Post on 30-Sep-2015
description
RENATURALIZAO DE PEQUENAS BACIAS HIDROGRFICAS EM
MEGACIDADES BRASILEIRAS: QUESTES PARA DISCUSSO
Mario Thadeu Leme de Barros1; Monica F.A. Porto2; Paulo Pellegrino3; Joo Luis B. Brando4; Sidnei Ono5 & Deise Assenci Ros6
RESUMO Este trabalho discute alguns aspectos ligados renaturalizao de bacias urbanas, enfocando primordialmente o problema das grandes metrpoles, ou como se chama hoje, das megacidades. Cidades ou reas metropolitanas como So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras so consideradas megacidades devido ao tamanho das suas populaes e devido ao padro de demanda que elas exibem em relao aos recursos naturais. As megacidades brasileiras enfrentam srios problemas relativos ao meio ambiente, em particular em relao s guas urbanas. Nos ltimos anos as cidades dos pases desenvolvidos implantaram uma nova filosofia para projetos que tratam do meio ambiente urbano, mais precisamente das bacias hidrogrficas, a chamada renaturalizao de bacias hidrogrficas. Esse conceito est se expandido para o Brasil para, fundamentalmente, melhorar a qualidade de vida do homem e dos seres vivos urbanos. Mas esses conceitos se aplicam ao Brasil? Como eles podem orientar os novos projetos de desenvolvimento das cidades? Como tratar desse tema no contexto do caos urbano das grandes cidades brasileiras? Enfim, qual o significado da renaturalizao no Brasil? Essas e outras questes so discutidas neste trabalho, utilizando como referncia de anlise o recente estudo feito para o Crrego Bananal localizado na cidade de So Paulo.
ABSTRACT This paper discusses some aspects related to the renaturalization of urban watersheds, focusing the problem in big cities or in mega cities. Metropolitan Brazilian cities like So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, etc and others are considerate mega cities due to its population and due to its natural resources demands. The mega cities face serious problems related to the environment, particularly in relation to the urban water. In recent years the city planners started using the old concept of ecosystem renaturalization mainly to small urban watersheds. Basically the idea behind this concept is to preserve and/or to reclaim degraded urban areas. This is a process to re-orient city planners and engineers in order to improve the urban standard of life. But how does this concept can be applied to Brazilian cities? How this concept can orient new infrastructure projects? How this concept can be applied considering the present chaotic situation of Brazilian mega cities? How the concept of the environment renaturalization can be applied to Brazilian cities? These questions are analyzed considering a recent project conducted at the Bananal river basin located at the city of So Paulo
Palavras-chave: renaturalizao de bacias hidrogrficas, plano de bacia urbana, gua urbana.
1 Professor Titular da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo; e-mail: mtbarros@usp.br 2 Professora Titular da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo; e-mail: mporto@usp.br 3 Professor Doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP;e-mail: prmpelle@usp.br 4 Professor Doutor da Escola de Engenharia de So Carlos USP;e-mail: jlbb@sc.usp.br 5 Mestrando da EPUSP/PHD; e-mail: e-mail:sidnei.ono@poli.usp.br 6 Doutoranda da EPUSP/PHD; e-mail: deiseros@usp.br
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 1
1. INTRODUO
O termo renaturalizao foi recentemente reconduzido, com destaque, aos projetos de engenharia
urbana, principalmente em estudos de planejamento do uso e ocupao do solo e em projetos de infra-
estrutura, principalmente daqueles que guardam relao com a gua urbana. Isso se deve, sobretudo, ao
estado de degradao ambiental das pequenas bacias hidrogrficas, estigmatizadas principalmente pelo
estado deplorvel das suas guas superficiais. Nos pases pobres isso mais evidente, pois onde
inexiste a coleta e o tratamento das guas residurias e onde as cargas difusas so extremamente
elevadas. Conseqentemente, as condies sanitrias dessas bacias so extremamente precrias.
Qual o sentido da renaturalizao das bacias hidrogrficas urbanas? Se for considerado o aspecto
ecolgico do termo, como ele se aplica aos ecossistemas urbanos? Cabe ento questionar os aspectos
que caracterizam o meio ambiente urbano. Quais so os recursos naturais que devem ser preservados?
Quais so os nichos ecolgicos que devem ser considerados? Como interpretar o conceito de teia
alimentar nesse ecossistema totalmente atpico, intensamente degradado pelas aes antrpicas? Como
considerar os ciclos de matria e de energia que compem esse ambiente, uma vez que esses ambientes
so importadores de recursos, tanto de matria como de energia? Enfim, diversos aspectos podem ser
questionados e todos eles merecem profunda reflexo quando aplicados ao meio ambiente urbano.
Nesse contexto, como integrar s operaes urbanas o conceito de renaturalizao? Ser que
simplesmente empregar conceitos clssicos de restaurao ambiental ou de recuperao de reas
degradadas se aplicam? Como pensar num novo ordenamento urbano diante desses novos critrios de
planejamento e de desenvolvimento de projetos?
Todas essas questes relativas renaturalizao tornam-se ainda mais crticas em reas
densamente povoadas, como so as megacidades (regies metropolitanas com populao superior a 10
milhes de habitantes). Nas cidades pobres, como no caso Brasil, se somam aos problemas de infra-
estrutura as questes sociais relacionadas falta de educao, sade e emprego, resultando numa
enorme populao pauprrima, vivendo em condies precrias, sem as mnimas condies de
sobrevivncia. O estado de degradao dessas cidades torna ainda mais obscuro o conceito de
renaturalizao. Poder-se-ia perguntar: Que ecossistema deve ser renaturalizado nas grandes cidades?
Como e porque renaturalizar? So perguntas que desafiam os planejadores e os gestores de cidades em
situao de desordem, em situao de elevada entropia ambiental.
A renaturalizao de um ecossistema guarda relao com os dois processos bsicos de tratamento
dos ecossistemas degradados: a restaurao e a recuperao. A restaurao busca conduzir o
ecossistema para condio natural original, enquanto que a recuperao no necessariamente implica
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 2
no retorno s estruturas originais do ecossistema. A recuperao busca um novo equilbrio entre os
fatores ambientais envolvidos no meio e induz a um novo estado de estabilidade dinmica. Percebe-se
ento que a renaturalizao de reas urbanas est mais prxima do conceito de recuperao do que de
restaurao. Acrescenta-se ainda a questo da proteo de reas ainda com cobertura vegetal, reas
constantemente ameaadas pela especulao imobiliria e pela populao marginalizada que procura
abrigo para sua sobrevivncia. Enfim todos esses tpicos devem ser considerados no processo de
renaturalizao.
Nos prximos itens pretende-se discutir alguns aspectos relacionados com a renaturalizao de
pequenas bacias urbanas de megacidades, considerando todos os aspectos acima mencionados.
2. ASPECTOS CONCEITUAIS
A renaturalizao objetiva implantar medidas de carter de proteo, de restaurao e de
recuperao dos ecossistemas. Esse conceito quando aplicado s bacias hidrogrficas se consubstancia
no desenvolvimento de projetos para executar essas trs medidas objetivando preservar fundamental as
propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do elemento gua, cobrindo todos os processos do seu ciclo,
areos, superficiais e subterrneos. De modo geral, a renaturalizao tem sido aplicada em regies
naturais para recuperao de ecossistemas ameaados, principalmente em regies de intensa atividade
agropecuria e/ou regies protegidas, como reas de mananciais, sujeitas a ocupaes e/ou aes
ilegais, como desmatamento, explorao mineral, etc. Em particular a renaturalizao parte
importante no plano de manejo de unidades de conservao, principalmente daquelas em situaes de
intensa degradao.
Mais recentemente a renaturalizao tem sido objeto de orientao de planos de recuperao de
reas urbanas, principalmente de grandes cidades dos pases desenvolvidos. Nessa linha, o objetivo
principal tem sido a renaturalizao da bacia hidrogrfica urbana, uma vez que ela rene muito bem, no
seu todo, o conceito de ecossistema urbano. O principal aspecto que levou a isso foi o aparente fracasso
da engenharia urbana em dar tratamento adequado s questes relativas a gua urbana. A questo da
coleta e do tratamento dos efluentes domsticos e industriais urbanos est relativamente equacionada
nos pases desenvolvidos, mas questes relativas ao controle de cheias e poluio difusa ainda desafia
os gestores urbanos. Isso vem re-orientando o planejamento das cidades no tocante as guas urbanas.
Nos EUA Schueler (2005) editou recentemente material que orienta os urbanistas em relao s
prticas de renaturalizao. Field et al. (2006) publicou recentes trabalhos envolvendo medidas de
preservao e de recuperao de bacias urbanas, medidas que tm sido citadas como prticas de boa
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 3
gesto urbana (BMP Best Management Practices). Elas se relacionam basicamente a medidas de
controle de quantidade e de qualidade do escoamento superficial em reas urbanas densamente
ocupadas, englobando tanto a micro drenagem como a macro drenagem. Riley (1998) sugere uma srie
de medidas para o restauro de rios nas cidades. Nas grandes cidades europias as propostas de
renaturalizao tambm tem sido objeto de projetos de interveno urbana, propostas interessantes
podem ser vistas em Moreira, Saraiva e Correia (2004). No Brasil cabe mencionar recente trabalho de
Tucci (2005).
A questo das guas urbanas nas grandes cidades dos pases em desenvolvimento tornou-se
crtica, o solo urbano totalmente degradado pela ocupao desordenada, aliado falta de coleta e de
tratamento dos esgotos, falta de coleta de resduos slidos, poluio excessiva do ar, etc. tornaram a
bacia urbana um ecossistema completamente degradado.
S recentemente o governo federal atravs do Estatuto da Cidade (lei federal 10.257/2001)
promulgou lei que obriga as cidades brasileiras a terem o seus planos diretores de planejamento e de
gesto. Muito do caos das cidades advm da falta de planejamento. fundamental considerar hoje as
prticas de renaturalizao nos planos diretores das cidades. Isso implica rever totalmente a ocupao
do espao urbano, em termos de infra-estrutura viria e de servios, de zoneamento, de reas de
recuperao e de preservao, de reas de expanso, etc. Tudo isso considerando os aspectos sociais,
econmicos e ambientais envolvidos, com destaque, no Brasil, para a questo da populao
marginalizada que vive em regies insalubres.
Entretanto, o processo de insero das propostas de renaturalizao no planejamento e no
desenvolvimento de projetos no simples. Pelo contrrio, a intensa urbanizao dos grandes centros,
h muito consolidada, dificulta qualquer proposta voltada renaturalizao de bacias, principalmente
pelos custos envolvidos em obras, desapropriaes, etc. Todavia, existem muitas possibilidades de se
impor, principalmente, s reas de expanso da cidade, legislao de uso e ocupao do solo baseada
nos elementos projetuais da renaturalizao.
Cabe neste ponto destacar, de modo sumrio, quais so os elementos bsicos da renaturalizao
de bacias urbanas. Em primeiro lugar, deve ser destacado que projetos de renaturalizao no so
executados por profissionais de uma rea especfica e sim por uma equipe multidisciplinar, onde
participam tcnicos de diversos setores relacionados ao meio ambiente urbano. A experincia do
primeiro autor em projetos de renaturalizao destaca a presena nessa equipe de especialistas em
hidrologia, geologia, pedologia, botnica, ecologia, morfologia fluvial, meteorologia, saneamento
ambiental, paisagismo, qualidade da gua, planejamento urbano, arqueologia, administrao pblica,
sociologia, assistncia social, sade pblica dentre outros. Projetos desse tipo so, portanto, de carter
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 4
multidisciplinar. Os aspectos comentados a seguir, sobre o processo de renaturalizao, se relacionam
basicamente aos aspectos de quantidade e qualidade da gua da bacia urbana, cruzando em certa
medida com as reas afins mencionadas acima.
Para as pequenas bacias urbanas de megacidades, em geral bacias com reas de drenagem
inferiores a 100 km2, pode ser relacionada uma srie de medidas que, basicamente, procura restaurar
e/ou preservar as propriedades hidrolgicas naturais. As medidas de renaturalizao esto associadas
aos meios atmosfricos, superficiais e subterrneos. Em relao ao meio atmosfrico destaca-se o papel
da recuperao da cobertura vegetal, que pode promover mudanas positivas em relao ao micro-
clima da regio, principalmente em reas prximas aos centros urbanos que sofrem os efeitos da ilha de
calor. Parmetros hidrometeorolgicos como precipitao, temperatura do ar, evaporao, etc sofrem
mudanas considerveis num ambiente vegetado, em geral os impactos ambientais urbanos
relacionados cobertura vegetal so extremamente positivos. no meio superficial que ocorrem as
grandes mudanas na regio com a insero das medidas de renaturalizao. Elas objetivam recuperar
os processos de infiltrao, aerao e de qualidade do solo, e nesse sentido, o papel da restaurao da
cobertura vegetal fundamental. As medidas de controle de cheias em lotes e em regies de intensa
impermeabilizao so fundamentais, existem diversas medidas para restaurar e/ou preservar a
infiltrao da precipitao no solo, diminuindo o volume de escoamento superficial gerado pela infra-
estrutura da cidade. Cabe aqui destacar o papel que as medidas de controle de infiltrao tm no
controle da poluio difusa gerada pela cidade, ou seja, resduos slidos, poeiras, graxas, etc. que so
carreados aos corpos dgua podem ser controlados por diversos dispositivos acoplados aos sistemas de
manuteno da permeabilidade do solo.
Ainda no aspecto superficial fundamental destacar as aes relativas rede de drenagem, micro
e macro drenagem, com destaque para as medidas de retardamento do escoamento superficial,
severamente transformado pela impermeabilizao. Nessa linha de ao se ressaltam os pequenos
reservatrios de deteno, popularmente chamados no Brasil de piscines. Outra tcnica de
retardamento a recuperao do traado original de rios, com o retorno dos seus meandros e em alguns
casos a destruio de canalizaes de concreto fechadas sob vias pblicas, para aumento da rugosidade
dos canais, possibilitando o retorno das caractersticas hidrulicas naturais dos cursos dgua. A
soluo de canalizar rios e confin-los em galerias subterrneas foi durante muitos anos adotada por
dois motivos, primeiro pelo aspecto sanitrio/esttico, uma vez que o esgoto no tratado, segundo
para fins de controle de cheias, sees de concreto com menor rugosidade, permitem maior capacidade
de descarga. Esse tipo de soluo se mostrou totalmente ineficaz, trazendo enormes problemas para a
cidade. Projetos mal executados, sem manuteno adequada, etc. se tornaram totalmente ineficientes.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 5
Esse tipo de soluo deve ser totalmente evitada, tanto pelos problemas tcnicos que causam como
pelos impactos ambientais negativos que produzem.
Os grandes impactos negativos da urbanizao se integram nos cursos dgua da cidade. O grau
de degradao do crrego, rio, etc. se evidencia em funo de diversos elementos: o aspecto do seu
traado, a condio de ocupao de suas reas marginais, a qualidade das suas guas, o lixo lanado nas
suas guas, a condio de sua vida aqutica (se houver), etc. tudo isso fornece um retrato da sua
condio presente. Portanto, as medidas de renaturalizao buscam reverter esse quadro de degradao.
Tem destaque, sobretudo, as interferncias feitas no leito e nas margens dos rios. A relao com a
engenharia de drenagem direta: a recuperao da suas marginais e a recomposio da vegetao
ripria, a recuperao do seu leito e das suas zonas de inundao, dentre outras medidas. Cabe destacar
aqui o papel que os chamados parques lineares tm no processo de renaturalizao. Os parques lineares
so em geral projetados ao longo dos crregos e rios e, essencialmente, exercem mltiplos papis
ambientais, destacando: a conservao de ambientes urbanos verdes (fauna e flora), a preservao de
matas ciliares, o controle da poluio difusa da cidade, a manuteno de reas de inundao naturais
dos rios, reas de lazer, etc. Enfim, uma obra de que produz uma srie de benefcios ambientais. Cabe
destacar o papel de parque linear associado aos reservatrios de deteno, na medida do possvel essas
obras devem estar conectadas, pois provocam uma sinergia ambiental positiva muito importante no
meio urbano.
Enfim, preciso que os projetistas de drenagem urbana se conscientizem dessas novas prticas de
projeto que consideram os aspectos ambientais da renaturalizao. Solues tradicionais de
canalizao, de cortes de meandros, de diminuio da rugosidade natural, etc. devem ser revistas luz
dessa nova filosofia de projeto. lgico que determinadas condicionantes tcnicas podero exigir
solues mais tradicionais do ponto de vista hidrulico, mas a tendncia daqui para frente ser adotar
medidas mais prximas daquelas que objetivam preservar as condies naturais dos canais e o do uso
do solo.
Como foi ressaltado anteriormente, as medidas de renaturalizao devem estar integradas com
outros fatores sociais e ambientais intervenientes. s medidas propostas se antecedem estudos e
levantamentos de dados dos mais variados tipos, para execuo dos estudos. Isso requer, por exemplo,
um amplo trabalho de monitoramento hidrolgico, de geologia, de pedologia, de qualidade da gua,
botnico, ecolgico, geolgico, etc. A qualidade dos estudos e, conseqentemente, dos projetos de
renaturalizao est diretamente associada disponibilidade de informaes disponveis. Esse de fato
um grande problema relacionado aos estudos ambientais urbanos. O EPA (2002) publicou importante
documento sobre o monitoramento e a avaliao das prticas de bom gerenciamento das guas urbanas.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 6
Finalmente cabe comentar dois aspectos significativos sobre a renaturalizao, principalmente em
megacidades brasileiras. O primeiro diz respeito tradicional anlise benefcio-custo. A eficincia
econmica dos projetos algo que deve sempre orientar a deciso, contudo a renaturalizao trata de
vrios aspectos ambientais que muitas vezes se enquadram nos chamados custos/benefcios intangveis,
para os quais a mensurao monetria de difcil avaliao. Certamente as obras de renaturalizao
quando confrontadas com outras obras tradicionais da engenharia no devem ser tratadas considerando
o enfoque puramente econmico, mas devem ser analisadas, por exemplo, com o enfoque de mltiplo
critrio, sobre isso consultar Barros (2005). O segundo ponto tem relao direta com a sade pblica.
As propostas de renaturalizao em megacidades pobres devem ser vistas com ressalvas quando
defrontadas com as pssimas condies sanitrias das bacias, principalmente com os esgotos lanados
in natura nos rios e com o lixo urbano no coletado, que acaba sendo depositado nos cursos dgua. A
renaturalizao passa necessariamente pelas obras de saneamento bsico, essa uma condio
necessria, obrigatria, para que as medidas produzam os resultados esperados.
Outro ponto importante diz respeito participao pblica no processo de desenvolvimento do
projeto de renaturalizao. Isso essencial porque, em geral, a renaturalizao envolve uma grande
parcela da populao que vive na bacia hidrogrfica. No caso das cidades brasileiras envolvem
principalmente a populao de baixa renda que vive nas margens de crregos, em zonas de morro, etc.
enfim em reas de enorme importncia de restauro ambiental, mas que apresentam enormes riscos
ambientais, como inundao, eroso e escorregamento de solo, etc. fundamental que os projetos
apresentem soluo definitiva para relocar essa populao. Alm disso, o processo de discusso e de
deciso deve ser feito em parceria com as comunidades da regio para viabilizar o empreendimento e
principalmente para que ele obtenha o retorno desejado em termos sociais, ambientais e econmicos.
A seguir, apresenta-se sumariamente um projeto experimental para uma pequena bacia urbana
que introduziu no seu desenvolvimento muito dos conceitos aqui discutidos. um projeto que
possibilita avaliar a implantao das medidas de renaturalizao em bacias de megacidades brasileiras.
3. ESTUDO DE CASO: CRREGO BANANAL EM SO PAULO
A figura 1 apresenta a bacia do Alto Tiet, onde est localizada a Regio Metropolitana de So
Paulo, com destaque para o mais importante que o rio Tiet. Um dos afluentes do Tiet na cidade de
So Paulo, adentrando seu canal pela margem direita, o rio Cabuu de Baixo. Um dos afluentes de
cabeceira do Cabuu de Baixo o crrego Bananal. Sua rea de drenagem est em destaque na mesma
figura 1.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 7
Figura 1 Alto Tiet, rios Cabuu de Baixo e Crrego Bananal (em destaque)
O estudo do Bananal foi feito com recursos do CTHIDRO/CNPq/FINEP do MCT, detalhes do
projeto podem ser vistos em Barros (2005). O projeto foi intitulado de Plano de Bacia Urbana. A idia
desse estudo surgiu em funo de dois aspectos tcnicos fundamentais, primeiro desenvolver um plano
de bacia com a mesma filosofia de gesto da gua adotada para as grandes bacias hidrogrficas,
conforme preconizado pela lei federal 9433/97, segundo, introduzir uma nova filosofia de projeto
envolvendo gua urbana a partir dos conceitos da renaturalizao, considerando todos os aspectos
socais, ambientais e econmicos. Desse modo, objetivou-se dar subsdios tcnicos para dar suporte s
aes relativas gua urbana num plano diretor da cidade.
O crrego Bananal foi escolhido para estudo pela suas caractersticas fsicas e pelos seus
problemas sociais e ambientais, tpicos da cidade de So Paulo. uma bacia que do ponto de vista
hidrolgico pode ser classificada como de cabeceira, com terrenos e cursos dgua rpidos, de elevada
declividade, produzindo cheias instantneas de elevado pico e de pequena durao. A Tabela 1
apresenta algumas caractersticas fsicas relevantes da bacia do Cabuu de Baixo, com destaque para o
crrego Bananal.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 8
Tabela 1 - Caractersticas Fsicas das Sub-Bacias do Cabuu de Baixo, com destaque para o Crrego Bananal
Sub-Bacia rea de
Drenagem (km2)
Declividade Mdia do Talvegue
(m/m)
Comprimento do Curso Principal
(km)
Permetro (km)
Tempo de Concentrao
(horas)
Bananal 13,61 0,0330 6,5 17,5 1,6
Itaguau 7,11 0,0376 6,5 11,5 1,2
Bispo 3,70 0,0371 8,3 10,1 0,8
Guara 9,67 0,0267 8,0 19,4 1,8
Cabuu de
Baixo 8,36 0,0017 7,5 19,9 1,0
Do ponto de vista ambiental uma rea importante para a cidade de So Paulo uma vez que
quase 50% da regio (margem esquerda) encontra-se em estado natural, florestada, protegida por lei
estadual, a chamada Serra da Cantareira. A outra metade da bacia (margem direita) est totalmente
ocupada por moradias, a maioria de baixa renda, instaladas muitas vezes em regies ngremes sujeitas a
escorregamentos. Destaca-se tambm o problema social de ocupao das reas marginais dos crregos
e de morros com favelas, sem as mnimas condies de higiene e de segurana para a populao que a
reside. Hoje tambm se destacam as reas invadidas na Serra da Cantareira, existe uma grande
populao que j consolidou a sua ocupao na margem esquerda. Essa ocupao considerada hoje
praticamente irreversvel. O prprio poder pblico j vem realizando obras de infra-estrutura nas
regies ocupadas. Resta rea ambiental evitar que as invases continuem e que a mata ainda existente
possa ser preservada. A figura 2 apresenta a ocupao atual da bacia.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 9
Ocupao Densa 36%
rea Exposta 3%
Legenda
Ocupao No Densa 8%
reas com Vegetao 53%
Figura 2 Ocupao do Solo na Bacia do rio Bananal
O estudo do Bananal foi precedido por um grande trabalho de monitoramento ambiental, com
destaque para a hidrologia, para a qualidade da gua (poluio difusa) e para a cobertura vegetal
remanescente na bacia e na Serra da Cantareira. Cabe salientar o trabalho pioneiro realizado para
caracterizao da cobertura vegetal, natural e extica, da bacia. Os dados foram reunidos num sistema
de informao geogrfica (SIG), talvez nico no Brasil em termos de pequena bacia urbana. Com base
nesses dados foi feito um amplo diagnstico da bacia, apontando os grandes problemas existentes. A
figura 3 apresenta um dos produtos desse diagnstico que foi um mapa de risco da bacia, onde se
cruzam informaes relativas falta de saneamento bsico, risco de escorregamento de solo e risco de
inundao. As cores indicam as reas crticas, conforme a combinao dos trs elementos.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos
10
relativo gua Urbana naFigura 3 Mapa de Risco bacia do crrego Bananal
Verifi ao e ao
escor
ea ribeirinha, praticamente coberta por
favela
ca-se que a zona ribeirinha a mais crtica devido ao risco de inund
regamento, na regio invadida da Serra da Cantareira faltam obras de saneamento, alm disso, so
reas de grande declividade, sofrendo eroso e escorregamento.
A figura 4 apresenta a regio mais problemtica que a r
s, totalmente insalubres. Essa populao no possui qualquer tipo de proteo sanitria. Na foto
da esquerda pode-se observar detalhe do crrego com as moradias ribeirinhas, existem algumas casas
de alvenaria, mas a maioria so barracos de madeira, construdos com material descartado, sem
qualquer tipo de estrutura e segurana. A foto da direita mostra uma escola construda na regio, na
rea de inundao do crrego, esta escola foi desativada dado o risco para seus alunos.
Figura 4 Ocupao Irregular das Margens do Bananal
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 11
fase seguinte do estudo foi o desenvolvimento do plano de bacia do Bananal. Cerca de seis
progr
recuperao das reas ribeirinhas
com a
e Cheias
Foram exaustivamente an iferentes propostas de obras,
concl
A
amas foram propostos para a bacia: controle de cheias, preservao e recuperao ambiental,
parque linear, relocao de pessoas em reas de risco e em reas de conservao ambiental, educao
ambiental e controle da poluio difusa e saneamento bsico. Os programas so bastante extensos e no
cabe aqui descrev-los na totalidade. Importante salientar que a linha mestra que orientou a
elaborao dos programas foi o aspecto de renaturalizao da rea.
Pela sua importncia ambiental, cabe destacar a proposta de
construo de um parque linear e obras complementares de controle de cheias. A rea crtica
considerada no estudo, com a mancha de inundao de 25 anos, pode ser vista na figura 5. Observa-se
que a jusante do trecho projetado existe hoje um reservatrio de deteno, chamado tambm de
Bananal. A rea de inundao para 25 anos cobre praticamente todas as casas e barracos construdos ao
longo do eixo do crrego.
Figura 5 rea Prevista Para Implantao do Parque Linear e Programa de Controle d(Mancha de Inundao para 25 anos)
alisadas pelo grupo de trabalho d
uindo-se com o desenvolvimento do parque linear cobrindo a mancha de 25 anos, juntamente com
melhorias nas condies hidrulicas do canal e a construo de um novo reservatrio de deteno a
montante deste trecho, chamado de Parque Corumb. Este reservatrio tambm est agregado ao
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 12
parque linear e possui lago permanente. Cabe ressaltar que na proposta de renaturalizao o
Reservatrio Bananal passa a ser um alagado construdo (wetland).
O parque linear do Bananal foi projetado de forma a compor um parque de acesso ao pblico,
servindo tanto de rea de lazer como rea de preservao ambiental. O paisagismo do parque foi
devidamente tratado com espcies nativas e totalmente conectado com o parque da Serra da Cantareira.
A figura 6 apresenta um resumo do projeto, cobrindo no s a rea do parque, mas toda a integrao
deste com outras aes de conservao ambiental da bacia. Este projeto compe o Plano de
Recuperao Ambiental e de Paisagem do Bananal (PRAP).
Figura 6 Plano de Recuperao Ambiental e de Paisagem do Bananal
Foram tambm montadas diversas figuras ilustrativas para servirem de material de divulgao e
de discusso do projeto com a populao local e com os administradores municipais. Elas permitem
visualizar a insero do parque na regio e desse modo, apresentar mais claramente os impactos
ambientais positivos que essas aes podem promover. A figura 7 mostra uma vista frontal da regio
hoje e o parque linear implantado.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos
13
Figura 7 Situao do Crrego Bananal Hoje a Aps as Aes de Recuperao Ambiental e
A figura 8 uma ilustrao do Parque Linear. Observar que o parque atua como um elemento de
retard
Paisagstica
o das cheias rpidas da bacia, preservando reas de inundao para 25 anos. Dependendo dos
recursos disponveis a rea pode ser ampliada para a mancha de 100 anos. O aspecto ldico do desenho
proposital tendo em vista facilitar a discusso com a populao local os benefcios ambientais da
obra.
Figura 8 Detalhe do Parque Linear do Bananal
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 14
figura 9 apresenta um detalhe interessante das ruas arborizadas, com caladas ecolgicas, ou
seja,
A figura 10 a relocao da
popul
A
com trincheiras e jardins para infiltrao. Percebe-se nesta imagem como a arborizao alivia a
impermeabilizao, alm de proporcionar sombreamentos que iro certamente diminuir a temperatura
ambiente. Este tipo de interveno tambm importante para conectar a cidade com a Serra da
Cantareira. A fauna da Serra da Cantareira pode se movimentar com este tipo de conexo, percorrendo
as reas urbanizadas.
Figura 9 Arborizao da Bacia e Conexes com as reas Verdes
tambm importante, pois a construo do parque ir exigir
ao hoje residente nas reas marginais do crrego. O estudo prope que essa populao seja
removida para edificaes na regio, por exemplo, para prdios de baixo custo na prpria rea marginal
do parque. fundamental que a relocao da populao seja feita na prpria regio, uma vez que ela j
est adaptada ao local. Na imagem da direita observa-se ao fundo exemplos dessa construo. Estima-
se que seja necessrio relocar cerca de 800 pessoas que vivem hoje nas reas ribeirinhas do crrego.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 15
custo do projeto verde e de controle de cheias, na sua totalidade, ou seja, incluindo todas as
aes
4. COMENTRIOS FINAIS
Ao longo deste trabalho foram apresentadas diversas questes que certamente iro propiciar
discu
ludas nos planos
direto
Figura 10 Imagem do Bananal Antes e Depois do Parque com detalhe das Novas Moradias para a Populao Relocada (lado direito).
O
previstas nos seis programas, foi estimado em R$ 23 milhes de reais. Foram adotadas tabelas de
custo usuais do poder municipal paulista, valores de outubro de 2005.
sses sobre o conceito de renaturalizao quando aplicado a bacias hidrogrficas de grandes
cidades brasileiras. As cidades do chamado primeiro mundo j h anos vm implantando essas medidas
de melhoria do ambiente urbano, com muito sucesso. As cidades brasileiras, por outro lado, resistem
em implantar medidas desse tipo. O estudo experimental feito para a bacia do crrego Bananal mostrou
que uma srie de medidas voltadas ao controle da gua urbana pode seguir os elementos projetuais da
renaturalizao, com custos razoveis e com impactos ambientais bastante positivos.
As proposies aqui sumariamente apresentadas podem ser perfeitamente inc
res das cidades. Elas permitem que em curto e/ou em mdio prazo alguns dos mais importantes
problemas ambientais urbanos, como inundaes, qualidade ambiental, riscos de eroso e
escorregamento, etc. possam ser reduzidos. Alm disso, as medidas de renaturalizao recuperam e
preservam a fauna e flora urbana, to essenciais para a melhoria da qualidade de vida da populao e
dos ecossistemas urbanos. Cabe ressaltar que esse processo no caso brasileiro parte de um plano
maior voltado reduo dos impactos da pobreza e da sub-moradia nas grandes cidades.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 16
Do ponto de vista tcnico muitos elementos da renaturalizao urbana ainda requerem pesquisas.
Os impactos da renaturalizao no ciclo da gua das bacias urbanas precisam ser melhor avaliados,
nesse sentido, fundamental investir em monitoramento ambiental, tanto de qualidade como de
quantidade. Alis, melhoria da qualidade ambiental dos ecossistemas significa investimentos em
monitoramento, na maior escala possvel. Outro ponto a necessidade de integrao dos estudos de
gua urbana com outras reas do conhecimento. A experincia do trabalho multidisciplinar do Bananal
mostrou a importncia de se correlacionar as pesquisas em cincias exatas com as cincias humanas.
Enfim, a renaturalizao um tema ainda aberto a pesquisas no meio acadmico. Os autores esto
envolvidos com projetos de pesquisa nesse tema, contatos podem ser feitos via e-mail.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ASCE, USEPA, Urban Stormwater BMP Performance Monitoring, USA, April, 2002.
BARROS, M.T.L. (coordenador), Plano de Bacia Urbana do Crrego Bananal,
CTHIDRO/CNPq/FINEP, EPUSP, So Paulo, Outubro de 2005.
Field, R., Struck, S.D., Tafuri, A.N. and Ports, M.A., BMP Technology in Urban Watersheds, ASCE,
2006.
Lei 9433/97 Poltica Nacional de Recursos Hdricos.
Lei 10.257/2001 Estatuto da Cidade.
MOREIRA, I., SARAIVA, M.G. e CORREIA, F.N., Gesto Ambiental de Sistemas Fluviais Aplicao
Bacia Hidrogrfica do rio Sado, ISA Press, 2004.
RILEY, A.L., Restoring Streams in Cities, Island Press, Washington DC, Covelo, California, 1998.
SCHUELER, T., An Integrated Framework to Restore Small Urban Watersheds, USEPA, Washington
DC, February, 2005.
TUCCI, C.E.M., Gesto das Inundaes Urbanas, GWP, UNESCO, Junho, 2005.
XVII Simpsio Brasileiro de Recursos Hdricos 17
INTRODUOASPECTOS CONCEITUAISESTUDO DE CASO: CRREGO BANANAL EM SO PAULOCOMENTRIOS FINAIS