Post on 18-Jan-2016
Resenha do livro de David Harvey “Condição Pós-Moderna”
8 de junho de 2011 Categoria: Ideias & Debates
Comentar | ImprimirO materialismo histórico-geográfico é um modo de pesquisa aberto e dialético, em vez de um corpo fixo e fechado de compreensões. Por Paulo MarçaioliO autorDavid Harvey é um geógrafo britânico, professor de universidades norte-americanas. Suas pesquisas são focadas particularmente sobre o estudo das cidades – as análises sobre as implicações econômicas, sobre a arquitetura das cidades e as noções de espaço-tempo discutidas em Condição Pós-Moderna sinalizam o diálogo particular de Harvey com a geografia. Condição Pós-Moderna é o seu terceiro livro, tendo sido lançado no Brasil em 1993 [*].Visão panorâmica da condição pós-moderna“O novo valor atribuído ao transitório, ao fugidio e ao efêmero, a própria celebração do dinamismo, revelam um anseio por um presente estável, imaculado e não corrompido” – Jürgen Habermas, citado por David Harvey.
O livro de Harvey tem seu formato pensado e organizado de maneira a oferecer uma crítica dialética do que é apresentado como “condição pós-moderna”. O significado dialético da análise de Harvey refere-se ao esforço de confrontar as tendências da arte, da arquitetura, da filosofia e da política pós-modernas com as exigências econômicas decorrentes dos ciclos de expansão e crise do capitalismo. É nesse sentido que toda a análise de Harvey acerca da “Condição Pós-Moderna” diz respeito a certa condição histórico-geográfica.O próprio autor dá uma boa síntese das suas preocupações e objetivos da obra.“Por meio do primeiro (materialismo histórico), podemos compreender a pós-modernidade como uma condição histórico-geográfica. Com essa base crítica, torna-se possível lançar um contra-ataque da narrativa contra a imagem, da ética contra a estética e de um projeto de Vir-a-Ser em vez de Ser, buscando a unidade no interior da diferença, embora um contexto em que o poder da imagem e da estética, os problemas da compreensão do tempo-espaço e a importância da geopolítica e da alteridade sejam claramente entendidos”. (Pg. 325)Destacamos a ponderação final do autor: reconhecer a necessidade de ampliar o campo de compreensão da alteridade e o que ele chama de novas relações de “tempo-espaço” também deve ser objeto das análises críticas. Se a intenção geral de Harvey nos pareceu lançar uma crítica sobre a condição pós-moderna, se apropriando da dialética e da ideia do materialismo histórico, sua opção metodológica não implica na mera negação “em bloco” dos questionamentos dos desafios teórico-metodológicos colocados pela “condição pós-moderna”. Muito pelo contrário: há, sim, o esforço de se promover uma “renovação do materialismo histórico-geográfico (que) pode na verdade promover a adesão a uma nova versão de projeto do Iluminismo”.Outro aspecto interessante da obra, e que igualmente sinaliza a apropriação da dialética como fonte de crítica social, é a própria forma como o ensaio é dividido. As quatro partes do texto
complementam e confrontam ideias entre si, de maneira que a parte 4 (Condição Pós-Moderna) corresponde a uma síntese das discussões acerca do significado geral das mudanças culturais, geográficas (ideia de espaço-tempo) e políticas da fase da acumulação flexível.Breve síntese do ensaioNa Parte I, “A Passagem da Modernidade à Pós-Modernidade na Cultura Contemporânea”, são apresentados em linhas gerais os elementos que configuram a estética pós-moderna, destacando-se especialmente a arquitetura, de maneira a introduzir o debate, ilustrando a forma como a condição pós-moderna se situa no espaço urbano, na arte, na publicidade, nos meios de comunicação. Há a exposição da forma como o discurso da pós-modernidade incide no cotidiano, sugerindo a atualidade do debate. Neste momento, ainda não identificamos as posições políticas do autor com relação ao problema.Na Parte II, “A Transformação Político-Econômica do Capitalismo do Final do séc. XX”, as atenções do autor voltam-se para as relações econômicas, e particularmente o momento de transição das formas de organização do trabalho. A transição do modelo fordista ao modelo da “acumulação flexível” passa a subsidiar o entendimento materialista histórico-geográfico da condição pós-moderna. A definição de acumulação flexível parece ser do próprio autor (não conhecemos a origem da expressão) e é amplamente descrita, a partir de gráficos e tabelas, como momento da reestruturação produtiva do capitalismo a partir dos anos 1970.“A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”.
«Será que chegou a hora de olhar para além do capitalismo, em direcção a uma nova ordem social que nos permita viver num sistema responsável, justo e humano?»
Evidentemente, as mudanças econômicas exigem transformações nos discursos que dão sustentação à natureza ideológica do trabalho. Harvey identifica autores que falam em “fim do trabalho”, particularmente Gorz, com distorções que têm a ver com a condição pós-moderna.Na Parte III, na nossa opinião o momento mais complexo e difícil do texto, Harvey discute as experiências do espaço-tempo ao longo da história: do começo da modernidade, referindo-se às mudanças das noções de espaço e tempo decorrentes das transformações tecnológicas, políticas e sociais do início da modernidade, o sentido de tempo e espaço dentro do projeto iluminista e, talvez o capítulo mais interessante do livro, a discussão do tempo e espaço no cinema pós-moderno a partir de análises dos filmes “Blade Runner”, de Ridley Scott, e “Asas do Desejo”, do cineasta alemão Wim Wenders.
O que há de comum nas duas películas é a forma como é retratado o espaço-tempo na pós-modernidade. A tese de Harvey é a de que, ao contrário do momento iluminista em que a noção do “Vir-a-Ser” tem importância central na percepção social do tempo e do espaço – remetendo, na nossa interpretação, a uma história dotada de sentidos – a condição pós-moderna, ao afastar o “Vir-a-Ser” e instaurar a hegemonia do “Ser”, implica numa crise de representatividade do tempo e do espaço, dinamizada pela lógica da acumulação flexível. No Caso de “Blade Runner”, a crise diz respeito às experiências dos “Replicantes”, espécies de robôs fabricados à imagem e semelhança dos homens, que têm sentimentos, mas não têm história de vida: são simulacros de pessoas que, ao final do filme, pouco se diferenciam dos homens enquanto sujeitos sociais e históricos. As diferentes noções de tempo e espaço, vivenciadas por personagens que convivem e interagem, também aparecem em “Asas do Desejo”, estabelecendo relações entre homens e anjos, mortais e imortais, pouco se podendo diferenciar passado, presente e futuro.Tais exemplos sinalizam aquilo que se chama de crise da representatividade do Tempo e Espaço. Mais uma vez, o desafio aqui é identificar tais crises não enquanto inevitabilidades que corroboram uma visão irracionalista da vida – aquilo que Carlos Nelson Coutinho diria ser a “Miséria da Razão”.O desafio é transpor os discursos ideológicos identificando as crises de representação enquanto partes de um determinado desenvolvimento histórico pautado por exigências econômicas e pelos conflitos de classe. Este é o termo a que se chega na Parte IV. Há aqui uma proposta de síntese, sinalizando, dentre outros, os desafios colocados pela Condição Pós-Moderna àqueles que lutam por uma sociedade que, nas palavras de Harvey, equipare as potencialidades econômicas às necessidades humanas, o que quer dizer socialismo.O materialismo histórico frente à crise da representação do espaço-tempoO sentido e as implicações gerais da Condição Pós-Moderna podem não ter sido bem captadas pela esquerda, de maneira a não contrapor as críticas acerca da “insuficiência” ou “reducionismo” do materialismo histórico e dialético frente às esferas culturais e políticas da era da acumulação flexível. Particularmente, a reflexão acerca da crise das representações de tempo-espaço deve ser objeto de atenção, até para se considerar em que medida formas de organização e intervenção política anticapitalistas podem estar desgastadas frente às circunstâncias tecnológicas e sociais que viabilizam trocas de experiência e de ideias em curto espaço de tempo. Ações diretas, lutas espontâneas, intervenções lúdicas e poéticas podem somar-se às tradicionais formas de resistência e mobilização, contrapondo a crise de representação de tempo-espaço a uma percepção humanista e dotada de sentidos acerca do tempo e do espaço. Capacitar estudantes e trabalhadores a serem protagonistas históricos significa também combater os discursos de fragmentação ou eliminação da história, decorrentes daquela crise de representação.
David Harvey
Harvey elenca quatro itens que, no nosso entendimento, bem corresponderiam a quatro novas exigências de estudo por parte da esquerda diante da era da acumulação flexível. Vale a pena citar os quatro desafios, a título de conclusão.1. O tratamento da diferença e da “alteridade” não como uma coisa a ser acrescentada a categorias marxistas mais fundamentais (como classe e forças produtivas), mas como algo que deveria estar onipresente desde o início em toda tentativa de apreensão da dialética da mudança social. A importância da recuperação de aspectos da organização social como raça, gênero, religião, no âmbito do quadro geral da investigação materialista histórica (com a sua ênfase no poder do dinheiro e na circulação do capital) e da política de classe (com sua ênfase na unidade da luta emancipatória) não pode ser superestimada”.2. Um reconhecimento de que a produção de imagens e discursos é uma faceta importante de atividade que tem que ser analisada como parte integrante da reprodução e transformação de toda ordem simbólica. As práticas estéticas e culturais devem ser levadas em conta, merecendo as condições de sua produção cuidadosa atenção.3. Um reconhecimento de que as dimensões do espaço e do tempo são relevantes, e de que há geografias reais de ação social, territórios e espaços de poder reais e metafóricos que se tornam vitais como forças organizadoras na geopolítica do capitalismo, ao mesmo tempo em que são sede de inúmeras diferenças e alteridades que têm de ser compreendidas tanto por si mesmas quanto no âmbito da lógica global do desenvolvimento capitalista. O materialismo histórico finalmente começa a levar a sério sua geografia.4. O materialismo histórico-geográfico é um modo de pesquisa aberto e dialético, em vez de um corpo fixo e fechado de compreensões. A metateoria não é uma afirmação de verdade total, e sim uma tentativa de chegar a um acordo com as verdades históricas e geográficas que caracterizam o capitalismo, tanto em geral como em sua fase presente”.Nota[*] Resenha dedicada ao Rodrigo Araújo, que me indicou a leitura deste livro há um tempo atrás. A obra foi publicada pela Editora Loyola.
David Harvey: As transformações político-econômicas do capitalismo no final do século XXPublicado em 09/07/2010 por petcsEquipe:
Bernardo Sabat, Camila Teixeira, Gustavo Almeida, Laura Dornelles, Leonardo Nóbrega, Luiza
Ramos, Ricardo Moura, Paula Sophia Branco
Introdução
Partir de uma análise sobre as transformações no âmbito político e econômico no capitalismo no
século XX é imprescindível à compreensão dos fenômenos nos mais variados campos do que hoje
chamamos de modernidade e pós-modernidade.
As transformações que ocorreram no capitalismo no século XX, principalmente no final dele,
foram de uma profundidade e importância sentidas até os dias de hoje. Inicialmente pensando na
análise que David Harvey elabora, voltamos a Marx pra encontrar a interconexão necessária entre
as bases e as superestruturas, e a influência e o diálogo existentes entre economia, política,
cultura, religião e outras esferas sociais. Kumar também explicita em seu trabalho o quão válido é
entender as transformações nos modos de produção e acumulação capitalista ao longo do século
XX e suas crises no final desse século para que se compreendam inclusive as diferenças entre a
modernidade e a pós-modernidade.
No ocidente, as sociedades ainda se pautam no lucro como meio organizador da produção e da
vida econômica. Portanto, ainda hoje, as regras do capitalismo operam na distribuição mundial do
tempo e do espaço, visando à otimização do capital. Para desenvolver tal argumento, Harvey
utiliza-se da linguagem da Escola de Regulação, cujo argumento principal baseia-se no pressuposto
de que para um regime de acumulação funcionar é preciso manter uma configuração entre os
comportamentos de todo tipo de indivíduo – para que garanta a unidade do processo – somado
ao esquema de reprodução do sistema vigente. Isto é, a materialização do regime de acumulação
é sustentada por meio de leis, normas, hábitos. O modo de regulamentação, logo, é a consistência
apropriada entre os comportamentos individuais e o esquema de reprodução, ilustrado por esses
hábitos e costumes.
Entretanto, o sistema capitalista é altamente dinâmico, e por isso abarca hábitos, práticas políticas
e culturas as mais diversas. Daí demonstra-se a estabilidade apenas aparente desse sistema – tal
como Marx já dizia, que o capitalismo é um sistema cuja propensão à crise é intrínseca. Harvey
enumera alguns problemas do sistema capitalista, dentre os quais o mercado de fixação de preços
ser anárquico – a mão invisível de Adam Smith nunca funcionou perfeitamente. Normalmente, a
regulamentação e intervenção do Estado surgem pra consertar as falhas do mercado, evitar
concentração de poder e fornecer bens coletivos que o mercado não oferece.
Em resumo, Harvey vai dizer que as pressões coletivas exercidas pelo Estado e por outras
instituições sociais somadas ao poder e domínio das grandes corporações afetam a dinâmica do
capitalismo. Essas pressões podem ser diretas, com imposição do controle dos salários e preços
das mercadorias, por exemplo, ou indiretas, por meio de propagandas que visam a legitimação das
intenções do sistema.
Outro problema visto por Harvey do atual modo de produção capitalista encontra-se no controle
social das capacidades físicas e mentais ditado pelo sistema na socialização do trabalhador nas
condições de produção capitalista. Boa parte dos conhecimentos e das decisões técnicas está
distante da pessoa que de fato faz o trabalho – a alienação já representada no O Capital. Os meios
de comunicação de massa, as instituições religiosas e educacionais, o Estado e outras organizações
formam ideologias dominantes que cercam o modo de produção capitalista, dificultando a
organização da força de trabalho.
O Fordismo
O fordismo deve ser encarado muito mais como um modo de vida total do que um sistema de
produção em massa. Sua data inicial simbólica situa-se em 1914 quando Henry Ford estabelece
seu dia de oito horas e 5 dólares. As inovações tecnológicas e organizacionais de Ford, entretanto,
eram mera extensão de tendências bem estabelecidas. Ainda assim ao fazer o trabalho chegar ao
trabalhador numa posição fixa, ele atingi dramáticos ganhos de produtividade. O especial em Ford
era o seu reconhecimento de que produção em massa significava consumo em massa, mas mais
do que isso: um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.
Para Gramsci o americanismo e o fordismo implicavam na criação de um novo tipo de homem, os
métodos de trabalho são inseparáveis da forma de conceber a vida. Nesse sentido o dia de oito
horas só em parte tinha haver com a disciplinarização do trabalhador em relação à operação do
sistema de alta produtividade, também era dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer
suficientes para que eles próprios consumissem os produtos produzidos em massa.
O fordismo porém, apenas se estabelece como sistema numa história de meio século. A
disseminação dele encontrou algumas resistências, como a não aceitação por parte dos
trabalhadores de um sistema com longas horas de trabalho rotinizado. Também foi necessário
criar novos mecanismos de regulação e intervenção estatal. Após 1945 o fordismo, agora um
sistema plenamente distinto e acabado, alinha-se ao keynesianismo e o capitalismo vive um surto
de expansão internacionalista. Mas esse crescimento foi acompanhado por uma série de
compromissos e reposicionamentos dos principais autores do desenvolvimento capitalista. O
Estado assume novos papéis (keynesianos); o capital ajusta as velas para continuar na trilha da
lucratividade segura e o trabalho organizado assume também novos papéis e funções. Assim
tínhamos um equilíbrio de poder entre esses três agentes.
Assim, a expansão internacional do fordismo ocorreu numa conjuntura particular de
regulamentação político-econômica mundial – no período entre guerras com a disseminação
sistemática da economia planejada e no pós guerra com seu estabelecimento auxiliado pelo Plano
Marshal – e uma configuração geopolítica em que os EUA dominavam por meio de um sistema
bem definido de alianças militares e relações de poder.
Os sindicatos sofreram um ataque às formas tradicionais e radiciais de organização, mantiveram-
se sob controle e possibilitaram uma nova fase das relações de classe, conducentes ao fordismo.
Sua nova função na cadeia de produção fordista era a cooperação na disciplinarização do trabalho
em troca de ganhos salariais reais. Essa posição era muito criticada por outros setores e minorias
excluídas. Os sindicatos eram acusados de resolver apenas os interesses internos de seus próprios
membros e abandonar preocupações socialistas mais radicais. A contra-cultura era paralela aos
movimentos das minorias excluídas e à crítica da racionalidade burocrática despersonalizada.
Todas essas correntes de oposição começaram a se fundir e formar um amplo e forte movimento
num momento em que o fordismo parecia estar no apogeu.
O fordismo garantiu um aumento dos padrões de vida das populações dos países capitalistas
avançados e garantiu um ambiente relativamente estável para os lucros corporativos, até a aguda
recessão a partir de 1973, quando começara a se erguer um novo sistema de acumulação.
Do Fordismo à Acumulação Flexível
Após a reconstrução da Europa e do Japão, no final dos anos 60, o fordismo começou a
demonstrar indícios de sérios problemas estruturais. Com as economias reconstruídas, esses
países deixaram de ser consumidores da indústria americana e passaram a constituir mercados
concorrentes na busca por novas fronteiras.
Também nessa época, começaram as políticas de substituição de importações nos países do
Terceiro Mundo, particularmente na América Latina. Juntamente com os Tigres Asiáticos, esses
países, com seus contratos de trabalho fracos ou inexistentes, passaram também a entrar na
concorrência internacional da busca por mercados.
O período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e
keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. O modelo fordista se mostrava
rígido em sua demanda por investimentos de capital em larga escala em mercados onde apenas se
presumia o crescimento estável do mercado de consumo. Os compromissos do Estado para
manter a legitimidade do sistema na forma de programas de assistência evidenciaram as práticas
keynesianas como inflacionárias. Quando se tentava superar de alguma forma a rigidez dessas
praticas, se esbarrava no poder e nas reivindicações da classe trabalhadora.
O mundo capitalista estava sendo afogado pelo excesso de fundos, resultado da política de
emissão de moeda com o intuito de honrar os compromissos do Estado americano. Com as áreas
produtivas reduzidas para investimento, esse excesso significava forte inflação.
No ano de 1973 uma crise dos mercados imobiliários se anunciava nos países capitalistas
avançados. Com a guerra árabe-israelense, a OPEP aumenta vertiginosamente os preços do
petróleo e os árabes embargam a exportação de petróleo para o Ocidente. Com restrição na
principal matriz energética, os custos de produção aumentam e geram estagnação das principais
economias do mundo capitalista. Aliado à forte inflação, esse fenômeno ficou conhecido como
estagflação.
Nesse espaço social gerado pelas oscilações econômicas e incertezas da recessão de 1973,
começaram a se delinear uma série de novas experiências nos domínios da organização industrial
e da vida, tanto política quanto socialmente. Acumulação flexível é um conceito utilizado por
David Harvey para caracterizar uma série de práticas com o intuito de quebrar a rigidez do
fordismo. A mudança tecnológica constante, a automação, a busca de novas linhas de produtos e
nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas onde o controle do trabalho se dá mais
facilmente, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital passam, então, ao
primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência.
A organizacao industrial que antes se pautava na produção em larga escala passa por uma drastica
transformacao e a produção em escopo passa a superá-la. Essa forma de produção em pequenas
quantidades permite alcancar públicos cada vez mais especificos e acompanhar as rápidas
transformações dos padroes de consumo. A esta tendencia esta alidao o fenomeno da
subcontratacao e as fusoes de grandes corporacoes.
Grandes empresas tem trabalhado cada vez mais subcontratando empresas menores. Essas
pequenas esmpresas prestam servicos que vao desde o desenvolvimento de uma campanha
publicitaria, a producao de uma etapa do produto ou ate mesmo a producao da total do produto,
onde a grande empresa aparece apenas para colocar sua marca e revende-lo. O aumento das
subcontratacoes intensificou o surgimento de pequenas empresas, inclusive algumas com
organizacao paternalista ou familiar.
A fusoes de grandes corporacoes aparecem com o intuito de diversificar a producao. O que
importa é aumentar a lucratividade e por isso, é preciso produzir aquilo que esta em alta. A
questao não é mais produzir aço ou roupas, e simdiversificar a producao de forma que se possa
lucrar com o maior numero de possibilidades.
Essas mudancas aliadas a outros problemas, como o aumento do desemprego gerado pela crise de
1973, levaram a um enfraquecimento do poder sindical. A subcontratacao possibilita uma maior
flexibilidade dos contratos, como a grande empresa nao tem um vinculo direto com o trabalhador,
dispensá-lo é muito simples. Por outro lado, o surgimento de empresas com organizacao
paternalista impossibilita que se estabeleca uma relacao classica entre trabalhador e empregado
e, tambem, por serem pequenos negocios, impedem o surgimento de um forte poder sindical.
No sistema de acumulacao flexivel, as empresas estao preocupadas em diminuir cada vez mais o
numero de trabalhadores fixos. Aumentam a quantidade de empregados em tempo integral com
habilidades facilmente encontratas no mercado de trabalho, que se caracteriza por uma alta taxa
de rotatividade; bem como os de profissionais altamente capacidados, que ganham altos salários
mas substituem, com suas habilidades de operar e fiscalizar linhas de produção automatizadas,
grandes quantidades de trabalhadores fixos sem qualificação.
Estas caracteristicas da acumulacao flexivel, para alguns teoricos, significariam que o capitalismo
estaria ficando desorganizado. A posicao de Harvey eh contraria a estas ideias, ele sugere que o
capitalismo esta ficando cada vez mais organizado e coloca dois fatores que seriam responsaveis
por essa organizacao: a informacao e a internacionalizacao do mercado financeiro.
Teorizando a Transição
David Harvey começa o capítulo – Teorizando a Transição – colocando a dificuldade de apreender
teoricamente a lógica, senão a necessidade de transição. Esta transição do fordismo para a
acumulação flexível trouxe sérios dilemas para os teóricos. A natureza desta possível transição foi
a primeira dificuldade a ser estabelecida, sendo exposto por Harvey três relatos de origem da
transição. Relatos de Halal, de Lash e Urry e o terceiro de Swyngedouw, em que o autor dá
preferência à interpretação. Swyngedouw se baseia na escola da regulamentação, ao mesmo
tempo em que aceita a transição na corrente principal da economia política marxiana. A qual
Harvey vai se guiar para construir seu argumento a respeito da transição.
Baseado na teoria do capitalismo de Marx, David coloca os “elementos e relações invariantes” de
um modo capitalista de produção como elementos fundamentais de sua argumentação,
chamando atenção para três características em especial: o capitalismo é orientado para o
crescimento, o crescimento é apoiado na exploração do trabalho vivo, e há – no capitalismo – a
necessidade de dinamismo tecnológico e organizacional.
Marx foi capaz de mostrar que essas três condições necessárias ao modo capitalista de produção
eram inconsistentes e contraditórias, e que, por isso, a dinâmica do capitalismo era propensa a
crises. As condições que prevaleciam nos anos 30 e que surgiram periodicamente desde 1973 têm
de ser consideradas manifestações típicas da tendência de superacumulação. Então a grande
preocupação que se coloca é como absorver e administrar essa tendência de modo que não
ameace a ordem social capitalista.
Harvey enumera algumas dessas escolhas: desvalorização de mercadorias, de capacidade
produtiva, do valor do dinheiro, como uma desvalorização/cancelamento do valor dos bens de
capital, a liquidação de estoques excedentes ou a erosão inflacionária do poder do dinheiro. O
controle macroeconômico seria estabelecido por meio da institucionalização de algum sistema de
regulação, para que se contenha o problema da superacumulação e a absorção de
superacumulação, por intermédio do deslocamento temporal e espacial. No deslocamento
temporal há a absorção do excedente de capital e de trabalho, pela sua retirada do consumo
corrente para investimentos públicos e privados de longo prazo. O deslocamento espacial
compreende a absorção da superacumulação pela expansão geográfica do capital e do trabalho
excedentes, promovendo a produção de novos espaços dentro das quais a produção capitalista
possa prosseguir.
Depois de analisar algumas escolhas que os capitalistas poderiam fazer para tentar administrar a
tendência de superacumulação inerente ao capitalismo, David Harvey David Harvey explana como
o fordismo, e posteriormente o capitalismo flexível, tentaram resolver as crises causadas por essa
tendência.
O sistema fordista, como um sistema de modo de produção total, do qual o controle do mercado
por meio de uma intervenção estatal, da ação coletiva e do controle do emprego da força de
trabalho cria não só um novo tipo de trabalhador, mas um novo tipo de homem, usa do controle
macroeconômico como a principal forma de conter e mediar as crises causadas pelas contradições
internas do capitalismo. Assim, por meio de um gerenciamento estatal o fordismo usa a
intervenção do estado para dosar o ritmo da produção tecnológica e organizacional restringindo a
luta de classes – por intermédio de uma intervenção direta ou uma negociação coletiva.
Outro artifício do sistema fordista foi o deslocamento espacial causado pela suburbanização. O
crescimento das cidades para fora dos limites dela faz com que haja um deslocamento de pessoas,
indústrias, mercadorias e serviços das áreas centrais para as periferias. Em termos internacionais,
o deslocamento espacial se deu na reconstrução das economias da Europa Ocidental e do Japão. O
deslocamento temporal também foi utilizado pelo fordismo como meio de controlar a
superacumulação. O estado fordista continha suas inflações através de empréstimos a América
Latina, onde esse capital era revertido na construção de infra-estrutura ao longo prazo.
Contudo, as iniciativas do modo de produção fordista para conter as crises causadas pela
superacumulação não foram capazes de se sobreporem as incoerências e contradições do
capitalismo, e o esgotamento de opções para lidar com esse problema resultou em crises
geográficas, geopolíticas e de endividamento.
O capitalismo flexível, então, vai enquadrar-se como uma recombinação de estratégias a procura
do lucro. Assim, por meio do uso da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa o capitalismo
flexível irá usar o aumento da exploração do trabalhador como meio de obter lucros. Entendesse
por mais-valia, a partir da concepção de Marx, como a taxa de exploração – que gera lucro – sobre
um trabalho controlado de uma classe que produz mercadorias. O valor da mercadoria se
determina pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. A diferença entre
o valor salário e valor produzido pelo trabalho é a mais-valia. Na mais-valia absoluta a taxa de
exploração do trabalhador aumenta – e assim aumenta o lucro – por meio do aumento da jornada
de trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora
em um determinado padrão de vida. O valor trabalho é fixo, e com o aumento da jornada de
trabalho, há o aumento da mais-valia. A mais-valia absoluta pode também obter lucro através da
intensidade do trabalho. É como se o trabalhador condensasse 12 horas de trabalho em 8 horas. O
valor salário permanece o mesmo, porém a intensidade do trabalho aumenta.
O aumento da jornada de trabalho ou a intensidade do trabalho somado com a redução do padrão
de vida através da erosão do salário real e a transferência do capital corporativo para zonas onde
o salário são mais baixos – deslocamento espacial – serão facetas encontradas, pelo capitalismo
flexível, para aumentar a sua acumulação a partir do aumento da exploração da classe
trabalhadora.
A mais-valia relativa gera lucros temporários ampliando a produtividade física do trabalho por via
da mecanização. Assim, há uma diminuição do tempo de trabalho necessário para que o
trabalhador crie um valor equivalente ao de sua força de produção. A mais-valia relativa enfatiza o
trabalho altamente especializado. A mobilização do trabalho intelectual gera acumulação.
O uso da mais-valia e o aumento da exploração do trabalhador já eram tendências previstas por
Marx no século XVIII. O que David Harvey chama atenção, e que não estava presente na análise de
Marx, foi um retorno, no capitalismo flexível, ao sistema de trabalho doméstico, familiar e
paternalista. Manufatura e grande industria conviviam no suposto novo modo de produção
capitalista.
Acumulação flexível: transformação sólida ou reparo temporário?
Harvey parte para uma conclusão de suas idéias sobre a acumulação flexível, mesmo atentando
para o fato de que essas conclusões são passiveis de alteração. Inicia afirmando que existem três
grandes tendências para se enxergar o fenômeno. A primeira delas tem como referencia Piore e
Sabel e defende que as mudanças estão pautadas em novas tecnologias gerando novas relações
de trabalho. O exemplo utilizado é o da Terceira Itália, em que pequenas empresas, utilizando-se
de tecnologias de ponta e de associação entre si, têm o poder de concorrer com as grandes
corporações de forma competitiva. Uma segunda tendência, é ver a acumulação flexível como um
conceito ideológico, que alienaria os trabalhadores do processo de resistência às imposições dos
patrões, enfraquecendo os sindicatos e as lutas trabalhistas. Harvey não concorda com nenhuma
das duas posições, mas atenta ao fato de que elas são importantes para se pensar na continuidade
existente entre o fordismo e o regime de acumulação flexível: nada nessa nova constituição
capitalista é tão novo assim. A terceira posição, e a defendida por Harvey, afirma que o regime de
acumulação flexível não está em toda parte da organização capitalista, assim como o fordismo
também não estava. O que existe é uma associação entre alta produção fordista e trabalhos
artesanais de organização familiar ou patriarcal.
Existe hoje uma tendência a aumentar a desigualdade social, causada pelo aumento do setor de
serviços e alargamento de uma “massa cultural” e uma subclasse mal remunerada e destituída de
poder. Isso é fruto do regime de acumulação flexível que, para Harvey, traz de novo exatamente a
transformação no mercado financeiro: não a detenção do controle por grandes instituições, mas a
explosão de novos instrumentos e sistemas altamente sofisticados. Dessa forma, a idéia de
flexibilidade vem como uma solução às tendências de crise no capitalismo. Para esse aparente
equilíbrio existir, o sistema financeiro alcançou autonomia inédita na historia, o que faz Harvey
prever que a crise de 1929 talvez não passe de uma nota de rodapé na historia comparada ao que
pode vir como crise pela frente. Se essa estabilidade a médio prazo realmente existe se deve a
formas de reparo temporal e espacial.
No final da década de 60, começo de 70 o trabalho era forte relativamente ao capital, em partes
porque o modelo keynesiano assim o permitia, em partes porque estavam bem organizados nos
sindicatos, mas o capital podia responder com práticas de preços de monopólio.
A pergunta que então se fazia era como quebrar a força do trabalho: Primeiro através da
imigração, os EUA, por exemplo, modificaram sua lei de imigração em 1965, para ter acesso ao
mercado de trabalho internacional; depois pelo deslocamento espacial das corporações para
países em que a relação de forças entre trabalho e capital lhes fosse favorável, o que necessitava
de uma nova arquitetura financeira para que o capital pudesse fluir internacionalmente sem
impedimentos. A ameaça desse deslocamento começa a disciplinar a classe trabalhadora. Além
disso, a inovação tecnológica começou a se intensificar, de forma que os trabalhadores cada vez
menos conseguiam resisitr a essa mudança, o que leva a mudanças significativas no mundo. Na
metade da década de 80 o problema do trabalho havia essencialmente resolvido da perspectiva
do capital, pois ele tinha acesso às reservas de trabalho do mundo inteiro.
Atualmente, porém, ninguém culpa os sindicatos “gulosos”, mas se não é um problema de
trabalho, qual é o problema? Desde a década de 70 foi orquestrado um ataque impiedoso ao
trabalho, o qual criou uma repressão salarial. Os salários reais não aumentaram em local algum.
Em todos os países da OCDE a parte do salário na receita nacional em diminuído, tem diminuído
até na China. Se a parte do salário na receita nacional diminui, nos deparamos com um problema,
qual seja, como vender os produtos, onde estará o mercado e a resposta a isso foi: dê às pessoas
cartões de créditos. Com isso você tem a organização de uma economia de dívidas. Aqueles, nos
EUA, que, através do sistema de crédito, investiram na casa própria tiveram suas dívidas
triplicadas nos últimos 30 anos. E esse endividamento se realiza num conexto em que os salários
estão, se qualquer coisa, diminuindo.
Além da repressão salarial, e da gestação dessa economia da dívida aparece uma situação
altamente competitiva. Isso leva a uma situação peculiar na década de 80, qual seja, uma
economia de baixos salários e de baixos lucros. Ao mesmo tempo, porém, há uma redistribuição
de renda para as classes superiores, que é algo próprio do neoliberalismo.
A pergunta que se coloca é então, porque o capital investiria em produção de baixa lucratividade?
Eles começam a investir em outras coisas, como o mercado de ativos, o mercado imobiliário, a
criar novos mercados e a fazer dinheiro a partir de dinheiro, ou viram rentistas. Torna-se mais e
mais difícil achar espaços rentáveis para capitalizar a mais-valia e manter um crescimento
composto de 3%. Cada vez menos o crescimento tem sido baseado em coisas reais. Há evidências
dessa dificuldade desde a década de 70 e de lá pra cá inúmeras crises ocorreram em vários países
e muitas delas ligadas ao mercado imobiliário. Daí surge uma tese interessante de que o
capitalismo não resolve suas crises, mas apenas as desloca geograficamente.
Condição Pós Moderna
(David Harvey) Por: Marcos Vinicius Simão
Resenha
Parte II – A transformação político-econômica do capitalismo do final do século XX
Introdução
Transformações e sinais de modificações radicais no processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações
geográficas e geopolíticas, poderes de práticas do Estado. Estas modificações de conceitos, marcam a transição
do regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele associado e descreve a estabilização da
alocação do produto líquido entre consumo e acumulação, implicando alguma correspondência entre a transformação
tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados.
Materializa o regime de acumulação, formando normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. Estas regras tomam
nome de modo de regulamentação.
Divididos em duas áreas de dificuldades num sistema econômico capitalista a serem negociadas com sucesso para que
o sistema permaneça viável. Sendo a primeira a fixação de preço e a segunda o emprego da força de trabalho e
garantia da adição do valor na produção.
A fixação de preço, controlados pelos produtores que coordena as decisões de produção de acordo com as
necessidades do consumidor, o que não garante a um crescimento estável do capitalismo, sendo necessário
regulamentações e intervenções do Estado para compensar a falhas do mercado (dados a meio ambiente e social).
As pressões exercidas pelo estado e outras instituições (religiosas, políticas, patronais e culturais) e outras de domínio
do mercado pelas grandes corporações afetam de forma vital a dinâmica do capitalismo. Podendo ser diretas
(imposição de salários e preços) ou indiretas (propaganda subliminar e incorporação de novos conceitos de
necessidade e desejos básicos da vida).
A segunda arena de dificuldades concerne a conversão da capacidade das pessoas de realizarem um trabalho num
processo produtivo que possam ser apropriados pelos capitalistas. Todo trabalho requer concentração, autodisciplina,
familiarização com o processo de transformação de matéria prima em produto acabado. Entretanto, o trabalho
assalariado põe boa parte do conhecimento e processo decisório a parte do controle das pessoas que de fato executam
o trabalho, envolvendo sempre alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação advindas da
educação, treinamento, persuasão e mobilização de certos sentimentos sociais que, estão imbuídos de conceitos como
a ética do trabalho, lealdade aos companheiros, orgulho local e nacional - propensões psicológicas – a busca da
identidade através do trabalho, etc. Todos claramente presentes na formação das ideologias dominantes cultivadas
pelos vários setores do aparelho do Estado, meios de comunicação de massa, instituições religiosas e educacionais.
Aqui o “modos de regulamentação” trata os problemas da força do trabalho para propósitos da acumulação do capital,
que vai de 1945 a 1973, formado por um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo
e configurações de poder político-econômico que pode ser chamado de fordismo-keynesiano. A partir de 1973 os novos
sistemas de produção e marketing, caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade
geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo marcam um período de rápidas mudanças de fluidez e
incertezas. No entanto não está claro que os novos sistemas garantam um novo regime de acumulação nem se o
renascimento do empreendimento e do neoconservadorismo, associado a virada cultural para o pós-modernismo,
garanta o título de um novo modo de regulamentação.
Não se pode confundir mudanças efêmeras com mudanças profundas, mas há fortes sinais de mudanças nas práticas
político-econômicas da atualidade e as do período de expansão do pós-guerra, suficientes para justificas a hipótese de
uma passagem do fordismo para o que poderia ser chamado de regime de acumulação flexível.
O fordismo
Distingui do taylorismo, que, descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada
através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de
tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento, pela
reconhecimento explícito a produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de
reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e
uma nova psicologia, em suma uma nova sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.
Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação
adequada ao poder corporativo. Dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que
consumissem os produtos produzidos em massa.
Porém para que estes conceitos fossem aceitos era necessário romper; primeiro com as relações de classe no mundo
capitalista que dificilmente aceitariam um sistema de produção que se apoiavam tanto na familiarização do trabalhador
com longas horas de trabalho puramente rotinizado, exigindo pouco das habilidades manuais tradicionais e concedendo
um controle quase inexistente ao trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a organização do processo produtivo; segundo,
foi necessário conceber um novo modo de regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista. Foi
preciso o cheque da depressão selvagem e do quase-colapso do capitalismo na década de 30 para que as sociedades
capitalistas chagassem a alguma nova concepção da forma e do uso dos poderes do Estado. Este último só foi
resolvido depois de 1945, levando o fordismo a maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e
distintivo, permanecendo assim, mais ou menos intacto até 1973.
Para compreender este período, iniciado no pós-guerra e transição ocorrida a partir de 1973, é necessário saber como o
fordismo se associou ao keynesianismo para levar o capitalismo a um surto de expansões internacionalistas que atraiu
para sua rede inúmeras nações descolonizadas.
A ascensão das industrias baseadas em tecnologias amadurecidas se tornaram os propulsores do crescimento
econômico, concentrando-se numa série de regiões de grande produção da economia mundial. Outra coluna estava na
reconstrução patrocinada pelo Estado de economias devastadas pela guerra. Coordenados por centros financeiros
interligados, tendo como ápice da hierarquia os Estados Unidos e Nova Iorque, regiões chave da economia mundial não
comunista que buscavam dominar o mercado mundial de massa crescentemente homogêneo com seus produtos.
O estado teve de assumir novos papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de se ajustar
para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e
funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. O equilíbrio de poder que
prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base de poder da
expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso. A derrota dos movimentos operários radicais que ressurgiram no
período pós-guerra imediato, por exemplo, preparou o terreno político para os tipos de controle do trabalho e de
compromisso que possibilitaram o fordismo.
Mas há registros de súbitas irrupções de descontentamento, mesmo entre os trabalhadores afluentes, para sugerir que
isso pode ser mais uma adaptação superficial do que uma reformulação total das atitudes dos trabalhadores com
respeito à produção em linha de montagem. O problema perpétuo do trabalho rotinizado.
O fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que como um
modo de vida total. Produção em massa significa padronização do produto e consumo de massa. O fordismo também
se apoiou na, e contribuiu para a, estética do modernismo.
Assim a expansão internacional do fordismo ocorreu numa conjuntura particular de regulamentação político-econômico
mundial e uma configuração geo-política em que os Estados Unidos dominavam por meio de um sistema bem distinto
de alianças militares e relação de poder.
Nem todos, entretanto, eram atingidos pelos benefícios do fordismo, havendo sinais abundantes de insatisfação. As
desigualdades geravam movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a raça, o gênero e a origem étnica
costumavam determinar quem tinha ou não acesso ao emprego privilegiado. Acrescenta-se a isso todos os insatisfeitos
do Terceiro Mundo, com um processo de modernização que prometia desenvolvimento, emancipação das necessidades
e plena integração ao fordismo, mas que, na prática, promovia a destruição de culturas locais, muita opressão e
numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos insignificantes no padrão de vida e de serviços públicos.
A despeito de todos os descontentamentos e de todas as tensões manifestas, o regime permaneceu estável até mais
ou menos 1973, quando então a aguda recessão daquele ano abalou o quadro e um rápido processo de transição do
modelo de acumulação teve início, apesar de, ainda, não ser bem entendido.
Do fordismo à Acumulação Flexível
Já nos meados da década de 60 haviam indícios de problemas sérios no fordismo. A recuperação da Europa e Japão
demandava mercados externos, visto a saturação interna, num período em que o sucesso da racionalização fordista
deslocava um número cada vez maior de trabalhadores da manufatura. O problema fiscal dos USA solapara o papel do
dólar. A formação do eurodólar, a contração do crédito no período 1966-1997 eram sinais da redução do poder norte-
americano de regulamentação do sistema financeiro internacional. Época em que as políticas de substituição de
importações em muitos países de Terceiro Mundo geraram uma onda de industrialização fordista competitiva em
ambientes inteiramente novos, nos quais o contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente.
O período de 1965 a 1973 tornou evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições
inerentes ao capitalismo. Dificuldades apreendidas por uma palavra: rigidez. Rigidez dos investimentos de capital fixo de
larga escala e de longo prazo em sistemas de produção de massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e
presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Rigidez na alocação e nos contratos de trabalho
o que explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972. Rigidez dos compromissos do
Estado foi se intensificando à medida que programas de assistência aumentavam sob pressão para manter a
legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia expansão da base fiscal para gastos públicos. O
único instrumento de resposta flexível estava na política monetária, na capacidade de imprimir moeda para manter a
economia estável. Começou assim a onda inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra.
A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente, retirou o mundo capitalista do
sufocante estado de estagflação e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso
fordista, representando o primeiro ímpeto da passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado
com um sistema de regulamentação política e social bem distinta. Trata-se da acumulação flexível. Marcada por um
confronto direto com a rigidez do fordismo e apoiada na flexibilidade dos processos de trabalho, nos processos de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças
dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando um vasto
movimento de emprego no chamado setor de serviços, bem como conjuntos industriais completamente novos em
regiões até então subdesenvolvidas.
O aumento do poder de flexibilidade permite aos empregadores exercer maior pressão de controle do trabalho sobre
uma força de trabalho já enfraquecida por dois surtos de deflação. A acumulação flexível parece implicar níveis
relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de
salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista. Mais importante é a
aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou
subcontratação.
As transformações no mercado de trabalho trouxe mudanças de igual importância na organização industrial, a
subcontratação permitiu o surgimento de oportunidades para a formação de pequenos negócios, e em alguns casos,
permite que sistemas mais antigos de trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista revivam e floresçam, mas
agora como peças centrais, e não apêndices de sistemas produtivos, porém, representando coisas diferentes em
diferentes lugares.
Campo perigoso, com efeito, uma das grandes vantagens do uso dessas formas antigas de processo de trabalho e de
produção pequeno-capitalista é o solapamento da organização da classe trabalhadora e a a transformação da base
objetiva da luta de classes. Nelas, a consciência de classe já não deriva da clara relação de classe entre capital e
trabalho, passando para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema
de parentesco ou semelhantes a um clã que contenha relações sociais hierarquicamente ordenadas.
Estas novas formas organizadas de produção, entretanto, colocaram em risco os negócios de organização tradicional,
espalhando uma onda de quebradeira que ameaçou até as instituições mais poderosas. É a economia de escopo
derrotando a economia de escala. Entretanto, o incremento da capacidade de dispersão geográfica de produção em
pequena escala e de busca de mercados de perfil específico não levou necessariamente a diminuição do poder
corporativo na medida em que as corporações bem organizadas tem evidentes vantagens competitivas sobre os
pequenos negócios.
Num dos extremos da escala de negócios, a acumulação flexível levou a maciças fusões e diversificações corporativas.
Muitos dos empregados das 500 maiores companhias norte-americanas hoje trabalham em linhas de atividades sem
relação alguma com alinha primária de negócios com que a sua empresa esta identificada. O mais interessante na
situação atual é a forma como o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da
mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho e nos mercados
de consumo, tudo isto acompanhado por pesadas doses de inovações tecnológicas, de produto institucional.
O acesso ao conhecimento científico e técnico sempre teve importância na luta competitiva; mas, também aqui,
podemos ver uma renovação de interesse e de ênfase, já que, num mundo de rápidas mudanças de gostos e
necessidades e de sistemas de produção flexíveis, o conhecimento da última técnica, do mais novo produto, da mais
recente descoberta científica, implica a possibilidade de alcançar uma importante vantagem competitiva.
A desregulamentação do sistema financeiro, admitido explicitamente pela primeira vez pelo Relatório da Comissão Hunt
norte-americana, veio como condição de sobrevivência e expansão do sistema econômico capitalista, após o trauma de
1973. Por volta de 1986, abrangeu todos os centros financeiros do mundo num sistema integrado, coordenado pela
telecomunicações instantâneas introduzindo o tempo futuro no tempo presente.
Teorizando a transição
A transição do fordismo para a acumulação flexível evocou sérias dificuldades para as teorias de todas as espécies mas
há o consenso de que alguma coisa significativa mudou no modo de funcionamento do capitalismo a partir de mais ou
menos 1970. Algumas visões das mudanças examinadas enfatiza os elementos positivos e liberatórios do novo
empreendimentismo Halal (1986), outro acentua as relações de poder e a política com relação à economia e à cultura
Lash e Urry (1987), o terceiro fornece mais detalhes sobre transformações no campo da tecnologia e do processo de
trabalho, ao mesmo tempo que avalia como o regime de acumulação e suas modalidades de regulamentação se
transformaram Swyngedouw (1986). Todos dão relevo as diferenças não às continuidades e a oposição é usada apenas
como artifício didático. Contudo a acumulação flexível, continua a ser uma forma de capitalismo, podendo-se assim,
esperar que algumas proposições básicas se mantenham.
O capitalismo é orientado para o crescimento. Pouco importa as conseqüências sociais, políticas, geopolíticas ou
ecológicas, na medida em que a virtude é que o crescimento é tanto inevitável como bom. A crise é definida, em
conseqüência, como falta de crescimento.
O crescimento se apoia na exploração do trabalho vivo na produção. O crescimento sempre se baseia na diferença ente
o que o trabalho obtém e aquilo que cria. O capitalismo está fundado numa relação de classe entre capital e trabalho.
Como o controle do trabalho +e essencial para o lucro capitalista, a dinâmica da luta de classes pelo controle do
trabalho e pelo salário de mercado é fundamental para a trajetória do desenvolvimento capitalista.
O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. A mudança organizacional e
tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classe, no domínio dos mercados de
trabalho e do controle do trabalho. Se o controle do trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma
questão mais ampla do ponto de vista do modo de regulamentação, a inovação organizacional e tecnológica no sistema
regulatório se torna crucial para a perpetuação do capitalismo. Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de que o
“progresso” é tanto inevitável como bom.
Marx demostrou que estas três condições necessárias do modo capitalista de produção era inconsistente e contraditório
e propenso a crises de superacumulação, definida como a condição de poder existir, ao mesmo tempo, capital ocioso e
trabalho ocioso sem nenhum modo aparente de se unir estes recursos para o atingimento de tarefas socialmente úteis.
A superacumulação é, então, uma tendência que nunca pode ser eliminada do capitalismo.
Heroicamente a vida e a política burguesa expressa que devem ser feitas escolhas para que a ordem social não se
transforme em caos.
Desvalorização de mercadorias, de capacidade produtiva, do valor do dinheiro. Em termos simples, desvalorização
significa a “baixa” ou “cancelamento” do valor de estoques excedentes de bens ou a erosão inflacionária do poder do
dinheiro. A força de trabalho também pode ser desvalorizada e até destruída.
O controle macroeconômico, por meio da institucionalização de algum sistema de regulação, pode conter o problema da
superacumulação, talvez por um considerável período de tempo. Mas foi necessário uma grande crise de
superacumulação para ligar a produção fordista a um modo keynesiano de regulamentação estatal antes de se poder
garantir alguma espécie de crescimento macroeconômico estendido e equilibrado.
A absorção da superacumulação por intermédio do deslocamento temporal e espacial oferece um terreno mais rico e
duradouro, mas também muito mais problemático. O deslocamento temporal envolve seja um desvio de recursos da
necessidades atuais para a exploração de usos futuros, seja uma aceleração do tempo de giro para que a aceleração
de um dado ano absorva a capacidade excedente do ano anterior. O deslocamento espacial compreende a absorção
pela expansão geográfica do capital e do trabalho excedente. Os deslocamentos tempo-espaciais têm um duplo poder
no tocante à absorção do problema da superacumulação, particularmente na medida em que a formação do capital
fictício é essencial ao deslocamento temporal e espacial. Emprestar dinheiro a América Latina para a construção de
infra-estrutura de longo prazo ou para a compre de bens de capital que ajudem a gerar produtos por muitos anos é uma
forma típica e forte de absorção da superacumulação.
Foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o regime fordista de acumulação resolveu o problema
da superacumulação no decorrer do longo período de expansão do pós-guerra. A crise do fordismo pode ser, então,
interpretada até certo ponto com o esgotamento das opções para lidar com o problema da superacumulação. A solução.
A monetarização, disparou-se a inflação, fazendo com que o endividamento perdesse drasticamente seu valor real.
Criou-se novos centros geográficos de acumulação – o sul e o oeste dos EUA, a Europa e o Japão – seguido de países
recém industrializados. A competição espacial aumentou ainda mais, em particular a partir de 1973 a medida que se
esgotava a capacidade de se resolver o problema da superacumulação por meio do deslocamento geográfico. Aqui, a
acumulação flexível parece enquadrar-se como uma recombinação simples das duas estratégias de procura de lucro
definidas por Marx chamadas de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A primeira apoia-se na extensão da jornada
de trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora num dado padrão de
vida e a segunda apoia-se na mudança organizacional e tecnológica é posta em ação para gerar lucros temporários
para firmas inovadoras e lucros mais generalizados com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida
do trabalho.
O desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedente de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégias
absolutas de extração de mais valia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados. O inesperado é o modo
como as novas tecnologias de produção e as novas formas coordenantes de organização permitiram o retorno dos
sistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalistas que Marx tendia a supor que sairiam do negócio ou seriam
reduzidos a condições de exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem intoleráveis sob o
capitalismo.
Acumulação Flexível – transformação sólida ou preparo temporário?
Afirmou-se haver uma imensa mudança na aparência superficial do capitalismo a partir de 1973, objeto de alguns
debates que parecem originar três posições amplas.
A primeira é a de que as novas tecnologias abrem a possibilidade de uma reconstituição das relações das relações do
trabalho e dos sistemas de produção em bases sociais, econômicas e geográficas inteiramente distintas. Vê um
paralelo entre a atual conjuntura e a vigente em meados do século passado, onde o capital de larga escala expulsaram
os empreendimentos corporativos de pequena escala que tinham potencial de resolver o problema de organização
industrial segundo linhas descentralizadas e democraticamente controladas. Mas há muitas coisas regressivas
repressivas nas novas práticas. Este retorno de interesse aos negócios de pequena escala, de trabalho duro e mau
pago estão, entretanto, desempenhando papel importante no desenvolvimento econômico do final do século XX.
A segunda vê a idéia da flexibilidade como um ”termo extremamente poderoso que legitima um conjunto de práticas
políticas”, mas sem nenhuma fundamentação empírica ou materialista forte nas reais fases de organização do
capitalismo do final do século XX. Há contestações dos fatos que sustentam a idéia da flexibilidade nos mercados de
trabalho e na organização do trabalho e conclui que a descoberta da força de trabalho flexível é parte de uma ofensiva
ideológica que celebra a complacência e a eventualidade, fazendo-as parecer inevitáveis. Acredita-se que quem
promove a idéia da flexibilidade contribui conscientemente ou não para um clima de opinião – uma condição ideológica
– que enfraquece os movimentos da classe trabalhadora.
Estas críticas introduzem algumas correções importantes no debate. O argumento de que há um agudo perigo de se
exagerar a significação das tendências de aumento da flexibilidade e da mobilidade geográfica, deixando-nos cegos
para a força que os sistemas fordistas de produção implantados ainda têm, merece cuidadosa consideração. As
conseqüências ideológicas a políticas da superacentuação da flexibilidade no sentido estrito das técnicas e de relações
de trabalho são sérias o bastante para nos levar a fazer sóbrias e cautelosas avaliações do grau do imperativo da
flexibilidade.
A terceira define o sentido no qual o uso a idéia de uma transição do fordismo para a acumulação flexível, situa-se em
algum ponto entre esses dois extremos. A atual conjuntura se caracteriza por uma combinação de produção fordista
altamente eficiente em alguns setores e regiões e de sistemas de produção mais tradicionais que se apoiam em
relações de trabalho “artesanais”, paternalistas ou patriarcais que implicam mecanismos bem distintos de controle do
trabalho. A natureza e a composição da classe trabalhadora global também se modificaram, o mesmo ocorrendo com as
condições de formação de consciência e de ação política.
Há inclinação de ver a flexibilidade conseguida na produção, nos mercados de trabalho e no consumo antes como um
resultado da busca de soluções financeiras para as tendências de crise do capitalismo do que o contrário. Isto implicaria
que o sistema financeiro alcançou um grau de autonomia diante da produção real sem precedentes na história do
capitalismo, levando este último a uma era de riscos financeiros igualmente inéditos. A inovação nos sistemas
financeiros parece ter sido um requisito necessário para superar a rigidez geral, bem como a crise temporal, geográfica
e até política peculiar em que o fordismo caiu no final da década de 60.