser humano
é extremamente temeroso, temendo o futuro, o desenrolar do presente e as vindouras
conseqüências do passado. Tememos a nossa morte e a morte alheia, assim como o
desconhecido, sendo que o medo da doença é um pesadelo constante que assola
nossas vidas e nossos lares.
A Bíblia menciona pragas que por ordem divina infestaram povos inteiros,
sendo que a nossa constante busca por saúde acarretou a criação de um aparato de
assistência à saúde, incomparável a qualquer outra civilização em qualquer período da
história. Uma gigantesca indústria do medo, que engloba desde pequenos consultórios
1 EDUARDO GALEANO. As Veias Abertas da América Latina. RJ: Ed PAZ E TERRA, 16ª ed, 1983, p.17.
1
a imensos conglomerados farmacêuticos, na desenfreada busca por alternativas que
melhorem nossas condições de vida e saúde .
“A busca de meios aptos a prover a integridade física, psíquica e social daspessoas não é novidade. Ao longo da história, é constante a luta por segurançae melhoria das qualidades de vida. Tanto as ciências sociais – o Direito,especialmente – quanto as ciências médicas cuidam, cada uma a seu modo degarantir o bem-estar dos indivíduos. Assim, em primeiro plano, é importanteanotar que tanto o Direito quanto a saúde são caros ao gênero humano, emtodas as épocas.” 2
A corrida pela saúde acarretou um fenômeno mundial, representado pela que
foi a gradual transferência para o Estado do dever de prestar a assistência á saúde,
pois empobrecida, a população tornou-se incapaz de arcar com os custos inerentes à
prestação deste serviço. Sendo que o Brasil não se furtou a esta regra, onde em 1988,
quando foi promulgada a Constituição Federal, norteou o legislador constituinte o seu
texto pela proteção estatal de vários Direitos Fundamentais, sob a fórmula de cláusulas
pétreas, imutáveis que compunham o cerne do diploma, dentre eles a devida proteção
á saúde, como bem preleciona o Professor José Afonso da Silva:
“A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a devegarantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do riscode doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios dauniversalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem,protegem e recuperam.As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficaminteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do PoderPúblico, nos termos da lei, a que cabe executá-los diretamente ou por terceiros,pessoas, físicas ou jurídicas de direito privado (....).”3
Contudo, embora a saída tenha sido elevar a matéria à órbita constitucional,
trazendo a saúde, para os auspícios estatais, não conseguiu o Estado, arcar com a
prestação da assistência à saúde de maneira satisfatória, para toda a sociedade,
2ANTÔNIO JOAQUIM FERNANDES NETO. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. BH: Ed. Del Rey, 2002,p. 8.
3JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de Direito Constitucional. SP: Ed. Malheiros, 17 ed. 2000, p. 804.
2
surgindo assim, às operadoras de planos de saúde como uma opção ao fragilizado
sistema público.
Estas empresas competiram por décadas no mercado brasileiro, sem
qualquer tipo de regulamentação, sendo que em 1998, foi promulgada a lei 9656/98,
que iniciou a regulamentação do setor no país, concomitantemente com a criação da
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, que recebeu o poder de fiscalizar e
regular o setor.
“A constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços desaúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder dedominação, que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece aolado da palavra fiscalização”.4
Assim sendo, surge a ANS, como forma de fiscalização e regulação inspirada
no modelo estadunidense. Mas, ao contrário das agências reguladoras nos Estados
Unidos da América, cuja criação representou um aumento da participação do Estado no
setor privado, em nosso país, vislumbramos o oposto, pois estamos diante da
diminuição da presença do Estado na economia, através do enfraquecimento do
sistema público de saúde, devido às constantes quedas de investimentos no mesmo.
4IBIDEM, P.805 .
3
2 - Saúde Pública no Contexto Brasileiro
2.1 - Histórico do SUS
A necessidade de atendimento médico ou assistência à saúde é um anseio
que acompanha constantemente a evolução do homem desde os primórdios, sendo
que a ciência e os relatos históricos, mencionam, seja qual for seu nascedouro, a
existência de constantes pragas que repetidamente assolam a nossa sociedade,
justificando a existência de um aparato capaz de deter ou amenizar as conseqüências
de tais mazelas.
“A peste negra, porém matou mais gente na Europa no século XIV do que aprimeira Guerra Mundial, com seus quatro anos de morticínio organizado, commáquinas especialmente fabricadas para isto(....)”.5
Avaliar o surgimento do sistema público de saúde brasileiro é
invariavelmente analisar o próprio conceito de Estado brasileiro e sua democratização
já que trouxe para si a responsabilidade de criar uma rede pública de assistência à
saúde.
Durante a maior parte dos seus cinco séculos, e principalmente nos últimos,
a assistência à saúde, no Brasil, esteve sob a responsabilidade da própria população,
organizada de forma solidária. Nas primeiras cidades brasileiras, a assistência à saúde
ocorria por meio da atividade caritativa de irmandades leigas e religiosas. A vida
agrária, longe do conforto das cidades, tornava importantes as pessoas que praticavam
a medicina popular, como as parteiras, os ervatários e os raizeiros.
Contudo, em 1988, o Brasil, decidiu que a saúde constituiria direito social e
outorgou ao Estado a obrigação de garantir sua provisão mediante ”políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, artigo 196).
5LEO HUBERMAN. História da Riqueza do Homem. R J: Ed. Zahar, 1974, p. 57-58.
4
Hodiernamente, por determinação constitucional, os serviços públicos devem
ser eficientes e sua qualidade está sujeita à avaliação periódica, externa e interna
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, artigo 31), sendo que a saúde, como um desses
serviços, da mesma forma deveria pautar pela correta prestação.
O Estado foi convocado, compelido a assumir o custeio da assistência
individual à saúde, pois para o sistema econômico vigente, as doenças representavam
um custo elevado, e a relação entre as condições de saúde e a qualidade de vida já
eram conhecidas. Assim, ganhou força por influência dos capitalistas, o movimento
sanitarista, que preconizava medidas de prevenção e tratamento das infindáveis pragas
que nos assolavam.
A intervenção do Estado brasileiro na área da saúde começa a
institucionalizar-se no século XIX, dando início ao relacionamento, permanente, entre o
poder político e a área de saúde, onde a prestação de serviços de saúde
costumeiramente representava a presença do Estado, que ao promover a assistência,
não alcançava o efetivo funcionamento de um modelo de saúde que atendesse a
sociedade de maneira integral e universal.
A história mostra que a intervenção do Estado brasileiro na saúde foi
permanente ao longo do século XX, pois carente de recursos, a maior parte da
população não tinha provisões suficientes para custear a medicina liberal, assim
entendida, como medicina onde livremente se buscam os profissionais, as instituições e
os meios adequados á assistência à saúde, cabendo ao poder público pressionado
pelos interesses econômicos vigentes, como supra mencionado, ser o grande
responsável pelo financiamento da criação e da expansão dos serviços de assistência à
saúde.
Diante de tais fatos as instituições de saúde aproximam-se do centro do
poder constituído e passam a contar com o apoio do poder econômico, cujos interesses
exigiam medidas visando o controle e organização social.
Os problemas agravam-se quando a necessidade de mão de obra para as
indústrias leva ao crescimento das cidades, onde nos aglomerados urbanos, as
5
doenças proliferam com maior facilidade, devido às precárias condições de vida, dessa
forma o Estado é chamado a intervir com a finalidade de garantir a produtividade.
Após a proclamação da República, embora, a ideologia dominante fosse
avessa à intromissão do poder público nas relações privadas, especialmente nas
questões econômicas, o liberalismo da época, não se converteu em óbice às medidas
autoritárias que a República Velha adotou visando à melhoria das condições de saúde
nas cidades brasileiras.
“A intervenção do Estado brasileiro na vida privada dos cidadãos visando àpromoção da saúde é marcante nos primeiros anos da República. Ossanitaristas recebem do poder constituído os instrumentos legais para invadir asresidências e os corpos das pessoas”.6
Já em 1923, a Lei Eloy Chaves determinou a criação de uma Caixa de
Aposentadoria e Pensão (CAP) em cada empresa de estrada de ferro existente no
País, custeadas com as contribuições de patrões e empregados. As CAPs atuavam em
duas frentes, garantindo as aposentadorias e pensões, dos trabalhadores e a
assistência à saúde, dos mesmos. Nos anos seguintes, o modelo expandiu-se,
alcançando outras categorias profissionais.
Em 1933, no Governo Vargas, foram criados os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs) com participação ativa do Estado, agora detentor e provedor dos
serviços de assistência à saúde, o que ampliou a intervenção do mesmo sobre o setor.
Desde o século XIX, em face da estreita ligação entre saúde e poder,
verificaram-se movimentos ora tendentes à descentralização ora à centralização das
decisões a respeito das políticas de saúde, sendo que após as crises epidêmicas
ocorridas no século XX, buscou-se a centralização no conjunto das instituições de
saúde.(LUZ, 1982, p.74).
Esse movimento é percebido nas Constituições de 1934 e 1937. A primeira
em seu artigo 10, inciso II, atribuiu competência concorrente aos Estados e à União
para cuidar da saúde e legislar sobre questões referentes à sua assistência. Três anos
mais tarde, a Magna Carta de 1937 voltou a centralizar, em seu décimo sexto artigo,
6 ANTÔNIO JOAQUIM FERNANDES NETO. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. BH: Ed. Del Rey, 2002, p. 28.
6
nas mãos da União, o poder de legislar sobre normas fundamentais de defesa e
proteção da saúde.
Em 1945, a orientação passa a ser outra, refletindo-se na imediata ampliação
dos benefícios, acarretando a extensão da assistência à saúde aos aposentados e
pensionistas e os institutos criados no Governo Vargas voltam a investir maciçamente
em uma infra-estrutura própria, com a criação de hospitais e ambulatórios. A ordem era
expandir, buscando a criação de uma rede eficaz, capaz de prestar a toda a sociedade
a assistência à saúde.
Em 1960, foi aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que,
além de ampliar as atribuições do sistema de previdência e assistência,
concomitantemente à crescente ampliação dos benefícios, teve impacto direto sobre as
contas dos institutos, que passaram a registrar prejuízos constantes nos meados dos
anos 60.
Os prejuízos começaram a partir de 1964, com a vigência da LOPS, onde as
despesas referentes aos gastos com a assistência à saúde alcançaram 83% da
arrecadação (OLIVEIRA, 1989, p.150).
A solução encontrada pelo governo militar foi à criação do Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS), em 1966, com a extinção de todos os institutos esparsos,
centralizando em uma única e vultuosa instituição a competência para assistência à
saúde no território brasileiro. As dificuldades de financiamento enfrentadas outrora
pelos institutos de previdência serviram como pretexto para a estabilização e unificação
do sistema, que na nova organização, recorreria ao Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Programa de Formação
do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) como suas fontes financiadoras.
Os beneficiários do novo modelo eram exclusivamente os trabalhadores
registrados; estando excluídos os autônomos e os desempregados, sendo que a Magna
Carta de 1967, de maneira ambígua, garantia apenas ao trabalhador, o direito à saúde,
não regulamentando, nem prevendo a possibilidade de se regulamentar como se
procederia à efetivação, da prestação da assistência à saúde.
7
Nota-se que a intervenção do Estado, contudo, continua forte e indispensável
em face do continuado empobrecimento da população assistida.
Em 1968, veio à luz o Plano Nacional de Saúde (PNS), que preceituava
duplo financiamento, onde tanto o Estado quanto o paciente deveriam arcar com as
despesas referentes à assistência à saúde. Não obstante, o PNS foi muito criticado; a
objetivada ampliação da cobertura não foi agraciada, sendo que pressões de
consumidores, técnicos e empresários impediram a sua efetiva implementação.
Em 1974, durante o governo de Geisel, o papel do INPS foi valorizado com a
criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que recebeu o
encargo de promover o atendimento médico-assistencial em caráter individual.
Inexplicavelmente, o Ministério da Saúde sofreu redução em suas atividades
executivas, concentrando-se em ações coletivas e de vigilância sanitária.
Os problemas agravaram-se; a forma adotada para a compra de serviços
facilitou o superfaturamento e favoreceu a corrupção, comprometendo o equilíbrio
financeiro do sistema.
Em 1986, durante a 8 ª Conferência Nacional de Saúde, o movimento
sanitarista consolidou a proposta que viria a orientar a elaboração da Constituição
Federal de 1988, haja vista a crise institucional que assolava a assistência à saúde.
Face à corrupção instaurada, à fragilidade do sistema e ao descrédito que norteavam a
sociedade perante a assistência à saúde estatal, surgiu a proposta de um sistema
único.
A idéia de um “sistema único” opõe-se à dicotomia criada quando o Ministério
da Previdência e Assistência Social retirou do Ministério da Saúde o poder sobre as
atividades de assistência, separando-as das ações preventivas.
Nesse contexto, ganhou força a Reforma Sanitária exposta na supracitada
conferência, onde se privilegiou um modelo de saúde único e coeso que
universalizasse e integralizasse a assistência à saúde aos cidadãos brasileiros. Sendo
que tal opção, ainda que precoce, serviu de base para a Constituição Federal de 1988,
que adotou como modelo de assistência à saúde um sistema único, porém
descentralizado, com direção própria em cada esfera de governo, União, Estado e
8
Município, que seria financiado pelos mesmos, com parte de seus orçamentos para
seguridade social, entre outras fontes.
2.2 - Conceito – SUS
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 196 assim
expressamente determina:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticassociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outrosagravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para suapromoção, proteção e recuperação”.7
A Magna Carta de 1988 visou, ao universalizar a saúde como direito de
todos, ampliar o acesso às todas parcelas da sociedade, aos benefícios dos aparelhos
de proteção social, dando conotação nitidamente redistributiva.
A instituição de um sistema de acesso universal e igualitário rompe com o
ideal de exclusividade, de corporativismo, dando à assistência à saúde um ideal não de
privilégio, mas de benefício extensivo a todos.
A Constituição Federal de 1988, ao trazer para o seu texto, a saúde como
prerrogativa de todos e dever do Estado acarretou um aumento imensurável de
cidadãos com direito a assistência à saúde pública, integral e gratuita, pois as
constituições passadas limitavam o direito ao acesso à assistência à saúde prestada
pelo Estado a tão-somente aos trabalhadores que detinham a carteira da previdência
social, portanto, somente aos trabalhadores formais.
A questão central seria como propiciar a todos o acesso à assistência à
saúde, como construir um arcabouço capaz de efetivar a prestação da saúde como
serviço público extenso a toda coletividade. A própria Constituição da República
7 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1988, art.196.
9
Federativa do Brasil, em seu artigo 198, preceitua a opção adotada para efetuar a
prestação da assistência à saúde, sendo que em se texto determina:
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada ehierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com asseguintes diretrizes:(....)I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;(....)§1º O sistema único de saúde será financiado....com recursos do orçamento daseguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,além de outras fontes.“8
Através do Sistema Único de Saúde, o Estado brasileiro procurou criar um
modelo de assistência à saúde de maneira eqüitativa, universal e descentralizada,
adotando para efetivação do sistema e execução das atividades o referencial de serviço
público.
O Sistema Único de Saúde é na verdade um mosaico de ideais, fruto de um
processo histórico que significa a própria materialização das estratégias de
universalização e descentralização da assistência à saúde. O nosso país possui uma
dívida, que resulta em uma falência na correta e eficaz assistência à saúde para com a
nossa população que remonta aos tempos de colonização, sendo que pautamos o
nosso desenvolver histórico em um modelo de assistência à saúde calcado na exclusão
das classes menos abastadas, privilegiando os detentores do poder e do capital.
O Sistema Único de Saúde seria, portanto uma alternativa natural aos
seguidos anos de exclusão, pois seu modelo embasado na integralização e
universalização da assistência à saúde, paulatinamente suplementaria o déficit social,
estendendo a todos os cidadãos o direito a uma correta assistência à saúde,
acarretando a sonhada redução da pobreza, devido à almejada redistribuição de renda.
O ideal de universalização eqüitativa da assistência à saúde, que embasou
a criação do Sistema Único de Saúde consiste na constante ampliação do acesso da
sociedade brasileira aos serviços públicos de assistência à saúde independente da
situação financeira ou ocupacional dos beneficiários, mas sopesando a necessidade da
8 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1988, artigo 198.
10
sociedade em possuir uma correta rede de segurança social, que quando solicitada
poderia atender aos anseios dos nacionais.
A universalização tentou agraciar não só a medicina curativa, mas também a
medicina preventiva, sendo que a segunda, seria o principal alvo, visto que a distinção
se faz necessária pelo fato das práticas curativas, mais caras, terem sido anteriormente
à criação do Sistema Único de Saúde, a ratio da assistência à saúde brasileira, em
detrimento da medicina preventiva, constituindo um fator de exclusão.
Pois, o acesso aos meios que constituem a primeira é dificultado devido ao
seu relativo alto custo, como hospitais e medicamentos, que não eram colocados à
disposição das camadas mais pobres da sociedade, com isso os setores não
organizados da sociedade, como autônomos e trabalhadores rurais, não eram
salvaguardados pelo sistema público de assistência à saúde, sendo necessário à
extensão deste citado sistema a todos, cumulando ainda as práticas de medicina
preventiva.
A inserção dos setores não organizados da sociedade no sistema
previdenciário, (FLEURY, 1992, p.9) concomitantemente com a extensão da assistência
à saúde a todos como direito constitucional, foram fatores determinantes para buscar-
se a universalização do Sistema Único de Saúde.
Outro ideal que se buscou ao criar o Sistema Único de Saúde, que se
encontra em seu cerne, é o da descentralização, que resultou na transferência do pátio
de decisões no âmbito da assistência à saúde, da esfera federal e estadual
considerados macroatores (COTTA, 1998, p. 27) para a esfera municipal considerados
microatores. O Município surgiu como fator dinamizador da implementação das ações e
dos serviços de assistência à saúde, sugerindo, assim, ao Sistema Único de Saúde
uma efetiva municipalização da assistência à saúde.
Visou-se com este princípio, um sistema de assistência à saúde mais
arraigado na sociedade local, possibilitando um maior controle democrático da provisão
dos serviços da área de saúde, atrelado a uma maior eficiência gerencial, haja vista que
a proximidade com os recursos, acarretaria maior planejamento, organização, direção e
controle dos mesmos, possibilitando assim uma maior transparência e racionalidade
11
administrativa com o aumento da participação da sociedade brasileira no processo de
organização das políticas de saúde.
Assim sendo, o Sistema Único de Saúde é composto de órgãos públicos de
assistência à saúde, nas três esferas de governo, integrados em uma rede
hierarquizada, segundo os preceitos constitucionais, onde se buscou, uma gestão
descentralizada, com comando único em cada esfera de governo. Sendo que face seu
ideal de descentralização, Estados e Municípios, podem buscar diretrizes diversas da
União, no tocante as suas alternativas de gestão, cabendo ainda aos Municípios, a
possibilidade de decidir suas prioridades quanto à alocação de recursos.
Consagrou-se, assim, uma macro-rede de assistência à saúde, dependente
dos Orçamentos do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais e Municipais de
Saúde, além dos repasses efetuados pelo Tesouro Nacional, pelo Ministério da
Previdência e de Tributos atrelados ao financiamento da saúde como a Contribuição
Por Movimentação Financeira – CPMF, que na sistemática atual, repassa 0,38% de
toda movimentação financeira efetuada no país, para a promoção da assistência à
saúde.
O Sistema Único de Saúde representou assim, quando da sua própria
criação, com a Constituição Federal de 1988, a sonhada possibilidade de
transformação de um arcaico sistema de saúde múltiplo e centralizado, em um sistema
coeso e descentralizado que devido à proximidade da sua esfera de gestão para com a
sociedade, representou o anseio da população em obter uma assistência à saúde mais
ampla, igualitária e administrada de forma transparente.
2.3 - Falhas do SUS
Conquistadas as bases constitucionais e legais, o Sistema Único de Saúde,
ainda é maculado por inúmeras falhas que impedem a sua correta implementação.
Embora estejamos diante de ideais que representam uma exaltada consciência social
12
atrelada a uma vontade política de redistribuição de renda, o Sistema Único de Saúde é
carente de experiências positivas de implementação que se moldem à realidade
nacional.
Da mesma forma, a efetivação dos princípios que embasam o Sistema Único
de Saúde, como a universalização, a descentralização da assistência à saúde e uma
maior participação da sociedade na liberação e administração dos recursos destinados
ao sistema, enfrenta como uma de suas principais chagas, a falta de modelos gerencias
adequados à realidade nacional que viabilizem a correta implementação, organização,
planejamento, direção e controle do sistema público de saúde.
O Sistema Único de Saúde é dotado de um magnífico projeto, que apesar de
ter sido beneficamente arquitetado, não conseguiu trazer para o plano fático as
inúmeras benevolências de seu arcabouço teórico, resultando em uma imensa
frustração para o Estado brasileiro, que, impotente, não consegue implementar uma
correta política de assistência à saúde.
O ideal de universalização, não alcançou seu objetivo, pois estamos diante
de uma espécie de “paradoxo das conseqüências não antecipadas das ações em
operação no setor de saúde” (COTTA 1998, p.27), pois a extensão da assistência à
saúde para toda a sociedade acarretou a migração das classes mais abastadas e dos
profissionais de categorias organizadas para o setor privado de assistência à saúde,
diminuindo assim a pressão, a cobrança por melhores serviços. A participação das
camadas mais abastadas na utilização do Sistema Único de Saúde representava um
constante aperfeiçoamento na prestação do serviço público, sendo tal presença
indispensável.
“(....) além de ser meio de dar estabilidade à vida política, é poderoso fator deeducação popular, interessando diretamente os cidadãos na vida pública,obrigando-os, de certo modo, a estudar e conhecer os problemas do país, aempenhar a sua responsabilidade na gestão dos negócios do Estado”.9
O ideal de descentralização, que preconizou uma efetiva municipalização, no
9DARCY AZAMBUJA. Teoria Geral do Estado. SP: Ed. Globo, 1998, p.229.
13
tocante a implementação das ações e dos serviços de saúde, não alcançou seus
objetivos, pois o aumento de encargos, devido a transferência da assistência à saúde
para os Municípios, atrelada á precária situação financeira dos mesmos, sem o
proporcional aumento no repasse de verbas para a esfera municipal, resultou no
agravamento financeiro das contas públicas.
A falta de fontes financiadoras estáveis dificulta a ação do Sistema Único de
Saúde, que incapaz de poder fazer um adequado planejamento de suas ações e
conseqüentemente um adequado cumprimento de suas metas propostas, acaba por
semear constantes oscilações e reduções de seus programas que resultam em
desperdícios financeiros e perda de qualidade no atendimento aos seus milhões de
beneficiários.
“Este quadro compromete a busca da universalidade e da equidade no SUSaprofundando a divisão no Sistema de Saúde brasileiro, condenando a maioriada população brasileira a um sistema de saúde ainda precário”.10
Com uma vultuosa falta de recursos, tanto físicos quanto humanos, e ainda
assolado por falta de meios financeiros e gerenciais, o Sistema Único de Saúde deixa
um gigantesco vácuo de assistência à saúde, que acaba por, inevitavelmente proliferar
o aparecimento das operadoras de plano de saúde. Isto por que a incapacidade do
sistema público em gerir seus recursos gera inevitavelmente medidas de substituição
da presença do Estado pelo setor privado, que busca complementar o sistema público
de assistência à saúde.
O surgimento das operadoras de planos de saúde se deu principalmente não
pelos lucros da atividade de assistência à saúde efetuada ou prestada pelo setor
privado, mas sim pela insegurança proveniente do sistema público.
Mesmo norteado de nobres valores, o Sistema Único de Saúde, preconizado
pela Assembléia Constituinte de 1988, não previu os meios e os recursos suficientes
que provisionassem o mesmo, resultando, assim, em um aumento de volume das
obrigações do Estado, que, impotente, não consegue prestar uma adequada
10 http://www.datasus.gov.br/cns/11Conferencia/XICNS_CARTA_FINAL.htm. Sítio visitado outubro de 2002.
14
assistência à saúde à população brasileira.
3 - Definição de Operadora de Plano de Saúde
3.1 - Histórico
Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Grupo – ABRAMGE, as
precursoras das atuais empresas privadas que prestam serviços de assistência à
saúde, foram as primeiras apólices de seguro individual de acidentes e de saúde, que
surgiram no século passado, nos Estados Unidos da América. Elas resultaram ou
evoluíram para uma espécie de seguro coletivo na década de vinte do mesmo século.
O excedente de capital, presente na economia norte americana, anterior à
década de 1930, possibilitou a criação de um incipiente sistema de assistência à saúde
que complementasse o sistema público, haja vista que a economia norte-americana
anteriormente a crise de 1929, esbanjava formidável pujança financeiro-industrial.
Posteriormente, desenvolveram-se inúmeras organizações empresariais de
prestadores de serviços médicos, que desembocaram nas medicinas de grupo, onde
médicos negociavam seus honorários, propondo valores menores aos praticados no
mercado, que seriam compensados pelo expressivo aumento do número de clientes.
Já em 1929, a sociedade norte americana empobrecida pela crise causada
pelo superaquecimento da economia, atrelada aos baixos índices de consumo,
presenciou o surgimento na cidade de Dallas no Texas, de um novo modelo privado de
assistência á saúde, uma nova forma de assistência médico-hospitalar, que conseguiu
suportar através de um financiamento coletivo da assistência à saúde, o turbulento
período conhecido como a Grande Depressão.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Grupo, no Brasil, o
nascedouro do sistema que viria suplementar o sistema público de assistência à saúde,
com o propósito de efetuar o atendimento médico hospitalar, se deu na cidade de São
Paulo por volta de 1956, quando uma empresa de vultuoso porte desativou seu serviço
de saúde e contratou os serviços de um grupo de médicos, inclusive o que havia sido
15
dispensado, para dar assistência aos seus funcionários mediante um pré-pagamento
fixo.
Buscava-se além da diminuição dos custos, uma sensível melhora nas
condições de assistência à saúde, pois os empresários da época preconizavam uma
assistência correta à saúde como um fator que diminuísse o constante absenteísmo,
que resultava na diminuição da produção e da mesma forma em uma drástica queda na
qualidade da mesma.
Contudo, foi por volta de 1960 que surgiu e desenvolveu o sistema privado
brasileiro de assistência à saúde, a partir das cidades conhecidas como ABC paulista,
sendo estas, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, ambas
pertencentes à região metropolitana da cidade de São Paulo. Naquela região,
acompanhando o profícuo surto de crescimento industrial que se instalava, devido
principalmente à instalação da indústria de transformação e automobilística, se deu o
nascedouro dos primeiros grupos médicos que buscavam uma assistência à saúde
diversa do sistema público.
“É nesse momento que começa o relacionamento entre as empresasespecializadas na venda de serviços médicos à iniciativa privada e o setorindustrial, através do sistema que ficou reconhecido como, ”medicina de grupo”,“grupo médico” ou “empresa médica”.” 11
No início do sistema privado de assistência à saúde, os profissionais da área
de saúde, sobretudo médicos, se organizavam em grupos, criando uma estrutura de
atendimento que visava a busca por custos fixos, e sobretudo previsíveis, pleiteando
evitar as conseqüências do vazio deixado pelo Estado, que apesar de inúmeros
esforços, não conseguia prestar de maneira adequada a assistência pública à saúde.
“(....) O Estado já demonstrava sua incapacidade em acompanhar o novomomento, caracterizada pela queda na qualidade do atendimento médico-hospitalar oferecido pelo setor público, longas filas de espera e superlotaçãodos hospitais”.12
11ANTÔNIO JOAQUIM FERNANDES NETO. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. BH: Ed. Del Rey, 2002, p.36.12ARLINDO DE ALMEIDA. A solução para o problema da saúde é mista e solidária. SP: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 1999, P118.
16
Da mesma forma a medicina passava por uma série de mudanças,
sobretudo
no tocante aos custos dos procedimentos médicos, que devido à explosão tecnológica
aplicada a área de saúde, reduzia drasticamente o atendimento particular, forçando a
busca por uma continua diluição dos custos através da união dos profissionais da área
de saúde, que de maneira coletiva, poderiam arcar com os novos procedimentos,
alcançando uma melhor prestação do serviço de assistência a saúde.
Neste contexto surge assim a medicina de grupo, um sistema privado de
assistência à saúde, dotado de um elevado padrão técnico-profissional, haja vista que
as regras de concorrência privada impelem o sistema privado a um constante estado de
aperfeiçoamento, que se apresentou para a sociedade brasileira como uma alternativa
ao sistema público de saúde.
Contudo a expansão do sistema se faz através de empresas prestadoras de
serviços médicos, que com o advento da lei 9656/98, passam a ser denominadas
operadoras de planos de saúde, constituindo uma sólida rede de assistência à saúde,
composta por hospitais, clínicas e laboratórios privados.
“os sistemas governamentais de saúde no Brasil continuam em francadependência da rede privada contratada para a cobertura de suas metasassistenciais. Tal realidade é gritante, especialmente no segmento hospitalar,em que 80% dos leitos de internação pertecem ao setor privado.”13
Da mesma forma, com características semelhantes às da medicina de grupo,
segundo a ABRAMGE, surgiram em 1967, sob a forma de cooperativas, as Unimeds,
cuja população assistida é da ordem de 10,7 milhões de beneficiários. Não obstante
recentemente surgiu uma nova modalidade de assistência à saúde, denominada
seguro-saúde, cujo plano é vendido e administrado por seguradoras que atuam no
mercado com outros produtos, principalmente relacionados a seguros de bens móveis e
imóveis, sem estrutura assistencial própria, na forma de reembolso das despesas
efetuadas com consultas, exames e internação, sendo que o valor da apólice
contratada seria o limite do citado reembolso.
13A. MÉDICE. Incentivos governamentais ao setor privado de saúde no Brasil. RJ: Revista de Administração Pública, v. 26, n. 2, p.88.
17
Complementando a área privada de assistência à saúde, existe ainda uma
outra modalidade, que se caracteriza como autogestão, que constitui um sistema que é
organizado por empresas públicas e privadas, dotado de uma administração própria ou
ainda contratada, que atua única e exclusivamente no atendimento dos quadros
funcionais da empresa e seus dependentes, sendo responsável pela assistência à
saúde segundo a ABRAMGE, a aproximadamente 8 milhões de pessoas.
3.2 - Conceito
As operadoras de plano de saúde ou simplesmente planos de saúde, como
são comumente conhecidas, são empresas e entidades que atuam no setor de saúde
suplementar oferecendo aos consumidores os planos de assistência à saúde, que
constituem os produtos colocados à venda pelas mesmas.
O termo operadoras de plano de saúde, foi trazido à sociedade em 1998, por
intermédio da lei 9656 que veio regulamentar o setor de plano de saúde como um todo,
definindo a expressão em seu primeiro artigo, enunciando em que consistem os planos
de assistência à saúde e posteriormente elucidando que as empresas que o
negociassem seriam as operadoras de plano de saúde.
Art. 1º
(....)
“I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou
cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, assistência à
saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de
saúde, livremente, escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada,
contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e
odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora
18
contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e
ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob
a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de
autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste
artigo;”14
As operadoras de plano de saúde, possuem intrinsecamente o ideal de
solidariedade, pois o sistema funciona criando um fundo arcado por todos beneficiários,
que visa cobrir os gastos individuais que cada um venha a ter no futuro, sendo que em
defesa efetuada na comarca de Viçosa-MG, em ação proposta contra o PLAMHUV,
Plano de Assistência Médica Hospitalar dos Hospitais Unidos de Viçosa, no Juizado
Especial Cível, processo 012/2003, propusemos que o sistema de saúde privada um
plus ao sistema público é correlato a um sistema de mutualismo, onde muitos arcam
com as necessidades de poucos, dos que necessitam dos auspícios da medicina.
Assim sendo, o ideal de trans-individualismo é patente, onde o não cumprimento com
as obrigações individuais, acarreta a supressão dos direitos coletivos.
Embora comumente as operadoras de plano de saúde sejam acusadas de
lucrar com a doença e não estarem efetivamente promovendo a saúde, ou de serem
empresas que se organizaram para garantir o lucro daqueles que literalmente exploram
a desgraça alheia, a realidade do setor desmente tais falácias.
“Trata-se, portanto, de uma instituição criada com a finalidade de proverfinanciamento da assistência privada à saúde. Os planos são fundos comuns,que reúnem a poupança de grupos de cidadãos com a finalidade de custear-lhes os serviços de assistência à saúde”.15
As mazelas que geraram demasiada desconfiança no setor se devem ao fato
de que crescendo, sem qualquer controle, anteriormente à específica regulamentação
efetuada pelo Estado, em face da necessidade criada pelo mercado, a área de planos
de saúde atraiu muitos aventureiros, e empresas inexperientes, que com a perspectiva
14LEI 9656/98, 1998, artigo 1.15ANTÔNIO JOAQUIM FERNANDES NETO. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. BH: Ed. Del Rey, 2002, p. 13.
19
de lucro fácil, iniciaram suas atividades, captaram a poupança popular, compraram os
custosos serviços de saúde e rapidamente saíram do mercado prejudicando
fornecedores e sobretudo consumidores.
Assim sendo, temos que a atividade precípua das operadoras de plano de
saúde é a administração de um fundo destinado ao custeio dos serviços de assistência
à saúde, onde o atendimento às expectativas do consumidor em obter seu serviço
devido pela operadora, depende de uma terceira pessoa ou instituição, que pertencente
à rede contratada ou credenciada prestará para o consumidor a assistência à saúde,
sendo posteriormente pago pela operadora. O objetivo do beneficiário não é adoecer e
gastar o dinheiro da operadora de plano de saúde, sendo que o seu anseio se
caracteriza por um sentimento de segurança de contar com adequados serviços, caso
haja necessidade.
Atualmente, o papel da medicina liberal, caracterizado pela livre escolha do
profissional médico, foi por demasiado restringido, pois a notória redução da renda das
pessoas gerou uma grande incompatibilidade entre o custo da assistência à saúde e o
poder aquisitivo das mesmas, favorecendo o crescimento das operadoras de plano de
saúde que passaram a mediar essa relação.
Segundo a ABRAMGE, a estrutura do setor compreende hospitais próprios e
credenciados e um aparato de atendimento que inclui médicos contratados e
conveniados, serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento especializado, além de
programas de medicina preventiva, sendo responsável pela cobertura de cerca de 18,3
milhões de pessoas, além de 48,5 mil empresas contratantes.
Portanto, este é o setor que esta monografia se propôs a elucidar, um
sistema privado de assistência á saúde que devido a sua vultuosa importância, é
responsável pelo atendimento de cerca de um quarto da população brasileira
(ALMEIDA, 1999, p.4).
20
3.3 - Atualidades
O setor de saúde suplementar reúne mais de 2000 empresas operadoras de
planos saúde, milhares de médicos, dentistas e outros profissionais, hospitais,
laboratórios e clínicas. Sendo que toda essa rede prestadora de serviços de saúde
atende a uma parcela expressiva da sociedade brasileira, que constitui os beneficiários
dessas empresas, que utilizam planos privados de assistência à saúde para realizar
consultas, exames ou internações.
Segundo a ABRAMGE, no ano de 1998, o setor privado de assistência à
saúde realizou 90,6 milhões de consultas médicas, 1.810 milhão de internações
hospitalares, 380 mil partos, 55,5 milhões de exames laboratoriais, 9,1 milhões de
exames radiológicos, 2,5 milhões de exames por ultra-som, 811 mil
eletroencefalogramas, 2 milhões de eletrocardiogramas, além de cerca de 13 milhões
de outros exames e serviços auxiliares de diagnóstico e terapia. O setor possui
relevância estratégica para economia, movimentando segundo IBGE no ano de 2003, a
exorbitante quantia de R$ 23 bilhões de reais anuais.
Condicionada no texto constitucional a uma estrita regulação do Estado, a
criação de uma legislação específica que viesse a regulamentar a participação da
iniciativa privada no sistema de saúde brasileiro, envolveu 10 anos de negociações no
Congresso Nacional.
A lei 9656/98, portanto é o resultado dessas discussões que se iniciaram no
Legislativo após a promulgação da Constituição Federal. Vale, contudo ressaltar que a
sua aprovação no Senado somente foi possível pela introdução de determinadas
alterações no enunciado legal por meio de Medida Provisória – MP, solução política
adotada – com a concordância dos atores sociais envolvidos – para evitar que o setor
permanecesse operando sem as devidas regras por mais tempo, prejudicando por
demasiado a relação beneficiário-operadora.
Como marco legal do processo de regulamentação, portanto, entende-se o
conjunto formado pela LEI 9656/98 e a Medida Provisória que à época tomou a
enumeração 1.665. Esta Medida Provisória, republicada por várias vezes leva
21
atualmente o número 2177-44, sendo que ao conjunto Legislação e Medida Provisória,
foi acrescido, em janeiro de 2000, a Lei 9961, que criou a ANS – Agência Nacional de
Saúde Suplementar – cabendo – lhe as atribuições de regulação do setor.
A ANS é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, tendo
como fulcro promover o equilíbrio nas relações entre esses segmentos, fiscalizando e
regulamentando o setor. O setor de Planos de saúde vive uma densa transformação
desde o início da vigência da lei 9656/98, quando surgiu, como já mencionado a
denominação Operadoras de Plano de Saúde.
Com base nas informações recolhidas no setor, a ANS definiu 8 modalidades
de operadoras. São elas as administradoras, cooperativas médicas, cooperativas
odontológicas, instituições filantrópicas, autogestões, seguradoras especializadas em
saúde, medicina de grupo e odontologia de grupo, sendo que os planos de assistência
à saúde oferecidos pelas operadoras, seguem as diretrizes estabelecidas na Lei
9656/98. Determinadas características, porém, – como a modalidade de contratação, a
data de assinatura, a cobertura assistencial e a abrangência geográfica – variam de
acordo com cada operadora e seus vários contratos de produtos, assim denominados
as diversas modalidades de “planos” colocados à venda, que se submetem de forma
diferenciada a legislação.
A lei também reconhece a diferença entre os contratos negociados
exclusivamente por um indivíduo para si e para sua família e aqueles negociados para
grupos maiores de pessoas, sendo que beneficiário é aquele consumidor que adquire
uma modalidade de produto colocada à venda por uma operadora, sendo que cabe a
mesma nas determinações do contrato e nas restrições da lei 9656/98, prestar o serviço
avençado.
Ocorre, contudo, que atualmente a ANS, converteu-se em um instrumento
político, aumentando a pressão sobre os planos de saúde, enfatizando as ações de
fiscalização e editando normas quase que diárias, através de resoluções que dificultam
cada vez mais as atividades do setor. A situação é caótica, haja vista que atrelada à
ação da ANS, em julho deste presente ano a Câmara do Deputados, por meio do
Deputado Henrique Fontana, do Partido dos Trabalhadores, representante do povo do
22
Rio Grande do Sul, instaurou a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Planos de
Saúde, exigindo entre outras providências o envio de toda documentação de cada
operadora, no tocante à faturamento, número de usuários e formas de contratos para a
Capital Federal.
Não obstante a inúmeras advertências, notificações e multas oriundas das
inúmeras resoluções que ANS direciona às operadoras, trimestralmente a mesma
agência reguladora envia às empresas de assistência privada á saúde um relatório
denominado ABI – Auto de Beneficiário Identificado, que consiste na cobrança dos
custos de tratamento caso um beneficiário de uma operadora tenha utilizado o Sistema
Único de Saúde, como se um beneficiário deixasse de ser cidadão e perdesse seu
direito constitucional de ter acesso ao sistema público de saúde, quando da sua adesão
a uma determinada operadora de planos de saúde.
Este é, portanto o cenário atual que norteia todo o setor de planos de saúde,
sob a égide de estar protegendo um direito fundamental, o Estado intervêm no setor
privado através de uma agência reguladora visando regulamentar a prestação privada
de assistência à saúde.
4 - Responsabilidade Civil do Estado
4.1 - Introdução
O presente tema tem como fulcro a responsabilidade civil do Estado,
portanto os momentos em que o Estado é compelido a responsabilizar-se pelos danos
causados aos seus súditos.
Contudo, o Estado é um ser intangível, existindo somente na figura de seus
agentes, pessoas naturais e jurídicas que atuando em seu nome, tem sua conduta
imputada ao mesmo. Assim, o estudo da responsabilidade civil do Estado é composto
de três atores, o Estado, o terceiro que sofre o dano e o agente pessoa natural ou
jurídica.
23
A expressão “civil”, não denuncia que o assunto encontra-se no diapasão do
Direito Privado, mas sim que deve o estado exaurir, satisfazer a devida reparação
econômica, oriunda de seus atos constituindo direito do particular, não sendo ainda
necessário mitigar, se qualquer outra seara jurídica será afetada pela questão.
“....responsabilidade civil é a que se traduz na obrigação de reparar danospatrimoniais e exaure com a indenização. Como obrigação meramentepatrimonial, a responsabilidade civil independe da criminal e da administrativa,com as quais pode coexistir sem,todavia, se confundir”.16
Preferimos utilizar o termo Estado em detrimento da expressão
administração pública, pois buscamos aqui analisar a atitude estatal e não a do poder
executivo isolado, sendo que o judiciário e o legislativo, poderes que da mesma forma
compõem o Estado, podem acarretar danos ao particular e serem responsabilizados
pelos seus atos sob a égide de Estado, sendo que esta responsabilidade exaurir-se -á
somente com pagamento da indenização devida ao particular.
4.2 - Teoria da Irresponsabilidade
Nos primórdios do estado, predominava o ideal de irresponsabilidade, pois o
Estado absoluto, dominante, que reverenciava os governantes como entidades
superiores às leis não preceituava responsabilizar o Estado por seus atos. Monarcas e
seus agentes não respondiam pelos danos que viessem a causar aos seus súditos,
sendo que a Inglaterra adotava a seguinte máxima, “The king can do no wrong”, o rei
não pode errar, e acreditava-se que ele nunca errava.
O Estado dispunha de autoridade incontestável perante o súdito, exercendo
a tutela do direito de maneira soberana, não podendo assim o súdito agir contra o
mesmo, sendo que qualquer responsabilidade que fosse atribuída ao Estado,
significaria colocá-lo no mesmo nível que o seu súdito. Este ideal era tão
16HELY LOPES MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro. SP: Ed Malheiros, 1992, p.553.
24
salvaguardado, que vigia o princípio de que o que agradava ao príncipe tinha força de
lei, (DI PIETRO, 2001, p 513) não importando assim se fosse certo ou errado e se
houvesse dano ou não ao particular.
Nos meados do século XIX, o mundo ocidental ainda entendia que o Estado
não possuía qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes, apesar
da visível injustiça deste enunciado, o denominado Estado Liberal, que adotara os
preceitos liberais de Adam Smith, tinha limitada atuação, intervindo raramente nas
relações entre os particulares sendo que sua irresponsabilidade advinha do
distanciamento da esfera pública da órbita privada.
Contudo, essa teoria começou a ser combatida. Devido a sua odiosa carga
de injustiça, a sociedade começou a questionar a própria soberania do Estado, já que
como pessoa jurídica é titular de deveres e direitos, se o mesmo devia tutelar o direito,
não podia deixar de responder quando agisse ou se omitisse, causando danos a
terceiros.
Assim sendo, essa teoria não perdurou, pois a noção de que o Estado era o
ente todo poderoso, mesclava-se com a velha teoria da intangibilidade do soberano,
que foi paulatinamente substituída pelo Estado de Direito, diante do qual existiriam
direitos e deveres, abstração que se faz da mesma forma com as pessoas jurídicas
privadas.
4.3 - Teoria Civilista
Uma vez superado o ideal da irresponsabilidade do Estado, buscou-se no
Direito Civil como opção para solucionar o impasse devido ao vácuo legislativo no
tocante à matéria, sendo que os julgadores ao se deparar com a questão buscavam
igualar o estado aos particulares, exigindo, contudo do particular a prova da culpa, que
acarretava lentidão aos casos, pois deveria o particular levantar a já mencionada culpa
do agente estatal.
25
Desse dilema, utiliza-se a expressão, Teoria Civilista da Culpa, que só foi
superada quando do aparecimento do ideal de inversão do ônus da prova, fazendo com
que o Estado se responsabilizasse pela produção das provas.
Assim, para implementar essa teoria, buscava-se a distinção entre atos de
império e atos de gestão. Os primeiros seriam aqueles praticados pelo Estado, com
todos suas prerrogativas e privilégios inerentes ao poder de império, não cabendo ao
particular questioná-los, vez que não se encontravam atos correlatos a este na esfera
privada, sendo, portanto algo único e exclusivo do Estado, sob a regência de legislação
especial, independente de autorização judicial. Os segundos seriam aqueles praticados
pelo Estado, em igualdade com os particulares quando da gestão de seu patrimônio ou
quando da manutenção de serviços públicos, sendo que a situação de igualdade estava
atrelada ao ideal de se aplicar o direto comum aos particulares.
Contudo, na pratica a diferenciação gerava muitas dúvidas, sendo que para
se efetuar tal diferenciação a jurisprudência procurava distinguir entre as faltas do
agente, atreladas à função pública e as faltas dissociadas de sua atividade,
aumentando assim a confusão sobre a questão. A carência por um discernimento mais
apurado sobre o tema era evidente, pois a dúvida levou a absurdos, como caracterizar
os atos da pessoa do Rei como sendo os de Império e os atos da pessoa do Estado
como sendo os atos de gestão.
“Essa forma de atenuação da antiga teoria da irresponsabilidade do Estado,provocou grande inconformismo entre as vítimas dos atos estatais, por que naprática nem sempre era fácil distinguir se o ato era de império ou de gestão”.17
Devido às dúvidas, grande foi a oposição á essa teoria, sendo que devido a
impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado, paulatinamente essa teoria foi
abandonada, resta, portanto a teoria a teoria da responsabilidade sem culpa, ou teoria
publicista regular a questão da responsabilidade do Estado.
17JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo. RJ: Ed Lumen Júris ltda. 2003, p.433.
26
4.4 - Teoria Publicista
A teoria publicista e suas variações representaram a resposta aos
questionamentos da teoria civilista apaziguando as dúvidas que norteavam a questão,
sendo que a primeira jurisprudência que fundamentou a questão foi o caso Blanco,
ocorrido na França em 1873.
“A menina Agnés Blanco ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foicolhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu paipromoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o estado ecivilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência deação danosa de seus agentes”.18
No caso Blanco, a questão foi decidida por um tribunal administrativo e não
pela justiça comum, pois a mesma denotou que se tratava de apreciar a
responsabilidade decorrente de funcionamento de serviço público, assim sendo a
responsabilidade do Estado não poderia ser regida pelos princípios do Código Civil,
pois está sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e
a imposição de se conciliar os direitos do estado com os direitos privados.
Depois deste caso começaram a surgir teorias publicistas da
responsabilidade do Estado, sendo duas as principais, a teoria da culpa administrativa
e a teoria do risco administrativo.
A teoria da culpa administrativa foi consagrada pelo jurista Paul Duez,
segundo o qual o terceiro que sofreu o dano não precisaria identificar o agente estatal
causador do mesmo, sendo que bastava comprovar o mau funcionamento do serviço
público, mesmo que fosse difícil ou até impossível determinar o agente que acarretou o
dano. A doutrina mais tarde veio denominar o fato como, culpa anônima ou falta de
serviço.
A falta do serviço poderia ser por mau funcionamento, inexistência do mesmo
ou atraso na prestação do serviço público, sendo que qualquer uma dessas três formas
18MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. SP: Ed Atlas. 2001, p. 514.
27
ensejava o reconhecimento da existência de culpa, atribuída à administração pública,
portanto deveria o agente que sofreu o dano demonstrar que este havia ocorrido devido
a atitude do Estado, configurando atuação culposa do mesmo, contudo cabia ao
mesmo o ônus da prova no tocante à prova, (Carvalho FILHO, 2003, p.434), ou seja
além de se provar a existência do dano devia o particular demonstrar a existência da
culpa da administração, tal fato converteu-se em óbice para o particular, que ainda não
alcançava seu direito, ficando tal doutrina ainda longe de se fazer justiça.
Diferenciava-se, contudo, a culpa do funcionário público que lhe recaía
individualmente e a culpa genérica do serviço público, que não existindo a possibilidade
de identificação do agente, considerava-se que o serviço havia falhado e procedia-se à
responsabilidade do Estado. Criou-se assim o binômio falta do serviço – culpa da
administração, perquirindo não a culpa subjetiva do agente administrativo, mas a falta
objetiva do serviço, como fator gerador da obrigação de indenizar o dano causado a
terceiro.
Devido à dificuldade em se provar o dano e a culpa da administração surgiu
a Teoria do Risco Administrativo que amplia a proteção ao súdito do Estado. Por essa
teoria a obrigação do Estado em indenizar encontra-se unicamente no ato lesivo e não
no dano e na existência da culpa da administração.
O Estado seria obrigado a indenizar, mediante a prova da lesão efetuada
pelo mesmo e demonstrada pelo particular, sendo que tal dever poderia ser amenizado
se o Estado conseguisse demonstrar que o seu súdito agiu concorrentemente para
existência do fato de maneira total ou parcial. Essa teoria serve de fundamento para a
responsabilidade objetiva do Estado.
Contudo, essa possibilidade do Estado ter que indenizar de acordo com a
culpa do particular serviu de base para o surgimento de uma variante dentro da teoria
do risco administrativo, surgindo assim a teoria do risco integral que não logrou êxito
devido a sua rispidez que resultava em injustiça, onde segundo a mesma não importava
o dano, nem a culpa do súdito do Estado, pois estando envolvido no pólo passivo da
questão, caberia ao Estado o dever de indenizar, não admitindo sequer qualquer prova
a cerca da questão, que pudesse elidir essa responsabilidade.
28
“Assim, ter-se-ia de indenizar a família da vítima de alguém que, desejandosuicidar-se, viesse a se atirar sob as rodas de um veículo coletor de lixo, depropriedade da administração Pública”.19
Já a teoria do risco administrativo baseia-se no princípio da igualdade dos
ônus, pois assim como os benefícios de uma correta atividade estatal são colhidos por
todos os membros da sociedade, quando há uma falha e a administração gera um
prejuízo, deve o mesmo ser repartido da mesma forma com toda a sociedade. Aqui o
importante é o nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o
prejuízo sofrido pelo particular.
Portanto, os postulados que acarretaram a teoria do risco administrativo, que
seria mais tarde denominada responsabilidade objetiva do Estado, buscaram seus
fundamentos na justiça social, atenuando as vultuosas dificuldades que os particulares
possuíram, quando pleiteavam serem indenizados por condutas errôneas oriundas de
agentes estatais. Diante disso, entendeu-se que por ser mais poderoso, o Estado
deveria arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades
(CARVALHO FILHO, 2003, p.434).
4.5 - Direito Brasileiro.
O novo Código Civil, lei 10406/2002, dispôs em seu artigo 43 que as pessoas
jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes culpa ou dolo, assim sendo
o novo código civil brasileiro ratificou os ideais constitucionais.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º consagra a teoria do risco
administrativo, enunciando, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
19DIÓGENES GASPARINI. Direito Administrativo. SP: Ed Saraiva. 2002. p. 830.
29
privado, prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa, sendo que essa regra permaneceu quase que
imutável desde as duas últimas constituições.
O dano tem que ser causado por um agente do Estado, sob pena de não se
ter caracterizado a responsabilidade objetiva, assim sendo a expressão deve ser
entendida em sentido lato, pois qualquer agente público poderia dar ensejo à
responsabilidade do Estado, não importando se estamos diante de um agente do Poder
Legislativo, Executivo, Judiciário ou particular em colaboração com o Estado, não
importando assim se o agente encontra-se prestando o serviço a título gratuito ou
oneroso. Da mesma forma, não basta que o agente tenha a qualidade de público, mas
que esteja no exercício de suas funções, pois do contrário não caberá a
responsabilidade estatal.
“A constituição atual usou acertadamente o vocábulo agente, no sentidogenérico de servidor público, abrangendo para fins de responsabilidade civil,todas as pessoas incumbidas da realização de algum serviço público, emcaráter permanente ou transitório.” 20
A norma constitucional põe fim às divergências doutrinárias evidenciando
que tanto as pessoas jurídicas de direito público, quanto às privadas prestadoras de
serviços públicos respondem da mesma forma pelos atos de seus agentes, assim
sendo, tanto União, os Estados e os Municípios respondem, como também as
fundações públicas, empresas públicas, sociedade de economia mista, permissionários
e concessionários.
Contudo, a mesma norma constitucional pondera que deve haver prestação
de serviço público, portanto quando a instituição em questão, estiver explorando
atividade econômica de caráter privado, a responsabilidade seria a aplicada pelo direito
privado, portanto este é o caso das empresas públicas e as sociedades de economia
mista que ao prestar serviço de caráter privado regem-se pelas normas desta seara e
não pelas regras de direito público.
20HELY LOPES MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro. SP: Ed Malheiros, 1992, p. 359.
30
A lei constitucional preceitua a existência do dano causado a terceiro, em
decorrência do serviço público, portanto deve haver o nexo de causalidade entre a ação
e a conseqüência, sendo que deve haver, segundo a Teoria do Risco Administrativo,
somente a prova da existência do dano, causado pelo agente público para que se
proceda à indenização a ser efetuada pelo Estado.
4.6 - Responsabilidade por Omissão
Quando estamos diante da constituição, uma análise preliminar, evidencia
que exige-se a necessidade de uma ação para que haja a responsabilidade estatal.
“O texto constitucional em apreço exige para a configuração daresponsabilidade objetiva do Estado, uma ação do agente público, haja vista autilização do verbo causar (causarem). Isso significa que se há de ter porpressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidadeobjetiva por atos omissivos”.21
No tocante a responsabilidade objetiva, como explica o mestre Diógenes
Gasparini, não podemos aplicá-la no caso de ato omissivo, pois para demonstrarmos a
responsabilidade em um fato omissivo temos que necessariamente avaliar a culpa em
questão, porém, a teoria do risco administrativo ou responsabilidade objetiva do Estado,
não aceita a culpa do agente como fator preponderante, mas sim a existência do dano.
Portanto, como ficaria o particular que sofreu um dano oriundo da omissão
de um agente estatal, por exemplo, tendo esse particular o seu veículo abalroado por
outro, quando estava em um cruzamento, ficando dias internado em uma unidade de
tratamento intensivo, em um hospital particular, devido a sinalização luminosa que
estava desligada?
Como ficaria o particular que teve sua casa inundada devido à inexistência
de limpeza nos bueiros das vias públicas, que com as torrenciais chuvas de verão teve
21DIÓGENES GASPARINI. Direito Administrativo. SP: Ed Saraiva. 2002. p. 841.
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seu patrimônio destruído e a permanência em um hospital por dias acompanhando seu
filho acometido de doenças respiratórias, resultantes da exposição da criança a baixas
temperaturas e a intensa umidade da inundação?
Como ficaria o particular que desenvolve câncer no pulmão, depois de ter
morado durante anos ao lado de uma siderúrgica, que não tinha seus filtros de controle
de poluentes fiscalizados, face ao exíguo número de fiscais da área ambiental no
Estado?
“A teoria do risco administrativo não se aplica, portanto, às omissões dosagentes do Poder Público de que decorram danos a particulares, inclusive osretardamentos dos serviços públicos”.22
Nos dizeres do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a questão se
repetiria, corroborando os ideais do mestre Diógenes Gasparini, assim sendo ficaria
desguarnecido o particular que fosse alvo de um dano resultante de um ato omissivo,
no tocante à aplicação da responsabilidade objetiva do Estado.
Da mesma forma, como uma operadora de planos de saúde, que possuía os
particulares supra mencionados em seus quadros de beneficiários, poderia ser
ressarcida dos seus vultuosos gastos, oriundos da inadequada prestação de serviço
público, resultante da omissão dos agentes do Estado?
22DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO. Curso de Direito Administrativo. RJ: Companhia Editora Forense. 2001, p.580.
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5 - Conclusão
Estamos diante de um impasse, pois o setor privado de assistência á saúde,
representado pelas operadoras de plano de saúde é compelido por força contratual a
proceder ao atendimento, independente de qualquer que seja a natureza da situação
exposta pelo seu beneficiário, desde que essa situação esteja coberta por um contrato
e que a questão não seja um dos casos legais de exclusão de cobertura, como:
tratamentos antiéticos, problemas decorridos de tentativa de aborto, questões fora da
área de abrangência, procedimentos que ainda não cumpriram seu prazo de carência,
que consiste no período que a lei faculta a operadora à não efetuar o atendimento,
visando a composição de uma poupança mínima para arcar com os procedimentos,
questões de cunho estético, fornecimento materiais importados etc... Portanto, qualquer
outro tipo de vedação ao atendimento é rechaçada por força contratual.
Da mesma forma a Agência Nacional de Saúde Suplementar prevê pesadas
multas para as operadoras que não efetuam corretamente ou se negam a efetuar o
atendimento aos seus beneficiários.
Com o seu poder de regulamentação e fiscalização a ANS, pôde construir
um arcabouço legislativo sancionador, através de infindáveis resoluções que dão
guarida a atitudes inquisitivas e de repreensão por parte desta agência reguladora.
Assim sendo, não podemos obrigar que o Estado haja como o particular,
procedendo ao imediato atendimento de um beneficiário que veio a sofrer algum tipo de
dano, pois se tratando de um caso de omissão, como poderíamos provar a questão se
a teoria do risco administrativo não da guarida fatos desta espécie?
Portanto, se o procedimento a ser efetuado para com um beneficiário de
plano de saúde for oriundo de fato acarretado pelo Estado, não pode a operadora
entregar o beneficiário ao Sistema Único de Saúde, restando a mesma arcar com os
custos do tratamento.
Resta a operadora, pleitear o recebimento destes custos dos cofres públicos,
alegando que se a conduta do Estado fosse diversa, fosse pautada pelo ato comissivo,
a situação seria da mesma forma diversa, assim se no exemplo mencionado nesta
33
monografia, supondo um caso de inundação, se a limpeza dos bueiros e das galerias
de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente, o Estado poderia ser
responsabilizado, aplicar-se-ia assim o binômio já mencionado, falta do serviço culpa da
administração.
Portanto, estamos diante da teoria publicista da culpa administrativa e não da
doutrina da responsabilidade objetiva do Estado, pois estamos diante de um mau
funcionamento do serviço público.
Assim, devemos buscar a teoria da culpa administrativa, pois apesar de ser
falha no tocante a dificuldade de se provar a culpa da administração, haja vista que
além de se provar a existência do dano deve a operadora de plano de saúde
demonstrar a culpa da administração atrelada ao dano sofrido pelo seu beneficiário, é
esta a opção que nos resta, pois a responsabilidade objetiva do Estado, adotada pela
nossa Constituição, em seu artigo 37, § 6º, enuncia que deve haver uma ação do
agente público, impedindo as operadoras de pleitear tais valores.
Portanto, a conclusão a que chegamos é que precisamos retroceder na
evolução doutrinária, para podermos alcançar o presente problema, ou seja devemos
abdicar da responsabilidade objetiva do Estado, um avanço doutrinário, adentrando na
seara da teoria da culpa administrativa que viabiliza a proposta desta presente
monografia.
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