Revista1858

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REVISTA ESPÍRITA Jornal de Estudos Psicológicos

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  1. 1. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos
  2. 2. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos Contm: O relato das manifestaes materiais ou inteligentes dos Espritos, aparies, evocaes, etc., bem como todas as notcias relativas ao Espiritismo. O ensino dos Espritos sobre as coisas do mundo visvel e do invisvel; sobre as cincias, a moral, a imortalidade da alma, a natureza do homem e o seu futuro. A histria do Espiritismo na Antigidade; suas relaes com o magnetismo e com o sonambulismo; a explicao das lendas e das crenas populares, da mitologia de todos os povos, etc. Publicada sob a direo de ALLAN KARDEC Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente est na razo da grandeza do efeito. ANO PRIMEIRO 1858 TRADUO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA FEDERAO ESPRITA BRASILEIRA
  3. 3. SumrioPRIMEIRO VOLUME ANO DE 1858 Apresentao da FEB 12 Notas do Tradutor 16 JANEIRO Introduo 21 Diferentes Naturezas de Manifestaes 28 Diferentes Modos de Comunicao 30 Respostas dos Espritos a Algumas Perguntas 34 Manifestaes Fsicas 37 Os Duendes 40 Evocaes Particulares Me, estou aqui! 42 Uma converso 45 Os Mdiuns Julgados 49 Vises 52 Reconhecimento da Existncia dos Espritos e de suas Manifestaes 55 Histria de Joana dArc 62 O Livro dos Espritos Apreciaes diversas 63
  4. 4. FEVEREIRO Diferentes Ordens de Espritos 71 Escala Esprita 73 O Fantasma da Senhorita Clairon 80 Isolamento dos Corpos Pesados 86 A Floresta de Dodona e a Esttua de Memnon 89 A Avareza por So Lus 94 Conversas de Alm-Tmulo Senhorita Clary D. 97 Sr. Home primeiro artigo 99 Manifestaes dos Espritos Paul Auguez 106 MARO Pluralidade dos Mundos 109 Jpiter e alguns outros Mundos 112 Confisses de Lus XI primeiro artigo 120 A Fatalidade e os Pressentimentos 123 Utilidade de Certas Evocaes Particulares 126 Conversas Familiares de Alm-Tmulo O assassino Lemaire 128 A rainha de Oude 133 O Doutor Xavier 138 Sr. Home segundo artigo 143 Magnetismo e Espiritismo 148
  5. 5. ABRIL Perodo Psicolgico 151 O Espiritismo entre os Druidas 153 Evocao de Espritos na Abissnia 169 Conversas Familiares de Alm-Tmulo Descrio de Jpiter 171 Mehemet-Ali 182 Sr. Home terceiro artigo 188 Variedades 191 MAIO Teoria das Manifestaes Fsicas primeiro artigo 193 O Esprito Batedor de Bergzabern primeiro artigo 199 Consideraes sobre o Esprito Batedor de Bergzabern 206 O Orgulho por So Lus 208 Problemas Morais Dirigidos a So Lus 210 Metades Eternas 211 Conversas Familiares de Alm-Tmulo Mozart 216 O Esprito e os herdeiros 225 Morte de Lus XI segundo artigo 227 Variedades O falso Home 229
  6. 6. Manifestaes no Hospital de Saintes 232 Sociedade Parisiense de Estudos Espritas 233 JUNHO Teoria das Manifestaes Fsicas segundo artigo 235 O Esprito Batedor de Bergzabern segundo artigo 241 A Preguia por So Lus 254 Conversas Familiares de Alm-Tmulo O Sr. Morisson, monomanaco 255 O suicida da Samaritana 259 Confisses de Lus XI terceiro artigo 263 Henri Martin Comunicaes extracorpreas 268 Variedades Os banquetes magnticos 272 JULHO A Inveja por So Lus 275 Uma Nova Descoberta Fotogrfica 277 O Esprito Batedor de Bergzabern terceiro artigo 284 Conversas Familiares de Alm-Tmulo O tambor de Beresina 287 Espritos Impostores O falso Padre Ambrsio 298 Uma Lio de Caligrafia por um Esprito 304 Correspondncia 309
  7. 7. AGOSTO Contradies na Linguagem dos Espritos 321 A Caridade por So Vicente de Paulo 335 O Esprito Batedor de Dibbelsdorf 340 Observaes a Propsito dos Desenhos de Jpiter 344 Habitaes do Planeta Jpiter pelo Sr. Victorien Sardou 347 SETEMBRO Propagao do Espiritismo 363 Plato: Doutrina da Escolha das Provas 371 Um Aviso de Alm-Tmulo 379 Os Gritos da Noite de So Bartolomeu 385 Conversas Familiares de Alm-Tmulo: Sra. Schwabenhaus 386 Os Talisms Medalha cabalstica 393 Problemas Morais Suicdio por amor 396 Observaes sobre o Desenho da Casa de Mozart 399 OUTUBRO Obsediados e Subjugados 403 Emprego Oficial do Magnetismo Animal 419 O Magnetismo e o Sonambulismo Ensinados pela Igreja 421 O Mal do Medo 423
  8. 8. Teoria do Mvel de Nossas Aes 425 Assassinato de Cinco Crianas por outra de Doze Anos problema moral 429 Questes de Espiritismo Legal 432 Fenmenos de Apario 439 NOVEMBRO Polmica Esprita 443 Pluralidade das Existncias Corpreas 445 Problemas Morais sobre o suicdio 455 Conversas Familiares de Alm-Tmulo Mehemet-Ali segunda conversa 457 O Doutor Muhr 460 Madame de Stal 463 Mdium Pintor 467 Independncia Sonamblica 472 Uma Noite Esquecida ou a Feiticeira Manouza por Frderic Souli 475 Variedades: O General Marceau (apario) 482 DEZEMBRO Aparies 483 Sr. Adrien, Mdium Vidente 487 Um Esprito nos Funerais de seu Corpo 490
  9. 9. Fenmenos de Bicorporeidade 493 Sensaes dos Espritos 498 Dissertaes de Alm-Tmulo O sono 507 As flores 509 O papel da mulher 511 Poesia Esprita O despertar de um Esprito 513 Conversas Familiares de Alm-Tmulo Uma viva de Malabar 515 A Bela Cordoeira 517 Variedades Monomania 523 Uma questo de prioridade... 524 Aos Leitores da Revista Esprita 526 **** Bibliografia consultada 531 Nota Explicativa 537
  10. 10. Apresentao da FEB a condio de uma das mais antigas e constantes divulgadoras das obras de Allan Kardec, a Federao Esprita Brasileira tem a grata satisfao de iniciar, com a publicao deste volume, a traduo completa dos doze primeiros tomos da Revista Esprita, referentes aos anos de 1858 a 1869, como parte das homenagens que sero prestadas em 2004 pelo transcurso do bicentenrio de nascimento do Codificador da Doutrina Esprita. A iniciativa que ora tomamos visa tornar acessvel aos leitores de lngua portuguesa mais uma traduo do primeiro e mais importante peridico de difuso do Espiritismo, acervo extraordinrio constitudo por quase cinco mil pginas, em sua maior parte da lavra do prprio Allan Kardec, contido nos volumes que sofreram a sua influncia direta e pessoal. Logo na introduo com que abriu o primeiro nmero, ao referir-se Revista Esprita, diz Allan Kardec: No se pode contestar a utilidade de um rgo especial, que ponha o pblico a par do progresso desta nova Cincia e o previna contra os excessos da credulidade, bem como do cepticismo. uma tal lacuna que nos propomos preencher com a publicao desta Revista, com vistas a oferecer um meio de comunicao a todos quantos se interessam por estas questes e de ligar, por um lao comum, os que compreendem a Doutrina Esprita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prtica do bem e a caridade evanglica para com todos. 1 1 Revista Esprita, Introduo, janeiro/1858. N
  11. 11. Era mais uma manifestao da clarividncia do Codificador. O xito de O Livro dos Espritos, dado a lume no ano anterior, ultrapassara todas as expectativas. Allan Kardec recebia de todos os lados relatrios de extraordinrios fatos espritas, correspondncias indagando sobre tal ou qual ponto da doutrina, visitas de pessoas que ansiavam por esclarecimentos maiores, inclusive dignitrios da nobreza local e de outros pases, sem falar nos recortes de jornais, com seus comentrios muitas vezes injuriosos sobre o Espiritismo. At ento a Frana no dispunha de um nico jornal que veiculasse as grandes vozes do Cu, que j se faziam ouvir de forma ordenada e sistemtica em todas as latitudes do planeta, pois eram chegados os tempos em que todas as coisas haveriam de ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos. 2 Situao diversa ocorria em outros pases; os Estados Unidos, por exemplo, dispunham de dezessete jornais, em lngua inglesa, consagrados s manifestaes medinicas que, nos tempos modernos, acabavam de eclodir em Hydesville. Dando-se conta da imperiosa necessidade de criar uma folha que periodicamente pusesse os estudiosos dos fenmenos espritas a par do que se passava no mundo e os instrusse de modo ordenado sobre as mais variadas questes doutrinrias, Allan Kardec ps mos obra, a despeito de lhe faltar o tempo necessrio para semelhante empreendimento, considerando-se os seus afazeres pessoais, inclusive os voltados para a prpria subsistncia. A princpio, cogitou do patrocnio de algum que pudesse colaborar financeiramente com a obra, mas razes providenciais fizeram com que no lograsse xito em tal intento. De fato, consultando seus Orientadores Espirituais quanto viabilidade do plano, foi-lhe aconselhado que perseverasse no seu propsito, que no se intimidasse ante as dificuldades e que haveria tempo para tudo. 2 O Evangelho segundo o Espiritismo, Prefcio.
  12. 12. Relativamente apresentao do peridico, o Esprito comunicante transmitiu estas oportunas instrues: Ser preciso que lhe dispenses muito cuidado, a fim de assentares as bases de um bom xito durvel. A apresent-lo defeituoso, melhor ser nada fazer, porquanto a primeira impresso pode decidir do seu futuro. De comeo, deves cuidar de satisfazer curiosidade; reunir o srio ao agradvel: o srio para atrair os homens de Cincia, o agradvel para deleitar o vulgo. Esta parte essencial, porm a outra mais importante, visto que sem ela, o jornal careceria de fundamento slido. Em suma, preciso evitar a monotonia por meio da variedade, congregar a instruo slida ao interesse.3 Tais instrues seriam escrupulosamente observadas pelo Codificador. Finalmente, a 1o de janeiro de 1858, era dado a lume o primeiro nmero da Revista Esprita, por conta e risco do Codificador, no dispondo de nenhum assinante e de nenhum auxlio financeiro. Como diria mais tarde Kardec, ... no tive de que me arrepender, porquanto o resultado ultrapassou a minha expectativa e esse jornal se me tornou poderoso auxiliar. 4 Segundo as prprias palavras de seu fundador, a Revista seria uma tribuna livre, na qual, porm, a discusso jamais se afastar das normas da mais estrita convenincia. E acrescentava: Numa palavra: discutiremos, mas no disputaremos. 5 Embora lhe fosse pesada a tarefa, Allan Kardec dirigiu a Revista Esprita at 31 de maro de 1869, sendo responsvel, tambm, pelo fascculo de abril do mesmo ano, que j se achava composto antes da sua desencarnao. Trabalhava sozinho, sem entrave de qualquer vontade estranha. Enfrentou incessantemente as mais speras lutas, as mais violentas tempestades, a fim de deixar aos continuadores de sua querida revista um campo de trabalho menos rduo e de horizontes mais bem definidos. 6 3 Obras Pstumas, 2a parte, artigo sobre a Revista Esprita. 4 Obras Pstumas, 2a parte, em nota ao artigo sobre a Revista Esprita. 5 Revista Esprita, 1858, Introduo. 6 Allan Kardec, vol. III, cap. I, item 2.
  13. 13. Nos seus primeiros doze anos, a Revista Esprita foi o complemento e o desenvolvimento da obra doutrinria encetada por Allan Kardec e, tambm, o seu principal esteio. Alm do Codificador, a Revista contou com a colaborao de centenas de participantes, encarnados e desencarnados, franceses e de outras naes, dentre os quais cientistas, literatos, filsofos, religiosos e homens do povo, cada qual ajudando a lanar, na sua respectiva esfera de ao, os alicerces sobre os quais se ergueria o portentoso edifcio do Espiritismo. Pois esse acervo inestimvel que a Federao Esprita Brasileira tem o prazer de colocar disposio dos estudiosos da Doutrina Esprita e de todos os interessados na sua difuso. Braslia (DF), 18 de abril de 2004. Federao Esprita Brasileira Nestor Joo Masotti Presidente
  14. 14. Notas do tradutor o logo assumimos o compromisso de verter para o portugus a Revista Esprita de Allan Kardec, sentimo-nos tomado de certa apreenso, diante da prpria magnitude do trabalho: doze alentados volumes, publicados em Paris sob a responsabilidade direta do Codificador, no perodo de 1858 a 1869, totalizando quatro mil, quinhentas e sessenta e oito pginas, a partir dos originais franceses que integram o acervo da Biblioteca de Obras Raras da Federao Esprita Brasileira, em Braslia. A par desse aspecto puramente material, a emoo de mergulhar,porassimdizer, nasuavepsicosferadoEspiritismonascente, cujas claridades comeavam a derramar-se sobre a Humanidade sofredora, em cumprimento promessa de Jesus de ficar eternamente conosco. Conscientes de estar lidando com preciosa ferramenta, desde logo assumimos o compromisso inarredvel de jamais deturpar a verdade, de maneira a garantir a necessria fidelidade ao texto traduzido; em pleno sculoXXI, jnopodamosincorrernasvelhasartimanhasdopassado, que o tempo, por certo, j sepultou. Quem no se lembra das intercalaes, supresses e outras modificaes lamentveis que pontificaram nos tempos de intolerncia, inseridas nos Evangelhos justamente por aqueles que deveriam zelar pela pureza dos ensinamentos de Jesus? Legislando em causa prpria e a soldo de propsitos inconfessveis, muitas vezes a verdade foi ardilosamente escamoteada pelos prprios telogos que serviam Igreja dominante, com vistas a coonestar as suas doutrinas insustentveis. T
  15. 15. E, como se tudo isso no bastasse, o receio, natural e compreensvel, de abraar atividade at ento confiada somente a inteligncias de escol, da expresso de Lus Olmpio Guillon Ribeiro e Manuel Justiniano de Freitas Quinto, para no nos afastarmos da Federao Esprita Brasileira, nem de suas irrepreensveis tradues das obras bsicas de Allan Kardec. Entretanto, e fazendo abstrao do contedo e do significado extraordinrios da Revista Esprita, essa tarefa representava uma oportunidade inesquecvel de rever Paris com os olhos da alma... Por certo, no a Paris futurista de La Dfense, travestida de megalpole americana, mas aquela da Belle poque, embelezada por Napoleo III e envolvida na charmante atmosfera do sculo XIX, com seus Boulevards adornados de pltanos e olmos, rverbres e cafs, sempre apinhados de gente bonita... Mais uma vez percorrer aquelas ruas, vielas e locais, outrora to familiares ao Codificador: Vaugirard, Grange-Batelire, Rochechouart, Passage Sainte- Anne, Sgur, Harpe, Martyrs, Tiquetonne, Svres, Odon, Tuileries, Luxembourg, Palais-Royal, Galerie dOrlans, Montparnasse, Montmartre, Pre-Lachaise... Mirar novamente as belezas da Cidade Luz, cuja magia a linguagem humana incapaz de retratar... De fato, como descrever as brumas da manh, os matizes dourados do outono, o suave encanto do entardecer, o cintilar das estrelas no firmamento e o frenesi dos transeuntes nos Champs-Elyses? Devaneios parte, importante no se perder de vista que a traduo de uma obra tarefa espinhosa7 . Por mais cuidadosa, por mais fiel e honesta, jamais expressar, na sua inteireza, as variadas nuanas da lngua original. H palavras, sentenas e mximas que no encontram equivalncia satisfatria em nossa lngua. Por outro 7 Vide bibliografia consultada no final deste volume.
  16. 16. lado, as prprias emoes se diluem ou se ampliam ao serem transferidas de uma para outra cultura, sem falar das armadilhas que nos so estendidas quando traduzimos literalmente ou mais grave ainda quando interpretamos o pensamento do autor, na inglria tentativa de superar o texto original. A par disto, a desejvel observncia das regras gramaticais e estilsticas que dizem respeito ao idioma no qual nos exprimimos, de modo a tornar agradvel a leitura e no cansar o leitor. Feitos esses reparos, procuramos ater-nos aos vocbulos e expresses da lngua francesa que encontram perfeita correspondncia com os seus homlogos portugueses, tal como so empregados no Brasil. Quando, pela prpria estrutura da lngua em questo, no nos foi possvel observar essa regra, ou para no reproduzirmos palavras e perodos que se repetiam com freqncia, abandonamos aqui e ali a rigidez do texto, principalmente em ateno clarezae melodia(eufonia)dassentenas,sem,contudo,jamais esquecer de guardar o sentido fiel das verdades traduzidas para a nossa lngua. A presente traduo de nossa inteira responsabilidade, exceo de algumas partes, cuja indicao, em nota de rodap, pedimos se reportasse o leitor fonte original. Como do conhecimento de todos, alm da funo primacial de rgo de difuso doutrinria, a Revista Esprita constituiu-se numa espcie de tribuna livre8 , onde Allan Kardec sondava a reao dos homens e a impresso dos Espritos acerca de determinados assuntos, ainda hipotticos ou mal compreendidos, enquanto lhes aguardava a confirmao, atravs da concordncia e da universalidade do ensino dos Espritos. Muitos textos revelados pelos Espritos superiores, assim como outros da lavra do prprio Codificador, antes publicados na Revista Esprita, foram transcritos por Kardec, integralmente ou com pequenas modificaes, nas obras bsicas definitivas que levam o seu nome. Assim, utilizamo-nos das tradues de Guillon Ribeiro e Manuel Quinto 8 Vide A Gnese, de Allan Kardec, introduo, pargrafo final.
  17. 17. quando os mesmos trechos da Revue coincidiam com aqueles j traduzidos por esses dois ex-presidentes da FEB. Reconhecendo nossas reais limitaes em matria de poesia, cujas regras devem ser escrupulosamente observadas, a fim de conservarem a rima e a versificao da lngua original quase sempre desfiguradas na verso que se traduz confiamos essa difcil tarefa ao nosso estimado confrade e beletrista Inaldo Lacerda Lima que, incontinenti e de boa vontade, a aceitou, desempenhando-a com mestria e indisfarvel competncia. Procuramos evitar, tanto quanto possvel, a insero de notas de rodap, a no ser quando tivessem a finalidade de esclarecer o leitor acerca da prpria traduo, de um ponto doutrinrio qualquer, ou, ainda, quando se relacionassem com fatos diretamente ligados vida e obra do Codificador. por isso que deixamos de lado, propositadamente, toda e qualquer explicao que possa ser facilmente encontrada nas enciclopdias e compndios de Histria Geral. Finalmente, ao oferecer nosso modesto trabalho aos companheiros de ideal esprita, somos os primeiros a reconhecer que no fizemos uma traduo perfeita. Falhas, por certo, havero de ser detectadas, umas, talvez, durante o processo grfico de composio e impresso, outras por desateno nossa, ensejando-nos a feliz oportunidade de san-las em edies posteriores desta obra, desde que contemos com o auxlio inestimvel dos leitores em no-las apontar, com vistas ao seu perene aperfeioamento. Braslia (DF), 10 de outubro de 2002. Evandro Noleto Bezerra Tradutor
  18. 18. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos ANO I JANEIRO DE 1858 NO 1 Introduo A rapidez com que se propagaram, em todas as partes do mundo, os estranhos fenmenos das manifestaes espritas uma prova evidente do interesse que despertam. A princpio simples objeto de curiosidade, no tardaram a chamar a ateno de homens srios que neles vislumbraram, desde o incio, a influncia inevitvel que viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. As novas idias que surgem desses fenmenos popularizam-se cada dia mais, e nada lhes pode deter o progresso, pela simples razo de que esto ao alcance de todos, ou de quase todos, e nenhum poder humano lhes impedir que se manifestem. Se os abafam aqui, reaparecem em cem outros pontos. Aqueles, pois, que neles vissem um inconveniente qualquer, seriam constrangidos, pela prpria fora dos fatos, a sofrer- lhes as conseqncias, como si acontecer s indstrias novas que, em sua origem, ferem interesses particulares, logo absorvidos, pois no poderia ser de outro modo. O que j no se fez e disse contra o magnetismo! Entretanto, todos os raios lanados contra ele, todas as armas com que foi ferido, mesmo o ridculo, esboroaram-se ante a realidade e apenas serviram para coloc-lo ainda mais em evidncia. que o magnetismo uma fora natural e, perante as foras da Natureza, o homem um pigmeu, semelhante a cachorrinhos que ladram inutilmente contra tudo que os possa amedrontar.
  19. 19. R E V I S T A E S P R I T A 22 D-se com as manifestaes espritas a mesma coisa que se d com o sonambulismo: se no se produzirem luz do dia e publicamente, ningum impedir que ocorram na intimidade, pois cada famlia pode descobrir um mdium entre seus membros, das crianas aos velhos, assim como pode encontrar um sonmbulo. Quem, pois, poder impedir que a primeira pessoa que encontremos seja mdium e sonmbula? Sem dvida, os que o combatem no refletiram nisto. Insistimos: quando uma fora est na Natureza, pode-se det-la por um instante, porm, jamais aniquil-la! Seu curso apenas poder ser desviado. Ora, a fora que se revela no fenmeno das manifestaes, seja qual for a sua causa, est na Natureza, da mesma forma que o magnetismo, e no poder ser exterminada, como a fora eltrica tambm no o ser. O que importa que seja observada e estudada em todas as suas fases, a fim de se deduzirem as leis que a regem. Se for um erro, uma iluso, o tempo far justia; se, porm, for verdadeira, a verdade como o vapor: quanto mais se o comprime, tanto maior ser a sua fora de expanso. Causa justa admirao que, enquanto na Amrica, somente os Estados Unidos possuem dezessete jornais consagrados a esse assunto, sem contar um sem-nmero de escritos no peridicos, a Frana, o pas da Europa onde tais idias mais rapidamente se aclimataram, no possui nenhum9 . No se pode contestar a utilidade de um rgo especial, que ponha o pblico a par do progresso desta nova Cincia e o previna contra os excessos da credulidade, bem como do cepticismo. essa lacuna que nos propomos preencher com a publicao desta Revista, visando a oferecer um meio de comunicao a todos quantos se interessam por estas questes, ligando, atravs de um lao comum, os que compreendem a Doutrina Esprita sob o seu verdadeiro ponto de vista moral: a prtica do bem e a caridade evanglica para com todos. 9 At agora s existe na Europa um jornal consagrado Doutrina Esprita o Journal de lme, publicado em Genebra pelo Dr. Boessinger. Na Amrica, o nico jornal em francs o Spiritualiste de la Nouvelle Orlans, publicado pelo Sr. Barths.
  20. 20. J A N E I R O D E 1 8 5 8 23 Se no se tratasse seno de uma coleta de fatos, a tarefa seria fcil; eles se multiplicam em toda parte com tal rapidez que no faltaria matria; mas os fatos, por si mesmos, tornam-se montonos pela repetio e, sobretudo, pela similitude. O que necessrio ao homem racional algo que lhe fale inteligncia. Poucos anos se passaram desde o surgimento dos primeiros fenmenos, e j estamos longe da poca das mesas girantes e falantes, que foram suas manifestaes iniciais. Hoje, uma cincia que revela todo um mundo de mistrios, tornando patentes as verdades eternas que apenas pelo nosso esprito eram pressentidas; uma doutrina sublime, que mostra ao homem o caminho do dever, abrindo o mais vasto campo at ento jamais apresentado observao filosfica. Nossa obra seria, pois, incompleta e estril se nos mantivssemos nos estreitos limites de uma revista anedtica, cujo interesse rapidamente se esgotasse. Talvez nos contestem a qualificao de cincia, que damos aoEspiritismo.Certamentenoteriaele,emnenhumcaso,ascaractersticas de uma cincia exata, e precisamente a que reside o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma anlise qumica ou um problema matemtico; j bastante que seja uma cincia filosfica. Toda cincia deve basear-se em fatos, mas os fatos, por si ss, no constituem a cincia; ela nasce da coordenao e da deduo lgica dos fatos: o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de cincia? Se por isto se entende uma cincia acabada, seria sem dvida prematuro responder afirmativamente; entretanto, as observaes j so hoje bastante numerosas para nos permitirem deduzir, pelo menos, os princpios gerais, onde comea a cincia. O exame raciocinado dos fatos e das conseqncias que deles decorrem , pois, um complemento sem o qual nossa publicao seria de medocre utilidade, no oferecendo seno um interesse muito secundrio para quem quer que reflita e queira inteirar-se daquilo que v. Todavia, como nosso fim chegar verdade, acolheremos todas as observaes que nos forem dirigidas e tentaremos, tanto
  21. 21. R E V I S T A E S P R I T A 24 quanto no-lo permita o estado dos conhecimentos adquiridos, dirimir as dvidas e esclarecer os pontos ainda obscuros. Nossa Revista ser, assim, uma tribuna livre, em que a discusso jamais se afastar das normas da mais estrita convenincia. Numa palavra: discutiremos, mas no disputaremos. As inconvenincias de linguagem nunca foram boas razes aos olhos de pessoas sensatas; a arma dos que no possuem algo melhor, voltando-se contra aqueles que dela se servem. Embora os fenmenos de que nos ocupamos se tenham produzido, nos ltimos tempos, de maneira mais geral, tudo prova que tm ocorrido desde as eras mais recuadas. No h fenmenos naturais nas invenes que acompanham o progresso do esprito humano; desde que estejam na ordem das coisas, sua causa to velha quanto o mundo e os seus efeitos devem ter-se produzido em todas as pocas. O que testemunhamos, hoje, portanto, no uma descoberta moderna: o despertar da Antigidade, desembaraada do envoltrio mstico que engendrou as supersties; da Antigidade esclarecida pela civilizao e pelo progresso nas coisas positivas. A conseqncia capital que ressalta desses fenmenos a comunicao que os homens podem estabelecer com os seres do mundo incorpreo e, dentro de certos limites, o conhecimento que podem adquirir sobre o seu estado futuro. O fato das comunicaes com o mundo invisvel encontra-se, em termos inequvocos, nos livros bblicos; mas, de um lado, para certos cticos, a Bblia no tem autoridade suficiente; por outro lado, para os crentes, so fatos sobrenaturais, suscitados por um favor especial da Divindade. No haveria a, para todo o mundo, uma prova da generalidade dessas manifestaes, se no as encontrssemos em milhares de outras fontes diferentes. A existncia dos Espritos, e sua interveno no mundo corpreo, est atestada e demonstrada no mais como um fato excepcional, mas como um princpio geral, em Santo Agostinho, So Jernimo, So Joo Crisstomo, So Gregrio Nazianzeno e tantos outros Pais da Igreja. Essa crena forma, alm disso, a base de todos os sistemas religiosos. Admitiram-
  22. 22. J A N E I R O D E 1 8 5 8 25 na os mais sbios filsofos da Antigidade: Plato, Zoroastro, Confcio, Apuleio, Pitgoras, Apolnio de Tiana e tantos outros. Ns a encontramos nos mistrios e nos orculos, entre os gregos, os egpcios, os hindus, os caldeus, os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as vicissitudes dos povos, a todas as perseguies e desafiar todas as revolues fsicas e morais da Humanidade. Mais tarde a encontramos entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Mdia, nos Willis e nas Walkrias dos escandinavos, nos Elfos dos teutes, nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos, nos Ourisks e nos Brownies da Esccia, nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretes, nos Cemis dos carabas, numa palavra, em toda a falange de ninfas, de gnios bons e maus, nos silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais todas as naes povoaram o espao. Encontramos a prtica das evocaes entre os povos da Sibria, no Kamtchatka, na Islndia, entre os indgenas da Amrica do Norte e os aborgenes do Mxico e do Peru, na Polinsia e at entre os estpidos selvagens da Nova Holanda. Sejam quais forem os absurdos que cercam essa crena e a desfiguram segundo os tempos e os lugares, no se pode discordar de que ela parte de um mesmo princpio, mais ou menos deturpado. Ora, uma doutrina no se torna universal, no sobrevive a milhares de geraes, no se implanta de um plo a outro, entre os povos mais diversificados, pertencentes a todos os graus da escala social, se no estiver fundada em algo de positivo. O que ser esse algo? o que nos demonstram as recentes manifestaes. Procurar as relaes que possam existir entre tais manifestaes e todas essas crenas, buscar a verdade. A histria da Doutrina Esprita, de certo modo, a histria do esprito humano; teremos que estud-la em todas as fontes, que nos fornecero uma mina inesgotvel de observaes to instrutivas quo interessantes, sobre fatos geralmente pouco conhecidos. Essa parte nos dar oportunidade de explicar a origem de uma poro de lendas e de crenas populares, delas destacando o que toca a verdade, a alegoria e a superstio.
  23. 23. R E V I S T A E S P R I T A 26 No que concerne s manifestaes atuais, daremos explicao de todos os fenmenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, quando nos parecerem merecer a ateno de nossos leitores. De igual modo o faremos em relao aos efeitos espontneos que por vezes se produzem entre pessoas alheias s prticas espritas e que revelam, seja a ao de um poder oculto, seja a emancipao da alma; tais so as vises, as aparies, a dupla vista, os pressentimentos, os avisos ntimos, as vozes secretas, etc. narrao dos fatos acrescentaremos a explicao, tal como ressalta do conjunto dos princpios. A respeito faremos notar que esses princpios decorrem do prprio ensinamento dado pelos Espritos, fazendo sempre abstrao de nossas prprias idias. No ser, pois, uma teoria pessoal que exporemos, mas a que nos tiver sido comunicada e da qual no seremos seno meros intrpretes. Um grande espao ser igualmente reservado s comunicaes escritas ou verbais dos Espritos, sempre que tiverem um fim til, assim como s evocaes de personagens antigas ou modernas, conhecidas ou obscuras, sem negligenciar as evocaes ntimas que, muitas vezes, no so menos instrutivas; numa palavra: abarcaremos todas as fases das manifestaes materiais e inteligentes do mundo incorpreo. A Doutrina Esprita nos oferece, enfim, a nica soluo possvel e racional de uma multido de fenmenos morais e antropolgicos, dos quais somos testemunhas diariamente e para os quais se procuraria, inutilmente, a explicao em todas as doutrinas conhecidas. Nesta categoria classificaremos, por exemplo, a simultaneidade de pensamentos, a anomalia de certos caracteres, as simpatias e antipatias, os conhecimentos intuitivos, as aptides, as propenses, os destinos que parecem marcados pela fatalidade e, num quadro mais geral, o carter distintivo dos povos, seu progresso ou sua degenerescncia, etc. citao dos fatos acrescentaremos a pesquisa das causas que os poderiam ter
  24. 24. J A N E I R O D E 1 8 5 8 27 produzido. Da apreciao desses fatos ressaltaro, naturalmente, ensinamentos teis quanto linha de conduta mais conforme s moral. Em suas instrues, os Espritos Superiores tm sempre por objetivo despertar nos homens o amor do bem, atravs dos preceitos evanglicos; por isso mesmo eles nos traam o pensamento que deve presidir redao dessa coletnea. Nosso quadro, como se v, compreende tudo quanto se liga ao conhecimento da parte metafsica do homem; estud-la- emos em seu estado presente e no futuro, porquanto estudar a natureza dos Espritos estudar o homem, tendo em vista que ele dever fazer parte, um dia, do mundo dos Espritos. Eis por que acrescentamos, ao nosso ttulo principal, o de jornal de estudos psicolgicos, a fim de fazer compreender toda a sua importncia. Nota: Por mais abundantes sejam nossas observaes pessoais e as fontes onde as recolhemos, no dissimulamos as dificuldades da tarefa, nem a nossa insuficincia. Para suplement-la, contamos com o concurso benevolente de todos quantos se interessam por essas questes; seremos, pois, bastante reconhecidos pelas comunicaes que houverem por bem transmitir-nos acerca dos diversosassuntosdenossosestudos;aesserespeitochamamosaateno para os seguintes pontos, sobre os quais podero fornecer documentos: 1o Manifestaes materiais ou inteligentes obtidas nas reunies s quais assistirem; 2o Fatos de lucidez sonamblica e de xtase; 3o Fatos de segunda vista, previses, pressentimentos, etc; 4o Fatos relativos ao poder oculto, atribudos com ou sem razo a certos indivduos; 5o Lendas e crenas populares; 6o Fatos de vises e aparies; 7o Fenmenos psicolgicos particulares, que por vezes ocorrem no instante da morte; 8o Problemas morais e psicolgicos a resolver;
  25. 25. R E V I S T A E S P R I T A 28 9o Fatos morais, atos notveis de devotamento e abnegao, dos quais possa ser til propagar o exemplo; 10o Indicao de obras antigas ou modernas, francesas ou estrangeiras, onde se encontrem fatos relativos manifestao de inteligncias ocultas, com a designao e, se possvel, a citao das passagens. Do mesmo modo, no que diz respeito opinio emitida sobre a existncia dos Espritos e suas relaes com os homens, por autores antigos ou modernos, cujo nome e saber possam lhes dar autoridade. No daremos a conhecer o nome das pessoas que nos enviarem as comunicaes, a no ser que, para isto, sejamos formalmente autorizados. Diferentes Naturezas de Manifestaes Os Espritos atestam sua presena de diversas maneiras, conforme sua aptido, vontade e maior ou menor grau de elevao. Todos os fenmenos, dos quais teremos ocasio de nos ocupar ligam-se, naturalmente, a um ou outro desses modos de comunicao. Para facilitar a compreenso dos fatos, acreditamos, pois, dever abrir a srie de nossos artigos pelo quadro das formas de manifestaes. Pode-se resumi-las assim: 1o Ao oculta, quando nada tm de ostensivo. Tais, por exemplo, as inspiraes ou sugestes de pensamentos, os avisos ntimos, a influncia sobre os acontecimentos, etc. 2o Ao patente ou manifestao, quando aprecivel de uma maneira qualquer. 3o Manifestaes fsicas ou materiais: so as que se traduzem por fenmenos sensveis, tais como rudos, movimento e deslocamento
  26. 26. J A N E I R O D E 1 8 5 8 29 de objetos. Essas manifestaes freqentemente no trazem nenhum sentido direto; tm por fim somente chamar a ateno para qualquer coisa e de convencer-nos da presena de um poder extra-humano. 4o Manifestaes visuais ou aparies, quando o Esprito se mostra sob uma forma qualquer, sem nada possuir das propriedades conhecidas da matria. 5o Manifestaes inteligentes, quando revelam um pensamento. Toda manifestao que comporta um sentido, mesmo quando no passa de simples movimento ou rudo; que acusa certa liberdade de ao; que responde a um pensamento ou obedece a uma vontade, uma manifestao inteligente. Existem em todos os graus. 6o As comunicaes so manifestaes inteligentes que tm por objetivo a troca de idias entre o homem e os Espritos. A natureza das comunicaes varia conforme o grau de elevao ou de inferioridade, de saber ou de ignorncia do Esprito que se manifesta, e segundo a natureza do assunto de que se trata. Podem ser: frvolas, grosseiras, srias ou instrutivas. As comunicaes frvolas emanam de Espritos levianos, zombeteiros e travessos, mais maliciosos que maus, e que no ligam nenhuma importncia ao que dizem. As comunicaes grosseiras traduzem-se por expresses que chocam o decoro. Procedem somente de Espritos inferiores ou que se no despojaram ainda de todas as impurezas da matria. As comunicaes srias so graves quanto ao assunto e maneira por que so feitas. A linguagem dos Espritos superiores sempre digna e isenta de qualquer trivialidade. Toda comunicao que exclui a frivolidade e a grosseria, e que tenha um fim til, mesmo de interesse particular, , por isso mesmo, sria.
  27. 27. R E V I S T A E S P R I T A 30 As comunicaes instrutivas so as comunicaes srias que tm por objetivo principal um ensinamento qualquer, dado pelos Espritos sobre as cincias, a moral, a filosofia, etc. So mais ou menos profundas e mais ou menos verdadeiras, conforme o grau de elevao e de desmaterializao do Esprito. Para extrair dessas comunicaes um proveito real, preciso sejam elas regulares e seguidas com perseverana. Os Espritos srios ligam-se queles que querem instruir-se e os secundam, ao passo que deixam aos Espritos levianos, com suas faccias, a tarefa de divertir os que no vem nessas manifestaes seno uma distrao passageira. Somente pela regularidade e freqncia das comunicaes que se pode apreciar o valor moral e intelectual dos Espritos com os quais nos entretemos, assim como o grau de confiana que merecem. Se preciso ter experincia para julgar os homens, mais ainda ser necessrio para julgar os Espritos. Diferentes Modos de Comunicao As comunicaes inteligentes entre os Espritos e os homens podem ocorrer por meio de sinais, pela escrita e pela palavra. Os sinais consistem no movimento significativo de certos objetos e, mais freqentemente, nos rudos ou golpes desferidos. Quando os fenmenos comportam um sentido, no deixam dvida quanto interveno de uma inteligncia oculta, porquanto, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Sob a influncia de certas pessoas, designadas pelo nome de mdiuns, e algumas vezes espontaneamente, um objeto qualquer pode executar movimentos convencionados, bater um nmero determinado de golpes e transmitir, assim, respostas pelo sim e pelo no, ou pela designao das letras do alfabeto.
  28. 28. J A N E I R O D E 1 8 5 8 31 Os golpes tambm podem ser ouvidos sem nenhum movimento aparente e sem causa ostensiva, quer na superfcie, quer nos prprios tecidos dos corpos inertes, em uma parede, numa pedra, em um mvel ou em outro objeto qualquer. De todos esses objetos, por serem os mais cmodos, pela mobilidade e facilidade com que nos colocamos sua volta, as mesas so os mais freqentemente utilizados: da a designao do fenmeno em geral pelas expresses bastante triviais de mesas falantes e de dana das mesas, expresses que convm banir, primeiro porque se prestam ao ridculo, depois porque podem induzir em erro, fazendo crer, neste particular, que elas tenham uma influncia especial. A este modo de comunicao daremos o nome de sematologia esprita, expresso que d uma perfeita idia e compreende todas as variedades de comunicaes por meio de sinais, movimentos dos corpos ou pancadas. Um de nossos correspondentes chegou mesmo a propor-nos que se designasse especialmente este ltimo meio, o das pancadas, pela palavra tiptologia. O segundo modo de comunicao a escrita. Design- lo-emos sob o nome de psicografia, igualmente empregado por um correspondente. Para se comunicarem pela escrita, os Espritos empregam, como intermedirios, certas pessoas, dotadas da faculdade de escrever sob a influncia da fora oculta que as dirige e que obedecem a um poder evidentemente fora de seu controle, j que no podem parar nem prosseguir vontade e, no mais das vezes, no tm conscincia do que escrevem. Sua mo agitada por um movimento involuntrio, quase febril; tomam o lpis, malgrado seu, e o deixam do mesmo modo; nem a vontade, nem o desejo podem faz-la prosseguir, caso no o deva fazer. a psicografia direta. A escrita obtida tambm pela s imposio das mos sobre um objeto disposto de modo conveniente e munido de um
  29. 29. R E V I S T A E S P R I T A 32 lpis ou qualquer outro instrumento apropriado a escrever. Geralmente, os objetos mais empregados so as pranchetas ou as cestas, dispostas convenientemente para esse efeito. A fora oculta que age sobre a pessoa transmite-se ao objeto, que se torna, assim, um apndice da mo, imprimindo-lhe o movimento necessrio para traar os caracteres. a psicografia indireta. As comunicaes transmitidas pela psicografia so mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediadora. Alguns no obtm seno palavras; em outros, a faculdade se desenvolve pelo exerccio, escrevem frases completas e, freqentemente, dissertaes desenvolvidas sobre assuntos propostos ou tratados espontaneamente pelos Espritos, sem que se lhes tenha feito qualquer pergunta. s vezes a escrita clara e legvel; em outras, s decifrvel por quem a escreveu e que a l por uma espcie de intuio ou dupla vista. Sob a mo da mesma pessoa, a escrita muda, em geral, de maneira completa, com a inteligncia oculta que se manifesta, e o mesmo tipo de letra se reproduz cada vez que a mesma inteligncia se manifesta. Esse fato, entretanto, nada tem de absoluto. Os Espritos transmitem, por vezes, certas comunicaes escritas sem intermedirio direto. Os caracteres, neste caso, so traados espontaneamente por um poder extra-humano, visvel ou invisvel. Como til que cada coisa tenha um nome, a fim de nos podermos entender, daremos a esse modo de comunicao escrita o de espiritografia, para distingui-la de psicografia, ou escrita obtida por um mdium. A diferena entre esses dois vocbulos fcil de apreender. Na psicografia a alma do mdium desempenha, necessariamente, um certo papel, pelo menos como intermedirio, ao passo que na espiritografia o Esprito que age diretamente, por si mesmo.
  30. 30. J A N E I R O D E 1 8 5 8 33 O terceiro modo de comunicao a palavra. Certas pessoas sofrem nos rgos vocais a influncia de um poder oculto que se faz sentir na mo daqueles que escrevem. Transmitem, pela palavra, o que outras transmitem pela escrita. As comunicaes verbais, como as escritas, ocorrem algumas vezes sem intermedirio corpreo. Palavras e frases podem ressoar aos nossos ouvidos ou em nosso crebro, sem causa fsica aparente. Os Espritos podem, igualmente, aparecer-nos em sonho ou em estado de viglia, e dirigir-nos a palavra para nos dar avisos ou instrues. Para seguir o mesmo sistema de nomenclatura que adotamos para as comunicaes escritas, deveramos chamar a palavra transmitida pelo mdium, de psicologia, e a originada diretamente do Esprito, de espiritologia. Porm, a palavra psicologia j tem uma acepo conhecida e no a podemos distorcer. Designaremos, pois, todas as comunicaes verbais sob o nome de espiritologia: as primeiras pelas palavras espiritologia mediata, e as segundas pelas de espiritologia direta. Dos diferentes modos de comunicao a sematologia o mais incompleto; muito lento e no se presta seno com dificuldade a desenvolvimentos de uma certa extenso. Os Espritos superiores dela no se servem voluntariamente, seja por causa da lentido, seja porque as respostas, por sim e por no, so incompletas e sujeitas a erro. Para o ensino preferem os meios mais rpidos: a escrita e a palavra. Com efeito, a escrita e a palavra so os meios mais completos para a transmisso do pensamento dos Espritos, quer pela preciso das respostas, quer pela extenso dos desenvolvimentos que comportam. A escrita tem a vantagem de deixar traos materiais e de ser um dos meios mais adequados para combater a dvida. De resto, no se livre para escolher; os Espritos comunicam-se pelos meios que julgam apropriados: isso depende das aptides.
  31. 31. R E V I S T A E S P R I T A 34 Respostas dos Espritos a algumas Perguntas P. Como os Espritos podem agir sobre a matria? Isso parece contrrio a todas as idias que fazemos da natureza dos Espritos. Resp. Segundo vs, o Esprito nada ; e isso um erro. J vos dissemos que o Esprito alguma coisa, da porque pode agir por si mesmo. Vosso mundo, porm, muito grosseiro para que ele possa faz-lo sem um intermedirio, isto , sem o lao que une o Esprito matria. Observao Sendo imaterial o prprio lao que une o Esprito matria ou, pelo menos, impalpvel, essa resposta no resolveria a questo se no tivssemos o exemplo de foras igualmente imponderveis agindo sobre a matria: assim que o pensamento a causa primeira de todos os nossos movimentos voluntrios; que a eletricidade derruba, levanta e transporta massas inertes. Do fato de no se conhecer o motor, seria ilgico concluir que ele no existe. O Esprito pode, pois, ter alavancas que nos so desconhecidas; a Natureza prova diariamente que o seu poder no se detm no testemunho dos sentidos. Nos fenmenos espritas, a causa imediata , incontestavelmente, um agente fsico; mas a causa primeira uma inteligncia que age sobre esse agente, como o nosso pensamento age sobre nossos membros. Quando queremos bater, nosso brao que age; no o pensamento que bate, ele dirige o brao. P. Entre os Espritos que produzem efeitos materiais, os que se chamam de batedores formam uma categoria especial, ou so os mesmos que produzem os movimentos e os rudos? Resp. O mesmo Esprito, certamente, pode produzir efeitos muito diversos; mas h os que se ocupam mais particularmente de certas coisas, como entre vs tendes os ferreiros e os que fazem trabalhos pesados.
  32. 32. J A N E I R O D E 1 8 5 8 35 P. O Esprito que age sobre corpos slidos, seja para mov-los, seja para bater, encontra-se na prpria substncia do corpo ou fora dela? Resp. Uma coisa e outra; dissemos que a matria no um obstculo para os Espritos; eles penetram tudo. P. As manifestaes materiais, tais como os rudos, o movimento dos objetos e todos esses fenmenos que nos apraz provocar freqentemente, so produzidos indistintamente pelos Espritos superiores e inferiores? Resp. Apenas os Espritos inferiores se ocupam dessas coisas. Por vezes os Espritos superiores servem-se deles, como farias com um carregador, a fim de levar a escut-los. Podeis crer que os Espritos de uma ordem superior estejam s vossas ordens para vos divertir com pasquinadas? como se perguntsseis se, em vosso mundo, so os homens sbios e srios que fazem os papis de malabaristas e bufes. Observao Os Espritos que se revelam por efeitos materiais so, em geral, de ordem inferior. Divertem ou espantam aqueles para quem os espetculos visuais tm mais atrativos que o exerccio da inteligncia; so, de alguma sorte, os saltimbancos do mundo esprita. Algumas vezes agem espontaneamente; outras vezes, por ordem dos Espritos superiores. Se as comunicaes dos Espritos superiores oferecem um interesse mais srio, as manifestaes fsicas tm igualmente utilidade para o observador. Revelam-nos foras desconhecidas da Natureza e nos oferecem o meio de estudar o carter e, se assim nos podemos exprimir, os costumes de todas as classes da populao esprita. P. Como provar que o poder oculto que age nas manifestaes espritas est fora do homem? No se poderia pensar que reside nele mesmo, isto , que age sob o impulso de seu prprio Esprito?
  33. 33. R E V I S T A E S P R I T A 36 Resp. Quando uma coisa feita contra tua vontade e o teu desejo, claro que no s tu quem a produz; porm, freqentemente s a alavanca de que se serve o Esprito para agir e tua vontade lhe vem em auxlio; podes ser um instrumento mais ou menos cmodo para ele. Observao sobretudo nas comunicaes inteligentes que a interveno de um poder estranho torna-se patente. Quando essas comunicaes so espontneas e esto fora do nosso pensamento e controle; quando respondem a perguntas cuja soluo ignorada pelos assistentes, faz-se necessrio procurar sua causa fora de ns. Isso se torna evidente para quem quer que observe os fatos com ateno e perseverana; os matizes de detalhes escapam ao observador superficial. P. Todos os Espritos so capazes de dar manifestaes inteligentes? Resp. Sim, visto que todos so inteligentes; porm, como os h de todos os graus, tal qual ocorre entre vs, uns dizem coisas insignificantes ou estpidas, outros coisas sensatas. P. Todos os Espritos esto aptos a compreender as perguntas que se lhes fazem? Resp. No; os Espritos inferiores so incapazes de compreender certas perguntas, o que no os impede de responder bem ou mal; ainda como entre vs. Nota: Por a se v o quanto essencial pr-se em guarda contra a crena no saber ilimitado dos Espritos. D-se com eles, o que se d com os homens; no basta interrogar o primeiro que aparece para ter uma resposta sensata. preciso saber a quem se dirigir. Quem quer que deseje conhecer os costumes de um povo, deve estud-lo desde a base at ao cume da escala; ver somente uma classe dele fazer uma idia falsa, pois se julga o todo pela
  34. 34. J A N E I R O D E 1 8 5 8 37 parte. A populao dos Espritos como a nossa; h de tudo: o bom, o mau, o sublime, o trivial, o saber e a ignorncia. Quem no os tiver observado seriamente em todos os graus no se pode gabar de conhec-los. As manifestaes fsicas fazem-nos conhecer os Espritos de baixa evoluo: so a rua e a cabana. As comunicaes instrutivas e sbias pem-nos em relao com os Espritos elevados: so a elite da sociedade, o castelo e o Instituto. Manifestaes Fsicas Lemos o que se segue em Le Spiritualiste de la Nouvelle- Orlans, do ms de fevereiro de 1857: Ultimamente perguntamos se todos os Espritos, indistintamente, fazem mover as mesas, produzem rudos, etc.; e logo a mo de uma dama, bastante sria para brincar com essas coisas, traou violentamente estas palavras: Quem faz danar os macacos em vossas ruas? Sero os homens superiores? Um amigo, espanhol de nascimento, que era espiritualista e que faleceu no vero passado, deu-nos diversas comunicaes; em uma delas encontramos a seguinte passagem: As manifestaes que procurais no se acham no nmero das que mais agradam aos Espritos srios e elevados. Confessamos, todavia, que elas tm sua utilidade, porque, talvez mais que nenhuma outra, podem ser teis para convencer os homens de hoje. Para obter tais manifestaes preciso, necessariamente, que se desenvolvam certos mdiuns, cuja constituio fsica esteja em harmonia com os Espritos que possam produzi-las. Ningum duvida que os vereis desenvolver-se mais
  35. 35. R E V I S T A E S P R I T A 38 tarde entre vs; e, ento, j no sero pequenos golpes que ouvireis, mas rudos semelhantes ao crepitar da fuzilaria, entremeados de tiros de canho. Em uma parte recuada da cidade existe uma casa habitada por uma famlia alem; nela se ouvem rudos estranhos, enquanto certos objetos so deslocados; pelo menos foi o que nos asseguraram, porquanto no o verificamos; mas, pensando que o chefe dessa famlia nos pudesse ser til, convidamo-lo para algumas das sesses que tm por fim este gnero de manifestaes e, mais tarde, a mulher desse bravo homem no quis que ele continuasse entre ns porque, disse-nos este ltimo, o barulho aumentou em sua casa. A esse respeito, eis o que nos foi escrito pela mo da senhora ... NopodemosimpedirosEspritosimperfeitosdefazerem barulho ou outras coisas que incomodam e mesmo apavoram; mas, o fato de estarem em contato conosco, que somos bem-intencionados, apenas diminui a influncia que exercem sobre o mdium em questo. Chamamos a ateno para a perfeita concordncia existente entre o que os Espritos disseram em Nova Orlans, com respeito fonte das manifestaes fsicas, e o que foi dito a ns mesmos. Com efeito, nada pintaria essa origem com mais energia do que esta resposta, ao mesmo tempo to espirituosa e profunda: Quem faz danar os macacos nas ruas? Sero os homens superiores? Teremos ocasio de narrar, conforme os jornais da Amrica, numerosos exemplos desse tipo de manifestaes, bem mais extraordinrios do que aqueles que acabamos de citar. Sem dvida responder-nos-o com este provrbio: A boa mentira vem de longe. Quando coisas to maravilhosas nos vm de 2.000 lguas e no podemos verificar, concebe-se a dvida; mas esses fenmenos atravessaram os mares com o Sr. Home, que deles nos deu provas. verdade que o Sr. Home no foi para o teatro para operar seus prodgios e que nem todo o mundo, pagando a entrada, pde v-
  36. 36. J A N E I R O D E 1 8 5 8 39 los; por isso muitas pessoas o consideram hbil prestidigitador, sem refletir que a alta sociedade, que testemunhou esses fenmenos, no se teria prestado com benevolncia a servir-lhe de patrocinador. Se o Sr. Home fosse um charlato, no teria tido o cuidado de recusar as brilhantes ofertas de muitos estabelecimentos pblicos, e teria sado com o ouro a mancheias. Seu desinteresse a resposta mais peremptria que se pode dar a seus detratores. Um charlatanismo desinteressado seria uma insensatez e uma monstruosidade. Mais tarde falaremos detalhadamente do Sr. Home e da misso que o conduziu Frana. Enquanto aguardamos, eis um fato de manifestao espontnea que mdico distinto, digno de toda confiana, nos relatou, e que tanto mais autntico quando as coisas se passaram com o seu conhecimento pessoal. Uma famlia respeitvel tinha como empregada domstica uma jovem rf de catorze anos, cuja bondade natural e doura de carter haviam-lhe granjeado a afeio dos patres. No mesmo quarteiro habitava uma outra famlia, cuja mulher, no se sabe por que, havia tomado essa jovem em antipatia, a tal ponto que no havia mau procedimento de que ela no fosse o objeto. Um dia, quando voltava, a vizinha aparece furiosa, armada de uma vassoura, querendo bater-lhe. Assustada, precipita-se contra a porta e quer tocar a campainha; infelizmente o cordo encontra-se rompido e ela no pode alcan-lo; eis, porm, que a campainha agita-se por si mesma e vm abrir-lhe a porta. Em sua perturbao ela no se deu conta do que se havia passado; mas, depois, a campainha continuou a tocar de tempo em tempo, sem motivo aparente, tanto de dia como de noite e, quando se ia ver porta, no se encontrava ningum. Os vizinhos do quarteiro foram acusados de pregar essa pea de mau gosto; foi dada queixa ao comissrio de polcia, que abriu inqurito, investigou se algum cordo secreto se comunicava com o exterior, mas nada pde descobrir. As coisas, porm, persistiam cada vez mais, em prejuzo do repouso de todos e, sobretudo, da pequena empregada, acusada de ser a causa do barulho. Atendendo ao conselho que lhes foi dado, os patres da jovem rf decidiram afast-la e a colocaram no campo,
  37. 37. R E V I S T A E S P R I T A 40 na casa de amigos. Desde ento, a campainha permaneceu quieta e nada de semelhante se produziu em seu novo domiclio. Esse fato, como muitos outros que vamos relatar, no se passou s margens do Missouri ou do Ohio, mas em Paris, na Passagem dos Panoramas. Resta, agora, explic-lo. A jovem no tocava a campainha, isso positivo; estava bastante apavorada com o que se passava para pensar numa farsa, da qual teria sido a primeira vtima. Uma coisa no menos positiva que o toque da campainha deveu-se sua presena, uma vez que o efeito cessou quando ela partiu. O mdico que testemunhou o fato explica-o por uma poderosa ao magntica, exercida de forma inconsciente pela jovem criada. Essa explicao de forma alguma nos parece concludente: por que teria ela perdido esse poder aps a partida? Quanto a isso, diz ele que o terror inspirado pela presena da vizinha devia produzir na jovem uma superexcitao, susceptvel de desenvolver a ao magntica, e que o efeito cessou com a causa. Confessamos no estar absolutamente convencidos por esse raciocnio. Se a interveno de uma fora oculta no est aqui demonstrada de maneira evidente, pelo menos provvel, conforme fatos anlogos que conhecemos. Admitindo, portanto, essa interveno, diremos que, nas circunstncias em que o fato se produziu pela primeira vez, um Esprito protetor quis, provavelmente, que a jovem escapasse do perigo que corria; que, apesar da afeio que seus patres lhe devotavam, fosse talvez de seu interesse sair daquela casa. Eis por que o rudo continuou at que ela tivesse partido. Os Duendes A interveno de seres incorpreos nos assuntos da vida privada faz parte das crenas populares de todos os tempos. Por certo no pode entrar no pensamento de nenhuma pessoa sensata tomar ao p da letra todas as lendas, todas as histrias diablicas e todos os contos ridculos que se conta prazerosamente junto lareira. Entretanto, os fenmenos de que somos testemunhas provam que, mesmo esses
  38. 38. J A N E I R O D E 1 8 5 8 41 contos, repousam sobre alguma coisa, porquanto o que se passa em nossos dias deve ter ocorrido em outras pocas. Tire-se deles o maravilhoso e o fantstico com o qual a superstio os cobriu de ridculo, e se encontraro todos os caracteres, fatos e gestos de nossos Espritos modernos; uns so bons, benevolentes, obsequiosos, tendo prazer em prestar servio, como os bons Brownies; outros, mais ou menos maliciosos, travessos, caprichosos e mesmo maus, como os Gobelins da Normandia, conhecidos pelo nome de Bogles, na Esccia; de Bogharts, naInglaterra;deCluricanues,naIrlanda,edePucks,naAlemanha.Segundo a tradio popular, esses duendes penetram nas casas, onde aproveitam todas as ocasies para brincadeiras de mau gosto. Eles batem nas portas, deslocam os mveis, aplicam golpes nos tonis, marteladas no teto e no assoalho, assobiam baixinho, soltam suspiros lamentosos, puxam os lenis e as cortinas dos que esto deitados, etc. OBoghartdosinglesesexercesuasmaldadesprincipalmente contra as crianas, das quais parece ter averso. Toma-lhes freqentemente a fatia de po amanteigado e a tigela de leite; durante a noiteagitaascortinasdoleito;sobeedesceasescadascomgrandearrudo; lanapratossobreoassoalhoeprovocamuitosoutrosestragosnascasas. Em alguns lugares da Frana os duendes so considerados como uma espcie de demnio familiar, que se tem o cuidado de alimentar com as mais delicadas iguarias, porque trazem a seus senhores trigo roubado dos celeiros. deveras curioso encontrar essa velha superstio da antiga Glia entre os borussianos do sculo XII (os prussianos de hoje). Seus Koltkys, ou gnios domsticos iam tambm furtar trigo nos celeiros para lev-lo queles de quem gostavam. Quem no reconhecer nessas diabruras, posta de lado a indelicadeza do trigo roubado, do qual provavelmente os faltosos se desculpavam custa da reputao dos Espritos quem, dizamos, no reconhecer nossos Espritos batedores e aqueles que se pode, sem cometer injria, chamar de perturbadores? Que, se um fato semelhante ao que relatamos acima, da jovem da Passagem
  39. 39. R E V I S T A E S P R I T A 42 dos Panoramas, tivesse acontecido no campo, seria, sem dvida, tido conta do Gobelin do lugar, depois de amplificado pela fecunda imaginao das comadres; no faltaria mesmo algum ter visto o pequeno demnio pendurado campainha, dando risadas e fazendo caretas aos tolos que iam abrir a porta. Evocaes Particulares ME, ESTOU AQUI! A Sra. *** havia perdido, h alguns meses, sua filha nica, de catorze anos, objeto de toda sua ternura e muito digna de seu pesar, pelas qualidades que dela prometiam fazer uma mulher perfeita. Essa jovem havia sucumbido a uma longa e dolorosa doena. Inconsolvel com essa perda, dia a dia a me via sua sade alterar-se, repetindo sem cessar que em breve iria reunir-se filha. Instruda da possibilidade de comunicar-se com os seres de alm- tmulo, a Sra. *** resolveu procurar, numa conversa com a filha, um alvio para sua pena. Uma senhora de seu conhecimento era mdium; mas as duas, com pouca experincia para semelhantes evocaes, sobretudo em circunstncia assim to solene, rogaram- me que as assistisse. ramos apenas trs: a me, a mdium e eu. Eis o resultado dessa primeira sesso: A me: Em nome de Deus Todo-Poderoso, Esprito Jlia ***, minha filha querida, peo-te que venhas, se Deus o permitir. Jlia: Me! Estou aqui! A me: s tu mesma, minha filha, que me respondes? Como posso saber que s tu? Jlia: Lili. (Era um pequeno apelido familiar dado jovem em sua infncia; no era conhecido nem da mdium, nem de mim,
  40. 40. J A N E I R O D E 1 8 5 8 43 considerando-se que, h vrios anos, s a chamavam pelo seu nome de Jlia. A esse sinal, a identidade era evidente; no podendo dominar a emoo, a me explode em soluos). Jlia: Me! Por que te afliges? Sou feliz, bem feliz: no sofro mais e te vejo sempre. A me: Mas eu no te vejo. Onde ests? Jlia: Aqui, ao teu lado, minha mo sobre a Sra. *** (a mdium) para fazer-lhe escrever o que te digo. V a minha letra (a letra, de fato, era de sua filha). A me: Dizes: minha mo; tens, ento, um corpo? Jlia: No tenho mais aquele corpo que tanto me fazia sofrer, mas lhe guardo a aparncia. No ests contente por que eu no sofro mais e posso conversar contigo? A me: Se eu te visse, ento, reconhecer-te-ia? Jlia: Sim, sem dvida, e j me viste muitas vezes em teus sonhos. A me: De fato, j te revi em meus sonhos, mas pensei que fosse efeito da imaginao; uma lembrana. Jlia: No; sou eu mesma que estou sempre contigo e procuro consolar-te; fui eu que te inspirei a idia de evocar-me. Tenho muitas coisas a te dizer. Desconfia do Sr. ***; ele no sincero. (Esse senhor, conhecido apenas da me, e citado assim espontaneamente, era uma nova prova de identidade do Esprito que se manifestava.) A me: Que pode, pois, fazer contra mim o Sr. ***?
  41. 41. R E V I S T A E S P R I T A 44 Jlia: No te posso dizer; isto me proibido. Apenas te advirto para desconfiares dele. A me: Ests entre os anjos? Jlia: Oh! Ainda no; no sou bastante perfeita. A me: Entretanto, eu no via nenhum defeito em ti; tu eras boa, doce, amvel e benevolente para com todos; isso no basta? Jlia: Para ti, me querida, eu no tinha nenhum defeito; e eu o acreditava, pois mo dizias tantas vezes! Mas, agora, vejo o que me falta para ser perfeita. A me: Como adquirirs as qualidades que te faltam? Jlia: Em novas existncias, que sero cada vez mais felizes. A me: na Terra que ters essas novas existncias? Jlia: Nada sei quanto a isso. A me: Considerando que no havias feito o mal durante tua vida, por que sofreste tanto? Jlia: Prova! Prova! Eu a suportei com pacincia, por minha confiana em Deus; sou muito feliz hoje, por isso. At breve, me querida! Em presena de semelhantes fatos, quem ousaria falar do vazio do tmulo, quando a vida futura se nos revela assim to palpvel? Essa me, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefvel em poder conversar com a filha; no h mais separao entre elas; suas almas se confundem e se expandem no seio uma da outra, pela permuta de seus pensamentos.
  42. 42. J A N E I R O D E 1 8 5 8 45 Apesar da discrio com que cercamos este relato, no nos permitiramos public-lo, se a isto no estivssemos formalmente autorizados. Disse-nos aquela me: possam todos quantos perderam seus afetos na Terra sentir a mesma consolao que experimento! Acrescentaremos somente uma palavra aos que negam a existncia dos Espritos bons; perguntamos como poderiam provar que o Esprito dessa moa fosse um demnio malfazejo. UMA CONVERSO A evocao seguinte no desperta menor interesse, embora sob um outro ponto de vista. Um senhor, que designaremos sob o nome de Georges, farmacutico numa cidade do sul, havia perdido o pai h pouco tempo, objeto de toda a sua ternura e de uma profunda venerao. O pai do Sr. Georges aliava a uma instruo muito vasta todas as qualidades que distinguem o homem de bem, embora professasse opinies muito materialistas. A esse respeito o filho partilhava e at mesmo excedia as idias do pai; duvidava de tudo, de Deus, da alma, da vida futura. O Espiritismo no poderia reconhecer como verdadeiros tais pensamentos. Todavia, a leitura de O Livro dos Espritos produziu nele uma certa reao, corroborada por uma entrevista direta que tivemos com ele. Se meu pai disse pudesse responder-me, no duvidaria mais. Foi ento que ocorreu a evocao que iremos relatar e na qual encontraremos mais de um ensinamento. Em nome do Todo-Poderoso, peo se manifeste o Esprito de meu pai. Estais perto de mim? Sim. Por que no vos manifestastes diretamente a mim, quando tanto nos amamos? Mais tarde. Poderemos nos reencontrar um dia? Sim, breve. Haveremos de nos amar, como nesta vida? Mais. Em que meio
  43. 43. R E V I S T A E S P R I T A 46 estais? Sou feliz. Estais reencarnado ou errante? Errante por pouco tempo. Que sensao experimentastes quando deixastes vosso invlucro corporal? Perturbao. Quanto tempo durou essa perturbao? Pouco para mim; bastante para ti. Podeis avaliar a durao dessa perturbao conforme nossa maneira de contar? Dez anos para ti, dez minutos para mim. Mas, no se passou esse tempo todo desde que vos perdi; no h somente quatro meses? Se estivesses em meu lugar, terias sentido esse tempo. Acreditais agora em um Deus justo e bom? Sim. Acreditveis nele quando estveis na Terra? Eu tinha a prescincia, mas no acreditava nele. Deus Todo-Poderoso? No me elevei at Ele para avaliar a sua fora; somente Ele conhece os limites de seu poder, porque s Ele seu igual. Ocupa-se Ele dos homens? Sim. Seremos punidos ou recompensados conforme nossos atos? Se fazes o mal, sofrer-lhe-s as conseqncias. Serei recompensado se fizer o bem? Avanars na tua rota. Estou no caminho certo? Faze o bem e nele estars. Acredito ser bom, mas estaria melhor se um dia, como recompensa, vos encontrasse. Que esse pensamento te sustente e te encoraje! Meu filho ser bom como seu av? Desenvolve suas virtudes, abafa seus vcios. Custo a crer que estamos nos comunicando, to maravilhoso me parece este momento. De onde provm tua dvida? De que, partilhando vossas opinies filosficas, fui levado a tudo atribuir matria. Vs de noite o que vs de dia? Estou, pois, nas trevas, meu pai? Sim. Que vedes de mais maravilhoso? Explica-te melhor. Reencontrastes minha me, minha irm e Ana, a boa Ana? Eu as revi. Vede-as quando quiserdes? Sim. Achais penoso ou agradvel que me comunique convosco? Para mim uma felicidade, se posso te conduzir ao
  44. 44. J A N E I R O D E 1 8 5 8 47 bem. Voltando para casa, o que poderia fazer para comunicar-me convosco, o que me faz to feliz? Isso serviria para conduzir-me melhor e me ajudaria a melhor educar os meus filhos. Cada vez que um impulso te conduzir ao bem, sou eu; serei eu a inspirar-te. Calo-me, com receio de importunar-vos. Se queres ainda, fala. Visto que permitis, dirigir-vos-ei ainda algumas perguntas. De que afeco morrestes? Minha prova havia alcanado seu termo. Onde contrastes o abscesso pulmonar que se manifestou? Pouco importa; o corpo nada ; o Esprito tudo. Qual a natureza da doena que me desperta to freqentemente, noite? Sab-lo-s mais tarde. Considero grave minha afeco, e queria viver ainda para os meus filhos. Ela no o ; o corao do homem uma mquina de vida; deixa a natureza agir. Visto que estais presente aqui, sob que forma vos apresentais? Sob a aparncia de minha forma corprea. Estais em um local determinado? Sim, atrs de Ermance (a mdium). Podereis tornar-vos visvel a ns? Para qu? Tereis medo. Vede-nos todos, aqui reunidos? Sim. Tendes uma opinio de cada um de ns? Sim. Podereis dizer-nos alguma coisa? Em que sentido me fazes essa pergunta? Do ponto de vista moral. De outra vez; por hoje bastante. O efeito produzido no Sr. Georges por essa comunicao foi imenso; uma luz inteiramente nova j parecia clarear-lhe as idias; uma sesso que houve no dia seguinte, na casa da Sra. Roger, sonmbula, terminou por dissipar as poucas dvidas que lhe restavam. Eis um resumo da carta que, a respeito, nos escreveu: Essa senhora entrou espontaneamente em detalhes comigo, to precisos, com respeito a meu pai, minha me, meus filhos, minha sade; descreveu todas as circunstncias de minha
  45. 45. R E V I S T A E S P R I T A 48 vida com tal preciso, relembrando mesmo certos fatos que h longo tempo se me haviam apagado da memria; numa palavra, deu-me provas to patentes dessa faculdade maravilhosa da qual so dotados os sonmbulos lcidos, que a reao das idias foi completa em mim desde esse momento. Na evocao, meu pai havia revelado a sua presena; na sesso sonamblica eu era, a bem dizer, testemunha ocular da vida extracorprea, da vida da alma. Para descrever com tanta mincia e exatido, e a duas centenas de lguas de distncia, o que de mim somente era conhecido, era preciso ver; ora, uma vez que isso no era possvel com os olhos do corpo, haveria, portanto, um lao misterioso, invisvel, que ligava a sonmbula s pessoas e s coisas ausentes, e que ela jamais tinha visto; havia, pois, algo fora da matria; o que poderia ser esse algo, seno aquilo que se chama alma, o ser inteligente, do qual o corpo apenas o invlucro, mas cuja ao se estende muito alm de nossa esfera de ao? Hoje, no somente o Sr. Georges deixou de ser materialista, como um dos mais fervorosos e zelosos adeptos do Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiana que o futuro agora lhe inspira e pelo prazer que experimenta em praticar o bem. Essa evocao, bem simples primeira vista, no menos notvel em muitos aspectos. O carter do Sr. Georges, pai, reflete-se nas respostas breves e sentenciosas que estavam em seus hbitos; falava pouco, jamais dizia uma palavra intil; no mais o cptico que fala: reconhece seu erro; seu Esprito mais livre, mais clarividente, retratando a unidade e o poder de Deus por estas admirveis palavras: S Ele seu igual; aquele que em vida referia tudo matria, diz agora: O corpo nada , o Esprito tudo; e esta outra frase sublime: Vs noite o que vs de dia? Para o observador atento tudo tem uma importncia, e assim que a cada passo encontra a confirmao das grandes verdades ensinadas pelos Espritos.
  46. 46. J A N E I R O D E 1 8 5 8 49 Os Mdiuns Julgados Os adversrios da Doutrina Esprita apegaram-se com desvelo a um artigo publicado pelo Scientific American de 11 de julho ltimo, sob o ttulo de: Os Mdiuns Julgados. Vrios jornais franceses o reproduziram como um argumento irretorquvel. Ns mesmos o reproduzimos, fazendo-o seguir de algumas observaes que lhe mostraro o valor. H algum tempo, por intermdio do Boston Courier, uma oferta de 500 dlares (2.500 francos) havia sido feita a toda pessoa que, em presena e em satisfao de um certo nmero de professores da Universidade de Cambridge, reproduzisse alguns desses fenmenos misteriosos que os espiritualistas dizem freqentemente ser produzidos por meio de agentes chamados mdiuns. O desafio foi aceito pelo Dr. Gardner e por diversas pessoas que se vangloriavam de estar em comunicao com os Espritos. Os concorrentes reuniram-se nos Edifcios Albion, em Boston, na ltima semana de junho, dispostos a provar o seu poder sobrenatural. Entre eles notavam-se as senhoritas Fox, que se tornaram to clebres pela sua superioridade nesse gnero. A comisso, encarregada de examinar as pretenses dos aspirantes ao prmio, compunha-se dos professores Pierce, Agassiz, Gould e Horsford, de Cambridge, todos eles sbios muito distintos. Os ensaios espiritualistas duraram vrios dias; jamais tinham os mdiuns encontrado mais bela ocasio de pr em evidncia seu talento ou sua inspirao; mas, como os profetas de Baal, ao tempo de Elias, em vo invocaram suas divindades, como o prova a passagem seguinte do relatrio da comisso: Considerando que o Dr. Gardner no conseguiu apresentar um agente ou mdium que revelasse a palavra confiada aos Espritos em um quarto vizinho; que lesse a palavra inglesa escrita no interior de um livro ou sobre uma folha de papel dobrada;
  47. 47. R E V I S T A E S P R I T A 50 que respondesse a uma questo que s as inteligncias superiores so capazes de o fazer; que fizesse ressoar um piano sem o tocar, ou mover-se uma mesa de um s p sem o auxlio das mos; que se revelasse impotente para dar dita comisso o testemunho de um fenmeno que, mesmo com a interpretao mais flexvel e a maior boa vontade, pudesse ser considerado como equivalente das provas propostas; de um fenmeno para cuja produo fosse exigida a interveno de um Esprito, supondo ou, ao menos, implicando essa interveno; de um fenmeno at ento desconhecido pela cincia, ou cuja causa no fosse prontamente identificvel pela comisso, bastante clara para ela, declara, a dita comisso, que o Dr. Gardner no tem qualquer direito para exigir, do Courrier de Boston, o pagamento da soma proposta de 2.500 francos. A experincia feita nos Estados Unidos a propsito dos mdiuns, lembra uma outra, realizada dez anos atrs, na Frana, pr ou contra os sonmbulos lcidos, isto , magnetizados. A Academia de Cincias recebeu a misso de conceder um prmio de 2.500 francos ao sujet magntico que lesse com os olhos vendados. Todos os sonmbulos fizeram de bom grado essa experincia, nos sales ou nos teatros de feira; liam em livros fechados e decifravam toda uma carta, sentados sobre ela ou colocando-a bem dobrada e fechada sobre o ventre; porm, diante da Academia, no foram capazes de ler absolutamente nada e o prmio no foi ganho por ningum. Essa experincia prova, uma vez mais, da parte de nossos adversrios, a absoluta ignorncia dos princpios sobre os quais repousam os fenmenos das manifestaes espritas. Entre eles h a idia fixa de que tais fenmenos devem obedecer vontade e reproduzir-se com a preciso de uma mquina. Esquecem completamente ou, melhor dizendo, no sabem que a causa deles inteiramente moral e que as inteligncias, que lhes so os agentes imediatos, no obedecem ao capricho de ningum, sejam mdiuns ou outras pessoas. Os Espritos agem quando e na presena de quem lhes agrada; freqentemente, quando menos se espera que as
  48. 48. J A N E I R O D E 1 8 5 8 51 manifestaes ocorrem com mais vigor, e quando as solicitamos elas no se verificam. Os Espritos tm modos de ser que nos so desconhecidos; o que est fora da matria no pode ser submetido ao cadinho da matria. , pois, equivocar-se julg-los do nosso ponto de vista. Se acharem til manifestar-se por sinais particulares, eles o faro; mas jamais nossa vontade, nem para satisfazer v curiosidade. Alm disso, preciso levar em conta uma causa bem conhecida, que afasta os Espritos: sua antipatia por certas pessoas, principalmente por aquelas que, fazendo perguntas sobre coisas conhecidas, querem pr prova sua perspiccia. Quando uma coisa existe, pensam, eles devem saber; ora, precisamente porque a coisa vos conhecida, ou porque tendes os meios de verific-la, que eles no se do ao trabalho de responder; essa desconfiana os irrita e nada se obtm de satisfatrio; afasta sempre os Espritos srios, que ordinariamente no falam seno s pessoas que se lhes dirigem com confiana e sem pensamento preconcebido. Entre ns no temos exemplo disso todos os dias? Homens superiores, conscientes de seu valor, alegrar-se-iam em responder a todas as perguntas ingnuas que visassem submet-los a um exame, tal como se fossem escolares? Que fariam se se lhes dissessem: Mas, se no respondeis, porque no sabeis? Voltariam as costas; o que fazem os Espritos. Se assim, direis, de qual meio dispomos para nos convencer? No prprio interesse da Doutrina dos Espritos, no desejvel fazer proslitos? Responderemos que ter bastante orgulho quem se julga indispensvel ao sucesso de uma causa; ora, os Espritos no gostam dos orgulhosos. Convencem quem eles querem; quanto aos que crem em sua importncia pessoal, demonstram o pouco caso que disso fazem no lhes dando ouvidos. Eis, de resto, a resposta que deram a duas perguntas sobre esse assunto: Pode-se pedir aos Espritos sinais materiais como prova de sua existncia e de seu poder? Resp. Pode-se, sem dvida,
  49. 49. R E V I S T A E S P R I T A 52 provocar certas manifestaes, mas nem todos esto aptos a isso e freqentemente no obtendes o que pedis; eles no se submetem aos caprichos dos homens. Porm, quando algum pede esses sinais para se convencer, no haveria utilidade em satisfaz-lo, pois que seria um adepto a mais? Resposta: Os Espritos no fazem seno o que querem, e o que lhes permitido; falando e respondendo s vossas perguntas, atestam a sua presena; isto deve bastar ao homem srio que busca a verdade na palavra. Escribas e fariseus disseram a Jesus: Mestre, muito gostaramos que nos fizsseis ver algum prodgio. Respondeu Jesus: Esta gerao m e adltera pede um prodgio, mas no lhe ser dado outro seno o de Jonas. (So Mateus.) Acrescentaremos ainda que conhecer bem pouco a natureza e a causa das manifestaes espritas quem acredita provoc-las por uma recompensa qualquer. Os Espritos desprezam a cupidez, tanto quanto o orgulho e o egosmo. E s essa condio pode ser para eles um motivo de se absterem de manifestar-se. Sabei, pois, que obtereis cem vezes mais de um mdium desinteressado do que daquele que movido pelo incentivo do lucro, e que um milho no lhe faria realizar o que no deve ser feito. Se uma coisa nos surpreende, que haja mdiuns capazes de se submeterem a uma prova que tinha por aposta uma soma de dinheiro. Vises L-se no Courrier de Lyon: Na noite de 27 para 28 de agosto de 1857 um caso singular de viso intuitiva se passou em Croix-Rousse, nas circunstncias seguintes:
  50. 50. J A N E I R O D E 1 8 5 8 53 H mais ou menos trs meses, o casal B..., honestos teceles, movidos por um sentimento de louvvel comiserao, acolheram em sua casa, na qualidade de domstica, uma jovem atoleimada que vivia nos arredores de Bourgoing. Domingo passado, entre duas e trs horas da madrugada, o casal B... foi acordado em sobressalto pelos gritos lancinantes da empregada, que dormia num sto, vizinho ao seu quarto. Acendendo uma lmpada, a senhora B... subiu ao sto e encontrou sua domstica que, derretendo em lgrimas e numa exaltao de esprito difcil de descrever, torcia os braos em horrveis convulses e chamava sua me que, dizia, acabara de ver morrer. Depois de consolar a jovem como melhor lhe foi possvel, A Sra. B... retornou ao seu quarto. Esse incidente estava quase esquecido quando ontem, tera-feira, no perodo da tarde, um carteiro dos Correios trouxe Sra. B... uma carta do tutor da mocinha, informando a esta ltima que, na noite de domingo para segunda- feira, entre duas e trs horas da madrugada, sua me havia morrido, em conseqncia de uma queda que sofreu do alto de uma escada. A pobre idiota partiu ontem mesmo de manh para Bourgoing, acompanhada pelo Sr. B..., seu patro, para receber a parte dos bens que lhe cabia na herana da me, cujo fim deplorvel vira to tristemente em sonho. Os fatos dessa natureza no so raros e muitas vezes teremos ocasio de nos referir queles cuja autenticidade no poderia ser contestada. Algumas vezes se produzem durante o sono, em estado de sonho; ora, como os sonhos nada mais so que um estado de sonambulismo natural incompleto, designaremos as vises que ocorrem nesse estado sob o nome de vises sonamblicas, para
  51. 51. R E V I S T A E S P R I T A 54 distingui-las das que se do em estado de viglia e que chamaremos vises pela dupla vista. Finalmente, chamaremos de vises extticas as que ocorrem no xtase; em geral tm por objeto os seres e as coisas do mundo incorpreo. O fato seguinte pertence segunda categoria. Um armador, nosso conhecido, residente em Paris, narrou-nos h poucos dias o seguinte: No passado ms de abril, estando um pouco indisposto, fui passear com meu scio nas Tulherias. Fazia um tempo magnfico; o jardim estava cheio de gente. De repente, a multido desaparece aos meus olhos; j no sinto meu corpo; sou como que transportado e vejo distintamente um navio entrando no porto do Havre. Reconheo-o por Clmence, que aguardvamos das Antilhas; vi-o atracar ao cais, distinguindo claramente os mastros, as velas, os marinheiros e os mais minuciosos detalhes, como se l estivesse. Ento disse ao meu companheiro: Eis o Clmence que chega; receberemos notcia hoje mesmo; sua travessia foi feliz. Voltando para casa, entregaram-me um telegrama; antes de o ler, eu disse: o anncio da chegada do Clmence, que entrou no Havre s trs horas. Realmente, o telegrama confirmava a entrada na mesma hora em que eu o tinha visto das Tulherias. Quando as vises tm por objeto os seres do mundo incorpreo, poder-se-ia, aparentemente com alguma razo, qualific- las de alucinao, porque nada lhes pode demonstrar a exatido; porm, nos dois casos que acabamos de narrar, a verdade mais palpvel e mais positiva que se evidencia. Desafiamos todos os fisiologistas e todos os filsofos a que no-los expliquem pelos sistemas ordinrios. Somente a Doutrina Esprita capaz de faz- lo, atravs do fenmeno da emancipao da alma que, escapando momentaneamente de seus tentculos materiais, transporta-se para alm da esfera da atividade corporal. No primeiro caso, provvel que a alma da me veio procurar a filha para avis-la de sua morte; mas, no segundo, o que certo que no foi o navio que veio encontrar o armador nas Tulherias; preciso, pois, tenha sido a alma deste que o foi procurar no Havre.
  52. 52. J A N E I R O D E 1 8 5 8 55 Reconhecimento da Existncia dos Espritos e de suas Manifestaes Se as primeiras manifestaes espritas fizeram numerosos adeptos, no somente encontraram muitos incrdulos, mas adversrios ferrenhos e, muitas vezes, at interessados em seu descrdito. Hoje, os fatos falam to alto que foroso reconhecer a evidncia e, se ainda existem incrdulos sistemticos, podemos predizer-lhes com segurana que no se passaro muitos anos para acontecer com os Espritos o que se deu com a maior parte das descobertas, que foram pertinazmente combatidas ou encaradas como utopias por aqueles cujo saber deveria t-los tornado menos cpticos no que diz respeito ao progresso. J vimos muitas pessoas, entre as que no se aprofundaram nesses estranhos fenmenos, concordar que nosso sculo to fecundo em fatos extraordinrios, a Natureza tem tantos recursos desconhecidos, que seria mais que leviandade negar-se a possibilidade daquilo que se no compreende. Esses tais do prova de sabedoria. Eis aqui uma autoridade que no poderia ser suspeita de prestar-se levianamente a uma mistificao, a Civilt Cattolica, um dos principais jornais eclesisticos de Roma. Reproduziremos, mais adiante, um artigo que esse jornal publicou no ms de maro passado, no qual se ver que seria difcil provar a existncia e a manifestao dos Espritos por argumentos mais peremptrios. verdade que divergimos dele sobre a natureza dos Espritos; no admitem seno os maus, enquanto admitimos bons e maus; um ponto que abordaremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos necessrios. O reconhecimento das manifestaes espritas por uma autoridade to grave e to respeitvel um ponto capital. Resta, pois, julg-las: o que faremos no prximo nmero. Reproduzindo o artigo, o Univers o faz preceder das seguintes e sbias reflexes: Por ocasio da publicao de uma obra, em Ferrara, sobre a prtica do magnetismo animal, referimos aos nossos leitores os sbios artigos que acabavam de aparecer na Civilt Cattolica, de
  53. 53. R E V I S T A E S P R I T A 56 Roma, sobre a Necromancia moderna, reservando-nos trazer-lhes mais amplas informaes. Publicamos hoje o ltimo desses artigos que, em algumas pginas, contm as concluses da revista romana. Alm do interesse que naturalmente se liga a essas matrias, e a confiana que deve inspirar um trabalho publicado pela Civilt, a oportunidade particular da questo nos dispensa, neste momento, de chamar a ateno para uma matria que muitas pessoas, na teoria como na prtica, trataram de maneira to pouco sria, a despeito da regra de vulgar prudncia que recomenda sejam os fatos examinados com tanto maior circunspeo quanto mais extraordinrios paream. Eis o artigo: De todas as teorias lanadas para explicar naturalmente os diversos fenmenos conhecidos sob o nome de espiritualismo americano, no h uma s que alcance o objetivo, e, menos ainda, consiga dar a razo de todos eles. Se uma ou outra dessas hipteses suficiente para explicar alguns desses fenmenos, sempre restar alguns que permanecero inexplicveis. A fraude, a mentira, o exagero, as alucinaes sem dvida devem ter uma grande parte nos fatos referidos; mas, feito o desconto, resta ainda um volume tal que, para negar a realidade, seria preciso recusar toda f na autoridade dos sentidos e no testemunho humano. Entre os fatos em questo, um certo nmero pode ser explicado pela teoria mecnica ou mecnico-fisiolgica; porm, h uma parte, muito mais considervel, que no se presta de maneira alguma a uma explicao desse gnero. A essa ordem de fatos se ligam todos os fenmenos nos quais, dizem, os efeitos obtidos ultrapassam, evidentemente, a intensidade da fora motriz que os deveria produzir. Tais so: 1o os movimentos; os sobressaltos violentos de massas pesadas e solidamente equilibradas, simples presso e ao leve toque das mos; 2o os efeitos e os movimentos que se produzem sem nenhum contato, conseqentemente sem qualquer impulso mecnico, seja imediato ou mediato; e, enfim, esses outros efeitos, que so de natureza a manifestar, em quem os produz, uma inteligncia e uma vontade distintas das dos experimentadores. Para dar a razo dessas trs ordens de fatos diversos, temos ainda a teoria do magnetismo;
  54. 54. J A N E I R O D E 1 8 5 8 57 mas, por maiores que sejam as concesses que se lhe disponha a fazer, e mesmo admitindo, de olhos fechados, todas as hipteses gratuitas sobre as quais ela se funda, todos os erros e absurdos de que est repleta, e as faculdades miraculosas por ela atribudas vontade humana, ao fluido nervoso ou a quaisquer outros agentes magnticos, jamais poder essa teoria, com o auxlio desses princpios, explicar completamente como uma mesa magnetizada por um mdium manifesta em seus movimentos uma inteligncia e uma vontade prprias, isto , distintas das do mdium e que, por vezes, so contrrias e superiores sua inteligncia e vontade. Como dar a razo de semelhantes fenmenos? Queremos, tambm ns, recorrer a no sei que causas ocultas, a que foras ainda desconhecidas da Natureza?; a explicaes novas de certas faculdades, de certas leis que, at o presente, permaneceram inertes e como que adormecidas no seio da Criao? Estaramos, desse modo, confessando abertamente a nossa ignorncia e levando o problema a aumentar o nmero de tantos enigmas, dos quais o pobre esprito humano no pde, at o momento, nem poder jamais decifrar. Alis, no hesitamos em confessar nossa ignorncia em relao a vrios dos fenmenos em questo, dos quais a natureza to equvoca e to obscura, que a atitude mais prudente, parece-nos, no tentar explic-los. Em compensao, h outros para os quais no nos difcil encontrar a soluo; verdade que impossvel busc-la nas causas naturais; por que, ento, hesitaramos em recorrer s causas que pertencem ordem sobrenatural? Talvez fssemos desviados pelas objees que nos opem os cpticos e os que, negando essa ordem sobrenatural, nos digam que no se pode definir at onde se estendem as foras da Natureza; que o campo que ainda resta descobrir pelas cincias fsicas no tem limites e que ningum conhece suficientemente bem quais so os limites da ordem natural para poder indicar, com preciso, o ponto onde termina esta e comea a outra. A resposta a tal objeo parece-nos fcil: admitindo que no se possa determinar, de modo preciso, o ponto de diviso dessas duas ordens opostas, a natural e a sobrenatural, no se segue da que seja impossvel definir
  55. 55. R E V I S T A E S P R I T A 58 com certeza se um dado efeito pertence a esta ou quela. Quem pode, no arco-ris, distinguir o ponto preciso onde acaba uma cor e comea a seguinte? Quem pode fixar o instante exato onde termina o dia e comea a noite? E, entretanto, no h um s homem, por mais limitado que seja, que no distinga se tal zona do arco-ris vermelha ou amarela, se a tal hora dia ou noite. Quem no percebe que, para conhecer a natureza de um fato, de modo algum necessrio passar pelo limite onde comea ou termina a categoria qual o mesmo pertence, e que basta constatar se tem os caracteres peculiares a essa categoria? Apliquemos essa observao to simples presente questo: no podemos dizer at onde vo as foras da Natureza; entretanto, dando-se um fato podemos dizer, muitas vezes, com certeza, segundo seus caracteres, que ele pertence ordem sobrenatural. E, para no sair do nosso problema, entre os fenmenos das mesas falantes h vrios que, em nossa opinio, manifestam esses caracteres da maneira mais evidente; tais so aqueles nos quais o agente que move as mesas age como causa inteligente e livre, ao mesmo tempo em que revela uma inteligncia e uma vontade prprias, isto , superiores ou contrrias inteligncia e vontade dos mdiuns, dos experimentadores, dos assistentes; numa palavra, distintas destas, qualquer que seja o modo que ateste essa distino. Seja como for, em casos tais somos forados a admitir que esse agente um Esprito, e no um Esprito humano, estando, desde ento, fora dessa ordem, dessas causas que costumamos chamar naturais, daquelas que no ultrapassam as foras do homem. Tais so precisamente os fenmenos que, como dissemos acima, resistiram a toda teoria baseada sobre princpios puramente naturais, enquanto na nossa eles encontram mais fcil e clara explicao, pois todos sabem que o poder dos Espritos sobre a matria ultrapassa de muito o poder do homem, e porque no h efeito maravilhoso, entre os citados da necromancia moderna, que no possa ser atribudo sua ao.
  56. 56. J A N E I R O D E 1 8 5 8 59 Sabemos perfeitamente que, em nos vendo colocar em cena os Espritos, mais de um leitor sorrir de piedade. Sem falar dos que, verdadeiros materialistas, no acreditam na existncia dos Espritos e rejeitam como fbula tudo quanto no seja matria pondervel e palpvel, como tambm aqueles que, admitindo que existem Espritos, negam-lhes qualquer influncia ou interveno no que diz respeito ao nosso mundo; h, em nossos dias, muitas criaturas que, concedendo aos Espritos o que nenhum bom catlico lhes poderia recusar, isto , a existncia e a faculdade de intervir nos fatos da vida humana, de maneira oculta ou patente, ordinria ou extraordinria, parecem todavia desmentir sua f na prtica, e considerar como uma vergonha, como um excesso de credulidade, como uma superstio de mulher velha, admitir a ao dos mesmos Espritos em certos casos especiais, contentando-se, em geral, em no neg-la. Em verdade, h um sculo zombou-se tanto da simplicidade da Idade Mdia, acusando-a de ver Espritos, sortilgios e feiticeiros por toda parte, e tanto se invectivou a esse respeito, que no de admirar que tantas cabeas fracas, querendo parecer fortes, experimentem agora repugnncia e uma espcie de vergonha em crer na interveno dos Espritos. Mas esse excesso de incredulidade no menos despropositado do que em outras pocas o foi o excesso contrrio; se, em semelhante matria, crer em demasia leva a vs supersties, por outro lado, nada querer admitir conduz diretamente impiedade do naturalismo. O homem sbio, o cristo prudente deve, pois, do mesmo modo, evitar esses dois extremos e manter-se firme na linha intermediria: a esto a verdade e a virtude. Agora, nessa questo das mesas falantes, para que lado nos far inclinar uma f prudente? A primeira, a mais sbia das regras que nos impe essa prudncia ensina-nos que, para explicar os fenmenos que oferecem um carter extraordinrio, somente se deve recorrer s causas sobrenaturais se as pertencentes ordem natural no forem suficientes para os explicar. Em compensao, da resulta a obrigao de admitir as primeiras, quando as segundas so
  57. 57. R E V I S T A E S P R I T A 60 insuficientes; justamente o nosso caso. Com efeito, entre os fenmenos de que falamos, h aqueles para os quais nenhuma teoria, nenhuma causa puramente natural poderia dar razo. Assim, pois, no s prudente, mas necessrio mesmo procurar sua explicao na ordem sobrenatural ou, em outras palavras, atribu- los a Espritos puros, visto que, fora e acima da Natureza, outra causa possvel no existe. Eis uma segunda regra, um criterium infalvel para se afirmar, a respeito de um fato qualquer, se pertence ordem natural ou sobrenatural: examinar-lhe bem os caracteres e, conforme eles, determinar a natureza da causa que o produziu. Ora,