Post on 27-Jul-2015
POR QUE A CRIMINOLOGIA EXPLICA?
Rubens Correia Junior
Parecista, Advogado, Palestrante e Professor de Direito Penal e processo
penal da Universidade Antonio Carlos – UNIPAC/MG e professor em nível de
pós-graduação da pontifícia universidade católica – PUC/MG. Graduado em
Direito pela Universidade de Uberaba. É Especialista em Direito Tributário e
Direito Penal e Processual Penal pela Universidade de Franca (2007) e pós-
graduado em Criminologia pela PUC/BH e doutorando em Direito Penal pela
Universidade Nacional de Buenos Aires - UBA.
RESUMO
A criminologia é considera uma ciência nova, empírica e bastante controversa,
ela tem como objeto o estudo do crime, delinqüência, suas manifestações,
causas e consequências, mas no afã de responder todas as indagações e
procurar motivos para a criminalidade resta a pergunta simples, porém crucial
de por que a criminologia explica? Qual o motivo impulsionador de suas
respostas e definições? Este artigo discute estas indagações, vislumbrando
além da criminologia a ideologia que a move essa ciência.
Palavras chave: Criminologia, positivismo, teorias críticas
ABSTRACT
The criminology is considered a new science, empirical and very controversial,
it has as object the study of crime, delinquency, its manifestations, causes and
consequences, but the eagerness to answer all questions and seek reasons for
the crime remains the simple question, But crucial to explain why the crime?
What is the reason of your answers and driver settings? This article discusses
these questions, seeing beyond the ideology of criminology that the move this
science.
Keywords: Criminology, positivism, critical theory
1 INTRODUÇÃO
Por que a criminologia explica? Pode parecer uma pergunta quimérica e
até mesmo falaz, mas merece cada vez mais ser respondida e principalmente
refletida. En passant essa inquirição pode se mostrar despretensiosa, mas não
o é. Tal indagação induz a dezenas e variadas respostas, tanto críticas como
conceptivas.
Em se tratando de uma resposta baseada no conhecimento da
criminologia e sua história, outra não poderia ser a resposta senão de um ponto
de vista questionador e principalmente deflagrador, que ponha em cheque,
várias das ideologias ligadas aos estudos dos fenômenos da criminalidade.
Para respondermos essa questão, imperioso se faz relembrarmos que a
criminologia tem o seu gene ligado ao iluminismo, a revolução burguesa e a
concretização moderna da eterna dicotomia pobre versus ricos, entendida aqui
como dominados subjugados aos dominantes.
A solidificação do capitalismo, a ascensão da burguesia e a
exponenciação da ideologia de lucro e propriedade exigiam sistemas e teorias
que garantissem e justificassem as disparidades, exigiam uma explicação que
também aplacasse os ânimos.
2 O CONTRATO E O ACALANTO BURGUÊS
Daí vieram os clássicos...
Focando no “Contrato Social”, edificaram a idílica definição de criminoso
como aquele sujeito que rompeu com o contrato social. Mas que contrato é
esse? Poderia perguntar os premidos camponeses, sem saber que a partir
daquele momento seriam cobrados por um contrato edificado à sua revelia e
com vistas a esbulhá-los ainda mais.
Não nos olvidemos que muitos dos pensadores atuais atribuem sentido
diverso a esse contrato, até mesmo reduzindo a sua importância no âmbito
criminológico, mas cabe-nos neste artigo levantar as indagações e impingir a
controvérsia. Sendo que ao menos um ponto parece pacífico: a ficção criada
por Rousseau (2004) não comporta a todos.
Os clássicos vieram e se instalaram, mas...
Entretanto com o passar de um século os anseios mudaram, ou melhor,
se multiplicaram. O capitalismo se difundiu, alastrou-se por completo, a
revolução industrial enriqueceu a nova burguesia e trouxe ainda mais poder às
classes significantes.
Tal “progresso” trouxe como efeito colateral: a invasão das cidades pela
perigosa, mas necessária, massa de proletariados (sim.. neste período eles
ainda existiam). Trabalhadores que tinham apenas um direito, o de trabalhar
incessantemente para o enriquecimento de seu empregador. No entanto tal
peça, totalmente substituível, mas indispensável para a engrenagem industrial,
poderiam se rebelar.
A estratificação social, que já era grande, se tornou imensurável, e isso
poderia impulsionar a revolta dessas peças “substituíveis” frente à classe
burguesa. Como se não bastasse os intelectuais e burgueses viam a situação
catastrófica da massa proletariada como uma situação inquietante.
Era necessário, portanto, outra explicação, uma resposta ainda mais
justificante que respondesse não só a questão social como também
acalentasse os burgueses e abonasse o fosso social
Em meio a esse turbilhão de acontecimentos e mudanças cria-se mais
uma ficção o Positivismo, nascido nos seios da Escola Italiana. Tal Escola não
teve como mérito ser inovadora, pelo contrário, foi à síntese de várias idéias
que permeavam o ideário europeu há séculos.
As pré-históricas definições fisionomistas de Della Porta (1535 - 1615);
Gaspar Lavater (1741 – 1801) que defendia o julgamento pela aparência do
condenado; Marques de Moscardi e o édito de Valério, “ na dúvida pune-se o
mais feio”, somados a cranioscopia de Fran Gall (1758 - 1828), a frenologia de
Spurzheim (1776-1832) conjugando aos ensinamentos de Morel (1809 - 1873)
deram o ambiente propício e os argumentos necessários para Cesare
Lombroso (1835 - 1909) edificar a teoria que a classe dominante esperava
da criminologia, a teoria do homem delinqüente.
Tal teoria foi menos criada, e mais sistematizada, por Lombroso, com
seu livro “O homem delinquente” finalizado em 1874 e lançado em 1876.
Para o regozijo dos corações burgueses, estava então explicada, de
uma vez por todas (pelo menos até então), a razão da seletividade do Direito
Penal. Era genético (!!!!!). Portanto não era culpa do sistema capitalista, nem
dos modos de produção e distribuição da sociedade.
Amparadas nesta “reconfortante” idéia, tomava formas ainda mais
delineadas a Ideologia da Defesa Social (ou do fim), uma sistematização que
respondia de maneira clara e incontroversa (lógico que para classe dominante
somente) as razões do sistema penal e os motivos do desvio.
A classe dominante não precisava mais se preocupar, não havia relação
do sistema capitalista, a estratificação social, as condições subumanas dos
proletariados com o comportamento desviante, tudo estava correto, e caso
alguma coisa não se adaptasse era “genético”, regenerecência apenas.
Os revoltosos eram há esse tempo degenerados, a criminologia assim
edificava e pasmem (!!!!) a criminologia até provava (!!), por meio de crânios,
fossetas occipitais, atavismo e outros caracteres típicos.
Seguindo as esteiras de Carvalho (2008) podemos aferir que as décadas
se seguiram, e o juízo comum absorveu o discurso ideológico de defesa, e com
isso a alteridade que já não contava com força e energia começou um
processo gradativo de perda e negação.
A criminologia, portanto, respondia de forma direta e voraz para
criminalizar o diferente, o “inferior”, amparada pelos cidadãos abastados que
não admitiam (e não admitem) a temporalidade e alteridade do outro.
Desconsiderava-se então o indivíduo em prol da universalidade, todos iguais,
mas dentro das suas desigualdades.
Lembrando que a criminologia não só elucidava como se travestia de
ferramenta para o equilíbrio Social, M. Angelo Vaccaro (2004) chega a focar
seus estudos na seara criminológica na origem das leis que protegem os
fracos (!!!!!!).
As explicações da criminologia continuavam. A Defesa Social agora
posta, passou por décadas de (in) evolução, discussões e aprimoramentos.
Houve a escola de Chicago e sua teoria ecológica, o crime talvez não
fosse um defeito genético, mas estaria ligado ao nicho, ao “lócus” criminalizar.
Ou seja, o meio era ocasionador, o determinismo continuava embora com
indumentárias sociais.
Vieram também as hipóteses sociológicas, onde baseados em Durkheim
a criminologia continuava a explicar e os motivos e sistema de idéias eram
praticamente os mesmos.
Variações existiram, mas não por coincidência, tais teorias foram
reconhecidas e batizadas nas palavras de Shecaira (2004) como “teorias do
consenso” e não estaríamos equivocados em entender “consenso”, até mesmo
como conivência, como conveniente.
Até então a Ideologia da Defesa Social estava como o Ciclope Polifemo,
vencido por Odisseu, ou seja, um monstro com uma fome voraz, insaciável e
cego. Contudo em 1940, Sutherland revendo a sua própria teoria de 1929,
planta uma indagação que reverbera até os dias hodiernos.
A teoria do “White Collar”, ou colarinho Branco de Sutherland
basicamente questionava como as teorias pretéritas lidavam com os crimes
cometidos pelas pessoas abastadas. Como explicação insurgia com a Teoria
da Associação Diferencial, um avanço em relação às teorias vigentes, no
entanto ainda muito distante de uma contraposição da Defesa social,
Nesta esteira teorias como subcultura, anomia, entre outras, trabalharam
em terreno similar, mas sempre partindo do princípio (ou poderíamos dizer:
falácia) da sociedade tendo por finalidade o funcionamento perfeito das
instituições e todos os cidadãos compartilhando interesses comuns.
A criminologia, deste modo, cada vez mais explicava para justificar
o quadro de dominação existente. Assim sendo por quase dois séculos a
Ideologia da Defesa Social, não só solidificou-se, mas se entranhou nas
vísceras da sociedade. A criminologia servia ao seu papel, qual seja: o papel
de abonadora e validadora da engrenagem tal como ela se encontrava e ainda
se encontra.
3 IDÉIAS INCONVENIENTES
Porém algumas vozes inconvenientes se levantaram para afirmar que a
criminologia não poderia explicar nada baseada em um consenso imaginário e
fictício. Tendo como pontapé inicial o Interacionismo Simbólico (Labelling
Approach) a própria criminologia é questionada, e é estabelecido (ou lembrado)
que a sociedade é fundada na força e na coesão, a dominação de muitos sobre
poucos.
Tomando emprestado uma definição de Salo de Carvalho (2008), a
criminologia sofre então a primeira de várias “feridas narcisísticas”. Percebe-se
que a ciência criminal se funda em conceitos pré-determinados (como uma
sociedade estruturada e cooperação mútua) inexistentes e não factíveis.
Muda-se o foco, não mais o crime e o criminoso como satisfazia a classe
dominante, mas agora o sistema penal como um todo, que de baluarte e aliado
incontestável dos detentores dos meios de produção, começa a ser visto como
sistema seletivo e cruel.
A doutrina Criminal parece então, querer se livrar da Eleuterofobia que
se encontrava afundada, desde seus primórdios e arrisca os primeiros e
incertos passos.
Ao invés de degenerescência, a estigmatização, ao invés da prisão
ressocializadora, a prisão como sistema eficaz de controle da velha massa
proletariada (hoje precariada).
A partir deste fermento de ruptura vieram os críticos, radicais e os
abolicionistas, a escola de Bolonha (Baratta, Bricola, Pavarini entre outros)
bradando pelo fim das desigualdades, eliminação da exploração econômica e
da opressão de classe. Concretizando que o delito é um fenômeno dependente
do modo de produção capitalista e exigindo o fim do Direito Penal.
A criminologia se encontrou desfigurada, ferida em seu narcisismo, mas
os motivos que a impeliam a explicar o delito (a proteção dos interesses de
uma classe, a massificação do medo) continuavam a existir e a clamar por uma
resposta a altura.
E as respostas não tardariam a vir. Nas últimas décadas as teorias de
Defesa se fortaleceram e voltaram travestidas das mais diversas formas, mas
com a mesma voracidade ciclopeana de sempre.
Utilizando-se da proliferação do sentimento de medo e a democratização
do terror e do pânico, a indigitada teoria lançou mão de doutrinas tais como: A
“tolerância zero” e “janelas quebradas” entre outras e a punibilidade máxima
em respostas ao absurdo (para a classe dominante é claro) do Direito Penal
Mínimo.
E como arcabouço e garantia da perpetuação do ideário dominante
Jackobs lança o seu Direito Penal do Inimigo, tão aplaudido no meio intelectual
e inafastadamente absorvido pela jurisprudência de quase todos os países.
CONCLUSÕES (se assim podemos chamar)
Mas por que a criminologia explica? Ela explica por que é imprescindível
justificar, por que os detentores dos meios de produção e arrendatários
também do Direito Penal necessitam de respostas que abonem e garantam as
suas riquezas, suas propriedades e regalias. E principalmente que perpetuem a
classe de desprivilegiados em seu papel coadjuvante, desapropriada de todo
tipo de benesse.
Portanto a criminologia da repressão (Cirino, 2008 ) não só explica como
afiancia, por todos estes motivos ora apresentados. No entanto não seria
quimérico lembrar que nos resta a velha (???) criminologia da libertação
(Cirino, 2008 ), esta sim, tenta explicar na tentativa de edificação de um mundo
mais igualitário e democrático. Uma utopia orientadora, mas que tenho a
esperança que se torne uma realidade reformuladora.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 254p.
BECCARIA, Cesare de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. 11. ed. São Paulo: Hemus, 1995. 126p.
CARVALHO, Salo. Anti-Manual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. 228p.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 3 ed. Curitiba: Lumen Juris,2008. 137p.
LOMBROSO, César. O Homem Delinqüente. Tradução de Maristela Bleggi Tomasini. Porto Alegre: Ed. Ricardo Lenz, 2001.556p. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004. p.236.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. RT. São Paulo, 2004. 384p.