Post on 07-Apr-2016
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SALVATORE GARDI – HISTÓRIA NÃ0 CONTADA - BASTIDORES DE UMA GUERRA.
Por: Umile Gardi
“E DEUS FEZ O HOMEM À SUA IMAGEM”
Assim está nas escrituras.
Mas acho que a fórmula foi sabotada e, quando Ele se deu conta, já era tarde demais.
Na certa, aqueles Anjos mais tarde expulsos do paraíso, adicionaram alguns ingredientes à fórmula,
valendo-se da confiança que desfrutavam D’Ele.
A ganância, a cobiça, a crueldade, a deslealdade, o desamor, a hipocrisia, a egocentricidade e outros
malefícios mais, não faziam parte do plano original.
Quando os sintomas foram por Ele notados, já era tarde, pois, as sementes já haviam de espalhado
e se multiplicado.
Só restava uma solução: destruir sua própria criação.
Mas Ele não teve coragem, pois já os amava muito, apesar de tudo.
E resolveu lhes dar novas chances, .......por diversas vezes.
E o que ele recebeu em troca ?
Este mundo de hoje, repleto de guerras, inclusive em seu nome, genocídios, desamor, apego total
pela matéria.
Os homens que se propuseram a propagar seu nome, seu amor, aos poucos foram se transformando
em verdadeiros hipócritas, fundando e administrando casas chamadas de “Casa de Deus”, para
também em Seu nome, formar e administrar verdadeiras organizações comerciais com a finalidade
de extorquir os fiéis de suas poucas posses e amealhar incomensuráveis fortunas com fins
particulares.
Quando Cristo expulsou os mercadores de seu Templo, deixou bem claro que a sua casa foi fundada
com o único e exclusivo propósito de servir aos necessitados e que dentro dela não seria permitido
comércio nem acúmulo de bens materiais.
E o que temos hoje ? Templos suntuosos, ricos, abastecidos de poderio sobre empreendimentos
lucrativos. Verdadeiras máquinas de fazer dinheiro e, em contra partida, a miséria, a fome, a
desigualdade estão cada vez mais difundidas.
Acredito que um dia, os poucos que representam e seguem as pregações originais ainda terão êxito,
nem que seja através de milagre, mas obterão êxito, pois a fé em Deus não morre jamais. O que me
fez acreditar nesta possível recuperação, foram os papados de João Paulo I, João Paulo II e
recentemente, o de Francisco.
Guerras, desde os primórdios, sempre foram e ainda são deflagradas em nome de Deus e em nome
da paz (quanta hipocrisia), mas na verdade, o escuso propósito é sempre o mesmo: ganância, fins
econômicos.
Antigamente, devido a então não existirem a Internet, a comunicação instantânea e os satélites, os
vencedores escreviam a história a seu bel prazer e, através de um verdadeiro serviço de marketing
pessoal, se transformavam em heróis, bons moços. Suas verdadeiras e maléficas intenções se
transformavam em maravilhosas justificativas e, de déspotas, passavam a verdadeiros santos.
Assim, tivemos inúmeros personagens, como Atila, os Césares, Lenin, etc e, pouco recentemente, o
responsável direto desta história que será narrada, Hitler, que subjugou e assassinou judeus, negros
e outras raças por ele consideradas inferiores, como por exemplo, os ciganos.
Mas estes povos sofridos, não devem esquecer que também tiveram seus déspotas, seus genocidas.
O povo judaico, por exemplo, não deve esquecer que seu maior Rei, Davi, não chegou ao poder
apenas derrubando um gigante filisteu, mas sim traindo a confiança de seu melhor amigo, a quem
dizimou a família para se apoderar da coroa e depois, em nome de uma suposta precaução, dizimou
etnias inteiras que habitavam as cercanias de Jerusalém. Assassinou milhares de centenas de
homens, mulheres, velhos e crianças que nada lhe haviam feito, sequer ameaçado.
O povo afro descendente, também não deve ignorar que grande parte do sofrimento experimentado
através da escravidão, foi patrocinado pelos seus próprios irmãos, que para se livrarem de seus
inimigos tribais, caçavam-nos e lucravam com a sua venda para os capitães de navios negreiros que
aportavam na África. Quem não conhece os fatos, assista ao filme “Amistad” para se ter uma
pequena ideia.
E, para não se esquecer de outras vítimas, relembrem o que os exploradores do velho continente,
em nome de políticas expansionistas de seus reis, juntamente com fins religiosos de propagação da
palavra de Deus, fizeram para dizimarem nações indígenas e povos nativos inteiros.
Tudo o acima descrito, foi para sintetizar uma citação que certa vez ouvi e, acho que ela é atribuída a
Hitler:
“O HOMEM É O SEU PRÓPRIO LOBO”
Nada mais verdadeiro.
E ele próprio vestiu sua verdadeira pele de lobo para causar o último genocídio ocorrido, já nestes
tempos: A Segunda Guerra mundial.
72.882.108 MORTES CONTABILIZADAS : SETENTA E DOIS MILHÕES E OITOCENTAS MIL. QUASE
SETENTA E TRES MILHÕES.!
26.000.000 soldados;
47.000.000 de civis, entre eles, 5.700.000 judeus.
(Fonte : Wikipédia).
Maiores baixas:
Japão : 2.680.000
Indonésia : 4.000.000
Polônia : 5.600.000
Alemanha : 7.503.000
China : 20.000.000
União Soviética : 23.100.000
Impressionante!.
Tudo isto, em nome da ganância (aumento de territórios) e em nome de interesses econômicos.
Antes de tomar a decisão de contas a história sobre a experiência vivida pelo meu pai na 2ª guerra,
procurei ler e assistir a vídeos sobre a matéria.
As fontes estudadas foram uma coletânea de vídeos intitulada “A Caminho de Roma “ e o livro
intitulado “A Segunda Guerra – História e Estratégias”, matérias nas quais me atualizei sobre
dúvidas que tinha e me inteirei sobre alguns fatos até então para mim desconhecidos.
Então, a conclusão a que cheguei sobre os fatos que iniciaram, desenvolveram e finalizaram a
Segunda Guerra, foram os seguintes (síntese pessoal):
ALEMANHA, ITÁLIA E JAPÃO.
Pura ganância expansionista.
A Alemanha, inicialmente, tentou se aliar à Rússia de Stalin, para ocupar e dividir os países do leste
europeu e do Báltico. Acho que um tentou passar a perna no outro e a aliança foi desfeita (e o
impasse passou a ser mais uma frente de batalha para Hitler) e Hitler convidou Mussolini para
coadjuvante.
O Japão, cujo sonho era dominar a Ásia, principalmente a China Manchuriana, não excitou em
invadir e assassinar cidadãos chineses indefesos para limpar a área. A matança foi pior que a dos
judeus, que só foi retratada e historiada por estar em continente europeu. Como a China, na época,
era distante e os meios de comunicação parcos, e até sua importância no cenário internacional era
insignificante, a história ficou no ostracismo.
Para mim, a história do ataque a Pearl Harbor foi uma armação dos americanos, para que tivessem
uma desculpa inquestionável para intervir no conflito europeu. Nada que um bom suborno a uma
figura japonesa de importância não resolvesse.
Os japoneses foram induzidos a acreditar que os americanos reagiriam aos seus planos de
conquistar a Oceania, principal portão de entrada para os territórios chineses. E foi o que realmente
aconteceu.
Os americanos, ou melhor, Roosevelt, só entrou na guerra porque o expansionismo japonês em
território chinês estava atrapalhando os negócios de sua família naquela parte do planeta (quem
desejar saber quais eram os negócios, que leia o livro acima citado, página 34).
Assim, quem pensa as razões que motivaram a decisão de Roosevelt de intervir no conflito foram os
laços de amizade com a Coroa Britânica (Rei e Rainha foram aos USA pedirem, quase de joelhos,
que lhes prestassem ajuda) , estão redondamente enganados.
E, ao final da Guerra, o trato de divisão geográfica se concretizou para Stalin: ele ficou com o Leste
Europeu, comprou os países bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia), agregou as pequenas republicas
asiáticas – notadamente os “quistões” , estendeu a fronteira russa sobre alguns países ( Ucrânia,
Geórgia, etc) e, assim, consolidou a União Soviética.
Não confundir com a “Cortina de Ferro”, que é, ou melhor, foi outra situação.
Registre-se também que grande parte das mortes de civis da União Soviética, foi limpeza étnica,
patrocinada por Lenin e Stalin.
Hitler, frente à Lenin e Stalin, em termos de genocídio, é ( ou foi) café pequeno.
E, depois de 1945, sucederam-se outras guerras, estas já motivadas pelo moderno mundo
industrializado, isto é, a queima de estoque de armas militares, as quais, não podiam ser,
simplesmente, jogadas fora. E assim se patrocinavam guerras para a venda do material, que eram
fabricados pelas grandes nações (USA, Rússia, Inglaterra e França). E os pequenos países pagavam a
conta.
Na guerra da Coréia, foram vendidas as sucatas que sobraram da segunda grande guerra, na guerra
do Vietnam, foram vendidas as sucatas da era do jato, e assim, sucessivamente, a indústria bélica
internacional, continua a ser o melhor negócio do mundo, superando até a indústria do petróleo e o
tráfico de drogas.
Hoje em dia, a maioria das guerras são por conquistas de jazidas minerais e petróleo. Essas estórias
de motivação religiosa, é puro papel de parede.
Amanhã, certamente haverá guerras por mananciais hídricos (não estamos longe).
Mas, enfim, vamos à história de seu Salvatore.
SALVATORE GARDI – HISTÓRIA NÃ0 CONTADA - BASTIDORES DE UMA GUERRA.
Í N D I C E.
P A R T E I – TRAIDOS E ABANDONADOS NA RÚSSIA.
I – ROSTOV
II – A TRAIÇÃO
III – MACHIANUCE
IV – MUSSOLINI
V - O EXÉRCITO.
VI – MUSSOLINI SE ALIA A HITLER
VII – MARCHA PARA A RUSSIA
VIII –CONSTATAÇÃO DA REALIDADE
P A R T E II – A LONGA MARCHA DE VOLTA.
IX – DIREÇÃO ITÁLIA
X – A PROCURA POR ABRIGO E COMIDA
XIV – ASSALTO AO TREM
XI – ARMADULHA PARA O INIMIGO
XII – A PRIMEIRA BATALHA
XIII – CARNE! CARNE!
XIV – ASSALTO AO TREM
XV – OUTRA PONTE NO CAMINHO
XVI – AMIGOS FICAM PARA TRAS
XVII – CÃO SALVADOR
XVIII – O INIMIGO ATACA
XIX – A RENDIÇÃO
XX – A VOLTA PARA A ITÁLIA
SALVATORE GARDI
Esta história relata a experiência vivida pelo meu pai na Segunda
Guerra Mundial, conflito em que esteve na frente de batalha.
Os fatos políticos e religiosos aqui narrados são provenientes de sua
visão à época dos acontecimentos, bem como suas admirações
pessoais.
Salvatore Gardi, um italiano de origem humilde da região da
Calábria, lutou na Segunda Guerra Mundial e teve uma experiência
triste e dolorosa enquanto esteve em combate.
E mais doloroso ainda foi o fato de não poder divulgar, desabafar
nem comentar em público estes fatos, sob pena de quebra de
juramento militar.
Pela narrativa dele, tudo ocorreu entre meados do primeiro
semestre de 1944 e março ou abril de 1945. Pelo que ele contou (o
principal) , lembro que era inverno e, pouco após seu retorno à Itália,
a guerra terminou. Lembro também que, pelos cálculos, o pesadelo
perdurou por 6 meses.
Dois anos após a guerra, casou-se com Teresa e, em 1948, teve a
mim, seu primogênito.
Em 1951, almejando uma vida melhor, partiu para o Brasil para
“fazer a américa”, expressão que se usava na época. A expressão
retratava o movimento de emigrar da Itália para algum país das
Américas, a fim de fugir da miséria e trabalho escravo a que eram
submetidos os habitantes do sul da Itália, notadamente da região da
Calábria. Então, deixando minha mãe grávida de minha irmã
Carmela, que nasceu meses depois, embarcou para o Brasil a fim de
se estabelecer e poder, mais tarde, chamar sua família.
Em 1955, já com trabalho garantido de engraxate, alugou dois
cômodos em um velho casarão no bairro de São Cristóvão, na
verdade um cortiço, no Rio de Janeiro e mandou buscar a família: eu,
minha mãe e minha irmã.
Assim, quatro anos depois ele conseguiu novamente estar com os
seus e lá vivemos, por 2 anos em São Cristóvão, onde nasceu o meu
irmão Jorge.
Quando ele conseguiu juntar o dinheiro para dar de sinal na compra
de uma casa, no bairro de Ramos, nos mudamos. Lá ele viveu até 22
de dezembro de 2002, de onde saiu doente para não mais voltar,
vindo a falecer em um hospital no dia 01 de janeiro de 2003, depois
de ficar internado por 9 dias.
Este relato se origina de fatos por ele narrados e por mim ouvidos
durante os habituais bate papos após o jantar, já na nova moradia.
Nos reuníamos no quintal dos fundos, sob uma goiabeira e
deitávamos sobre esteiras de junco. Éramos sempre eu, meu pai,
meu avô materno e o tio Bernardo. Ambos moravam conosco. Fins
dos anos 50.
Na época, como televisão era artigo de luxo, não dispúnhamos de
dinheiro sequer para comprar uma geladeira, quanto mais uma TV,
nossa única opção era o rádio. Ouvíamos o repórter às 8 da noite e,
depois, íamos para o quintal, deitávamos nas esteiras e batíamos
papo.
Invariavelmente, em determinado momento, o papo recaia no
assunto “Segunda Guerra”, na qual meu pai e meu tio combateram e
viveram experiências como soldados nas frentes de batalha. Só que
a experiência de meu pai foi traumática e revoltante, e ele, quase
todo dia, contava os fatos que resultaram na edição deste livro.
Durante anos, na minha infância, ouvi aquelas histórias e me lembro
que, toda vez, durante a narrativa, os olhos de meu pai ficavam
marejados de lágrimas. As lembranças o faziam sofrer muito, mas, de
certa forma, ele se aliviava em contar. Eram fatos ocorridos há cerca
de 14 anos.
Foram experiências vividas quando ele foi enviado para a frente de
batalha, no sul da Rússia e, logo ao chegar, ele e seus companheiros
foram traídos por um inescrupuloso General e, para sobreviver e
chegar de volta à Itália, ele e seus companheiros (os que restaram)
passaram por experiências dolorosas, tanto física quanto
psicológicas, que os marcaram pelo resto de suas vidas. Foi uma
viagem de regresso cheia de sofrimentos e perda de centenas de
companheiros.
Durante a época de fins dos anos 50 a início dos anos 60, eu ouvia as
suas histórias, mas não me dava conta de sua importância, do
riquíssimo valor histórico, pois era muito jovem. Depois, em 1963,
comecei a trabalhar de dia e passei a estudar à noite, e não mais
participei daqueles papos, ainda mais que em 1962 já havíamos
comprado a nossa primeira televisão e esta veio, aos poucos,
substituir o hábito de a família se reunir para conversar após o
jantar.
A partir daí, só voltava a ter contatos com aquelas histórias na época
de ano novo. Meu pai não suportava o momento dos fogos, pois
estes, o faziam lembrar dos bombardeios e tiroteios que
experimentou na época da guerra. Ele ficava muito nervoso, chorava
e era inevitável voltar a se falar sobre o assunto.
O tempo foi passando, e era raro ouvir novamente aquelas histórias.
Apenas nos lembrávamos delas quando, em momentos de
aborrecimento, ele sempre amaldiçoava o Papa Pio XII, cujo motivo
é citado mais adiante neste relato.
Poucos dias antes de seu falecimento, em uma das visitas no
hospital, fui até a baia em que ele estava internado. Ele estava
deitado, totalmente entubado, impávido. Não se vislumbrava nele o
menor sinal de vida.
Ao ver aquela expressão cadavérica, senti ali que ele nunca mais
estaria de volta.
Foi neste momento, olhando para ele, que suas histórias começaram
a passar pela minha mente. Era difícil de acreditar que aquele
homem, que passou por tantas provações em sua juventude,
estivesse, enfim, entregando sua vida à inevitável velhice. Agradeço
aos céus por ele não ter sofrido, também, neste momento de
partida.
Imediatamente, após seu falecimento, cumpri a obrigação de
comunicar ao Consulado Italiano o seu óbito, para fins de
cancelamento da pensão alimentícia e, aguardei por alguns meses
um comunicado por parte do Ministério da Guerra italiano, se
manifestando e enviando à família uma carta de reconhecimento do
heroísmo do patrono, mas, como isto não aconteceu, fiquei muito
indignado. O silêncio das autoridades italianas meu deu a certeza de
que ele havia sido esquecido por completo.
Então, me veio a ideia de escrever suas memórias, para que seus
filhos, netos e bisnetos soubessem que ele fora um herói e fiel ao
juramento que fizera ao exército italiano.
A indignação não foi só pelo fato do silêncio do governo italiano, mas
também, pela ridícula pensão a ele concedida como ex combatente,
de míseros US$180,00 mensais. Que atitudes vergonhosas.
Só sinto o fato de ter perdido mais da metade do tesouro histórico
que foi o relato de seu retorno, sofrido porém bravo, à pátria amada
e à sua família.
Na minha narrativa, há momentos em que alguns trechos são
proseados, pois não me lembro de todos os detalhes e fatos por ele
narrados. Descrevo apenas o que restou em minha memória, mas
acredito que, por terem resistido ao tempo, são os momentos e fatos
mais importantes da viagem heroica que se iniciou no sul da Rússia e
terminou em território romeno, quando foram resgatados.
O importante, é que o início o meio e o fim estão rigorosamente
corretos e os dramas descritos foram reais.
O bombardeio em Rostov, os calçados improvisados, a luta na ponte,
o assalto ao trem, a travessia do rio, o constante controle e
racionamento de alimentos, o ataque sofrido no acampamento, as
histórias do cavalo e do cachorro, são os fatos que ficaram
totalmente gravados na memória. As demais narrativas, são trechos
parcialmente lembrados e preenchimento de lacunas, alternativa
utilizada para poder se ligar um fato a outro.
Os nomes de seus companheiros (que foram personagens reais,
conforme fotos) , bem como do general traidor, que ele citava com
certeza absoluta, não me lembro mais. Aqui na narrativa, os nomes
são todos fictícios.
Não sou escritor, não domino a arte da narrativa e muito menos “sou
um expert” em português.
Apenas desejei tornar pública esta história que durante dezenas de
anos ficou engasgada por decreto na garganta de meu pai, e que,
como prêmio, lhe foi concedida a ridícula pensão acima mencionada.
Desta forma, embora tardiamente e sem causar nenhum efeito, os
que lerem esta história vão tomar conhecimento de algo que
aconteceu há 70 anos e ela não se evaporará com o tempo.
São os bastidores do palco de uma guerra, que poucos tem a chance
de conhecer.
HOSPITAL SÃO LUCAS, RIO DE JANEIRO, BRASIL
16:00 horas do dia 1 de janeiro de 2003.
Toca o telefone na minha casa e, do outro lado da linha, meu irmão,
Jorge, me dá a notícia : U (como eu era chamado pelos familiares), o
papai faleceu.
Encerrara-se há poucos minutos atrás, aos 83 anos, a vida de um
herói anônimo.
Salvatore Gardi, primogênito de uma prole de 14 filhos,
nascido em 11 de setembro de 1920, na Comuna de Luzzi,
Cosenza, região da Calábria, sul da Itália.
Cresceu em meio ao trabalho árduo de camponês em uma
fazenda arrendada pelos seus pais, na qual trabalhava de
domingo a domingo, do nascer ao pôr do sol. Não havia
descanso.
Segundo os comentários dele e de seus conterrâneos, até
fins dos anos 30, este era o estilo de vida da região. Após o
término da guerra, os costumes sofreram grandes
transformações.
Nesta época, trabalhava-se praticamente para a subsistência.
Eram raras as horas de folga que se conseguiam em um
domingo, quando alguns patrões liberavam os trabalhadores
para comparecerem à missa, o que era praticamente uma
obrigação.
Seus patrões eram seus pais e, nem por isto, tinha
tratamento diferenciado. Não só ele, como seus irmãos, pois,
todos nasciam, cresciam e tinham que trabalhar a terra.
Assim cresceu e, na esperança de melhorar seu estilo de vida,
alistou-se no exército e anos depois, foi enviado para a frente
de batalha, onde experimentou amargas lembranças, sendo
abandonado em território russo e ter de voltar à sua terra
natal marchando por cerca de 180 dias.
Foram os piores dias de sua vida. Neste período, teve o
dissabor de ver seus amigos e companheiros morrendo aos
poucos pelo caminho de volta. Passou frio, fome, tortura
psicológica, angústia.
Em busca de uma vida melhor, após os percalços da guerra,
conseguiu emigrar para o Brasil, onde se estabeleceu e criou
seus filhos.
PARTE I – TRAIDOS E ABANDONADOS NA RÚSSIA.
I – R O S T O V.
O Frio era de quase -10º.
Os soldados se preparavam para a distribuição da ração matinal,
quando o Tenente Giuliano adentra no galpão onde se encontrava a
tropa italiana e bradou: “Todos de pé e prontos para a revista!”.
O General Collossi veio até nós para nos comunicar sobre a
importante missão para a qual fomos designados aqui no sudeste da
Rússia.
O galpão imenso era uma construção rudimentar, com colunas de
troncos de madeira, as paredes não passavam de uma cobertura de
folhas de zinco e o telhado trançado de uma espécie de sapê
brasileiro. Havia cerca de 500 soldados reunidos em seu interior.
Havia apenas uma abertura na parte norte e outra na parte sul do
galpão, além do grande portão de entrada que se localizava no
centro da parede. Não haviam janelas, e sim buracos deixados por
folhas de zinco que se soltaram. O portão, de tão esquálido, mal
conseguia manter suas abas em pé.
Era uma construção usada pelos moradores de uma vila de
camponeses, localizada a cerca de 1 hora de caminhão da cidade
mais próxima, Rostov. Pelo visto, o galpão servira de silo para a
estocagem da produção agrícola da vila, já que se notavam vários
grãos espalhados pelo seu piso.
O pelotão italiano, sob as ordens do Tenente Giuliano, chegara à
localidade na noite anterior e nem precisou disparar uma só bala
para se apossar da vila. Há muito seus moradores, sabedores da
aproximação das forças alemãs e italianas, haviam se refugiado em
Rostov, cidade que era guarnecida pelas tropas russas.
Salvatore e sua tropa chegaram à vila em vários caminhões . A
estrada terminava em um pequeno riacho, onde uma tosca ponte
fazia a ligação com a vila.
Um grupo de reconhecimento fez a verificação do perímetro da vila e
informou que a mesma possuía condições para alojar a tropa. Sendo
assim, os oficiais ordenaram o desembarque.
Os caminhões foram deixados na entrada da ponte e os soldados
caminharam cerca de dez minutos até o galpão que lhes serviria de
abrigo e alojamento.
A localidade era passagem
obrigatória para se chegar a Rostov,
vindo de Novorossyst, cidades
localizadas no sudoeste da Rússia,
perto da divisa com a Ucrânia.
A estrada era precária, quase que uma picada aberta em meio às
florestas e estepes, e, com o início do inverno russo e devido à
precipitação de neve já nos primeiros dias, a viagem em caminhões
militares de Novorossyst até a vila perto de Rostov durara quatro
dias e quatro noites.
A tropa italiana chegara extenuada àquela vila numa noite do início
do mês de outubro de 1944 e lá se instalou. Naquela mesma noite os
caminhões foram reabastecidos pelos carros tanques que os haviam
acompanhado.
As casas das vilas eram miseráveis e o tenente Giuliano achou por
bem reunir a tropa em um só local, a fim de se aproveitar o calor dos
próprios corpos dos soldados agrupados, para se ajudarem a
suportar a noite que se anunciava bastante fria.
Assim, embora a precariedade do galpão tivesse sido levada em
conta, a tropa se alojou em meio aos vários montes de palha que
estavam espalhados pelo chão.
Salvatore e seus amigos cosentinos, Paolo e Túlio, que com ele
partiram do sul da Itália, se instalaram em um dos cantos no fundo
do galpão, puxaram para si um monte de palha e improvisaram os
leitos sobre os quais iriam passar aquela noite gélida. Por sorte, não
ventava.
Duas horas após a chegada, foi servida a ração daquela noite. Após
se alimentarem, todos tentaram, na medida do possível, se ajeitar e
dormir.
Os que tiveram o infortúnio de se localizar perto do portão da
entrada do galpão, foram os que mais sofreram com o intenso frio.
Assim, a noite se passou e às seis da manhã foram acordados pela
voz alta do tenente Giuliano que dera aquele aviso.
O auxiliar de ordens do tenente Giuliano completou o comunicado,
informando que somente após a visita do general Colossi a ração
matinal seria servida.
Neste momento, Salvatore , Paolo e Túlio e outro grupo de cerca de
vinte soldados foram convocados a render a patrulha que fazia a
vigilância do perímetro da vila e saíram do galpão.
O grupo se perfilou e, capitaneados por um sub oficial, marchou em
direção aos locais de patrulha. Sorte deles.
Dentro do galpão a tropa se recompôs do jeito que lhe foi possível e
se perfilou aguardando a entrada do general Colossi.
II – A TRAIÇÃO.
Cerca de vinte minutos após estarem perfilados, adentra no galpão
o Generali Colossi.
Uma figura minúscula, esquálida, peito estufado, exibindo uma
imensa coleção de medalhas e insígnias em seu magro peito.
Um pequeno tablado foi improvisado às pressas, com caixotes e
algumas tábuas recolhidas ao redor do galpão.
Ele sobe no tablado e, para a surpresa de todos, sua voz era o oposto
de seu físico.
Voz forte, um pouco rouca, boa impostação. Quem não tivesse
olhando para sua figura e apenas ouvindo sua voz, imaginaria tratar-
se de um homem de complexão alta e forte.
Ele se dirigiu aos oficiais e soldados desejando um bom dia e disse
ter boas notícias para lhes dar.
Informou que as tropas aliadas da Itália e da Alemanha já estavam
quase que totalmente agrupadas e preparadas para marchar contra
Rostov e que a única preocupação do comando era o frio intenso que
se previa chegar, juntamente com as nevascas, que eram
características daquela região.
Para tanto, o comando das tropas que iria coordenar a marcha sobre
Rostov encomendara equipamento especial para os soldados: botas
e casacões especiais para fazer frente ao frio e à neve que seriam
inevitáveis durante a batalha que se aproximava.
Informou ainda que dois caminhões de sua comitiva estavam
carregados com estes equipamentos e que iriam substituir os que a
tropa estava usando.
Pediu então a todos que entregassem seus casacos e botas, mas que
antes tivessem o cuidado de retirar seus objetos pessoais, pois, o
equipamento que estavam devolvendo seguiria imediatamente para
ser utilizado por tropas que combatiam na França, em regiões menos
castigadas pelas intempéries daquela época.
Um grupo de soldados adentrou no galpão, puxando duas pequenas
carretas de madeira e recolheram o material dos soldados que
haviam obedecido às ordens.
Após todos terem entregues suas peças, os soldados que puxavam as
carretas, já auxiliados por outros que ajudavam empurrando,
levaram o material para fora do galpão e o general continuou seu
discurso.
Disse que os novos casacos e botas já estavam sendo descarregados
e que dentro de minutos eles estariam sendo distribuídos.
Desejou boa sorte a todos, que aproveitassem e cuidassem bem do
moderno equipamento que estavam recebendo e transmitiu para
eles saudações do Dulce Mussolini. Informou ainda que estava de
partida para entregar outra leva de equipamentos para uma unidade
alemã que se encontrava a 100km dali, fez a saudação nazista,
desceu do pequeno tablado, e deixou o galpão.
Tão logo se retirou, alguns soldados deram risadas fazendo graça
com a esquálida figura do general.
O tenente Giuliano ordenou que todos permanecessem onde
estavam, o que facilitaria a distribuição do novo equipamento.
Através das aberturas laterais e do portão do galpão, os soldados
puderam ver que a neve começara a se precipitar e a sensação de
frio começava a aumentar, já que se encontravam sem casaco e com
os pés sobre o frio piso de terra do galpão, protegidos apenas pela
palha que cada um conseguiu reunir sob os seus pés.
Passados vinte minutos e como o novo equipamento ainda não
chegara, o tenente Giuliano pediu a seu ajudante de ordens que
fosse lá fora verificar o motivo da demora.
O ajudante de ordens então disse: “Mas tenente, o Sr. esqueceu que
está nevando e eu estou descalço e sem casaco ? Daqui até onde os
caminhões estão parados são uns cinco minutos a pé. Como irei ?”.
O tenente se deu conta de que ele não havia entregue seu
equipamento, já que quando o general se dirigia à tropa, ele se
encontrava ao seu lado prestando atenção à tropa e, por distração,
não retirara seu casaco nem as botas.
Então, ele mesmo se dirigiu ao estacionamento dos caminhões para
verificar o que estava motivando aquele atraso e apressar a entrega
do equipamento.
Apanhou no chão do galpão um pedaço de latão que havia se
desprendido do portão e, usando o mesmo para se proteger da neve
que caía , saiu em meio à nevasca.
Os soldados que estavam próximos ao portão perderam-no logo de
vista. Seu vulto em instantes desapareceu envolto pela bruma da
neve que caia.
O tenente Giuliano chegou à ponte e não viu os caminhões, nem
movimentação de soldados. Pensou ser por causa da nevasca.
Atravessou com dificuldades a pequena ponte, pois seu piso de
madeira já se encontrava com uma camada de uns 5 cm de neve.
Chegando ao outro lado, se assustou, pois, já deveria estar vendo os
caminhões que trouxeram as tropas e a comitiva do General Colossi.
Não viu nada. Ao olhar em direção à estrada que os trouxera de
Novorossysk, avistou um vulto escuro. Ao chegar até ele, verificou
que se tratava de um dos caminhões de transporte de tropas. A
porta esquerda estava aberta e ele entrou na cabine do caminhão. A
chave estava na ignição.
Achou estranho aquele caminhão estar sozinho ali. Postou-se ao
volante e tentou dar a partida, mas, o motor rateava e não pegava.
Desceu do caminhão e se pôs a procurar mais adiante, na esperança
de encontrar os outros veículos. Em vão. Nada viu.
Voltou para a cabine do caminhão, tentou novamente dar a partida e
desistiu.
Só então se dera conta do que estava acontecendo e vociferou:
“Fomos traídos”. Abandonados em meio às florestas russas, sem
casacos e sem botas, sem alimentos e sem equipamento de
comunicação. O general Colossi os havia traído e os condenara à
morte pelo frio e fome. Aquele caminhão que restara tinha sido
abandonado por não funcionar.
Ficou ali sentado uns instantes pensando em como iria dar a notícia
aos soldados. Eram mais de quinhentos homens largados à própria
sorte, sem nenhuma chance de sobreviver naquelas condições.
Estava ele pensando, quando começou a ouvir ao longe o barulho de
motores de aviões.
De repente se deu conta do que estava por acontecer: saiu correndo
do caminhão e, apesar da camada de neve, conseguiu se deslocar
com certa rapidez. Levou um tombo quando atravessava a ponte,
levantou-se e continuou sua corrida até o galpão. Quando avistou o
vulto do galpão, se pôs a gritar: “saiam todos do galpão!”. “Vamos
ser bombardeados!”. E foi repetindo isto até chegar à entrada do
galpão.
Os soldados que ouviram seus gritos não estavam entendendo o que
estava acontecendo e ficaram inertes, já que não queriam se expor
ao tempo frio e à nevasca.
Então ele chegou à entrada e gritou novamente: “Atenção: saiam
todos, rápido ! Vamos ser bombardeados, corram, rápido, espalhem-
se !”.
Lá de fora, já se faziam ouvir os motores dos aviões que se
aproximavam. Os soldados, então, se deram conta da situação e
começaram a correr na neve, descalços e sem casacos.
“Fujam para longe na vila. A vila vai ser bombardeada”, gritava o
tenente.
Os soldados que estavam nos fundos do galpão ficaram apavorados,
já que seriam os últimos a sair e procurar um lugar para se abrigar.
Viram então que o latão que formava a frágil parede do galpão
estava quase solto e puseram-se a chutar as placas. Num instante
uma abertura se ofereceu e muitos deles escaparam por aquela
passagem.
Neste momento, o barulho dos motores dos aviões já era assustador,
de tão próximos que estavam, e a previsão do tenente Giuliano se
concretizou : as primeiras bombas começaram a cair e a explodir.
Muitos gritos começaram a se ouvir em meio aos barulhos dos aviões
e das explosões.
Salvatore e seus companheiros que estavam do lado de fora, na
vigilância, bem afastados do galpão, não entenderam o que estava se
passado, até que, devido às bombas que explodiam próximas a eles,
se deram conta da situação e procuraram abrigo. Salvatore, Paolo e
Tulio, que haviam ficado juntos naquele posto, se esconderam
debaixo de uma enorme árvore, a uns duzentos metros do galpão,
pois não havia outro lugar para se abrigar. De lá, avistaram os outros
soldados correndo para fora do galpão, também à procura de abrigo.
As bombas foram quase que totalmente direcionadas para o galpão
e à sua volta.
Passados dez minutos, o bombardeio cessou.
Salvatore e os demais aos poucos foram se dando conta da tragédia
ocorrida diante de seus olhos.
Ao seu redor, a paisagem era de terror. Pedaços de corpos mutilados
por todos os lados.
Gritaria e correria por todos os lados.
III – MACHIANUCE
Em 10 de setembro de 1920, no tosco casarão que servia de sede da
pequena fazenda em que vivia a família Gardi, nascia Salvatore,
primeiro de uma prole de catorze filhos.
Pode parecer exagerado, mas naquela época, principalmente no
campo, as famílias tinham muitos filhos visando a mão-de-obra
barata.
Quantos mais componentes da família a trabalhar em suas terras,
mais em conta era a produção.
A Salvatore, seguiram-se os irmãos Rafael, Francisco, Mario, Geraldo,
as irmãs Concheta, Úrsula, Teresina, Anina, Maria (faltam 4 que não
me lembro).
Salvatore e Concheta eram os mais velhos e Geraldo e Anina os mais
novos.
Os genitores, Umile e Carmela, eram típicos camponeses nascidos e
criados naquela fazenda que ficava nos arredores da Comuna de
Luzzi, na província de Cosenza, capital da Calábria.
A pé, da fazenda, levava-se cerca de uma hora para se chegar a Luzzi.
A fazenda ficava no vale e Luzzi, na montanha, a caminho da Sila,
hoje uma estação de inverno, localizada no alto do maciço da
cadeia de montanhas conhecida como Apeninos, que domina a
região.
A pequena fazenda se chamava ”Machianuce”, que em dialeto
luzzitano significa “A Mancha da Noz”. O nome era proveniente de
uma imensa nogueira localizada ao lado do casarão. Sua ramagem
era imensa e sua idade centenária. Em homenagem à tão portentosa
árvore frutífera, deu-se ao local o seu nome.
O casarão, que na verdade era uma construção típica da idade
média, com suas paredes erguidas em pedras aparentes, tinha
apenas três cômodos: a cozinha, a pequena sala, e o restante servia
de dormitório para todos, sendo o ambiente dividido por cortinas.
Em cima, situava-se o sótão, que servia de despensa.
Ao redor do casarão, encontravam -se o forno, tipicamente
construído com pedras, o galinheiro, um abrigo para as vacas
leiteiras e um pequeno celeiro onde se guardavam as ferramentas da
lida e produção de grãos.
A propriedade em si constituía-se de uma extensão de terra de
pouco mais de cinquenta acres, arrendada a um Barão de terras, que
permitia a exploração de suas terras a um custo muito alto: da
produção, três quartos eram a ele destinados, e a família que
trabalhava a terra ficava apenas com a quarta parte.
Na propriedade, passava um pequeno riacho de águas cristalinas,
que era o desdobramento do volume de água que descia das
montanhas da Sila e que passavam por Luzzi. O riacho abastecia a
propriedade, tanto no consumo quanto na irrigação.
Na pequena fazenda, plantava-se de tudo, pois, a subsistência vinha
dela. O principal produto era o trigo. Apenas dois produtos não eram
lá produzidos: açúcar (não havia espaço para se plantar a matéria
prima, que era a beterraba) e azeite. Produzia-se a oliva, mas a
moagem só era possível em uma comuna vizinha, que possuía o
moinho de pedra.
Os animais ali criados eram poucos, pois não se podia dar ao luxo de
ter terras destinadas a pasto, já que estas eram escassas. Criava-se
apenas o estritamente necessário.
A família tinha duas vacas leiteiras - cujo leite era suficiente para o
consumo e produção de queijos -, seis cabras e uma égua, que servia
de montaria para o patriarca Umile.
Foi neste ambiente que Salvatore cresceu.
O casarão ainda está de pé. Na foto, modificado, pois, originalmente,
não existia a parte superior.
IV – MUSSOLINI
Transcorria o ano de 1938 e, Salvatore, no auge de sua adolescência,
então com 18 anos, começara a se alfabetizar com uma senhora
vizinha. Em troca das aulas, ele a recompensava com algumas
espigas de milho e outros produtos da fazenda.
O pouco que aprendera lhe foi suficiente para um dia ler um folheto
em que se anunciava a presença, para um discurso em Cosenza, de
Benito Mussolini, general que chegara ao poder na Itália e de quem
já se falava maravilhas. Apesar de as notícias naquela época e,
principalmente naquela região, serem bem escassas, seus feitos já
eram admirados, tais como a reversão dos direitos dos proprietários
de terra (a partilha dos donos das terras de ¾ para ¼ ), fato que,
praticamente, o libertara de uma espécie de escravidão.
Mussolini também agia no campo das ações sociais e, poucos têm
conhecimento disso, foi o pai da Previdência Social.
Falava de novas conquistas, como a concessão de novas terras para
plantio, mais especificamente a exploração agrícola na Etiópia e na
Somália.
Ele conseguira os direitos de exploração das terras até então
improdutivas e, em pagamento, destinava parte da produção para o
governo local.
Isto permitiu a Itália resolver de vez suas carências de produtos
agrícolas e permitiu aos camponeses italianos trabalharem a terra
em novos produtos até então raros, como a produção de uvas, olivas
e frutas.
Com isto, a Itália se tornou uma produtora de vinhos, azeites e
frutas, distribuindo sua produção para toda a Europa.
Também permitiu a emigração do homem do campo para as cidades
industriais, incrementando a indústria nacional que sofria com a
carência de mão de obra.
Assim, os feitos de Mussolini se espalharam por toda a Itália e,
principalmente, no sul, onde seus feitos atingiram o povo aflito por
mudanças, já que o norte do país, industrializado e rico, pouco ligava
para a miserabilidade em que viviam os sulistas.
Então, ao ler o panfleto, Salvatore dispôs-se a ir até Cosenza,
conhecer de perto tão afamado homem. Ele e alguns amigos, que
também admiravam Mussolini, pegaram uma carroça puxada a
cavalo e enfrentaram uma viagem de quase vinte horas para
chegaram a Cosenza.
Lá, se informaram do local do comício e acamparam bem perto de
onde se localizava o palanque.
Acomodados, abriram sua sacola de lanche, comeram e beberam o
vinho que haviam levado.
No dia seguinte, acordaram em meio à algazarra que muitos outros
jovens faziam ao chegar ao local. Era extraordinário como Mussolini
atraía os jovens. Talvez, pelo fato de, pela primeira vez, os jovens do
sul da Itália realmente deslumbrarem um futuro promissor, de
poderem, realmente, se livrar daquela vida de subsistência, de se
livrarem do analfabetismo, da falta de notícias, de saberem que,
além da Calábria, existia um mundo.
Então chegou o momento esperado. Mussolini subiu ao palanque e
maravilhou os presentes com um discurso totalmente voltado para o
social, para a educação e para o progresso.
Salvatore e seus amigos voltaram para Luzzi com um ídolo em seus
corações. Passaram a sonhar com as conquistas anunciadas por
Mussolini. Salvatore se
empenhou mais ainda para se
alfabetizar.
V – O EXÉRCITO.
Passados dois anos, já então com vinte de idade, Salvatore recebeu
notificação das forças armadas para se alistar.
A Segunda Guerra Mundial já estava em curso e Mussolini se viu
obrigado a fortalecer seus exércitos, temendo uma invasão alemã,
apesar do bom relacionamento que ele mantinha com Hitler. Sabia
que este relacionamento duraria apenas enquanto fosse do interesse
dos alemães, cuja força militar já era tida e temida como a mais
poderosa do continente.
Salvatore ficou feliz não só por poder servir a seu ídolo, mas também
por poder se livrar daquela vida sacrificada e sem esperanças. Sabia
que no exército obteria novos conhecimentos, conheceria novos
lugares e teria a oportunidade de aprender algo diferente que lhe
proporcionasse uma nova vida, em um outro lugar.
Três dias depois se ser notificado, lá estava ele em Cosenza se
apresentando no improvisado campo militar que recebia os soldados
convocados.
A desordem era geral. Primeiro, devido à improvisação. Salvatore
levou mais de três horas para ser atendido e apresentar seus
documentos. Segundo, por que praticamente todos os convocados
estavam se apresentando ao mesmo tempo. Não era só Salvatore
que desejava fugir daquele lugar, daquela vida.
Logo após ele, Paolo e Tulio também se apresentaram e os três
foram juntos para o grupo que, já alistado, aguardava instruções. Os
três se apresentaram e descobriram ser vizinhos de cidades.
Salvatore era de Luzzi e Paolo e Tulio residiam em Acre.
Passaram-se dois anos e, em meados de 1942, Salvatore foi
convocado para se apresentar em Catanzaro, que ficava a uma hora
de trem ao sul de Cosenza.
Lá chegando, ficou feliz em encontrar seus amigos Paolo e Tulio, que
também haviam sido convocados.
Um oficial organizou os jovens e lhes informou que deveriam
aguardar uma chamada, por grupos, e que seriam encaminhados
para suas acomodações.
O grupo de vinte e cinco jovens, do qual fazia parte Salvatore, foi
levado para um galpão nos fundos do quartel, onde receberam
uniformes e equipamentos, exceto armas. De lá, seguiram para o
alojamento.
Salvatore procurou saber para onde seguiram seus amigos, mas já
estava escurecendo e deixou isso para o dia seguinte.
Assim que acordou, às 06:00 da manhã, perfilou com os demais e
foram levados para uma imensa cantina, onde tomaram o café da
manhã. Tiveram apenas dez minutos para isto, já que havia
necessidade de revezamento com os demais grupos.
Quando fazia o caminho de volta, avistou o grupo que vinha em
direção à cantina e nele viu Paolo e Túlio. Fez um aceno que depois
se falariam e seguiu com seu grupo.
E assim, durante oito meses, os recrutas receberam treinamento
apenas físico e disciplinar, até que lhe foi informado que, em breve,
seguiriam para Bologna, para os exercícios militares.
(Salvatore – ao centro – e seus amigos Paolo e Tulio)
Também lhes foi dito que teriam uma folga de uma semana antes da
viagem, para visitarem e se despedirem de suas famílias.
No dia seguinte, logo após o café, todos foram dispensados com a
recomendação de, no oitavo dia, se apresentarem de volta.
Salvatore, Paolo e Tulio foram juntos para a estação de trens e duas
horas depois estavam embarcando para Cosenza.
Lá chegando, desceram, se despediram e procuraram um meio de
transporte que os levasse a Luzzi e Acre.
Salvatore chegou à fazenda somente no dia seguinte, pela manhã.
Contou as novidades a seus familiares e mostrou que estava muito
feliz em poder viajar para Bologna, cidade da qual havia escutado
maravilhas. Finalmente, seus horizontes estavam se abrindo.
Com medo de perder a hora da reapresentação, Salvatore, no
domingo, sexto dia, resolveu voltar para Cosenza logo cedo, pois o
transporte até lá era complicado. Havia trens para Catanzaro apenas
a cada 12 horas.
Chegou a Cosenza no domingo à noite, após uma carona em uma
carroça de um fazendeiro vizinho.
Como faltavam ainda dois dias para a reapresentação, procurou o
quartel dos carabineiri (polícia local) para pernoitar.
Lá chegando, um policial informou que na manhã seguinte ele já
poderia ir para Catanzaro, pois poderia se reapresentar antes do
prazo. Esta era a preocupação de todos os demais e o quartel o
receberia normalmente.
Como não havia mais trens naquele horário, se acomodou em uma
das celas do quartel da polícia, dormiu por algumas horas e, logo que
amanheceu, já estava a caminho da estação de trens.
O primeiro trem saiu às 10 horas, e uma hora e meia depois,
já estava descendo em Catanzaro. Constatou que o que o
policial lhe informara era verdade. Dezenas de jovens
desceram do mesmo trem e tomaram o mesmo rumo de
Salvatore, em direção ao quartel.
Lá chegando, Salvatore se dirigiu a seu alojamento. Muito
cansado e mal dormido, por conta da péssima viagem de
carroça de Luzzi a Cosenza, deitou-se em sua cama e dormiu
até às oito da noite.
Assim que levantou, perguntou onde poderia comer alguma
coisa e um colega informou que, na cantina, havia um lanche
disponível e para lá se dirigiu.
Lanchou e, ao sair, viu seus amigos Paolo e Tulio chegando.
Eles também haviam tido a mesma ideia.
Esperou os amigos fazerem seu lanche e ficaram
conversando até tarde. No dia seguinte, que ainda era de
folga, foram passear em Catanzaro e só voltaram à noite.
Foram dormir cedo, pois não sabiam o que ocorreria no dia
seguinte, a data marcada para a reapresentação.
Às seis da manhã foram acordados pela sirene do quartel e
receberam ordens de se dirigir à cantina para o café da
manhã.
Lá foram avisados que o horário de
reapresentação seria ao meio dia e
notava-se que quase todos já haviam
voltado.
Após o meio dia, no pátio de formação,
havia perto de mil recrutas perfilados.
Foi-lhes comunicado que receberiam
uniformes leves e que, à noite,
embarcariam de trem para Bologna.
Assim aconteceu. Por volta das oito da noite, todos
marcharam para a estação de trens, e, à medida que
chegavam, eram distribuídos pelos 15 vagões existentes,
além da locomotiva.
Por volta da meia-noite, partiram. A primeira cidade que
cruzaram foi Cosenza, na sequência, Paola, depois vieram
Fuscaldo e outras dezenas que Salvatore não conhecia.
Durante dois dias o trem cruzou a Itália de sul a norte e, na
madrugada do terceiro dia, chegou enfim a Bologna. A
viagem foi exaustiva, pois não houve paradas, a não ser
quatro vezes, com duração máxima de trinta minutos, para
que os soldados pudessem descer e fazer suas necessidades
fisiológicas. Perto de Roma, o trem ficou parado cerca de dez
horas, aguardando sinal para prosseguir. As paradas não
foram em estações, e sim em descampados.
Quando o trem chegou a Bologna, os soldados desceram.
Embarcaram novamente em um outro trem, que em meia
hora, os levou para um imenso quartel que se localizava
entre as cidades de Bologna e Ferrara.
Lá, diferentemente de Cosenza e Catanzaro, não havia
desordem. Do trem, foram embarcados em caminhões
militares, e foram imediatamente levados a enormes
edifícios destinados à acomodação das tropas.
Desceram dos caminhões, foram perfilados e, meia hora
depois, um oficial se apresentou, falando em um megafone:
“Atenção ! Todos possuem um número de identificação.
Vocês serão separados em pequenos grupos de trinta
homens e, cada qual seguirá comandado por um suboficial,
que os levará aos alojamentos a que estão destinados. Cada
grupo conhecerá suas
acomodações e receberá
instruções sobre os procedimentos
a serem tomados a partir de
amanhã. Em no nome do Dulce, o
exército italiano saúda a todos”.
Como haviam se apresentado
juntos em Cosenza, Salvatore, Paolo e Tulio ficaram no
mesmo grupo, o terceiro a ser chamado na ordem da
numeração recebida. Tão logo foi anunciada a numeração,
um suboficial se apresentou e o grupo de trinta homes se
postou à sua frente. Formaram duas filas indianas e seguiram
com destino às suas acomodações.
No dia seguinte, bem cedo, começaram a receber
treinamento militar. Assim se repetiu durante seis meses.
Praticaram atividades físicas, tiveram ensinamentos militares,
aprenderam a utilizar armas, e enfim, ao final do
treinamento básico, estavam prontos para seguir para os
campos de batalha.
(Salvatore – à
direita – e seus amigos Paolo e Tulio)
Já transcorria a primavera de 1943, quando Salvatore e seu
pelotão foram enviados para guarnecer a fronteira com a
França e ficaram aquartelados em um agrupamento de forças
próximo à cidade de Aosta, no noroeste italiano.
VI – MUSSOLINI SE ALIA A HITLER.
A Itália era provida de alimentos produzidos em suas
possessões estabelecidas na Etiópia e na Somália.
Mussolini havia feito acordos com aquelas duas nações para
explorar suas terras até então improdutivas, visando à
produção de grãos para abastecer as necessidades
alimentares de seu país.
Arrendou terras na Etiópia localizadas perto das cidades de
Dire Dawa e Jiiga e, na Somália, entre Berdar e Djibouti.
Executou projetos de irrigação, abriu estradas interligando as
regiões dos dois países, executou projetos habitacionais para
alojar os trabalhadores - todos nativos - e construiu um
porto para escoamento da produção em Djibouti, capital da
Somália.
Dire Dawa
Dijibouti
Lá, foram produzidos grãos e
leguminosos, que via Mar Vermelho,
chegavam à Itália através do Canal de
Suez.
Tudo transcorria bem, até que a Inglaterra, a quem os
direitos de exploração do Canal de Suez pertenciam, passou a
aumentar de forma progressiva as taxas de pedágio que
eram cobradas pela sua utilização.
A Inglaterra, pressionada pelos altos custos que estava tendo
com o combate contra a Alemanha, pois há três anos já
duravam os conflitos da Segunda Guerra, resolveu buscar
fundos a todo custo e, como o Canal era uma ótima fonte de
renda, resolveu aos poucos cobrar taxas extorsivas, chegando
ao ponto de exigir 50% do valor da carga que os navios
italianos transportavam.
Indignado, Mussolini avisou que não pagaria mais que 20%
do valor da carga e que, se houvesse retaliações, a armada
italiana - na época a mais poderosa da Europa - entraria em
ação.
Pouco menos de um mês após este
episódio, a armada italiana foi
totalmente posta a pique em um ataque
surpresa da Inglaterra.
Logo após, descobriu-se que a traição
que a Itália sofrera partira do Vaticano,
através do então Papa Pio XII, o qual
passara informações secretas aos
ingleses, fornecendo-lhes a localização da armada italiana.
O que motivou o Papa Pio XII a trair a Itália foi o fato de que
o então regime fascista imposto por Mussolini ia de encontro
aos interesses do Vaticano.
O regime também não agradava aos ricos, principalmente
aos barões donos de terras, os quais tiveram suas fortunas
consideravelmente diminuídas com as recentes mudanças
ocorridas nos direitos de exploração
da terra.
Então, os ricos e o Vaticano tramaram
juntos a derrocada de Mussolini, e isto
culminou com a traição havida com a
armada italiana.
Mussolini, então, teve de abandonar
as possessões africanas e, antevendo
que iria ter problemas com o
abastecimento de alimentos, tomou uma decisão que iria
mudar o destino da Itália perante os conflitos da Segunda
Guerra Mundial: aliou-se a Hitler.
Isto também mudou o destino de Salvatore e seus amigos
Paolo e Tulio.
VII – MARCHA PARA A RÚSSIA.
Com o fechamento do canal de Suez aos seus navios, a Itália
de Mussolini se viu entre a cruz e a espada.
Sabia que cedo ou tarde, Hilter viraria suas tropas em direção
à Itália.
Por outro lado, as pressões internas para derrubada de seu
regime eram cada vez maiores.
Não podia se unir aos outros países europeus que lutavam
contra Hilter, pois, assim, estaria se colocando indiretamente
ao lado da Inglaterra, causadora dos conflitos que a Itália
passava, e por isto, considerada inimiga.
Então, em uma atitude desesperada, temendo ser invadido
pela Alemanha ou ser morto através de uma conspiração
liderada pelo Vaticano e pelos barões de terra, Mussolini se
aliou a Hitler, e isto mudaria completamente a história da
Itália na 2ª Guerra Mundial.
Ao se aliar a Hilter, Mussolini submeteu seu exército ao
comando dos nazistas.
Algum tempo depois, o exército italiano começou a enviar
seus soldados para as frentes de batalhas na Rússia. Então,
em meados do primeiro semestre de 1944, Salvatore e seus
amigos foram enviados para o sul daquele país.
As tropas foram
transportadas de trem,
em uma viagem que
durou oito dias,
atravessando os
territórios da Áustria, da
Romênia, da Moldávia e
da Ucrânia, para
finalmente chegar ao sul da Rússia, nas imediações de
Rostov.
VIII – A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE.
Passado o bombardeio, Salvatore e seus amigos foram
recuperando o senso de realidade. Estavam atordoados pelo
barulho dos aviões em seus voos rasantes, pelas explosões
das bombas e petrificados de medo diante do quadro que
agora viam à sua frente.
Centenas de corpos mutilados espalhados pelo chão.
O galpão não mais era visível. Fora totalmente destruído
pelas bombas. Apenas alguns casebres permaneciam
teimosamente em pé na vila.
Aos poucos, foram aparecendo outros soldados que haviam
sobrevivido ao bombardeio. Alguns totalmente ilesos, como
Salvatore e seus amigos. Outros, com ferimentos leves e
outros com ferimentos graves. Ouviam-se gemidos por todo
lado.
Alguns oficiais sobreviventes apareceram e começaram a
ordenar o que sobrou da tropa.
A primeira coisa de que se deram conta é que estavam
praticamente todos descalços. O calor proporcionado pelo
fogo das bombas não lhes permitia sentir o frio a sua volta.
A primeira ordem ouvida dos oficiais era de abandonarem
imediatamente o local, pois, certamente após o bombardeio,
viriam as tropas terrestres provenientes de Rostov para
terminar o serviço.
Porém, a neve gélida já fazia sentir seus efeitos nos pés
descalços dos soldados.
Então, quase que instantaneamente, todos tiverem a mesma
ideia: retirar o que sobrou das roupas dos mortos e
improvisar um abrigo para os pés, além de roupa para
aquecer o corpo, já que seus casacos haviam sido levados
também.
Para piorar a situação, a pequena ponte, que ligava a vila à
estrada por onde haviam chegado estava quase que
intransponível, já que fragmentos de bombas a haviam
atingido.
Os soldados tiveram que improvisar uma passagem com os
restos do madeirame do galpão e assim conseguiram
alcançar a outra margem.
Correram até onde estava o caminhão e em torno dele se
agruparam.
O Tenente Giovanni, o mais alto oficial ali presente, deu uma
rápida explicação do que estava acontecendo e tentou aos
poucos reordenar o que sobrou das tropas e traçar planos
para a fuga, que se mostrava bastante difícil, visto que a
grande maioria estava descalça e sem casaco. Apenas ele,
outro tenente, que estava com um grande ferimento na coxa
direita, e cerca de dez soldados, entre eles Salvatore, Paolo e
Túlio, estavam ainda com as botas e os casacos.
Alguns soldados que estavam de vigia e foram atingidos e
mortos no bombardeio tiveram suas botas e casacos
recolhidos, apesar de semi destruídos.
Primeiro, contou-se quantos soldados estavam ali: um total
de cento e vinte, incluindo os oficiais e suboficiais que
também haviam sobrevivido (um tenente, um sub tenente e
quatro sargentos).
As ordens foram as seguintes: retirar a lona do caminhão,
retirar a gasolina dos tanques transferindo-a para os tanques
portáteis que estavam nas laterais do veículo, arrancar as
tábuas do piso que serviriam de sola para calçados
improvisados e tudo o mais que pudesse vir a ser útil durante
a fuga. Mas para isso precisariam de ferramentas,
principalmente de um serrote.
Um soldado, ao se esconder durante o bombardeio, entrara
em dos casebres e disse ter visto algumas ferramentas que lá
haviam sido deixadas pelos moradores.
Então, um grupo de doze soldados que estavam de botas e
casacos, entre eles Salvatore, foi designado a voltar para a
vila e pegar tudo o que fosse possível.
O grupo voltou com seis pás, um ancinho, oito foices, oito
enxadas, dois serrotes grandes e um pequeno, dois
machados e uma marreta de tamanho médio, além de uma
alavanca de cerca de um metro e meio, com uma das pontas
achatadas.
A alavanca veio a calhar para arrancar as tábuas do assoalho
do caminhão. Em poucos minutos, as tábuas foram
cuidadosamente serradas em pedaços que permitiram
“fabricar” 80 pares de “solas”. O restante das “solas” foi
obtido serrando-se outras partes das laterais do caminhão.
As ferragens da carroceria bem como de outras partes foram
também guardadas.
Então, com os trapos das roupas tiradas dos colegas mortos,
cintos, meias, lenços, etc, todos improvisaram seus calçados.
Pernas de calças serviram para cobrir os braços e outras
partes foram usadas para abrigar as costas e os peitos.
No desmonte das calças, muitos isqueiros e maços de
cigarros foram encontrados. Em algumas, havias também
barras de chocolate que haviam sido compradas na última
cidade em que pararam quando saíam da Ucrânia em direção
à Rússia.
Já anoitecia, quando os soldados foram agrupados para
iniciarem a marcha de fuga. Não tinham ideia dos horrores
que seriam provados naqueles próximos cinco ou seis meses.
PARTE II – A LONGA MARCHA DA VOLTA
IX – DIREÇÃO ITÁLIA
O grupo iniciou sua caminhada pela estrada de terra, já com
a noite se fazendo presente. De certa forma, isto agradou a
todos, pois, se fosse de dia, certamente aviões de
reconhecimento estariam procurando por sobreviventes.
O grupo de oficiais se reuniu e, mesmo caminhando, trocou
ideias de qual seria a distância da última e única vila que
passaram quando estavam indo em direção à Rostov.
Era também uma vila abandonada, porém em melhor estado
que a que eles haviam desembarcado a tropa. Calcularam
que seriam necessários uns dois dias de caminhada para
alcançá-la, seguindo a estrada de terra pela qual haviam
chegado. Felizmente, não nevava mais, e a neve do dia
anterior que estava no chão não passava de uma leve
camada de pouco mais de 2 centímetros, o que facilitava a
marcha e não umedecia tanto os calçados improvisados.
A claridade do novo dia já se fazia presente e a fome já se
fazia sentir, pois a última refeição feita fora na noite anterior,
um pouco antes da chegada do traidor general Colossi.
Os soldados não tinham relógio, somente o Tenente
Giovanni, que viu que marcava oito horas da manhã, horário
de Bologna. Calculou que o fuso horário de onde estavam era
de duas horas e, portanto, deveriam ser dez horas naquele
momento local.
A tropa já mostrava sinais de cansaço, que, aliado ao estresse
experimentado, fez com que o Tenente Giovani permitisse o
repouso, para também se avaliar a situação e começar a
pensar como resolver o problema da falta de alimentação.
O estado do ferimento de um dos oficiais feridos preocupava
a todos que marchavam a seu lado. O ferimento não parava
de sangrar e ele estava muito debilitado. Outros soldados
também estavam na mesma situação. Era um grupo de
aproximadamente trinta homens, que além de ter a batalha
da fuga pela frente, não tinham como tratar de seus
ferimentos e estes pioravam à medida que o tempo passava,
devido à marcha forçada. Alguns soldados, já durante a noite,
estavam ajudando seus companheiros feridos.
Os soldados então comeram o chocolate que tinham em seus
bolsos. Todos possuíam pelo menos uma barra.
Com algumas placas de zinco que haviam levado,
improvisaram bacias para derreter a neve e com isto
saciarem sua sede.
Estavam descansando há quase uma hora, quando ouviram
barulho de motores de avião. A margem da estrada na qual
estavam refugiados tinha uma espessa mata, com árvores
baixas e que ainda possuíam folhagem, já que o inverno
estava no início. Portanto, seria difícil para os pilotos
localizarem o grupo.
Felizmente, não foram avistados.
Como a estrada era estreita e muitas árvores estendiam seus
ramos sobre ela, a tropa se sentiu segura em seu refúgio.
Durante uma hora os aviões vasculharam a área, passando
várias vezes por cima de suas cabeças. Eram três aviões de
reconhecimento.
O tenente já havia ajustado seu relógio ao horário local e, já
passava de uma hora da tarde quando resolveram retomar a
marcha.
Com medo de novos aviões, resolveram marchar em fila de
dois, bem próximos à margem, com espaço de cinco metros
entre cada dupla, sendo uma coluna em cada margem.
Com isto, caso os aviões de reconhecimento surgissem,
teriam tempo bastante de se refugiar debaixo das copas e o
rastro seria difícil de ser visto pelos pilotos, já que caminham
junto à mata.
Caminharam por três horas, quando ouviram novamente o
barulho dos motores. Imediatamente, todos seguiram as
ordens pré-estabelecidas e se refugiaram.
Passaram-se cinquenta minutos até que o barulho dos aviões
deixou de ser ouvido.
Novamente, retomaram a marcha e cerca de duas horas
depois um contratempo surgiu: uma clareira de mais ou
menos dois quilômetros se apresentou à frente. Já estava
perto de anoitecer e os oficiais decidiram descansar até que
anoitecesse novamente, e aí sim retomariam a marcha de
vez por toda a noite, o que lhes garantiria cobrir um bom
trecho sem os percalços dos aviões.
Então, descansaram por duas horas até que a noite caísse
para voltar à marcha. Os soldados feridos tiveram muitas
dificuldades para se levantar e algumas macas tiveram de ser
improvisadas usando-se galhos e cortes feitos com a lona do
caminhão.
Embora já fosse de noite, um grupo de soldados ficou
encarregado de apagar os rastros dos sulcos deixados pelas
padiolas, que eram arrastadas.
A muito custo, o grupo caminhou por toda a noite. Pelos
cálculos dos oficiais, ainda restavam umas vinte horas de
caminhada para se chegar à vila. Além disso, torciam para
que esta ainda estivesse abandonada.
Uma hora depois do amanhecer, o grupo parou novamente
para descansar. Como era de hábito, as necessidades
fisiológicas deviam ser feitas a pelo menos cinquenta metros
de onde estavam acampados.
Ao entrar na mata, dois soldados se depararam com uma
pequena plantação de girassóis. Chamaram então um dos
oficiais e foram explorar a área.
Descobriram ser um pequeno sítio abandonado, cujo acesso
se dava por um caminho que terminava duzentos metros
adiante da estrada em que estavam.
Ao lado dos girassóis, havia também uma plantação rasteira,
que ao ser retirada, trouxe com as ramas uma espécie de
batata. Ao fundo da plantação, havia um pequeno casebre,
feito de galhos de árvores, ainda com seu teto de ramagem
em bom estado. Da entrada do casebre, avistava-se todo seu
interior que se compunha de um único espaço de pouco mais
de oito metros quadrados. Estava completamente vazio, a
não ser por uma grande tesoura, toda enferrujada, que se
encontrava enfiada entre os galhos que compunham a
parede do casebre.
Um grupo de soldados foi chamado e colheram toda a
plantação daquela espécie de batata e todos os girassóis que,
com todos ajudando, tiveram suas sementes arrancadas e
servidas aos soldados.
Também, usando as bacias improvisadas, acenderam
pequenas fogueiras dentro do casebre, nas quais cozinharam
as batatas.
A comida foi distribuída em porções iguais para todos os
soldados e estes a engoliram rapidamente, apesar de seu
gosto não muito bom - talvez por terem sido colhidas
precocemente.
As batatas, por serem em pequena quantidade, foram
totalmente comidas, com casca e tudo. Quanto às sementes
de girassol, sobrou o suficiente para uma nova refeição.
Já eram mais de dez horas da manhã quando se reiniciou a
marcha. O esquema foi o mesmo. Duplas espaçadas de cinco
em cinco metros, em duas colunas, cada qual em uma
margem da estrada, com um grupo na retaguarda
desfazendo as pistas.
Eram quatro da tarde, quando resolveram parar novamente
até o anoitecer. Logo após se estabelecerem, uma pequena
nevasca começou a se precipitar. Rapidamente, todos se
dirigiram para uma encosta com muitas árvores. A lona foi
estendida por cima dos galhos mais baixos, amarrada com
cordas feitas de trapos e cintos retirados dos soldados
mortos no bombardeio. Como não couberam todos naquele
abrigo, os demais improvisaram um teto com a ramagem
retirada das árvores e um grosso capim que crescia naquele
local.
A neve caiu por mais de cinco horas, o que atrasou a
retomada da marcha. Quando a neve parou de cair, os
soldados sabiam que a retomada da caminhada seria mais
dura, pois, calculava-se uma camada de neve de mais de dez
centímetros. Além disso, os soldados trocaram e reforçaram
a camada de suas “botas”, pois, certamente, a neve iria
umedecer ainda mais o tecido utilizado como couro. Além
disso, muitos já apresentavam feridas e sangramentos nos
pés, devido ao esforço de caminhar sobre as plataformas de
madeira. As articulações dos pés estavam muito doloridas,
pois não se conseguia dobrar os pés nas passadas. Alguns
apresentavam hematomas nas solas e nos dorsos dos pés.
À noite, as primeiras baixas ocorreram. Dois dos soldados
carregados nas padiolas faleceram. Não suportaram os
ferimentos e o sangue perdido.
Os oficiais ordenaram que os soldados cavassem uma cova,
onde os corpos foram enterrados.
O grupo começara a se reduzir. Já eram 118. A marcha foi
retomada pela noite adentro.
X – A PROCURA POR ABRIGO E COMIDA.
Já amanhecia quando a tropa avistou os primeiros sinais que
indicavam que estavam próximos à vila que buscavam.
Alguns utensílios, como carroças manuais, arreios de
montaria, objetos pessoais, etc, eram vistos pelo caminho.
Eram sinais visíveis de que a vila fora abandonada às pressas.
Isto soava bem, pois indicava que não haveria problemas em
se entrar nela.
Um grupo de cinco soldados, capitaneados por um dos
oficiais, foi encarregado da aproximação e estudo do terreno
para se certificarem de que a área estava inteiramente livre
para ser ocupada.
Sorrateiramente, esgueirando-se por entre a densa mata,
aproximaram-se da vila e aguardaram por um tempo para se
certificar de que não havia nenhum morador ainda
perambulando por ali. Nenhum som era ouvido, nem de
pessoas, nem de animais.
Após uma hora, um dos soldados voltou para onde a tropa se
encontrava e comunicou aos oficiais de que a vila estava
realmente abandonada.
Então, um grupo maior se dirigiu para a vila, onde, juntando-
se aos outros que tinham ido efetuar a verificação, nela
entraram e constataram que as construções eram melhores
do que aquela que havia sido bombardeada. As casas, feitas
de pedra e barro, com telhado de uma espécie de sapê,
vegetação típica das estepes locais, estavam em boas
condições e serviriam de abrigo para a tropa.
Aos poucos, todos foram adentrando na vila. Os soldados
foram ocupando as casas e os oficiais se reuniram em uma
delas, construída perto de uma espécie de praça da vila.
Todas as casas, sem exceção, eram de um só cômodo, com
uma área de aproximadamente 20m2 e em seu interior,
possuíam algo parecido com uma lareira, só quem sem
chaminé. Era uma espécie de sobrepiso feito de pedras, com
uns 20cm de altura, encostado a uma das paredes e, em cima
dele, via-se claramente restos de lenha queimada. Acima
delas, havia uma pequena abertura na parede, que deveria
servir para aliviar a saída da fumaça que se acumulava dentro
das casas. Acima desta abertura havia uma placa de latão que
servia para aparar e colher a fumaça para ser expelida pela
abertura.
Os oficiais ordenaram aos soldados que vasculhassem as
outras casas e as imediações para ver se colhiam alguns
materiais que pudessem servir para se acenderem fogueiras
e outros objetos que pudessem ser úteis à tropa.
Em algumas casas, foram deixados móveis como cadeiras,
mesas, armações de camas, cômodas e panelas de ferro.
Tudo indicava que umas das atividades desenvolvidas
naquela vila era a produção de utensílios em vime, já que
haviam sido abandonados, além do vime nos tanques, alguns
cestos prontos e outros em fase de tecitura.
O material para servir de fogueira foi agrupado no centro
daquela pequena praça, em frente ao alojamento onde se
encontravam instalados os oficiais. Inclusive, o galpão do
vime havia sido desmontado, já que não servia de abrigo por
serem suas paredes totalmente vazadas.
Os soldados foram divididos em grupos de vinte e cada grupo
se instalou em uma casa, carregando consigo uma boa
quantidade de lenha para acenderem suas fogueiras. Porém,
um dos oficiais alertou que elas somente poderiam ser
acesas após anoitecer, pois a fumaça poderia ser vista.
Apesar do frio intenso, todos resolveram aguardar a chegada
da noite para acender o fogo e o tenente ordenou que os
soldados descansassem nas casas, secassem suas proteções
dos pés e tentassem melhorar as condições de seus
agasalhos improvisados.
Neste momento, um soldado se aproximou e disse que o
vime poderia ser utilizado para substituir as “solas” de
madeira, já que era maleável e proporcionava maior
aderência ao se caminhar sobre a neve. Disse saber trabalhar
com o material e que se disporia a fazer um par para ser
experimentado.
Outros cinco soldados também informaram saber trabalhar
com o vime e se propuseram a ajudar.
Meia hora depois, o primeiro par de “solas” havia sido tecido
e tiras de roupas foram usadas para dar um formato de botas
à mesma.
Um dos oficiais se dispôs a experimentar o calçado e o
aprovou. Era bem melhor que o piso duro das tábuas.
Então foi dada a ordem de se produzir os demais pares de
solas para o restante do grupo e que os demais iriam
providenciando as tiras de pano.
Nisso, ouve-se um tiro proveniente da casa utilizada pelos
oficiais e vê-se um soldado sair correndo de lá, apavorado e
gritando que o tenente ferido havia atirado em sua própria
cabeça.
Um dos três oficiais restantes, de nome Mário, entrou
rapidamente na casa e constatou o que o soldado havia dito.
Em um dos cantos da casa, jazia o corpo do tenente com uma
mancha de sangue na fronte esquerda e a pistola caída no
chão, próximo à sua mão.
Não foi preciso mais que um minuto para se descobrir o
porquê daquele gesto: o cheiro de carne podre se fez sentir
enquanto os demais que ali se encontravam presenciavam a
cena: o ferimento na cocha do tenente havia gangrenado e
este sabia que não teria salvação, já que não dispunham de
remédios para a cura e nem de material para uma possível
amputação do membro.
Todos ficaram consternados com o ocorrido, cuja notícia se
espalhou rapidamente.
Porém, como nada mais poderia ser feito, o sub tenente
Mário, primeiro na escala militar ali presente, ordenou que
se enterrasse rapidamente o corpo do tenente e que suas
roupas fossem enterradas com ele, visto que a calça estava
toda manchada de sangue gangrenado. Seu par de botas e
seu casaco militar deveriam ser aproveitados após bem
lavados. Ele informou que ficaria com o casaco e que as
botas, pequenas demais para ele, seriam oferecidas aos
outros oficiais.
Após o enterro do tenente, ocorrido por volta do meio-dia ,
constatou-se que mais cinco soldados que se encontravam
em uma das casas destinada aos feridos apresentaram sinais
de gangrena. O pânico se espalhou entre eles .
Os oficiais decidiram que pernoitariam naquela vila, para que
os soldados se recompusessem, descansassem os pés e
fizessem as adaptações com o novo tipo de sola que seria
experimentado.
Ao anoitecer, depois de escalados os soldados que fariam a
vigilância e seus turnos, todas as casas acenderam suas
fogueiras e rapidamente os ambientes se encheram de calor.
Era uma sensação de conforto que não tinham desde que
deixaram os trem na Ucrânia.
Como jantar, as sementes de girassol foram distribuídas e
aquela foi a única refeição do dia.
Não fosse pelo desconforto de acordar no meio da noite para
a ronda de vigilância, esta teria sido uma noite perfeita,
dentro de suas limitações e circunstâncias.
Ao amanhecer, vários soldados se espalharam pelas
imediações para ver se encontravam algo que pudesse ser
utilizado, bem como alimentos.
Além de alguns objetos de uso pessoal que de nada serviam,
nenhum alimento foi encontrado.
Assim, após todos terem calçados suas novas “botas”, os
soldados foram perfilados para reiniciarem a marcha. Porém,
uma notícia entristeceu a todos: os soldados feridos seriam
deixados para trás.
Já havia vários feridos com gangrena e, o restante dos
feridos graves, em poucas horas, estariam com o mesmo mal.
Seria como transportar cadáveres.
Então, só os 113 que tinham condições de continuar a
marcha seguiram em frente. Os oficiais foram dar palavras de
ânimo aos que ficariam, dizendo-lhes que a única chance de
vida que tinham era a de serem capturados e enviados a um
hospital para serem tratados. Além disso, mentiram dizendo
que retomariam a marcha em direção ao Este, a fim de pegar
uma pequena estrada pela qual haviam passado há 24 horas.
Tratava-se de uma mentira para que, caso fossem capturados
com vida e torturados, não passassem, ao inimigo as
verdadeiras intenções do grupo.
Quando iam deixando o recinto, um dos feridos disse:
“Senhor, por favor, deixe-nos armas para que nós possamos
decidir o que fazer. Sabemos perfeitamente que se formos
capturados, vamos ser executados, pois, se alguém chegar
vivo à Itália, irá denunciar a traição. Portanto, já estamos
destinados a morrer. Queremos decidir se vamos morrer por
vontade própria, abreviando o sofrimento, ou se nas mãos
dos inimigos”.
O subtenente Simone deu-se conta de que o temor discutido
entre os oficiais já era compartilhado por todos. Este assunto
já havia sido falado em uma reunião que o pequeno grupo de
oficiais teve naquela parada no campo de girassóis. O
mesmo pressentimento já havia tomado conta de todos.
Então o sargento Simone decidiu deixar com os feridos um
fuzil e cinco balas. E saíram consternados, sem dizer mais
uma só palavra.
A tropa foi novamente comunicada da decisão de se deixar
os feridos à sua própria sorte e, temendo o que já havia sido
constatado, parecia que todos sabiam de sua real situação.
Era escapar ou morrer nas mãos do inimigo, pois este, com
toda a certeza, não iria fazer prisioneiros. Todos ficaram
mudos e empreenderam a caminhada. Nada se poderia fazer
pelos amigos que ficariam para trás.
XI – ARMADILHA PARA INIMIGO.
Sem outra opção, a tropa seguiu para o oeste, na esperança
de encontrar um caminho melhor e, principalmente,
alimentos. A fome já dava sinais de presença entre os
soldados. A pequena porção de sementes de girassol foi
insignificante.
Passaram-se três dias e os soldados não encontraram
alimentos. No caminho, pernoitavam mata adentro para não
serem surpreendidos. O frio era intenso e, como
alimentação, serviam-se de sopas feitas com raízes de
plantas locais. De alguma forma, essas raízes forneciam
energia.
O novo calçado à base de vime e panos serviu melhor que as
solas de madeira. Os pés já não doíam tanto, mas a umidade
neles era mais frequente. À noite, sempre tinham que secar o
vime e as tiras de lona.
No quarto dia, os soldados que formavam o grupo de
batedores voltaram com uma notícia: à frente, cerca de uns
três quilômetros, avistaram uma grande ponte, sendo que a
cabeceira do outro lado era guarnecida por um grupo de
soldados.
Este era o grande problema. Como chegar ao outro lado da
ponte sem serem percebidos pelos soldados inimigos?
Um dos oficiais então, falou: “No caminho, notamos o rastro
de veículos que se dirigiam ou voltavam da direção da ponte.
Portanto, vamos recuar alguns quilômetros e ficar na espreita
para avistarmos qualquer veículo que passe pela estrada, em
direção à ponte. Nossa esperança é que possamos nos
apossar de um deles e, aí sim, poderemos nos aproximar
despercebidos da cabeceira da ponte”.
E assim fizeram. A tropa recuou uns 15km até o ponto da
estrada onde havia um pequeno monte, de cerca de 50
metros de altura e que, de lá, se tinha uma ótima visão para
ambos os sentidos da estrada, já que esta fazia uma curva
aberta justamente para contornar este monte.
Esperaram cerca de seis horas, até que do lado Leste, em
direção à ponte, viram aproximar-se dois caminhões
militares. Um deles tratava-se de um veículo de carga e o
outro, certamente, por ter uma cobertura de lona, deveria
trazer soldados para a escolta. Devido às condições da
estrada, muito lamacenta por conta da neve sobre o solo de
terra, sua velocidade não era superior a 20 km por hora.
Calcularam que atingiriam o ponto da curva onde a tropa se
encontrava em cerca de trinta minutos.
Rapidamente, utilizando-se dos quatro machados que
haviam recolhido na vila perto de Rostov, derrubaram uma
pequena árvore na estrada, mas de tamanho suficiente para
que provocasse a parada dos veículos.
Três grupos de soldados se esconderam na mata da margem,
prepararam seus fuzis e receberam ordens de atirar no
caminhão com a lona assim que os veículos começassem a
parar. Ordens foram dadas para não se atirar na cabine, pois,
poderia danificar os controles e os motores. Caso os soldados
das cabines reagissem, haveria um grupo especial para atirar
somente neles, com pistolas.
Os grupos se postaram justamente no lado da estrada que
encostava no monte, visando dificultar a visão dos soldados
inimigos quando percebessem a cilada.
Eis que, alguns minutos depois, o primeiro caminhão surgiu
na curva. Cerca de 50 metros adiante, o motorista deste
percebeu a árvore caída na estrada e diminuiu a velocidade.
O caminhão com a escolta, que vinha logo atrás, também
teve de diminuir a marcha. Neste momento, o oficial deu a
ordem de abrir fogo e, 30 segundos depois, os dois veículos
pararam e os ocupantes das cabines saíram atirando com
pistolas, enquanto um pequeno grupo de soldados que havia
saído ileso do tiroteio dirigido ao segundo veículo também
pulava da carroceria e preparava-se para atirar.
Então, o grupo que estava aguardando a reação dos soldados
das cabines abriu fogo e fuzilou os quatros soldados,
enquanto que os demais dizimavam o pequeno grupo de
inimigos que saltara da carroceria do caminhão da escolta.
Após se certificarem que não havia mais sobreviventes, os
soldados italianos se aproximaram dos caminhões e dos
inimigos mortos e contaram vinte e oito corpos.
Imediatamente, mesmo sem receberem ordens para tal, os
primeiros soldados se aproximarem e subiram nos caminhões
para verificar se estes transportavam algum tipo de alimento.
Para decepção geral, o primeiro veículo transportava
munição para canhões e o segundo, o da escolta,
transportava pequena quantidade de ração individual dos
soldados que, pelo visto, estavam próximos de seu destino, já
que havia o suficiente para mais duas refeições.
A muito custo, os oficiais contiveram o desespero dos
soldados, e ordenaram que o alimento fosse primeiro
inventariado, para que, depois, fosse distribuído em partes
iguais.
Antes disto, precisariam despir os inimigos mortos, esconder
seus corpos na mata e retirar os veículos da estrada.
Em uma vala de pouco mais de um metro de altura, a cerca
de 20 metros da estrada, os corpos foram atirados e, sobre
eles, jogaram uma camada de neve de aproximadamente 20
centímetros.
Somente no próximo verão aqueles corpos seriam
descobertos.
A neve com sangue na estrada foi atirada na mata, os
vestígios do tiroteio foram apagados e os caminhões
direcionados por uma brecha que havia entre as pequenas
árvores. Rezaram para que não passasse nenhum outro
veículo inimigo até que nova camada de neve cobrisse a
estrada. E assim, aguardaram até o anoitecer.
Antes que a noite caísse, os alimentos (pães pretos, queijos e
um tipo de pasta parecida com creme de amendoim) foram
distribuídos entre os soldados. Também haviam recolhido
duas garrafas de vodka. Toda a ração foi consumida. Com a
fome que estavam, não havia condições de deixarem parte
para uma outra refeição.
Então, os oficiais traçaram os planos para o ataque à ponte
na manhã seguinte.
O plano era vestir vinte e oito soldados com os uniformes
russos, armá-los com os fuzis capturados e tentar se
aproximar da guarnição de soldados inimigos do outro lado
da ponte. Calculou-se que havia cerca de vinte e cinco deles.
Teria de ser uma ação rápida e sem chance de reação para o
inimigo, já que eles deviam contar com um rádio de
comunicação e um alerta poderia ser passado durante o
combate.
Duas granadas que haviam sido encontradas na boleia de um
dos caminhões seriam utilizadas no ataque à cabine na
cabeceira da ponte, cabine esta que deveria ser utilizada
pelos oficiais e pelo operador de rádio, juntamente com o
equipamento.
Um grupo de quinze soldados que já possuía experiência de
combate foi inteiramente indicado para a missão. Seriam os
primeiros a atirar. O grupo foi completado com mais treze,
entre eles Salvatore e seu amigo Paulo. Salvatore, Paulo e
mais cinco soldados formaram um grupo que ficou
encarregado de invadir a cabine, capitaneados por um dos
oficiais e outro soldado experiente, os quais atirariam as
granadas na cabine antes que os soldados adentrassem nela.
Salvatore tremeu: seria sua primeira experiência de combate.
Até então, sua única experiência havia sido a de escapar do
bombardeio em Rostov e fugir pelas estradas russas.
Antes de dormirem, descarregaram parte da carga de
munição, deixando um vão entre as pilhas laterais. Neste vão
ficariam escondidos os soldados do primeiro caminhão a
cruzar a ponte. No outro, iriam o restante, acobertados pela
lona, que, apesar de ter muitos furos provocados pelo
tiroteio, ainda se encontrava em condições de uso.
Os soldados que participariam da ação dormiram nos
caminhões, juntamente com outros que coubessem, e o
restante dormiria debaixo da lona e dos abrigos feitos com
ramagem. As caixas de munição retiradas do caminhão,
depois de esvaziadas, serviram de estrado para os soldados.
Na manhã seguinte, um grupo se dirigiu ao alto do monte
para ver se algum veículo se aproximava. Deram o sinal de
que estava tudo bem e o grupo de soldados que não
participaria da ação saiu em marcha, em direção à ponte.
Estes aguardariam os caminhões chegarem e dariam apoio
após iniciado o tiroteio.
Uma hora depois, os soldados que estavam no monte se
juntaram ao grupo dos caminhões e estes partiram em
direção à ponte.
Passaram-se uns trinta minutos até que os caminhões
alcançaram o grupo que saíra à pé e este passou as
informações que precisavam: a situação era a mesma de
ontem. O grupo de soldados era o mesmo e a recontagem
dos inimigos ficou em vinte homens visíveis, fora os que
estavam na cabine que, pelo tamanho, não comportava mais
de cinco soldados. Ao lado da cabeceira da ponte, havia 2
caminhões, que certamente serviam de abrigo para os
soldados. Durante o tempo que o grupo ficou espionando os
russos, ninguém saíra ou entrara nos caminhões.
Pelo visto, todos se encontravam em serviço. As instruções
foram repassadas e os dois caminhões começaram a marcha
em direção à ponte. O campo de visão entre onde se
encontravam os soldados que iriam apoiar a ação e a
cabeceira da ponte era de cerca de 500 metros. Se a ação
não fosse rápida e precisa, o grupo de apoio pouco poderia
fazer para ajudar. A distância era longa.
XII - A PRIMEIRA BATALHA.
Quando os caminhões foram avistados pelos russos, estes se
perfilaram para receber o comboio. Tudo estava igual até
chegarem na cabeceira Leste da ponte. Ao entrarem nela,
viram um oficial sair da cabine e se juntar aos soldados: havia
dois russos perto de um cavalete que ficava exatamente no
fim da ponte e duas fileiras de homens, uma de cada lado, a
uns 10 metros da ponte. O oficial russo juntou-se aos dois
soldados do cavalete e os caminhões seguiram ponte
adentro, mantendo a mesma velocidade, para não causar
suspeitas.
Tudo seguia normalmente até atingirem a metade da ponte,
quando os homens da boleia do primeiro caminhão notaram
que o oficial russo começara a suspeitar de algo, pois virou-se
para a cabine e gritou algo. Logo após, falou alguma coisa
para os dois soldados que estavam a seu lado, fez um giro de
90 graus e começou a correr para a cabine, que ficava a uns
10 metros para o lado esquerdo. Nisto, os caminhões já
haviam atingido ¾ do percurso da ponte e o oficial italiano
que comandava a ação deu ordens para acelerar, apontou
seu fuzil para as costas do oficial russo e atirou.
Este caiu feito um tronco. A esta altura, os caminhões já
haviam acelerado e, quando os demais soldados russos se
deram conta do que estava acontecendo, os veículos com os
italianos já tinham alcançado a outra margem. O tiroteio teve
início de ambas as partes, e o segundo caminhão parara ao
lado da cabine, onde o outro oficial e o soldado que estavam
com as granadas as atiraram através de uma pequena janela,
que antes teve os vidros estilhaçados por tiros de pistola.
Ao ouvirem as granadas explodirem, Salvatore e os outros
soldados correram para o interior da cabine, de fuzis em
punho, e já entraram atirando. Não se sabe se os soldados
russos morreram com as explosões das granadas ou se com
os tiros de fuzis.
Então, no meio de tiroteio, ouviu-se o pipocar de uma
metralhadora: os observadores italianos não haviam avistado
o ninho de metralhadora que estava instalado no lado oposto
da cabine, no meio de algumas árvores.
Os italianos que se encontravam no segundo caminhão
ficaram totalmente expostos à ação da metralhadora, já que
haviam abaixado a lona para poderem atirar e, com isso,
foram quase que dizimados. Salvatore e o grupo que atacou a
cabine se livraram do perigo porque desceram antes de a
metralhadora entrar em ação.
O grupo do primeiro caminhão, que estava protegido pelas
caixas de munição, dividiu o ataque entre os russos que
estavam perfilados na ponte e a metralhadora.
Foi então que o motorista do primeiro caminhão teve uma
ideia: como toda a carroceria estava margeada de caixas de
equipamentos, que davam perfeita proteção aos italianos,
engrenou uma ré em direção à metralhadora e esmagou esta
e os russos que a operavam.
Com a metralhadora fora de ação, os soldados do segundo
caminhão que haviam escapado e o grupo que voltava da
cabine terminaram de derrubar os russos que restavam.
Só neste momento é que foram avistados os italianos que
vinham do outro lado da ponte.
Ainda estavam a cerca de 100 metros da cabeceira. Como se
previu, nada puderam fazer para auxiliar os outros. Estavam
muito longe da área de combate.
Terminada a ação, os italianos contaram suas baixas:
quarenta e cinco mortos e três feridos sem gravidade.
Ao revistarem a cabine, constataram o quem temiam: havia
um rádio e a comunicação, pelo menos, se iniciara. Uma voz
frenética se ouvia no alto falante. Pelo tom de voz, quem
estava do outro lado sabia que algo grave havia ocorrido e a
falta de resposta confirmaria esta certeza.
Rapidamente, os oficiais deram ordem de recolher todos os
uniformes russos, inclusive dos soldados italianos mortos,
atirarem os caminhões e os corpos no rio e limparem ao
máximo a área de batalha.
Certamente, os primeiros a chegar seriam os aviões e deveria
se dificultar ao máximo a visão que os pilotos teriam do local.
Com um pouco de sorte, estes, ao não avistarem os
caminhões e soldados, poderiam passar informações
supondo que, se houve um ataque, e a fuga se dera com os
caminhões. Então, as buscas se limitariam ao percurso da
estrada. Por terra, os russos só chegariam ao local em pelo
menos dois dias, a não ser que mais a Oeste houvesse uma
outra guarnição. No sentido Leste, a guarnição mais próxima
viria de Rostov.
Portanto, se tudo corresse como planejado, teriam vantagem
de dois dias para se afastarem do local, percorrendo
caminhos por dentro da floresta, mas sempre seguindo o
sentido Oeste.
Após duas horas de trabalho limpando completamente o
cenário da batalha, se despediram de seus amigos mortos
com uma oração no momento em que os corpos foram
atirados no rio. Depois, os soldados italianos, agora reduzidos
a 68 e com 3 levemente feridos, optaram por tomar o rumo
norte, seguindo a margem do rio, para depois, após uma
longa marcha, retomar o sentido Oeste.
Já com a grande maioria agasalhada e todos com botas
retiradas dos soldados russos, reiniciaram a fuga sem terem a
menor ideia de para onde se dirigiam.
Só não sabiam que, ao cruzarem o rio, já estavam fora de
território russo. Haviam acabado de entrar em território
ucraniano.
Haviam deixado a Rússia para trás. Encontravam-se a mais ou
menos 50 quilômetros da cidade Luhansk. Porém, mais
sofrimento estava por vir.
Salvatore havia acabado de ter a sua primeira experiência em
combates. No momento em que saiu da cabine e viu seus
companheiros serem dizimados pela metralhadora, lembrou-
se da malfadada figura do general Colossi e atirou na direção
dos soldados russos como se estes fossem ele. Não se lembra
de quantos atingiu. Só lembra que carregou seu fuzil por
duas vezes.
Quatro horas se passaram desde
que haviam deixado a ponte
para trás. Já anoitecera quando
resolveram parar. Por sorte, a
mata local não era muito densa e
eles puderam progredir por
cerca de quinze quilômetros. O
perigo era de que a mata, por
não ser densa e não possuir muitas árvores, não os
protegesse da visão aérea. No início da marcha, ouviram
barulhos de motores de aviões passarem perto, mas não
foram avistados. Por sorte, não nevava e não havia neve
acumulada no chão.
Improvisaram um acampamento e fizeram um inventário do
que tinham e do que foi arrestado dos russos:
30 fuzis russos, com 4 caixas de munição (cerca de 1.000
balas);
32 fuzis italianos, pouca munição (cerca de 200 balas);
18 pistolas com cerca de 250 balas;
8 baionetas;
4 facões;
4 martelos;
1 alavanca;
3 pás;
3 enxadas;
3 lonas (uma perfurada e 2 intactas);
22 uniformes russos completos;
9 caixas de ração (108 porções)
3 armações de ferro para apoio de panelas;
4 panelas;
6 galões de gasolina; e
2 garrafas de vodka (foram preservadas para servirem
de antiséptico ou combustível).
Para o que teriam de enfrentar nos próximos dias, não
significava nada.
Ao anoitecer, armaram o acampamento e fizeram uma
refeição.
Reiniciaram a marcha em direção rio acima, sempre perto da
vegetação. Isto dificultava a marcha, pois os obstáculos da
mata atrapalhavam muito. Marcharam o dia inteiro.
Assim que caiu a noite, tiveram de parar, pois era impossível
transpor a vegetação no escuro.
Adentraram ainda mais na mata e estabeleceram
acampamento. O céu estava limpo e a luminosidade da lua os
auxiliou na ocupação do espaço.
Havia neve no chão, talvez uma camada de 10cm. Porém,
debaixo das copas das árvores, a camada era bem mais fina e
se podia, em alguns trechos, até avistar o chão.
Resolveram então, utilizando as enxadas e as pás, remover a
neve debaixo das árvores e cobriram o chão com ramagem e
mato, de maneira que não fossem atingidos pela umidade
enquanto estivessem deitados. Isto foi feito em três áreas e
os soldados foram divididos em três grupos.
Abriram três buracos no chão de maneira que pudessem
acender fogueiras. Antes, providenciaram coberturas para os
buracos utilizando galhos, para que o fogo não fosse avistado
de cima.
Nas fogueiras, derreteram neve e prepararam as rações
russas que haviam apreendido na ponte.
Foram preparadas apenas vinte porções. Cada ração era um
tablete de uma massa que, derretida na água fervente,
proporcionava uma espécie de sopa. O oficial italiano
determinou que cada um se servisse de uma porção que ele
mesmo derramava nos capacetes metálicos de cada soldado.
Ele calculou de forma que cada um recebesse uma caneca e,
após todos se servirem, ainda sobraram dez porções. Então,
ele pediu que fossem esvaziados alguns cantis e a sobra da
sopa foi ali armazenada.
Foi pouco, mas a sensação de pôr no estômago algo quente
foi maravilhosa.
Após isto, todos se deitaram no chão coberto de ramagem,
protegidos pelas copas das árvores e, como cobertores, cada
grupo utilizou uma das lonas.
Assim que amanheceu, levantaram acampamento e
reiniciaram a marcha rio acima.
Devia ser pouco mais do meio-dia quando o grupo que seguia
na frente avistou uma outra ponte. Um dos soldados subiu
em uma árvore e, lá de cima pode ver, com auxílio do
binóculo, que se tratava de uma ponte ferroviária.
O grupo voltou rapidamente para avisar ao restante da tropa
e, após minucioso exame, concluíram que não havia
nenhuma guarnição inimiga protegendo a ponte.
Aproximaram-se cautelosamente da cabeceira da ponte e
puderam constatar que, realmente, tratava-se de uma
ferrovia. Provavelmente fazia muito tempo que um trem não
passava por lá, já que o nível da neve sobre os trilhos era
exatamente o mesmo das margens do leito.
Resolveram então seguir a ferrovia, que se dirigia para Oeste,
justamente a direção que queriam. O leito da ferrovia seguia
pelo caminho aberto entre as árvores. A camada de neve era
densa, uns 30cm, e atrapalhava bastante a movimentação
dos soldados.
Como anteviam que dali para adiante a camada de neve
aumentaria a cada dia, já que o inverno apenas começara,
resolveram parar e improvisar sapatos adequados para
prosseguir.
Então, utilizando pequenos ramos e tiras de pano que
haviam guardado, improvisaram as raquetes que lhes
permitiriam se deslocar com mais rapidez.
Assim, seguiram o resto do dia, até que a noite caiu.
Novamente montaram acampamento tal qual a noite
anterior, só que desta vez, não foi possível remover a camada
de neve, mesmo debaixo das árvores. Foi preciso, então,
aumentar a camada de galhos, ramos e mato para que se
afastassem o máximo possível da umidade.
A sopa que sobrara na noite anterior foi aproveitada e, desta
vez, apenas quinze porções de ração foram utilizados.
Sobraram setenta e três porções e o oficial decidiu que
apenas quinze por dia seriam consumidas. Bem ou mal, ainda
teriam algo para pôr no estômago por mais cinco dias, a não
ser que encontrassem algum outro alimento pelo caminho.
No dia seguinte, assim que amanheceu, reiniciaram a
marcha, seguindo a linha do trem. Duas horas se passaram,
até que avistaram ao longe uma cadeia de montanhas. A
primeira que viram desde o início da fuga de Rostov. Até
então, só haviam passado por terras planas e, de vez em
quando, pequenos morros e aclives.
Calcularam que, se apressassem o passo, à noite alcançariam
o sopé das montanhas.
Porém, começou a nevar forte e eles levaram dois dias para
alcança-las.
O esforço e a rala alimentação debilitaram a todos. O ânimo
dos soldados já recrudescia.
Foi então que a palavra de um soldado, proveniente das
montanhas da Sila (região das alturas das montanhas
calabresas) animou a todos: “Nas montanhas, é possível se
encontrar caça. Tenho experiência nisso e, com um pouco de
sorte, poderemos comer uma carne. Vamos montar
acampamento que prepararei umas armadilhas”.
Assim foi feito. Com a ajuda de outros soldados, o
montanhês armou algumas armadilhas e todos foram
repousar.
Na manhã seguinte, um grupo com o montanhês à frente se
dirigiu para o local das armadilhas e ficaram decepcionados.
Nada havia caído nelas.
Quando voltavam ao acampamento, o montanhês avistou
pegadas na neve, e, pela experiência que tinha das
montanhas calabresas, não titubeou em afirmar que se
tratavam de pegadas de lobos ou algum outro tipo de canino.
Como as pegadas eram relativamente frescas, resolveram
segui-las, não sem antes irem marcando o trajeto para a
volta.
Um dos soldados voltou para avisar aos outros.
XIII – CARNE! CARNE!
“Carne ! Carne!” – ouviram os soldados que ficaram no
acampamento.
O grupo que havia seguido as pegadas encontrara um cavalo
morto, parcialmente devorado pelos lobos.
Ainda havia muita carne, já que os lobos preferiram as
entranhas, por serem mais macias.
Os quatro soldados que a encontraram cortaram boa parte
da anca esquerda do cavalo e a exibiam como troféu.
Imediatamente outros soldados seguiram para o local onde o
corpo do cavalo se encontrava e trouxeram o resto da carne.
Ela estava em bom estado, visto que a neve havia a coberto,
mantendo-a fresca.
O dilema agora era o de acender o fogo ou não. Naquela
paisagem branca de neve, qualquer sinal de fumaça seria
visto a quilômetros de distância.
Resolveram então esperar pelo anoitecer, quando a fumaça
não poderia ser vista. Havia apenas o risco de o clarão da
fogueira denunciá-los.
Mas, entre morrer de fome e serem descobertos, todos eram
de opinião que se deveria correr o risco à noite.
Então, os soldados começaram a preparar a carne em
diversos cortes finos, para que assasse rapidamente, em
porções individuais.
O resto da carne que não seria utilizada naquela noite foi
cuidadosamente enterrado na neve para que se conservasse.
Cavaram uma vala de 1 metro de largura por meio metro de
profundidade, onde seria aceso o fogo. Na vala, depositaram
os galhos colhidos ao redor e estes estavam bastante
umedecidos pela ação da neve.
Eram cerca de oito horas quando a noite começou a cair. Os
soldados imediatamente atearam fogo aos galhos. Antes,
espalharam nos galhos metade de uma das garrafas de vodka
que haviam guardado, pois, se utilizassem gasolina, esta
impregnaria o sabor da carne.
O fogo demorou a arder devido à umidade da madeira, mas,
cerca de meia hora depois, as peças de carne já estavam
sendo postas a assar.
Não havia sal para temperar a carne, porém, mesmo assim,
naquela noite os soldados puderam sentir no estomago uma
refeição que há muito não haviam feito.
Antes de se deitarem, os soldados jogaram os restos dos
galhos no fogo que já era baixo, cobriram o fosso com
ramagem para diminuir o clarão e com isto produzirem
algum carvão que seria utilizado futuramente.
Na manhã seguinte, os soldados colheram a carne do cavalo,
os carvões, o equipamento e se puseram a marchar
novamente.
XIV – ASSALTO AO TREM
Durante mais três dias o grupo marchou em direção ao
Oeste, pelas montanhas da Ucrânia, seguindo o leito da linha
férrea.
No caminho, consumiram o restante da carne do cavalo e
algumas pequenas caças que conseguiram capturar.
Só restava carne para mais uma parca refeição. Com se
encontravam nas montanhas, a possibilidade de
encontrarem plantações de inverno ou celeiros era
praticamente nula. Contavam apenas com a sorte, como
aquela de encontrar o corpo do cavalo morto pelos lobos.
Deveriam ser cerca de duas da tarde, quando avistaram no
vale que se estendia à frente deles uma coluna de fumaça
negra.
Embora no vale houvesse árvores, estas eram bem espaçadas
e podia se ver grandes lençóis de neve. O Oficial observou a
paisagem com seu binóculo e pode ver que se tratava de um
trem, composto de uma locomotiva a carvão e oito vagões.
Havia um vagão de passageiro logo após a locomotiva, seis
vagões de carga - dois fechados e quatro abertos - e por
último, mais um vagão de passageiros.
Logo concluiu-se que no primeiro vagão de passageiros
estavam oficiais e soldados e, no último, somente soldados.
Uma forma de proteger a carga. Nos vagões de carga,
certamente, material militar.
O limpa-trilhos rasgava a espessa neve com dificuldades. A
composição não deveria estar percorrendo mais de 30
quilômetros por hora.
O Oficial italiano calculou que deveriam se aproximar deles
dentro de no máximo 40 minutos.
Então, baseado na posição do trem, percorreu o suposto leito
do trilho, guiando-se pelas árvores, e descobriu que o trem
se dirigia exatamente para onde eles estavam.
Ordenou que os soldados descobrissem o leito dos trilhos
que deveria estar muito próximo deles e não demorou dez
minutos para que isto fosse feito.
Descobriram também que no local em que se encontravam,
já era parte da subida da pequena serra e, do vale até ali, a
distância era de cerca de dez quilômetros. Isto retardaria
ainda mais a marcha do trem.
Seguindo o leito de neve entre as árvores, descobriram que
adiante, a cerca de um quilômetro, havia uma curva para a
direita.
Com dificuldades, percorrem o mais rápido que puderam a
distância até a curva e lá chegando, puderam constatar que a
mesma era bem fechada, com um ângulo de
aproximadamente 35 graus.
Rapidamente, o oficial arquitetou um plano muito arriscado,
mas, se desse certo, poderiam tomar o trem.
Perguntou ao grupo quem entendia de mecanismos de trem
e quatro soldados se apresentaram.
Pediu a dois deles que se escondessem na vegetação, logo
após a curva e lhes passou as seguintes instruções:
Quando a locomotiva e metade dos vagões de carga tivessem
passado por eles, eles sairiam do esconderijo, se
aproximariam bem do trem - protegidos pelo ângulo da curva
- e, quando o último vagão de carga chegasse a eles,
saltariam para o mesmo , rapidamente se dirigindo para o
engate entre o vagão de carga e o vagão dos soldados.
Alcançando o engate, destravariam este e o vagão com os
soldados ficaria para trás. Até que se dessem conta, já
estariam bem afastados do restante do trem e este também
já deveria ter sumido na curva.
O restante do grupo esperaria o trem mais adiante e, quando
vissem que o vagão com os soldados não mais estava
engatado, subiriam no trem pelos vagões de carga.
Estavam todos a postos quando a locomotiva surgiu
lentamente na curva.
Os dois soldados viram-na passar e, logo após, os vagões de
passageiros e carga. Quando ficaram à vista somente os
vagões de carga, saíram como combinado do esconderijo,
protegeram-se rente aos vagões de carga e, quando o
penúltimo se aproximou, subiram nele e segurando-se nas
cordas que prendiam a carga, chegaram ao engate entre
aquele vagão e o vagão dos soldados.
O engate era simples, apenas um pino unia os dois
mecanismos. O problema era aguardar um momento em que
houvesse um balanço entre os vagões para que surgisse a
oportunidade de puxar o pino.
Por sorte, esta oportunidade se apresentou logo após e o
vagão foi desconectado do comboio e os soldados ficaram
vigiando para ver se a manobra seria percebida logo pelos
ocupantes do vagão. Demorou dois minutos para que o
vagão com os soldados desaparecesse na curva sem que se
percebesse qualquer sinal de que os ocupantes tivessem se
dado conta da situação.
Quinhentos metros adiante, já quase no final da curva, o
grupo avistou o trem. Torceram para que a primeira parte do
plano tivesse dado certo e aguardaram.
Quando perceberam que o vagão dos soldados não mais
estava engatado, correram todos para os últimos vagões e
subiram neles.
Os dois soldados da primeira ação se juntaram ao grupo e o
oficial ordenou que fossem passando de um vagão para
outro, sempre desengatando o último vagão. Com isto, o
vagão com os soldados seria atingido, causando muitas
baixas e as cargas dos vagões restantes seriam destruídas.
E assim foi feito. Com intervalo de dez minutos de um para
outro, dois vagões de carga foram desengatados.
Faltava pouco para o anoitecer e o oficial ordenou que
aguardassem escurecer para desengatar o restante dos
vagões, senão, a manobra poderia ser percebida.
Os soldados, espalhados por três vagões, se protegendo
debaixo das lonas que cobriam as cargas aguardaram o
anoitecer. Pelo que haviam observado, o trem levaria mais
de uma hora para chegar ao topo na serra, já que a marcha
diminuía à medida que ia subindo.
Quando a noite caiu, o primeiro vagão foi desengatado.
Depois, em intervalos de 10 minutos cada, os outros dois
também se foram. Restavam apenas um vagão de carga e o
de passageiros. Agora vinha a parte mais difícil.
Quatro soldados subiram no teto do vagão de passageiros e
seguiram para a locomotiva.
Do alto deste, não podiam ser vistos pelos três homens que
estavam na cabine da locomotiva. Lentamente,
aproximaram-se da cabine, pisando em cima das achas de
lenha que serviam de combustível e observaram qual deles
era o maquinista.
Perceberam então que um deles dormia, um outro era
ajudante e o terceiro estava no comando das manivelas.
Dois soldados miraram para o homem que dormia e seu
ajudante e atiraram. O que dormia, nem se apercebeu do
que aconteceu. O ajudante deu um pulo para trás e ainda se
manteve de pé, mas um segundo tiro no peito o colocou no
chão.
Quando o maquinista se deu conta do que se passava, já
estava sob a mira do fuzil do soldado italiano e ficou
paralisado. Através de mímica, recebeu ordens para que
parasse a locomotiva e assim o fez.
O restante dos soldados, assim que o trem parou, pulou do
vagão de carga e, numa ação coordenada, vários deles
atiraram contra as janelas do vagão de passageiros enquanto
outros lançavam granadas pelos buracos abertos pelas balas.
Após lançadas as granadas, todos se atiraram no chão.
Segundos depois, o vagão explodia totalmente, ardendo em
fogo.
Não sobrou nada nem ninguém que estava no vagão. Com
ferramentas apanhadas na locomotiva, os italianos
arrancaram as paredes que sobraram dele e atiraram os
corpos carbonizados dos russos na neve.
Com a pouca estrutura que sobrou do vagão e aproveitando
restos de madeiras, improvisaram um abrigo com as lonas
que cobriam a carga do outro vagão. Este foi desengatado e,
aos poucos, foi ganhando velocidade e se afastando
montanha abaixo. A carga era de vigas de ferro, certamente
para a estrutura de alguma ponte ou galpão.
Por milagre, nenhuma baixa e nenhum ferido.
Ninguém do grupo falava russo e não houve como interrogar
o maquinista para que ele informasse onde estavam e para
onde o trem se dirigia.
Repararam que o depósito de achas de lenha para
combustível era de cerca de 1/5 da carga total, o que
indicava que faltava pouco para o trem chegar à próxima
estação.
Então, pegaram
um papel,
desenharam um
rústico mapa
mostrando o que
havia entre a
Romênia e a
Rússia e
marcaram a
cidade de Rostov, com indicação que se encontravam a Oeste
desta.
Mostraram isto ao maquinista e, sob ameaça de uma pistola
apontada para sua cabeça, este entendeu perfeitamente o
que os italianos queriam. Então ele pegou o lápis, e adiante,
escreveu “ KHARKIV”..... DNIPROPETROVSK”.
Isto significava que a próxima parada seria em “Kharkiv”
depois, seguiriam para “Dnipropetrovsk”.
Então, o oficial traçou uma linha passando por fora de
Kharkiv e fez sinal de indagação. Logo o maquinista entendeu
o que o oficial queria dizer e fez um gesto de que não sabia.
Novamente, o oficial italiano fez gestos que ele entendeu
muito bem: se não houvesse jeito de não passar por Kharkiv
ele seria morto ali mesmo. Mentiu fazendo sinais de que um
de seus soldados sabia manobrar a locomotiva. Se ele
achasse uma maneira de passar ao largo de Kharkiv, seria
poupado no fim da viagem.
Sendo assim, ele fez gestos que poderia resolver o problema.
E apontou para a carga de lenha que era pouca.
Então o oficial perguntou, sempre através de mímica, se
adiante havia alguma ponte e ele respondeu que sim.
O oficial ordenou: “Vamos seguir até a ponte”.
No meio da madrugada, o trem parou na cabeceira da ponte.
Com archotes, os italianos verificaram que a estrutura da
ponte era parte metálica, parte madeira. Então, seguiram
com o trem para a outra extremidade e o oficial ordenou aos
soldados que desmontassem parte da estrutura de madeira
para que esta servisse de combustível.
Um outro grupo de soldados pegou ferramentas que estavam
na locomotiva e foram para a outra extremidade retirar
trilhos e, com isto, possibilitar a remoção dos dormentes que
também serviriam como combustível.
Trabalharam durante oito horas seguidas e conseguiram
encher o depósito de lenha.
Partiram imediatamente, pois havia o temor de que aviões
seriam enviados para ver por que o trem não chegara ao
destino.
Já anoitecendo, o maquinista parou o trem perto de uma
casinhola de madeira à beira dos trilhos.
A neve já não era tão espessa e, em alguns trechos, dava
para se ver os trilhos.
O maquinista desceu acompanhado de dois soldados e se
dirigiu à casinhola. De lá, retirou uma alavanca e duas pás.
Pediu aos soldados que removessem a neve de determinado
trecho. Os soldados retiraram a neve e surgiu uma chave de
mudança de trilhos. O maquinista enfiou a alavanca, puxou-a
para si e a neve moveu-se juntamente com os trilhos,
mostrando que a linha havia sido desviada para um outro
ramal.
O oficial fez sinais para o maquinista para que este movesse a
locomotiva para o novo trecho.
Feito isto, ordenou que o desvio voltasse à posição original e
o leito da linha fosse novamente recoberto de neve.
O oficial raciocinou que se aviões vistoriassem a linha, do alto
não veriam que o trecho havia sido manipulado. No final do
vagão de passageiros, foram amarrados alguns galhos de
árvores para que estes disfarçassem a trilha deixada pelas
rodas do trem.
Já noite, seguiram adiante. Por volta das dez horas, pararam
em um trecho com árvores bem altas. Ali cozinharam a carne
de pequenas caças que haviam pego nas montanhas, fizeram
a refeição e dormiram no vagão improvisado. Apesar de não
estar nevando, o frio era intenso.
Quatro horas depois, já com o dia amanhecido, retomaram a
viagem.
Porém, não seguiram mais de vinte quilômetros quando se
depararam com uma árvore seca em cima dos trilhos. Vários
soldados, munidos com os machados, executaram a tarefa de
cortar e remover a árvore, que acabou sendo utilizada como
combustível. A água da caldeira também foi reposta com
neve.
A árvore seca em cima dos trilhos indicava que aquela
ferrovia não era utilizada fazia muito tempo. Isto era bom.
Por mais dois dias, eles seguiram de trem em direção oeste.
Ao final do segundo dia, avistaram à frente uma imensa
ponte. Esta passava por cima de um rio bem largo, com cerca
de cinquenta metros. Porém, o pior foi visto quase no
momento em que atingiam a cabeceira da ponte: Esta havia
sido bombardeada e a linha férrea estava destruída. Não
havia condições de ultrapassarem a ponte com o trem.
Dois soldados foram designados para verificar a possibilidade
de se transpor a ponte e seguiram adiante.
Ao voltarem, informaram que com bastante cuidado, a ponte
poderia ser atravessada a pé, mas para isto, primeiro
deveriam recompor com cordas um trecho de três metros de
um vão que o bombardeio criou há dez metros da outra
margem.
Vários soldados se dirigiram para lá e uma hora depois
voltaram informando que a ligação entre as duas partes da
ponte havia sido recomposta com cordas.
Um a um, os soldados foram seguindo pela ponte destruída.
O trecho mais difícil foi a passagem pelo vão de cordas. Ali, o
problema foi a transposição do material. As caixas de
munição, os fuzis e os galões de gasolina tomaram muito
tempo para serem atravessados.
Atravessado o material, o restante dos soldados iniciou a
travessia.
Antes, o oficial ordenou ao maquinista que engatasse a ré do
trem e o pusesse em movimento.
Com a lenha que havia na caldeira, o trem seguiria uns
quarenta quilômetros para trás até parar e, assim, despistaria
uma possível perseguição.
O oficial italiano resolveu levar com o grupo o maquinista
russo. Temeu que, uma vez livre e conhecedor da região, ele
pudesse denunciar a posição deles e o obrigou a acompanhar
o grupo.
Porém, no momento de atravessar o vão de cordas, o
maquinista perdeu o equilíbrio e se agarrou ao soldado que
estava à sua frente. Este por sua vez, se agarrou às pernas do
soldado ao seu lado e o inevitável aconteceu: os três caíram
da ponte e mergulharam nas águas geladas e turvas do rio.
Não havia como ajudá-los. Era uma queda de mais de quinze
metros e eles sequer voltaram à tona. Não mais foram vistos.
Consternados, os amigos tiveram que seguir em frente.
Agora, estavam reduzidos a apenas 66 homens.
XV – OUTRA PONTE NO CAMINHO.
Os italianos não sabiam que, a esta altura, o grupo já havia
sido detectado. Os soldados mortos na estrada, o posto da
ponte destruído, o trem sequestrado e os vagões destruídos
deram a certeza aos russos de que o grupo estava agindo na
sua rota de fuga rumo ao oeste.
Já havia uma tropa em seu encalço. Aviões de
reconhecimento já realizavam buscas por indícios de sua
passagem. A locomotiva com o vagão destruído já havia sido
localizada a cinquenta quilômetros antes da ponte. A neve
acumulada de dois dias havia resfriado totalmente a caldeira
e não havia indicativos de há quanto tempo havia sido
abandonada.
A ideia da ré na locomotiva havia sido genial. Dali, onde a
locomotiva estava, não se tinha a mínima ideia de para onde
o grupo havia se dirigido. As tropas russas realmente não
sabiam por onde iniciar a busca.
Sem saberem da perseguição, o grupo italiano já se deparava
com outro tormento: não havia mais provisões. A última
refeição havia sido feita vinte e quatro horas antes.
Acamparam em uma gruta localizada no sopé de uma
montanha. Lá puderam acender fogueiras sem nenhum
perigo. Estavam aquecidos, porém sem nada para comer.
Na manhã do dia seguinte, se preparavam para seguir
adiante, quando ouviram barulhos de motor de avião.
Permaneceram na gruta por mais de duas horas, quando o
barulho cessou de vez.
Certamente, os aviões russos vasculhavam a linha férrea no
intuito de localizar rastros. Após feito o reconhecimento da
área por duas horas, decidiram ir embora e continuar em
outro local.
Se sentindo seguro, o grupo resolveu retomar a caminhada.
Marcharam por dois dias, sem nada comer.
A inanição já se manifestava em alguns soldados. Alguns, mal
se mantinham de pé.
Ao entardecer aquele dia, avistaram fumaça nos céus.
Subindo em uma árvore, um soldado que ainda tinha forças
localizou a direção de onde provinha a fumaça. O foco era ao
sul de onde se encontravam. Resolveram seguir para lá.
Fosse o que fosse, seria a única chance de se obter
alimentos. Mais uma vez tiveram de optar entre morrer de
fome ou morrer nas mãos do inimigo.
A noite já caía quando alcançaram os arredores de um
pequeno vilarejo. Apesar da pouca claridade que ainda
existia, puderam ver que o mesmo estava totalmente
destruído. Ele acabara de ser bombardeado. Ainda havia
alguns focos de fogo.
De cima do pequeno morro em que o grupo se encontrava, o
oficial pode verificar com seu binóculo que não havia
ninguém perambulando por lá. Pode verificar também que
ainda havia partes de casas que não haviam desmoronado.
Ali, havia a chance de se encontrar algum alimento.
O oficial ordenou aos soldados que, tão logo a noite caísse de
vez, o grupo se dividisse em vários subgrupos e entrassem no
vilarejo em busca de comida.
Assim foi feito. O grupo se dividiu em quatro e, reunindo as
últimas forças que ainda tinham e movidos pela esperança de
se alimentar de novo, entram no vilarejo destruído por
quatro cantos diferentes.
Começaram a vascular os escombros em busca de alimento.
O grupo que acompanhara o oficial, dirigiu-se diretamente
para as casas que ainda se mantinham de pé. No primeiro
deles, encontraram um porão. Logo que desceram as escadas
do porão, avistaram um saco em um canto, em cima de uma
tosca prateleira e, para sua alegria, no saco havia favas secas.
Voltaram para cima com o saco de favas (pouco mais de
10kg) e procuraram pelas panelas que deveriam ali existir.
Enquanto isto, os demais foram aos poucos avisar aos
colegas que ainda chegavam ao vilarejo.
Em cerca de meia hora, todo o grupo já encontrava sob o
teto que havia sobrado daquela casa e o oficial e dois
soldados já estavam fervendo 1/3 das favas.
Uma hora depois, o grupo se alimentava usando seus
capacetes como pratos. No local, haviam sido encontradas
quatro colheres, dois garfos, duas facas e uma concha, a qual
estava sendo utilizada para distribuir o feijão cozido.
O grupo estava tão fraco, que adormeceu ali mesmo,
utilizando as lonas para forrar o chão e se cobrir. Uma parte
dormiu naquele cômodo e a outra foi para o porão.
Na manhã seguinte, o frio era intenso, mas não nevava. O
oficial reuniu os homens e se prepararam para continuar a
caminhada rumo a oeste.
Naquela direção, havia uma pequena estrada que nos
primeiros quilômetros era calçada de pedras. Logo depois, a
estrada se limitava a leito de terra batida.
Havia bastante vegetação nas margens, o que lhes
possibilitava se esconderem em caso de busca pelo inimigo.
Agora, sabiam que de fato estavam sendo procurados. A
caminhada se tornara cada vez mais perigosa.
Caminharam por três dias, tendo como sustento o restante
das favas e restos de pão que os soldados haviam colhido nas
casas destruídas do último vilarejo.
O oficial racionou bem os alimentos e ainda tinham sustento
para mais três dias.
Nestes últimos três dias não haviam se deparado com
inimigos nem ouvido barulho de aviões.
No quarto dia, a estrada em que seguiam voltou a apresentar
o piso de pedras. Logo, deduziram que estavam próximos de
alguma cidade.
Com bastante cautela, continuaram a marcha. Não
demoraram muito e ouviram barulho de motores de tanques
e caminhões.
Imediatamente se esconderam na mata que margeava a
estrada. Um grupo de trinta e três homens de cada lado.
Felizmente, não nevara e não havia rastros de sua passagem.
Cerca de trinta minutos depois, tropas russas conduzidas por
caminhões e uma coluna de tanques, passavam por eles.
O comboio levou cerca de uma hora até que passasse o
último tanque. Dez minutos depois, meia dúzia de
motocicletas também passaram por eles.
Aguardaram ali escondidos por mais de uma hora, quando o
oficial, convencido de que não havia mais veículos a caminho,
resolveu sair da mata e reunir a tropa novamente.
Resolveram seguir adiante, embora com bastante cautela.
Caminharam por mais de uma hora, quando a estrada
apresentou uma subida e uma pequena série de morros
adiante. Logo após o primeiro morro, havia uma descida e, lá
embaixo, puderam avistar um pequeno rio, com uma ponte
recém-destruída, pois ainda fumegavam pedaços de madeira
que deveriam ter pertencido à ela.
Certamente, o grupo de soldados com motocicletas que
passara por eles por último havia ficado encarregado de
destruir a ponte tão logo a tropa tivesse passado.
Desta forma, utilizando-se do binóculo, o oficial vasculhou as
imediações da ponte e teve certeza de que não havia
ninguém por perto. Resolveram então descer até lá e ver se
havia condições de atravessar o rio.
O rio devia ter uns dez metros de uma margem à outra e não
era caudaloso. O oficial pediu a dois soldados que nadassem
até a outra margem, levando cordas, no intuído de amarrem
uma na outra margem e assim todos, inclusive o material,
pudessem atravessar sem se molharem, principalmente as
lonas, roupas e o pouco alimento que ainda sobrava.
O problema era a temperatura da água, que estava próxima
de zero. O grupo estava muito fraco e seria quase que
impossível chegar à outra margem sem que a gélida água não
os matasse.
Salvatore e um soldado napolitano, que se chamava Pedro,
por apresentarem melhores condições físicas, foram
escolhidos para a travessia. Então estudaram o melhor
trecho para levar adiante a missão.
Na ponte destruída, o resto de um pilar com cerca de três
metros de altura continuava de pé bem no meio do rio. Isto
dividiria a travessia em duas partes, caso conseguissem
chegar até ele e lá fixarem as cordas para armarem uma
ponte suspensa. O problema é que não havia corda suficiente
para isto.
Então, tiveram uma ideia: as árvores que floresciam à
margem do rio, tinham de seis a sete metros de altura e
cerca de um metro de diâmetro. Se derrubassem uma,
poderiam lançá-la até o pilar semidestruído.
Assim fizeram. Derrubaram uma árvore, desbastaram os
galhos e a deitaram no leve barranco de uns oitenta
centímetros de altura, junto à água. Antes, fincaram o tronco
de uma pequena árvore a cerca de 1/2 metro da margem,
sendo que antes desbastaram uma das extremidades para
fazer uma ponta afiada. Utilizando a marreta que levavam
consigo, conseguiram fincá-la no leito do rio e nela
encostaram a extremidade mais grossa do tronco.
Na outra extremidade da árvore, soldados receberam ordens
de afastar o tronco usando varas feitas com galhos,
empurrando- o para o meio do rio. A extremidade grossa
estava sendo segura por outros soldados de maneira que não
se afastasse para dentro do rio.
A muito custo, o tronco foi sendo empurrado pelas varas e
depois pela própria correnteza e também controlado por
cordas, para que não fugisse ao controle quando já estivesse
próximo de atingir o pilar.
A operação deu certo. Em poucos minutos a extremidade
fina bateu no pilar e se firmou. Na margem, a extremidade
grossa se manteve firme no tronco fincado para este fim.
Enquanto uma turma cuidava do tronco na água, uma outra
providenciava a fixação da extremidade grossa na margem,
de maneira que ficasse segura e pudesse ser elevada até um
pouco acima do nível da água.
Fincado o tronco, Salvatore e Pedro entraram de vez na água
e nadaram até o pilar rapidamente. Lá chegando, laçaram o
tronco e escalaram o pilar até seu topo. Embora fosse apenas
uma escalada de três metros, tiveram dificuldades, já que
estavam com os corpos molhados.
Antes que seus corpos sentissem os efeitos do frio, ergueram
o panelão que haviam arrastado com eles, onde estavam
suas roupas e pedaços de lona para que secassem seus
corpos. Já secos, vestiram um jaquetão para resistirem ao
frio intenso e se puseram a amarrar o tronco no pilar. Apesar
de o tronco estar firmemente encostado no pilar, não
tiveram forças para içá-lo um pouco acima do nível da água.
Era muito peso para os dois debilitados soldados.
A muito custo, deslocaram uma das pedras do pilar e
conseguiram fixar as cordas. Com isto, quando os soldados
estivessem pisando no tronco, este não mergulharia nas
águas.
Concluída a primeira parte da operação, Salvatore e Pedro
puseram os jaquetões novamente no panelão, amarraram
outra corda no pilar e mergulharam no rio para atingir a
outra margem.
Lá chegando, secaram-se rapidamente, puseram suas roupas
e calçados e acenderam uma pequena fogueira para se
aquecerem. O resto da operação seria concluída pelos
demais.
A travessia dos soldados e do material consumiu 5 horas de
trabalho intenso, mas foi bem sucedida.
XVI – AMIGOS FICAM PARA TRÁS.
No dia seguinte, retomaram a fuga, deixando para trás
aquela ponte destruída.
Marcharam durante todo o dia, sempre alertas para qualquer
barulho de avião. Por terra, havia poucas possibilidades de
serem localizados, pois o caminho era estreito, embora
permitisse a passagem de um veículo.
Caso ouvissem barulho de avião ou de veículo, poderiam
rapidamente se embrenhar na mata, bem densa.
À noite, montaram acampamento na mata, cerca de trinta
metros adentro. Começara a nevar há pouco e a camada de
neve ainda era rala. Como sempre, recolheram arbustos para
pôr debaixo das lonas que serviriam de leito e improvisaram
barracas com o restante delas.
Colheram alguns gravetos e, dentro de um buraco aberto no
chão, acenderam o fogo para cozinhar metade das favas que
restara. Neste dia, acabara o fluído do isqueiro e, como não
tinham benzina, usaram gasolina.
No dia seguinte, o grupo se apresentava extenuado. Sua fuga
já durava 150 dias e a parca alimentação, aliada ao constante
esforço das caminhadas, noites mal dormidas e ao peso dos
utensílios que tinham de carregar consigo, além do estresse
constante, era uma carga por demais exaustiva para seus
corpos.
Alguns já caminhavam com dificuldade. Não tinham
condições de carregar nada.
Então, nesta manhã, resolveram deixar alguns utensílios para
trás. Decidiram levar o estritamente necessário.
Após a escolha, resolveram levar apenas os fuzis mais
modernos (um para cada soldado), as pistolas, munição, três
litros de gasolina que ainda restavam, uma enxada, uma pá,
um machado e as lonas, além de duas panelas de ferro,
mesmo em mau estado, que ainda serviam para prepararem
sua comida.
As botas de alguns já apresentavam um desgaste acentuado
e precisaram ser remendadas com tiras de lona.
Assim, continuaram por mais quatro dias, totalizando 154,
tendo comido apenas as favas que restaram e raízes e folhas
que encontravam pelo caminho. Estas eram cozidas junto
com porções de favas, o que fornecia uma espécie de sopa.
No quinto dia desde a travessia da segunda ponte, já sem
nenhuma reserva de comida, a não ser as raízes e folhas que
encontrassem, o grupo voltou a enfrentar novo dilema.
Quatro soldados estavam com febre muito alta e não tinham
condições de prosseguir. Suspeitava-se que a febre era
proveniente de pneumonia. Nada poderia ser feito, já que
não contavam com remédios e a exposição direta à
intempérie (neve e frio intenso) só piorava a situação.
A decisão foi extremamente difícil. Tiveram de deixar para
trás mais quatro companheiros de infortúnio. Eles foram
levados para dentro da mata, e com um pedaço de lona, foi
improvisado um abrigo para protegê-los da ação direta da
neve. Seus fuzis também ficaram com eles. Não havia mais
nada que se pudesse fazer.
Salvatore e alguns outros soldados choraram muito naquele
dia. Um dos soldados era seu amigo calabrês.
Feito isso, continuaram em frente, sempre seguindo a
direção oeste.
XVII – CÃO SALVADOR.
E assim, continuaram por mais 10 dias, marchando e
comendo apenas folhas a raízes.
Salvatore, de seus 80kg, sentia estar com uns 50 (tinha 1,80
de altura. O estado de seus amigos não era diferente. A esta
altura, as caminhadas eram interrompidas para descanso a
cada três horas.
No décimo primeiro dia, ao fim da tarde, avistaram mais uma
vila abandonada. Após se certificarem que não havia
ninguém, entraram nela e, avidamente, procuraram por
alimentos. Em vão. Não havia absolutamente nada. Ficaram
desesperados.
Resolveram passar a noite ali, pois as casas, apesar de tudo,
ainda estavam em estado de lhes proporcionar abrigo para a
noite que se aproximava.
Foi neste dia que ocorreu um fato que marcou os
sentimentos de Salvatore pelo resto da vida.
Este fato foi que me fez entender o porquê do amor de meu
pai por cachorros.
Na casa de Ramos, sempre tivemos cachorros e meu pai
cuidava deles com extremo carinho. Não admitia que se
maltratassem os animais e sempre lhes dava muita comida.
Para se ter uma ideia de seu amor pelos cães, houve um fato
que ocorreu já em sua velhice, se não me engano quatro
anos antes de seu falecimento.
Eu e minha esposa fomos visita-lo num domingo de Páscoa e,
naquela ocasião, ele tinha uma cadela chamada “Bolinha”.
Aliás, seu ultimo cão, até sua partida.
Tratava-se de uma cadela um pouco brava, que tinha de ser
mantida presa quando havia visitas. Eu e minha esposa, para
a cadela, éramos estranhos, pois não estava acostumada à
nossa presença.
Neste dia, levamos conosco nossa cadelinha, uma “Poodle
micro”, muito graciosa chamada carinhosamente de “Juju”.
Bolinha rosnou muito ao pressentir sua presença, mas como
estava presa, não nos preocupamos, tanto que, aos irmos
embora, deixamos a Juju no chão, caminhando junto a nós,
em direção ao portão.
Eis que, de repente, não se sabe como, surge a Bolinha, que
partiu direto para cima da Juju. Esta correu, fugindo, e foi
acuada junto ao portão da garagem, momento em que a
Bolinha deu um bote e cravou seus dentes no dorso da Juju.
Ficamos apavorados e o único objeto que tinha em mão era a
caixa de bombons Garoto, que minha mãe havia me
presentado pelo dia de Páscoa.
Como os nossos gritos não adiantaram para que Bolinha
soltasse a Juju, como reação, não me restou outra alternativa
a não ser atirar a caixa de bombons em cima da Bolinha.
A agressão surgiu efeito. Como o impacto da caixa foi direto
na barriga da Bolinha, esta soltou de imediato a Juju e fugiu,
gemendo de dor, pois acho que foi a quina da caixa que a
atingiu.
Só então, após pegar a Juju no colo e consolá-la, já que ela
estava petrificada de pavor pelo ocorrido, é que pude
verificar que meu pai estava com os olhos lacrimejantes,
olhando para a Bolinha que havia se postado num canto do
quintal, ainda gemendo de dor.
Minha mãe me contou que durante aquela semana, meu pai
ficou muito triste e estava a todo momento acariciando a
Bolinha e preocupado com a barriga dela.
Voltando à narrativa de meu pai, naquele início de noite,
ouviram latidos de um cão. Ficaram surpresos, e ao mesmo
tempo apreensivos, pois o cão poderia estar acompanhado
de pessoas, o que denunciaria o esconderijo deles.
Então, com extremo cuidado, através das janelas (estas nem
existiam, apenas o vão na parede), buscaram o local de onde
vinham os latidos e, depois de alguns momentos, o cão
surgiu na rua. Ficaram observando atentamente e não
avistaram ninguém atrás dele. Como ele se deslocava de um
lado para outro, chegaram à conclusão que se trava de um
animal perdido.
Um ficou olhando para outro e, em pensamento uníssono,
todos imaginaram a mesma coisa: comida!.
Então, o oficial ordenou que alguns soldados atraíssem o cão,
para que este fosse capturado.
Um soldado começou a assobiar para o cão, fazendo gestos
carinhosos e, aos poucos, conseguiu se aproximar bem.
Movido pela necessidade de se alimentar, o soldado deu um
bote e agarrou o cão. No mesmo instante, outros soldados
ajudaram a agarrá-lo e, imediatamente, o levaram para
dentro.
Meu pai conta que foi triste ver a cena. O cão foi abatido com
uma pancada da enxada e, imediatamente foi esquartejado
Ele pesava cerca de dez quilos. Foi a comida deles durante
três dias. Até os ossos foram consumidos. Do cão, só
restaram os pelos.
Para recuperar as forças, ficaram acampados naquela vila
enquanto durou a carne (e os ossos) do cachorro. Tudo foi
aproveitado. Até os intestinos foram limpos para servirem de
alimento.
Este episódio do cachorro marcou muito os sentimentos de
Salvatore. Mas, foi graça àquele cão que o grupo não morreu
de inanição naquela vila.
Assim, após três dias de descanso, mesmo sem nenhum
alimento de reserva, resolveram reiniciar a marcha de volta.
XVIII – O INIMIGO ATACA.
Durante vários dias, o grupo continuou caminhando pelos
caminhos de terra, sempre cobertos de neve. O curso era
ditado pela abertura entre a mata e as árvores. Como o chão
era coberto de neve, não avistavam a terra. Sempre
tomavam o cuidado de arrastar galhos sobre suas pegadas na
neve, com a finalidade de disfarçar seus rastros. O caminho
era plano, o que facilitava um esforço menor para seguir
adiante. A alimentação se restringia novamente a raízes e
folhas.
Durante os próximos dias de fuga, mais 30 soldados
faleceram no caminho, debilitados pela inanição e
acometidos de pneumonia. A cada enterro, o moral dos
restantes decaia.
Certo dia, ao entardecer, se depararam com um riacho.
Feitas as medições, chegaram à conclusão de que poderia ser
atravessado com uma corda estendida de uma margem à
outra.
Então, foi escolhido o soldado que apresentava a melhor
condição física, bem como o mais pesado e alto, já que a
profundidade parecia ser superior a dois metros e com
largura de dez metros. A corrente não era forte, mas a água
estava quase congelando. O soldado designado tirou as botas
e, após escolherem um local propício para a travessia, ele,
com a corda amarrada à cintura, entrou na água. Quando
chegou quase à metade do trecho, avisou que teria de
começar a nadar e pediu que prestassem muita atenção à
corda.
Após algumas braçadas, pouco mais de três metros, o
soldado voltou a ficar de pé e alcançou a outra margem.
A corda foi amarrada nas duas margens e a “ponte” ficou
pronta. O oficial ordenou que todos atravessassem com as
roupas presas à cabeça, para que não houvesse necessidade
de se perder tempo com a secagem.
Assim, um a um, os outros trinta e um homens atravessaram
o riacho, sendo que o último desamarrou a corda, prendeu-a
em sua cintura e foi puxado para a outra margem.
Após todos se secarem e se vestirem, reiniciaram a marcha,
porém, mais 4 não tiveram forças para se levantar após o
esforço da travessia. A febre era altíssima e seria questão de
horas virem a morrer.
E assim aconteceu. Antes do anoitecer daquele dia, foram
enterrados.
Passados uns dias, tinham voltado à rotina de se alimentar
com raízes e folhas e a inanição voltou a assombrá-los. Até
que, naquela noite, as armadilhas que haviam sido armadas
enfim deram resultado.
Era uma espécie de javali, bem nutrido, e que devia pesar
trinta quilos. O animal já estava quase morto, pois uma das
estacas que havia sido fincada no poço que haviam aberto,
ao cair, atravessou sua barriga e o ferimento foi mortal. O
animal ainda respirava, mas acabou de ser abatido na própria
armadilha.
Salvatore lembra que o sangue do animal, que ainda estava
fresco no chão do fosso, foi colhido para ser aproveitado,
mesmo estando com terra.
Aquela manhã foi maravilhosa. Além de saborearem aquela
deliciosa carne, mesmo sem sal, o sol surgira após quase dois
meses, desde a última vez que receberam sua abençoada
visita.
Acamparam por mais de quatro horas, quando puseram todo
material úmido e molhado para secar ao sol. Alguns, com
alimento na barriga, até dormiram mais algumas horas.
À tarde, ainda com o sol visível, mas ainda muito frio, o grupo
levantou acampamento e voltou a seguir em direção ao
oeste, desta vez com um suprimento de carne e ossos para,
se bem dosados, durarem mais uns dez dias.
No terceiro dia após este fato, durante o preparo da refeição
à noite, aconteceu mais uma desgraça para o grupo.
Os soldados haviam relaxado nos cuidados com a segurança,
já que há mais de um mês não haviam se deparado com
ninguém, nem ouvido barulho de aviões.
Acenderam o fogo no buraco aberto sob copas de árvores, o
que esconderia o clarão das chamas e não se deram conta do
forte cheiro que a carne, ao ser cosida, exalava, já que o
animal caçado era muito gordo.
As tendas já haviam sido armadas e alguns soldados estavam
colhendo ramos de árvores para forrar o chão, quando o
grupo que estava junto ao fogo aguardando a carne cozinhar
e aproveitando para se aquecerem, foi surpreendido com o
lançamento de uma granada.
Quando se deram conta, pularam, mas a granada explodiu.
Todos ficaram apavorados e, somente após alguns
momentos, se deram conta do ocorrido.
Salvatore estava junto com os que colhiam ramos e o grupo
correu para o acampamento, já de pistolas em punho. Quase
de imediato, se deparam com três soldados russos, que
também se surpreenderam com a chegada repentina deles e,
praticamente, devido à surpresa dos dois grupos, esbarraram
uns nos outros. Como estavam em maior quantidade, os
italianos dispararam suas pistolas e abateram dois russos. O
terceiro, apesar de ferido, tentou fugir. Ele foi capturado, e
levado para o acampamento, onde seus colegas já se
preparavam para o combate.
Visto que não houve mais tiros e reação, o soldado russo foi
amarrado e todos se preocuparam em dar assistência aos
feridos.
O resultado foi triste. Cinco colegas mortos, reduzindo o
grupo para 23, e 6 feridos, sendo 4 em estado grave, com as
vísceras à mostra.
Não havia como ajuda-los, a não ser lhe dar um pouco de
conforto, mantendo-os próximo ao fogo. Os quatro em
estado grave morreram , um após outro, em menos de meia
hora, e o grupo se reduziu para 19 homens.
Então, o oficial ordenou que duplas vasculhassem o
perímetro, para averiguar se havia mais russos por perto,
inclusive os que pudessem vir a ser atraídos pelos tiros e a
explosão da granada.
Enquanto os soldados vasculhavam os arredores, o oficial
tentou interrogar o soldado russo, mas foi em vão. A
dificuldade de idiomas não permitiu. O russo sangrava muito
e, certamente, em breve, morreria também.
O oficial italiano aguardou os grupos voltarem da busca e,
após duas horas, a penúltima dupla voltou.
Todas as duplas narraram que não haviam avistado nenhuma
tropa inimiga, bem como notado rastros, a não ser os dos
três russos, rastros estes que levavam justamente para o
acampamento deles.
A última dupla que faltava havia seguido os rastros por cerca
de uma hora e, como não avistaram mais soldados russos,
resolveram voltar, pois temiam se perder na escuridão.
O oficial italiano chegou à conclusão de que os três soldados
russos faziam parte de um grupo que se subdividira para
encontrar seus rastros e, ao perceberem que havia apenas
poucos soldados no acampamento, todos em volta do fogo,
acharam que eles mesmos podiam resolver a questão, sem
ter de voltar e alertar as tropas.
Depois, os italianos perceberam que não havia maneira de se
desfazer o local da explosão da granada. O sangue na neve
até poderia ser coberto, mas a ramagem e galhos
chamuscados com a explosão da granada não havia como ser
disfarçada.
Durante aquela noite, ninguém dormiu. Todos ficaram
atentos para um novo possível ataque dos russos. O
acampamento foi deslocado para cerca de cem metros
adiante e o local atingido foi limpo e disfarçado na medida do
possível. Como já era noite, os vestígios não podiam ser
vistos na escuridão, mas pela manhã, estariam visíveis.
Então, durante toda a noite, os italianos ficaram de vigília.
Na manhã seguinte, assim que o dia começou a clarear, as
duplas de soldados voltaram a vasculhar o perímetro, mas,
após duas horas, tempo determinado pelo oficial, todos
estavam de volta sem novidades. Todos os rastros da noite
anterior estavam cobertos pela neve e as duplas se deram ao
trabalho apenas de apagar os seus. O soldado russo, que
ficara amarrado à árvore havia falecido, juntamente com os
dois italianos feridos. Agora só restavam 17 soldados
italianos.
Enterraram os corpos, sendo os russos em separado, não
sem antes despi-los para aproveitar seus uniformes e suas
botas. Ao despi-los, colheram seis barras de chocolate, as
quais foram repartidas entre os 17 sobreviventes, já que esta
seria a única refeição que fariam até o anoitecer. A carne
cosida na noite anterior estava impregnada de estilhaços da
granada, fora esturricada pelo fogo durante a ação e não
podia ser consumida. Foi enterrada junto com os restos do
fogo.
Já deveria ser cerca de meio dia quando os soldados
reiniciaram a marcha.
XIX – A RENDIÇÃO.
Durante mais uns dez dias os 17 italianos sobreviventes
perambularam por caminhos de terra. A neve já era escassa e
podiam caminhar firme, pisando diretamente no solo. A
alimentação voltou a ser de folhas e raízes. Alguns, já não
conseguiam mais andar sozinhos. Tinham de ser amparados
pelos companheiros.
Certo dia, ao entardecer, entraram em uma estrada de terra,
com visíveis rastros recentes de rodas de veículos.
O oficial reuniu o grupo e explicou que eles não mais tinham
condições de lutar ou oferecer qualquer resistência. Que a
sorte deles estava lançada.
Ordenou que todos se desfizessem do armamento e que,
caso se deparassem com alguma tropa inimiga, todos se
entregariam pacificamente. Era a única esperança de vida
que tinham.
Antes de prosseguirem, queimaram os uniformes russos e
improvisaram uma bandeira branca para a rendição, caso
fossem avistados.
No dia seguinte, por volta do meio dia, aconteceu o mais
temido.
A cerca de 500 metros, avistaram um aglomerado de
caminhões militares.
Se juntaram e, com a bandeira branca bem à vista, foram se
aproximando dos caminhões.
No meio do caminho, estranharam que ainda não tivessem
sido vistos. Somente quando estavam a cerca de uns 100
metros, é que um jipe com quatro soldados e uma
metralhadora foi em direção a eles.
Todos levantaram as mãos e a bandeira branca à frente. O
jipe se aproximou e um oficial que estava ao lado do
motorista falou com eles.
Eles não entenderam nada, mas perceberam que era um
idioma diferente do russo.
O oficial italiano respondeu em italiano e o oficial do jipe fez
sinal que os seguissem, sem qualquer tipo de ameaça.
Mesmo assim, seguiram o jipe com muita desconfiança, mas,
a esta altura, nada mais podiam fazer. Mal tinham forças
para se arrastar até os caminhões. O jipe foi à frente e
quando os italianos chegaram, um outro oficial, em italiano,
lhes dirigiu a palavra:
“Quem são vocês e como vieram parar aqui?”
Neste momento, todos baixaram as mãos e praticamente
desabaram no chão. Entenderam que algo de bom estava
acontecendo.
O oficial italiano, que também já estava sentado ao chão,
respondeu que eram o resto de uma tropa italiana,
abandonada na Rússia e que todos precisavam urgentemente
de alimentos e assistência médica. Disse também que se
rendiam e gostaria de saber que tropas eram aquelas.
O oficial respondeu que eram tropas romenas e que já não
mais eram inimigos, pois a Itália se rendera. Comunicou que
todos seriam alimentados e atendidos pelos médicos.
Convidou o oficial italiano a ir para sua tenda para melhor
esclarecerem a situação.
O oficial narrou toda a situação ao romeno, que ficou
espantado com a narração.
Contou então que eles haviam partido da Rússia,
atravessaram a Ucrânia e a Moldávia e tinham acabado de
entrar em território romeno.
O oficial romeno informou que estavam a dois quilômetros
da fronteira moldava.
Comunicou que, assim que tivessem contato com o comando
das tropas romenas e aliadas, comunicariam o fato e
decidiriam o que fazer.
O oficial italiano pediu que quando comunicassem o fato ao
comando aliado, o assunto da traição fosse mantido em
segredo, até que eles, fossem entregues ao comando das
tropas italianas. Este pedido foi feito a fim de que o General
Colossi não se inteirasse dos fatos e, com isto, tentasse fugir,
caso ainda estivesse vivo.
Assim foi feito.
Os italianos foram alimentados, analisados pelos médicos
romenos, receberam novas roupas e foram enviados para
Bucareste, de onde então seguiriam para a Itália.
Salvatore e outros dois soldados seguiram o tempo da
viagem deitados, pois, além de desnutrido, Salvatore soube
quando estava se recuperando em um hospital militar em
Bologna, que havia perdido a memória.
XX - A VOLTA À ITÁLIA.
Ao chegarem a Bucareste, já melhor alimentados e
medicados, o oficial italiano prestou todos os
esclarecimentos ao Comando Militar Romeno.
Os italianos foram então alojados em instalações militares e
continuaram sob observações médicas, principalmente os
três que estavam com amnésia, entre eles Salvatore.
Uma semana depois, um oficial italiano chegou à Bucareste,
acompanhado de alguns auxiliares e recebeu a incumbência
de levar o grupo de volta à Itália.
Viajaram quatro dias, baldeando de um trem para outro,
quando finalmente chegaram à Bologna.
O grupo foi enviado para o Comando Militar Italiano. Os
soldados foram imediatamente encaminhados para o
hospital e apenas o oficial foi encaminhado para prestar
todos os esclarecimentos ao Comando.
Então, toda a narrativa foi prestada e, formalmente, o
Gerenal Colossi foi denunciado como traidor.
O Comando Italiano ficou estarrecido com a história, embora
tudo fizesse sentido.
Mesmo assim, o Comando Italiano resolveu interrogar o
restante do grupo para se certificar que os fatos eram
verdadeiros.
Um a um, menos Salvatore e os outros dois que ainda se
recuperavam da perda de memória, foram interrogados pelo
Comando.
Como as narrativas coincidiam, não restou dúvidas ao
Comando. Prepararam o inquérito para intimar e julgar o
general, que a esta altura havia sido localizado. Estava em
ação na frente das tropas italianas que combatiam as já
combalidas forças alemãs na França.
Nas investigações, o Comando analisou o depoimento do
general sobre o assunto, no qual ele informara que ao chegar
a Rostov, não encontrara a tropa à sua espera e que havia
ouvido, de vários camponeses locais, que dois dias antes os
russos haviam dizimado um grupo de soldados inimigos a
quatro quilômetros da aldeia. Diante disto, ele dera a tropa
como morta e voltou imediatamente para a Itália. O processo
foi assim arquivado.
Ele foi chamado de volta à Itália e, ao chegar a Bologna, sede
do Comando Militar, foi imediatamente detido.
Julgado em apenas uma semana, foi fuzilado como traidor.
Os soldados sobreviventes foram chamados ao Alto
Comando Militar e foram informados de que deveriam
guardar segredo sobre o ocorrido.
O exército italiano já se encontrava bastante desmoralizado e
um escândalo desta proporção só iria piorar a situação.
Quem comentasse a respeito seria tratado como traidor.
Após ficar mais de um mês internado, o grupo foi levado de
volta para suas cidades.
Dos dezessete sobreviventes, quinze seguiram para o sul, já
que eram provenientes da Calábria e de Regio Calábria.
Apenas dois, o oficial que era da Toscana e um soldado que
era do Vêneto, seguiram em um trem diferente.
Durante a viagem de volta à terra natal, os soldados, ainda
muito traumatizados, pouco conversaram. Ainda não
acreditavam que estavam de volta à Itália.
Junto com eles, seguiam acompanhantes das forças armadas
para os casos especiais como o de Salvatore, que ainda tinha
instantes de perda de memória. Ele e mais quatro soldados
foram entregues pessoalmente às suas famílias.
Salvatore, ao chegar à sua querida Macchianuce, desmaiou
ao ver seus pais e irmãos.
Estes já tinham sido avisados de sua volta e o aguardavam
ansiosamente.
Foi levado para dentro de casa e, após meia hora, recobrou
os sentidos. Foi até a sala onde se encontrava o oficial que o
acompanhara e seus familiares.
Como previamente acertado, a versão apresentada foi a de
que Salvatore e seus companheiros haviam se perdido do
restante das tropas e haviam sido feitos prisioneiros das
tropas russas.
Quando a Itália se rendeu aos aliados, eles foram soltos,
porém sofreram muito no campo de concentração de
prisioneiros, motivo pelo qual ele havia perdido quarenta
quilos e estava com problemas de amnésia intermitente.
O oficial comunicou que Salvatore deveria se apresentar
dentro de trinta dias no quartel de Catanzaro para decidir se
seguiria a carreira de militar ou se daria baixa.
Porém, o sofrimento experimentado na guerra não o animou
a seguir a carreira.
Preferiu seguir trabalhando na fazenda de seus pais e, três
anos depois, casou-se com Teresa, que lhe deu três filhos :
Umile e Carmela, que nasceram na Itália, e Jorge, que nasceu
no Brasil, para onde ele partira em busca de oportunidade de
vida melhor, já que na Itália trabalhava apenas para comer.
Ele migrou para o Brasil em 1951, antes da Carmela nascer e
mandou buscar a família em 1955, quando então, conheceu
sua filha.
Neste período que ficou sozinho no Brasil, envolveu-se com
uma mulher e teve mais um filho: Dogival Salvador, que é a
cara escarrada dele.
Ele o assumiu plenamente, dando-lhe seu nome e o
apresentando à família em 1957, quando mudamos de São
Cristóvão para Ramos.
Trabalhou muito para pagar as prestações da casa e manter a
família.
Tivemos uma vida duríssima, mas nunca faltou alimento e
incentivo para estudar.
Criou bem seus filhos, foi um excelente marido e, mesmo em
sua velhice, nunca deu trabalho para ninguém.
A última vez que o vi chorando, ao me contar mais uma vez a
história da guerra, foi em 1981, por ocasião de fogos de
artifício.
Me lembro bem da data, pois pouco antes, o Fluminense
acabara de se sagrar campeão carioca, ao vencer o Vasco por
1 a 0, gol de Edinho. Ele era tricolor doente.
Essa foi a vida de um grande herói. Herói, pois lutou por sua
vida e de seus companheiros com todas as forças que Deus
lhe deu. Não desistiu nunca.
Autor:
Umile Gardi
28.12.2014.