Transcript of Revista1858
- 1. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos
- 2. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos Contm: O
relato das manifestaes materiais ou inteligentes dos Espritos,
aparies, evocaes, etc., bem como todas as notcias relativas ao
Espiritismo. O ensino dos Espritos sobre as coisas do mundo visvel
e do invisvel; sobre as cincias, a moral, a imortalidade da alma, a
natureza do homem e o seu futuro. A histria do Espiritismo na
Antigidade; suas relaes com o magnetismo e com o sonambulismo; a
explicao das lendas e das crenas populares, da mitologia de todos
os povos, etc. Publicada sob a direo de ALLAN KARDEC Todo efeito
tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O
poder da causa inteligente est na razo da grandeza do efeito. ANO
PRIMEIRO 1858 TRADUO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA FEDERAO ESPRITA
BRASILEIRA
- 3. SumrioPRIMEIRO VOLUME ANO DE 1858 Apresentao da FEB 12 Notas
do Tradutor 16 JANEIRO Introduo 21 Diferentes Naturezas de
Manifestaes 28 Diferentes Modos de Comunicao 30 Respostas dos
Espritos a Algumas Perguntas 34 Manifestaes Fsicas 37 Os Duendes 40
Evocaes Particulares Me, estou aqui! 42 Uma converso 45 Os Mdiuns
Julgados 49 Vises 52 Reconhecimento da Existncia dos Espritos e de
suas Manifestaes 55 Histria de Joana dArc 62 O Livro dos Espritos
Apreciaes diversas 63
- 4. FEVEREIRO Diferentes Ordens de Espritos 71 Escala Esprita 73
O Fantasma da Senhorita Clairon 80 Isolamento dos Corpos Pesados 86
A Floresta de Dodona e a Esttua de Memnon 89 A Avareza por So Lus
94 Conversas de Alm-Tmulo Senhorita Clary D. 97 Sr. Home primeiro
artigo 99 Manifestaes dos Espritos Paul Auguez 106 MARO Pluralidade
dos Mundos 109 Jpiter e alguns outros Mundos 112 Confisses de Lus
XI primeiro artigo 120 A Fatalidade e os Pressentimentos 123
Utilidade de Certas Evocaes Particulares 126 Conversas Familiares
de Alm-Tmulo O assassino Lemaire 128 A rainha de Oude 133 O Doutor
Xavier 138 Sr. Home segundo artigo 143 Magnetismo e Espiritismo
148
- 5. ABRIL Perodo Psicolgico 151 O Espiritismo entre os Druidas
153 Evocao de Espritos na Abissnia 169 Conversas Familiares de
Alm-Tmulo Descrio de Jpiter 171 Mehemet-Ali 182 Sr. Home terceiro
artigo 188 Variedades 191 MAIO Teoria das Manifestaes Fsicas
primeiro artigo 193 O Esprito Batedor de Bergzabern primeiro artigo
199 Consideraes sobre o Esprito Batedor de Bergzabern 206 O Orgulho
por So Lus 208 Problemas Morais Dirigidos a So Lus 210 Metades
Eternas 211 Conversas Familiares de Alm-Tmulo Mozart 216 O Esprito
e os herdeiros 225 Morte de Lus XI segundo artigo 227 Variedades O
falso Home 229
- 6. Manifestaes no Hospital de Saintes 232 Sociedade Parisiense
de Estudos Espritas 233 JUNHO Teoria das Manifestaes Fsicas segundo
artigo 235 O Esprito Batedor de Bergzabern segundo artigo 241 A
Preguia por So Lus 254 Conversas Familiares de Alm-Tmulo O Sr.
Morisson, monomanaco 255 O suicida da Samaritana 259 Confisses de
Lus XI terceiro artigo 263 Henri Martin Comunicaes extracorpreas
268 Variedades Os banquetes magnticos 272 JULHO A Inveja por So Lus
275 Uma Nova Descoberta Fotogrfica 277 O Esprito Batedor de
Bergzabern terceiro artigo 284 Conversas Familiares de Alm-Tmulo O
tambor de Beresina 287 Espritos Impostores O falso Padre Ambrsio
298 Uma Lio de Caligrafia por um Esprito 304 Correspondncia
309
- 7. AGOSTO Contradies na Linguagem dos Espritos 321 A Caridade
por So Vicente de Paulo 335 O Esprito Batedor de Dibbelsdorf 340
Observaes a Propsito dos Desenhos de Jpiter 344 Habitaes do Planeta
Jpiter pelo Sr. Victorien Sardou 347 SETEMBRO Propagao do
Espiritismo 363 Plato: Doutrina da Escolha das Provas 371 Um Aviso
de Alm-Tmulo 379 Os Gritos da Noite de So Bartolomeu 385 Conversas
Familiares de Alm-Tmulo: Sra. Schwabenhaus 386 Os Talisms Medalha
cabalstica 393 Problemas Morais Suicdio por amor 396 Observaes
sobre o Desenho da Casa de Mozart 399 OUTUBRO Obsediados e
Subjugados 403 Emprego Oficial do Magnetismo Animal 419 O
Magnetismo e o Sonambulismo Ensinados pela Igreja 421 O Mal do Medo
423
- 8. Teoria do Mvel de Nossas Aes 425 Assassinato de Cinco
Crianas por outra de Doze Anos problema moral 429 Questes de
Espiritismo Legal 432 Fenmenos de Apario 439 NOVEMBRO Polmica
Esprita 443 Pluralidade das Existncias Corpreas 445 Problemas
Morais sobre o suicdio 455 Conversas Familiares de Alm-Tmulo
Mehemet-Ali segunda conversa 457 O Doutor Muhr 460 Madame de Stal
463 Mdium Pintor 467 Independncia Sonamblica 472 Uma Noite
Esquecida ou a Feiticeira Manouza por Frderic Souli 475 Variedades:
O General Marceau (apario) 482 DEZEMBRO Aparies 483 Sr. Adrien,
Mdium Vidente 487 Um Esprito nos Funerais de seu Corpo 490
- 9. Fenmenos de Bicorporeidade 493 Sensaes dos Espritos 498
Dissertaes de Alm-Tmulo O sono 507 As flores 509 O papel da mulher
511 Poesia Esprita O despertar de um Esprito 513 Conversas
Familiares de Alm-Tmulo Uma viva de Malabar 515 A Bela Cordoeira
517 Variedades Monomania 523 Uma questo de prioridade... 524 Aos
Leitores da Revista Esprita 526 **** Bibliografia consultada 531
Nota Explicativa 537
- 10. Apresentao da FEB a condio de uma das mais antigas e
constantes divulgadoras das obras de Allan Kardec, a Federao
Esprita Brasileira tem a grata satisfao de iniciar, com a publicao
deste volume, a traduo completa dos doze primeiros tomos da Revista
Esprita, referentes aos anos de 1858 a 1869, como parte das
homenagens que sero prestadas em 2004 pelo transcurso do
bicentenrio de nascimento do Codificador da Doutrina Esprita. A
iniciativa que ora tomamos visa tornar acessvel aos leitores de
lngua portuguesa mais uma traduo do primeiro e mais importante
peridico de difuso do Espiritismo, acervo extraordinrio constitudo
por quase cinco mil pginas, em sua maior parte da lavra do prprio
Allan Kardec, contido nos volumes que sofreram a sua influncia
direta e pessoal. Logo na introduo com que abriu o primeiro nmero,
ao referir-se Revista Esprita, diz Allan Kardec: No se pode
contestar a utilidade de um rgo especial, que ponha o pblico a par
do progresso desta nova Cincia e o previna contra os excessos da
credulidade, bem como do cepticismo. uma tal lacuna que nos
propomos preencher com a publicao desta Revista, com vistas a
oferecer um meio de comunicao a todos quantos se interessam por
estas questes e de ligar, por um lao comum, os que compreendem a
Doutrina Esprita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prtica
do bem e a caridade evanglica para com todos. 1 1 Revista Esprita,
Introduo, janeiro/1858. N
- 11. Era mais uma manifestao da clarividncia do Codificador. O
xito de O Livro dos Espritos, dado a lume no ano anterior,
ultrapassara todas as expectativas. Allan Kardec recebia de todos
os lados relatrios de extraordinrios fatos espritas,
correspondncias indagando sobre tal ou qual ponto da doutrina,
visitas de pessoas que ansiavam por esclarecimentos maiores,
inclusive dignitrios da nobreza local e de outros pases, sem falar
nos recortes de jornais, com seus comentrios muitas vezes
injuriosos sobre o Espiritismo. At ento a Frana no dispunha de um
nico jornal que veiculasse as grandes vozes do Cu, que j se faziam
ouvir de forma ordenada e sistemtica em todas as latitudes do
planeta, pois eram chegados os tempos em que todas as coisas
haveriam de ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para
dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.
2 Situao diversa ocorria em outros pases; os Estados Unidos, por
exemplo, dispunham de dezessete jornais, em lngua inglesa,
consagrados s manifestaes medinicas que, nos tempos modernos,
acabavam de eclodir em Hydesville. Dando-se conta da imperiosa
necessidade de criar uma folha que periodicamente pusesse os
estudiosos dos fenmenos espritas a par do que se passava no mundo e
os instrusse de modo ordenado sobre as mais variadas questes
doutrinrias, Allan Kardec ps mos obra, a despeito de lhe faltar o
tempo necessrio para semelhante empreendimento, considerando-se os
seus afazeres pessoais, inclusive os voltados para a prpria
subsistncia. A princpio, cogitou do patrocnio de algum que pudesse
colaborar financeiramente com a obra, mas razes providenciais
fizeram com que no lograsse xito em tal intento. De fato,
consultando seus Orientadores Espirituais quanto viabilidade do
plano, foi-lhe aconselhado que perseverasse no seu propsito, que no
se intimidasse ante as dificuldades e que haveria tempo para tudo.
2 O Evangelho segundo o Espiritismo, Prefcio.
- 12. Relativamente apresentao do peridico, o Esprito comunicante
transmitiu estas oportunas instrues: Ser preciso que lhe dispenses
muito cuidado, a fim de assentares as bases de um bom xito durvel.
A apresent-lo defeituoso, melhor ser nada fazer, porquanto a
primeira impresso pode decidir do seu futuro. De comeo, deves
cuidar de satisfazer curiosidade; reunir o srio ao agradvel: o srio
para atrair os homens de Cincia, o agradvel para deleitar o vulgo.
Esta parte essencial, porm a outra mais importante, visto que sem
ela, o jornal careceria de fundamento slido. Em suma, preciso
evitar a monotonia por meio da variedade, congregar a instruo slida
ao interesse.3 Tais instrues seriam escrupulosamente observadas
pelo Codificador. Finalmente, a 1o de janeiro de 1858, era dado a
lume o primeiro nmero da Revista Esprita, por conta e risco do
Codificador, no dispondo de nenhum assinante e de nenhum auxlio
financeiro. Como diria mais tarde Kardec, ... no tive de que me
arrepender, porquanto o resultado ultrapassou a minha expectativa e
esse jornal se me tornou poderoso auxiliar. 4 Segundo as prprias
palavras de seu fundador, a Revista seria uma tribuna livre, na
qual, porm, a discusso jamais se afastar das normas da mais estrita
convenincia. E acrescentava: Numa palavra: discutiremos, mas no
disputaremos. 5 Embora lhe fosse pesada a tarefa, Allan Kardec
dirigiu a Revista Esprita at 31 de maro de 1869, sendo responsvel,
tambm, pelo fascculo de abril do mesmo ano, que j se achava
composto antes da sua desencarnao. Trabalhava sozinho, sem entrave
de qualquer vontade estranha. Enfrentou incessantemente as mais
speras lutas, as mais violentas tempestades, a fim de deixar aos
continuadores de sua querida revista um campo de trabalho menos
rduo e de horizontes mais bem definidos. 6 3 Obras Pstumas, 2a
parte, artigo sobre a Revista Esprita. 4 Obras Pstumas, 2a parte,
em nota ao artigo sobre a Revista Esprita. 5 Revista Esprita, 1858,
Introduo. 6 Allan Kardec, vol. III, cap. I, item 2.
- 13. Nos seus primeiros doze anos, a Revista Esprita foi o
complemento e o desenvolvimento da obra doutrinria encetada por
Allan Kardec e, tambm, o seu principal esteio. Alm do Codificador,
a Revista contou com a colaborao de centenas de participantes,
encarnados e desencarnados, franceses e de outras naes, dentre os
quais cientistas, literatos, filsofos, religiosos e homens do povo,
cada qual ajudando a lanar, na sua respectiva esfera de ao, os
alicerces sobre os quais se ergueria o portentoso edifcio do
Espiritismo. Pois esse acervo inestimvel que a Federao Esprita
Brasileira tem o prazer de colocar disposio dos estudiosos da
Doutrina Esprita e de todos os interessados na sua difuso. Braslia
(DF), 18 de abril de 2004. Federao Esprita Brasileira Nestor Joo
Masotti Presidente
- 14. Notas do tradutor o logo assumimos o compromisso de verter
para o portugus a Revista Esprita de Allan Kardec, sentimo-nos
tomado de certa apreenso, diante da prpria magnitude do trabalho:
doze alentados volumes, publicados em Paris sob a responsabilidade
direta do Codificador, no perodo de 1858 a 1869, totalizando quatro
mil, quinhentas e sessenta e oito pginas, a partir dos originais
franceses que integram o acervo da Biblioteca de Obras Raras da
Federao Esprita Brasileira, em Braslia. A par desse aspecto
puramente material, a emoo de mergulhar,porassimdizer,
nasuavepsicosferadoEspiritismonascente, cujas claridades comeavam a
derramar-se sobre a Humanidade sofredora, em cumprimento promessa
de Jesus de ficar eternamente conosco. Conscientes de estar lidando
com preciosa ferramenta, desde logo assumimos o compromisso
inarredvel de jamais deturpar a verdade, de maneira a garantir a
necessria fidelidade ao texto traduzido; em pleno sculoXXI,
jnopodamosincorrernasvelhasartimanhasdopassado, que o tempo, por
certo, j sepultou. Quem no se lembra das intercalaes, supresses e
outras modificaes lamentveis que pontificaram nos tempos de
intolerncia, inseridas nos Evangelhos justamente por aqueles que
deveriam zelar pela pureza dos ensinamentos de Jesus? Legislando em
causa prpria e a soldo de propsitos inconfessveis, muitas vezes a
verdade foi ardilosamente escamoteada pelos prprios telogos que
serviam Igreja dominante, com vistas a coonestar as suas doutrinas
insustentveis. T
- 15. E, como se tudo isso no bastasse, o receio, natural e
compreensvel, de abraar atividade at ento confiada somente a
inteligncias de escol, da expresso de Lus Olmpio Guillon Ribeiro e
Manuel Justiniano de Freitas Quinto, para no nos afastarmos da
Federao Esprita Brasileira, nem de suas irrepreensveis tradues das
obras bsicas de Allan Kardec. Entretanto, e fazendo abstrao do
contedo e do significado extraordinrios da Revista Esprita, essa
tarefa representava uma oportunidade inesquecvel de rever Paris com
os olhos da alma... Por certo, no a Paris futurista de La Dfense,
travestida de megalpole americana, mas aquela da Belle poque,
embelezada por Napoleo III e envolvida na charmante atmosfera do
sculo XIX, com seus Boulevards adornados de pltanos e olmos,
rverbres e cafs, sempre apinhados de gente bonita... Mais uma vez
percorrer aquelas ruas, vielas e locais, outrora to familiares ao
Codificador: Vaugirard, Grange-Batelire, Rochechouart, Passage
Sainte- Anne, Sgur, Harpe, Martyrs, Tiquetonne, Svres, Odon,
Tuileries, Luxembourg, Palais-Royal, Galerie dOrlans, Montparnasse,
Montmartre, Pre-Lachaise... Mirar novamente as belezas da Cidade
Luz, cuja magia a linguagem humana incapaz de retratar... De fato,
como descrever as brumas da manh, os matizes dourados do outono, o
suave encanto do entardecer, o cintilar das estrelas no firmamento
e o frenesi dos transeuntes nos Champs-Elyses? Devaneios parte,
importante no se perder de vista que a traduo de uma obra tarefa
espinhosa7 . Por mais cuidadosa, por mais fiel e honesta, jamais
expressar, na sua inteireza, as variadas nuanas da lngua original.
H palavras, sentenas e mximas que no encontram equivalncia
satisfatria em nossa lngua. Por outro 7 Vide bibliografia
consultada no final deste volume.
- 16. lado, as prprias emoes se diluem ou se ampliam ao serem
transferidas de uma para outra cultura, sem falar das armadilhas
que nos so estendidas quando traduzimos literalmente ou mais grave
ainda quando interpretamos o pensamento do autor, na inglria
tentativa de superar o texto original. A par disto, a desejvel
observncia das regras gramaticais e estilsticas que dizem respeito
ao idioma no qual nos exprimimos, de modo a tornar agradvel a
leitura e no cansar o leitor. Feitos esses reparos, procuramos
ater-nos aos vocbulos e expresses da lngua francesa que encontram
perfeita correspondncia com os seus homlogos portugueses, tal como
so empregados no Brasil. Quando, pela prpria estrutura da lngua em
questo, no nos foi possvel observar essa regra, ou para no
reproduzirmos palavras e perodos que se repetiam com freqncia,
abandonamos aqui e ali a rigidez do texto, principalmente em ateno
clarezae melodia(eufonia)dassentenas,sem,contudo,jamais esquecer de
guardar o sentido fiel das verdades traduzidas para a nossa lngua.
A presente traduo de nossa inteira responsabilidade, exceo de
algumas partes, cuja indicao, em nota de rodap, pedimos se
reportasse o leitor fonte original. Como do conhecimento de todos,
alm da funo primacial de rgo de difuso doutrinria, a Revista
Esprita constituiu-se numa espcie de tribuna livre8 , onde Allan
Kardec sondava a reao dos homens e a impresso dos Espritos acerca
de determinados assuntos, ainda hipotticos ou mal compreendidos,
enquanto lhes aguardava a confirmao, atravs da concordncia e da
universalidade do ensino dos Espritos. Muitos textos revelados
pelos Espritos superiores, assim como outros da lavra do prprio
Codificador, antes publicados na Revista Esprita, foram transcritos
por Kardec, integralmente ou com pequenas modificaes, nas obras
bsicas definitivas que levam o seu nome. Assim, utilizamo-nos das
tradues de Guillon Ribeiro e Manuel Quinto 8 Vide A Gnese, de Allan
Kardec, introduo, pargrafo final.
- 17. quando os mesmos trechos da Revue coincidiam com aqueles j
traduzidos por esses dois ex-presidentes da FEB. Reconhecendo
nossas reais limitaes em matria de poesia, cujas regras devem ser
escrupulosamente observadas, a fim de conservarem a rima e a
versificao da lngua original quase sempre desfiguradas na verso que
se traduz confiamos essa difcil tarefa ao nosso estimado confrade e
beletrista Inaldo Lacerda Lima que, incontinenti e de boa vontade,
a aceitou, desempenhando-a com mestria e indisfarvel competncia.
Procuramos evitar, tanto quanto possvel, a insero de notas de
rodap, a no ser quando tivessem a finalidade de esclarecer o leitor
acerca da prpria traduo, de um ponto doutrinrio qualquer, ou,
ainda, quando se relacionassem com fatos diretamente ligados vida e
obra do Codificador. por isso que deixamos de lado,
propositadamente, toda e qualquer explicao que possa ser facilmente
encontrada nas enciclopdias e compndios de Histria Geral.
Finalmente, ao oferecer nosso modesto trabalho aos companheiros de
ideal esprita, somos os primeiros a reconhecer que no fizemos uma
traduo perfeita. Falhas, por certo, havero de ser detectadas, umas,
talvez, durante o processo grfico de composio e impresso, outras
por desateno nossa, ensejando-nos a feliz oportunidade de san-las
em edies posteriores desta obra, desde que contemos com o auxlio
inestimvel dos leitores em no-las apontar, com vistas ao seu perene
aperfeioamento. Braslia (DF), 10 de outubro de 2002. Evandro Noleto
Bezerra Tradutor
- 18. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos ANO I JANEIRO
DE 1858 NO 1 Introduo A rapidez com que se propagaram, em todas as
partes do mundo, os estranhos fenmenos das manifestaes espritas uma
prova evidente do interesse que despertam. A princpio simples
objeto de curiosidade, no tardaram a chamar a ateno de homens srios
que neles vislumbraram, desde o incio, a influncia inevitvel que
viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. As novas idias que
surgem desses fenmenos popularizam-se cada dia mais, e nada lhes
pode deter o progresso, pela simples razo de que esto ao alcance de
todos, ou de quase todos, e nenhum poder humano lhes impedir que se
manifestem. Se os abafam aqui, reaparecem em cem outros pontos.
Aqueles, pois, que neles vissem um inconveniente qualquer, seriam
constrangidos, pela prpria fora dos fatos, a sofrer- lhes as
conseqncias, como si acontecer s indstrias novas que, em sua
origem, ferem interesses particulares, logo absorvidos, pois no
poderia ser de outro modo. O que j no se fez e disse contra o
magnetismo! Entretanto, todos os raios lanados contra ele, todas as
armas com que foi ferido, mesmo o ridculo, esboroaram-se ante a
realidade e apenas serviram para coloc-lo ainda mais em evidncia.
que o magnetismo uma fora natural e, perante as foras da Natureza,
o homem um pigmeu, semelhante a cachorrinhos que ladram inutilmente
contra tudo que os possa amedrontar.
- 19. R E V I S T A E S P R I T A 22 D-se com as manifestaes
espritas a mesma coisa que se d com o sonambulismo: se no se
produzirem luz do dia e publicamente, ningum impedir que ocorram na
intimidade, pois cada famlia pode descobrir um mdium entre seus
membros, das crianas aos velhos, assim como pode encontrar um
sonmbulo. Quem, pois, poder impedir que a primeira pessoa que
encontremos seja mdium e sonmbula? Sem dvida, os que o combatem no
refletiram nisto. Insistimos: quando uma fora est na Natureza,
pode-se det-la por um instante, porm, jamais aniquil-la! Seu curso
apenas poder ser desviado. Ora, a fora que se revela no fenmeno das
manifestaes, seja qual for a sua causa, est na Natureza, da mesma
forma que o magnetismo, e no poder ser exterminada, como a fora
eltrica tambm no o ser. O que importa que seja observada e estudada
em todas as suas fases, a fim de se deduzirem as leis que a regem.
Se for um erro, uma iluso, o tempo far justia; se, porm, for
verdadeira, a verdade como o vapor: quanto mais se o comprime,
tanto maior ser a sua fora de expanso. Causa justa admirao que,
enquanto na Amrica, somente os Estados Unidos possuem dezessete
jornais consagrados a esse assunto, sem contar um sem-nmero de
escritos no peridicos, a Frana, o pas da Europa onde tais idias
mais rapidamente se aclimataram, no possui nenhum9 . No se pode
contestar a utilidade de um rgo especial, que ponha o pblico a par
do progresso desta nova Cincia e o previna contra os excessos da
credulidade, bem como do cepticismo. essa lacuna que nos propomos
preencher com a publicao desta Revista, visando a oferecer um meio
de comunicao a todos quantos se interessam por estas questes,
ligando, atravs de um lao comum, os que compreendem a Doutrina
Esprita sob o seu verdadeiro ponto de vista moral: a prtica do bem
e a caridade evanglica para com todos. 9 At agora s existe na
Europa um jornal consagrado Doutrina Esprita o Journal de lme,
publicado em Genebra pelo Dr. Boessinger. Na Amrica, o nico jornal
em francs o Spiritualiste de la Nouvelle Orlans, publicado pelo Sr.
Barths.
- 20. J A N E I R O D E 1 8 5 8 23 Se no se tratasse seno de uma
coleta de fatos, a tarefa seria fcil; eles se multiplicam em toda
parte com tal rapidez que no faltaria matria; mas os fatos, por si
mesmos, tornam-se montonos pela repetio e, sobretudo, pela
similitude. O que necessrio ao homem racional algo que lhe fale
inteligncia. Poucos anos se passaram desde o surgimento dos
primeiros fenmenos, e j estamos longe da poca das mesas girantes e
falantes, que foram suas manifestaes iniciais. Hoje, uma cincia que
revela todo um mundo de mistrios, tornando patentes as verdades
eternas que apenas pelo nosso esprito eram pressentidas; uma
doutrina sublime, que mostra ao homem o caminho do dever, abrindo o
mais vasto campo at ento jamais apresentado observao filosfica.
Nossa obra seria, pois, incompleta e estril se nos mantivssemos nos
estreitos limites de uma revista anedtica, cujo interesse
rapidamente se esgotasse. Talvez nos contestem a qualificao de
cincia, que damos
aoEspiritismo.Certamentenoteriaele,emnenhumcaso,ascaractersticas de
uma cincia exata, e precisamente a que reside o erro dos que o
pretendem julgar e experimentar como uma anlise qumica ou um
problema matemtico; j bastante que seja uma cincia filosfica. Toda
cincia deve basear-se em fatos, mas os fatos, por si ss, no
constituem a cincia; ela nasce da coordenao e da deduo lgica dos
fatos: o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao
estado de cincia? Se por isto se entende uma cincia acabada, seria
sem dvida prematuro responder afirmativamente; entretanto, as
observaes j so hoje bastante numerosas para nos permitirem deduzir,
pelo menos, os princpios gerais, onde comea a cincia. O exame
raciocinado dos fatos e das conseqncias que deles decorrem , pois,
um complemento sem o qual nossa publicao seria de medocre
utilidade, no oferecendo seno um interesse muito secundrio para
quem quer que reflita e queira inteirar-se daquilo que v. Todavia,
como nosso fim chegar verdade, acolheremos todas as observaes que
nos forem dirigidas e tentaremos, tanto
- 21. R E V I S T A E S P R I T A 24 quanto no-lo permita o
estado dos conhecimentos adquiridos, dirimir as dvidas e esclarecer
os pontos ainda obscuros. Nossa Revista ser, assim, uma tribuna
livre, em que a discusso jamais se afastar das normas da mais
estrita convenincia. Numa palavra: discutiremos, mas no
disputaremos. As inconvenincias de linguagem nunca foram boas razes
aos olhos de pessoas sensatas; a arma dos que no possuem algo
melhor, voltando-se contra aqueles que dela se servem. Embora os
fenmenos de que nos ocupamos se tenham produzido, nos ltimos
tempos, de maneira mais geral, tudo prova que tm ocorrido desde as
eras mais recuadas. No h fenmenos naturais nas invenes que
acompanham o progresso do esprito humano; desde que estejam na
ordem das coisas, sua causa to velha quanto o mundo e os seus
efeitos devem ter-se produzido em todas as pocas. O que
testemunhamos, hoje, portanto, no uma descoberta moderna: o
despertar da Antigidade, desembaraada do envoltrio mstico que
engendrou as supersties; da Antigidade esclarecida pela civilizao e
pelo progresso nas coisas positivas. A conseqncia capital que
ressalta desses fenmenos a comunicao que os homens podem
estabelecer com os seres do mundo incorpreo e, dentro de certos
limites, o conhecimento que podem adquirir sobre o seu estado
futuro. O fato das comunicaes com o mundo invisvel encontra-se, em
termos inequvocos, nos livros bblicos; mas, de um lado, para certos
cticos, a Bblia no tem autoridade suficiente; por outro lado, para
os crentes, so fatos sobrenaturais, suscitados por um favor
especial da Divindade. No haveria a, para todo o mundo, uma prova
da generalidade dessas manifestaes, se no as encontrssemos em
milhares de outras fontes diferentes. A existncia dos Espritos, e
sua interveno no mundo corpreo, est atestada e demonstrada no mais
como um fato excepcional, mas como um princpio geral, em Santo
Agostinho, So Jernimo, So Joo Crisstomo, So Gregrio Nazianzeno e
tantos outros Pais da Igreja. Essa crena forma, alm disso, a base
de todos os sistemas religiosos. Admitiram-
- 22. J A N E I R O D E 1 8 5 8 25 na os mais sbios filsofos da
Antigidade: Plato, Zoroastro, Confcio, Apuleio, Pitgoras, Apolnio
de Tiana e tantos outros. Ns a encontramos nos mistrios e nos
orculos, entre os gregos, os egpcios, os hindus, os caldeus, os
romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as
vicissitudes dos povos, a todas as perseguies e desafiar todas as
revolues fsicas e morais da Humanidade. Mais tarde a encontramos
entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Mdia, nos Willis e nas
Walkrias dos escandinavos, nos Elfos dos teutes, nos Leschios e nos
Domeschnios Doughi dos eslavos, nos Ourisks e nos Brownies da
Esccia, nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretes, nos Cemis
dos carabas, numa palavra, em toda a falange de ninfas, de gnios
bons e maus, nos silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais
todas as naes povoaram o espao. Encontramos a prtica das evocaes
entre os povos da Sibria, no Kamtchatka, na Islndia, entre os
indgenas da Amrica do Norte e os aborgenes do Mxico e do Peru, na
Polinsia e at entre os estpidos selvagens da Nova Holanda. Sejam
quais forem os absurdos que cercam essa crena e a desfiguram
segundo os tempos e os lugares, no se pode discordar de que ela
parte de um mesmo princpio, mais ou menos deturpado. Ora, uma
doutrina no se torna universal, no sobrevive a milhares de geraes,
no se implanta de um plo a outro, entre os povos mais
diversificados, pertencentes a todos os graus da escala social, se
no estiver fundada em algo de positivo. O que ser esse algo? o que
nos demonstram as recentes manifestaes. Procurar as relaes que
possam existir entre tais manifestaes e todas essas crenas, buscar
a verdade. A histria da Doutrina Esprita, de certo modo, a histria
do esprito humano; teremos que estud-la em todas as fontes, que nos
fornecero uma mina inesgotvel de observaes to instrutivas quo
interessantes, sobre fatos geralmente pouco conhecidos. Essa parte
nos dar oportunidade de explicar a origem de uma poro de lendas e
de crenas populares, delas destacando o que toca a verdade, a
alegoria e a superstio.
- 23. R E V I S T A E S P R I T A 26 No que concerne s
manifestaes atuais, daremos explicao de todos os fenmenos patentes
que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, quando
nos parecerem merecer a ateno de nossos leitores. De igual modo o
faremos em relao aos efeitos espontneos que por vezes se produzem
entre pessoas alheias s prticas espritas e que revelam, seja a ao
de um poder oculto, seja a emancipao da alma; tais so as vises, as
aparies, a dupla vista, os pressentimentos, os avisos ntimos, as
vozes secretas, etc. narrao dos fatos acrescentaremos a explicao,
tal como ressalta do conjunto dos princpios. A respeito faremos
notar que esses princpios decorrem do prprio ensinamento dado pelos
Espritos, fazendo sempre abstrao de nossas prprias idias. No ser,
pois, uma teoria pessoal que exporemos, mas a que nos tiver sido
comunicada e da qual no seremos seno meros intrpretes. Um grande
espao ser igualmente reservado s comunicaes escritas ou verbais dos
Espritos, sempre que tiverem um fim til, assim como s evocaes de
personagens antigas ou modernas, conhecidas ou obscuras, sem
negligenciar as evocaes ntimas que, muitas vezes, no so menos
instrutivas; numa palavra: abarcaremos todas as fases das
manifestaes materiais e inteligentes do mundo incorpreo. A Doutrina
Esprita nos oferece, enfim, a nica soluo possvel e racional de uma
multido de fenmenos morais e antropolgicos, dos quais somos
testemunhas diariamente e para os quais se procuraria, inutilmente,
a explicao em todas as doutrinas conhecidas. Nesta categoria
classificaremos, por exemplo, a simultaneidade de pensamentos, a
anomalia de certos caracteres, as simpatias e antipatias, os
conhecimentos intuitivos, as aptides, as propenses, os destinos que
parecem marcados pela fatalidade e, num quadro mais geral, o carter
distintivo dos povos, seu progresso ou sua degenerescncia, etc.
citao dos fatos acrescentaremos a pesquisa das causas que os
poderiam ter
- 24. J A N E I R O D E 1 8 5 8 27 produzido. Da apreciao desses
fatos ressaltaro, naturalmente, ensinamentos teis quanto linha de
conduta mais conforme s moral. Em suas instrues, os Espritos
Superiores tm sempre por objetivo despertar nos homens o amor do
bem, atravs dos preceitos evanglicos; por isso mesmo eles nos traam
o pensamento que deve presidir redao dessa coletnea. Nosso quadro,
como se v, compreende tudo quanto se liga ao conhecimento da parte
metafsica do homem; estud-la- emos em seu estado presente e no
futuro, porquanto estudar a natureza dos Espritos estudar o homem,
tendo em vista que ele dever fazer parte, um dia, do mundo dos
Espritos. Eis por que acrescentamos, ao nosso ttulo principal, o de
jornal de estudos psicolgicos, a fim de fazer compreender toda a
sua importncia. Nota: Por mais abundantes sejam nossas observaes
pessoais e as fontes onde as recolhemos, no dissimulamos as
dificuldades da tarefa, nem a nossa insuficincia. Para
suplement-la, contamos com o concurso benevolente de todos quantos
se interessam por essas questes; seremos, pois, bastante
reconhecidos pelas comunicaes que houverem por bem transmitir-nos
acerca dos
diversosassuntosdenossosestudos;aesserespeitochamamosaateno para os
seguintes pontos, sobre os quais podero fornecer documentos: 1o
Manifestaes materiais ou inteligentes obtidas nas reunies s quais
assistirem; 2o Fatos de lucidez sonamblica e de xtase; 3o Fatos de
segunda vista, previses, pressentimentos, etc; 4o Fatos relativos
ao poder oculto, atribudos com ou sem razo a certos indivduos; 5o
Lendas e crenas populares; 6o Fatos de vises e aparies; 7o Fenmenos
psicolgicos particulares, que por vezes ocorrem no instante da
morte; 8o Problemas morais e psicolgicos a resolver;
- 25. R E V I S T A E S P R I T A 28 9o Fatos morais, atos
notveis de devotamento e abnegao, dos quais possa ser til propagar
o exemplo; 10o Indicao de obras antigas ou modernas, francesas ou
estrangeiras, onde se encontrem fatos relativos manifestao de
inteligncias ocultas, com a designao e, se possvel, a citao das
passagens. Do mesmo modo, no que diz respeito opinio emitida sobre
a existncia dos Espritos e suas relaes com os homens, por autores
antigos ou modernos, cujo nome e saber possam lhes dar autoridade.
No daremos a conhecer o nome das pessoas que nos enviarem as
comunicaes, a no ser que, para isto, sejamos formalmente
autorizados. Diferentes Naturezas de Manifestaes Os Espritos
atestam sua presena de diversas maneiras, conforme sua aptido,
vontade e maior ou menor grau de elevao. Todos os fenmenos, dos
quais teremos ocasio de nos ocupar ligam-se, naturalmente, a um ou
outro desses modos de comunicao. Para facilitar a compreenso dos
fatos, acreditamos, pois, dever abrir a srie de nossos artigos pelo
quadro das formas de manifestaes. Pode-se resumi-las assim: 1o Ao
oculta, quando nada tm de ostensivo. Tais, por exemplo, as
inspiraes ou sugestes de pensamentos, os avisos ntimos, a influncia
sobre os acontecimentos, etc. 2o Ao patente ou manifestao, quando
aprecivel de uma maneira qualquer. 3o Manifestaes fsicas ou
materiais: so as que se traduzem por fenmenos sensveis, tais como
rudos, movimento e deslocamento
- 26. J A N E I R O D E 1 8 5 8 29 de objetos. Essas manifestaes
freqentemente no trazem nenhum sentido direto; tm por fim somente
chamar a ateno para qualquer coisa e de convencer-nos da presena de
um poder extra-humano. 4o Manifestaes visuais ou aparies, quando o
Esprito se mostra sob uma forma qualquer, sem nada possuir das
propriedades conhecidas da matria. 5o Manifestaes inteligentes,
quando revelam um pensamento. Toda manifestao que comporta um
sentido, mesmo quando no passa de simples movimento ou rudo; que
acusa certa liberdade de ao; que responde a um pensamento ou
obedece a uma vontade, uma manifestao inteligente. Existem em todos
os graus. 6o As comunicaes so manifestaes inteligentes que tm por
objetivo a troca de idias entre o homem e os Espritos. A natureza
das comunicaes varia conforme o grau de elevao ou de inferioridade,
de saber ou de ignorncia do Esprito que se manifesta, e segundo a
natureza do assunto de que se trata. Podem ser: frvolas,
grosseiras, srias ou instrutivas. As comunicaes frvolas emanam de
Espritos levianos, zombeteiros e travessos, mais maliciosos que
maus, e que no ligam nenhuma importncia ao que dizem. As comunicaes
grosseiras traduzem-se por expresses que chocam o decoro. Procedem
somente de Espritos inferiores ou que se no despojaram ainda de
todas as impurezas da matria. As comunicaes srias so graves quanto
ao assunto e maneira por que so feitas. A linguagem dos Espritos
superiores sempre digna e isenta de qualquer trivialidade. Toda
comunicao que exclui a frivolidade e a grosseria, e que tenha um
fim til, mesmo de interesse particular, , por isso mesmo,
sria.
- 27. R E V I S T A E S P R I T A 30 As comunicaes instrutivas so
as comunicaes srias que tm por objetivo principal um ensinamento
qualquer, dado pelos Espritos sobre as cincias, a moral, a
filosofia, etc. So mais ou menos profundas e mais ou menos
verdadeiras, conforme o grau de elevao e de desmaterializao do
Esprito. Para extrair dessas comunicaes um proveito real, preciso
sejam elas regulares e seguidas com perseverana. Os Espritos srios
ligam-se queles que querem instruir-se e os secundam, ao passo que
deixam aos Espritos levianos, com suas faccias, a tarefa de
divertir os que no vem nessas manifestaes seno uma distrao
passageira. Somente pela regularidade e freqncia das comunicaes que
se pode apreciar o valor moral e intelectual dos Espritos com os
quais nos entretemos, assim como o grau de confiana que merecem. Se
preciso ter experincia para julgar os homens, mais ainda ser
necessrio para julgar os Espritos. Diferentes Modos de Comunicao As
comunicaes inteligentes entre os Espritos e os homens podem ocorrer
por meio de sinais, pela escrita e pela palavra. Os sinais
consistem no movimento significativo de certos objetos e, mais
freqentemente, nos rudos ou golpes desferidos. Quando os fenmenos
comportam um sentido, no deixam dvida quanto interveno de uma
inteligncia oculta, porquanto, se todo efeito tem uma causa, todo
efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Sob a influncia
de certas pessoas, designadas pelo nome de mdiuns, e algumas vezes
espontaneamente, um objeto qualquer pode executar movimentos
convencionados, bater um nmero determinado de golpes e transmitir,
assim, respostas pelo sim e pelo no, ou pela designao das letras do
alfabeto.
- 28. J A N E I R O D E 1 8 5 8 31 Os golpes tambm podem ser
ouvidos sem nenhum movimento aparente e sem causa ostensiva, quer
na superfcie, quer nos prprios tecidos dos corpos inertes, em uma
parede, numa pedra, em um mvel ou em outro objeto qualquer. De
todos esses objetos, por serem os mais cmodos, pela mobilidade e
facilidade com que nos colocamos sua volta, as mesas so os mais
freqentemente utilizados: da a designao do fenmeno em geral pelas
expresses bastante triviais de mesas falantes e de dana das mesas,
expresses que convm banir, primeiro porque se prestam ao ridculo,
depois porque podem induzir em erro, fazendo crer, neste
particular, que elas tenham uma influncia especial. A este modo de
comunicao daremos o nome de sematologia esprita, expresso que d uma
perfeita idia e compreende todas as variedades de comunicaes por
meio de sinais, movimentos dos corpos ou pancadas. Um de nossos
correspondentes chegou mesmo a propor-nos que se designasse
especialmente este ltimo meio, o das pancadas, pela palavra
tiptologia. O segundo modo de comunicao a escrita. Design- lo-emos
sob o nome de psicografia, igualmente empregado por um
correspondente. Para se comunicarem pela escrita, os Espritos
empregam, como intermedirios, certas pessoas, dotadas da faculdade
de escrever sob a influncia da fora oculta que as dirige e que
obedecem a um poder evidentemente fora de seu controle, j que no
podem parar nem prosseguir vontade e, no mais das vezes, no tm
conscincia do que escrevem. Sua mo agitada por um movimento
involuntrio, quase febril; tomam o lpis, malgrado seu, e o deixam
do mesmo modo; nem a vontade, nem o desejo podem faz-la prosseguir,
caso no o deva fazer. a psicografia direta. A escrita obtida tambm
pela s imposio das mos sobre um objeto disposto de modo conveniente
e munido de um
- 29. R E V I S T A E S P R I T A 32 lpis ou qualquer outro
instrumento apropriado a escrever. Geralmente, os objetos mais
empregados so as pranchetas ou as cestas, dispostas
convenientemente para esse efeito. A fora oculta que age sobre a
pessoa transmite-se ao objeto, que se torna, assim, um apndice da
mo, imprimindo-lhe o movimento necessrio para traar os caracteres.
a psicografia indireta. As comunicaes transmitidas pela psicografia
so mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediadora.
Alguns no obtm seno palavras; em outros, a faculdade se desenvolve
pelo exerccio, escrevem frases completas e, freqentemente,
dissertaes desenvolvidas sobre assuntos propostos ou tratados
espontaneamente pelos Espritos, sem que se lhes tenha feito
qualquer pergunta. s vezes a escrita clara e legvel; em outras, s
decifrvel por quem a escreveu e que a l por uma espcie de intuio ou
dupla vista. Sob a mo da mesma pessoa, a escrita muda, em geral, de
maneira completa, com a inteligncia oculta que se manifesta, e o
mesmo tipo de letra se reproduz cada vez que a mesma inteligncia se
manifesta. Esse fato, entretanto, nada tem de absoluto. Os Espritos
transmitem, por vezes, certas comunicaes escritas sem intermedirio
direto. Os caracteres, neste caso, so traados espontaneamente por
um poder extra-humano, visvel ou invisvel. Como til que cada coisa
tenha um nome, a fim de nos podermos entender, daremos a esse modo
de comunicao escrita o de espiritografia, para distingui-la de
psicografia, ou escrita obtida por um mdium. A diferena entre esses
dois vocbulos fcil de apreender. Na psicografia a alma do mdium
desempenha, necessariamente, um certo papel, pelo menos como
intermedirio, ao passo que na espiritografia o Esprito que age
diretamente, por si mesmo.
- 30. J A N E I R O D E 1 8 5 8 33 O terceiro modo de comunicao a
palavra. Certas pessoas sofrem nos rgos vocais a influncia de um
poder oculto que se faz sentir na mo daqueles que escrevem.
Transmitem, pela palavra, o que outras transmitem pela escrita. As
comunicaes verbais, como as escritas, ocorrem algumas vezes sem
intermedirio corpreo. Palavras e frases podem ressoar aos nossos
ouvidos ou em nosso crebro, sem causa fsica aparente. Os Espritos
podem, igualmente, aparecer-nos em sonho ou em estado de viglia, e
dirigir-nos a palavra para nos dar avisos ou instrues. Para seguir
o mesmo sistema de nomenclatura que adotamos para as comunicaes
escritas, deveramos chamar a palavra transmitida pelo mdium, de
psicologia, e a originada diretamente do Esprito, de espiritologia.
Porm, a palavra psicologia j tem uma acepo conhecida e no a podemos
distorcer. Designaremos, pois, todas as comunicaes verbais sob o
nome de espiritologia: as primeiras pelas palavras espiritologia
mediata, e as segundas pelas de espiritologia direta. Dos
diferentes modos de comunicao a sematologia o mais incompleto;
muito lento e no se presta seno com dificuldade a desenvolvimentos
de uma certa extenso. Os Espritos superiores dela no se servem
voluntariamente, seja por causa da lentido, seja porque as
respostas, por sim e por no, so incompletas e sujeitas a erro. Para
o ensino preferem os meios mais rpidos: a escrita e a palavra. Com
efeito, a escrita e a palavra so os meios mais completos para a
transmisso do pensamento dos Espritos, quer pela preciso das
respostas, quer pela extenso dos desenvolvimentos que comportam. A
escrita tem a vantagem de deixar traos materiais e de ser um dos
meios mais adequados para combater a dvida. De resto, no se livre
para escolher; os Espritos comunicam-se pelos meios que julgam
apropriados: isso depende das aptides.
- 31. R E V I S T A E S P R I T A 34 Respostas dos Espritos a
algumas Perguntas P. Como os Espritos podem agir sobre a matria?
Isso parece contrrio a todas as idias que fazemos da natureza dos
Espritos. Resp. Segundo vs, o Esprito nada ; e isso um erro. J vos
dissemos que o Esprito alguma coisa, da porque pode agir por si
mesmo. Vosso mundo, porm, muito grosseiro para que ele possa faz-lo
sem um intermedirio, isto , sem o lao que une o Esprito matria.
Observao Sendo imaterial o prprio lao que une o Esprito matria ou,
pelo menos, impalpvel, essa resposta no resolveria a questo se no
tivssemos o exemplo de foras igualmente imponderveis agindo sobre a
matria: assim que o pensamento a causa primeira de todos os nossos
movimentos voluntrios; que a eletricidade derruba, levanta e
transporta massas inertes. Do fato de no se conhecer o motor, seria
ilgico concluir que ele no existe. O Esprito pode, pois, ter
alavancas que nos so desconhecidas; a Natureza prova diariamente
que o seu poder no se detm no testemunho dos sentidos. Nos fenmenos
espritas, a causa imediata , incontestavelmente, um agente fsico;
mas a causa primeira uma inteligncia que age sobre esse agente,
como o nosso pensamento age sobre nossos membros. Quando queremos
bater, nosso brao que age; no o pensamento que bate, ele dirige o
brao. P. Entre os Espritos que produzem efeitos materiais, os que
se chamam de batedores formam uma categoria especial, ou so os
mesmos que produzem os movimentos e os rudos? Resp. O mesmo
Esprito, certamente, pode produzir efeitos muito diversos; mas h os
que se ocupam mais particularmente de certas coisas, como entre vs
tendes os ferreiros e os que fazem trabalhos pesados.
- 32. J A N E I R O D E 1 8 5 8 35 P. O Esprito que age sobre
corpos slidos, seja para mov-los, seja para bater, encontra-se na
prpria substncia do corpo ou fora dela? Resp. Uma coisa e outra;
dissemos que a matria no um obstculo para os Espritos; eles
penetram tudo. P. As manifestaes materiais, tais como os rudos, o
movimento dos objetos e todos esses fenmenos que nos apraz provocar
freqentemente, so produzidos indistintamente pelos Espritos
superiores e inferiores? Resp. Apenas os Espritos inferiores se
ocupam dessas coisas. Por vezes os Espritos superiores servem-se
deles, como farias com um carregador, a fim de levar a escut-los.
Podeis crer que os Espritos de uma ordem superior estejam s vossas
ordens para vos divertir com pasquinadas? como se perguntsseis se,
em vosso mundo, so os homens sbios e srios que fazem os papis de
malabaristas e bufes. Observao Os Espritos que se revelam por
efeitos materiais so, em geral, de ordem inferior. Divertem ou
espantam aqueles para quem os espetculos visuais tm mais atrativos
que o exerccio da inteligncia; so, de alguma sorte, os saltimbancos
do mundo esprita. Algumas vezes agem espontaneamente; outras vezes,
por ordem dos Espritos superiores. Se as comunicaes dos Espritos
superiores oferecem um interesse mais srio, as manifestaes fsicas
tm igualmente utilidade para o observador. Revelam-nos foras
desconhecidas da Natureza e nos oferecem o meio de estudar o carter
e, se assim nos podemos exprimir, os costumes de todas as classes
da populao esprita. P. Como provar que o poder oculto que age nas
manifestaes espritas est fora do homem? No se poderia pensar que
reside nele mesmo, isto , que age sob o impulso de seu prprio
Esprito?
- 33. R E V I S T A E S P R I T A 36 Resp. Quando uma coisa feita
contra tua vontade e o teu desejo, claro que no s tu quem a produz;
porm, freqentemente s a alavanca de que se serve o Esprito para
agir e tua vontade lhe vem em auxlio; podes ser um instrumento mais
ou menos cmodo para ele. Observao sobretudo nas comunicaes
inteligentes que a interveno de um poder estranho torna-se patente.
Quando essas comunicaes so espontneas e esto fora do nosso
pensamento e controle; quando respondem a perguntas cuja soluo
ignorada pelos assistentes, faz-se necessrio procurar sua causa
fora de ns. Isso se torna evidente para quem quer que observe os
fatos com ateno e perseverana; os matizes de detalhes escapam ao
observador superficial. P. Todos os Espritos so capazes de dar
manifestaes inteligentes? Resp. Sim, visto que todos so
inteligentes; porm, como os h de todos os graus, tal qual ocorre
entre vs, uns dizem coisas insignificantes ou estpidas, outros
coisas sensatas. P. Todos os Espritos esto aptos a compreender as
perguntas que se lhes fazem? Resp. No; os Espritos inferiores so
incapazes de compreender certas perguntas, o que no os impede de
responder bem ou mal; ainda como entre vs. Nota: Por a se v o
quanto essencial pr-se em guarda contra a crena no saber ilimitado
dos Espritos. D-se com eles, o que se d com os homens; no basta
interrogar o primeiro que aparece para ter uma resposta sensata.
preciso saber a quem se dirigir. Quem quer que deseje conhecer os
costumes de um povo, deve estud-lo desde a base at ao cume da
escala; ver somente uma classe dele fazer uma idia falsa, pois se
julga o todo pela
- 34. J A N E I R O D E 1 8 5 8 37 parte. A populao dos Espritos
como a nossa; h de tudo: o bom, o mau, o sublime, o trivial, o
saber e a ignorncia. Quem no os tiver observado seriamente em todos
os graus no se pode gabar de conhec-los. As manifestaes fsicas
fazem-nos conhecer os Espritos de baixa evoluo: so a rua e a
cabana. As comunicaes instrutivas e sbias pem-nos em relao com os
Espritos elevados: so a elite da sociedade, o castelo e o
Instituto. Manifestaes Fsicas Lemos o que se segue em Le
Spiritualiste de la Nouvelle- Orlans, do ms de fevereiro de 1857:
Ultimamente perguntamos se todos os Espritos, indistintamente,
fazem mover as mesas, produzem rudos, etc.; e logo a mo de uma
dama, bastante sria para brincar com essas coisas, traou
violentamente estas palavras: Quem faz danar os macacos em vossas
ruas? Sero os homens superiores? Um amigo, espanhol de nascimento,
que era espiritualista e que faleceu no vero passado, deu-nos
diversas comunicaes; em uma delas encontramos a seguinte passagem:
As manifestaes que procurais no se acham no nmero das que mais
agradam aos Espritos srios e elevados. Confessamos, todavia, que
elas tm sua utilidade, porque, talvez mais que nenhuma outra, podem
ser teis para convencer os homens de hoje. Para obter tais
manifestaes preciso, necessariamente, que se desenvolvam certos
mdiuns, cuja constituio fsica esteja em harmonia com os Espritos
que possam produzi-las. Ningum duvida que os vereis desenvolver-se
mais
- 35. R E V I S T A E S P R I T A 38 tarde entre vs; e, ento, j
no sero pequenos golpes que ouvireis, mas rudos semelhantes ao
crepitar da fuzilaria, entremeados de tiros de canho. Em uma parte
recuada da cidade existe uma casa habitada por uma famlia alem;
nela se ouvem rudos estranhos, enquanto certos objetos so
deslocados; pelo menos foi o que nos asseguraram, porquanto no o
verificamos; mas, pensando que o chefe dessa famlia nos pudesse ser
til, convidamo-lo para algumas das sesses que tm por fim este gnero
de manifestaes e, mais tarde, a mulher desse bravo homem no quis
que ele continuasse entre ns porque, disse-nos este ltimo, o
barulho aumentou em sua casa. A esse respeito, eis o que nos foi
escrito pela mo da senhora ...
NopodemosimpedirosEspritosimperfeitosdefazerem barulho ou outras
coisas que incomodam e mesmo apavoram; mas, o fato de estarem em
contato conosco, que somos bem-intencionados, apenas diminui a
influncia que exercem sobre o mdium em questo. Chamamos a ateno
para a perfeita concordncia existente entre o que os Espritos
disseram em Nova Orlans, com respeito fonte das manifestaes fsicas,
e o que foi dito a ns mesmos. Com efeito, nada pintaria essa origem
com mais energia do que esta resposta, ao mesmo tempo to
espirituosa e profunda: Quem faz danar os macacos nas ruas? Sero os
homens superiores? Teremos ocasio de narrar, conforme os jornais da
Amrica, numerosos exemplos desse tipo de manifestaes, bem mais
extraordinrios do que aqueles que acabamos de citar. Sem dvida
responder-nos-o com este provrbio: A boa mentira vem de longe.
Quando coisas to maravilhosas nos vm de 2.000 lguas e no podemos
verificar, concebe-se a dvida; mas esses fenmenos atravessaram os
mares com o Sr. Home, que deles nos deu provas. verdade que o Sr.
Home no foi para o teatro para operar seus prodgios e que nem todo
o mundo, pagando a entrada, pde v-
- 36. J A N E I R O D E 1 8 5 8 39 los; por isso muitas pessoas o
consideram hbil prestidigitador, sem refletir que a alta sociedade,
que testemunhou esses fenmenos, no se teria prestado com
benevolncia a servir-lhe de patrocinador. Se o Sr. Home fosse um
charlato, no teria tido o cuidado de recusar as brilhantes ofertas
de muitos estabelecimentos pblicos, e teria sado com o ouro a
mancheias. Seu desinteresse a resposta mais peremptria que se pode
dar a seus detratores. Um charlatanismo desinteressado seria uma
insensatez e uma monstruosidade. Mais tarde falaremos
detalhadamente do Sr. Home e da misso que o conduziu Frana.
Enquanto aguardamos, eis um fato de manifestao espontnea que mdico
distinto, digno de toda confiana, nos relatou, e que tanto mais
autntico quando as coisas se passaram com o seu conhecimento
pessoal. Uma famlia respeitvel tinha como empregada domstica uma
jovem rf de catorze anos, cuja bondade natural e doura de carter
haviam-lhe granjeado a afeio dos patres. No mesmo quarteiro
habitava uma outra famlia, cuja mulher, no se sabe por que, havia
tomado essa jovem em antipatia, a tal ponto que no havia mau
procedimento de que ela no fosse o objeto. Um dia, quando voltava,
a vizinha aparece furiosa, armada de uma vassoura, querendo
bater-lhe. Assustada, precipita-se contra a porta e quer tocar a
campainha; infelizmente o cordo encontra-se rompido e ela no pode
alcan-lo; eis, porm, que a campainha agita-se por si mesma e vm
abrir-lhe a porta. Em sua perturbao ela no se deu conta do que se
havia passado; mas, depois, a campainha continuou a tocar de tempo
em tempo, sem motivo aparente, tanto de dia como de noite e, quando
se ia ver porta, no se encontrava ningum. Os vizinhos do quarteiro
foram acusados de pregar essa pea de mau gosto; foi dada queixa ao
comissrio de polcia, que abriu inqurito, investigou se algum cordo
secreto se comunicava com o exterior, mas nada pde descobrir. As
coisas, porm, persistiam cada vez mais, em prejuzo do repouso de
todos e, sobretudo, da pequena empregada, acusada de ser a causa do
barulho. Atendendo ao conselho que lhes foi dado, os patres da
jovem rf decidiram afast-la e a colocaram no campo,
- 37. R E V I S T A E S P R I T A 40 na casa de amigos. Desde
ento, a campainha permaneceu quieta e nada de semelhante se
produziu em seu novo domiclio. Esse fato, como muitos outros que
vamos relatar, no se passou s margens do Missouri ou do Ohio, mas
em Paris, na Passagem dos Panoramas. Resta, agora, explic-lo. A
jovem no tocava a campainha, isso positivo; estava bastante
apavorada com o que se passava para pensar numa farsa, da qual
teria sido a primeira vtima. Uma coisa no menos positiva que o
toque da campainha deveu-se sua presena, uma vez que o efeito
cessou quando ela partiu. O mdico que testemunhou o fato explica-o
por uma poderosa ao magntica, exercida de forma inconsciente pela
jovem criada. Essa explicao de forma alguma nos parece concludente:
por que teria ela perdido esse poder aps a partida? Quanto a isso,
diz ele que o terror inspirado pela presena da vizinha devia
produzir na jovem uma superexcitao, susceptvel de desenvolver a ao
magntica, e que o efeito cessou com a causa. Confessamos no estar
absolutamente convencidos por esse raciocnio. Se a interveno de uma
fora oculta no est aqui demonstrada de maneira evidente, pelo menos
provvel, conforme fatos anlogos que conhecemos. Admitindo,
portanto, essa interveno, diremos que, nas circunstncias em que o
fato se produziu pela primeira vez, um Esprito protetor quis,
provavelmente, que a jovem escapasse do perigo que corria; que,
apesar da afeio que seus patres lhe devotavam, fosse talvez de seu
interesse sair daquela casa. Eis por que o rudo continuou at que
ela tivesse partido. Os Duendes A interveno de seres incorpreos nos
assuntos da vida privada faz parte das crenas populares de todos os
tempos. Por certo no pode entrar no pensamento de nenhuma pessoa
sensata tomar ao p da letra todas as lendas, todas as histrias
diablicas e todos os contos ridculos que se conta prazerosamente
junto lareira. Entretanto, os fenmenos de que somos testemunhas
provam que, mesmo esses
- 38. J A N E I R O D E 1 8 5 8 41 contos, repousam sobre alguma
coisa, porquanto o que se passa em nossos dias deve ter ocorrido em
outras pocas. Tire-se deles o maravilhoso e o fantstico com o qual
a superstio os cobriu de ridculo, e se encontraro todos os
caracteres, fatos e gestos de nossos Espritos modernos; uns so
bons, benevolentes, obsequiosos, tendo prazer em prestar servio,
como os bons Brownies; outros, mais ou menos maliciosos, travessos,
caprichosos e mesmo maus, como os Gobelins da Normandia, conhecidos
pelo nome de Bogles, na Esccia; de Bogharts,
naInglaterra;deCluricanues,naIrlanda,edePucks,naAlemanha.Segundo a
tradio popular, esses duendes penetram nas casas, onde aproveitam
todas as ocasies para brincadeiras de mau gosto. Eles batem nas
portas, deslocam os mveis, aplicam golpes nos tonis, marteladas no
teto e no assoalho, assobiam baixinho, soltam suspiros lamentosos,
puxam os lenis e as cortinas dos que esto deitados, etc.
OBoghartdosinglesesexercesuasmaldadesprincipalmente contra as
crianas, das quais parece ter averso. Toma-lhes freqentemente a
fatia de po amanteigado e a tigela de leite; durante a
noiteagitaascortinasdoleito;sobeedesceasescadascomgrandearrudo;
lanapratossobreoassoalhoeprovocamuitosoutrosestragosnascasas. Em
alguns lugares da Frana os duendes so considerados como uma espcie
de demnio familiar, que se tem o cuidado de alimentar com as mais
delicadas iguarias, porque trazem a seus senhores trigo roubado dos
celeiros. deveras curioso encontrar essa velha superstio da antiga
Glia entre os borussianos do sculo XII (os prussianos de hoje).
Seus Koltkys, ou gnios domsticos iam tambm furtar trigo nos
celeiros para lev-lo queles de quem gostavam. Quem no reconhecer
nessas diabruras, posta de lado a indelicadeza do trigo roubado, do
qual provavelmente os faltosos se desculpavam custa da reputao dos
Espritos quem, dizamos, no reconhecer nossos Espritos batedores e
aqueles que se pode, sem cometer injria, chamar de perturbadores?
Que, se um fato semelhante ao que relatamos acima, da jovem da
Passagem
- 39. R E V I S T A E S P R I T A 42 dos Panoramas, tivesse
acontecido no campo, seria, sem dvida, tido conta do Gobelin do
lugar, depois de amplificado pela fecunda imaginao das comadres; no
faltaria mesmo algum ter visto o pequeno demnio pendurado
campainha, dando risadas e fazendo caretas aos tolos que iam abrir
a porta. Evocaes Particulares ME, ESTOU AQUI! A Sra. *** havia
perdido, h alguns meses, sua filha nica, de catorze anos, objeto de
toda sua ternura e muito digna de seu pesar, pelas qualidades que
dela prometiam fazer uma mulher perfeita. Essa jovem havia
sucumbido a uma longa e dolorosa doena. Inconsolvel com essa perda,
dia a dia a me via sua sade alterar-se, repetindo sem cessar que em
breve iria reunir-se filha. Instruda da possibilidade de
comunicar-se com os seres de alm- tmulo, a Sra. *** resolveu
procurar, numa conversa com a filha, um alvio para sua pena. Uma
senhora de seu conhecimento era mdium; mas as duas, com pouca
experincia para semelhantes evocaes, sobretudo em circunstncia
assim to solene, rogaram- me que as assistisse. ramos apenas trs: a
me, a mdium e eu. Eis o resultado dessa primeira sesso: A me: Em
nome de Deus Todo-Poderoso, Esprito Jlia ***, minha filha querida,
peo-te que venhas, se Deus o permitir. Jlia: Me! Estou aqui! A me:
s tu mesma, minha filha, que me respondes? Como posso saber que s
tu? Jlia: Lili. (Era um pequeno apelido familiar dado jovem em sua
infncia; no era conhecido nem da mdium, nem de mim,
- 40. J A N E I R O D E 1 8 5 8 43 considerando-se que, h vrios
anos, s a chamavam pelo seu nome de Jlia. A esse sinal, a
identidade era evidente; no podendo dominar a emoo, a me explode em
soluos). Jlia: Me! Por que te afliges? Sou feliz, bem feliz: no
sofro mais e te vejo sempre. A me: Mas eu no te vejo. Onde ests?
Jlia: Aqui, ao teu lado, minha mo sobre a Sra. *** (a mdium) para
fazer-lhe escrever o que te digo. V a minha letra (a letra, de
fato, era de sua filha). A me: Dizes: minha mo; tens, ento, um
corpo? Jlia: No tenho mais aquele corpo que tanto me fazia sofrer,
mas lhe guardo a aparncia. No ests contente por que eu no sofro
mais e posso conversar contigo? A me: Se eu te visse, ento,
reconhecer-te-ia? Jlia: Sim, sem dvida, e j me viste muitas vezes
em teus sonhos. A me: De fato, j te revi em meus sonhos, mas pensei
que fosse efeito da imaginao; uma lembrana. Jlia: No; sou eu mesma
que estou sempre contigo e procuro consolar-te; fui eu que te
inspirei a idia de evocar-me. Tenho muitas coisas a te dizer.
Desconfia do Sr. ***; ele no sincero. (Esse senhor, conhecido
apenas da me, e citado assim espontaneamente, era uma nova prova de
identidade do Esprito que se manifestava.) A me: Que pode, pois,
fazer contra mim o Sr. ***?
- 41. R E V I S T A E S P R I T A 44 Jlia: No te posso dizer;
isto me proibido. Apenas te advirto para desconfiares dele. A me:
Ests entre os anjos? Jlia: Oh! Ainda no; no sou bastante perfeita.
A me: Entretanto, eu no via nenhum defeito em ti; tu eras boa,
doce, amvel e benevolente para com todos; isso no basta? Jlia: Para
ti, me querida, eu no tinha nenhum defeito; e eu o acreditava, pois
mo dizias tantas vezes! Mas, agora, vejo o que me falta para ser
perfeita. A me: Como adquirirs as qualidades que te faltam? Jlia:
Em novas existncias, que sero cada vez mais felizes. A me: na Terra
que ters essas novas existncias? Jlia: Nada sei quanto a isso. A
me: Considerando que no havias feito o mal durante tua vida, por
que sofreste tanto? Jlia: Prova! Prova! Eu a suportei com pacincia,
por minha confiana em Deus; sou muito feliz hoje, por isso. At
breve, me querida! Em presena de semelhantes fatos, quem ousaria
falar do vazio do tmulo, quando a vida futura se nos revela assim
to palpvel? Essa me, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma
felicidade inefvel em poder conversar com a filha; no h mais
separao entre elas; suas almas se confundem e se expandem no seio
uma da outra, pela permuta de seus pensamentos.
- 42. J A N E I R O D E 1 8 5 8 45 Apesar da discrio com que
cercamos este relato, no nos permitiramos public-lo, se a isto no
estivssemos formalmente autorizados. Disse-nos aquela me: possam
todos quantos perderam seus afetos na Terra sentir a mesma consolao
que experimento! Acrescentaremos somente uma palavra aos que negam
a existncia dos Espritos bons; perguntamos como poderiam provar que
o Esprito dessa moa fosse um demnio malfazejo. UMA CONVERSO A
evocao seguinte no desperta menor interesse, embora sob um outro
ponto de vista. Um senhor, que designaremos sob o nome de Georges,
farmacutico numa cidade do sul, havia perdido o pai h pouco tempo,
objeto de toda a sua ternura e de uma profunda venerao. O pai do
Sr. Georges aliava a uma instruo muito vasta todas as qualidades
que distinguem o homem de bem, embora professasse opinies muito
materialistas. A esse respeito o filho partilhava e at mesmo
excedia as idias do pai; duvidava de tudo, de Deus, da alma, da
vida futura. O Espiritismo no poderia reconhecer como verdadeiros
tais pensamentos. Todavia, a leitura de O Livro dos Espritos
produziu nele uma certa reao, corroborada por uma entrevista direta
que tivemos com ele. Se meu pai disse pudesse responder-me, no
duvidaria mais. Foi ento que ocorreu a evocao que iremos relatar e
na qual encontraremos mais de um ensinamento. Em nome do
Todo-Poderoso, peo se manifeste o Esprito de meu pai. Estais perto
de mim? Sim. Por que no vos manifestastes diretamente a mim, quando
tanto nos amamos? Mais tarde. Poderemos nos reencontrar um dia?
Sim, breve. Haveremos de nos amar, como nesta vida? Mais. Em que
meio
- 43. R E V I S T A E S P R I T A 46 estais? Sou feliz. Estais
reencarnado ou errante? Errante por pouco tempo. Que sensao
experimentastes quando deixastes vosso invlucro corporal?
Perturbao. Quanto tempo durou essa perturbao? Pouco para mim;
bastante para ti. Podeis avaliar a durao dessa perturbao conforme
nossa maneira de contar? Dez anos para ti, dez minutos para mim.
Mas, no se passou esse tempo todo desde que vos perdi; no h somente
quatro meses? Se estivesses em meu lugar, terias sentido esse
tempo. Acreditais agora em um Deus justo e bom? Sim. Acreditveis
nele quando estveis na Terra? Eu tinha a prescincia, mas no
acreditava nele. Deus Todo-Poderoso? No me elevei at Ele para
avaliar a sua fora; somente Ele conhece os limites de seu poder,
porque s Ele seu igual. Ocupa-se Ele dos homens? Sim. Seremos
punidos ou recompensados conforme nossos atos? Se fazes o mal,
sofrer-lhe-s as conseqncias. Serei recompensado se fizer o bem?
Avanars na tua rota. Estou no caminho certo? Faze o bem e nele
estars. Acredito ser bom, mas estaria melhor se um dia, como
recompensa, vos encontrasse. Que esse pensamento te sustente e te
encoraje! Meu filho ser bom como seu av? Desenvolve suas virtudes,
abafa seus vcios. Custo a crer que estamos nos comunicando, to
maravilhoso me parece este momento. De onde provm tua dvida? De
que, partilhando vossas opinies filosficas, fui levado a tudo
atribuir matria. Vs de noite o que vs de dia? Estou, pois, nas
trevas, meu pai? Sim. Que vedes de mais maravilhoso? Explica-te
melhor. Reencontrastes minha me, minha irm e Ana, a boa Ana? Eu as
revi. Vede-as quando quiserdes? Sim. Achais penoso ou agradvel que
me comunique convosco? Para mim uma felicidade, se posso te
conduzir ao
- 44. J A N E I R O D E 1 8 5 8 47 bem. Voltando para casa, o que
poderia fazer para comunicar-me convosco, o que me faz to feliz?
Isso serviria para conduzir-me melhor e me ajudaria a melhor educar
os meus filhos. Cada vez que um impulso te conduzir ao bem, sou eu;
serei eu a inspirar-te. Calo-me, com receio de importunar-vos. Se
queres ainda, fala. Visto que permitis, dirigir-vos-ei ainda
algumas perguntas. De que afeco morrestes? Minha prova havia
alcanado seu termo. Onde contrastes o abscesso pulmonar que se
manifestou? Pouco importa; o corpo nada ; o Esprito tudo. Qual a
natureza da doena que me desperta to freqentemente, noite? Sab-lo-s
mais tarde. Considero grave minha afeco, e queria viver ainda para
os meus filhos. Ela no o ; o corao do homem uma mquina de vida;
deixa a natureza agir. Visto que estais presente aqui, sob que
forma vos apresentais? Sob a aparncia de minha forma corprea.
Estais em um local determinado? Sim, atrs de Ermance (a mdium).
Podereis tornar-vos visvel a ns? Para qu? Tereis medo. Vede-nos
todos, aqui reunidos? Sim. Tendes uma opinio de cada um de ns? Sim.
Podereis dizer-nos alguma coisa? Em que sentido me fazes essa
pergunta? Do ponto de vista moral. De outra vez; por hoje bastante.
O efeito produzido no Sr. Georges por essa comunicao foi imenso;
uma luz inteiramente nova j parecia clarear-lhe as idias; uma sesso
que houve no dia seguinte, na casa da Sra. Roger, sonmbula,
terminou por dissipar as poucas dvidas que lhe restavam. Eis um
resumo da carta que, a respeito, nos escreveu: Essa senhora entrou
espontaneamente em detalhes comigo, to precisos, com respeito a meu
pai, minha me, meus filhos, minha sade; descreveu todas as
circunstncias de minha
- 45. R E V I S T A E S P R I T A 48 vida com tal preciso,
relembrando mesmo certos fatos que h longo tempo se me haviam
apagado da memria; numa palavra, deu-me provas to patentes dessa
faculdade maravilhosa da qual so dotados os sonmbulos lcidos, que a
reao das idias foi completa em mim desde esse momento. Na evocao,
meu pai havia revelado a sua presena; na sesso sonamblica eu era, a
bem dizer, testemunha ocular da vida extracorprea, da vida da alma.
Para descrever com tanta mincia e exatido, e a duas centenas de
lguas de distncia, o que de mim somente era conhecido, era preciso
ver; ora, uma vez que isso no era possvel com os olhos do corpo,
haveria, portanto, um lao misterioso, invisvel, que ligava a
sonmbula s pessoas e s coisas ausentes, e que ela jamais tinha
visto; havia, pois, algo fora da matria; o que poderia ser esse
algo, seno aquilo que se chama alma, o ser inteligente, do qual o
corpo apenas o invlucro, mas cuja ao se estende muito alm de nossa
esfera de ao? Hoje, no somente o Sr. Georges deixou de ser
materialista, como um dos mais fervorosos e zelosos adeptos do
Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiana que o
futuro agora lhe inspira e pelo prazer que experimenta em praticar
o bem. Essa evocao, bem simples primeira vista, no menos notvel em
muitos aspectos. O carter do Sr. Georges, pai, reflete-se nas
respostas breves e sentenciosas que estavam em seus hbitos; falava
pouco, jamais dizia uma palavra intil; no mais o cptico que fala:
reconhece seu erro; seu Esprito mais livre, mais clarividente,
retratando a unidade e o poder de Deus por estas admirveis
palavras: S Ele seu igual; aquele que em vida referia tudo matria,
diz agora: O corpo nada , o Esprito tudo; e esta outra frase
sublime: Vs noite o que vs de dia? Para o observador atento tudo
tem uma importncia, e assim que a cada passo encontra a confirmao
das grandes verdades ensinadas pelos Espritos.
- 46. J A N E I R O D E 1 8 5 8 49 Os Mdiuns Julgados Os
adversrios da Doutrina Esprita apegaram-se com desvelo a um artigo
publicado pelo Scientific American de 11 de julho ltimo, sob o
ttulo de: Os Mdiuns Julgados. Vrios jornais franceses o
reproduziram como um argumento irretorquvel. Ns mesmos o
reproduzimos, fazendo-o seguir de algumas observaes que lhe
mostraro o valor. H algum tempo, por intermdio do Boston Courier,
uma oferta de 500 dlares (2.500 francos) havia sido feita a toda
pessoa que, em presena e em satisfao de um certo nmero de
professores da Universidade de Cambridge, reproduzisse alguns
desses fenmenos misteriosos que os espiritualistas dizem
freqentemente ser produzidos por meio de agentes chamados mdiuns. O
desafio foi aceito pelo Dr. Gardner e por diversas pessoas que se
vangloriavam de estar em comunicao com os Espritos. Os concorrentes
reuniram-se nos Edifcios Albion, em Boston, na ltima semana de
junho, dispostos a provar o seu poder sobrenatural. Entre eles
notavam-se as senhoritas Fox, que se tornaram to clebres pela sua
superioridade nesse gnero. A comisso, encarregada de examinar as
pretenses dos aspirantes ao prmio, compunha-se dos professores
Pierce, Agassiz, Gould e Horsford, de Cambridge, todos eles sbios
muito distintos. Os ensaios espiritualistas duraram vrios dias;
jamais tinham os mdiuns encontrado mais bela ocasio de pr em
evidncia seu talento ou sua inspirao; mas, como os profetas de
Baal, ao tempo de Elias, em vo invocaram suas divindades, como o
prova a passagem seguinte do relatrio da comisso: Considerando que
o Dr. Gardner no conseguiu apresentar um agente ou mdium que
revelasse a palavra confiada aos Espritos em um quarto vizinho; que
lesse a palavra inglesa escrita no interior de um livro ou sobre
uma folha de papel dobrada;
- 47. R E V I S T A E S P R I T A 50 que respondesse a uma questo
que s as inteligncias superiores so capazes de o fazer; que fizesse
ressoar um piano sem o tocar, ou mover-se uma mesa de um s p sem o
auxlio das mos; que se revelasse impotente para dar dita comisso o
testemunho de um fenmeno que, mesmo com a interpretao mais flexvel
e a maior boa vontade, pudesse ser considerado como equivalente das
provas propostas; de um fenmeno para cuja produo fosse exigida a
interveno de um Esprito, supondo ou, ao menos, implicando essa
interveno; de um fenmeno at ento desconhecido pela cincia, ou cuja
causa no fosse prontamente identificvel pela comisso, bastante
clara para ela, declara, a dita comisso, que o Dr. Gardner no tem
qualquer direito para exigir, do Courrier de Boston, o pagamento da
soma proposta de 2.500 francos. A experincia feita nos Estados
Unidos a propsito dos mdiuns, lembra uma outra, realizada dez anos
atrs, na Frana, pr ou contra os sonmbulos lcidos, isto ,
magnetizados. A Academia de Cincias recebeu a misso de conceder um
prmio de 2.500 francos ao sujet magntico que lesse com os olhos
vendados. Todos os sonmbulos fizeram de bom grado essa experincia,
nos sales ou nos teatros de feira; liam em livros fechados e
decifravam toda uma carta, sentados sobre ela ou colocando-a bem
dobrada e fechada sobre o ventre; porm, diante da Academia, no
foram capazes de ler absolutamente nada e o prmio no foi ganho por
ningum. Essa experincia prova, uma vez mais, da parte de nossos
adversrios, a absoluta ignorncia dos princpios sobre os quais
repousam os fenmenos das manifestaes espritas. Entre eles h a idia
fixa de que tais fenmenos devem obedecer vontade e reproduzir-se
com a preciso de uma mquina. Esquecem completamente ou, melhor
dizendo, no sabem que a causa deles inteiramente moral e que as
inteligncias, que lhes so os agentes imediatos, no obedecem ao
capricho de ningum, sejam mdiuns ou outras pessoas. Os Espritos
agem quando e na presena de quem lhes agrada; freqentemente, quando
menos se espera que as
- 48. J A N E I R O D E 1 8 5 8 51 manifestaes ocorrem com mais
vigor, e quando as solicitamos elas no se verificam. Os Espritos tm
modos de ser que nos so desconhecidos; o que est fora da matria no
pode ser submetido ao cadinho da matria. , pois, equivocar-se
julg-los do nosso ponto de vista. Se acharem til manifestar-se por
sinais particulares, eles o faro; mas jamais nossa vontade, nem
para satisfazer v curiosidade. Alm disso, preciso levar em conta
uma causa bem conhecida, que afasta os Espritos: sua antipatia por
certas pessoas, principalmente por aquelas que, fazendo perguntas
sobre coisas conhecidas, querem pr prova sua perspiccia. Quando uma
coisa existe, pensam, eles devem saber; ora, precisamente porque a
coisa vos conhecida, ou porque tendes os meios de verific-la, que
eles no se do ao trabalho de responder; essa desconfiana os irrita
e nada se obtm de satisfatrio; afasta sempre os Espritos srios, que
ordinariamente no falam seno s pessoas que se lhes dirigem com
confiana e sem pensamento preconcebido. Entre ns no temos exemplo
disso todos os dias? Homens superiores, conscientes de seu valor,
alegrar-se-iam em responder a todas as perguntas ingnuas que
visassem submet-los a um exame, tal como se fossem escolares? Que
fariam se se lhes dissessem: Mas, se no respondeis, porque no
sabeis? Voltariam as costas; o que fazem os Espritos. Se assim,
direis, de qual meio dispomos para nos convencer? No prprio
interesse da Doutrina dos Espritos, no desejvel fazer proslitos?
Responderemos que ter bastante orgulho quem se julga indispensvel
ao sucesso de uma causa; ora, os Espritos no gostam dos orgulhosos.
Convencem quem eles querem; quanto aos que crem em sua importncia
pessoal, demonstram o pouco caso que disso fazem no lhes dando
ouvidos. Eis, de resto, a resposta que deram a duas perguntas sobre
esse assunto: Pode-se pedir aos Espritos sinais materiais como
prova de sua existncia e de seu poder? Resp. Pode-se, sem
dvida,
- 49. R E V I S T A E S P R I T A 52 provocar certas manifestaes,
mas nem todos esto aptos a isso e freqentemente no obtendes o que
pedis; eles no se submetem aos caprichos dos homens. Porm, quando
algum pede esses sinais para se convencer, no haveria utilidade em
satisfaz-lo, pois que seria um adepto a mais? Resposta: Os Espritos
no fazem seno o que querem, e o que lhes permitido; falando e
respondendo s vossas perguntas, atestam a sua presena; isto deve
bastar ao homem srio que busca a verdade na palavra. Escribas e
fariseus disseram a Jesus: Mestre, muito gostaramos que nos
fizsseis ver algum prodgio. Respondeu Jesus: Esta gerao m e adltera
pede um prodgio, mas no lhe ser dado outro seno o de Jonas. (So
Mateus.) Acrescentaremos ainda que conhecer bem pouco a natureza e
a causa das manifestaes espritas quem acredita provoc-las por uma
recompensa qualquer. Os Espritos desprezam a cupidez, tanto quanto
o orgulho e o egosmo. E s essa condio pode ser para eles um motivo
de se absterem de manifestar-se. Sabei, pois, que obtereis cem
vezes mais de um mdium desinteressado do que daquele que movido
pelo incentivo do lucro, e que um milho no lhe faria realizar o que
no deve ser feito. Se uma coisa nos surpreende, que haja mdiuns
capazes de se submeterem a uma prova que tinha por aposta uma soma
de dinheiro. Vises L-se no Courrier de Lyon: Na noite de 27 para 28
de agosto de 1857 um caso singular de viso intuitiva se passou em
Croix-Rousse, nas circunstncias seguintes:
- 50. J A N E I R O D E 1 8 5 8 53 H mais ou menos trs meses, o
casal B..., honestos teceles, movidos por um sentimento de louvvel
comiserao, acolheram em sua casa, na qualidade de domstica, uma
jovem atoleimada que vivia nos arredores de Bourgoing. Domingo
passado, entre duas e trs horas da madrugada, o casal B... foi
acordado em sobressalto pelos gritos lancinantes da empregada, que
dormia num sto, vizinho ao seu quarto. Acendendo uma lmpada, a
senhora B... subiu ao sto e encontrou sua domstica que, derretendo
em lgrimas e numa exaltao de esprito difcil de descrever, torcia os
braos em horrveis convulses e chamava sua me que, dizia, acabara de
ver morrer. Depois de consolar a jovem como melhor lhe foi possvel,
A Sra. B... retornou ao seu quarto. Esse incidente estava quase
esquecido quando ontem, tera-feira, no perodo da tarde, um carteiro
dos Correios trouxe Sra. B... uma carta do tutor da mocinha,
informando a esta ltima que, na noite de domingo para segunda-
feira, entre duas e trs horas da madrugada, sua me havia morrido,
em conseqncia de uma queda que sofreu do alto de uma escada. A
pobre idiota partiu ontem mesmo de manh para Bourgoing, acompanhada
pelo Sr. B..., seu patro, para receber a parte dos bens que lhe
cabia na herana da me, cujo fim deplorvel vira to tristemente em
sonho. Os fatos dessa natureza no so raros e muitas vezes teremos
ocasio de nos referir queles cuja autenticidade no poderia ser
contestada. Algumas vezes se produzem durante o sono, em estado de
sonho; ora, como os sonhos nada mais so que um estado de
sonambulismo natural incompleto, designaremos as vises que ocorrem
nesse estado sob o nome de vises sonamblicas, para
- 51. R E V I S T A E S P R I T A 54 distingui-las das que se do
em estado de viglia e que chamaremos vises pela dupla vista.
Finalmente, chamaremos de vises extticas as que ocorrem no xtase;
em geral tm por objeto os seres e as coisas do mundo incorpreo. O
fato seguinte pertence segunda categoria. Um armador, nosso
conhecido, residente em Paris, narrou-nos h poucos dias o seguinte:
No passado ms de abril, estando um pouco indisposto, fui passear
com meu scio nas Tulherias. Fazia um tempo magnfico; o jardim
estava cheio de gente. De repente, a multido desaparece aos meus
olhos; j no sinto meu corpo; sou como que transportado e vejo
distintamente um navio entrando no porto do Havre. Reconheo-o por
Clmence, que aguardvamos das Antilhas; vi-o atracar ao cais,
distinguindo claramente os mastros, as velas, os marinheiros e os
mais minuciosos detalhes, como se l estivesse. Ento disse ao meu
companheiro: Eis o Clmence que chega; receberemos notcia hoje
mesmo; sua travessia foi feliz. Voltando para casa, entregaram-me
um telegrama; antes de o ler, eu disse: o anncio da chegada do
Clmence, que entrou no Havre s trs horas. Realmente, o telegrama
confirmava a entrada na mesma hora em que eu o tinha visto das
Tulherias. Quando as vises tm por objeto os seres do mundo
incorpreo, poder-se-ia, aparentemente com alguma razo, qualific-
las de alucinao, porque nada lhes pode demonstrar a exatido; porm,
nos dois casos que acabamos de narrar, a verdade mais palpvel e
mais positiva que se evidencia. Desafiamos todos os fisiologistas e
todos os filsofos a que no-los expliquem pelos sistemas ordinrios.
Somente a Doutrina Esprita capaz de faz- lo, atravs do fenmeno da
emancipao da alma que, escapando momentaneamente de seus tentculos
materiais, transporta-se para alm da esfera da atividade corporal.
No primeiro caso, provvel que a alma da me veio procurar a filha
para avis-la de sua morte; mas, no segundo, o que certo que no foi
o navio que veio encontrar o armador nas Tulherias; preciso, pois,
tenha sido a alma deste que o foi procurar no Havre.
- 52. J A N E I R O D E 1 8 5 8 55 Reconhecimento da Existncia
dos Espritos e de suas Manifestaes Se as primeiras manifestaes
espritas fizeram numerosos adeptos, no somente encontraram muitos
incrdulos, mas adversrios ferrenhos e, muitas vezes, at
interessados em seu descrdito. Hoje, os fatos falam to alto que
foroso reconhecer a evidncia e, se ainda existem incrdulos
sistemticos, podemos predizer-lhes com segurana que no se passaro
muitos anos para acontecer com os Espritos o que se deu com a maior
parte das descobertas, que foram pertinazmente combatidas ou
encaradas como utopias por aqueles cujo saber deveria t-los tornado
menos cpticos no que diz respeito ao progresso. J vimos muitas
pessoas, entre as que no se aprofundaram nesses estranhos fenmenos,
concordar que nosso sculo to fecundo em fatos extraordinrios, a
Natureza tem tantos recursos desconhecidos, que seria mais que
leviandade negar-se a possibilidade daquilo que se no compreende.
Esses tais do prova de sabedoria. Eis aqui uma autoridade que no
poderia ser suspeita de prestar-se levianamente a uma mistificao, a
Civilt Cattolica, um dos principais jornais eclesisticos de Roma.
Reproduziremos, mais adiante, um artigo que esse jornal publicou no
ms de maro passado, no qual se ver que seria difcil provar a
existncia e a manifestao dos Espritos por argumentos mais
peremptrios. verdade que divergimos dele sobre a natureza dos
Espritos; no admitem seno os maus, enquanto admitimos bons e maus;
um ponto que abordaremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos
necessrios. O reconhecimento das manifestaes espritas por uma
autoridade to grave e to respeitvel um ponto capital. Resta, pois,
julg-las: o que faremos no prximo nmero. Reproduzindo o artigo, o
Univers o faz preceder das seguintes e sbias reflexes: Por ocasio
da publicao de uma obra, em Ferrara, sobre a prtica do magnetismo
animal, referimos aos nossos leitores os sbios artigos que acabavam
de aparecer na Civilt Cattolica, de
- 53. R E V I S T A E S P R I T A 56 Roma, sobre a Necromancia
moderna, reservando-nos trazer-lhes mais amplas informaes.
Publicamos hoje o ltimo desses artigos que, em algumas pginas,
contm as concluses da revista romana. Alm do interesse que
naturalmente se liga a essas matrias, e a confiana que deve
inspirar um trabalho publicado pela Civilt, a oportunidade
particular da questo nos dispensa, neste momento, de chamar a ateno
para uma matria que muitas pessoas, na teoria como na prtica,
trataram de maneira to pouco sria, a despeito da regra de vulgar
prudncia que recomenda sejam os fatos examinados com tanto maior
circunspeo quanto mais extraordinrios paream. Eis o artigo: De
todas as teorias lanadas para explicar naturalmente os diversos
fenmenos conhecidos sob o nome de espiritualismo americano, no h
uma s que alcance o objetivo, e, menos ainda, consiga dar a razo de
todos eles. Se uma ou outra dessas hipteses suficiente para
explicar alguns desses fenmenos, sempre restar alguns que
permanecero inexplicveis. A fraude, a mentira, o exagero, as
alucinaes sem dvida devem ter uma grande parte nos fatos referidos;
mas, feito o desconto, resta ainda um volume tal que, para negar a
realidade, seria preciso recusar toda f na autoridade dos sentidos
e no testemunho humano. Entre os fatos em questo, um certo nmero
pode ser explicado pela teoria mecnica ou mecnico-fisiolgica; porm,
h uma parte, muito mais considervel, que no se presta de maneira
alguma a uma explicao desse gnero. A essa ordem de fatos se ligam
todos os fenmenos nos quais, dizem, os efeitos obtidos ultrapassam,
evidentemente, a intensidade da fora motriz que os deveria
produzir. Tais so: 1o os movimentos; os sobressaltos violentos de
massas pesadas e solidamente equilibradas, simples presso e ao leve
toque das mos; 2o os efeitos e os movimentos que se produzem sem
nenhum contato, conseqentemente sem qualquer impulso mecnico, seja
imediato ou mediato; e, enfim, esses outros efeitos, que so de
natureza a manifestar, em quem os produz, uma inteligncia e uma
vontade distintas das dos experimentadores. Para dar a razo dessas
trs ordens de fatos diversos, temos ainda a teoria do
magnetismo;
- 54. J A N E I R O D E 1 8 5 8 57 mas, por maiores que sejam as
concesses que se lhe disponha a fazer, e mesmo admitindo, de olhos
fechados, todas as hipteses gratuitas sobre as quais ela se funda,
todos os erros e absurdos de que est repleta, e as faculdades
miraculosas por ela atribudas vontade humana, ao fluido nervoso ou
a quaisquer outros agentes magnticos, jamais poder essa teoria, com
o auxlio desses princpios, explicar completamente como uma mesa
magnetizada por um mdium manifesta em seus movimentos uma
inteligncia e uma vontade prprias, isto , distintas das do mdium e
que, por vezes, so contrrias e superiores sua inteligncia e
vontade. Como dar a razo de semelhantes fenmenos? Queremos, tambm
ns, recorrer a no sei que causas ocultas, a que foras ainda
desconhecidas da Natureza?; a explicaes novas de certas faculdades,
de certas leis que, at o presente, permaneceram inertes e como que
adormecidas no seio da Criao? Estaramos, desse modo, confessando
abertamente a nossa ignorncia e levando o problema a aumentar o
nmero de tantos enigmas, dos quais o pobre esprito humano no pde,
at o momento, nem poder jamais decifrar. Alis, no hesitamos em
confessar nossa ignorncia em relao a vrios dos fenmenos em questo,
dos quais a natureza to equvoca e to obscura, que a atitude mais
prudente, parece-nos, no tentar explic-los. Em compensao, h outros
para os quais no nos difcil encontrar a soluo; verdade que
impossvel busc-la nas causas naturais; por que, ento, hesitaramos
em recorrer s causas que pertencem ordem sobrenatural? Talvez
fssemos desviados pelas objees que nos opem os cpticos e os que,
negando essa ordem sobrenatural, nos digam que no se pode definir
at onde se estendem as foras da Natureza; que o campo que ainda
resta descobrir pelas cincias fsicas no tem limites e que ningum
conhece suficientemente bem quais so os limites da ordem natural
para poder indicar, com preciso, o ponto onde termina esta e comea
a outra. A resposta a tal objeo parece-nos fcil: admitindo que no
se possa determinar, de modo preciso, o ponto de diviso dessas duas
ordens opostas, a natural e a sobrenatural, no se segue da que seja
impossvel definir
- 55. R E V I S T A E S P R I T A 58 com certeza se um dado
efeito pertence a esta ou quela. Quem pode, no arco-ris, distinguir
o ponto preciso onde acaba uma cor e comea a seguinte? Quem pode
fixar o instante exato onde termina o dia e comea a noite? E,
entretanto, no h um s homem, por mais limitado que seja, que no
distinga se tal zona do arco-ris vermelha ou amarela, se a tal hora
dia ou noite. Quem no percebe que, para conhecer a natureza de um
fato, de modo algum necessrio passar pelo limite onde comea ou
termina a categoria qual o mesmo pertence, e que basta constatar se
tem os caracteres peculiares a essa categoria? Apliquemos essa
observao to simples presente questo: no podemos dizer at onde vo as
foras da Natureza; entretanto, dando-se um fato podemos dizer,
muitas vezes, com certeza, segundo seus caracteres, que ele
pertence ordem sobrenatural. E, para no sair do nosso problema,
entre os fenmenos das mesas falantes h vrios que, em nossa opinio,
manifestam esses caracteres da maneira mais evidente; tais so
aqueles nos quais o agente que move as mesas age como causa
inteligente e livre, ao mesmo tempo em que revela uma inteligncia e
uma vontade prprias, isto , superiores ou contrrias inteligncia e
vontade dos mdiuns, dos experimentadores, dos assistentes; numa
palavra, distintas destas, qualquer que seja o modo que ateste essa
distino. Seja como for, em casos tais somos forados a admitir que
esse agente um Esprito, e no um Esprito humano, estando, desde
ento, fora dessa ordem, dessas causas que costumamos chamar
naturais, daquelas que no ultrapassam as foras do homem. Tais so
precisamente os fenmenos que, como dissemos acima, resistiram a
toda teoria baseada sobre princpios puramente naturais, enquanto na
nossa eles encontram mais fcil e clara explicao, pois todos sabem
que o poder dos Espritos sobre a matria ultrapassa de muito o poder
do homem, e porque no h efeito maravilhoso, entre os citados da
necromancia moderna, que no possa ser atribudo sua ao.
- 56. J A N E I R O D E 1 8 5 8 59 Sabemos perfeitamente que, em
nos vendo colocar em cena os Espritos, mais de um leitor sorrir de
piedade. Sem falar dos que, verdadeiros materialistas, no acreditam
na existncia dos Espritos e rejeitam como fbula tudo quanto no seja
matria pondervel e palpvel, como tambm aqueles que, admitindo que
existem Espritos, negam-lhes qualquer influncia ou interveno no que
diz respeito ao nosso mundo; h, em nossos dias, muitas criaturas
que, concedendo aos Espritos o que nenhum bom catlico lhes poderia
recusar, isto , a existncia e a faculdade de intervir nos fatos da
vida humana, de maneira oculta ou patente, ordinria ou
extraordinria, parecem todavia desmentir sua f na prtica, e
considerar como uma vergonha, como um excesso de credulidade, como
uma superstio de mulher velha, admitir a ao dos mesmos Espritos em
certos casos especiais, contentando-se, em geral, em no neg-la. Em
verdade, h um sculo zombou-se tanto da simplicidade da Idade Mdia,
acusando-a de ver Espritos, sortilgios e feiticeiros por toda
parte, e tanto se invectivou a esse respeito, que no de admirar que
tantas cabeas fracas, querendo parecer fortes, experimentem agora
repugnncia e uma espcie de vergonha em crer na interveno dos
Espritos. Mas esse excesso de incredulidade no menos despropositado
do que em outras pocas o foi o excesso contrrio; se, em semelhante
matria, crer em demasia leva a vs supersties, por outro lado, nada
querer admitir conduz diretamente impiedade do naturalismo. O homem
sbio, o cristo prudente deve, pois, do mesmo modo, evitar esses
dois extremos e manter-se firme na linha intermediria: a esto a
verdade e a virtude. Agora, nessa questo das mesas falantes, para
que lado nos far inclinar uma f prudente? A primeira, a mais sbia
das regras que nos impe essa prudncia ensina-nos que, para explicar
os fenmenos que oferecem um carter extraordinrio, somente se deve
recorrer s causas sobrenaturais se as pertencentes ordem natural no
forem suficientes para os explicar. Em compensao, da resulta a
obrigao de admitir as primeiras, quando as segundas so
- 57. R E V I S T A E S P R I T A 60 insuficientes; justamente o
nosso caso. Com efeito, entre os fenmenos de que falamos, h aqueles
para os quais nenhuma teoria, nenhuma causa puramente natural
poderia dar razo. Assim, pois, no s prudente, mas necessrio mesmo
procurar sua explicao na ordem sobrenatural ou, em outras palavras,
atribu- los a Espritos puros, visto que, fora e acima da Natureza,
outra causa possvel no existe. Eis uma segunda regra, um criterium
infalvel para se afirmar, a respeito de um fato qualquer, se
pertence ordem natural ou sobrenatural: examinar-lhe bem os
caracteres e, conforme eles, determinar a natureza da causa que o
produziu. Ora,