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Brandão, Carlos Gomes Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde: Carlos Gomes Brandão – Cuiabá: 2006 152p ISBN XXXXXXXXXXX 1. Direito processual Constitucional 2. Direito da Saúde. 3. Eficácia processo. I Título CDU XXXX
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CARLOS GOMES BRANDÃO
PROCESSO E TUTELA ESPECÍFICA DO DIREITO À SAÚDE
CUIABÁ/MT 2006
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DEDICATÓRIA
Aos assistidos da Defensoria Pública, que representam
a imensa maioria do povo brasileiro, vítimas de um
sistema político-econômico e social gerador de
profundas desigualdades, fonte inspiradora de nossas
incansáveis horas dedicadas ao estudo, na busca de
aprimoramento do nosso conhecimento e de
mecanismos idôneos para a tutela dos direitos
prometidos.
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EPÍGRAFE
Quem transforma o mundo não são as maiorias
acomodadas mas, sim, as minorias determinadas.
(Maurice Duverger).
O processo deve dar, enquanto praticamente
possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e
precisamente aquilo que ele tem direito de
conseguir, isto é, o optimum da funcionalidade da
execução consiste no assegurar ao titular do direito
o mesmo bem que ele teria conseguido se
inexistisse o fato antijurídico cuja remoção postula.
(Chiovenda)
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RESUMO
Processo e a tutela específica do direito à saúde é um de estudo de natureza
qualitativa, que teve como base pesquisa exploratória, desenvolvida sob o método
dedutivo e análise de casos concretos. O estudo trata do processo como
instrumento para a tutela dos direitos não patrimoniais, entre os quais o direito à
saúde, e das técnicas processuais mais adequadas para a tutela efetiva e célere de
tal direito fundamental, protegido pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Para tanto, o direito à saúde foi caracterizado como obrigação de fazer, que vincula,
por um lado, o Estado devedor ao cidadão credor, quando se trata de assistência
pelo Poder Público e, por outro lado, nas relações privadas, como devedores os
fornecedores dos planos e seguros de saúde e, na condição de credores, os
usuários consumidores. Nesse sentido, a utilização das tutelas específicas,
especialmente as ações mandamentais fundadas nos artigos 461 do Código de
Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, se constituem em técnicas
processuais aptas e idôneas para a tutela do direito à saúde. Não obstante o
reconhecimento de que tais ações são as mais idôneas para a tutela do direito à
saúde e a sensibilidade no Poder Judiciário no que tange a tais demandas, a
Fazenda Publica tem sido recalcitrante no descumprimento das ordens judiciais.
Assim Também é abordada a temática da tutela jurisdicional do direito à saúde e o
(des)cumprimento das decisões judiciais, com o estudo de casos concretos e a
indicação de possíveis soluções.
Palavras-chave: Saúde, direito fundamental subjetivo: obrigação de fazer;
Processo: tutela específica; ações mandamentais; eficácia e cumprimento das
decisões judiciais.
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SUMÁRIO
Introdução..................................................................................................................8
1 A saúde como direito social fundamental..........................................................13
1.2 Teoria Jurídica dos direitos fundamentais..................................................14
1.3 Direito fundamental à saúde no ordenamento jurídico brasileiro .............20
2 A assistência à saúde como obrigação de fazer ...............................................25
2.1 A saúde como direito público subjetivo do cidadão e dever (obrigação) Estado...................................................................................................................26
2.2 A saúde como obrigação de fazer nas relações de consumo ...................31
3 O processo e a tutela dos direitos fundamentais..............................................36
3.1 Processo e tutelas específicas dos direitos................................................52
4 O processo e a tutela específica do direito à saúde .........................................62
4.1 Tutelas específicas do deito à saúde como obrigação de fazer................62
4.1 Tutela específica do direito à saúde em face do Poder Público................72
4.2 Tutela do direito à saúde nas relações de consumo..................................88
4.3 Modelos de petição inicial – casos concretos ............................................96 4.3.1 Ação de obrigação de fazer para fornecimento de medicamento ............96 4.3.2 Ação de obrigação de fazer - internação em UTI ..................................104 4.3.3 Ação de obrigação de fazer contra operadora de plano de saúde.........112
5 A tutela jurisdicional do direito à saúde e o cumprimento das decisões judiciais..................................................................................................................120
6 Considerações finais .........................................................................................138
Bibliografia.............................................................................................................147
Anexos – Principais dispositivos legais do direito à saúde..............................151
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Introdução
O presente trabalho foi elaborado para atender a requisito parcial para a
conclusão do curso de especialização lato sensu em Direito Civil e Processo Civil,
ofertado pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, sob a Coordenação
Administrativa da ATAME - Mato Grosso.
O problema estudado foi escolhido a partir da dúvida de como escolher as
tutelas jurídico-processuais mais adequadas para a garantia do efetivo cumprimento
do direito fundamental à saúde no sistema jurídico-processual brasileiro.
A hipótese levantada, inicialmente, foi de que o sistema jurídico-processual
brasileiro dispõe de formas de tutelas específicas, além de outros mecanismos que
podem ser manejados para a obtenção da efetiva tutela do direito à saúde, de modo
a conduzir a um resultado prático igual, ou no mínimo equivalente, àquele que
deveria ter sido espontaneamente cumprido pelo obrigado à prestação. Para
alcançar tal escopo, a proposta foi atingir os seguintes objetivos:
1. Demonstrar que o direito à saúde é direito público
fundamental e subjetivo do cidadão e, nesse sentido, permite ao
titular desse direito exigir do Poder Público (saúde pública) e do
setor privado (contrato de plano de saúde) prestações materiais
positivas de assistência à saúde;
2. Identificar e examinar as formas de tutelas específicas e de
urgência aptas à proteção do direito à saúde no sistema jurídico-
processual brasileiro;
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3. Avaliar casos concretos onde as decisões judiciais não foram
efetivamente cumpridas ou tiveram o seu cumprimento protelado
pelo obrigado ao cumprimento;
4. Identificar e analisar casos concretos cujos conteúdos
decisórios apontaram caminhos efetivos de cumprimento das
decisões judiciais de tutela do direito à saúde;
5. Apontar os mecanismos existentes no sistema jurídico pátrio
que possam assegurar o efetivo e célere cumprimento das decisões
judiciais garantidoras do direito à saúde.
A escolha do assunto a ser tratado deve-se a nossa atuação como Defensor
Público titular do Núcleo de Proteção à Saúde e ao Idoso, da Defensoria Pública do
Estado de Mato Grosso. Isto porque na labuta diária nos defrontamos com pessoas
carentes que necessitam se socorrer da via judiciária para ter garantido o acesso à
assistência médica e farmacêutica por parte do Sistema Único de Saúde e, bem
como no que concerne às obrigações descumpridas pelas operadoras de planos de
saúde que atuam no mercado privado.
Destarte, no manejo das ações judiciais concernentes aos casos atendidos,
nem sempre foi fácil escolher a medida mais adequada; mesmo quando a escolha
pareceu correta, várias decisões judiciais ficaram desprovidas de conteúdo que
pudessem garantir o seu imediato e efetivo cumprimento, principalmente quando
destinadas ao Estado-Administração, de forma que o descumprimento ou a
protelação do cumprimento tem causado danos irreparáveis ao jurisdicionado.
Várias questões processuais podem ser levantadas no que se refere às
demandas judiciais de tutela do direito à saúde, especificamente no que diz com a
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escolha dos meios processuais adequados e à eficácia concreta das decisões
judiciais que concedem à tutela jurisdicional pleiteada.
Para o cumprimento de tão importante e fundamental direito substancial
(constitucional e infraconstitucional), mister se faz que o direito processual disponha
de instrumentalidade para garantir uma efetiva, tempestiva e adequada tutela
jurisdicional.
É possível afirmar que o sistema processual brasileiro coloca, à disposição do
jurisdicionado, diversos procedimentos que podem ser manejados na proteção do
direito à saúde, seja do ponto de vista das ações individuais, seja no que tange às
ações coletivas. A título de exemplo podem ser citados: ação ordinária, ação
sumária, ação civil pública, mandado de injunção, mandado de segurança, etc.
Diante de tal situação é que o estudo e a sistematização das tutelas
específicas e de urgência, além de outros mecanismos jurídico-processuais aptos à
garantia da eficácia das decisões judiciais assecuratórias do direito à saúde, se torna
extremamente importante, pois o operador do direito e mesmo o jurisdicionado
poderá dispor de material de fácil consulta para a escolha do melhor caminho a
seguir.
O estudo teve como base a pesquisa exploratória, desenvolvida na
perspectiva da abordagem qualitativa e com a utilização do método dedutivo na
análise de dados, os quais foram coletados em fontes bibliográficas, sites jurídicos e
correlatos, artigos científicos, revistas especializadas e outras obras doutrinárias já
elaboradas e pertinentes ao tema. Também foram pesquisados casos concretos e
jurisprudência, referentes ao assunto.
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O trabalho foi dividido em seis capítulos: no primeiro trata da saúde como
direito social fundamental do homem, protegido nos diversos ordenamentos
jurídicos, nos tratados internacionais e positivado no sistema jurídico brasileiro como
um dos principais direitos fundamentais; no capitulo seguinte, a abordagem é a
caracterização do direito à saúde como obrigação de fazer, que vincula, por um lado,
o Estado devedor ao cidadão credor, quando se trata de assistência do Poder
Público, e os fornecedores dos planos e seguros de saúde, como devedores, e os
usuários consumidores, nas relações negociais privadas; no quarto capítulo volta-se
à teoria dos direitos fundamentais, dessa feita para a análise de que o processo,
visto sob esta ótica, deve servir de instrumento para a proteção dos direitos,
especialmente os direitos fundamentais ínsitos no ordenamento constitucional pátrio,
com ênfase na abordagem sobre a tutela específica no sistema processual
brasileiro; no quinto capítulo chega-se a análise mais pormenorizada das tutelas
específicas do direito à saúde caracterizado como obrigação de fazer, onde se
pretende demonstrar que as ações mandamentais fundadas nos artigos 461 do
Código de Processo Civil (CPC) e 84 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se
constituem em técnicas processuais aptas e idôneas para dar guarida a um dos mais
importantes direitos fundamentais do homem, haja vista se tratar de dispositivos
legais que permitem uma variada gama de poderes atribuídos ao juízo, os quais
permitem a otimização e concretização dos mandamentos judiciais concessivos de
tutela específica do direito à saúde, inclusive com a antecipação de tutela
liminarmente ou no curso do processo, uma vez que assistidos de meios de coerção
que podem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e abreviar o acesso à
satisfação do direito material violado; no sexto capítulo é abordada a temática da
tutela jurisdicional do direito à saúde e o (des) cumprimento das decisões judiciais,
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com o estudo de casos concretos e a indicação de possíveis soluções para a
concretização dos provimentos judiciais.
Destarte, o direito processual moderno deve ser voltado para dar efetividade
ao direito substancial. Nesse sentido, é preciso que sejam delineadas tutelas que
sejam capazes de fazer frente a essa necessidade de resultado efetivo e tempestivo.
Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Rangel Dinamarco, Araken de Assis, Humberto
Teodoro Júnior e Kazuo Watanabe, dentre outros processualistas pátrios que estão
entre aqueles que mais têm estudado a questão inerente à instrumentalidade do
processo como meio de garantia e eficácia dos direitos substanciais, sevem de
marco teórico para a abordagem da tutela específica do direito á saúde no sistema
processual pátrio.
No caso em tela, para o delineamento das técnicas processuais que podem
ser consideradas mais adequadas e efetivas para garantir o cumprimento do direito
material à saúde, partiu-se do entendimento de que o direito à saúde é direito
fundamental subjetivo e, dessa forma, permite que sejam exigidas prestações
materiais positivas do Poder Público e do fornecedor particular.
Por certo que o tema apresenta invulgar importância na atualidade, e
qualquer que seja o prisma a ser considerado, demanda ampla reflexão. No caso em
tela a temática pertinente à tutela do direito à saúde como dever do Poder Público,
especialmente, e nas relações de consumo, será abordada quanto às técnicas
processuais e outros meios legais aptos para garantia de efetividade e
tempestividade, especificamente no que tange à tutela do direito individual.
E isto porque muitos estudos abordam a temática do direito à saúde no sistema
jurídico pátrio, mas é relativa a ausência de trabalhos que tratem especificamente
das técnicas processuais de tutela desse direito.
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1 A saúde como direito social fundamental
Qualquer estudo que se pretenda empreender no que diz com o direito à
saúde não pode prescindir de sua análise como direito social fundamental da pessoa
humana, reconhecido e positivado nos mais diversos ordenamentos jurídicos, em
vários deles como mandamento constitucional; este é o caso da Magna Carta
Brasileira, onde é possível afirmar que se trata do principal direito fundamental social
albergado pela nossa Constituição.
No plano internacional, a própria Declaração Universal da Organização das
Nações Unidas (ONU), de 1948, declara expressamente que a saúde e o bem-estar
da humanidade são direitos fundamentais do ser humano. No mesmo sentido, nas
convenções e nos tratados internacionais, reconhecidos e ratificados pelo Brasil,
também são encontradas referências ao direito à saúde como direito social
fundamental.
Não obstante aqueles que questionam a constitucionalização do direito à
saúde, muitas vezes até negando a sua condição de direito fundamental, a
constituição brasileira, afinada com o ordenamento jurídico internacional, agasalha a
saúde como direito social fundamental, de modo que a tutela de tal direito encontra
em nosso ordenamento dupla proteção, formal e material, como se verá mais
adiante.
Antes, porém, para que se compreenda o direito à saúde, assim como os
demais direitos sociais, como direitos fundamentais, mister se faz a conceituação
dos direitos fundamentais, o que será visto no item seguinte.
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1.2 Teoria Jurídica dos direitos fundamentais
Não é tarefa fácil estabelecer uma conceituação única e definitiva para o que
convencionou denominar de direitos fundamentais, pois a definição desses direitos
varia de lugar para lugar, de momento histórico para momento histórico e,
principalmente, de ideologia para ideologia. Yeda Tatiana Cury leciona que “Direitos
fundamentais – em sentido estrito podem ser conceituados com o conjunto de
normas que cuidam dos direitos e liberdades garantidos institucionalmente pelo
direito positivo de determinado Estado”. 1
Ingo Sarlet ensina que os direitos fundamentais podem ser abordados a partir
de diversas perspectivas, dentre as quais enumera três: a) perspectiva filosófica (ou
jusnaturalista), a qual cuida do estudo dos direitos fundamentais como direitos de
todos os homens, em todos os tempos e lugares; b) perspectiva universalista (ou
internacionalista), como direitos de todos os homens (ou categorias de homens) em
todos os lugares, num certo tempo; c) e perspectiva estatal (ou constitucional), pela
qual os direitos fundamentais são analisados na qualidade de direitos dos homens,
num determinado tempo e lugar. Tais perspectivas não esgotam o elenco de pontos
de vista a partir dos quais se pode enfrentar a temática dos direitos humanos, nem
podem ser abordadas com exclusividade, pois se interagem e se completam. 2.
1 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 01.
2 SARLET, Ingo Worfgan. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado,
1998, p.25
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De acordo com Barreto “o termo direito fundamental pode ser empregado
para designar certos direitos que reconhecem e garantem a qualidade de pessoa ao
ser humano”. 3. Prosseguindo, o citado doutrinador assevera que
[...] dentro de uma interpretação ética dos direitos humanos, fundada em valores intrínsecos à racionalidade humana, deve-se compreender os direitos sociais como direitos essenciais e inafastáveis, por conseguinte fundamentais. A partir dessa eticidade dos direitos humanos, pode-se falar em direitos fundamentais sociais, quais sejam, aqueles que, em vez de serem direitos contra o Estado, se constituem em direitos através do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais [...]. 4.
Não obstante as diversas designações existentes, haja vista que a doutrina
não é uníssona, direitos fundamentais do homem parece ser a expressão mais
adequada, porque além de referir-se a princípios que resumem a concepção de
mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada
para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que
concretizam a garantia de uma convivência digna, livre e igual para todas as
pessoas.
A evolução do que hoje se denomina direitos fundamentais, teve início na
antiga Grécia, onde, de forma embrionária, havia o direito de cidadania. Na idade
média, o reconhecimento de alguns direitos individuais religiosos, principalmente
pela doutrina dos direitos materiais, também foi importante para a evolução dos
direitos fundamentais. Finalmente vieram as fases da teorização e da
constitucionalização desses direitos. A primeira se caracterizou pela elaboração
teórica racional e serviu de base para as declarações formais de direitos. A segunda
se caracteriza pela positivação, ou seja, pelo surgimento de leis de direitos
3 BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 123. 4 Ibid., p. 124.
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fundamentais. Segundo as lições de Yeda Tatiana Cury, “Os direitos sociais
surgiram da tentativa de mitigar as desigualdades sociais, assumindo, o Estado, a
responsabilidade de promover o mínimo necessário à sobrevivência dos indivíduos
no mundo civilizado.” 5.
Nesse sentido, além de caber ao Estado garantir o exercício dos direitos
fundamentais, ao mesmo tempo, as pessoas têm o direito de exigir desse mesmo
Estado uma prestação positiva ou negativa concernente ao direito à saúde. Assim,
não pode “o poder estatal deixar de desenvolver esforços para atender à população
mais carente que não tem recursos para pagar um plano privado de saúde, pois
essas pessoas acabam sendo ameaçadas diretamente no seu direito à vida e à
integridade física.” 6.
Nessa perspectiva, vale consignar que parte considerável da doutrina, que
trata dos direitos sociais fundamentais, afirma que a obrigação do Estado no que
concerne à garantia destes direitos se relaciona ao denominado mínimo existencial.
Ricardo Lobo Torres, por exemplo, afirma que não há de se confundir os
direitos sociais e econômicos com o mínimo existencial. Estes devem ser
assegurados pelo Estado, gratuitamente, apenas para alguns e mediante receita
oriunda dos impostos. Já os direitos sociais e econômicos os próprios titulares
devem contribuir para a sua manutenção. Assim, o Estado Democrático de Direito
passa a garantir o mínimo, deixando a questão da segurança dos direitos sociais
5 CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 25.
6 BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130.
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para o sistema securitário o contributivo, baseado no princípio da solidariedade. No
Brasil há um misto dos dois modelos, principalmente no que tange a questão da
saúde, onde a gratuidade e a universalidade, como princípios do sistema,
asseguram todas as prestações de saúde a todas as pessoas. Na verdade o
Sistema Único de Saúde (SUS), não tem paralelo em todo o direito comparado. 7
Assim leciona o citado Autor:
O Estado Democrático de Direito passa a garantir o mínimo, deixando a questão da segurança dos direitos sociais para o sistema securitário o contributivo, baseado no princípio da solidariedade” (pág. 27)
[...]
Dessa forma, para a legitimação dos direitos sociais fundamentais stricto senso (mínimo existencial), mister se faz a conjugação de alguns princípios, destacando-se: a) a ponderação no sentido de equilibrar os princípios fundamentais; b)razoabilidade, para buscar soluções proporcionais e equilibrados.
8
Também sobre o tema, assim se pronuncia Ingo Sarlet:
A primeira dificuldade com a qual nos deparamos na tarefa de averiguar a possibilidade do reconhecimento de um direito subjetivo individual a prestações na área da saúde reside, portanto, na forma pela qual o direito à saúde (a exemplo da maior parte dos direitos sociais prestacionais) foi consagrado pelo Constituinte. Além disso, a exemplo dos demais direitos sociais de cunho positivo, também o direito à saúde tem sido considerado (entre nós e no direito comparado, muito embora e felizmente, cada vez menos) como dependente de intermediação legislativa, de tal sorte que não são poucos os que lhe negam a sua plenitude efícacial. Outro aspecto que merece ser destacado diz com o conteúdo de um direito subjetivo nesta esfera, já que o leque de necessidades é de tal forma amplo, que dificilmentepoderá ser abrangido por qualquer normalização constitucional ou infraconstitucional.
9
7 TORRES, Ricardo Lobo. A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. In: SARLET,
Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
8 Ibid., p. 27
9 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1998, p. 314 e segs.
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Contrapondo-se à tese acima esposada, Vicente Paulo Barreto afirma que o
Estado democrático de direito adotou como valores supremos o exercício dos
direitos sociais e individuais.
Nesse sentido, o constituinte considerou os direitos sociais como categoria
jurídica da mesma hierarquia dos direitos civis e políticos, uma vez que todos se
incluem na categoria jurídica essencial ao regime adotado.
Assim, não haveria razão para negativa de efetividade dos direitos sociais,
atribuindo-lhes a categoria de meras pautas programáticas. Aliás, essa idéia
repercute no processo judicial, pois parte da magistratura nacional interpreta a
Constituição a partir de uma exegese dogmático-positivista.
Também é nesse sentido que ganha corpo, na doutrina constitucionalista
brasileira, a idéia do mínimo existencial, no sentido de que o indivíduo somente tem
direito público subjetivo de exigir do Estado o necessário para uma existência
mínima digna. Essa teoria contribui para a interpretação restritiva quanto à aplicação
dos direitos sociais, esvaziando sua amplitude. Para esses doutrinadores, a
aplicação máxima dos direitos sociais redundaria no sacrifício do mínimo assistencial
diante da carência de recursos, de modo que o Estado ficaria impotente para
garantir aquele mínimo. 10 Interessante observar que tal forma de interpretação
jamais foi utilizada quando se trata dos direitos civis e políticos.
Ademais, não se pode olvidar de que os direitos fundamentais básicos estão
cada vez mais dependentes de prestações positivas do Poder Público. Nesse
sentido, Barreto afirma ainda que “os direitos sociais fundamentais encontram
10
BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
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fundamento ético na exigência de justiça, na medida com que são essenciais para a
promoção da dignidade da pessoa humana, indispensáveis para a consolidação do
Estado Democrático de Direito”. 11.
Destarte, a interpretação mais coerente com os desígnios do Estado
Democrático de Direito é aquela que reconhece e garante a qualidade de pessoa ao
ser humano, ou seja, os direitos sociais encontram fundamento ético na exigência de
justiça e de promoção da dignidade do ser humano, pois, como reconhece o próprio
Ingo Sarlet:
Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reservas parlamentares em matéria orçamentária) implicam certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para o atendimento de todos os direitos sociais fundamentais básicos, sustentamos o entendimento, que aqui vai apresentado de modo resumido, no sentido de que sempre que nos encontrarmos diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de outros bens essenciais, notadamente em se cuidando da saúde, da própria vida, integridade física e dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do particular à prestação
reclamada em juízo. 12
Sarlet, no artigo citado, afirma que apesar da Magna Carta não ter definido o
objeto do direito à saúde, e que tal definição constitui dever do legislador Federal,
Estadual e Municipal, não deixa de reconhecer que também o Judiciário tem a
11
BARRETO, Vicente Paulo. Reflexão sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 130. 12 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ – Centro de Atualização Jurídica. nº 10. Janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 de fev. 2006 [capturado], p. 13.
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incumbência de interpretar as normas constitucionais, definindo o alcance e a
concretude do direito à saúde. 13.
Na análise do direito à saúde como direito fundamental chama a atenção a
necessidade de maior efetivação no cumprimento da prestação positiva à saúde,
pois este é o principal direito fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.
É nessa perspectiva que direitos fundamentais são considerados no presente
trabalho, visto que o direito à saúde e sua proteção pelo direito processual, que
constitui o tema estudado, não pode prescindir da proteção do Estado.
Assim, para proteção e efetivação dos direitos fundamentais, ressalta-se a
importância do Poder Judiciário, que para a efetivação destes direitos deve-se mirar
apenas na Constituição, de modo que se a lei lhe for contrária, ou ainda a falta de
lei, não pode servir de óbice para que os juízes façam cumprir os mandamentos
constitucionais.
1.3 Direito fundamental à saúde no ordenamento jurídico brasileiro
Conforme asseverado, linhas atrás, a Constituição da República Federativa
do Brasil, na esteira dos mais modernos ordenamentos jurídicos mundiais, dispõe,
em seu artigo 6º, que “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Já o artigo 196 da
Magna Carta assevera que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
13 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ – Centro de Atualização Jurídica. nº 10. Janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 de fev. 2006 [capturado].
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de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”. O artigo 198 determinou a criação do SUS que
é a rede regionalizada e hierarquizada para cumprir o leque de atribuições antes
enumeradas.
Todavia, a organização das ações e serviços públicos de saúde no Brasil é
muito recente, e, no plano constitucional, somente a partir da Constituição de 1934 é
que se começou a tratar do assunto.
No período Colonial a ação do Estado nesse campo foi insignificante, e
durante quatro séculos a assistência à saúde era prestada pelas Santas Casas de
Misericórdia.
A partir de 1923, quando foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensões para
os ferroviários e outras que lhe seguiram, iniciou-se um longo período no qual a
assistência à saúde somente era assegurada aos trabalhadores assegurados das
diversas caixas de assistência.
Somente em 1975, com a Lei 6.229/75, que constituiu o Sistema Nacional de
Saúde, foi que se iniciou o processo em que as atividades de promoção, proteção e
recuperação da saúde passaram a ser obrigação do Estado.
Várias conferências e outros eventos foram organizados para debater a
questão da saúde no Brasil, até que a 8ª Conferência Nacional de Saúde deu início
ao processo que culminou com a inclusão dos atuais dispositivos constitucionais e,
posteriormente, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
A proteção que a ordem jurídico-constitucional brasileira dispensa ao direito à
saúde pode ser estudada sob os mais diversos aspectos, ganhando relevo á ótica
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da saúde com direito fundamental da pessoa humana, que tem implicação direta
com no que diz com sua eficácia e efetividade.
Nesse sentido, a fundamentalidade situa a saúde no topo do ordenamento
jurídico brasileiro, dotando tal direito de hierarquia superior. Ademais, por se tratar
de direito fundamental, é diretamente aplicável e vincula tanto entidades estatais
como particulares.
Destarte, no que concerne à assistência pública à saúde, pode-se afirmar que
prestações positivas defluem não apenas dos mandamentos constitucionais, mas
também dos comandos legais que estruturam o SUS e demais mecanismos
reguladores da assistência à saúde (Lei nº 8.080, de 19.09.90, Lei nº 8.142, de
28.12.90 e Atos Normativos Complementares), além de algumas legislações
especiais protetoras de portadores de determinadas patologias como a AIDS (A Lei
nº 9.313/96), Câncer e doenças mentais (Lei 10.216/2001). O Estatuto do Idoso (Lei
10.741/2003, arts. 8º, 9º, 15 e segs.) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90, art. 7º e segs.) também possuem comandos legais específicos
garantidores do acesso integral à saúde. Do mesmo modo, em vários estados
brasileiros existem Leis específicas asseguradoras de assistência à saúde da
população, não sendo diferente no Estado de Mato Grosso.
Outrossim, mister se faz asseverar que no Brasil vigora atualmente um
sistema misto de assistência à saúde, uma vez que se o art. 196 da Constituição
Federal de 1988 (CF/88) assegura que saúde é direito de todos e dever do Estado, o
art. 199 da Lei maior também assegura à iniciativa privada a participação no setor.
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23
A criação do SUS foi fruto, conforme visto, de várias reformas setoriais
ocorridas nos anos 80, visando o acesso universal e integral às ações da promoção
e proteção à saúde.
No entanto, estudiosos afirmam que devido ao relativo insucesso do SUS foi
que o mercado privado (operadoras de planos e seguros de saúde) logrou enorme
expansão. Com efeito, assim leciona Ieda Tatiana Cury:
“Como visto, as mazelas verificadas no sistema público de saúde geram grande dependência de parcela da população aos serviços privados de assistência à saúde: Hoje milhares de empresas oferecem serviços limitados a preços altos e impõem aos usuários condições abusivas e ilegais”.
14
A participação da iniciativa privada na assistência à saúde é facultada pela
Constituição Federal de 1988, não obstante a Magna Carta ter elevado a saúde à
condição de direito social, com a garantia de acesso universal e gratuito aos serviços
públicos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde. De acordo com Antônio Joaquim
Fernandes Neto
No plano fático, ambos os sistemas apresentam dificuldades. O serviço público enfrenta escassez de recursos e a necessidade de planejamento e gestão eficientes, enquanto os serviços privados, orientados pela fome de lucros, não se adequam à sua evidente função social.
15.
De fato, as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são
essenciais à implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da
população, uma vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da
saúde, considera tal direito como direito público subjetivo e fundamental. Antônio
Joaquim Fernandes Neto leciona que
14
CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização e efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 98.
15 NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 03.
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24
Pode-se afirmar, com fundamento das normas que protegem os direitos fundamentais, que a principal justificativa para a intervenção do Estado é a natureza do bem jurídico alcançado pelas atividades de assistência à saúde. A atividade financeira, que sempre envolve riscos para o poupador, destina-se à proteção de bens de personalidade a vida, a integridade psíquica e corporal e o Estado não pode deixar de garantir o cumprimento das obrigações assumidas.
16.
Os conflitos referentes à exclusão de cobertura de determinadas doenças ou
exames por parte das operadoras, fortalecem a idéia de que o plano de saúde deve
oferecer cobertura para todo e qualquer gasto com a assistência à saúde do
consumidor, sendo essa posição defendida até mesmo pelo Conselho Federal de
Medicina. 17.
16 NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 53-54. 17
Ibid.
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25
2 A assistência à saúde como obrigação de fazer
Para efeitos dos objetivos almejados no presente estudo, no que concerne à
tutela jurisdicional específica do direito à saúde e à concretização das decisões
judiciais concessivas das tutelas reclamadas, é importante que a relação jurídica
subjacente seja caracterizada como obrigação de fazer, vinculando o cidadão como
credor e, como devedores, o Estado (gênero) e as operadoras de planos e seguros.
Para que tal desiderato possa ser alcançado, não se pode ainda prescindir do
conceito de obrigação. Para tanto, trazemos à baila o ensinamento de José Tavares,
para quem
na mais lata acepção significa toda a espécie de vinculo ou sujeição de pessoa, qualquer que seja a sua fonte ou causa, ou o seu conteúdo.E assim, por um lado, compreende todo o dever imposto pela moral, pelos usos sociais (dever moral); e, por outro lado, todo dever imposto pelas normas jurídicas, quer de direito público, quer de direito privado (dever
jurídico). 18
.
O vocábulo obrigação significa o vínculo que consiste ou tem por objeto uma
prestação de dar, fazer ou não-fazer, que tanto pode ser estabelecido por relações
obrigacionais contratuais como por imposição legal.
Carreira Alvim ensina que, no que concerne às obrigações de fazer ou não-
fazer resultantes diretamente da lei, a tutela específica não se distingue das
obrigações convencionais, como se deflui de suas palavras, in verbis:
Primeiro porque o art. 461 do código não distingue entre obrigação convencional ou legal, [...] segundo, porque essa sempre foi a tradição do nosso direito processual, admitindo código de Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), ação cominatória a quem, por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem quase abstivesse de ato ou prestasse fato dentro de certo
18 TAVARES, José. Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 83.
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26
prazo. Inúmeras outras hipóteses previstas nesse artigo tinham suporte em autênticas obrigações legais.
19 .
Dessa forma, é possível afirmar quer as obrigações de fazer ou de não-fazer
podem decorrer não somente de relações contratuais (obrigações convencionais),
mas também aqueles resultantes da lei. Em ambas, conseqüentemente, é possível a
concessão de tutela específica. Assim, tanto os entes públicos quanto os privados
podem ser sujeitos passivos nas ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do Código
de Processo Civil (CPC), como se verá mais adiante, já que a Administração Pública
não pode deixar de cumprir especificamente suas obrigações, sejam elas legais ou
convencionais.
2.1 A saúde como direito público subjetivo do cidadão e dever (obrigação)
Estado
Reconhecido o direito à saúde como direito fundamental consagrado no
ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, pode-se afirmar que tal direito
constitui também dever do Estado (gênero), como se deduz do disposto no artigo
196 da Magna Carta (... a saúde é direito de todos e dever do Estado...); destarte,
configura, assim, verdadeira obrigação para o Poder Público e direito subjetivo para
o cidadão.
Dessa forma cabe ao Estado garantir o exercício de tal direito, ao mesmo
tempo, que as pessoas têm o direito de exigir desse mesmo Estado uma prestação
19 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.
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27
positiva ou negativa. Em monografia de conclusão do curso de especialização em
direito sanitário para membros da magistratura e do Ministério Público Federal, o juiz
George Marmelstein Lima enumera algumas das situações que configuram
prestações matérias positivas (obrigações) do Estado, no que concerne ao direito à
saúde. Eis suas considerações, in verbis:
Podem ser enumeradas, sem pretender esgotar todas as situações, as seguintes obrigações positivas (que implicam em obrigações de fazer) decorrentes do direito à saúde: (a) editar normas em defesa da saúde, sobretudo as constitucionalmente exigidas – art. 7º, incs. IV e XXII, art. 197, art. 220, § 3º, inc. II; (b) fornecer medicamentos a quem necessitar; (c) custear tratamentos médicos; (d) aplicar, no orçamento, os percentuais constitucionalmente exigidos no setor de saúde; (e) construir a infra-estrutura necessária à prestação dos serviços médico-hospitalares (postos de saúde, pronto-socorros, consultórios, enfermarias, clínicas de recuperação de dependentes químicos, hospitais); (f) demolir ou interditar instalações que ponham em risco a saúde pública (matadouros, estábulos ou qualquer outro que não ofereça condições adequadas de higiene); (g) exercer com eficiência as ações de vigilância sanitária; (h) oferecer serviços de saneamento básico; (i) elaborar e executar campanhas de prevenção e educação popular em saúde, entre inúmeras outras.
20.
No entanto é preciso ressaltar que apesar de os direitos sociais, como a
saúde, estarem expressamente previstos nas constituições da América Latina, da
Espanha e de Portugal, muitos têm defendido a tese de que tais direitos não passam
de normas programáticas e, portando, não se trata de direitos subjetivos que podem
ser deduzidos pela via judiciária.
Contra la exigibilidad de los derechos sociales, aun quando tengan reconocimiento constitucional, se dice que como se trata de derechos que establecem obligaciones positivas, su complimiento depende de la disposición de fondos públicos, y que por ello el Poder Judicial no podría imponer al Estado el cumplimiento de conductas de dar o hacer.
21 .
20 LIMA, George Marmelstein. Efetivação do direito fundamental à saúde pelo poder judiciário. Monografia de conclusão do curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Universidade de Brasília:Faculdade de Direito. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado], p. 48. 21
ABRAMOVICH, Victor y COURTIS, Christian. Apunte sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 137.
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28
Tal distinção não procede, já que todos os direitos, civis, políticos,
econômicos ou culturais têm um custo, e prescrevem tanto obrigações positivas
quanto negativas.
Um orçamento público, quando não atende aos preceitos da Constituição,
pode e deve ser corrigido mediante alteração, logicamente com a devida
condenação do Poder Público para a prestação de determinado serviço público
básico, ou o pagamento de serviço privado.
Na verdade, também os direitos civis exigem prestações positivas do Estado,
bastando relembrar a grande quantidade de recursos gastos com a proteção da
propriedade, mormente com as atividades policial e judicial.
Partindo da premissa de que o direito à saúde é dever do Estado, verdadeiro
vínculo obrigacional legal entre o Estado-devedor e o cidadão-credor, é permitido a
este exigir que o Poder Público seja impelido, pela via judiciária se necessário, a
realizar prestações materiais positivas, como atendimento médico-hospitalar,
fornecimento de medicamentos, realização de exames, dentre outros.
Da mesma forma, é preciso esclarecer que muitos dos direitos sociais
também exigem obrigações negativas por parte do Estado, de modo que o Poder
Público fica obrigado a se abster de determinadas condutas que possam afetá-las.
Basta pensar, a titulo de exemplo, no direito à folga, ou dia de descanso, e no direito
a negociação coletiva, relações trabalhistas que requerem expressamente a
abstenção do Estado, que não pode interferir.
De acordo com o desenho institucional das democracias modernas, os
poderes encarregados de cumprir a maioria dos direitos são os poderes políticos,
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29
mas ao Poder Judiciário cabe um papel subsidiário, no sentido de atuar quando os
demais Poderes não cumpram com as obrigações a seu cargo.
O reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais não se
efetivará enquanto não forem superadas as barreiras que tentam impedir que se
possa reclamá-los perante o Judiciário.
Lo que calificará la existencia de un derecho social como derecho pleno no es simplesmiente la conducta cumplida por el Estado, sino tambien la posipilidad de reclamo ante el incumplimiento: al menos en alguna medida – el titular / acreeor esté en condiciones de producir mediante una demanda o queja, el cumplimiento de la obligación generada por su derecho.22.
Germano Schwartz afirma que “[...] a saúde é direito público subjetivo,
tornando possível ao cidadão-credor exigir do Estado-devedor a devida prestação
sanitária, seja por meio judicial ou administrativo, desde que o Estado não cumpra
com o dever a ele imposto” 23.
Ainda de acordo com o citado estudioso, entender a saúde como direito
público subjetivo é uma das hipóteses viáveis para a resolução do problema
sanitário brasileiro, no sentido de que torna possível a aplicação de medidas judiciais
ou administrativas para a sua efetivação. E havendo omissão do Estado para a
efetivação desse direito, cabe ao judiciário atuar na sua proteção.
O autor sustenta a idéia de que a saúde é um direito público subjetivo
oponível ao Estado se no caso concreto estiver em jogo a própria vida do sujeito do
22
ABRAMOVICH, Victor y COURTIS, Christian. Apunte sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 144.
23 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001, p. 25.
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30
direito, condicionando ainda à existência de prova de que ele não possui condições
financeiras para arcar com as despesas.
Confirmando a tese de que o direito à saúde se insere no rol dos direitos
públicos subjetivos, o autor afirma que é obrigação do Estado agir e prestar o serviço
necessário para a sua efetivação. Eis suas palavras, literalmente aqui trazidas à
colação:
Resulta desse direito público subjetivo da saúde que há um vínculo jurídico entre o Estado-devedor e o cidadão-credor, gerando obrigação positiva e negativa em relação às prestações sanitárias, o que também é fator possibilitador da atuação do Judiciário/administrativo na resolução destas questões, de acordo com os remédios jurídicos existentes”. 24 .
Dessa forma, é possível afirmar que se o direito à saúde consiste na
prestação sanitária; na verdade, trata-se de uma obrigação de fazer (positividade) e,
também, de não fazer (negatividade) por parte do Estado em relação ao cidadão
e/ou estrangeiros residente no país. Nesse sentido, George Marmelstein Lima
lembra que
ressalvados alguns julgados isolados, quase a totalidade dos tribunais pátrios tem entendido que o direito à saúde, consagrado no art. 196, da CF/88, confere ao seu titular a pretensão de exigir diretamente do Estado que providencie os meios materiais para o gozo desse direito, como, por exemplo, forneça os medicamentos necessários ao tratamento ou arque como os custos de uma operação cirúrgica específica.
25.
O fato de a Constituição Federal de 1988 ter elevado a saúde à condição de
direito social fundamental, significa que a Administração Pública tem o dever e
24 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre:
livraria do Advogado. 2001, p. 79
25 LIMA, George Marmelstein. Efetivação do direito fundamental à saúde pelo poder judiciário. Monografia de conclusão do curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Universidade de Brasília:Faculdade de Direito. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado], p. 52.
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31
responsabilidade de elaborar e implementar programas operacionais que garantam
a atenção e a assistência à saúde de toda a população. Também significa que a
população, individual ou coletivamente, pode exigir a consecução desse direito,
ainda que tenha de se valer da via judiciária. Tal entendimento decorre do princípio
da universalidade (art. 196 da CF/88 c/c o art. 7º, I, da Lei 8.080/90) pelo qual o
Estado deve dispensar a atenção necessária à saúde de todos os brasileiros e
estrangeiros residentes no Brasil, na medida de suas necessidades. 26
Ademais, pelo princípio da integralidade, o cidadão tem o direito de ser
atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação ou agravo (art.
198, II da CF/88 e art. 7º, II da Lei 8.080/90), de modo que o atendimento deve ser
definido em razão da necessidade da pessoa. E, finamente, pelo princípio da
igualdade (art. 196 da CF/88 e art. 7º, IV da Lei 8.080/90), fica o Poder Público
obrigado a oferecer atendimento igual para todos, sem qualquer privilégio, devendo,
as prioridades, serem pautadas pela necessidade das pessoas. 27
2.2 A saúde como obrigação de fazer nas relações de consumo
Ao contrário do direito à saúde no âmbito do Sistema Público, no setor
privado a sua caracterização como relação obrigacional não oferece maiores
dificuldades, uma vez que se trata de relação contratual.
26 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. Márcio Iorio Aranha (org.). Brasília:Ministério da Saúde, 2003.
27 Ibid.
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32
De acordo com Antônio Joaquim Fernandes Neto, a principal característica
dos contratos de saúde é a natureza decorrente da prestação atribuída à operadora
de planos de saúde. Trata-se de um contrato de prestação de serviços que
prepondera a obrigação de fazer, com sua peculiar complexidade. Destarte, afirma o
citado autor, “à obrigação do consumidor, que deve pagar mensalmente as
prestações pecuniárias devidas à operadora de plano de saúde, corresponde à
obrigação desta de prover assistência à saúde nos termos previstos nos contratos.”
28.
De fato, tanto no que se refere aos seguros quanto aos planos de saúde, o
que importa não é a diferença de atendimento (livre escolha com reembolso, no
primeiro caso, e escolha de profissionais credenciados, no segundo). Na verdade,
em ambos o objetivo específico com que se lida é a obrigação, à qual se vincula o
fornecedor de seguro ou plano de saúde, de dar cobertura financeira ao tratamento
das enfermidades e acidentes físicos e seus respectivos danos sofridos por outrem
que, em contrapartida, compromete-se ao pagamento de uma prestação mensal em
dinheiro.
Os contratos nas relações de consumo versam sobre obrigações de fazer, às
quais se vinculam os fornecedores, que, no caso específico dos planos e seguros de
saúde, vendem segurança de ter a assistência à saúde do consumidor contratante
ou de sua família, nos momentos de infortúnio. Contratos, portanto, que lidam com
bens que até algum tempo atrás, não tinham o relevo de que hoje se revestem, e
que se espraiam para o futuro, pois implicam num fazer que pode levar uma vida
inteira, de modo que o consumidor passa a depender dessa segurança.
28
NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 141.
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33
Ademais, o direito à saúde está intimamente vinculado ao direito à vida, à
integridade corporal e à psique, possuindo caráter extrapatrimonial. Destarte, se
ocorre violação do direito à saúde do consumidor não há como voltar ao statu quo
ante, de modo que as tutelas jurídicas adequadas são as tutelas preventiva e
inibitória, as quais vêm conjugadas com técnica mandamental consistente na
emissão de ordem de fazer ou não fazer. Nesse sentido, afirma Clayton Maranhão:
Na perspectiva da tutela preventiva do direito à saúde nas relações de consumo, a tutela inibitória revela-se como uma forma de tutela jurisdicional específica, efetiva e adequada diante das práticas mercadológicas cada vez mais insensíveis com a dignidade da pessoa humana [...]
29
Calvão da Silva, citado por Clayton Maranhão, ao asseverar que a satisfação
do interesse do credor deve ser o escopo da obrigação, ensina que:
A relação obrigacional traduz-se basicamente num direito do credor à prestação e um correlativo dever de prestar a cargo do devedor. Do ponto de vista prático, ao atribuir um direito subectivo e ao impor um dever jurídico temos a prevalência do interesse do credor sobre o interesse do devedor, com a relação creditória a proporcionar uma vantagem ao se titular activo à custa do titular passivo. A vantagem do credor será, justamente, a satisfação do se (prevalente) interesse. [...] O interesse do credor, representando o fim ou a função da obrigação e a sua razão existencial, desempenha papel de grande relevo na disciplina da relação obrigacional. Desde logo, a constituição do vínculo obrigacional, o interesse do credor deve ser digno de proteção legal, não necessitando, todavia, de ter natureza patrimonial. 30
De acordo com o citado doutrinador português, é necessário que o
ordenamento jurídico disponha de meios apropriados colocados à disposição do
credor para a garantia especifica de seu direito, ainda que se trate de prestações de
cunho não patrimonial, como é o caso da assistência à saúde nas relações de
consumo.
29
MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 220.
30 SILVA, Calvão. Apud MARANHÃO. Op. cit. p. 209-210.
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34
Isto porque, ao contrário do que preconiza a doutrina mais conservadora, é
cada vez mais assente a tese de que nem todas as obrigações têm cunho
patrimonial, situação que vem sendo chamada de despatrimonialização do direito
privado. Trata-se de movimento que vem na esteira de que o ressarcimento pelo
equivalente monetário não se mostra o mais adequado para a tutela dos novos
direitos, entre os quais certamente se encontra o direito à saúde por parte do setor
público e os contratos de assistência à saúde nas relações de consumo. Aqui, o que
o consumidor almeja é o cumprimento específico do contrato (assistência à sua
saúde) no momento que for necessário, uma vez que descumprida a prestação,
dificilmente se poderia retornar ao status quo ante.
Ancorado nos ensinamentos de Calvão da Silva, Clayton Maranhão afirma
que nas relações de consumo o mercado livre deve ceder lugar aos valores sociais
em ascensão, os quais, por estarem ligados à dignidade da pessoa humana, o ter
deve ser resgatado pelo ser. (grifos do autor). 31
Dessa forma, é possível afirmar que no que se refere aos contratos de
prestação de assistência a saúde há prioridade para garantir-se o cumprimento
específico da prestação, em detrimento do ressarcimento pelas perdas e danos,
porque o direito à saúde tem caráter não patrimonial, de modo que é possível a
tutela de adimplemento específico da obrigação. Clayton Maranhão adverte que “é
preciso investigar formas jurisdicionais de tutela específica do direito à saúde do
consumidor nas relações de consumo, objetivando medidas corretivas das falhas de
mercado, em especial as externalidades negativas.” 32
31 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil – v. 7), p. 212. 32 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil – v. 7), p. 217.
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35
Daí a importância de se pensar nos contratos de prestação de assistência à
saúde como obrigação de fazer, cujos mecanismos de proteção previstos nos artigos
84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil, se
constituem nos dispositivos que se mostram mais aptos à tutela adequada e
específica de tal direito.
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36
3 O processo e a tutela dos direitos fundamentais
Por imposição do seu próprio modo de ser o direito processual tente ao
isolamento, desconsiderando a realidade da vida e do homem comum, o que
contribui para a descrença na justiça e para a acomodação a um sistema que é
isento de crítica dos próprios resultados que ele é capaz de oferecer aos
consumidores dos serviços jurisdicionais. Segundo Leonardo Greco
No Estado Democrático Contemporâneo, a eficácia concreta dos direitos constitucional e legalmente assegurados depende da garantia da tutela jurisdicional efetiva, porque sem ela o titular do direito não dispõe da proteção necessária do Estado ao seu pleno gozo.
A tutela jurisdicional efetiva é, portanto, não apenas uma garantia, mas, ela própria, também um direito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria dignidade humana.
33.
Destarte, de acordo com o moderno direito processual, que rompe com o
sistema tradicional imune à crítica, qualquer estudo que se pretenda empreender
envolvendo este ramo da ciência jurídica deve partir do reconhecimento de sua
imersão no universo axiológico da sociedade que ele representa e, ao mesmo
tempo, reconhecer que não tem natureza e objetivo puramente técnico. Para que tal
escopo seja atingido, Antonio Carlos Marcato aduz que
Tornou-se então inevitável a revisão do sistema jurídico-processual, com a mudança da perspectiva de seus escopos e a criação de novas técnicas para tanto eficientes, dando vida às denominadas ondas renovatórias, movimentos direcionados ao acesso efetivo à justiça e caracterizados, cronologicamente, pela assistência judiciária aos necessitados, pela representação dos interesses supra-individuais, pela necessidade de reformas estruturais, orgânicas e funcionais no conjunto geral de instituições judiciárias, nos mecanismos idôneos à obtenção de provimentos jurisdicionais e no direito material, culminando, agora, com os
33 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em: <ww.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006.
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37
esforços de implementação de técnicas e instrumentos adequados à obtenção de tutela jurisdicional efetiva.
34.
Assim, o processualista moderno deve pensar na instrumentalidade como
núcleo e síntese dos movimentos de aprimoramento do sistema processual, pois,
como adverte Dinamarco, “é indispensável que também o intérprete fique imbuído
desse novo método de pensamento e sejam os juízes capazes de dar ao seu
instrumento de trabalho a dimensão que os tempos exigem”. 35
Críticos não faltam à tese de que o processualista moderno deve ter como
núcleo de seu pensamento a instrumentalidade, que deve ser o norte para a busca
de aprimoramento do sistema processual. Como exemplo cita-se Calmon De
Passos, para quem:
Um desses frutos perversos, ou peçonhentos gerados pela "instrumentalidade" foi a quebra do equilíbrio processual que as recentes reformas ocasionaram. Hipertrofiaram o papel do juiz, precisamente o detentor de poder na relação processual, portanto, o que é potencialmente melhor aparelhado para oprimir e desestruturar expectativas socialmente formalizadas em termos de segurança do agir humano e previsibilidade de suas conseqüências. Privilegiaram, de outra parte, o autor, justamente aquele a quem cabe o dever ético e político de comprovar o inelutável da sujeição do outro à sua pretensão. Numa total inversão de valores, tem-se como "dado" o que jamais pode ser entendido nesses termos antes de comunicativa e intersubjetivamente produzido. Esses erros levaram a que as reformas, em lugar de resolverem a crise da Justiça, agravassem-na e o fizessem progressivamente, até atingir o intolerável, que determinará o indesejável – a implosão, quando se queria e se necessitava apenas de reformulação.
36
Com a devida vênia da abalizada visão do citado doutrinador, a postura
metodológica que se denomina direito processual constitucional constitui importante
instrumento de aprimoramento do sistema processual; a idéia síntese dessa visão
34
MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006. 35 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25. 36 PASSOS, J. J Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 7 – Set-Out/2000 – Doutrina, p. 14
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38
metodológica consiste na concretização dos valores assegurados na Constituição,
pois, conforme ensina Dinamarco, “a tutela constitucional do processo tem o
significado e o escopo de assegurar a conformação dos institutos do direito
processual e seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem
constitucional”. 37.
Fala-se em jurisdição constitucional, ou seja, o processo como instrumento a
serviço da ordem constitucional. Assim, além dos mecanismos destinados ao
controle da constitucionalidade das leis, alguns países também se preocuparam com
a criação de tutelas jurisdicionais diferenciadas e fortes para a proteção de certos
direitos, especialmente aqueles fundamentais para a pessoa humana. De acordo
com Leonardo Greco
Foram a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias supra-nacionais de Direitos Humanos, como a Corte Européia de Direitos Humanos, que revelaram o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental, minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias fundamentais do processo, universalmente acolhidas em todos os países que instituem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
38.
Streck, analisando o papel da jurisdição constitucional na realização dos
direitos sociais fundamentais, mormente no que tange ao papel do Judiciário na
realização e efetivação desses direitos, afirma que o simples fato de tal assunto
ainda ser objeto de debates redunda da dedução de que há uma inefetividade
constitucional e, sendo assim,
37 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p, p. 27.
38 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em:<
www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006.
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39
[...] em havendo inércia dos Poderes Públicos na realização/ implementação de políticas públicas para a efetivação dos direitos sociais-fundamentais assegurados pela Lei Maior, é possível (e necessária) a intervenção da Justiça Constitucional. 39.
Ainda de acordo com o citado autor, com o surgimento do Estado
Democrático de Direito, superando o Estado Liberal burguês, foi engendrada uma
nova legitimidade constitucional, da qual emerge o Direito como instrumento de
transformação social, principalmente diante da crise do modelo social que coloca em
risco a realização dos direitos sociais fundamentais.
Para tanto, o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à
efetividade da tutela jurisdicional. Assim, o legislador tem a obrigação de traçar
técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos.
Também a concepção do direito à ação como direito fundamental deve servir
de valor ou de norte para a atuação do Juiz diante do caso concreto e das
necessidades do direito material. Viana assevera que “é justamente no âmbito da
atuação jurisdicional onde, nitidamente, destaca-se essa qualidade especial dos
direitos fundamentais.” 40
Nesse sentido, deve o magistrado buscar na norma processual a técnica que
se mostre mais apta e idônea para outorgar a máxima efetividade à tutela
jurisdicional pleiteada. Isto permite o alargamento do campo de proteção processual,
de modo a atender a todas as situações carecedoras de tutelas jurisdicionais. De
acordo com as conclusões de Marcato
39 STRECK, Lenio Luiz. O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociais-fundamentais. In: SARLET, Ingo Worfgan (Cord.). Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 170.
40 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo:
Dialéitica, 2003, p. 224.
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40
Decorre, do exposto, a necessidade (não apenas jurídica, mas sobretudo de pacificação de conflitos) de o Estado-juiz conceder ao interessado uma tutela jurisdicional efetiva, até porque, vedando ele a realização da justiça pelo particular e assumindo, correlatamente, o poder-dever de prestá-la através do devido processo legal, de modo algum se justifica, principalmente sob o ponto de vista do destinatário da tutela, um resultado que não atenda ao seu reclamo - abstraídas, evidentemente, circunstâncias alheias ao processo, como, por exemplo, a insolvência do devedor diante de uma sentença de condenação. Se é certo que todos têm o direito de propor demandas (correspondente ao direito de acesso à jurisdição) e, ainda, que somente têm direito à obtenção do provimento jurisdicional se e quando preenchidas as condições da ação (direito instrumental de ação), mais certo, ainda, é que o direito à tutela jurisdicional efetiva só o têm aqueles que estejam efetivamente amparados no plano do direito material. 41
Mais uma vez cumpre ressaltar as críticas de Calmon de Passos à tese da
instrumentalidade e efetividade do processo. Assim leciona o professor de Minas
Gerais:
Associando efetividade da tutela jurídica a efetividade do que for decidido na sentença, estamos incidindo no grave erro de perspectiva denunciado por HANNAH ARENDT, buscando emprestar significância ao que apenas é útil e de utilidade, vale enfatizar, só referível ao poder, jamais reportável ao usuário, mesmo quando este, ocasional e indiretamente, venha a obter alguma vantagem material daquele ato de poder. Se desejamos restabelecer a dimensão humanística filosoficamente adequada para nosso pensamento e a dimensão democrática politicamente correta para nossa convivência, teremos que direcionar a reflexão para o em nome de quê se deve postular a efetividade da tutela, antes de equipará-la à efetividade da decisão do magistrado. Se assim o fizermos, observaremos quanto é equivocado e socialmente perigoso deslocar-se o enfoque para o produto – o para quê (a sentença) – quando o social e politicamente relevante, humanística e democraticamente, é o em nome de quê se postula essa efetividade, vale dizer, a garantia de que já não mais nos submetemos a homens, sim a normas. Se afirmarmos que todo ato de poder traz em si, necessariamente, a exigência de sua efetividade, nosso discurso versará sobre o despotismo, não sobre algo compatível com cidadania, essencial a toda organização política democrática.
42.
Todavia, não obstante a autoridade dos argumentos expendidos pelo citado
doutrinador, não se pode olvidar de que além da relação entre as necessidades do
direito material as técnicas processuais a proteção dos direitos, é preciso pensar o
41
MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006. 42 PASSOS, J. J Calmon de. Cidadania e efetividade do processo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 1 – Set-Out/1999 – Doutrina, p. 32.
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41
processo à luz dos direitos materiais fundamentais, como os direitos do consumidor,
o direito ambiental e o direito à saúde. Cita-se a lição resumida, porém
esclarecedora, de Barbosa Moreira:
Efetividade do processo é expressão que, superando as objeções de alguns, se tem largamente difundido nos últimos anos. Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material. .
43
As premissas acima, além de incidirem em face do legislador, exigem do
judiciário a prestação da adequada tutela Jurisdicional. Como advertiu o Ministro
Carlos Velloso, então na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF):
Cedo, muito cedo, perceberam os homens que não bastam as "Declarações". A existência de mecanismos que tornem efetivos os direitos declarados, assim tornando realidade a limitação do poder, foi bem cedo considerada necessária. Surgiu, então, a idéia das garantias de direito, que consubstanciariam remédios contra a violação destes. Também compreenderam os homens que a garantia maior dos direitos viria mediante a atuação do Judiciário, com a criação de medidas judiciais. 44.
O processo, para atingir os seus escopos de tutela efetiva dos direitos, deve
predispor de meios para a obtenção dos resultados almejados, ou seja, deve ser
dotado de instrumentos para a consecução dos objetivos a serem atuados. Nisso
consiste o que se denomina, no direito processual moderno, de “técnicas
processuais”. Daí a afirmação de Marcato, no sentido de que há
[...] necessidade de adoção de técnicas adequadas à obtenção de tutelas jurisdicionais diferenciadas, que levam em conta a efetividade do resultado
43 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 11 – Mai-Jun/2001 – Doutrina, p. 05.
44 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Judiciário, fortaleza dos direitos. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – Nº 8 – nov-dez/2002 – Estudos Jurídicos, p. 128.
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42
desejado pela parte e os instrumentos para tanto necessários, na medida em que a coincidência do resultado de um trabalho com o propósito para o qual foi desenvolvido depende sempre da adequação dos meios ao fim. Afinal, se o bom senso indica a diversidade de objetivos a serem alcançados pela prestação jurisdicional, esta, tanto quanto os instrumentos necessários à sua concretização, não podem ser unitários. 45.
Não se pode olvidar de que a visão puramente técnica do processo se
encontra superada na processualística moderna, haja vista que os escopos do
processo não podem mais estar dissociados dos valores sociais e políticos adotados
pela sociedade, de modo que a técnica processual deve ser norteada, também, por
esta visão. Dinamarco aduz que “quando os tribunais interpretam a Constituição ou
a Lei, eles somente canalizam a vontade dominante, ou seja, a síntese das opções
axiológicas da nação.” 46. Nesse sentido, afirma o citado autor: “é conciliar o
aspecto instrumental do processo, que é realidade Ética porque permeado dos
valores substanciais eleitos pela nação, com a necessidade de operacionalizar
meios para a consecução do que se deseja”. 47.
A técnica processual vai sendo desenvolvida no sentido de adaptar-se
às novas exigências sociais e aos novos direitos, atuando sobre o direito processual
e lhe cobrando o compromisso que deve cumprir perante a sociedade onde está
inserido. A tendência metodológica do direito processual civil moderno é de busca
incessante pela efetividade do processo, que deve ser apto para cumprir
integralmente a sua função.
45 MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível
em <http://www.mundojuridico.adv.br/Doutrina>. Acessado em 01/05/2006
46 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p. 48
47 Ibid., p. 275.
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43
É preciso implantar novo método de pensamento, ou, mais precisamente,
uma mudança de mentalidade, abrindo os olhos para a realidade da vida
extraprocessual, pois, como assevera Dinamarco
É imprescindível que o sistema esteja preparado para produzir decisões capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos titulares de direitos reconhecidos pelo juiz [...] Onde for possível produzir precisamente a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida, que sejam proferidas decisões nesse sentido e não outras meramente paliativas. 48.
Ocorre que não é mais possível pensar no sistema processual estruturado
independente do direito substancial, uma vez que o processo deve servir à efetiva
tutela dos direitos. Marinoni afirma que “o processo deve ser estruturado de acordo
com as necessidades do direito material, além de ser compreendido pelo Juiz, como
instrumento capaz de proteção às situações carentes de tutela” 49 ,pois conforme
continua citado Autor [...] “diante da integração direito material-processo, as
necessidades do primeiro devem conduzir a interpretações que abram
oportunidades para a máxima efetividade do segundo” [...]. 50.
Isto significa que o processo precisa ser empreendido a partir do
conhecimento das necessidades do direito material, no sentido de que estes direitos
sejam efetivamente protegidos.
Para tanto, o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à
efetividade da tutela jurisdicional, de modo que o legislador tem a obrigação de
traçar técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos.
48 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12 ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p 365.
49 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 28.
50 Ibid., p.29.
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44
Também a concepção do direito à ação como direito fundamental deve servir
de valor ou de morte para a atuação do Juiz diante do caso concreto e das
necessidades do direito material. Nesse sentido, deve o magistrado buscar na norma
processual a técnica processual apta e idônea a outorgar máxima efetividade à
tutela jurisdicional pleiteada. Isto permite o alargamento do campo de proteção
processual, de modo a atender a todas as situações carecedoras de tutelas
jurisdicionais.
Nesse sentido, os artigos 461 do CPC e 84 do CDC instituem verdadeiras
‘cláusulas gerais’ destinadas a definir a medida adequada e necessária ao caro
concreto, portas à disposição do Juiz, como forma de lhes outorgar parcela de poder
que lhes permitam estabelecer a tutela adequada diante do caso concreto. Marinoni
adverte que se o legislador eventualmente se esquecer de prever a técnica
processual adequada [...] “o juiz tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva...
ao considerar as necessidades de tutela dos direitos.[..].” 51.
Sendo assim, se ao analisar o caso concreto a conclusão for no sentido de
que a técnica processual posta pelo direito processual não se a figura como a mais
adequada, deverá demonstrar que existem técnicas processuais realmente efetivas
à outorga de tutela dos direitos.
Não é mais possível pensar no processo e nos poderes do juiz de acordo com
a concepção do Estado Liberal Clássico, o qual foi marcado por uma rígida
delimitação dos poderes de intervenção na esfera jurídica privada, onde o
magistrado estava vinculado exclusivamente ao texto exato da lei. De acordo com tal
concepção, Marinoni afirma que
51
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 33.
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45
[...] o Estado Liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer preocupação com as diferenças sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida. 52.
Assim, devido à restrição dos poderes do judiciário, o juiz apenas proclama os
direitos, mas fica impedido de exercer o império necessário para dar efetividade às
decisões judiciais. Também como decorrência de tal doutrina, ficava impedida ou
proibida a tutela fundada em juízo de verossimilhança, em nome da liberdade dos
cidadãos e da segurança jurídica. O direito no Estado Liberal deveria interferir o
mínimo possível na esfera dos particulares.
Porém, a transformação da sociedade e do próprio estado (agora democrático
e social) fez emergir os direitos fundamentais às prestações sociais, à proteção e à
participação, assumindo relevo a necessidade de estruturação de técnicas
processuais idôneas e efetivas à tutela dos novos direitos. Nesse sentido, destaca-
se a importância da tutela específica, como meio de dar aos cidadãos o que
efetivamente lhe é proporcionado pelo direito material, mormente quando a sentença
condenatória não é suficiente para a guarda dos novos direitos.
Ademais disso, também existe o dever de proteção contra condutas contrárias
ao direito e lesivas de determinados bens e situações. Assim são as normas de
proteção à saúde e ao consumidor.
No caso específico do Brasil, não se pode olvidar de que o Estado Brasileiro
tem o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República,
garantindo ainda a inviabilidade dos direitos da personalidade e o direito de acesso à
52 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 41.
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46
justiça. Daí ser imprescindível a estruturação de formas ou técnicas processuais que
possam garantir a eficácia dos direitos não patrimoniais, pois, conforme ensina
Marinoni, “o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva- garantindo pelo art. 5º,
XXXV, da CF – obviamente corresponde, no caso de direito não patrimonial, ao
direito a uma tutela capaz de impedir a violação do direito.” 53.
Àqueles que se opõe às teses transformadoras, nunca é demais lembrar que
se até mesmo a propriedade conta com técnicas processuais idôneas e efetivas para
a sua proteção, não haveria qualquer sentido negar igual formatos aos direitos da
personalidade.
Aliás, a mudança do perfil do Estado Liberal Clássico para Estado Social
Democrático de Direito, deve refletir na predisposição de tutelas jurisdicionais
adequadas e, sobretudo, na mentalidade dos processualistas e dos operadores do
direito, no sentido de que o processo moderno deve pensado e interpretado à luz de
valores ínsitos na Constituição.
Sendo assim, o Estado tem o poder-dever de dar proteção aos direitos,
predispondo de procedimentos processuais capaz de efetivá-los, mesmo perante o
próprio Estado, como acontece com o mandado de segurança, mas também contra
atos de particulares. Neste caso, é necessária a existência de procedimentos que
tenham a mesma eficácia do mandado de segurança, pois o Estado tem o dever de
dotar o particular de instrumentos processuais idôneos e efetivos contra todos.
Marinoni esclarece que
[...] não é necessário dizer que o mandado de segurança compreendido como direito-garantia previsto na Constituição, deva ser estendido aos particulares. Basta afirmar que o particular deve ter à sua disposição, para usar contra o particular, em procedimento da espécie daquele desenhado
53 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 82.
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47
na lei do mandado de segurança, sob pena de não existir procedimento efetivo contra o particular ou de se concluir que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente incide em relação aos Estado, e não diante dos particulares. 54.
A transformação do Estado e a evolução das necessidades sociais
culminaram com a consciência de que determinados bens são fundamentais para
uma adequada organização social. Nesse sentido, a existência de Técnicas
processuais efetivas é imprescindível para a adequada proteção destes direitos,
De modo que a resposta do juiz não é apenas uma forma de dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se conferir tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial, inclusive os direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente prestações fáticos do Estado (Prestações em sentido estrito ou prestações sociais). 55.
A necessidade de tutela jurisdicional adequada para a proteção dos direitos
não patrimoniais, especialmente aqueles que exigem a conduta de fazer ou de não-
fazer, ou seja, que visam à realização do direito por meio da atuação sobre a
vontade do devedor, fez surgir a tutela mandamental. Para tanto, as sentenças
mandamentais vieram conjugadas com a técnica coercitiva da multa, a qual implicou
na quebra da regra, oriunda do Estado Liberal Clássico, de que o Judiciário não
poderia exercer poder de imperium.
Em se tratando de obrigações de fazer, a tutela específica constitui afirmação
da autoridade do próprio ordenamento jurídico-material, uma vez que conduz à
satisfação pela obtenção do próprio bem devido ou outro equivalente.
Não se pode imaginar o direito à tutela jurisdicional como simples direito de
ação, sem a coexistência de técnicas processuais e de procedimentos que sejam
54 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 87.
55 Ibid., p. 187
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48
efetivos para a proteção e promoção do direito material reclamado, sob pena de
ofensa ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.
Ademais, a tutela jurisdicional efetiva deve ser pensada de acordo com a
realidade social, considerando as desigualdades dos sujeitos da relação jurídica,
uma vez aqueles que merecem técnicas ou procedimentos processuais
diferenciados são exatamente aqueles que possuem dificuldade de enfrentar as
dificuldades dos procedimentos comuns.
Também não se pode olvidar de que existem diferentes situações de direito
substancial, carecedoras de proteção jurisdicional, que necessitam de técnica
processuais diferenciadas.
A suposição de que um único procedimento poderia atender a todos, independentemente das suas diferenças, para que então fosse possível uma melhor sistematização técnica e teórica, implica em uma absurda superposição da teoria sobre as necessidades concretas dos homens, e assim – na melhor das hipóteses – pode ser vista como um desejo egoísta. 56
.
Outrossim, não obstante a tutela ao bem da vida procurado pelo autor de uma
demanda judicial ser, geralmente, concedida somente ao final do procedimento, não
se pode esquecer que o jurisdicionado tem direito à tutela antecipatória que, quando
cabível, deve ser efetiva.
Como não tem sentido falar em direito sem pensar em meios processuais
adequados para a sua efetivação, ganha importância os provimentos mandamentais,
os quais conferem maior extensão e potencialidade de efetivação da tutela
jurisdicional, haja vista que o direito de ação significa o direito à efetivação concreta
da tutela buscada. É o caso, no direito brasileiro, dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC,
56 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 196.
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49
os quais conferem ao juiz o poder e os mecanismos necessários para a utilização no
caso concreto, capazes de atender ao direito à tutela jurisdicional.
A plasticidade desses procedimentos, bem como a possibilidade da concessão de provimento (ou meio executivo) diverso da solicitado e da imposição de meio executivo diferente daquele que não conduziu ao resultado objetivado, deve ser compreendida a partir da necessidade de se conferir ao juiz poder suficiente à efetivação da tutela jurisdicional.
57.
A escolha dos provimentos ou dos meios executivos vai depender da
adequação e da idoneidade para a efetividade do direito, não se olvidando de que,
sempre que possível, o meio escolhido deve ser o menos grave possível para o
demandado, ou seja, a execução precisa estar adequada ao caso concreto. Como
bem pondera Marcelo Lima Guerra “o juiz tem o poder-dever de, mesmo e
principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias
para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ela submetida
[...].” 58.
Isso significa dizer que a técnica processual é imprescindível para a
efetividade da tutela dos direitos, e mesmo quando a técnica positivada não se
mostrar idônea diante do caso concreto, é preciso que o juiz dê à técnica processual
a interpretação que garanta a máxima efetividade à tutela jurisdicional, partindo do
pressuposto de que o objeto a ser tutelado está diretamente vinculado com a
realidade social.
Neste caso, vale lembrar que a melhor interpretação deve partir dos princípios
a serem considerados em face do caso concreto. “Quando há colisão de princípios,
um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto”. [...]
57
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 211. 58 GUERRA, Apud MARINONI, op. cit., p.217
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50
“Esse juízo, pertinente ao peso dos princípios, é um juízo de ponderação, que assim
permite que os direitos fundamentais tenham efetividade diante de qualquer caso
concreto, considerando os princípios que como eles possam colidir.” 59.
Assim, considerando que os direitos fundamentais têm natureza de princípios,
é válido afirmar que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, assim como
os demais direitos fundamentais, são princípios que constituem verdadeiros
mandados de otimização que deve ser realizado diante do caso concreto,
dependendo apenas da harmonização com outros princípios colidentes; constitui
dever do juiz conformar o procedimento adequado ao caso concreto, fazendo uso da
técnica processual capaz da garantir à efetividade à tutela do direito.
Para tanto, e para se chegar à técnica processual adequada à situação
concreta, além de partir da premissa do direito fundamental como princípio, mister se
faz considerar previamente as necessidades concretas das partes e a tutela
prometida pelo direito material. Diante do caso concreto, se o juiz chegar à
conclusão de que a técnica ou regra processual, ou mesmo a omissão legislativa,
impedir a concretização da tutela judicial, mister se faz que ele (magistrado)
interprete o sistema processual à luz dos princípios constitucionais visando tutelar
efetivamente direito material reclamado. Novamente mister trazer à colação o
ensinamento de Marinoni:
“Na hipótese que o Estado se omite em editar técnica processual adequada à efetiva prestação da tutela jurisdicional, o juiz deve justificar que a sua aplicação é necessário em face da necessidade, do direito material (das tutelas que devem ser prestadas para que ocorra a efetividade do direito). Partindo da premissa de que não há dúvida de que o juiz deve prestar a
59
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004., p. 266-227.
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51
tutela efetiva, é fácil justificar, em conformidade com a constituição, que determinada técnica é imprescindível à tutela da situação concreta.
60.
A outorga de poder para que o juiz possa conceder tutela antecipada no
processo de conhecimento, em como para que possa determinar as medidas
executivas necessárias e adequadas diante do caso concreto, apontam para a idéia
de que a tipificação legal das técnicas processuais pode não ser a melhor solução
para a prestação jurisdicional. Este é o fundamento das previsões dos arts. 273,
461,461-A do CPC e 84 do CDC, que se constituem em ferramentas adequadas
para que o juiz cumpra com o seu material prometido pelo legislador. Cabe ao
magistrado proceder à adequação da técnica processual diante das necessidades
do direito substantivo e do caso concreto.
Assim, qualquer que seja a situação concreta, o juiz não pode se esquivar do seu dever de determinar o meio executivo adequado, cruzando os braços diante da omissão legislativa ou de falta de clareza da lei, como se o dever de prestar a tutela jurisdicional não fosse seu, mas estivesse na exclusiva dependência do legislador. 61.
Como se pôde ver, o sistema processual tradicional, engendrado sob a ótica
do Estado Liberal, não é suficiente para dar efetiva proteção aos novos direitos,
especialmente àqueles direitos de cunho não patrimonial, sociais e fundamentais,
para os quais o tradicional processo de conhecimento, ordinário, não se mostra mais
adequado. Destarte, a nova mentalidade dos processualistas modernos vem
resultando na busca de aprimoramento do sistema processual, buscando a
idealização de técnicas processuais que sejam realmente idôneas para a tutela dos
direitos, como é caso, no Brasil, das reformas implementadas a partir de 1994,
60
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 233
61 Ibid., p. 235.
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52
especialmente as tutelas específicas dos artigos 461 e 461-A, do CPC, juntamente
com o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor.
3.1 Processo e tutelas específicas dos direitos
Para a tutela dos direitos de caráter não patrimonial, onde é relevante a
proteção das necessidades básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como,
por exemplo, a proteção do consumidor usuário de planos de saúde diante de
cláusulas contratuais abusivas de cujo conteúdo ele não participou; ou mesmo do
cidadão diante da inércia ou da negativa do Estado em tornar efetiva a prestação
social material prometida, é importante que o sistema processual disponha de tutela
jurisdicional específica, que pode ter função preventiva ou repressiva.
Destarte, sendo o processo instrumento da jurisdição, toda a atividade estatal
no que diz com a prestação jurisdicional deve ser orientada no sentido de se obter o
máximo de resultado com o menor custo. Daí ser o processo dominado pelo
princípio da efetividade, ou seja, o processo deve ser apto para criar soluções e
estar adequado à realidade social na qual ele será aplicado.
Nesse sentido, o rito ordinário não atenderia ao princípio da efetividade se
não dispusesse, por exemplo, de técnicas antecipatórias quando a parte carente de
tutela jurídica propor demanda fundada numa alegação verossímel e com risco de
dano iminente ou de difícil reparação, ou ainda num relevante fundamento. Daí a
importância das tutelas de urgência. Nesse sentido leciona Carreira Alvim:
O princípio do acesso à justiça dá também o tom das tutelas de urgência, em particular das consagradas nos arts 273, 461 e 461-A do CPC, porquanto não antecipar um provimento tutelar indispensável ao direito da
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53
parte é o mesmo que obstaculizar-lhe o acesso à justiça, ou não lhe proporcionar o adequado acesso.
62.
Isto porque o processo deve ser suficientemente útil no sentido de conferir ao
jurisdicionado aquilo que lhe é prometido pelo direito, independente do apego
excessivo as peculiaridade do caso concreto, ou seja, a decisão judicial é o elo entre
o conteúdo jurídico e o mundo dos fatos, sendo capaz de propiciar a entrega do bem
da vida reclamado. No mesmo sentido, Deilton Ribeiro Brasil :
“O devido processo legal, assegurado como instrumento indispensável à composição dos litígios em juízo, não é visto apenas como uma simples forma de obter o provimento judicial.Somente entende como tal aquele que se organize e se desenvolva de maneira a cumprir a tarefa que lhe foi reservada, ou seja, a de proteger o direito subjetivo individual de qualquer lesão ou ameaça” 63 .
Ocorre que o processo, em seu atual estágio de evolução, além de sua
natureza jurídica se apresenta como meio de pacificação social e, nesse sentido,
também deve ser preocupado com a questão de tempo, procurando compatibilizar-
se com uma justiça mais célere e justa, na medida do possível. De acordo com
Marcelo Lima Guerra
Em primeiro lugar, observa-se que, na sociedade contemporânea, a multiplicação das formas de prestações de serviços, fruto da revolução tecnológica operada a partir do pós-guerra, levou a que fosse quebrada a secular hegemonia das obrigações de prestação de coisa, mantida ainda nas codificações modernas, assumindo um papel proeminente a disciplina jurídica das obrigações de prestação de fato.
Por outro lado, têm crescido, igualmente, o reconhecimento e a proteção aos chamados “novos direitos”, isto é, situações não enquadráveis no clássico catálogo de direitos subjetivos[3]. Esses novos direitos, apesar de bastante diversificados, apresentam importantes características comuns, a saber:
a) o conteúdo desses direitos corresponde, freqüentemente, a prestações de fazer e de não fazer de trato sucessivo, isto é, que se realizam continuamente através de um período de tempo mais ou menos longo;
b) a violação deles conduz, quase sempre, a uma lesão irreparável (ou de difícil reparação);
62 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 5.
63 Brasil, Deilton Ribeiro. Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte:
Del Rey. 2003, p. 20,
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54
c) revela-se totalmente inadequada, para a proteção de tais direitos, a chamada tutela ressarcitória, genérica ou por equivalente, que consiste, como se sabe, na condenação ao pagamento de determinada quantia em dinheiro, ou seja, equivalente pecuniário da prestação inadimplida.
Compreende-se, assim, que esteja adquirindo uma relevância sempre maior a problemática da tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, isto é, da satisfação in natura dessas obrigações, quando não cumpridas pelo devedor. Não é mais admissível que, na ausência de realização espontânea dessas obrigações, a única tutela concretamente viável no ordenamento jurídico seja a condenação do devedor ao pagamento de uma soma em dinheiro, equivalente pecuniário da obrigação inadimplida (tutela ressarcitória, genérica, ou por equivalente).
64.
Partindo da ótica chiovendiana de que o processo deve dar a cada um precisa
e exatamente a aquilo que lhe é de direito, pode-se afirmar que a tutela do artigo
461 do CPC deve ser analisada sob essa ótica, pois confere ao credor à
possibilidade de obter a tutela específica do seu direito. Viana, discorrendo sobre o
assunto, assevera que
À luz de tal entendimento é possível definir tutela específica como um conjunto de remédios e providências que visam dar especificamente aquilo que a parte tem direito, conjunto de providências que visam proporcionar o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento, isto é, a não violação do direito ou do interesse tutelado.
65.
Do ponto de vista histórico e na perspectiva do direito romano, não se
concebia a execução destinada à entrega coisa certa ou a prestação de fazer e não
fazer, mas apenas era proporcionada, ao credor, a conversão em pecúnia.
No entanto, a situação evoluiu e no próprio direito romano, no período
conhecido como direito justianeu, derradeiro período jurídico do direito de Roma,
surgiu a execução pela forma específica ou in natura. Na idade média houve
64 GUERRA, Marcelo Lima. Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer. Disponível em <www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/02006.
65 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo:
Dialética, 2003, p. 248.
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55
retrocesso, com a admissão da execução pessoal mediante aprisionamento do
devedor. Teodoro Júnior, assevera que
Na plenitude do liberalismo, então, não havia lugar, em princípio, para a execução específica das prestações de fazer e não fazer. Por ser intocável o devedor em sua liberdade pessoal, uma vez recalcitrasse em não cumprir esse tipo de obrigação, outro caminho não restava ao credor senão conformar-se com as perdas e danos. Teria de apelar para a execução substitutiva ou indireta. 66.
Modernamente, ainda sem o alcance que tem no direito atual, a tutela
específica tem origem no antigo direito português.
No Brasil, a tutela específica surgiu, de maneira acanhada, no CPC de 1939,
no que tange a obras ou serviços que podem ser executados por terceiros (art.
1000) e condenação a emitir declaração de vontade (art. 1006). Tal orientação
predominou também no código de 1973, nos arts. 632, 633, 639,641 e 642.
Sobreveio alteração substancial, no que tange às obrigações de fazer ou de não-
fazer, com a reforma introduzida, no art. 461 do CPC, pela Lei 8.952/94, pela qual
novos poderes foram concedidos ao juiz para conceder tutela específica.
Posteriormente, e tutela específica também foi estendida às ações que tenham por
objeto às obrigações de entregar coisa certa, por conta da introduzida, pela lei
10.444/02, do artigo 461-A ao CPC.
A adoção da Tutela Específica na Reforma Processual de 1994 veio suprir,
em parte, a ineficácia jurisdicional, na medida em que tal tutela busca dar ao cidadão
aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-
abstrato da norma e inserindo-o especificadamente ao caso concreto; a tutela
66 TEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Jus Navigandi, n.56. Disponível em: http://www1.jus.com.br/. Acesso em: 23 de jun. de 2004 [capturado].
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56
específica garante a mesma coisa que seria obtida pelo adimplemento voluntário,
enfatizando o cunho da substitutividade processual em função do cumprimento da
obrigação in natura. Assim, assegura a prestação judicial em sua integralidade e não
apenas parte dela, que seria prestada em caso de conversão pecuniária de perdas e
danos.
Entre as técnicas de tutelas específicas dos direitos, especialmente daqueles
de cunho não patrimonial, se destacam a tutela inibitória e a tutela de remoção do
ilícito, ambas de natureza mandamental e que possibilitam a antecipação de tutela.
A tutela inibitória é de ação de conhecimento de natureza preventiva, que tem
a função de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Marinoni
ensina que
A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza,são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivar proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano. 67.
A tutela inibitória, como corolário de novo perfil do Estado Democrático e
Social de Direito, serve às novas situações de direito material, especialmente
àqueles de conteúdo não patrimonial, no sentido de conferir verdadeira tutela
preventiva à estes direitos.
A ação inibitória nem mesmo sequer a probabilidade de dano, bastando a
simples probabilidade de ocorrência de ato contrário ao direito, pois se há um direito
que exclui um fazer ou uma norma definindo algo que deve ser feito, a simples
67
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 253.
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possibilidade da prática de ato contrário a estes direitos, é suficiente para a tutela
inibitória.
O grande problema atinente à tutela inibitória é a questão da prova da
ameaça. Quando se trata de ilícito já praticado fica mais fácil demonstrar que outro
ilícito poderá ser praticado ou mesmo que o ilícito praticado tenha continuidade. De
qualquer forma, a dificuldade da prova não pode obstaculizar a ação inibitória.
Vale consignar que a ação inibitória não tem como objeto apenas impor uma
abstenção ou um não praticar um ato contrário ao direito, mas também visa a evitar
o ilícito seja ele comissivo ou omissivo. Assim, por meio da tutela inibitória tanto é
possível exigir uma abstenção (não-fazer), como uma ação positiva (fazer).
Também não se pode esquecer que se existe uma norma que define um
dever de prestação fática ao Estado, principalmente quando se trata de direitos
fundamentais que exigem prestações materiais, estes gêneros de direitos estão
incluídos nos direitos à proteção. Nesse sentido, a ação processual deve evitar que
a omissão ilícita do Estado ao seu dever de fazer, isto é, de assegurar a prestação
material fática, se perpetue como fonte de danos. Assim, de acordo com Marinoni
[...], as costumeiras alegações de conveniência e oportunidade são mais do que descabidas, e a mera afirmação de indisponibilidade orçamentária não pode desonerar o Estado do seu dever, sob pena de admitir que ele pode entender que não deve dispor de dinheiro para evitar a degradação de um direito afirmado inviolável pela própria Constituição Federal.
68.
A tutela de remoção do ilícito tem por direito a remoção dos efeitos de uma
ação ilícita já praticada, uma vez que existem certos ilícitos cujos efeitos se
propagam no tempo produzindo ou podendo produzir danos. Sendo assim, não seria
68
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 267.
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correto pensar que nestes casos somente seria cabível ação ressarcitória ou de
reparação de danos. Segundo Marinoni, “a ação de remoção do ilícito,como já
adiantado, não se dirige contra um agir continuado, mas sim contra uma ação que se
exauriu enquanto agir, mas cujos efeitos ainda se propagam no tempo.” 69.
Deve ser consignado que apenas quando o ilícito se prolonga no tempo e traz
probabilidade de produção de dano é que há interesse de se utilizar tutela de
remoção. Isto porque o ilícito não se confunde com o dano, pois constitui degraus no
caminho que pode gerá-lo. A remoção do ilícito é a supressão da causa do eventual
dano.
Outrossim, conforme afirmado, considerando a natureza e a finalidade das
ações inibitórias e de remoção do ilícito, é imprescindível a existência da técnica
antecipatória para a estruturação de um procedimento que seja efetivamente idôneo
à tutela do direito, inibindo ou removendo o ato ilícito.
Nesse sentido os arts. 461 do CPC e 84 do CDC permitem ao juiz conceder a
tutela liminarmente ou após justificação prévia, nas ações que tenham por objeto o
cumprimento das ações de fazer ou não-fazer.
Aqui deve ser esclarecido que a tutela antecipada não subordina a
probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, bastando a probabilidade
que venha a ser praticado atos ilícitos, no caso da tutela inibitória, ou que tenha sido
praticado o ato ilícito, na tutela de remoção. Tais dispositivos colocam a
disposição do juiz os instrumentos ou técnicas processuais idôneas para as tutelas
inibitórias e de remoção do ilícito.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 276.
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59
A obtenção do resultado específico, ou de resultado prático equivalente, pode
ser obtido pelo provimento mandamental, pelo executivo lato sensu, ou, ainda, pela
conjugação de ambos.
O provimento mandamental consiste na ordem de fazer ou de não fazer, a
qual vem conjugada de medidas coercitivas indiretas, como a multa e a possibilidade
de prisão pela prática do crime de desobediência. De acordo com Marinoni
Na sentença mandamental, o juiz atua sobre a vontade do demandado, ordenando sob pena de multa ou sob pena de prisão. Ou seja, a peculiaridade da sentença (Técnica mandamental está na coerção indireta, vale dizer, na força que visa convencer o demandado a observar o conteúdo da sentença).
70.
O que característica da ação mandamental é a previsão de técnicas
processuais que possibilitam a realização prática do direito reclamado no próprio
processo de conhecimento, sem a necessidade de propositura de ação autônoma de
execução. O cumprimento das decisões (interlocutórias e sentenças) se dá mediante
execução ou ordem. Sobre a ação mandamental, o Ministro Luiz Fux, do STJ,
afirmou que
Afina-se essa forma de tutela com os casos de periclitação, como só ocorre com a tutela de segurança. A mandamentabilidade está na "preponderância da ordem sobre o julgamento", isto é, a declaração do direito precede, mas a eficácia que se busca é a ordenatória e não a condenatória, como imaginam aqueles que não concebem emita o juiz ordens. Essa mandamentabilidade das sentenças verifica-se pela sua pronta realizabilidade prática. Esse aspecto mandamental faz do provimento "execução para segurança" e não "segurança para execução", na expressão de Pontes de Miranda. O reconhecimento desse tipo de tutela é decorrência do poder necessário à efetividade dos provimentos judiciais sob pena de grave desprestígio para a função jurisdicional. 71
70
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 290. 71 FUX, Luiz. O descumprimento das decisões judiciais e a criminalização do processo civil: breves considerações. Revista de Direito Renovar, n. 26, p. 39-44, maio/ago. 2003.
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60
De certo modo pode-se afirmar que a ação mandamental se assemelha ao
mandado de segurança, especialmente pela particularidade de que a execução da
ordem contida nas sentenças mandamentais se efetiva mediante ato oficial da
autoridade competente. Segundo Mesquita, a diferença entre as sentenças
condenatórias e as sentenças mandamentais, foi feita em 1995, por Kazuo
Watanabe, da seguinte forma:
Quando o juiz condena, dá nascimento a um título executivo que propicia o acesso a uma outra ação, que é a ação de execução. E quando o juiz manda, o provimento deve ser cumprido no mesmo processo, tal como ordenado pelo juiz, sob pena de desobediência e, conforme o caso, até de configuração de crime de responsabilidade (em se tratando de ordem dirigida à autoridade pública)”72.
O provimento executivo lato sensu consiste na possibilidade se utilizar outros
meios de atuação, que sejam adequados e juridicamente possíveis para garantia da
execução do comando judicial, sem a necessidade de ação autônoma de
conhecimento. Watanabe ensina que “resultado prático equivalente poderá ser
obtido, também, através de outros atos executivos praticados pelo próprio juízo, por
meio de seus auxiliares, ou de terceiros, observados sempre os limites da
adequação e das necessidades.” 73.
De fato, quando se pensa em técnicas necessárias para tutelar o direito do
autor, deve-se pensar em termos de necessidade, adequação proporcionalidade.
Necessidade significa que o meio escolhido deve ser o mais idôneo e que cause a
menor restrição possível ao réu. Quanto à adequação, a técnica escolhida deve ser
apta a proporcionar o direito do autor e a necessidade relaciona-se com saber se a
72
MESQUITA, José Ignácio Botelho. Sentença Mandamental. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006. 73 WATANABE, Kazuo. In: CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Comentado pelos autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., 8 ed., Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2004, p.846.
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ação (técnica) é necessária ou se pode ser substituída por outra que tenha a mesma
eficácia, mas seja menos restritiva a esfera jurídica do réu. Somente o caso concreto
é que vai indicar a medida mais adequada e de menor restrição possível. De
qualquer forma, seja qual for a medida executiva escolhida, é imprescindível que o
juiz justifique (fundamente) a sua escolha, para demonstrar a perfeição do raciocínio
utilizado e a necessidade da medida, de acordo com os parâmetros da adequação,
da menor restrição possível e da proporcionalidade.
Assim, o meio utilizado pode ser a multa, a execução direta ou a prisão,
sempre em conformidade com as regras da adequação e da necessidade. Caso a
sentença ou a ordem judicial seja descumprida, o juiz pode alterar a medida
coercitiva imposta, substituindo a multa pela execução direta ou até mesmo pela
prisão, desde que necessária para a tutela do direito material violado, como é o caso
da tutela do direito à saúde.
Vale relembrar, conforme antes afirmado, que o legislador tem o dever de
criar técnicas e procedimentos processuais que sejam eficazes à tutela dos direitos
substantivos. Porém, considerando a impossibilidade do legislador prever quais
seriam as técnicas processuais ideais para a resolução de todos os conflitos, a
solução foi estabelecer regras que conferissem ao juiz a margem de poder
necessário para adequar o processo ao caso concreto, a exemplo do que se
encontra nos artigos 84 do CDC e 461 do CPC, os quais permitem que o magistrado
com conceda tutela específica que assegurem um resultado prático equivalente nas
ações destinadas ao cumprimento das obrigações de fazer descumpridas.
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62
4 O processo e a tutela específica do direito à saúde
Do exposto já foi possível concluir que o direito à saúde se insere o rol dos
direitos fundamentais da pessoa humana e, como tal, encontra ampla proteção no
ordenamento jurídico nacional; tal proteção e aplica tanto no que se refere ao direito
público subjetivo do cidadão, que pode exigir que o Estado lhe assegure as
prestações materiais prometidas, como no que diz com a assistência a saúde objeto
de relação obrigacional nos contratos de consumo.
Foi afirmado ainda que o processo moderno não pode estar desvinculado dos
valores axiológicos da sociedade no qual está inserido; nesse sentido, não podem
faltar técnicas adequadas para efetiva tutela dos direitos, especialmente aqueles de
cunho não patrimonial, como é o caso do direito à saúde.
Finalmente foi abordado o direito à saúde como obrigação de fazer que
vincula, na esfera pública, o cidadão credor ao Estado devedor, e, nas relações de
consumo, o consumidor e o fornecedor dos planos de e seguros de saúde, de modo
que as novas técnicas processuais engendradas nos artigos 461 do CPC e 84 do
CDC se configuram como as mais adequadas para a tutela de tais direitos, conforme
se verá a seguir.
4.1 Tutelas específicas do deito à saúde como obrigação de fazer
Pelo que se viu é factível perceber que o instituto da tutela específica, nada
mais é do que o resgate finalístico do processo, no sentido de fazer atuar o que a
norma material estabelece, de modo a respeitar ao máximo o direito do credor,
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63
proporcionando-lhe a efetivação da obrigação que lhe é devida, do mesmo modo
que ela seria obtida se não fosse necessário recorrer às vias judiciais. Sendo o
modo mais eficaz do Estado substituir o inadimplemento do devedor recalcitrante e
satisfazer o direito do credor, Leonardo Greco aduz que
O processo somente constituirá garantia da tutela efetiva dos direitos se for capaz de dar a quem tem direito tudo aquilo a que ele faz jus de acordo com o ordenamento jurídico. Por isso, a moderna concepção da efetividade do processo impõe o adequado cumprimento das sentenças judiciais, inclusive contra a Administração Pública, a oportuna proteção das situações jurídicas suficientemente fundamentadas contra os riscos da demora na prestação jurisdicional (tutela da urgência ou tutela cautelar) e a tutela específica do direito material, especialmente no âmbito das obrigações de dar coisa certa, de fazer e não fazer.
74.
No que tange às relações contratuais, quando a obrigação apesar de
inadimplida, o seu cumprimento ainda interessa e é útil para o credor, a tutela
jurisdicional pode ser prestada de forma específica. Da mesma forma se o seu
cumprimento foi imperfeito ou defeituoso.
Também nas obrigações de trato sucessivo é possível que a obrigação
violada volte a se repetir, sendo necessária uma tutela jurisdicional inibitória para
impedir o inadimplemento.
Há muito se reclamava a agilização procedimental e tratamento legal às
tutelas de urgência, haja vista a inexistência de técnicas processuais aptas à
resolução eficaz das demandas dessa natureza. No que tange às obrigações de
fazer ou de não fazer, onde a precariedade era mais notória, o advento do artigo 461
do CPC, especialmente pelo disposto no seu parágrafo 3º que possibilita a
antecipação da tutela específica reclamada, representou grande avanço no sistema
processual brasileiro, no sentido de dar resposta rápida às situações ou demandas
74 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível em:<
www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 01/05/2006
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64
com fundamento na urgência, como via de regra ocorre com as ações onde se
busca a tutela do direito à saúde.
Como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge como
reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o
cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor. É
imprescindível dar ao credor o bem da vida contratado e não o seu equivalente em
dinheiro. Nesse sentido, Marinoni assevera que
A tutela específica, como é óbvio, é a tutela ideal do direito material,já que confere à parte lesada o bem ou o direito em si, e não o seu equivalente.É apenas mediante a tutela específica que o ordenamento jurídico pode assegurar a prestação devida àquele que possui a expectativa de receber um bem. Não é por outra razão que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, demonstrando uma verdadeira obsessão pela tutela específica, afirmam que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. 75.
Importante esclarecer, como adverte Carreira Alvim, que as obrigações de
fazer ou de não-fazer podem decorrer não somente de relações contratuais
(obrigações convencionais), mas também aqueles resultantes da lei. Em ambas,
conseqüentemente, é possível a concessão de tutela específica. No que concerne
Às obrigações de fazer ou não-fazer resultantes diretamente da lei, a tutela
específica não se distingue das obrigações convencionais. Diz o citado doutrinador:
Primeiro porque o art. 461 do código não distingue entre obrigação convencional ou legal, [...] segundo, porque essa sempre foi a tradição do nosso direito processual, admitindo código de Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), ação cominatória a quem, por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem que abstivesse de ato ou prestasse fato dentro de certo prazo. Inúmeras outras hipóteses previstas nesse artigo tinham suporte em autênticas obrigações legais.
76. (pág.25)
75 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 385.
76 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.
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65
A tutela específica é imprescindível principalmente em se tratando dos direitos
de conteúdo não-patrimonial, onde o dano pode ser expresso em dinheiro, e,
conforme visto exige técnica processual que possa ordenar sob pena de multa.
Neste sentido, os arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC viabilizam o uso da
multa e de outras medidas que podem ser decretadas pelo juiz para dar efetividade
à tutela jurisdicional. Esses artigos têm por objeto dar tutela às obrigações de fazer,
não-fazer e de entrega de coisa, e vêm conjugados com técnicas processuais
idôneas para a consecução dos seus objetivos. Os citados artigos permitem a tutela
do direito independentemente da ação de execução e, nesse sentido, elimina a
necessidade do procedimento traçado para as obrigações de fazer.
A razão da inserção de tais técnicas de tutela no direito processual pátrio
decorre do fato de que a transformação do Estado liberal clássico para Estado social
de Direito redunda na tarefa de criar mecanismos práticos de operação dos direitos
fundamentais.
Nesse sentido, sobressai a função política do Processo, que, de certa forma
implica no fato de que o estudioso do direito processual e o aplicados das normas
processuais deve ultrapassar a interpretação dogmática, pois somente assim
conseguirá dar ao processo a força de garantia dos direitos na vida social, uma vez
que o direito existe para ser realizado. De acordo com Deilton Brasil
O devido processo legal, assegurado como instrumento indispensável à composição dos litígios em juízo, não é visto apenas como uma simples forma de obter o provimento judicial.Somente entende como tal aquele que se organize e se desenvolva de maneira a cumprir a tarefa que lhe foi reservada, ou seja, a de proteger o direito subjetivo individual de qualquer lesão ou ameaça. 77. (pág. 20)
77
BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 20.
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66
Deve ser observado que a natureza jurídica da ação de comprimento dos
atuais arts. 461 e 461-A do CPC é típica ação de preceito, ou seja, visa ao
cumprimento específico ou in natura.
Tanto os entes públicos quanto os privados podem ser sujeitos passivos nas
ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do CPC, já que a Administração Pública não
pode deixar de cumprir especificamente suas obrigações, sejam elas legais ou
convencionais, pois, conforme lembra Carreira Alvim, “a outorga da tutela
específica, inclusive initio litis, tratando-se de obrigação legal de fazer, revelar-se a
única forma de satisfazer inteiramente o interesse privado violado pela inadimplência
dos agentes administrativos.” 78.
Também é necessário distinguir os dois modos de cumprimento das
obrigações, previsto no arts 461 do CPC: a tutela específica e a tutela pelo
equivalente. A primeira se trata de modalidade de cumprimento in natura, ou seja,
concede ao credor o resultado prático igual ao que teria obtido com o cumprimento
da obrigação pelo obrigado. No segundo caso, e cumprimento ocorre por meio de
providência que leve ao resultado prático correspondente ao adimplemento. A
conversão em perdas e danos é faculdade do credor ou alternativa diante da
impossibilidade do cumprimento nas formas anteriores. “A exegese correta do
dispositivo deve ser esta: se impossível a tutela específica da obrigação, o credor
pode optar entre a obtenção do resultado prático equivalente em a conversão (da
obrigação) em perdas e danos”. 79.
78 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 30.
79 Ibid., p.79.
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67
Considerando a supremacia do interesse do credor na prestação in natura do
fato pelo devedor, ou na abstenção de prática do ato, buscam-se meios de coação
que sejam capazes de influir sobre a sua vontade.
Nesse sentido, no direito anglo-americano, as execuções específicas onde o
devedor fica submetido ao poder disciplinar do juiz, de forma que o descumprimento
da ordem judicial constitui desobediência e ofensa à própria jurisdição (contemp of
court), cabendo ao juiz agir de ofício.
No direito alemão a solução para os casos de desobediência é a prisão ou a
imposição de pena pecuniária, dependendo do pedido do credor.
Carreira Alvim afirma que no direito brasileiro, a pena pecuniária foi também
solução preferida pelo legislador, como meio de estimular o cumprimento da
obrigação (arts. 287, 644 e 645 do CP), tendo sido também a técnica preferida pela
reforma processual (art. 461, parág. 4º, do CPC), inexistindo entre nós instituto
similar ao contempt of court do direito inglês. Todavia, de certo modo foi adotada a
linha seguida pelo direito alemão no que tange à possibilidade de prisão civil, como
ocorrem com o devedor alimentos e o depositário infiel. 80. De fato, ensina o citado
autor que [...] “o nosso ordenamento processual é bastante amplo em termos de
técnica de construção da vontade, atuando sobre a mente o bolso e até sobre o
corpo do devedor, com apoio constitucional (art 5º LXVII).” 81.
DEILTON BRASIL, por seu turno, assevera que parece inegável que o
legislador brasileiro se inspirou no sistema do direito anglo-saxônico da contempt of
80 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.
81 Ibid., p. 51.
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68
court, onde mesmo a prisão pode ser decretada diante do descumprimento de
ordem judicial. 82.
Muito se tem discutido sobre a possibilidade do uso da prisão como meio de
persuadir ao cumprimento das decisões judiciais. Nesse sentido, a prisão seria
decorrente da incidência do art. 330 do código penal, pois o agente estaria
praticando o crime de desobediência.
Todavia, deve ser advertido que nem sempre a inobservância da decisão
judicial caracteriza o crime de desobediência, pois o crime somente se configura
quando o provimento jurisdicional for prevalentemente uma ordem ou um
mandamento. Assim, o descumprimento de uma sentença condenatória, por
exemplo não caracteriza o crime, mas apenas sujeita o patrimônio de devedor.
Nesse sentido, não se pode olvidar de que é cada vez, maior o número de
tutelas jurisdicionais às quais se atribui eficácia mandamental, como o mandado de
segurança, as ações possessivas e as tutelas específicas das obrigações de fazer e
de não fazer do art. 461 do CPC. Assim, ganha cada vez mais faro a discussão
acerca da constitucionalidade da prisão daquele que descumpre a ordem judicial.
Pontes de Miranda, citado por Deilton Brasil, era taxativo ao admitir a sua
possibilidade, pois, segundo este autor “o que a constituição proíbe e a pena de
prisão por não-pagamento de dívidas”, e, sendo assim “a prisão civil por
inadimplemento de obrigações, é sempre possível na legislação.” 83. Alexandre
Freitas Câmara, também citado pelo autor acima referido, admite que “é possível e
82 BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003
83 MIRANDA,Pontes de, Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer
e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 204.
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69
deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da
prestação jurisdicional.” 84.
A prisão por descumprimento de ordem judicial, assim, seria considerada civil
e sua aplicação encontra guarida no parágrafo 5º, do art. 461, do CPC, podendo ser
então determinada pelo próprio juízo que proferiu a ordem ou o mandamento, tão
logo fique comprovado o descumprimento.
No mesmo sentido é a opinião de Adugar Quirino, o qual afirma que o
Judiciário precisa estar dotado de instrumentos processuais hábeis e eficazes para a
garantia de que a tutela jurisdicional reclamada, quando procedente, deve ser
concretamente obtida. Assim, conclui o citado Juiz paulista, não se pode prescindir
da possibilidade de utilizar a prisão civil como meio de garantia do cumprimento das
decisões judiciais, como ocorre em vários Estados Democráticos contemporâneos,
como EUA, Inglaterra, dentre outros. 85.
A multa é uma sanção processual derivada ou similar às astreintes do direito
francês, e tem por escopo pressionar psicologicamente o devedor a cumprir o
preceito ou a obrigação inadimplida. Todavia, adverte Carreira Alvim, “apesar de
visar, aparentemente, à realização do direito do credor, dado que procura obter uma
atividade (ou emissão) do devedor, a multa tem, na verdade, o escopo direto de
obter o cumprimento do mandado judicial, que, enquanto expressão da jurisdictio
imperium do Estado, não pode ser descumprido.” 86.
84 CÃMARA, Alexandre Freitas. Apud BRASIL, Deilton Ribeiro Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 205
85 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
86 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 96.
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Ademais disso, a multa pode ser fixada em decisão interlocutória (liminar) ou
na sentença de modo que poderá ser exigida na medida em que a decisão que a
proferiu possa ser efetivada, ou seja, desde que não seja atingida por eventual efeito
suspensivo, pois neste caso, não produzirá efeitos senão depois do trânsito em
julgado.
Também não se pode olvidar que a multa prevista no art. 461, parágrafo 4º,
do CPC, assim como aquela do art. 287 do mesmo Diploma Legal, pertence
exclusivamente ao credor. Do contrário, seria absolutamente inócua quando a
Fazenda Pública figurar como ré, no fato passivo da demanda.
Para conseguir a efetivação da tutela específica o julgador é aparelhado por
diversos instrumentos, além da multa, que deverão compelir o devedor ao
adimplemento; caso a multa não surta efeitos, o juiz poderá buscar o resultado
prático equivalente com espeque no parágrafo quinto do artigo 461 do CPC, cujo rol
de medidas de apoio tem caráter exemplificativo e que poderão ser concedidas
tanto de ofício como atendendo a pedido da parte. Tais medidas, consistem, entre
outras: em busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de
obras, impedimento de atividades nocivas e até reforço policial, de forma que a
conversão em perdas e danos é a última opção.
Ademais disso, o parágrafo terceiro do artigo 461 do CPC autoriza a emissão
de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou de seus
efeitos, consistindo tal determinação em medida antecipatória da tutela em relação
as obrigações de fazer e não fazer, regulamentada de modo diferenciado em relação
aos demais tipos de obrigações, que estão abarcadas genericamente no artigo 273
do CPC.
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Os requisitos para a antecipação da tutela específica das obrigações de fazer
ou de não fazer são a relevância do fundamento da demanda e o receio de
ineficácia do provimento final. Nesse sentido, o receio de ineficácia relaciona-se
mais diretamente ao perigo na demora na prestação jurisdicional.
A concessão da medida antecipatória poderá ser inaudita altera parte ou,
caso o juiz entenda necessário, depois de verificada a justificação prévia. Em caso
de concessão inaudita altera parte existe uma postergação ao direito do réu de
contraditar e de se defender, a qual deverá ser concedida quando a urgência for de
tal ordem que não se possa esperar a citação e resposta do réu ou quando a citação
possa tornar ineficaz a medida. Carreira Alvim aduz que “o receio de ineficácia do
provimento traduz uma situação de perigo (real ou temido), pelo que deve vir
acompanhado de circunstâncias fáticas, a demonstrar que a falta de liminar poderá
comprometer o provimento final.” 87. Assim, o fundado receio que alude o dispositivo
legal significa o temor demonstrado com fatos e circunstâncias que possam ser
objetivamente demonstrados.
Também é importante ressaltar que a antecipação de tutela pode ser
concedida e qualquer tempo, no início da lide ou no decorrer do processo, mas
sempre antes da sentença. No entanto, a doutrina majoritária entende que mesmo
após a sentença a tutela antecipada pode ser deferida.
Tratando-se de tornar efetivo o provimento liminar, o provimento de urgência
apresenta uma intrínseca executividade, ou seja, apresenta aptidão para produzir
efeitos imediatamente, sem necessidade de propor ação de execução. Nesse
87 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 120.
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sentido, o modo de satisfação do provimento deve ser o mais idônea possível atingir
o seu objetivo. Carreira Alvim chama a atenção de que “deve o juiz estabelecer a
forma e os meios pelos quais se cumprirá o provimento liminar, intimando o réu para
cumpri-lo,se depender de atividade sua; se não, será intimado aquele de quem
dependa.” 88.
4.1 Tutela específica do direito à saúde em face do Poder Público
Conforme ressaltado ao longo deste trabalho, na análise do direito à saúde
como direito fundamental chama a atenção para a necessidade de maior efetivação
no cumprimento da prestação positiva à saúde, pois este é o principal direito
fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.
Também foi asseverado que o reconhecimento dos direitos sociais como
direitos fundamentais não se efetivará enquanto não forem superadas as barreiras
que tentam impedir que se possa reclamá-los perante o Judiciário, principalmente
quando se trata de descumprimento estrito, pois no caso e descumprimento geral e
absoluto de determinada obrigação decorrente de direitos sociais, fica muito difícil
promover o seu cumprimento por meio de ações judiciais.
Maselli, em estudo sobre o dever estatal de fornecer medicamentos, conclui
que entre as diversas ações que tramitam perante as Varas das Fazendas, Públicas
se encontram aquelas que visam compelir a Administração Pública à realização de
prestações positivas de dar e de fazer, versando sobre os direitos sociais
88 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 215.
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fundamentais ínsitos na Constituição, com destaque para os direitos prestacionais
relacionados à saúde, especialmente no que se refere ao fornecimento de
medicamentos. 89.
De fato, nem poderia ser diferente, uma vez que tem se tornado lugar comum
a negativa do Estado em fornecer medicamentos, especialmente drogas novas que
não constam dos chamados “protocolos clínicos” 90 elaborados pelo Ministério da
Saúde e, em alguns Estados, também pelas Secretarias Estaduais de Saúde.
Também tem sido freqüente o não fornecimento de remédios porque faltam no
estoque ou porque são prescritos para enfermidades que não constam dos citados
protocolos.
E não é somente no que tange ao fornecimento de medicamentos que o
Estado (gênero) tem falhado. Não obstante os avanços visivelmente alcançados ao
longo dos últimos dez ou quinze anos, o SUS ainda está longe de propiciar
atendimento integral e gratuito com a qualidade e a eficiência prometidas pelo
legislador. A falta de recursos e, muitas vezes, o excesso de burocracia, aliados à
falta de reconhecimento dos avanços da ciência médica que a cada dia cria
tratamentos mais sofisticados e eficazes, faz com que diversos procedimentos e
atendimentos médico-hospitalares não sejam assegurados aos usuários do Sistema
(e, diga-se de passagem, é a maioria do povo brasileiro). Outras vezes é a demora
no atendimento que acarreta danos sérios e, não raro, irreversíveis, quando não leva
à morte prematura por falta de assistência à saúde do usuário.
89 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 199-254.
90 Protocolos clínicos são diretrizes fixadas por profissionais da saúde vinculados ao SUS, que têm
por principal escopo gerenciar a aquisição e a dispensação dos medicamentos.
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Portanto, é imprescindível que o processo possa ser eficaz na proteção do
direito do usuário diante da obrigação estatal de prestar a devida assistência à
saúde. Assim, não se pode prescindir das técnicas predispostas no ordenamento
jurídico para que o Poder Público seja impelido a cumprir o mandamento
constitucional que assegura o direito a saúde como direito de todos e dever do
Estado.
Em razão das transformações sociais e da própria evolução do Estado social
de Direito, o processo não poderia ficar inerte. Daí o surgimento das tutelas
jurisdicionais diferenciadas para a efetiva resposta ou prestação de justiça aos
anseios e pretensões deduzidas em juízo.
Entre as tutelas diferenciadas surge a tutela mandamental, ou seja, aquela
pela qual o juiz vai além da simples declaração e da condenação, para emitir um
provimento judicial dotado de ordem que implica no seu imediato cumprimento, uma
vez que tal ordem vem conjugada com medidas coercitivas a serem aplicadas ao
demandado que a descumprir.
No estudo já citado, Maselli entendeu que não existem ações judiciais
especialmente engendradas para dar efetividade aos direitos sociais, sendo que o
interessado pode deduzir sua demanda por meio de ação ordinária ou mandado de
segurança. Assevera que mesmo se a via eleita for a da ação ordinária, o
provimento judicial proferido terá natureza mandamental. Destaca que se deve fazer
uso das ações coletivas quando houver uma coletividade de pessoas prejudicadas
pela omissão Estatal. Nesse sentido, destaca a atuação do MP, das associações e
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da Defensoria Pública, que no seu entendimento também está legitimada para a
propositura de ações civis públicas. 91.
Afirma ainda o cabimento da tutela de urgência, que deve observar o caráter
essencial do provimento, relacionando-se com a noção de mínimo existencial. Nesse
sentido, observa que o preceito do art. 2º da Lei8.437/92, que determina a
manifestação do ente público antes da análise do pedido de liminar, deve ser
avaliado no sentido de analisar se o estado saúde do autor comporta tal oitiva. 92.
Via de regra os tribunais pátrios têm sido francamente favoráveis à tutela
jurisdicional do direito à saúde, mesmo no que tange à possibilidade de concessão
de medidas de urgência, liminarmente, contra o Poder Público. No Superior Tribunal
de Justiça (STJ), a orientação recente é amplamente favorável ao reconhecimento
do direito à saúde como obrigação do Estado. No mesmo sentido tem sido o
entendimento do Supremo Tribunal Federa (STF).
A questão é que até recentemente, antes das reformas processuais iniciadas
a partir de 1994, não havia no sistema processual pátrio uma tutela jurisdicional que
fosse adequada, apta e idônea para tutela eficaz dos direitos de cunho não
patrimonial, como o direito à saúde.
De fato, devido à falta de técnicas especificas para a tutela do direito à saúde,
era comum a utilização do mandado de segurança e de ações cautelares, muitas
delas cunhadas de preparatórias, mas cujo provimento, quando deferido, tinha
caráter satisfativo.
91 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 229-230.
92 Ibid., p. 232.
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Germano Schwartz, afirma que para fazer valer tal direito, existe no
ordenamento jurídico uma gama variada de meios para que os cidadãos possam
fazer valer seus direitos. Nesse sentido, são válidas todas as garantias individuais na
busca da efetivação do direito à saúde, mediante a oposição de um vínculo
obrigacional entre o cidadão-credor e o Estado-devedor. 93.
Todavia, as novas técnicas introduzidas no sistema jurídico pátrio,
especialmente aquelas que visam à obtenção da tutela específica da obrigação de
fazer, as quais foram estudadas nos capítulos anteriores, parecem ser as mais
adequadas e idôneas para a tutela do direito à saúde, mesmo quando se trata de
demanda contra a Fazenda Pública.
Isto porque não é mais possível que continuem a ser utilizadas medidas
cautelares cujo provimento requerido é total ou parcialmente satisfativo, como vinha
ocorrendo na prática forense diante da falta de tutelas diferenciadas e efetivas de
determinados direitos que não poderiam aguardar a longa tramitação do processo.
Por outro lado, embora o mandado de segurança seja o remédio que se
mostrou mais eficaz na tutela do direito líquido e certo violado pelo Poder Público em
detrimento do particular, é bastante discutível a sua juridicidade no caso de tutela do
direito à saúde; isto porque geralmente o direito é indiscutível, mas os fatos muitas
vezes demandam instrução probatória que não cabe na ação especial do
mandamus.
Na prática, porém, o judiciário vinha acolhendo os mandados de seguranças
impetrados contra o Poder Público visando ao fornecimento de medicamentos e
outras prestações na área de saúde; no entanto, conforme frisamos, era feito devido
93 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2001.
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à falta de tutelas jurisdicionais adequadas, o que entendemos não ser mais possível
diante do disposto no artigo 461 do CPC, que também admite antecipação de tutela
específica, liminarmente ou após justificação prévia, e cujos provimentos (liminar e
final) são essencialmente mandamentais ou executivos lato sensu.
Ocorre que as reformas engendradas no sistema processual brasileiro
trouxeram importantes inovações; dentre elas se destaca a tutela mandamental, pela
qual o juiz vai além da simples declaração e da condenação, para emitir provimentos
judiciais dotados de ordens que implica no seu imediato cumprimento, uma vez que
o mandamento vem conjugado com medidas coercitivas a serem aplicadas ao
demandado que a descumprir. De acordo com Adugar Quirino
Ao comando emergente constante da sentença mandamental normalmente vem imposta uma medida coercitiva a ser aplicada no caso de remitência do demandado de apoio, como,por exemplo, astreintes, crime de desobediência ou crime de responsabilidade, em caso de a inércia ser oriunda de autoridade pública. 94.
Nesse sentido, é possível afirmar que a tutela prevista no art. 461 do CPC é
mandamental, pois permite ao juiz expedir ordens para o cumprimento das
obrigações de fazer e de não fazer, as quais, se descumpridas, farão configurar o
crime de desobediência e darão ensejo ao uso de outros meios coercitivos e
executivos tendentes a tornar efetivo o mandamento jurisdicional.
É verdade que muito se tem discutido acerca da aplicação do artigo 461 do
CPC em face da Fazenda Pública. Nesse sentido, no que concerne a caracterização
da prestação prometida pelo Estado como obrigação de fazer, Carreira Alvim
assevera que
94
SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 32.
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A obrigação legal, que embasa a tutela específica (art. 461), se apresenta munida de todos os elementos configuradores: um credor (o sujeito ativo), um devedor (e sujeito passivo) e um objeto (a prestação). Assim, se a lei assegura ao servidor a sua passagem para a inatividade, atendidas determinadas condições, cabe à Administração, um vez satisfeitas, operar ex vi legis essa transferências não o fazendo, fez nascer para o servidor o poder de exigi-la da Administração, com base no art. 461, inclusive com pedido de tutela específica liminar.
95.
Maselli, embora tenha concluído que não existe uma ação especialmente
engendrada para a tutela do direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro,
reconhece que a as ações judiciais relacionadas com o fornecimento de
medicamentos são caracterizadas pelo inegável conteúdo mandamental. 96.
Ainda de acordo com o citado autor, entre as medidas que entende serem
úteis passa a efetivação do direito à saúde (no caso o fornecimento de
medicamentos) está a autorização para que terceiros cumpram a prestação faltante.
No entanto, o próprio autor reconhece que dificilmente uma empresa particular
concordaria em cumprir com a prestação para receber posteriormente do Estado.
Também haveria a problemática da escolha da empresa, ficando a sugestão de que
o próprio autor pudesse comprovar e indicar de menor custo, uma vez que a própria
Lei de licitações permite a contratação com dispensa do certame licitatório em
situações de urgência (Lei 8.666/93, art. 24, IV).
Cita ainda a coerção indireta com a nomeação de administrador judicial, mas
com a ressalva de que se trata de meio excessivamente invasivo e o judiciário não
se encontra vocacionado para tarefa de administrar. Nesse sentido, talvez a
aplicação de multa (astreintes) seria mais conveniente. Todavia, no que tange à
Fazenda Pública tal medida traria pouco ou nenhum impacto, uma vez que mesmo
95 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 79.
96 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA,
Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 232.
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de admitindo a sua imediata exigência, as execuções contra o Poder Público deve
seguir o sistema no parágrafo único do art. 14 do CPC seria inócua, uma vez reverte
para o próprio Estado.
Afirma que a prisão seria a modalidade que melhor serviria para dar
efetividade aos direitos sociais oponíveis ao Estado. No entanto, adverte para a
inexistência da prisão civil por descumprimento da ordem judicial, de modo que se
têm opiniões no sentido da possibilidade de persecução criminal, para a apuração
dos crimes de desobediência ou de prevaricação (arts. 330 e 319 do C. P). No
entanto, chama a atenção para as dificuldades de se enquadrar a conduta dos
agentes públicos nas figuras típicas penais antes referidas, e ainda ao fato de que
tais crimes, por serem de menor potencial ofensivo, não demandara prisão em
flagrante. Diante da improvável possibilidade de que uma condenação por
desobediência ou prevaricação acarrete a prisão do autor do ilícito, ressalta o valor
de aprofundar-se a discussão acerca da incorporação de uma prisão processual
civil, como a contempt of court, em nosso sistema. 97
Concluindo, afirma o promotor público do Rio de Janeiro, que sumarizando o
procedimento de imposição de tutela ora proposto, verificado o descumprimento da
ordem judicial e a inexistência de remédios que pudessem ser apreendidos nas
unidades farmacêutica do SUS, a execução da obrigação de fazer valer-se-ia, nem
primeiro momento, da aplicação de astreintes. Evidenciada a insuficiência da
medida, o juiz determinaria que o ente Público réu usasse, em caráter emergencial,
os recursos de fundos criados para essas situações, ou que terceiro realizasse a
prestação em questão às expensas do Erário. Em último caso, tratando-se de direito
97 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004, p. 234.
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prestacional fundamental, poderia o juiz decretar a prisão processual civil do
administrador negligente, desde que se demonstrasse cabalmente tal essencialidade
do medicamento em questão. Assevera ainda que o descumprimento de ordem
judicial configura crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, VII e 111 da
constituição, com a possibilidade de suspensão dos direitos políticos e intervenção,
mas lembra que tais medidas possuem diminuta eficácia. 98.
Ora, toda a análise acima referida, embora tenha sido elaborada com base na
Lei da Ação Civil Pública, são perfeitamente aplicáveis às demandas do particular
em face do Estado, com fulcro no artigo 461 do Código de Processo Civil. Nesse
sentido, o juiz paulista Adugar Quirino assevera que
A Fazenda Pública, em face da impenhorabilidade de seus bens, não está sujeito à execução forçada (execução contra devedor solvente) obedecendo a execução contra ela ao disposto nos arts. 730 e 731. No entanto, relativamente à tutela específica das obrigações de fazer, e não fazer, está tanto quanto qualquer particular, sujeita à incidência da regra do art. 461, inclusive para fins de medida liminar .
99.
Conforme já frisado no início do capítulo, Carreira Alvim afirma que, no que
concerne as obrigações de fazer ou não-fazer resultantes diretamente da lei, a tutela
específica não se distingue das obrigações convencionais, já que o art. 461 do CPC
não distingue entre obrigação convencional ou legal; ademais disso, porque essa
sempre foi tradição do nosso direito processual, e inclusive constava do Código de
Processo Civil de 1939 (art. 302, XII), que assegurava a ação cominatória a quem,
98 GOUVEIA, Marcos Maselli. Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord). A efetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004,, p. 247.
99 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de
coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 54.
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por lei ou convenção, tivesse o direito de exigir de outrem que abstivesse de ato ou
prestasse fato dentro de certo prazo. 100.
Também Marinoni assevera que tanto os Entes Públicos quanto os privados
podem ser sujeitos passivos nas ações fundadas nos arts. 461 e 461-A do CPC, já
que a Administração Pública não pode deixar de cumprir especificamente suas
obrigações, sejam elas legais ou convencionais. Assim, “a outorga da tutela
específica, inclusive initio litis, tratando-se de obrigação legal de fazer, revela-se
única forma de satisfazer inteiramente o interesse privado violado pela inadimplência
dos agentes administrativos.” 101. Alguns exemplos podem elucidar a questão e
facilitar o entendimento de que a ação mandamental fundada no artigo 461 do CPC é
a mais adequada para a tutela do direito à saúde.
Imagine o caso de um cidadão, que vem sendo atendido pelo SUS, acometido
de doença ainda não corretamente diagnosticada, tendo o médico solicitado exame
especializado que geralmente não é fornecido pelo Sistema. O Poder Público nega
a autorização sob o argumento de não ser o procedimento o mais indicado para o
caso e que existem outros exames regularmente assegurados que podem suprir
aquele solicitado, como a mesma eficiência. O médico que atente o paciente, porém,
é enfático ao afirmar que o exame é necessário.
Em casos como estes, comuns e objeto de inúmeras demandas (ao menos no
que tange à Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso), o SUS não autoriza o
exame sob o argumento de que existem outros disponíveis e eficazes. Também
geralmente não toma qualquer providência no sentido de orientar o paciente e 100 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 25.
101 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p.
30.
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encaminhá-lo para outro profissional, até para que o doente possa saber se o exame
oferecido pode ser realmente eficaz. Se o caso é de urgência, é preciso que
medidas judiciais também urgentes possam ser utilizadas para a garantia da
assistência à saúde do cidadão.
Nestes casos não caberia medida cautelar, uma vez que o que se pretende
não é a segurança de um futuro processo de conhecimento, mas sim a própria
providência reclamada, isto é, a determinação para que o Estado seja compelido a
autorizar o exame solicitado ou adotar outras medidas que garantam a assistência à
saúde do paciente, com a mesma ou com melhor eficácia.
Poderia ser pensado, e assim ocorreu durante muito tempo e ainda vem
ocorrendo (no nosso ponto de vista equivocadamente) no manejo do mandado de
segurança. Todavia, embora seja certo o direito do cidadão (assegurado pela
Constituição Federal, por muitas Constituições Estaduais e pela legislação
infraconstitucional), o fato é que existe controvérsia no que tange ao exame
requerido.
Não obstante, o médico do paciente pode elaborar um laudo circunstanciado
justificando a necessidade do exame e que sua substituição não seria adequada
para o caso. Também é possível pesquisa em literatura médica no sentido de
demonstrar a verossimilhança da alegação de que o exame é o mais idôneo para o
diagnóstico da doença que acomete o autor. Laudos de outros especialistas também
poderiam instruir a petição inicial, ou, se necessário, serem posteriormente juntados
aos autos.
Assim, temos que a opção pela ação mandamental fundada no artigo 461 do
CPC seria a mais adequada para o caso exemplificado e os demais relacionados
com as ações de saúde em face do Poder Público. Primeiro porque com o laudo
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médico e as pesquisas na literatura ficaria demonstrada a relevância do fundamento
da demanda, bem como o receio de ineficácia do provimento final; desse modo seria
possível obter a antecipação de tutela específica (art. 461, § 3º do CPC), cujo
provimento poderia vir conjugado de técnicas coercitivas indiretas como a multa, o
mandamento sob pena de prisão por descumprimento de ordem judicial ou mesmo a
determinação de bloqueio de numerário da conta do tesouro, do valor necessário
para dar efetividade à demanda. Segundo porque poderiam ser utilizadas as
medidas de apoio previstas exemplificativamente no § 5, do artigo 461 do CPC,
inclusive a determinação de que o Estado possa encaminhar imediatamente o
paciente para outro médico especialista que poderá orientá-lo quanto à viabilidade
dos outros exames existentes e, caso haja concordância, possa ser substituído o
exame inicialmente requerido. Terceiro porque possibilita produção de novas provas,
de modo que pode ficar demonstrada a necessidade do exame (inclusive por perícia)
e ser concedida a antecipação da tutela específica no curso do processo.
No caso exemplificado acima foram vistos os dois modos de cumprimento das
obrigações, previstos no arts 461 do CPC: a tutela específica e a tutela pelo
equivalente. A primeira trata de modalidade de cumprimento in natura, ou seja,
concede ao credor o resultado prático igual ao que teria obtido com o cumprimento
da obrigação pelo obrigado (a realização do exame requerido). No segundo caso, o
cumprimento ocorre por meio de providência que leve ao resultado prático
correspondente ao adimplemento, ou seja, o encaminhamento do doente para um
médico especialista que o esclarecerá quanto ao exame substituto, de modo que
havendo livre concordância este possa ser realizado.
Obviamente, partimos do pressuposto de que o caso era urgente, mas
possibilitava as providências exemplificadas. Caso fosse necessário realizar
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imediatamente o exame, certamente a antecipação de tutela deveria ser cumprida
especificamente, de modo que na decisão interlocutória o juiz apontasse os meios
que levassem à concretização da ordem.
Isto porque, tratando-se de tornar efetivo o provimento liminar, o provimento
de urgência apresenta uma intrínseca executividade, ou seja, apresenta aptidão
para produzir efeitos imediatamente, sem necessidade de propor ação de execução.
Nesse sentido, o modo de satisfação do provimento deve ser o mais idôneo possível
para atingir o seu objetivo, pois, conforme assevera Carreira Alvim, para a efetivação
da tutela específica, “deve o juiz estabelecer a forma e os meios pelos quais se
cumprirá o provimento liminar, intimando o réu para cumpri-lo, se depender de
atividade sua; se não, será intimado aquele de quem dependa.” 102.
Questões que têm suscitado dúvidas e controvérsias na doutrina e na
jurisprudência, no que tange à aplicação do artigo 461 do CPC em face da Fazenda
Pública, é a possibilidade de fixação de multa e a antecipação de tutela.
De acordo com Adugar Quirino, o próprio STJ já reconheceu a possibilidade
da aplicação da multa em face do Poder Público, como se pode ver da seguinte
ementa:
A multa pecuniária imposta como meio coercitivo indireto para que o devedor cumpra a obrigação de fazer ou não fazer no prazo assinalado pode ser fixada de ofício pelo juízo da execução ou a requerimento da parte, mesmo que seja contra a Fazenda Pública (Resp. nº 279.475 – SP, 6ª T – Rel. Ministro Vicente Leal, p em 04.12.2000).
103.
102 ALVIM, J.E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 215.
103 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p 111.
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Quanto à antecipação de tutela, há de ser ressaltado que a Lei. 9.427/97, a
qual disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, dispõe
expressamente, no seu artigo 1º, que é vedada as antecipações previstas nos
artigos 273 e 461, ambos do CPC, em desfavor do Poder Público. Tal Lei é objeto
de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 04), cujo mérito ainda pende
de julgamento no STF, mas tendo sido deferida liminar para determinar a suspensão
da tutela antecipada em face da Fazenda Pública.
Diante da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior
Tribunal de Justiça firmou entendimento de que não é possível a antecipação de
tutela contra o Poder Público enquanto não for julgado o mérito da ADC nº 04.
De acordo com Adugar Quirino, não obstante as decisões acima
mencionadas, em determinados casos não há como deixar de antecipar tutela
desfavorável ao Poder Público, como nos casos de assistência à saúde. O citado
autor cita o exemplo de um portador de HIV, carente, que necessita de remédios que
não estão sendo fornecidos pelo SUS:
O fato de necessitar a pessoa, teoricamente pobre e doente de AIDS, de tratamento inadiável, disponível no mercado e que revela essencial à preservação de sua própria vida, aliado ao impostergável dever do Estado, aqui incluído o município, de assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde (art. 6º, 30, inc. VI e 196 da CF), justificaria a concessão de tutela antecipada impondo ao Ente Público a obrigação de fornecer os medicamentos capazes de evitar-lhe a morte e, se for o caso, custear o tratamento adequado, ainda que no exterior.
104.
De acordo com Viana, a Lei 9.434/97, apesar de sua abrangência, não
engloba todas as hipóteses de antecipação de tutela em face do Estado, de modo
que se a demanda não estiver no raio de incidência da citada norma, será possível a
104 Ibid., p.93.
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antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos legais.105 No mesmo
sentido os julgados seguintes:
Tutela antecipada – Direito à vida – Medicamentos a aidético – Decisão que, em ação ordinária movida por portadores de Aids contra o Estado, defere a tutela antecipada aos autores para que recebam os medicamentos necessários. Não viola o art. 1º da Lei 9.434/97, nem se rebela contra o decidido pelo STF na Ação Declaratória 4, a decisão que, em tal caso, concede a tutela antecipada. Direito à vida. Arts. 196 da CF e 284 da CE. Alcance da decisão da Corte. Sustação de tutelas antecipatórias de benefícios e vantagens pleiteados por funcionários públicos, de indenização e de outras postulações que possam acarretar imediato prejuízo à Fazenda Pública. (Ac. Da 17ª Câm. Civ., Publ. 27.8.98 – AI 98.016-1.849 – Rel. Des. Fabrício Bandeira – Coad-NTm, n. 51/98, verbete 85.784)
Cominatória – Obrigação de fazer – Fornecimento de medicamento especial – Ajuizamento contra a Fazenda Pública – Tutela antecipada – Cabimento – Relevância do fundamento da demanda e presença do fumus boni júris e periculum in mora. A tutela antecipada contra a Fazenda Pública é, em tese, admitida, somente não podendo vulnerar a sistemática própria da execução que se faz por meio de precatórios. (TJSP – AgIn. 48.042-5/1998 – Rel. Santi Ribeiro).
Tutela Antecipada – Concessão. Pedido contra a Fazenda Pública. Obrigação de Fazer. Fornecimento de medicamento especial. AIDS. Cabimento. Recurso não provido. Recurso. Agravo de instrumento. Duplo Grau de jurisdição. Concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Decisão interlocutória. Não sujeição ao reexame obrigatório. Tutela antecipada.Concessão. Fornecimento, pelo Estado, de medicamento para tratamento de AIDS.Imposição que decorre do texto da Constituição da República e do Estado e da Lei Federal n. 8.080, de 1990. Violação ao princípio da separação de poderes e ao artigo 273 do Código de Processo Civil. Inexistência. Recurso não provido. Tutela antecipada. Concessão. Fornecimento, pelo Estado, de medicamento para tratamento de AIDS. Perigo de irreversibilidade da medida. Judiciário que, na aferição dos valores, não pode hesitar, dando preferência ao bem maior, que é a vida, deixando de lado o formalismo da possibilidade fática irreversível. Recurso não provido. (TJSP – AgIn. 86.815-5/1998 – Rel. Des. Toledo Silva).
Também não pode constituir óbice para a concessão da tutela antecipada a
questão do reexame necessário previsto no artigo 475 do CPC e, tampouco, o
sistema de pagamentos por meio de precatórios instituídos pelo art. 100 da
Constituição Federal de 1988 (CF/88).
105 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 218.
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Isto porque, de acordo com Adugar Quirino, a antecipação de tutela (art. 273
do CPC) ou a tutela específica antecipada (art. 461, § 3º do CPC), não se tratam de
sentenças, mas sim de decisões interlocutórias. Assim, não se sujeitam ao disposto
no artigo 475 do CPC e nem ao sistema de precatórios engendrado pelo art. 100 da
CF/88. 106. No mesmo sentido é o entendimento de Viana, in verbis:
Estamos, assim, diante de um conflito de valores: de um lado, o valor segurança, titularizado pelo Estado, representado pela necessidade do instituto do reexame necessário; e, de outro, a efetividade do processo, pertencente ao cidadão para a tutela de direitos absolutamente verossímeis, devendo, a nosso sentir, ao final, prevalecer o segundo. 107.
Ainda de acordo com Viana, o argumento dos precatórios não pode servir de
óbice para a antecipação de tutela porque somente as obrigações de pagar quantia
certa é que estariam jungidas ao citado sistema, não abrangendo as obrigações de
fazer e de entregar coisa certa.108 Ademais, no caso da obrigação reclamada for de
assistência à saúde,com muito mais razão há ser deferida a tutela específica
antecipada, pois, conforme aduz o citado autor, “impõe-se concluir que existirão
situações concretas nas quais estarão envolvidos certos tipos de direitos e
interesses que, por sua grandeza e relevância, terão que receber pronta e efetiva
tutela da parte do Poder Judiciário (v.g. , vida, saúde).” 109.
Ocorre que na antecipação de tutela, especialmente a tutela específica do
artigo 461 do CPC, o Juiz emitirá sua decisão determinando (emitindo uma ordem)
106
SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
107 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São
Paulo: Dialética, 2003, p. 158.
108 Ibid., p. 184
109 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São
Paulo: Dialética, 2003, p. 191.
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para que o Poder Público cumpra com a obrigação de fazer ou de não fazer, sob
pena de multa diária e da utilização de outras medidas de apoio, conforme previsão
dos §§ 3º, 4º e 5º do citado artigo.
Assim, de acordo com Adugar Quirino, o descumprimento da ordem judicial
possibilitaria a aplicação dos meios necessários para a efetividade da decisão,
“inclusive o seqüestro de valores encontrados em conta bancária, por exemplo, para
a constituição de um depósito a disposição do juízo [...]”, que poderia liberar o
necessário para o atendimento das necessidades do autor. 110.
Ocorre que o cotejo de valores em conflito somente pode levar à conclusão
de que em determinados casos é preciso abrir mão do sistema de precatórios,
especialmente quando da demanda for pertinente aos direitos fundamentais, com é
o caso da assistência à saúde assegurada pela Constituição Federal.
4.2 Tutela do direito à saúde nas relações de consumo
Num contrato de seguro ou plano de saúde, o que o consumidor busca é a
garantia de cobertura para os eventos adversos à saúde sua ou de sua família, de
acordo com a promessa dos fornecedores, de modo que a oferta feita por estes os
vincula por força da lei, ao apresentá-la ao consumidor. E é exatamente isto, ou seja
garantia de cobertura (obrigação de fazer), de assistência médica e hospitalar, que o
consumidor entende haver contratado.
Dessa forma, se nessas relações contratuais, a obrigação apesar de
inadimplida, o seu cumprimento ainda interessa e é útil para o credor, a tutela
110
SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 110.
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jurisdicional pode ser prestada de forma específica. Da mesma forma se o seu
cumprimento foi imperfeito ou defeituoso.
Também, em se tratando de obrigações de trato sucessivo é possível que a
obrigação violada volte a se repetir, sendo necessária uma tutela jurisdicional
inibitória para impedir o inadimplemento.
Não há mais dúvida que os direitos fundamentais não mais se resume a
direito de defesa contra a interferência estatal na esfera jurídica particular. Sabe-se,
atualmente, que os direitos fundamentais também conferem aos particulares direitos
de proteção, direitos à organização e ao procedimento e direitos a prestações
sociais.
O art. 5o, XXXII da Constituição Federal elevou o direito do consumidor à
condição de direito fundamental, afirmando expressamente "que o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Diante disso, e em razão do
art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, editou-se o Código de
Defesa do Consumidor.
A participação da iniciativa privada na assistência à saúde é facultada pela
Constituição Federal de 1988, não obstante a Magna Carta ter elevado a saúde à
condição de direito social, com a garantia de acesso universal e gratuito aos serviços
públicos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde.
De fato, as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são
essenciais à implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da
população, uma vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da
saúde, considera tal direito como direito público subjetivo. Antônio Joaquim
Fernandes Neto afirma que
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Embora se trate do financiamento privado da assistência à saúde, o caráter público dos interesses envolvidos é reconhecido pela ciência jurídica. Por essa razão, as regras estabelecidas são de natureza cogente e restrigem a liberdade dos agentes econômicos que atuam no financiamento privado da assistência à saúde para sociais que objetivam, em última análise, a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana. 111.
Nesse sentido, verifica-se a importância da intervenção estatal na
regulamentação do setor, uma vez que o sistema privado deve funcionar de forma
integrada ao público, em face da relevância peculiar e da natureza do interesses
protegidos, pois, conforme frisa o autor citado acima
Pode-se afirmar, com fundamento das normas que protegem os direitos fundamentais, que a principal justificativa para a intervenção do Estado é a natureza do bem jurídico alcançado pelas atividades de assistência à saúde. A atividade financeira, que sempre envolve riscos para o poupador, destina-se à proteção de bens de personalidade a vida, a integridade psíquica e corporal e o Estado não pode deixar de garantir o cumprimento das obrigações assumidas. 112.
Não se pode olvidar que os planos de saúde podem estabelecer limites
quantitativo e qualitativo quanto à cobertura a ser prestada, e, não raro, de tal
possibilidade decorrem inúmeras práticas abusivas que deixam o consumidor sem a
necessária assistência a sua saúde no momento que mais necessita.
Ademais disso, vale relembrar que uma das principais características dos
contratos em exame decorre da natureza da prestação atribuída à operadora de
planos de saúde. Trata-se de um contrato de prestação de serviços que prepondera
a obrigação de fazer, com sua peculiar complexidade, o que confirma a assertiva de
que a tutela específica é a mais idônea para garantir o adimplemento das obrigações
oriundas da relação obrigacional.
111
NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 48-49.
112
NETO, Antonio Joaquim Fernandes. Plano de Saúde e o Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 53-54
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Como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge como
reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o
cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor. É
imprescindível dar ao credor o bem da vida contratado e não o seu equivalente em
dinheiro. Marinoni aduz que
A tutela específica, como é óbvio, é a tutela ideal do direito material,já que confere à parte lesada o bem ou o direito em si, e não o seu equivalente.É apenas mediante a tutela específica que o ordenamento jurídico pode assegurar a prestação devida àquele que possui a expectativa de receber um bem. Não é por outra razão que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, demonstrando uma verdadeira obsessão pela tutela específica, afirmam que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
113. (pág. 385)
Nesse sentido, a tutela específica das obrigações inadimplidas não é possível
por meio das tradicionais sentenças condenatória e executiva, sendo necessária
Técnica Processual que possa atuar sobre a vontade do devedor. Assim, a técnica
processual que se afigura mais idônea é Técnica mandamental.
Ocorre que na sociedade de consumo é relevante a tutela das necessidades
básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, a proteção do
consumidor usuário de planos de saúde diante de cláusulas contratuais abusivas de
cujo conteúdo ele não participou.
Outrossim, não se pode olvidar de que mesmo sob a ótica privada, o direito à
saúde enquadra-se entre os direitos de personalidade, uma vez que está
intimamente visando ao direito à vida, a integridade corporal e à psique, possuindo
caráter extrapatrimonial. E é sob essa ótica que se deve interpretar o objeto dos
contratos de planos de saúde, uma vez que estes visam à cobertura dos gastos com
113 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo:Revista dos
Tribunais, 2004, p. 384.
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a assistência à saúde. Isto porque se ocorre violação do direito à saúde do
consumidor não há como voltar ao status quo ante, de modo que a tutela jurídica
adequada é a ação cominatória preventiva ou a ação cominatória para
adimplemento específico.
Diante da natureza dos bens protegidos pelos contratos firmados entre as
operadoras e os usuários de planos privados de assistência à saúde, a
jurisprudência apontou a ocorrência de cláusulas abusivas de suspensão de
cobertura, influenciando na regulamentação do setor.
Ta entendimento significa que no que se refere aos contratos de prestação de
assistência à saúde há prioridade para garantir-se o cumprimento específico de
prestação, em detrimento do ressarcimento pelas perdas e danos, já que o direito à
saúde tem caráter não patrimonial. De acordo com Clayton Maranhão “como o
direito à saúde é não patrimonial, a conjugação de formas de tutela específica com
formas jurisdicionais de tutela resulta em formas de tutela jurisdicional específica
podem ter função preventiva ou repressiva.” 114.
Entre as tutelas preventivas encontra-se a tutela inibitória, a qual vem
conjugada com técnica mandamental consistente na emissão de ordem de fazer ou
não fazer. Clayton Maranhão afirma que “na perspectiva da tutela preventiva do
direito à saúde nas relações de consumo, a tutela inibitória revela-se como uma
forma de tutela jurisdicional específica, efetiva e adequada diante das práticas
114
MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 219.
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mercadológicas cada vez mais insensíveis com a dignidade da pessoa humana...”
115.
Além das tutelas preventivas, pode o consumidor valer-se da tutela do
adimplemento na forma específica, tanto para prevenir a ocorrência do dano,
quanto para exigir o cumprimento de prestação, mormente se trata de direito não
patrimonial, pois, conforme preconiza Clayton Maranhão
Já se afirmou que os direitos não patrimoniais, como o direito à saúde humana, são valores essenciais que estão fora do comércio jurídico e, portanto, não têm valor mensurável em pecúnia. É inconcebível a alocação (rectius: expropriação) do direito absoluto à saúde, inerente que é à dignidade da pessoa humana, mediante o pagamento de soma em dinheiro por parte do causador do dano. Por isso, mesmo no caso de dano consumado à saúde, há uma prioridade natura, lógica e jurídica de tutela ressarcitória na forma específica sobre a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário. Naturalmente que isso pressupõe um dano à saúde ainda reparável, portanto possível que por isso opte o lesado. 116. (grifos do autor).’
O citado autor, ainda abordando a questão da prioridade que deve ser dada à
tutela específica do direito à saúde em detrimento do ressarcimento pecuniário,
apresenta o seguinte exemplo:
"O dano à saúde decorrente de erro médico tem sido muito freqüente. Uma dessas situações refere-se ao esquecimento de instrumentos cirúrgicos no corpo do paciente, havendo um caso real, já apreciado pela jurisprudência, em que foram necessárias cinco cirurgias, a última delas estética reparadora de deformidade. No caso concreto, a paciente foi submetida a uma simples cirurgia para retirada de cálculos na vesícula, recebendo alta cinco dias depois. Sentindo fortes dores, retirou de seu abdômen um objeto metálico da dimensão de uma agulha, reinternando-se por quatro vezes sucessivas no mesmo hospital, onde foi submetida a tantas intervenções para retirada de objetos esquecidos em seu abdômen na primeira cirurgia. Por conseqüência, contraiu deformidades estéticas que exigiram uma sexta intervenção cirúrgica reparadora. Não bastasse, apresentou problemas de locomoção em razão de mais um erro profissional: a enfermeira quebrara a agulha quando aplicava uma injeção. Diante de tanta negligência, demandou em face do hospital e da equipe médica. Como arcou com todas as despesas, pleiteou indenização pela soma em dinheiro correspondente. Contudo, poderia muito bem ter invocado o art. 84, §§ 3o, 4o e 5o, para pleitear ressarcimento na forma específica, com pedido de antecipação de tutela, consistente: i) na ordem
115 MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 220.
116 Ibid., p. 284.
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de fazer dirigida ao hospital, sob pena de multa, sem despender qualquer soma em dinheiro, pois tudo deveria correr às custas do referido estabelecimento; ou então ii) na ordem de fazer dirigida ao hospital, no sentido de entregar soma em dinheiro diretamente a outro hospital e equipe médica de confiança, indicados pelo consumidor lesado, e nomeados pelo juiz, nos valores que se fizessem necessários para a realização das cinco cirurgias reparadoras do dano biológico, incluído o dano estético.
117.
Daí a importância dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, os quais autorizam
o juiz não apenas impor um fazer ou um não fazer, como substituir um pelo outro
quando for mais adequado do caso concreto. Isto porque as regras dos dispositivos
mencionados conferem ao juiz o poder-dever de adequar a medida executiva (fazer
ou não-fazer) ao caso concreto que exige uma tutela jurisdicional.
Embora existam, entre os arts. 81 a 104 do CDC, uma série de importantes
normas para a proteção do consumidor na esfera jurisdicional, particularmente é
importante, diante do objeto de estudo, o art. 84 do CDC, como dispositivo
destinado à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer derivadas das relações
de consumo, especialmente no caso dos serviços de assistência à saúde,
fornecidos pelo setor privado.
Nesse sentido, Marinoni afirma que “essa norma processual, como é óbvio,
deve ser pensada como instituidora de técnicas processuais efetivas para a
proteção do consumidor e, assim, deve ser interpretada não só à luz do direito
fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (art. 5o, XXXV CF), mas também do
direito fundamental do consumidor”. 118. É preciso, pois, o direito fundamental
saúde, também no caso o direito do consumidor, tenha tutela jurisdicional efetiva.
117
MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde –São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003 (Coleção temas atuais de processo civil –v. 7), p. 301.
118 MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4985>. Acesso em 01 mai. 2006.
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Assim, em princípio ambos ou qualquer deles poderia ser invocado como
fundamento das ações de saúde que visem à tutela jurisdicional da obrigação de
fazer. No entanto, Marinoni adverte que não obstante a identidade de conteúdo entre
os dispositivos, mister se fez esclarecer ambos possuem funções distintas, pois o
art. 84 do CDC destina-se à tutela dos direitos do consumidor e a quaisquer direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, cabendo, no caso de tutela individual, a
invocação do artigo 461 do Código de Processo Civil. Assim aduz o citado
doutrinador:
Ainda que o art. 84 do CDC também tenha sido pensado para dar tutela aos direitos individuais do consumidor, o posterior surgimento do art. 461 do CPC, por ser capaz de dar tutela a qualquer espécie de direito individual, tornou-se desnecessária a invocação do art. 84 do CDC para a tutela dos direitos individuais do consumidor.
119.
Kazuo Watanabe, por sua vez, comentando o artigo 84 do CDC, afirma que
tal dispositivo foi praticamente transmudado para o artigo 461 do CPC, de modo que
a disciplina de ambos é a mesma. Tanto assim, que reproduziu nos comentários ao
dispositivo do CDC, aquilo que já havia comentado em relação ao dispositivo do
CPC. 120. De acordo com o citado doutrinador, “valeu-se o legislador, no art. 461 do
CPC, da conjugação de vários tipos de provimentos, especialmente do mandamental
e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das
obrigações de fazer ou de não fazer”. Segundo Teodoro Júnior
O que, em primeiro lugar, visou o legislador, no novo texto do art. 461, foi assegurar para o credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura, e ainda no âmbito do processo de
119 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2004, p.
288.
120 WATANABE, Kazuo. In: CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Comentado
pelos autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., 8 ed., Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2004, p. 844.
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conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante de particularidade do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação de seu direito material. 121.
Divergências doutrinárias à parte, o que interessa do ponto de vista prático é
a possibilidade da invocação de qualquer um dos citados dispositivos legais, com a
utilização dos inegáveis benefícios que eles trazem para quem busca a tutela
específica das obrigações de fazer ou de não fazer, especialmente no que diz com a
tutela do direito à saúde, decorrente dos contratos de consumo ou do dever Estatal,
haja vista se tratam de técnicas processuais capazes de lhe dar concreta
efetividade.
4.3 Modelos de petição inicial – casos concretos
A seguir, para elucidar, trazemos à baila alguns modelos de petições iniciais
de ações cominatórias para cumprimento de obrigação de fazer, com pedido de
tutela específica de urgência. São casos concretos, onde houve o deferimento da
tutela de urgência liminarmente.
4.3.1 Ação de obrigação de fazer para fornecimento de medicamento
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO
URGENTE, RISCO DE MORTE!
121 TEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Jus Navigandi, n.56. Disponível em: http://www1.jus.com.br/. Acesso em: 23 de jun. de 2004 [capturado].
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Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para o seu problema. (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde – Portaria nº 675,
de 30 de março de 2006, Ministério da Saúde)
XXXXXXXXXXXXXXXXX, brasileira, separada judicialmente, do lar, portadora
do documento de identidade RG n XXXXXXXX SSP/MT e CPF n.º XXXXXXXXXXX,
residente e domiciliada nesta cidade e comarca de Cuiabá – Mato Grosso, na Rua
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO,
cujo Defensor Público no uso de suas atribuições institucionais de assistência
jurídica a esta subscreve (intimações, e demais comunicações processuais de praxe,
para o órgão de atuação perante este juízo – gabinete no Núcleo Cível da
Defensoria Pública junto ao Fórum), com fundamento nos artigos 5º, caput
e inciso VI, 196 e 197, todos da Constituição Federal, artigos 273 e
461 do Código de Processo Civil; Leis 8.080/90 (Lei Orgânica da
Saúde) e Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), sem excluir outros
dispositivos legais, constitucionais e infraconstitucionais,
pertinentes à matéria, vem à presença de Vossa Excelência propor AÇÃO
COMINATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (COM
PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA) em face do ESTADO DE MATO
GROSSO (que por meio da SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE
detém a gestão estadual do Sistema Único de Saúde), pessoa
jurídica de direito público, representado pelo seu Procurador Geral, o
qual pode ser encontrado na Procuradoria Geral do Estado, no Centro
Polít ico Administrativo – CPA - Cuiabá – Mato Grosso, estando a ação
arrimada nos argumentos de fato e de direito adiante aduzidos.
I - DOS FATOS
A Autora é portadora ARTRITE REUMATÓIDE (CID10 R 05.9), associada a
outras doenças como Cardiopatia Hipertensiva Grave, Dislipidemia Mista e
PLAQUETOPENIA SEVERA. Para o tratamento desta última patologia
(plaqutopenia) e da artrite reumatóide, necessita usar continuamente, por
tempo indeterminado, o medicamento RITUXIMAB (Mabthera) ampola, na dose
de 1000 mg, duas vezes ao dia, de quinze em quinze dias. O medicamento é
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imprescindível, pois a doença se mostrou refratária a todos os outros
esquemas terapêuticos propostos, como corticóides, imunussupressores e
imunoglobina, de modo que o quadro clínico da autora atualmente é bastante
grave, pois a quantidade de plaquetas em seu organismo é inferior
14.000/mm3, quando os valores de referência devem se situar entre 140.000 e
450.000 .
O número normal de plaquetas no sangue periférico varia de 150.000 a
450.000 plaquetas/mL, e em geral os indivíduos hígidos apresentam flutuações
mínimas neste número durante o dia. A plaquetopenia é definida como um número
anormalmente baixo de plaquetas circulantes. As plaquetas são componentes do
sangue responsáveis pelo processo de coagulação. A falta deste elemento pode ser
causada pela própria doença, bem como pelo tratamento de quimioterapia, podendo
causar sangramentos, hemorragias, hematomas e petequias (pequenas manchas
vermelho-arroxeadas, produzidas por vazamentos do sangue das veias para os
tecidos).
Por causa das doenças que lhe acometem, especialmente devido à
plaquetopenia que afeta bastante o seu sistema imunológico, impedindo o
avanço no tratamento das outras patologias, a autora se encontra muito fraca,
com fortes dores e praticamente paralisada, com risco de vir à óbito
prematuramente se não receber o tratamento adequado.
O medicamento prescrito trata-se de único fármaco de indicação precisa e
bastante eficaz no tratamento da doença e não tem substituto no mercado. De fato,
o Rituximab é uma nova medicação aprovada inicialmente para o tratamento do
linfoma do tipo B, mas que devido se tratar de um anticorpo bastante poderoso, seu
desenvolvimento abriu a possibilidade de ser útil no tratamento de outras
enfermidades auto-imunes refratárias, como a plaquetopenia que acomete a autora.
Da mesma forma, é comprovada a eficácia do fármaco para o tratamento da artrite
reumatóide.
Trata-se de medicamento que controla os sintomas clínicos, melhora a
qualidade de vida e aumenta a sobrevida dos pacientes; o remédio deve ser
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utilizado por toda a vida da autora, de modo que é bastante difícil para ela
adquiri-lo por conta própria, visto que sua renda mensal é de apenas um
salário mínimo, ao passo que o preço do fármaco no mercado privado é
superior a R$ 7.000,00 (sete mil reais) a dose de 500 mg.
Assim, resolveu se socorrer do Sistema Único de Saúde (SUS),
protocolizando requerimento junto a Coordenadoria de Assistência
Farmacêutica (Farmácia de Alto Custo), da Secretaria de Estado de Saúde, mas
o pedido foi indeferido sob a alegação de que o medicamento não está
assegurado pelo SUS para o tratamento da doença que acomete a autora;
assim, embora o próprio médico regulador (que também é superintendente de
regulação) tenha confirmado a correção da prescrição do medicamento para o
caso em tela, houve o indeferimento por conta de que não estaria assegurado
pelas portarias 1.318 GMMS/2002 nem pela portaria 2287 GS/SES/2004. Isto
quer dizer que o pedido foi negado não por argumentos técnicos e científicos,
uma vez que se trata de fármaco adequado e insubstituível para o caso em
tela, mas por razões burocráticas.
Ao procurar resolução pela via administrativa, a Autora não obteve êxito,
de modo que não lhe restou alternativa que não fosse buscar o judiciário para fazer
valer o direito constitucional, fundamental e indisponível de ter a devida assistência a
sua saúde.
II – DOS DIREITOS
A saúde é direito de todos e dever do Estado (gênero), erigida pela Magna
Carta à categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, com
inúmeras conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade. Assim,
logo no art. 6º aparece o direito à saúde como postulado fundamental da ordem
social brasileira. Os arts. 196 a 200 trazem ínsitos os devidos esclarecimentos
quanto ao papel reservado ao Estado no que tange ao direto de assistência à saúde,
cabendo destacar que o art. 198 define o Sistema Único de Saúde -SUS.
Nesse diapasão, a lei 8.080/90 (LOS – Lei Orgânica do SUS) delineia os
princípios do sistema de saúde nacional e, em seu art. 2°, reconhece o direito à
saúde como direito fundamental do ser humano, "devendo o Estado prover as
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100
condições indispensáveis ao seu pleno exercício" e logo a seguir, no art. 6°, I,
inclui, de modo peremptório, no campo de atuação do SUS "a execução de ações de
assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica".
Entre os princípios que regem o SUS, de acordo com a lei
supramencionada, estão: universalidade de acesso; a integralidade de assistência; a
preservação da autonomia das pessoas; a igualdade; o direito à informação; a
divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua
utilização pelo usuário e a resolubilidade.
A integralidade de assistência deve ser entendida como um conjunto
articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema.
O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à sua saúde, desde as ações
de promoção da saúde, prevenção de doenças até os tratamentos especializados e
de recuperação, quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo (Art. 198, II
da Constituição Federal, Brasil, 1998 e Art. 7º, II da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da
Saúde - LOS).
De acordo com o princípio da resolubilidade, se por acaso uma determinada
unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada situação, ela saiba
exatamente onde resolver, seja capaz de viabilizar o acesso do usuário, ter resposta
satisfatória por parte do usuário e tê-lo de volta reencaminhado ao território de
referência com seu problema solucionado (Art. 7º, XII da Lei 8.080/90 -Lei Orgânica
da Saúde – LOS).
No caso em tela, é importante aduzir, o direito da Autora encontra ampla
guarida também na novel Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que em
consonância com os dispositivos constitucionais e com a Política Nacional do
Idoso, traz dispositivos específicos (artigos 15 e seguintes) referentes à ampla
proteção à saúde do idoso, dispondo especificamente no artigo 15, parágrafo
2º, que “incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente,
medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses,
órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”.
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101
A jurisprudência pátria há muito vem reconhecendo o direito subjetivo
fundamental à saúde, sendo vários os casos em que os tribunais pátrios
resolveram tomar uma postura ativa e efetiva na concretização desse direito,
consoante se deflui dos julgados a seguir:
“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O poder público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República”. (STF – Rext. N° 241.630-2/RS – Rel. Min. Celso de Melo – Diário da Justiça, Seção 1,3 abr. 2001, p. 49)
“OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA – TRANSPLANTE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – PRESERVAÇÃO DA VIDA – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – LEI N. 8080, DE 1990. PREVIDÊNCIA SOCIAL. SAÚDE PÚBLICA - Pac iente submetido a transplante de rim, sem recursos f inanceiros para comprar medicamento de custo elevado, indispensável para evitar a rejeição do órgão e o comprometimento das funções renais. O direito à vida e à saúde é público subjetivo, assegurado pela Constituição Federal a todos os cidadãos, principalmente àqueles que são carentes. A saúde está incluída entre os direitos sociais, sendo dever comum à União, Estado, Distrito Federal e municípios, entes políticos que têm responsabilidade solidária. Este conjunto de ações e serviços do Poder Público constitui o Sistema Único de Saúde - SUS. Entre os direitos fundamentais inscreve-se o de receber os medicamentos indispensáveis à sobrev ivência das pessoas que não têm meios para comprá-los. Inteligência dos arts. 6º, 23, II, 24, XII, 30, VII, 194, 195, 196 e 198 da CF, 284 da Constituição Estadual, 2º, 4º e 6º, I, d da Lei n. 8.080/90. Provida parc ialmente a apelação do Estado para exclu ir do decreto condenatório o pagamento de honorários advocatícios . Improv ida a do Município. (AC 2000.001.11485 - TJRJ - SETIMA CAMARA CIVEL – Rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS. Julgado em 13/02/2001).”
III – DA TUTELA DE URGÊNCIA
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102
A gravidade da situação de saúde da Autora exige providências
imediatas, exatamente por se tratar de direito à saúde, que não pode esperar
diante do risco iminente de morte se ela não receber o tratamento mais
adequado para o seu caso, no menor espaço de tempo possível,
especialmente o medicamento prescrito. Diante disso, se impõe a efetivação
imediata da providência requerida, por meio de provimento judicial
acautelatório, com a utilização de medida judicial de urgência, principalmente
a concessão da tutela específica, nos moldes do disposto no artigo 461,
parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.
Infelizmente tem se deparado com decisões judiciais denegatórias da tutela
de urgência, ou mesmo protelatória no que concerne ao pedido de tais tutelas, sob o
manto da lei 8.437/92, em analogia uris, relegando o direito e deixando a saúde e,
muitas vezes, a vida de pacientes sem a necessária guarida. A vedação de
concessão de liminares em face do Poder Público, conforme estabelecido
naquela e em outras leis, não se pode aplicar em casos como estes. Mister se
faz repensar tais interpretações dogmáticas, pois, conforme leciona o Ministro Luiz
Fux, do STJ:
A vedação, como é possível se entrever evidente, pode frustrar o dever de prestar jurisdição, consagrado constitucionalmente, por isso que a regra deve ser interpretada cum granu salis, posto, apesar de considerada constitucional pelo STF, restou recomendada a sua exegese à luz da valoração de interesses em jogo em cada caso, notadamente os direitos fundamentais, como tem ocorrido nas liminares de proteção imediata à vida e à saúde do povo. 122
Destarte, este é o caso, onde risco de morte representa, sem sombra de
dúvida, evidente perigo na demora em se aguardar a decisão judicial pleiteada
somente após a exaustão do processo de conhecimento, na via ordinária. Tal
razão, por si, já seria suficiente para a concessão da tutela de urgência.
IV - DOS PEDIDOS
Pelo exposto, pede inicialmente tutela específica de urgência, no sentido
de determinar que o Requerido forneça, incontinenti, o medicamento
RITUXIMAB (Mabthera) ampola, na dose de 1000 mg, duas vezes ao dia, de
quinze em quinze dias, por tempo indeterminado (a critério médico), ainda que
122 FUX, Luiz. O novo microssistema legislativo das liminares contra o poder público. Revista de direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 13-32, maio/ago. 2004.
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103
seja necessária a contratação no regime de urgência, com dispensa de
licitação; pede, finalmente, a total procedência do pedido, para que o requerido
seja obrigado a fornecer o medicamento prescrito na quantidade e pelo prazo
definidos pelo médico, requerendo ainda:
a) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de hipossuficiente inclusa;
b) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento dos termos da tutela;
c) Caso o Requerido não cumpra, incontinenti, a ordem judicial, que sejam adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica, a exemplos daquelas previstas no parágrafo 5º do art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias, como, por exemplo: a prisão do responsável, em caso de descumprimento reiterado; busca do medicamento no eventual estoque existente na Farmácia de Alto Custo; multa pessoal ao agente que descumprir a ordem judicial; bloqueio de numerário da conta do tesouro, em quantia suficiente para a aquisição do medicamento, dentre outras necessárias.
d) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;
Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia
perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,
da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº
1060/50).
Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,
especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia
médica. Atribui à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Termos em que pede e espera deferimento.
Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.
___________________ Carlos Gomes Brandão Defensor Público do Estado
1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso
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104
4.3.2 Ação de obrigação de fazer - internação em UTI
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO
URGENTE, RISCO IMINENTE DE MORTE!
Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para o seu problema. (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde – Portaria nº 675, de 30 de março de 2006, Ministério da Saúde)
XXXXXXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, vendedor autônomo, portador do
documento de identidade – RG n.º XXXXXXXXX e do CPF XXXXXXXXXX, residente
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, cujo
Defensor Público no uso de suas atribuições institucionais de assistência jurídica a
esta subscreve (intimações e demais comunicações processuais de praxe para o
órgão de atuação perante este juízo – Gabinete no Núcleo Cível da Defensoria no
Fórum), com fundamento nos artigos 5º caput , 6º caput, 196 e 197,
todos da Constituição Federal; artigo 461 do Código de Processo
Civil; Leis 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), sem excluir outros
dispositivos legais constitucionais e infraconstitucionais,
pertinentes à matéria, vem à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO COMINATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA)
em face do ESTADO DE MATO GROSSO (que por meio da
SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE detém a coordenação regional
estadual do o Sistema Único de Saúde), pessoa jurídica de direito
público, representado pelo seu Procurador Geral, o qual pode ser
encontrado na Procuradoria Geral do Estado, no Centro Polít ico
Administrativo – CPA, com fulcro nos argumentos de fato e de direito adiante
aduzidos.
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105
I - DOS FATOS
O autor foi v ít ima de acidente com automóvel ( foi atropelado) e se
está internado no Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá,
entubado, com respiração mecânica. Seu quadro clínico é bastante
grave, com risco de morte, pois o acidente provocou TRAUMATISMO
CRÂNIO-ENCEFÁLICO, ALÉM DE DIVERSAS OUTRAS LESÕES, de
modo que ele deve ser transferido urgentemente para uma unidade
de terapia intensiva (UTI), sob pena de vir a óbito prematuramente
devido à falta de adequada assistência médico-hospitalar.
Sucede Excelência, que não obstante o atendimento pelo Pronto
Socorro ter s ido se suma importância para os primeiros socorros após o
acidente, o quadro clínico do autor inspira cuidados especiais,
requerendo internação em Unidade de Terapia Intensiva. Todav ia,
apesar do pedido de internação em UTI ter sido efetuado desde a
data de ontem, a verdade que ele permanece no Pronto Socorro à
espera de vaga para transferência.
Segundo informações da Central Estadual de Regulação, setor de
urgência e emergência SUS, órgão da Secretaria de Estado de Saúde
responsável pela regulação de vagas nos leitos de UTI, no momento
todos os leitos de UTI nos hospitais conveniados destinados a atender
o Sistema Único de Saúde es tão lotados. Ev identemente que tal
s ituação impõe a necessidade de determinar a internação do
Requerente em hospital público, se possível, ou mesmo particular,
ainda que seja necessária ordem judicial de pagamento pela tabela de
honorários médicos da AMB/CIEFAS (Tabela de Convênio Particulares)
ou outro valor compatível com o mercado privado.
Ora, se os hospitais conveniados ao SUS na capital do Estado
não dispõe de leito de UTI para receber o paciente, cabe aos gestores
do Sis tema prov idenciar a internação do Requerente ainda que seja
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106
em hospital particular, ou, se houver tempo hábil, transferi-lo para
hospital conveniado nesta ou em outra unidade da Federação.
Insta ressaltar que o Autor e sua família não possuem recursos econômicos
para arcar com despesas do tratamento, tanto que ele está sendo atendido pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). O pedido de AIH (Autorização de Internação
Hospitalar) foi efetuado no dia de ontem, em regime de urgência, mas até o
momento ele não foi transferido para leito de UTI, como é necessário.
Sem contar com solução administrativa para o seu problema, e dada à
urgência do caso, não lhe resta alternativa se não a de se socorrer da via judiciária
para ver valer o seu direito fundamental subjetivo de assistência integral à sua
saúde.
II – DOS DIREITOS
A Constituição de 1988 reservou um lugar de destaque para a saúde, erigida
à categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, com inúmeras
conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade. Assim, logo no
art. 6º aparece o direito à saúde como postulado fundamental da ordem social
brasileira. Os arts. 196 a 200 trazem ínsitos os devidos esclarecimentos quanto ao
papel reservado ao Estado no que tange ao direto de assistência à saúde, cabendo
destacar que o art. 198 define o Sistema Único de Saúde -SUS. Ademais, de acordo
com o artigo 196, a saúde passou a ser considerada como direito de todos e dever
do Estado, sendo que o artigo 197 reconheceu que as ações e serviços de saúde
são de relevância pública.
A lei 8.080/90 delineia os princípios do sistema de saúde nacional e, em
seu art. 2°, reconhece o direito à saúde como direito fundamental do ser
humano, "devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício" e logo a seguir, no art. 6°, I, inclui, de modo peremptório, no campo de
atuação do SUS "a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica".
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Também não se pode olvidar de que o Título I da Lei n° 8.080/90 delineia
os princípios do sistema de saúde nacional e, em seu art. 2°, reconhece o direito à
saúde como direito fundamental do ser humano "devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício"; logo a seguir, no art. 6°, I, inclui,
de modo peremptório, no campo de atuação do SUS "a execução de ações de
assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica".
Ademais, a Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), em seu art.7º,
estabelece que as ações e os serviços públicos de saúde obedecerão, dentre
outros, ao seguinte princípio: "(...) II - integralidade de assistência, entendida como
um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso e em todos os níveis e complexidade
do sistema." Quer isto dizer que o serviço dever ser integral, contínuo e, se
necessário for, também individual, independentemente das políticas públicas
de caráter geral. Isso significa que enquanto existir tratamento específico para
determinado paciente, deve ele ser ministrado.
Entre os princípios que regem o SUS, de acordo com a lei
supramencionada, estão: universalidade de acesso; a integralidade de assistência; a
preservação da autonomia das pessoas; a igualdade; o direito à informação; a
divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua
utilização pelo usuário e a resolubilidade.
A integralidade de assistência deve ser entendida como um conjunto
articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema.
O SUS deve garantir ao cidadão o direito de atenção à sua saúde, desde as ações
de promoção da saúde, prevenção de doenças até os tratamentos especializados e
de recuperação, quando exposto a qualquer tipo de doença ou agravo (Art. 198, II
da Constituição Federal, Brasil, 1998 e Art. 7º, II da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da
Saúde - LOS).
De acordo com o princípio da resolubilidade, se por acaso uma
determinada unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada
situação, o Sistema deve ser capaz de viabilizar o acesso do usuário à outra
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unidade de atendimento, de modo que ele tenha seu problema solucionado
(Art. 7º, XII da Lei 8.080/90 -Lei Orgânica da Saúde – LOS).
Finalmente, a nossa Constituição tutela a "dignidade da pessoa humana"
(art.1º, III, C.F.) como princípio-mor do ordenamento jurídico pátrio, de modo que a
tutela do direito à saúde deve ser vista, também, sob a ótica de tal princípio.
A jurisprudência pátria há muito vem reconhecendo o direito subjetivo
fundamental à saúde, sendo vários os casos em que os tribunais pátrios resolveram
adotar postura ativa na concretização desse direito, consoante se deflui dos julgados
a seguir:
“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O poder público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República”. (STF – Rext. N° 241.630-2/RS – Rel. Min. Celso de Melo – Diário da Justiça, Seção 1,3 abr. 2001, p. 49)
“OBRIGAÇÃO DE DAR COISA CERTA – TRANSPLANTE -
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – PRESERVAÇÃO DA VIDA –
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – LEI N. 8080, DE 1990. PREVIDÊNCIA
SOCIAL. SAÚDE PÚBLICA - Paciente submetido a transplante de rim, sem
recursos financeiros para comprar medicamento de custo elevado,
indispensável para evitar a rejeição do órgão e o comprometimento das
funções renais. O direito à vida e à saúde é público subjetivo, assegurado
pela Constituição Federal a todos os cidadãos, principalmente àqueles que
são carentes. A saúde está incluída entre os direitos sociais, sendo dever
comum à União, Estado, Distrito Federal e municípios, entes políticos que têm
responsabilidade solidária. Este conjunto de ações e serviços do Poder
Público constitui o Sistema Único de Saúde - SUS. Entre os direitos
fundamentais inscreve-se o de receber os medicamentos indispensáveis à
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sobrevivência das pessoas que não têm meios para comprá-los. Inteligência
dos arts. 6º, 23, II, 24, XII, 30, VII, 194, 195, 196 e 198 da CF, 284 da
Constituição Estadual, 2º, 4º e 6º, I, d da Lei n. 8.080/90. Provida parcialmente
a apelação do Estado para excluir do decreto condenatório o pagamento de
honorários advocatícios. Improvida a do Município. (AC 2000.001.11485 -
TJRJ - SETIMA CAMARA CIVEL – Rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE
LEMOS. Julgado em 13/02/2001).
III – DA TUTELA DE URGÊNCIA
A gravidade da situação de saúde do Autor, somado à falta de recursos
para custear o tratamento pela rede particular, exigem providências imediatas,
exatamente por se tratar de direito à saúde, que não pode esperar. Diante
disso, se impõe a efetivação imediata da providência requerida, por meio das
denominadas medidas de urgência, principalmente a concessão da tutela
específica, nos moldes do disposto no artigo 461, parágrafo 3º, do Código de
Processo Civil.
Infelizmente tem se deparado com decisões judiciais denegatórias da tutela
de urgência, ou mesmo protelatória no que concerne ao pedido de tais tutelas, sob o
manto da lei 8.437/92, em analogia uris, relegando o direito e deixando a saúde e,
muitas vezes, a vida de pacientes sem a necessária guarida. A vedação de
concessão de liminares em face do Poder Público, conforme estabelecido
naquela e em outras leis, assim como a oitiva prévia do Ente Público, não se
pode aplicar em casos como estes, onde a urgência requer tutela jurídica
imediata, sob pena de colocar em risco a vida de pacientes. Mister se faz
repensar tais interpretações dogmáticas, pois, conforme leciona o Ministro Luiz Fux,
do STJ:
A vedação, como é possível se entrever evidente, pode frustrar o dever de prestar jurisdição, consagrado constitucionalmente, por isso que a regra deve ser interpretada cum granu salis, posto, apesar de considerada constitucional pelo STF, restou recomendada a sua exegese à luz da valoração de interesses em jogo em cada caso, notadamente os direitos fundamentais, como tem ocorrido nas liminares de proteção imediata à vida e à saúde do povo. 123
123 FUX, Luiz. O novo microssistema legislativo das liminares contra o poder público. Revista de direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, p. 13-32, maio/ago. 2004.
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110
Em resumo, o quadro clínico do paciente, somado ao fato incontestável de
que ele precisa ser transferido imediatamente para uma Unidade de Terapia
Intesiva, sob pena de vir a óbito por falta de adequada assistência médico-
hospitalar, certamente basta para demonstrar a relevância do pedido e o perigo
na demora de se aguardar a decisão judicial final do processo na via ordinária.
Tais razões, por si, já seriam suficientes para a concessão da tutela de urgência.
IV - DOS PEDIDOS
Diante do exposto, espera, inicialmente, a concessão de tutela liminar
específica e mandamental de urgência no sentido de determinar que o
Requerido adote, imediatamente, todas as providências necessárias para que
o Autor seja transferido para um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI),
ainda que seja necessária a contratação de fornecedor particular (sem
licitação); pede ainda, que se necessário for, seja providenciada a remoção ou
a transferência para hospital ou clínica nesta ou em outra unidade da
Federação, mesmo particular, com suporte de UTI móvel ou aérea, sob pena de
cominação de multa diária e outras medidas de coerção, além de eventuais
medidas executivas lato sensu (art. 461, par. 5º do CPC); pede finalmente a
total procedência do pedido no sentido de determinar ao requerido que preste
a necessária assistência à saúde do autor, transferindo-o para um leito de UTI
e assegurando a continuidade do tratamento, requerendo ainda:
b) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de hipossuficiente inclusa;
c) Antes mesmo de que se proceda à intimação do representante legal do requerido, que seja intimado o Superintende da Central Estadual de Regulação para que adote todas as providências necessárias para o imediato cumprimento da ordem judicial; determinando que o oficial de justiça de plantão, ou outro designado, acompanhe o cumprimento da ordem, requisitando força policial se necessário, bem como informando a este juízo eventuais embaraços ao cumprimento da determinação, para que sejam adotadas providências destinadas a dar efetividade à decisão judicial e garantir a assistência à saúde do autor.
d) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento dos termos da tutela;
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e) Caso o Requerido não cumpra, incontinenti, a ordem judicial, que sejam adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica, dentre aquelas previstas no parágrafo 5º do art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias, como, por exemplo: a prisão do responsável, em caso de descumprimento reiterado; multa pessoal ao agente que descumprir a ordem judicial; determinação de internação em hospital particular e o necessário bloqueio de numerário da conta do tesouro, em quantia suficiente para o pagamento das despesas;
f) Para que não se venha alegar falta de previsão orçamentária a impedir o pronto atendimento à decisão judicial que conceder a tutela jurisdicional aqui pleiteada, que seja determinado, por este juízo, que o Requerido seja obrigado a remanejar ou transferir recursos orçamentários destinados a outras categorias orçamentárias menos importantes (art. 36, par. 2º, da Lei 8.080/90) do que a saúde (corolário do direito à vida), como, por exemplo, a propaganda institucional do governo, para solucionar o problema de saúde do Autor.
g) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;
Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia
perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,
da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº
1060/50). Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,
especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia
médica. Atribui à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
Termos em que pede e espera deferimento.
Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.
_____________________________ Carlos Gomes Brandão
Defensor Público do Estado 1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso
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112
4.3.3 Ação de obrigação de fazer contra operadora de plano de saúde
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO
URGENTE!
CARMOSINA DORILEO CALDAS (80 anos), brasileira, viúva, do lar,
portadora do RG nº 22.834-6 SSP/MT e do CPF nº 021.972.051-70, residente e
domiciliada na Avenida Deputado Milton Figueiredo, Bloco 04, Apartamento 202,
Setor Norte, Bairro Morada do Ouro - Cuiabá – Mato Grosso, pela DEFENSORIA
PÚBLICA DO ESTADO, cujo Defensor Público no uso de suas atribuições
institucionais de assistência jurídica a esta subscreve (comunicações processuais de
praxe para o órgão de atuação peratne este juízo – gabinete no Núcleo Cível da
Defensoria Pública no Fórum) vem à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO COMINATÓRIA PARA CUMPRIMEINTO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER (COM PEDIDO DE TUTELA ESPECÍFICA DE URGÊNCIA)
em face da UNIMED CUIABÁ – COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO – pessoa jurídica de direito privado, inscri ta no CNPJ sob o
nº. 03.533.726/001-88, cuja sede se localiza na rua Barão de Melgaço,
2.713 – Centro Sul, Cuiabá – Mato Grosso, estando a ação arrimada nos
argumentos de fato e de direito adiante aduzidos.
I - DOS FATOS
A Autora é cliente consumidora do Plano de Saúde UNIMED CUIABÁ,
operacionalizado pela Ré, há vários anos, sendo certo que durante todo este tempo
sempre cumpriu fielmente com suas obrigações, concernente ao pagamento das
prestações mensais.
Ao aderir o citado plano a Autora tinha a expectativa de assegurar pleno
atendimento médico-hospitalar quanto aos eventos futuros e incertos envolvendo a
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sua saúde, especialmente diante do colapso do Sistema Único de Saúde instituído
pelo governo brasileiro.
Ao firmar o contrato a Autora o fez imbuído de boa fé, pois acreditava que
pagando religiosamente em dia suas prestações mensais, de altíssimo valor, diga-se
de passagem, teria a necessária cobertura em qualquer evento futuro envolvendo a
sua saúde, ainda mais diante da propaganda ostensiva e da reputação que goza a
Operadora de Planos de Saúde que contratou.
A Autora apresentou fratura do fêmur no mês de janeiro de 2005,
ocasião em que foi realizado procedimento cirúrgico especializado
(oesteossíntese com placa reforçada de 4,5 mm), tudo com a pronta cobertura
por parte do plano de saúde operacionalizado pela ré.
Ocorre que o quadro evolui com RETARDO DE CONSOLIDAÇÃO e
posteriormente com PSEUDOARTROSE DE FÊMUR e falha do material de
osteossíntese, com fratura da placa em 15/03/2007; como a paciente é idosa e
acometida também de osteoporose, a realização de novo procedimento
cirúrgico para a correção da patologia seria muito agressivo, uma vez que
seria necessário proceder à retirada de todo o material utilizado na cirurgia
anterior e fixar outra placa especial, de modo que, considerando o quadro
clínico da paciente, a melhor indicação para o seu caso é a realização de
terapia extra corpórea por ondas de choque, consoante se deflui do relatório
médico anexo.
O retardo da consolidação pode ser definido como a falha de união
óssea após de três a seis meses após a fratura e a pseudoartrose está
definida como a ausência de união óssea após um período de seis
meses ou mais. Dentre os fatores que influenciam negativamente na cura da fratura
incluem a idade avançada e a osteoporose, os quais são fatores adicionais
negativos para a cura da fratura.
As ondas de choque são ondas acústicas de alta energia, que se traduz em
forma de tratamento que vem sendo aplicando em doenças ortopédicas crônicas
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com excelentes resultados, especialmente quando se trata de pacientes que já
tenham se submetido aos tratamentos convencionais como medicação, fisioterapia e
retardo na consolidação das fraturas com peseudoartrose, como é o caso da autora.
Ademais disso, trata-se de procedimento que é realizado ambulatorialmente, em
necessidade de internação, praticamente sem riscos para o paciente e de baixo
custo benefício, se comparadoa uma cirurgia tradicional.
Pseudoartrose é a falta de união óssea após uma fratura ou cirurgia ortopédica. Essa dificuldade se caracteriza por dor no local acometido, em função de movimentos dos fragmentos ósseos. De difícil solução, os pacientes geralmente submetem-se a várias cirurgias e passam por longo período de imobilização do membro afetado. A aplicação de Ondas de Choque estimula a neoformação do tecido ósseo, através do aumento da irrigação sanguínea local, podendo levar à consolidação óssea. 124.
A Sociedade Brasileira de Terapia por Ondas de Choque (SBTOC) e a ISMST, recomendam o tratamento convencional dessas patologias, por exemplo: medicamentos, fisioterapia, palmilhas, aparelhos de imobilização, conforme o caso; e, geralmente, após um período de 6 meses, sem obter resultado satisfatório, é que utilizam TOC. Assim, tem-se evitado uma série de cirurgias desde que se iniciou com a TOC. 125.
Apesar de se ser procedimento já amplamente reconhecido como
tratamento médico especializado, inclusive contando com a cobertura
voluntária de diversos planos de saúde, dentre eles as congêneres Unimed’s
de outras unidades da Federação, a Ré simplesmente não autorizou tratamento
requerido pelo médico da autora; a negativa de cobertura se deu sob o
fundamento de o contrato não cobre o procedimento (terapia por ondas de
choque em partes ósseas), asseverando que a restrição encontra guarida na
cláusula VII, itens 7.3 e 7.3.1; afirma ainda que previsão de cobertura é
somente para o rol de procedimentos do Conselho Nacional de Saúde
Suplementar – CONSU, e que o procedimento solicitado não estaria incluído
no referido rol (documento anexo).
124 Disponível em < http://www.ondasdechoque.com.br/> , site visitado em 08/05/2007.
125 TERAPIA POR ONDAS DE CHOQUE (TOC), disponível em < http://www.abcdasaude.com.br>,
site visitado em 08/05/2007
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Ora, ao aderir ao plano de saúde, por meio de contrato de adesão, a Autora
não tinha conhecimento de que a cobertura somente se daria para os procedimentos
referidos no citado rol; nem seria lógico que ela estivesse disposta a pagar um plano
particular de saúde durante tanto tempo para depois, no momento mais difícil, ficar
sem a cobertura necessária para os infortúnios que lhe comprometem a saúde.
Logo, considerando que o consumidor é parte vulnerável nos contratos típicos
de adesão, como é o caso em tela, o Judiciário não pode fechar os olhos e deixar de
tutelar o bem jurídico (a saúde e a vida), que se busca proteção.
Assim, se sentindo totalmente prejudicada pela Operadora, que insiste
em negar a cobertura para o tratamento, a Autora não teve alternativa que não
fosse se socorrer da via judiciária, como única forma de obrigar a Ré a cumprir
com a sua obrigação.
III – DOS DIREITOS
O direito da Autora se encontra protegido pela própria Lei das Leis, uma vez
que a Constituição de 1988 reservou um lugar de destaque para a saúde, erigida à
categoria de direito social, fundamental, inalienável e indisponível, advindo, de tal
posicionamento, inúmeras conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua
efetividade.
É de se ver que a relação jurídica entre as partes, no caso em apreço, por
obediência à Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º
8.078/90, art. 1.º), caracteriza-se como uma relação de consumo, disciplinada por
normas de ordem pública e interesse social.
Ademais disso, deve ser consignado que o contrato estabelecido entre as
partes se caracteriza como Contrato de Adesão e, dessa forma, subordina-se agora
também às normas protetoras do consumidor, parte vulnerável da relação contratual,
o qual deve ser protegido em seus direitos fundamentais de cidadão, principalmente
quando se trata do direito à vida e à saúde. Assim, a interpretação de tais contratos
deve ser feita com a observância de princípios obrigatórios para o efetivo equilíbrio e
harmonia da relação, v.g., a boa-fé. (art.4.º, caput, e seu inciso III do CDC), eis que o
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consumidor é induzido a pensar que terá integral cobertura para os eventos futuros e
incertos envolvendo a sua saúde. Do contrário, seria mais conveniente se socorrer
do SUS e poupar o valor pago mensalmente ao setor privado.
Discorrendo sobre a caracterização dos contratos de planos de saúde,
ensina Antônio Joaquim Fernandes Neto (Plano de Saúde e Direto do Consumidor,
Belo Horizonte, ed. Del Rey, 2002, pag. 137) que:
“De forma semelhante à observada na maior parte dos contratos de consumo, os planos de saúde também são formalizados mediante adesão da parte consumidora às cláusulas e condições estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor. Não existe, como nos contratos paritários, possibilidade de discussão ou questionamento das regras por parte do consumidor”.
Deve ser observado que estes contratos se baseiam muito na confiança
depositada pelo consumidor em relação à Operadora de Planos de Saúde
contratada, e trazem sempre implícita enorme expectativa de cobertura contra os
riscos que se obrigou a contratar. Nesse sentido, o autor citado acima (ob. cit. Pág.
145) ensina que:
“Os serviços de assistência à saúde são cada vez mais caros e complexos, inacessíveis à renda da maior parte dos indivíduos e famílias, que é obrigada a confiar nas promessas de segurança contra os riscos que a levou a contratar um plano de saúde”.
Na mesma esteira dos ensinamentos acima esposados, não poderia deixar
de trazer a colação o entendimento moderno e predominante dos tribunais pátrios
quanto ao pedido que aqui se apresenta, a exemplo dos julgados a seguir:
“CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR – ABUSIVIDADE – INCIDÊNCIA DO CDC – A empresa que explora plano de assistência médica e recebe contribuições mensais de associados, sem submetê-lo a prévio exame, não pode escusar-se ao pagamento de sua contraprestação, alegando existência de doença preexistente, que nem mesmo o segurado tinha conhecimento. Tem-se como abusiva cláusula contratual de plano de assistência médico-hospitalar que exclui tratamento de moléstia grave, devendo o plano de saúde ressarcir o consumidor das despesas decorrentes de internação e tratamento de câncer. (TAMG – AC 0335319-9 – 4ª C.Cív. – Rel. Juiz Alvimar de Ávila – J. 23.05.2001”’.
“COOPERATIVA MÉDICA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – NÃO COBERTURA DE TRATAMENTO –
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APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – O contrato adesivo que coloca no mercado planos de saúde, avença regulada através de um contrato de prestação de serviços médicos, na sua execução, está sujeito à aplicação do estatuto consumerista, posto evidenciada a condição de fornecedora de serviços da cooperativa contratada, tendo figurado como destinatária a consumidora final, elementos que caracterizam uma relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º do CDC. A saúde, bem relevante à vida e à dignidade da pessoa humana, foi elevada na atual Constituição Federal à condição de direito fundamental, não podendo ser, portanto, caracterizada como simples mercadoria e nem pode ser confundida com outras atividades econômicas. Sendo detectada a natureza abusiva de cláusula contratual, possibilita ao Judiciário declarar a sua ineficácia, ainda mais se se apresenta com uma obrigação excessivamente onerosa, quando a parte ao assumi-la não possuía prévio conhecimento da dinâmica e dos termos do contrato de prestação de serviços médicos, com contornos de adesão, que excluía a realização de tratamento de doenças específicas. (TAMG – AC 0324266-6 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Duarte de Paula – J. 14.02.2001)
III – DA TUTELA DE URGÊNCIA
A gravidade da situação de saúde da autora, somada à injustificada
negativa de cobertura da assistência médico-hospitalar pela ré e a relevância
da demanda, exige providências urgentes, exatamente por se tratar de direito à
saúde, que não pode esperar, impondo-se a efetivação imediata do requerido,
por meio de medida de urgência, principalmente pela concessão da tutela
específica, nos moldes do disposto no artigo 461, parágrafo 3º do CPC e ainda
pelo disposto no artigo 84, parágrafo 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Ambas estas técnicas de tutela, como afirma J. E. Carreira Alvim, "são
modalidades de tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material
que, de outro modo, estaria comprometida pela natural demora na conclusão do
processo".
Além disso, a negativa de cobertura por parte da Requerida constitui evidente
ofensa à cláusula geral da boa-fé objetiva, adjacente à relação contratual. Nesse
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sentido, adverte Clayton Maranhão (Tetela Jurisdicional do Direito à Saúde, Coleção
Temas Atuais de Direito Processual Civil – Vol. T, São Paulo, ed. Revista dos
Tribunais, 2003, pág. 269):
“Tal ameaça do inadimplemento de uma obrigação ofende a cláusula geral da boa-fé objetiva, diante das circunstâncias apresentadas. A tutela jurisdicional específica é efetivada mediante a conjugação das técnicas mandamental e de coerção indireta, isto é, ordem de não interrupção do fornecimento do medicamento sob pena de multa”.
Não bastasse isso, a verossimilhança do alegado se encontra demonstrada
pelas próprias razões do pedido e pelas provas que o instruem, sendo indubitável,
ainda, o direito que dá suporte ao pedido da autora.
De fato a tutela de urgência é incontestável diante do quadro clínico da
paciente e pela negativa de cobertura do tratamento por parte da Ré, não sendo
crível ela se veja alijada de ter garantido o seu direito constitucional fundamental de
assistência à saúde.
Daí se torna necessária tutela de urgência (tutela específica), de cunho
mandamental, com determinação de que a Requerida preste imediata assistência à
saúde da Autora, adotando todas as medidas que se fizerem necessárias,
principalmente autorizando o uso procedimento médico indicado e demais
despesas conseqüentes do tratamento demandado.
IV - DOS PEDIDOS
Diante exposto pede a concessão liminar de tutela específica e
mandamental, de urgência, no sentido de determinar que a ré autorize,
imediatamente, o tratamento por meio de TERAPIA POR ONDAS DE CHOQUE
EM PARTES ÓSSEAS, de acordo com a prescrição médica, sob pena de
cominação de multa diária e outras medidas de coerção, além de eventuais
medidas executivas lato sensu (art. 461, par. 3º e 5º do CPC e artigo 84,
parágrafos 3º e 5º do CDC) que se fizerem necessárias; pede, por fim, que o
presente pedido seja julgado totalmente procedente confirmando-se a liminar
deferida nos termos acima solicitado, requerendo ainda:
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h) A gratuidade das custas processuais, nos termos da lei e da declaração de
hipossuficiente inclusa;
b) A cominação de multa diária no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em
caso de descumprimento dos termos da tutela;
c) Caso o Requerido não cumpra incontinenti a ordem judicial, que sejam
adotadas outras providências para a efetivação da tutela específica (medidas
executivas lato sensu), a exemplos daquelas previstas no parágrafo 5º do
art. 461 do CPC ou outras que se fizerem necessárias como, por exemplo, o
bloqueio de numerário em conta bancária da requerida, na quantidade
suficiente para a realização do tratamento;
d) A citação do Requerido na pessoa de seu representante legal e no
endereço referido no início, para contestar a presente ação no prazo legal,
sob pena de revelia.
e) A prioridade na tramitação processual, nos termos do Estatuto do Idoso;
Finalmente requer a intimação pessoal do Defensor Público que oficia
perante este juízo para todos os termos e atos do processo (artigo 128, inciso I,
da Lei Complementar Federal 080/94 e art. 5º, parágrafo 5º, da Lei Federal nº
1060/50). Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito,
especialmente pelos documentos inclusos e, se for necessário, realização de perícia
médica. Atribui à causa o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Termos em que pede e espera deferimento.
Cuiabá – Mato Grosso, 30 de maio de 2007.
___________________ Carlos Gomes Brandão Defensor Público do Estado
1ª Defensoria de Atendimento e Proteção à Saúde e ao Idoso
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120
5 A tutela jurisdicional do direito à saúde e o cumprimento das
decisões judiciais
A problemática pertinente à efetividade das decisões judiciais é tarefa que
preocupa e que se revela amiúde quando se trata das decisões judiciais concessivas
de liminares, sendo a ordem dirigida aos particulares ou, principalmente, à
Administração Pública. Basta lembrar, por exemplo, o pagamento dos precatórios
pela Fazenda Pública.
No que tange aos particulares, no caso específico do presente estudo as
empresas fornecedoras de planos de assistência médico-hospitalar, temos que a
tutela específica que imponha e determine o cumprimento da obrigação de fazer se
mostra adequada e apta a tutela do direito reclamado.
A aplicação da multa, quando em montante razoável e de acordo com a
urgência do caso, geralmente é meio idôneo a exercer a pressão psicológica
necessária para o cumprimento do mandamento judicial.
De qualquer modo, é importante frisar que o magistrado, nas ações de saúde
e considerando a urgência do caso, além da multa pode utilizar outros mecanismos
como a prisão por crime de desobediência ou o seqüestro de valores constantes das
contas bancárias da citada empresa. Também poderia ser autorizado o atendimento
por outros fornecedores do mercado privado às expensas do réu.
Não obstante o empenho dos processualistas modernos na defesa da idéia
da efetividade do processo, no Brasil ainda se enfrentada alguns obstáculos para o
alcance de tais desideratos, especialmente quando se trata do cumprimento de
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decisões e ordens judiciais por parte do Poder Público, até mesmo quando se trata
de tutelas de urgência, como é o caso do direito à saúde.
De acordo com Adugar Quirino “o não cumprimento de decisões judiciais
revela o enfraquecimento da Democracia, do Estado Democrático de Direito e do
acesso ao Judiciário Público, e há afronta inequívoca à separação de Poderes.” 126.
Ocorre, que não raro a Administração Pública é recalcitrante no
descumprimento das decisões judiciais, de modo que é preciso encontrar fórmulas
de resolver os entraves que levam ao triste quadro de descumprimento impune das
ordens judiciais.
Destarte, a questão no Brasil apresenta peculiaridade que representa
verdadeiro paradoxo: de um lado, na esteira da tendência mundial, a possibilidade
de concessão de medidas de urgência, liminarmente, em face da Fazenda Pública
passou a constar de diversos procedimentos, como o mandado de segurança, a
ação popular e a ação civil pública; por outro lado, e contra a tendência anterior,
iniciou-se um movimento por parte do Poder Executivo no sentido restringir a
concessão de liminares em face do Poder Público.
No entanto, conforme visto no capítulo anterior, é preciso interpretar cum
grano salis 127, os dispositivos legais que vedam a concessão de liminares em face
da Fazenda Pública, especialmente quando do cotejo entre os bens em jogo, a
saúde e a vida das pessoas estiverem sob risco. Nesse sentido, os principais óbices
geralmente apresentados por aqueles que justificam o tratamento diferenciado e
126 SOUZA JÚNIOR, Adugar Quirino do Nascimento. Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 1
127 Expressão latina, que traduzida literalmente significa “com uma pitada de sal” e que aqui foi
utilizada no sentido de que a interpretação deve se nortear pela razoabilidade, pela necessidade e pela proporcionalidade.
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privilegiado que é dado ao Poder Público nas demandas propostas por particulares
já foram analisados nos capítulos anteriores, especialmente no capítulo 4.
Também nos capítulos antecedentes ficou evidenciado que o particular pode
utilizar-se da ação mandamental prevista no artigo 461 do CPC para exigir o
cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, dentre elas a assistência à
saúde, por parte do Poder Público.
Aliás, foi de acordo com esses princípios que se instituiu a reforma processual
recente, especialmente no que diz com a tutela de urgência satisfativa, para cujo
cumprimento o legislador aumentou o rol dos deveres das partes para, prevendo,
entre outros, o de "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final",
consoante disposto no inciso V, do artigo 14 do Código Processual Civil.
Nesse sentido, vale trazer a colação a opinião de Araken de Assis, que
estudando a influência do instituto jurídico do “contempt of court”, do direito anglo-
americano, no sistema processual civil brasileiro, afirma que
[...] o art. 14, V, e parágrafo único, da Lei 10.358, de 27.12.01, generalizou a sanção por contempt of court. De fato, previu a imposição de multa no caso de descumprimento dos provimentos mandamentais, de modo similar ao que acontece com a injunction norte-americana, sancionando, além disto, a criação de “embaraços à efetivação dos provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final”. Podem ser sujeitos passivos da multa as partes e todos aqueles que de qualquer forma participam do processo (art. 14, caput). 128.
Observamos que a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 461 do CPC
tem pequena ou quase nenhuma possibilidade de servir como meio coercitivo no
sentido de forçar o Poder Público a cumprir as decisões judiciais. Assim, há quem
128 ASSIS, Araken. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006.
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entenda que a aplicação de multa pessoal ao agente público que descumprir a
ordem judicial seria mais idônea. De acordo com Araken de Assis
no caso de descumprimento à ordem judicial, travestida de provimento mandamental (art. 14, V), o servidor e o agente públicos sujeitam-se à pena do art. 14, parágrafo único. Arruda Alvim percebeu, corretamente, que a sanção se dirige ao “destinatário precípuo da ordem”. Ora, tais pessoas, cujo comportamento se subordina ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF/88), se revelam suscetíveis à ameaça da multa. É pouco provável que desafiem o órgão judicial, arrostando a conseqüência de se verem apenados. Razões individuais, a exemplo da promoção iminente e o amor próprio, tornam o servidor apegado à rotina inflexível do cumprimento espontâneo. Depois, transitada em julgado a decisão, a inscrição da multa como dívida ativa do Estado ou da União, e, em seguida, a execução da respectiva certidão, constituem atos de competência de outros servidores, nada propensos a deixar de praticar atos de ofício para eximir colegas desconhecidos, ainda mais sob a fiscalização sempre aterrorizante do Ministério Público. Assim, a ameaça é real e efetiva, atingindo os objetivos da técnica de pressão psicológica. 129.
Dissertando sobre a efetividade do processo em face da Fazenda Pública,
Viana afirma que o ideal é a mudança de foco no que concerne à aplicação da
multa, pois o melhor seria que elas recaíssem diretamente sobre o agente público de
que deveria cumprir a ordem judicial. Todavia, adverte o autor, seria necessária uma
reforma legislativa no sentido de viabilizar tal possibilidade, a qual não é possível no
sistema atual. Também de acordo com o citado autor, a utilização de outras
medidas de apoio previstas exemplificativamente no § 5º , do art. 461 , do CPC,
devem respeitar certos limites políticos existentes no sistema quando se trata e
analisar a sua utilização contra a Fazenda Pública130.
Na prática o que temos observado, ao menos nas ações propostas visando à
tutela do direito à saúde, é que o Judiciário tem sido bastante sensível às demandas
129 ASSIS, Araken. O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Academia Brasileira de Processo Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/ >. Site visitado em 04/05/2006.Ibid.
130 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética, 2003.
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propostas, haja vista que na quase totalidade dos casos é deferida tutela antecipada
específica liminarmente.
Todavia, em determinadas situações o Poder Público cumpre quando quer, e
muitas vezes não cumpre, a decisão judicial, sem que os magistrados tenham feito
uso efetivo das técnicas predispostas no ordenamento jurídico (art. 461 e art. 14 do
CPC, por exemplo) para a efetiva tutela do direito à saúde. A análise de alguns
casos concretos dará a dimensão da problemática:
Caso 1: A. C. R., motorista, 37 anos, foi acometido de tumor cerebral, com
evolução rápida (seis meses). O tumor maligno foi diagnosticado após ele ter sido
submetido à cirurgia para retirada de um outro tumor que se pensava ser benigno.
Como não obteve sucesso no procedimento cirúrgico anterior e ainda por ter
sido constatado que o caso era de tumor maligno, a terapêutica escolhida para o seu
tratamento foi radioterapia, combinada com quimioterapia, neste último caso fazendo
uso do medicamento denominado TEMODAL, cujo princípio ativo é temozolomida.
O tratamento com o medicamento prescrito custa cerca de R$ 100.000,00
(cem mil reais) por ano, de modo que restou praticamente impossível para o
paciente custear o tratamento por conta própria.
Assim, ele tentou obter o fármaco junto ao Sistema Único de Saúde, no caso
especificamente junto à Coordenadoria de Assistência Farmacêutica, órgão
vinculado à Secretaria de Estado de Saúde, de Mato Grosso, mas não obteve êxito,
haja vista que o pedido foi indeferido sob a costumeira alegação de não se tratar de
medicamento constante das listas padronizadas do Ministério da Saúde ou mesmo
de medicamento assegurado diretamente pelo governo estadual, que neste Estado
tem protocolos complementares àqueles estabelecidos pelo gestor federal do SUS.
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Depois de peregrinar pelas diversas instâncias administrativas estaduais sem
encontrar solução para o seu problema, o paciente recorreu ao Núcleo de Proteção
à Saúde e ao Idoso, da Defensoria Pública do Estado, onde se decidiu pela
propositura de ação cominatória de obrigação de fazer, com pedido de tutela de
urgência (antecipada e específica), visando compelir o Estado a fornecer o
medicamento. Eis o resumo do processo:
Comarca de Cuiabá, processo civil nº 3573/2005, juízo da Quarta Vara
Especializada da Fazenda Pública:
1. 22/7/2005. Distribuição do Processo: Distribuído urgente em 22/7/2005 às 16:33
Horas para QUARTA VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA Com o
Número: 2005/3573.
2. 26/7/2005. Despacho do juiz: Vistos. Antes de apreciar o pedido de
liminar, opto em determinar a intimação do requerido para que no prazo de 72
(setenta e duas) horas, preste informações acerca do caso versando. Com ela nos
autos, ou certificado o decurso do prazo, cls. com URGÊNCIA.
3. 31/8/2005. Novo despacho: Vistos. Diante das informações prestadas pelo
Estado de Mato Grosso, no sentido de que já foram ultimadas as providências
necessárias ao tratamento do autor, determino a sua intimação para manifestar o
seu interesse no prosseguimento deste processo.
4. 1/9/2005. Juntada de Petição do Autor e documentos, manifestando no sentido
de que o Estado não estava fornecendo o medicamento reclamado e que o
tratamento que estava sendo oferecido não dispensava o uso do fármaco. Pede
ainda apreciação do pedido de tutela de urgência.
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5 . 29/09/2005. Decisão Interlocutória (dispositivo): Posto isto, concedo a tutela de
urgência requerida, DIANTE DO QUADRO CLÍNICO DO REQUERENTE,
DETERMINANDO ao requerido que no prazo máximo de 15 (quinze) dias, forneça
para o autor ou a seu representante legal, o medicamento TOMODAL, princípio ativo
TEMOZOLOMIDA, na quantidade de 30 cápsulas de 100 mg e 60 cápsulas de 20
mg, no primeiro mês, e 5 cápsulas de 250 mg e 5 de 100 mg no 2° ao 11° meses,
ainda que se proceda a contratação em regime de urgência; sob as penas da Lei.
Arbitro a multa diária de R$ 5.000,00 (Cinco mil Reais), em caso de descumprimento
injustificável da medida. Cite-se o requerido, através do seu representante legal.
Intimem-se. Cuiabá, 29 de setembro de 2005.
6. 7/11/2005. Juntada de mandado de cumprimento de liminar e citação Juntada
(AR/Auto/Mand./Carta) JUNTADA Nesta data, juntei a estes autos nº 3573/05 o
Mandado de Cumprimento de Liminar e Citação de fls. 731/732, protocolado em
29/09/05. Cuiabá - MT, 7 de novembro de 2005. Oficial Escrevente
Comentários: inicialmente insta salientar que o Estado não cumpriu a decisão
judicial, interpondo agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado de
Mato Grosso (RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - 45468/2005 - SEXTA
CÂMARA CÍVEL), obtendo suspensão da liminar em 24/11/2005. No entanto, apesar
da suspensão da liminar, o Estado começou a fornecer o medicamento no dia
14/12/2005. Por esta e outras razões (controvérsias e divergências sobre a eficácia
do medicamento), no mérito, o recurso foi improvido em 15 de março de 2006, tendo
o Estado interposto Recurso Especial ao STJ e Recurso Extraordinário ao STF,
ambos aguardando prazo para contra-razões do Recorrido.
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No caso em tela, como nos demais atendidos pela Defensoria Pública do
Estado de Mato Grosso, foi proposta ação de obrigação de fazer com pedido de
tutela específica, antecipada inclusive, com fundamento no artigo 461 do CPC.
Como de praxe foram juntados documentos médicos comprobatórios da
doença, bem como da necessidade e imprescindibilidade do medicamento para o
seu tratamento, caracterizada ainda a urgência.
Ainda assim, a liminar não foi deferida de plano, eis que o ilustre magistrado
titular da vara onde tramita o feito optou pela oitiva da Fazenda Pública no prazo de
setenta e duas horas, mas na prática, a liminar somente foi deferida depois de mais
de sessenta dias, redundando em enorme prejuízo para o tratamento do autor, haja
vista que devido ao alto custo do medicamento, foi impossível adquirir o necessário
para o início da terapêutica.
De qualquer modo, deferida a tutela específica antecipada o Estado não a
cumpriu inicialmente, conforme já exposto, preferindo tentar a suspensão pela via do
agravo de instrumento e, pasmem, conseguindo êxito uma vez que o relator do
agravo entendeu que havia dúvida quanto à eficácia do medicamento. Tal dúvida
adveio de um parecer emitido por médicos do próprio SUS, no sentido de que não
havia prova científica da eficácia do remédio.
Vale esclarecer que a inicial da ação de obrigação de fazer foi instruída com
laudos médicos de três especialistas (oncologistas), também do SUS e,
principalmente, dos médicos que tratavam do paciente, no sentido de que o
medicamento é adequado para o tratamento do tumor, pois ainda que não
garantisse a cura, poderia prolongar a vida e amenizar o sofrimento do doente.
Destaca-se ainda que nas contra-razões do recurso o autor juntou novos laudos
médicos de especialistas, um deles de renomado hospital do Estado de São Paulo,
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128
de modo que o recurso foi indeferido pelo mérito. Importante ainda esclarecer que o
Estado iniciou o fornecimento do medicamento mesmo depois de obter a suspensão
da decisão da tutela antecipada, mas com a improcedência do agravo, interpôs
recursos extraordinário e especial.
Aqui cabe chamar a atenção para a importância da opção pela ação de
obrigação de fazer com fulcro no artigo 461 do CPC, no sentido de que se optasse
pelo mandado de segurança provavelmente o juízo entenderia que não estaria
configurado direito líquido e certo, já que havia certa controvérsia sobre a eficácia do
medicamento para o caso do autor. Assim, a possibilidade de apresentação de
novas provas foi importante para o deferimento da antecipação de tutela específica e
para o julgamento do agravo de instrumento.
Também é interessante notar que o Estado não cumpriu a decisão concessiva
de antecipação de tutela, mas posteriormente iniciou, por conta própria, o
fornecimento do fármaco, como que a demonstrar desrespeito à decisão judicial e
decidir quando e como forneceria o medicamento. Tanto que depois de perder o
agravo de instrumento resolveu interpor recursos para as cortes superiores.
Cabe ainda analisar a decisão concessiva da tutela antecipada à luz dos
poderes concedidos ao juiz pelo artigo 461 do CPC. Neste caso, a tutela específica
antecipada somente foi deferida depois de mais de sessenta dias da propositura da
demanda e, ainda assim, o juízo concedeu prazo de quinze dias para o seu
cumprimento pelo réu. Ademais disso, arbitrou multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
para o caso de descumprimento injustificado da medida.
Ora, já estava mais do que demonstrado que o Estado não pretendia fornecer
de pronto o medicamento, haja vista que havia juntado informações no sentido de
que o autor teria sido encaminhado para tratamento fora do domicílio quando, na
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129
verdade, este tratamento não dispensava o uso do fármaco e, ao contrário, sua
necessidade foi reforçada. Além disso, nas informações prestadas o Estado afirmava
que não havia prova científica da eficácia do remédio, ainda que este tivesse sido
prescritos por especialistas do SUS.
Assim, temos que a decisão concessiva da tutela antecipada deveria,
inicialmente, estabelecer prazo menor para o cumprimento da decisão judicial, haja
vista que o autor já estava com o tratamento bastante atrasado e a doença
avançava num ritmo acelerado.
Também seria ideal que o magistrado, com fundamento no § 5º, do art. 461
do CPC, já estabelecesse outros meios de tornar efetiva a decisão judicial. Assim,
poderia estabelecer que a aquisição fosse realizada em regime de urgência e com
dispensa de licitação e aplicar multa pessoal ao agente público responsável pelo
cumprimento da ordem (no caso em tela o Secretário de Estado de Saúde). Também
poderia autorizar a o remanejamento de verbas de outras fontes orçamentárias
menos importantes ou sugerir a suplementação de verbas, se o orçamento da saúde
não fosse suficiente para a aquisição. Se ainda assim a decisão não fosse cumprida
no prazo estipulado, que fosse determinado o depósito de numerário a disposição do
juízo, o qual poderia liberar o necessário para o tratamento inicial enquanto o
Estado adotasse as providências necessárias. Finalmente, se as providências
exemplificadas acima não se mostrassem efetivas, haveria a possibilidade de
determinação da prisão por descumprimento de ordem judicial ou o seqüestro de
dinheiro, existente em contas bancárias do Ente Público, em quantia suficiente para
a aquisição do medicamento.
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130
Caso 2: F. C. P. B, estudante, 22 anos, foi acometida de câncer de pulmão,
com evolução rápida de metástase. Tentou todas as formas de tratamento possíveis,
mas a doença avançava rapidamente. Tomou conhecimento de um novo
medicamento IRESSA (GEFITINIB), já utilizado com relativo sucesso nos Estados
Unidos da América e em alguns países da Europa, com reconhecimento e
autorização dos órgãos de controle sanitário daqueles Estados, mas ainda não
introduzido no Brasil. De comum acordo com seu médico, o medicamento foi
prescrito.
Todavia, trata-se de medicamento de alto custo e que precisava ser
importado, de modo que autora não dispunha de recursos para adquiri-lo por conta
própria ou com a ajuda de familiares. Assim, tentou de todas as maneiras obter o
fármaco do Sistema Único de Saúde, tendo inclusive encaminhado carta ao
Governador do Estado, mas não obteve êxito. Os argumentos dos Entes Públicos
foram aqueles referidos no caso anterior, somando-se ainda o fato de que, segundo
a Secretaria de Estado de Saúde, a aquisição não poderia ser realizada porque o
medicamento ainda não estava autorizado no Brasil. Vindo à Defensoria Pública,
buscou-se a tutela judicial por meio da ação cominatória fundada no artigo 461 do
CPC. Eis o resumo do processo:
Comarca de Cuiabá, processo civil nº 2177/2004, juízo da Terceira Vara
Especializada da Fazenda Pública:
6/10/2004. Distribuído urgente, com carga para o juiz no mesmo dia.
6/10/2004. Decisão interlocutória (dispositivo): No caso versando, se nos depara
hipossuficiente, portadora de câncer de pulmão com metástase, a carecer, sob pena
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131
de perseverar em padecimento inefável, com premência, de medicamento idôneo a
mitigar-lhe o sofrimento. Assentes, pois, os pressupostos referentes à antecipação
da provisão jurisdicional, concedo-a nos moldes e para os fins instados na página
capitular [alínea “a” - fls. 15]. Cumpra-se incontinenti, requisitando-se força policial se
mister [o fato reclama estima axiológica bastante à aparição de norma especial a
regulá-lo]. Expeça-se o necessário e cite-se. Cuiabá, 06 de outubro de 2.004.
10/12/2004. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado
de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a
INTIMAÇÃO do Procurador do Estado BRUNO HOMEM DE MELLO, ou quem suas
vezes fizer, E DA SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MATO GROSSO,
para QUE EFETIVE A AQUISIÇÃO IMEDIATA DO MEDICAMENTO GEFITINIB (
IRESSA 250 mg), em lote não inferior a 60 (sessenta) comprimidos.
Decisão/Despacho:Mercê da gravidade da moléstia que vem de acometer a
requerente, cuido imperioso inocorrer solução de continuidade em seu tratamento.
Logo, determino ao requerido que efetive a aquisição imediata do medicamento
GEFITINIB (IRESSA 250 mg), em lote não inferior a 60 (sessenta) comprimidos.
23/2/2005. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado
de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a
INTIMAÇÃO do SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAUDE DO ESTADO DE MATO
GROSSO, bem como do PROCURADOR GERAL DO ESTADO, ambos com
endereço no Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT; para que cumpra a decisão
judicial já proferida nos autos, ou seja, forneça à requerente F. C. de P. B (omitimos
o nome da autora), o medicamento IRESSA 250 MG, na quantidade e tempo
prescrito pelo seu médico, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito horas), sob
pena de se instaurar procedimento criminal a fim de apurar responsabilidade pela
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132
desobediência da ordem judicial. Decisão/Despacho:RH. Atenda-se conforme
instado.
28/3/2005. Mandado Expedido Mandado Genérico ME053 Mandado
de:INTIMAÇÃO Advertências, se houver: Objeto do Mandado:Proceder a
INTIMAÇÃO do SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAUDE DO ESTADO DE MATO
GROSSO, bem como do PROCURADOR GERAL DO ESTADO, ambos com
endereço no Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT; para que cumpra a decisão
judicial já proferida nos autos, ou seja, forneça à requerente Fernanda Cristina de
Paula Braga, o medicamento IRESSA 250 MG, na quantidade e tempo prescrito pelo
seu médico, no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito horas), sob pena de se
instaurar procedimento criminal a fim de apurar responsabilidade pela desobediência
da ordem judicial. Decisão/Despacho:RH. Atenda-se consoante instado. Cuiabá,
22de março de 2005.(a) Alberto Ferreira de Souza - Juiz de Direito.
16/11/2005. Despacho RH. Suspenda-se de consonância, com o art. 265, I do CPC.
Intime-se o eminente Defensor Público para manifestar-se acerca das petições de
fls.348/354 que noticia o passamento. Cuiabá, 16 de novembro de 2005.
Comentários: Não é preciso dizer, até pelo que se vê dos despachos acima,
que o Estado jamais cumpriu a decisão judicial concessiva de tutela antecipada, que
no caso em tela foi liminar. Na realidade o Estado interpôs agravo de instrumento,
não conseguindo suspensão da liminar, sendo que o mérito do recurso não chegou
a ser julgado, uma vez que a autora faleceu antes.
Lamentável que no caso em tela nenhuma providência concreta foi tomada
pelo juízo para tornar efetiva a ordem judicial. Nem mesmo multa foi arbitrada como
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133
meio de coerção, quanto mais a utilização de outras medidas de apoio fundadas no
§ 5º do art. 461 do CPC.
Limitou-se o juízo a ordenar, inicialmente, determinado a requisição de força
policial, que não era a medida adequada, exceto se tivesse havido a ordem de
prisão por desobediência ou se o medicamento estivesse disponível nos estoques
da Farmácia do SUS, quando então poderia ser determinada busca e apreensão,
quando então o concurso de força policial poderia ser necessário.
Posteriormente, ante a insistência do Estado em descumprir a ordem judicial,
o juízo se limitou a determinar o cumprimento sob pena de instauração de inquérito
para a apuração de crime de desobediência, quando já se sabe que tal medida não
tem se mostrado como meio apto a pressionar a Fazenda Pública ao cumprimento
das ordens judiciais, pelas razões antes estudadas. Aliás, apesar das determinações
judiciais no sentido de sejam extraídas cópias de peças do processo e seu
encaminhamento para o Ministério Público, não temos notícias de que o MP tenha
proposto ações penais nestes casos.
Dessa forma, depois de mais de um ano da propositura da ação e da
obtenção da medida liminar de antecipação de tutela específica, lamentavelmente a
jovem autora faleceu sem receber uma dose sequer do medicamento que poderia ter
lhe prolongado à vida ou, ao menos, ter-lhe amenizado o sofrimento nos seus
últimos dias.
Passaremos agora a exposição de um caso conhecido nacionalmente, onde a
decisão judicial foi mais consentânea com a busca de eficácia dos provimentos
judiciais dirigidos à Fazenda Pública.
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134
Trata-se de caso ocorrido no início do ano de 2003, na cidade de Fortaleza –
Ceará, onde aumentou a demanda por leitos hospitalares e, em decorrência, a fila
nos hospitais públicos não parava de crescer devido à falta de leitos de UTI
(Unidade de Tratamento Intensivo) em hospitais públicos. Diante de tal situação o
Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública, com pedido de
liminar, requerendo que o Município de Fortaleza, o Estado do Ceará e a União
providenciassem o internamento das pessoas que estavam na fila da UTI em
hospitais particulares, mesmo não conveniados ao SUS. A liminar foi deferida, sendo
fixada multa no valor de cem mil reais por dia de descumprimento da medida. Como
os Entes Públicos não cumpriam a liminar, o Ministério Público pediu que fosse
aumentado o valor da multa. O caso foi então apreciado pelo Juiz Federal George
Marmelstein Lima 131, que oficiava em substituição processual ao juiz que havia
deferido a liminar, e pedimos vênia para reproduzir aqui, parcialmente, os seus
comentários, invertendo a ordem do artigo e citando primeiro o dispositivo da
decisão interlocutória e posteriormente os seus comentários:
Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE FLS. 58/76 e, com base no poder geral de cautela, bem como no art. 461, §5º, do CPC, determino o que se segue:
a) os hospitais conveniados aos SUS – Sistema Único de Saúde, indicados às fls. 65/66, ficam obrigados a receber os pacientes que se encontram à espera de leitos de UTIs na rede de hospitais públicos, devendo correr as despesas respectivas à conta dos recursos orçamentários do SUS, mediante a apresentação dos respectivos comprovantes;
b) na hipótese de inexistência de verba orçamentária do SUS ou de embaraços por parte das autoridades públicas para providenciar o pagamento na forma do item “a”, fica autorizado aos referidos hospitais efetuar a compensação fiscal dos gastos efetuados no custeio dos tratamentos com tributos federais, estaduais ou municipais. Determino ainda que os Órgãos de controle interno e externo (Tribunal de Contas, Ministério Público, Fazendas Públicas, Ministérios Federais, Secretarias Estaduais e Municipais etc) façam o devido controle dos gastos efetuados, a fim de evitar enriquecimento ilícito por parte dos hospitais particulares;
131
LIMA, George Marmelstein. A Efetivação Judicial do Direito à Saúde: decisão comentada. Disponível em: <http://www.georgemlima.hpg.com.br> Acesso em: 23 jun. 2004 [capturado].
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135
c) caso se esgotem todos os leitos dos hospitais particulares conveniados ao SUS, os hospitais particulares de Fortaleza, mesmo não conveniados ao SUS, ficam obrigados a receberem pacientes oriundos dos hospitais públicos e para os quais não existam mais leitos nos hospitais conveniados ao SUS, prestando-lhes todo o atendimento necessário, correndo as despesas à conta dos entes públicos demandados, aplicando-se-lhes a mesma regra prevista no item “b”;
d) a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará deverá criar uma central de leitos, a exemplo da que funcionou no caso da UTI Neo-Natal da MEAC, como forma de viabilizar que os pacientes sejam encaminhados aos hospitais que disponham de vagas;
e) o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza ficam obrigados a remanejar ou transferir os recursos orçamentários destinados à propaganda institucional do governo para solucionar o problema de saúde do Município de Fortaleza;
f) no caso de descumprimento de qualquer das ordens acima, fica automaticamente aplicada a multa de R$ 10.000,00 aos responsáveis pelo descumprimento da decisão judicial, ou seja, ao Ministro da Saúde, ao Secretário Estadual de Saúde e ao Secretário Municipal de Saúde, conforme respectivas atribuições, com base no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 10.358/2001.
Intimem-se o Ministério Público Federal, a União, o Estado do Ceará, o Município de Fortaleza, os hospitais listados às fls. 65/66, o Ministro da Saúde, o Secretário Estadual de Saúde e o Secretário Municipal de Saúde do inteiro teor da presente decisão.
Expedientes necessários com a MÁXIMA URGÊNCIA.
Fortaleza, 23 de abril 2003
GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Juiz Federal Substituto da 4ª Vara, respondendo pela 3ª Vara
[...] Lembrei do art. 461, §5º, do CPC: “na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do
resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,
determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por
tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário
com requisição de força policial”.
[..] Com amparo legal, pude colocar em prática duas idéias fundamentais
que havia desenvolvido na especialização: a transferência de verbas de
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uma rubrica orçamentária menos importante para a saúde, e a autorização
para que os hospitais particulares procedessem a compensação fiscal dos
gastos efetuados com as internações.
As medidas têm funções distintas, embora o interesse principal seja
sempre proteger a vida e a saúde das pessoas necessitadas.
A transferência de recursos (no caso, da propaganda institucional do
governo para a saúde) resolveria dois problemas: (a) primeiro, o problema
de dinheiro, na medida em que informa de onde sairão os recursos para o
cumprimento da liminar; (b) segundo, aumentaria a força retórica da
decisão, já que ninguém questiona que a saúde e a vida são mais
importantes do que as propagandas institucionais do Governo,
especialmente aqui no Ceará, onde era nítido que a propaganda estava
sendo utilizada para auto-promoção dos governantes.
Uma crítica que pode ser feita a esse ponto da decisão foi não ter sido
dada uma maior liberdade para o administrador na escolha da rubrica
orçamentária de onde sairiam as verbas para o cumprimento da liminar. O
melhor teria sido apenas determinar que o administrador deveria retirar a
verba de alguma rubrica, exemplificando a propaganda institucional do
governo.
A autorização para que os hospitais particulares procedessem a
compensação fiscal dos gastos efetuados também tinha dupla função: (a)
proporcionar mais uma fonte de recursos para o cumprimento da decisão e
(b) dar uma garantia aos hospitais particulares de que eles não teriam
prejuízo e, portanto, não precisariam colocar empecilho para o
cumprimento da decisão (veja-se que eles sequer eram partes no
processo). Esse ponto era fundamental, pois era justo o receio dos
hospitais particulares de que a conta jamais seria paga, como efetivamente
não vinha sendo.
Foi omitido, propositadamente, na decisão, qual seria o valor que os
hospitais particulares poderiam cobrar pelos serviços. A minha intenção,
naquele momento, era internar as pessoas que estavam precisando
urgentemente de internamento em UTI. Os valores seriam discutidos
posteriormente, com mais calma.
[...]
Uma outra falha da decisão, que somente pôde ser constatada
posteriormente, foi não ter sido determinada, oficialmente, uma prévia
audiência com todos os envolvidos no processo para que fosse fiscalizado
o cumprimento da liminar, bem como para que fossem discutidas as
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dificuldades para se colocar em prática as determinações judiciais. De
qualquer modo, essa falha serve de lição para que, no futuro, em outra
situação semelhante em que forem impostas ordens de difícil cumprimento,
haja um maior diálogo entre os envolvidos e o Poder Judiciário.
Por fim, é preciso informar que a liminar vigorou por cerca de dez dias.
Nesse período, mais de vinte pessoas foram beneficiadas pela decisão
judicial.
A liminar foi suspensa pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, em sede de suspensão de liminar, sob o argumento de que a
competência seria da Justiça Estadual.
Como se pôde observar, com fundamento no artigo 461 do CPC,
especialmente os parágrafos 4º e 5º, o magistrado apontou todas as soluções que
entendeu possíveis naquele momento para a efetivação da decisão judicial, nos
mesmos moldes que poderiam ser utilizados nos casos anteriormente analisados.
Embora as providências acima apontadas para dar efetividade à tutela
jurisdicional não sejam unânimes na doutrina, havendo vozes autorizadas e
balizadas discordantes, entendemos que não é concebível que em casos como
estes, onde a saúde e a vida do cidadão estão em jogo, que a decisão judicial que
lhe dá guarida seja descumprida pelo Estado. Afinal, qual a razão da existência do
próprio Estado? Por acaso não seria o bem do povo?
Como afirmou o Min. Celso de Mello, “entre proteger a inviolabilidade do
direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela
própria Constituição da República [art. 5º, caput], ou fazer prevalecer, contra essa
prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado - uma vez
configurado esse dilema - razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só
e possível opção: o respeito indeclinável à vida”. 132.
132
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 273.834/RS, Rel. Min. Celso de Mello.
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6 Considerações finais
O presente estudo partiu da necessidade de melhor reflexão sobre
como escolher as tutelas jurídico-processuais mais adequadas para a garantia do
efetivo cumprimento do direito fundamental à saúde no sistema jurídico-processual
brasileiro.
Conforme frisado na introdução, a escolha do tema deveu-se a nossa atuação
como Defensor Público, onde diariamente nos defrontamos com pessoas que
necessitam se socorrer da via judiciária para ter garantido o acesso à assistência
médica e farmacêutica, negada pelo Sistema Único de Saúde, ou mesmo pelas
operadoras de planos de saúde que atuam no mercado privado.
Mesmo com a opção pela ação mandamental fundada no artigo 461 do CPC,
diante da Fazenda Pública, e 84 do CDC, em face dos fornecedores de planos de
saúde, os provimentos judiciais concessivos da tutela específica antecipada não
vinham conjugados com outras medidas de apoio ou executivos lato sensu que
pudessem concretizar a decisão, que não raro são descumpridos especialmente
pela Fazenda Pública.
Assim, nossa postura metodológica foi no sentido de que o processo, para
atingir os seus escopos de tutela efetiva dos direitos, deve predispor de meios para a
obtenção dos resultados almejados, ou seja, deve ser dotado de instrumentos para a
consecução dos objetivos a serem atuados. A tendência metodológica do direito
processual civil moderno é de busca incessante pela efetividade do processo, que
deve ser apto para cumprir integralmente a sua função. Isto significa que o processo
precisa ser empreendido a partir do conhecimento das necessidades do direito
material, no sentido de que estes direitos sejam efetivamente protegidos. Para tanto,
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139
o direito de ação deve ser pensado como direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional, de modo que o legislador tem a obrigação de traçar técnicas
processuais adequadas à tutela dos direitos.
Para tanto, pretendeu-se demonstrar que o direito à saúde é direito público
fundamental e subjetivo do cidadão e, nesse sentido, permite ao titular desse direito
exigir do Poder Público (saúde pública) e do setor privado (contrato de plano de
saúde) prestações materiais positivas de assistência à saúde.
Partindo da postura metodológica de que o processo também é direito
fundamental, procurou-se apontar as técnicas processuais que se mostram mais
adequadas para a tutela do direito à saúde, bem como os mecanismos de efetivação
das decisões judiciais concessivas de tal direito. Na análise do direito à saúde como
direito fundamental chama a atenção a necessidade de maior efetivação no
cumprimento da prestação positiva à saúde, pois este é o principal direito
fundamental social previsto na carta Magna do Brasil.
A necessidade de tutela jurisdicional adequada para a proteção dos direitos
não patrimoniais, especialmente aqueles que exigem a conduta de fazer ou de não-
fazer, ou seja, que visam à realização do direito por meio da atuação sobre a
vontade do devedor, fez surgir a tutela mandamental. Em se tratando de obrigações
de fazer, a tutela específica constitui afirmação da autoridade do próprio
ordenamento jurídico-material, uma vez que conduz à satisfação pela obtenção do
próprio bem devido ou outro equivalente.
Não se pode imaginar o direito à tutela jurisdicional como simples direito de
ação, sem a coexistência de técnicas processuais e de procedimentos que sejam
efetivos para a proteção e promoção do direito material reclamado, sob pena de
ofensa ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.
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Para a tutela dos direitos de caráter não patrimonial, onde é relevante a
proteção das necessidades básicas inerentes à dignidade da pessoa humana, como,
por exemplo, a proteção do consumidor usuário de planos de saúde diante de
cláusulas contratuais abusivas de cujo conteúdo ele não participou, ou mesmo do
cidadão diante da inércia ou da negativa do Estado em tornar efetiva a prestação
social material prometida, é importante que o sistema processual disponha de tutela
jurisdicional específica, que pode ter função preventiva ou repressiva.
Daí a importância dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, os quais conferem
ao juiz o poder e os mecanismos necessários e que permitem atender ao direito à
tutela jurisdicional efetiva; vale relembrar que os citados artigos permitem a tutela do
direito independentemente da ação de execução e, nesse sentido, elimina a
necessidade do procedimento traçado para as obrigações de fazer, o que é fator de
suma importância para a tutela do direito à saúde.
De fato como corolário do Estado Social de Direito a tutela específica surge
como reflexo da tomada de consciência de que o direito processual de priorizar o
cumprimento específico ou equivalente, da obrigação assumida pelo devedor, de
modo que a obrigação somente se converterá em perda e danos se o autor requerer
ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente.
Nesse sentido, além da pesquisa exploratória na doutrina e na jurisprudência,
foi importante a análise de casos concretos para a melhor compreensão da
problemática da tutela específica do direito à saúde, especialmente no que tango ao
entendimento e efetiva aplicação dos novos poderes concedidos aos magistrados
por força dos dispositivos acima referidos.
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141
A função do juiz não pode ser resumida à simples tarefa de dar mera resposta
jurisdicional ao caso concreto, pois é preciso que ele zele pela idoneidade da
prestação jurisdicional, no sentido de torná-la efetiva, buscando na regra processual,
interpretada à lei à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, a máxima eficácia
possível para a tutela dos direitos.
Para efeitos dos objetivos almejados no presente estudo, consistentes
principalmente no que concerne à tutela jurisdicional específica do direito à saúde e
à concretização das decisões judiciais concessivas das tutelas reclamadas, foi
importante caracterizar tal relação jurídica como obrigação de fazer, tendo o cidadão
como credor e, como devedores, o Estado (gênero), quando se trata da saúde
pública, e as operadoras de planos e seguros de saúde, no caso das relações de
consumo no mercado privado.
Para se chegar a tal conclusão partiu-se do estudo do direito à saúde como
direito fundamental social, no sentido de que se constituem em verdadeiros direitos
públicos subjetivos que permitem ao cidadão-credor, exigir do Estado-devedor,
prestações materiais de assistência à saúde; do mesmo modo, por ser direito
fundamental, também encontra ampla proteção no que diz com a tutela dos usuários
de planos e seguros de saúde, cuja relação obrigacional gera um vínculo que obriga
o fornecedor a cumprir com a promessa de prestar a devida assistência médico-
hospitalar ao consumidor. sto porque no Brasil a assistência à saúde é dever do
Estado, mas é aberto à iniciativa privada, ou seja, há um misto dos dois modelos, de
modo que as operadoras de planos de saúde, ao lado do Estado, são essenciais à
implementação dos objetivos da República no que tange a saúde da população, uma
vez que o modelo constitucional adotado para a promoção da saúde, considera tal
direito como direito público subjetivo e fundamental.
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142
A caracterização foi importante porque demonstrou que relação obrigacional
traduz-se basicamente num direito do credor à prestação e, do ponto de vista
prático, ao atribuir um direito subjetivo e ao impor um dever jurídico de cumprimento
específico, haja vista a prevalência do interesse do credor sobre o interesse do
devedor.
Destarte, foi possível verificar que não obstante o sistema processual
brasileiro colocar à disposição do jurisdicionado, diversos procedimentos que podem
ser manejados na proteção do direito à saúde, seja do ponto de vista das ações
individuais, seja no que tange às ações coletivas, a tutela específica com
fundamento nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC são aquelas que se mostram mais
aptas para a tutela das obrigações da fazer consistentes na prestação de assistência
à saúde, seja no âmbito do serviço público seja no mercado privado.
Dessa forma, temos que restou evidenciado que não obstante a existência de
diversos meios processuais e extraprocessuais dispostos no ordenamento jurídico
brasileiro, as novas técnicas introduzidas a partir da reforma processual iniciada em
1994, especialmente aquelas que visam à obtenção da tutela específica da
obrigação de fazer, fundadas nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, parecem ser as
mais adequadas e idôneas para a tutela do direito à saúde, mesmo quando se trata
de saúde pública.
Isto porque, como demonstrado, tais dispositivos encerram verdadeiras ações
mandamentais, que permitem o provimento de tutela específica liminarmente,
inclusive, mas também permite a produção de novas provas e antecipação de tutela
no curso do processo. Porém, o fundamento maior reside nos diversos mecanismos
ínsitos nos citados dispositivos que possibilitam a célere e eficaz tutela das
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143
obrigações de fazer consistente na prestação de assistência a saúde não cumprida
pelo mercado privado ou pelo sistema público.
Todavia, conforme ficou demonstrado, não raro a aplicação do artigo 461 do
CPC em face da Fazenda Pública não tem se mostrado eficaz, talvez pela timidez
dos juízes em fazer uso dos diversos mecanismos e dos poderes que lhes foram
outorgados para o efetivo cumprimento dos provimentos judiciais, ou talvez porque
ainda há bastante controvérsia no que tange à aplicação desse dispositivo em
desfavor do Poder Público.
Neste último caso, temos que ao longo do trabalho foi possível verificar que
os óbices geralmente apontados para a não aplicação do citado dispositivo legal em
face da Fazenda Pública não podem prevalecer, principalmente quando em conflito
com direitos fundamentais da pessoa humana, como é o caso do direito à saúde.
Verificou-se que na prática, ao menos nas ações propostas visando à tutela
do direito à saúde, o Judiciário tem sido bastante sensível às demandas propostas,
haja vista que na quase totalidade dos casos é deferida tutela antecipada específica
liminarmente.
Nesse sentido, a análise dos casos concretos foi suficiente para evidenciar
que o Judiciário tem como possível a aplicação do artigo 461 do CPC contra os
Órgãos Públicos, especialmente no que diz com a tutela do direito à saúde, tanto
que são aplicadas multas como forma de pressão psicológica visando ao
cumprimento das decisões judiciais.
Todavia, ao que parece a utilização dos demais mecanismos ou medidas de
apoio, constantes do citado dispositivo legal, especialmente aquelas
exemplificativamente referidas no § 5º, precisam ser compreendidas e
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adequadamente manejadas, principalmente quando se trata de direitos não
patrimoniais e que requerem tutelas urgentes, como a vida e a saúde.
O não cumprimento de decisões judiciais, nestes casos, não revela apenas o
enfraquecimento da Democracia, do Estado Democrático de Direito e do respeito ao
Judiciário Público, pois há afronta inequívoca à proteção da vida humana, uma vez
que o direito à saúde sem dúvida alguma protege diretamente a vida.
Nesse sentido, mister se faz que as decisões judiciais que concedam, quando
devidas, tutelas específicas do direito à saúde, no âmbito do mercado privado ou do
Sistema Único de Saúde, sejam adequadas para dar concretude ao provimento
concedido.
No que se refere à Fazenda Pública é preciso, pois, repensar a aplicação da
multa processual para que além daquela prevista no art. 461, § 4º, do CPC, seja
também dirigida diretamente ao responsável pelo cumprimento da decisão judicial,
com fulcro no § V, do art. 14 do citado diploma legal; também é mister se pensar na
utilização de outras medidas de apoio, como o seqüestro de valores ou a
determinação de depósito a disposição do juízo, para que este adote as
providências necessárias; pode se pensar ainda na determinação de que o Ente
Público possa remanejar verbas de outras rubricas orçamentárias ou proceda a
suplementação do orçamento para o cumprimento da decisão judicial. Enfim, é
imperioso que os magistrados façam efetivo uso dos poderes que lhes foram
ampliados a partir da reforma processual iniciada em 1994, especialmente dos
mecanismos que propiciem a adequada, efetiva e tempestiva tutela dos direitos não
patrimoniais, urgentes e fundamentais, como é o caso do direito à saúde, adotando
todas as medidas possíveis para a concretização dos provimentos judiciais
concessivos de tais tutelas.
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Todavia, não podemos olvidar de que o tema da efetividade das decisões
judiciais em face da Fazenda Pública, especialmente, é bastante polêmico e está
longe de atingir unanimidade na doutrina e na jurisprudência, principalmente no que
concerne às tutelas antecipadas e aos mecanismos de concretização das decisões
judiciais.
Monografistas que estudaram a fundo e com propriedade o tema da
efetivação das decisões judiciais em face da Fazenda Pública têm sugerido que a
reforma da legislação é o único caminho possível para contornar a situação, de
modo que o Poder Público seja compelido a cumprir tempestivamente os
provimentos judiciais; esses doutrinadores defendem a tese de que é necessário
avançar no sentido de introduzir no sistema processual pátrio medidas como o
contempt of court do direito anglo-americano, uma vez que embora este instituto
tenha inspirado o legislador brasileiro nas recentes reformas processuais
engendradas, as medidas mais incisivas, como a prisão civil por descumprimento de
ordens e decisões judiciais, não foram adotadas no Brasil; também defendem a
criminalização da conduta de descumprimento de ordem judiciais por parte dos
agentes públicos, uma vez que a conduta destes dificilmente se subsumiria às
figuras típicas geralmente invocadas (arts. 319 e 330 do Código Penal).
Por outro lado, parcela considerável da doutrina, especialmente os
processualistas comprometidos com a postura metodológica da busca constante de
aprimoramento do sistema processual e como processo de resultados, afirmam que
os mecanismos atualmente existentes, principalmente aqueles destinados à tutela
das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa, fundados nos artigos 461 e
461- A do Código de Processo Civil, se interpretados à luz dos valores consagrados
pelo ordenamento constitucional brasileiro, especialmente quando se trata da tutela
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dos direitos fundamentais, são suficientes para a efetivação dos direitos que por eles
podem ser tutelados, entre os quais, o direito à saúde.
Em nosso modesto ponto de vista a segunda corrente é a que mais se
coaduna com os escopos da processualística moderna e, por conseguinte, a tutela
das obrigações de fazer e de não fazer, especialmente quando se trata da tutela de
direitos fundamentais, como a assistência à saúde.
Isto porque a garantia do direito de ação expressa no art. 5o, inc. XXXV, da
Constituição Federal, assegura a obrigação do Estado de tutelar de forma concreta o
direito conferido pela ordem jurídica de forma abstrata, A apreciação na visão
instrumentalista do processo é legitimada pelos objetivos eleitos na Constituição e
pelos resultados concretos que dele advém.
Nesse sentido, o credor do direito à saúde, seja na esfera pública, seja na
esfera privada, tem o direito à obtenção do resultado específico da obrigação por
parte do devedor. Não cumprida voluntariamente a obrigação, o processo deve
dispor de técnicas destinadas a substituir a atuação do devedor ou de pressioná-lo a
cumprir o dever, de forma a obter o resultado específico ou equivalente,
praticamente como se a obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida.
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Anexos – Principais dispositivos legais do direito à saúde
1. �Declara��o Universal dos Direitos Humanos, que assumiu posi��o solene em
favor do direito à saúde, conforme consta do seu artigo 25:
"Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimenta��o, ao vestuário, ao
alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos servi�os sociais necessários; e
tem direito a seguran�a no desemprego, na doen�a, na invalidez, na viuvez, na
velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunst�ncias
independentes da sua vontade".
2 . �Pacto Internacional de Direitos Econ�micos, Sociais e Culturais, de 1966, artigo
12: "Os Estados-partes no Presente Pacto reconhecem direito de toda pessoa de
desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental."
3. �Pacto de San José da Costa Rica – Artigo 5� : "Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral". 4. Constitui��o Federal de 1988: "a dignidade da pessoa humana" (artigo 1o, inc. III); "inviolabilidade do direito à vida" (artigo 5�, caput) a "saúde como direito de todos e dever do Estado, de acesso universal e igualitário às a��es e aos servi�os para sua promo��o, prote��o e recupera��o (art. 196) e atendimento integral (art. 198, II).
5. LEI 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, apelidada de "Lei Org�nica da
Saúde", pela abrangência do seu conteúdo normativo. Referida lei disp�e sobre o
Sistema �nico de Saúde (SUS), previsto no artigo 198 da Constitui��o Federal,
dando-lhe a necessária implementa��o para funcionamento garantidor da prote��o à
saúde.
6. Lei 9.273/96, que torna obrigatória a inclus�o de dispositivo de seguran�a para
evitar a reutiliza��o das seringas descartáveis;
7. Lei 9.313/96, sobre distribui��o gratuita de medicamentos aos portadores e
doentes de AIDS;
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8. Lei 9.431/97, relativa a programas de controle de infec��es hospitalares;
9. Lei 9.434/97, sobre remo��o de órg�os e transplantes;
10. Lei 9.797/99, estabelecendo obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da
mama pela rede do SUS;
11. Lei 10.216/01 , sobre prote��o às pessoas portadoras de deficiências mentais;
12. Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso (arts. 15 e seguintes);
13. Lei 8.069/90 – ECA (art. 7� ao 15) ;
14. Lei 8078/90 – CDC (especialmente artigos 6� e incisos; 51 e incisos; 83; 84 e
parágrafos);
15. Lei 9.656 – Lei de Plano Privado de Assistência à Saúde (diversas vezes
modificadas por medidas provisórias).
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