Post on 29-Oct-2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA E
ORDENAMENTO DO TERRITRIO
A INDIVIDUALIDADE DE PORTUGAL E AS
COMUNICAES DE TRANSPORTE NO ESPAO
IBRICO
Uma Abordagem Geopoltica
Mestre Jorge Manuel Dias Sequeira
DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA
(Especialidade de Geografia Humana)
Tese orientada pelo Prof. Doutor Jorge da Silva Macasta Malheiros e Co-
Orientada pelo Prof. Doutor Carlos Manuel Mendes Dias, especialmente
elaborada para a obteno do grau de doutor em Geografia, na especialidade
de Geografia Humana.
2013
ii
iii
DEDICATRIA
minha famlia, particularmente Cristina e Leonor
iv
v
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer ao professor Jorge Macasta Malheiros ter
aceitado ser meu orientador e acima de tudo, aquilo que me ensinou, no apenas os
conhecimentos cientficos, que me transmitiu durante os seminrios ou nas conversas
que fomos tendo ao longo deste trabalho, mas tambm pela forma sbia como conduziu,
organizou e levou a bom porto os seus/nossos projectos. Permita-me que transcreva
parte do e-mail que nos enviou no final do seminrio Cidades de Fronteira 2010, por
relevar a sua excelncia como docente: Acho que a vontade de aprender, o contributo
para a construo de inteligncia colectiva, a importncia dada s discusses e ao seu
contedo e o ptimo ambiente que vivemos fizeram de "Cidades de Fronteira 2010"
uma ptima experincia. Confesso que gostei muitssimo e que so grupos como o
vosso que do sentido docncia e que justificam a vontade de continuar, de tentar
fazer mais e melhor.
Ao Tenente-Coronel Carlos Mendes Dias quero expressar toda a minha gratido,
por tudo aquilo que me ensinou, e no foi pouco! A sua sabedoria, capacidade de
associar e relacionar saberes de vrias reas cientficas, tornam-no num profundo
conhecedor da temtica escolhida e das reas do saber associadas. Permita-me que
recorde uma das nossas primeiras conversas, quando procurava escrever e definir o
Estado, o doutoramento no ler trs ou quatro livros de geopoltica, ir buscar
conhecimento s cincias que sabem do assunto, interdisciplinar, que me levou a
mergulhar nos calhamaos do Direito Internacional Pblico. O rigor conceptual e a
sua permanente exigncia e capacidade de trabalho foram determinantes para nos
manter no rumo correcto e assim conquistar o objectivo a que nos propusemos.
Ao camarada do curso Francisco da Silveira e amigo Tenente-Coronel Travanca
Lopes quero expressar o meu agradecimento por toda a disponibilidade, conhecimentos
vi
e colaborao, nomeadamente na elaborao de uma das figuras sobre as Comunicaes
de Transporte.
Um profundo agradecimento professora Rosa Branco que, sem me conhecer e
apenas atravs de um contacto por e-mail, disponibilizou-me a sua tese de
doutoramento, o que abriu o caminho para outras perspectivas, at ento desconhecidas.
A todos os camaradas e amigos, especialmente queles que diariamente partilham
o espao de trabalho na Academia Militar, o meu obrigado pelo apoio, pela palavra de
incentivo, por darem sugestes, opinies e discutirem ideias.
A toda a minha famlia pelo apoio permanente e sem reservas, residindo a a base
e o sustentculo daquilo que sou. Um muito obrigado Cristina e Leonor pela sua
presena constante e pelas horas que abdicaram do marido e do pai.
Desejo tambm agradecer s Instituies que colaboraram na minha formao e
contriburam para a realizao deste trabalho. Ao comando da Academia Militar pelo
incentivo e apoio, ao criar as condies que permitiram a execuo e concluso desta
misso. Ao Instituto de Geografia e Ordenamento do Territrio pelos vastos
conhecimentos transmitidos nesta rea cientfica, mas sobretudo pela forma diferente
(dada a experincia do autor) de ensinar, de transmitir valores e de discutir os
problemas. Uma palavra de agradecimento especial professora Teresa Barata
Salgueiro, minha tutora, mas que j desde 1996, teve a perspiccia, inteligncia e
sabedoria de me incutir o gosto pela Geografia.
Uma palavra de apreo para as empresas: Estradas de Portugal, Navegao Area
de Portugal, Rede Ferroviria Nacional e Comboios de Portugal que forneceram e
disponibilizaram informaes e dados sempre que o autor as solicitou.
vii
RESUMO
As Comunicaes de Transporte, existentes e projectadas na Pennsula Ibrica,
so infra-estruturas fundamentais para o desenvolvimento dos dois Estados Ibricos.
Reconhecendo-as enquanto objectivos fundamentais no domnio econmico,
averigumos se existiram preocupaes quanto sua localizao, na perspectiva de
poderem contribuir para a manuteno e o reforo da Identidade e Individualidade de
Portugal. Enfatizando-se assim, parelalamente dimenso econmica, as dimenses
poltica e geopoltica associadas s Comunicaes de Transporte.
A capital espanhola localiza-se no centro da Pennsula e exerce uma fora
centrpeta sobre a sua periferia, incluindo a faixa atlntica portuguesa. A concentrao
de massa crtica, que combina a rea e a populao, leva a um superior desenvolvimento
econmico da Comunidad de Madrid. Para competir com esta regio e evitar a absoro
e a perda da Individualidade de Portugal, propomos a definio e assuno clara do
corredor urbano de Sines a Viana do Castelo, englobando os distritos de Setbal,
Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Braga, Viana do Castelo, constituindo uma plataforma
de pessoas e mercadorias com capacidade para competir com o Centro de Poder
espanhol.
Os sistemas de transportes terrestres (rodovirio, ferrovirio e por conduta), na
Pennsula Ibrica, esto organizados em funo da localizao da Capital; os espanhis
dispem-nos de forma radial, enquanto os portugueses os localizam ao longo da costa,
com uma prevalncia Sul-Norte ou vice-versa e, tambm, com ligaes perpendiculares
internacionais para Este.
Portugal dispe de bons portos naturais, os quais devem ser valorizados atravs de
sistemas de transporte rodovirio e, principalmente, ferrovirio de qualidade,
procurando alcanar o mais rpido possvel o centro da Europa. Apenas com base no
viii
fortalecimento do supracitado corredor urbano, que dever estar bem conectado interna
e externamente, evitando ligaes directas a Madrid e sendo capaz de atrair as empresas
espanholas para a utilizao das infra-estruturas nacionais, ser possvel aumentar o
Poder nacional e consequentemente, manter e reforar a nossa Identidade e
Individualidade. isto que se procura demonstrar nesta dissertao.
Palavras-chave: Comunicaes de Transporte, Geopoltica, Individualidade, Identidade, Poder
ix
ABSTRACT
The existing and proposed Transport Communications in the Iberian Peninsula
are a key infrastructure for the economic development of the two Iberian States. Having
established them as fundamental objectives in the economic field, we examined the
concerns that were taken into account regarding its location, and whether they would
contribute to the maintenance and enhancement of Portugals Identity and Individuality.
This allowed us to emphasize the economic dimension in parallel with the political and
geopolitical dimensions associated with Transport Communications.
The Spanish capital is located in the centre of the peninsula and induces a
centripetal/centralizing force on its periphery, Portuguese Atlantic coast included. The
concentration of critical mass, which combines area and population, leads to a higher
economic development of the Comunidad de Madrid; to compete with this region and
prevent the assimilation and loss of Portugals Individuality, we propose a definition
and clear absorption of the urban corridor from Sines to Viana do Castelo,
encompassing the districts of Setbal, Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto Braga and Viana
do Castelo, as a platform of people and freight able to compete with the Spanish centre
of power.
The land transport systems (road, rail and pipeline) in the Iberian Peninsula are
organized according to the location of the Capital; in Spain, they are based on a radial
system, while in Portugal they are located along the coast, predominantly South-North
or vice-versa, and with international connections to the East.
Portugal has good natural harbours, which should be maximized through good
transport systems road and especially rail in order to reach the centre of Europe in
the fastest way possible. With this dissertation we have tried to demonstrate that the
strengthening of the aforementioned urban corridor which should be well connected
x
internally and externally, avoid direct links to Madrid and attract Spanish companies for
the use of national infrastructures is the only possible way to increase the national
power, thus maintaining and reinforcing our Identity and Individuality.
Key-words: Communications Transport, Geopolitics, Individuality, Identity, Power
xi
NDICE GERAL DEDICATRIA ........................................................................................................................................iii AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... v
RESUMO .................................................................................................................................................. vii
ABSTRACT ............................................................................................................................................... ix
NDICE DE FIGURAS ...........................................................................................................................xiii
NDICE DE QUADROS ........................................................................................................................ xvii
NDICE DE ANEXOS ............................................................................................................................ xix
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRNIMOS ................................................................. xxi INTRODUO .......................................................................................................................................... 1
CAPTULO I ENQUADRAMENTO E CORPORIZAO TERICA ......................................... 13 1. Breve caracterizao histrica da Pennsula Ibrica: Portugal e Espanha .............................. 13 2. A Identidade e Individualidade .................................................................................................... 38 3. A formao da Identidade e da Individualidade portuguesa .................................................... 57 4. A Geopoltica: Estado, Cidades e Conectividade ........................................................................ 84 5. As perspectivas sobre as Relaes Internacionais e o Poder ................................................... 110 6. A Poltica ...................................................................................................................................... 119 7. A Estratgia ................................................................................................................................. 126
CAPTULO II AS COMUNICAES DE TRANSPORTE ........................................................... 135
1. Sistema Rodovirio ..................................................................................................................... 149 2. Sistema Ferrovirio ..................................................................................................................... 155 3. Sistema Martimo ........................................................................................................................ 172 4. Sistema Areo .............................................................................................................................. 186 5. Sistema de Condutas ................................................................................................................... 198 6. Documentos enquadrantes da Poltica Nacional no sector de transportes ............................. 203 7. A Rede Transeuropeia de Transportes, na Pennsula Ibrica ................................................. 211 8. Comparao das Comunicaes de Transporte na Pennsula ................................................. 223
CAPTULO III CONSTITUIO DO CORREDOR URBANO: SINES A VIANA DO CASTELO ................................................................................................................ 233
1. Enquadramento comparativo .................................................................................................... 233 2. O Potencial de Portugal: conceito de massa crtica e anlise das suas componentes ............ 244 3. Tendncias de evoluo no Sistema de Transportes................................................................. 280 4. Comunicaes de Transporte a implementar ........................................................................... 290 5. Dinmicas a implementar: uma perspectiva das estratgias territoriais, econmicas e de
formao superior. ...................................................................................................................... 309
CONCLUSES ...................................................................................................................................... 331
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 359
ANEXOS ...................................................................................................................................................... I
xii
xiii
NDICE DE FIGURAS Figura 1 Modelo analtico de partida ....................................................................................................... 11
Figura 2 Elementos Fundamentais da Morfologia Peninsular ................................................................. 14
Figura 3 Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica .................................................................................. 15 Figura 4 A unificao de Espanha pelos Reis Catlicos.......................................................................... 27
Figura 5 Imprio espanhol na Amrica, em 1823 .................................................................................... 31 Figura 6 A Espanha e as 17 comunidades autnomas ......................................................................... 35 Figura 7 Uma teoria de geopoltica crtica como conjunto de representaes prticas ........................... 91 Figura 8 Potenciais Zonas de Integrao na Europa ................................................................................ 95 Figura 9 Estradas da Hispnia, em 285 d.C. .......................................................................................... 100 Figura 10 Modelo territorial do policentrismo europeu (2002) ............................................................. 104 Figura 11 Cenrio de desenvolvimento voluntarista a longo prazo ....................................................... 105 Figura 12 Conectividade, Rede Transeuropeia de Transportes aumentada ........................................... 107
Figura 13 A Viso da Europa Policntrica ............................................................................................ 108
Figura 14 Divises da Estratgia quanto s formas de coao .............................................................. 129 Figura 15 Trfego Areo: o mundo contrado ................................................................................... 137 Figura 16 Distncia, seleco do modo e custo do transporte ............................................................... 143 Figura 17 Escalas da organizao espacial dos transportes ................................................................... 143
Figura 18 Corredores de transporte e a estrutura espacial regional ....................................................... 146 Figura 19 Factores para a localizao dos sistemas de Transportes ...................................................... 146 Figura 20 Iscronas a partir de Lisboa e Porto para ligeiros (1) e pesados (2) ...................................... 151 Figura 21 Iscronas a partir das capitais de distrito para ligeiros (1) e pesados (2) .............................. 151 Figura 22 Plano Rodovirio Nacional 2000 .......................................................................................... 152 Figura 23 Rede de Estradas, de Espanha ............................................................................................... 154 Figura 24 Rede Ferroviria nacional, quanto electrificao ............................................................... 156 Figura 25 Transporte internacional por rodovia com origem em Espanha ............................................ 159 Figura 26 Transporte internacional por ferrovia com origem em Espanha ........................................... 160 Figura 27 Rede Ferroviria espanhola ................................................................................................... 161 Figura 28 Rede ferroviria e principais terminais, em Espanha ............................................................ 162 Figura 29 Corredor Ferrovirio do Mediterrneo .................................................................................. 163 Figura 30 Desenvolvimento do Sistema ERTMS, at 2010, na Pennsula Ibrica ................................ 165 Figura 31 Tempos de viagens Vs distncias para o transporte ferrovirio (Alta Velocidade e linhas
convencionais) e transporte areo ......................................................................................... 166 Figura 32 Rede Ibrica de Alta Velocidade e Ligaes ......................................................................... 168 Figura 33 Rede Ibrica de Alta Velocidade, planeada (Passageiros e Carga) ....................................... 169 Figura 34 Plano da Rede Transeuropeia de Transportes, em 2020, Portugal ........................................ 170
Figura 35 TGV na Europa, em 2020 ..................................................................................................... 171 Figura 36 ZEE e limites exteriores da extenso da plataforma continental de Portugal ........................ 173 Figura 37 Principais linhas de trfego martimo (vermelho mais intenso, azul menos intenso) ...... 174 Figura 38 O Espao Martimo Portugus .............................................................................................. 175
xiv
Figura 39 Sistema Porturio comercial do Continente .......................................................................... 176 Figura 40 Principais rotas comerciais que utilizam o Canal do Panam ............................................... 178 Figura 41 Tonelagem movimentada nos Portos Ibricos ....................................................................... 181
Figura 42 Navios de recolha de petrleo derramado da EMSA em stand-by localizao dos
equipamentos e das embarcaes ......................................................................................... 183
Figura 43 Sistema VTS e Limites Geogrficos dos Sectores ................................................................ 184 Figura 44 Infra-estruturas aeroporturias .............................................................................................. 187
Figura 45 Comparao de custos nos Aeroportos Europeus ................................................................. 192 Figura 46 As Duas Regies de Informao de Voo, sob responsabilidade portuguesa ......................... 193 Figura 47 As Trs Regies de Informao de Voo, sob responsabilidade espanhola ............................ 194 Figura 48 SW Portugal Spain FAB initiative ........................................................................................ 196 Figura 49 Iniciativas da Comisso Europeia para a constituio de FABs............................................ 197 Figura 50 O gasoduto Magreb Europa................................................................................................ 199 Figura 51 Rede Ibrica de Oleodutos .................................................................................................... 201 Figura 52 Rede de gs natural, em Espanha .......................................................................................... 202 Figura 53 Sistema Urbano e acessibilidades em Portugal Continental .................................................. 205 Figura 54 Corredores Estruturantes do Territrio Nacional .................................................................. 208 Figura 55 Rede Transeuropeia de Transportes eixos prioritrios e projectos ..................................... 211 Figura 56 PP3 Linhas Ferrovirias de Alta Velocidade do Sudoeste da Europa ................................... 213 Figura 57 PP8 Ligao Multimodal Portugal/Espanha Resto da Europa ........................................... 214 Figura 58 PP16 Ligao Ferroviria de Transporte de Mercadorias Sines/Algeciras Madrid Paris 216 Figura 59 PP19 Interoperabilidade da Rede Ferroviria de Alta Velocidade da Pennsula Ibrica ....... 217 Figura 60 PP21 Auto-Estradas do Mar .................................................................................................. 219 Figura 61 Situao dos PP ferrovirios na Pennsula Ibricos, em Fevereiro de 2010 .......................... 221 Figura 62 Densidade populacional (hab/km2), 2009 ............................................................................. 233 Figura 63 Indicadores econmicos, 2010 .............................................................................................. 234 Figura 64 PIB per capita a preos correntes (Euros), 2008 ................................................................... 235 Figura 65 PIB: Agregados da despesa, 2010 ......................................................................................... 236 Figura 66 - Balana Comercial entre Portugal e Espanha ........................................................................ 237 Figura 67 Superfcie Cultivada, Negcios na Indstria e Dependncia Energtica .............................. 238 Figura 68 Pirmide da populao espanhola e estrangeira .................................................................... 240 Figura 69 Evoluo da Taxa de Natalidade e Mortalidade de Portugal e Espanha ............................... 240 Figura 70 Crescimento Demogrfico, em Espanha, por decnio ........................................................... 241
Figura 71 Abandono escolar (populao entre os 18 e 24 anos) ........................................................... 243 Figura 72 Evoluo da populao residente em Portugal, 1981-2011 ................................................... 250 Figura 73 Evoluo da variao populacional e da taxa de crescimento efectivo, 1991 2010 ........... 251 Figura 74 Estrutura da populao residente em Portugal por grupos etrios em 1981, 1991, 2001, 2011 .................................................................................................................................................................. 253 Figura 75 Taxa de Literacia, 2009 ......................................................................................................... 255 Figura 76 Alunos matriculados no ensino superior ............................................................................... 257
xv
Figura 77 Licenciados por reas de especializao, 2009 ..................................................................... 259 Figura 78 Populao segundo o Nvel de Habilitao (25-64 anos) ...................................................... 259 Figura 79 Estrutura do nvel de instruo dos empregados, 2010 ......................................................... 262 Figura 80 Estrutura etria da populao desempregada em Portugal .................................................... 263 Figura 81 Despesas em Investigao & Desenvolvimento .................................................................... 264 Figura 82 Indicadores de Investigao e Desenvolvimento (I&D)........................................................ 265 Figura 83 Gastos Oramentais em I&D, euros por habitante ................................................................ 267 Figura 84 Objectivos prioritrios de inovao, entre 2006-2008 .......................................................... 268 Figura 85 Indicadores sobre a qualidade da populao ......................................................................... 269 Figura 86 Estdio de Desenvolvimento de Portugal e Espanha GCI .................................................. 271 Figura 87 ndice de Desenvolvimento Humano evoluo de 1980 a 2011......................................... 272 Figura 88 Principais tendncias no cenrio integrado na UE27 ........................................................ 281
Figura 89 Cenrios econmicos para a Europa ..................................................................................... 284 Figura 90 Movimento de Mercadorias no Porto de Sines...................................................................... 288 Figura 91 Rota do Califrnia Express ............................................................................................... 289 Figura 92 Ligaes ferrovirias sugeridas ............................................................................................. 291 Figura 93 Corredores Ferrovirios espanhis ........................................................................................ 292 Figura 94 Mares onde se localizam os Portos, no TMCD de mercadorias, 2008 .................................. 297 Figura 95 Rota e portos usados na ligao Lisboa Norte da Europa .................................................. 298 Figura 96 Rede da LD Lines ................................................................................................................. 299 Figura 97 Ligaes na Europa do grupo DFDS ..................................................................................... 300 Figura 98 Ligaes da TAP para o Brasil, Cabo Verde e Marrocos ...................................................... 304 Figura 99 Regies de Informaes de Voo nacionais e o FAB Portugal e Espanha.............................. 306 Figura 100 Modos de Transporte propostos para o Eixo Sines a Viana do Castelo .............................. 308
Figura 101 Quadros de possibilidades da economia portuguesa ........................................................... 311 Figura 102 Economia do Mar na Unio Europeia distribuio do valor criado por grandes segmentos
(2007) .................................................................................................................................. 313 Figura 103 Componentes para a Economia do Mar, em Portugal ......................................................... 314 Figura 104 Fluxos comerciais intra e entre continentes, em 2006 ......................................................... 316 Figura 105 Hypercluster da Economia do Mar em Portugal. Viso de Conjunto .................................. 320 Figura 106 Estratgia para o Hypercluster da Economia do Mar .......................................................... 323
xvi
xvii
NDICE DE QUADROS Quadro 1 Direco da Estratgia Nacional.130 Quadro 2 Valores da rede de Alta Velocidade nacional.168 Quadro 3 Tempos de viagem de Porta-contentores....178 Quadro 4 Movimento geral de Mercadorias (Ton), em 2010.....179 Quadro 5 Evoluo da Carga movimentada (Mt.) nos Portos Ibricos: 2003........180 Quadro 6 Frota Operacional de Bandeira Portuguesa, em 2011.....185 Quadro 7 Movimentos nos Aeroportos Nacionais-2010189 Quadro 8 Comparao dos Sistemas de Transporte Terrestres......223 Quadro 9 Relao entre os Sistemas de Transporte Terrestres e a rea.224 Quadro 10 Comparao do transporte de mercadorias no modo rodovirio e ferrovirio, em 2009 e em
milhes tkm..225 Quadro 11 Principais parceiros comerciais de Portugal, 2010...239 Quadro 12 Principais parceiros comerciais de Espanha, 2010...239 Quadro 13 Indicadores Demogrficos e Sociais.....242 Quadro 14 Despesas das Famlias em Educao e em Cultura e Lazer..260 Quadro 15 Nmero de Publicaes Cientficas de Portugal e Espanha..261 Quadro 16 Registo de patentes por despesa em Investigao e Desenvolvimento.261 Quadro 17 Registo de Patentes na EPO......261 Quadro 18 Taxa de Desemprego de Longa Durao..262 Quadro 19 Estrutura Sectorial do Emprego (%).....264 Quadro 20 Pessoal a tempo inteiro a trabalhar em I&D, 2010...266 Quadro 21 Emprego em actividades de conhecimento intensivo...266 Quadro 22 ndice de Conhecimento e de Economia do Conhecimento.273 Quadro 23 ndice de Competitividade da Indstria de Tecnologia da Informao274 Quadro 24 ndice de Desempenho Logstico (LPI)....274 Quadro 25 Indicadores do ndice de competitividade das Capitais Ibricas...275 Quadro 26 Quadro sntese de Indicadores entre Portugal e Espanha.277 Quadro 27 Comparao da Comunidade de Madrid com o corredor urbano Sines-
Viana...........278 Quadro 28 Previso da taxa de crescimento no consumo de energia por modo de transporte,
entre 2005 e 2030.......................282 Quadro 29 Comparao dos Portos Ibricos...287
xviii
xix
NDICE DE ANEXOS ANEXOS ...................................................................................................................................................... I
Anexo A Produtos mais importantes (em valor) nas trocas comerciais entre Portugal e Espanha, 2009 .................................................................................................................................. I
Anexo B ndice de Competitividade Global em detalhe Portugal ................................................. II Anexo C ndice de Competitividade Global em detalhe Espanha ................................................ III Anexo D Indicadores de transporte, no cenrio integrado Portugal ......................................... IV Anexo E Indicadores de transporte, no cenrio integrado Espanha ........................................... V
Anexo F Valores por Categoria do ndice de Competitividade das Cidades ................................... VI Anexo G Descrio dos Quadros de Possibilidades para a Economia Nacional ........................... VII
xx
xxi
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRNIMOS AENA Aeropuertos Espaoles y Navegacin, Area
AICEP Agncia para o Investimento e Comrcio Externo de Portugal AM Academia Militar AML rea Metropolitana de Lisboa ANA Aeroportos de Portugal, SA ANAM Aeroportos da Madeira APDL Administrao dos Portos do Douro e Leixes APTMCD Associao Portuguesa de Transporte Martimo de Curta Distncia ATM Air Traffic Management
BCE Banco Central Europeu
BP British Petroleum
CCE Comisso das Comunidades Europeias CE Comisso Europeia CEDN Conceito Estratgico de Defesa Nacional CEM Conceito Estratgico Militar CLH Companhia Logstica de Hidrocarbonetos CNE Comisin Nacional de Energa CP Comboios de Portugal CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa CPRM Conference of Peripheral Maritime Regions
CR Comit das Regies CRP Constituio da Repblica Portuguesa CSDN Conselho Superior de Defesa Nacional CSM Conselho Superior Militar
CT Comunicaes de Transporte CTA Campo de Tiro de Alcochete DGEG Direco Geral de Energia e Geologia DR Dirio da Repblica EACI Agncia Executiva para a Competitividade e Inovao EIU Economist Intelligence Unit
EMEPC Estrutura de Misso para a Extenso da Plataforma Continental EMGFA Estado-Maior General das Foras Armadas
xxii
EMSA European Maritime Safety Agency EN Estradas Nacionais ENDS Estratgia Nacional de Desenvolvimento Sustentvel EP Estradas de Portugal ER Estradas Regionais ERTMS European Rail Traffic Management System
ESDP European Spatial Development Perspective ESPON European Spatial Planning Observation Network ETA Euskadi Ta Askatasuna (Ptria Basca e Liberdade) ETCS European Train Control System
EUROCONTROL European Organisation for the Safety of Air Navigation FAB Functional Airspace Block
FDP Partido Democrtico Liberal FIR Flight Information Region
FMI Fundo Monetrio Internacional GCI Global Competitiveness Index GNL Gs Natural Liquefeito IAEM Instituto de Altos Estudos Militares IC Itinerrios Complementares I&D Investigao e Desenvolvimento
IDH ndice de Desenvolvimento Humano IESM Instituto de Estudos Superiores Militares INE Instituto Nacional de Estatstica INE-E Instituto Nacional de Estatstica de Espanha INTF Instituto Nacional do Transporte Ferrovirio IP Itinerrios Principais
IPTM Instituto Porturio e dos Transportes Martimos ISCED International Standard Classification of Education ISCTE Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa ISF ndice Sinttico de Fecundidade IT Information Technology
ITS Intelligent Transport Systems/Services JUP Janela nica Porturia
xxiii
LBPOTU Lei de Bases da Poltica de Ordenamento do Territrio e de Urbanismo
LNEC Laboratrio Nacional de Engenharia Civil LPI Logistics Performance Index Maglev Magnetic levitation
MDN Ministrio da Defesa Nacional MES Ministrio do Equipamento Social METREX Network of European Metropolitan Regions and Areas MF Ministrio de Fomento MITYC Ministrio de Industria, Turismo y Comercio MOPTC Ministrio das Obras Pblicas Transportes e Comunicaes Mt Milhes de toneladas MTSS Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social NAL Novo Aeroporto de Lisboa NAV-EP Empresa Pblica de Navegao Area de Portugal NLNG Nigria Liquefied Natural Gas OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico ONU Organizao das Naes Unidas OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte Pax Passageiros
PEIT Plan Estratgico de Infraestructuras y Transporte PIB Produto Interno Bruto PISA Programme for International Student Assessment PME Pequenas e Mdias Empresas PNB Produto Nacional Bruto PNPOT Programa Nacional da Poltica de Ordenamento do Territrio POAT Programa Operacional de Acessibilidades e Transportes POVT Programa Operacional Temtico Valorizao do Territrio PP Projectos Prioritrios PR Presidente da Repblica PRN Plano Rodovirio Nacional PSA Port Singapore Authority RAVE Rede Ferroviria de Alta Velocidade
xxiv
REFER Rede Ferroviria Nacional REN Redes Energticas Nacionais RENFE Red Nacional de Ferrocarriles Espaoles RESIV Regio Europeia Superior de Informao de Voo RINM-MAR Registo Internacional de Navios da Madeira RIV Regies de Informao de Voo RORO Roll-on Roll-off RRN Rede Rodoviria Nacional RTE-T Rede Transeuropeia de Transportes RVCC Reconhecimento, Validao e Certificao de Competncias
SA Sociedades Annimas SESAR Single European Sky ATM Research
SIVICC Sistema Integrado de Vigilncia Comando e Controlo SNGN Sistema Nacional de Gs Natural TAP Transportes Areos Portugueses DWT/TDW Dead Weight Tonnage /Porte Bruto TEN-T Trans-European Transport Network
TEU Twenty-foot Equivalent Unit
TGV Transporte de Grande Velocidade TMCD Transporte Martimo de Curta Distncia TTT Terceira Travessia do Tejo UAG Unidades Autnomas de Gs UAV Unmanned Aerial Vehicle ULCS Ultra Large Container Ships UNDP United Nations Development Programme UNFPA United Nations Population Fund VTS Vessel Traffic Survey
WTO World Trade Organization ZEE Zona Econmica Exclusiva
1
INTRODUO
As Comunicaes de Transporte (CT), ao longo da histria da humanidade,
foram determinantes para ligar povos e civilizaes contribuindo para a sua
evoluo. O seu desenvolvimento reflecte-se na melhoria da qualidade de vida da
populao e no desenvolvimento das actividades econmicas, facilitando a
implementao de um tecido empresarial forte. Alm destes aspectos, podem
constituir-se como instrumento poltico e serem utilizadas pelo Estado para
desenvolver determinados territrios ou promover a unio e coeso social e
territorial, contribuindo, deste modo, para o reforo e consolidao da Identidade e
Individualidade nacional.
As CT representam uma das mais importantes actividades humanas em todo o
mundo. So uma componente indispensvel na economia e desempenham um papel
importante nas relaes espaciais entre os locais; criam ligaes entre regies e
actividades econmicas e entre as pessoas nos diversos lugares do planeta; so uma
actividade multidimensional cuja importncia histrica, social, poltica,
econmica e ambiental.
Cada vez mais, o mundo est interligado e integrado a vrias escalas,
verificando-se que o presente quadro de relaes geogrficas, muito marcado pelo
reforo das interaces globais, amplia profundamente o mbito do perodo
precedente, essencialmente centrado na cidade ou no pas (Salgueiro, 1992). Assim,
no incio do sculo XXI, a geografia dos transportes redefine-se, no s pela maior
incorporao das questes globais, mas tambm pela articulao entre estas e as
questes regionais e locais (Rodrigue et al, 2006).
Portugal e Espanha partilham a mesma pennsula e a posio relativa dos dois
Estados faz com que as pessoas e os bens provenientes do nosso pas, para
2
chegarem ao resto da Europa por via terrestre, tenham de passar pelo territrio do
pas vizinho; dizemos assim, que a Espanha tem uma posio geobloqueante, em
relao a Portugal. Este facto torna fundamental que as Comunicaes de
Transporte sejam planeadas tendo em considerao as mais variadas reas do saber,
entre elas, a Geografia, a Geopoltica e a Estratgia, assim como as sinergias que se
podem ganhar com estudos e anlises de ndole interdisciplinar.
Da mesma forma, para planear as Comunicaes de Transporte fundamental
conhecer o meio natural e as populaes que vo ser servidas, divididas ou
afectadas, o que remete, uma vez mais, para a cincia que estuda as organizaes
espaciais.
Contudo, do ponto de vista histrico, o desenvolvimento das infra-estruturas
de transportes permitiu que a populao rural venha cidade e a urbana v ao
campo, contribuindo para dar maior unidade ao Estado e para que o Governo
estendesse a sua aco a todo o pas. Reforou-se, assim, no s a ideia de Nao,
mas a da ligao desta ao seu territrio, emergindo daqui um forte contributo para
a formao da conscincia nacional, afinal o sustentculo da nossa Individualidade
(Serro, 1986, p. 196).
No nosso pas, a construo de grandes obras , geralmente, acompanhada de
grande polmica; aspectos como a sua necessidade, localizao, sustentabilidade
econmica, problemas ambientais, entre outros, surgem inevitavelmente na
comunicao social, com vrias personalidades e organizaes a defender ou a
contestar os projectos, como aconteceu recentemente com a rede ferroviria de Alta
Velocidade e com a construo do Novo Aeroporto de Lisboa, para referir apenas
dois exemplos de impacto meditico.
3
Considerando que tais obras tm elevados custos e so estruturantes para o
desenvolvimento do pas, consideramos importante perceber os meandros do
processo de definio de objectivos e os procedimentos para a sua concretizao em
Portugal. Alvitramos a necessidade de uma viso para o pas, que incorpore, de
modo explcito, este tipo de obras no quadro da concretizao de objectivos
polticos e/ou estratgicos de carcter macro que, uma vez definidos e
estabelecidos, com o contributo de debates participados e politicamente
abrangentes, devero ser implementados de forma progressiva e contnua, sem dar
azo a dvidas ou hesitaes, independentemente do partido poltico no governo,
mas sempre respeitando os princpios democrticos e constitucionais.
Vivemos numa sociedade global, em que a porosidade dos diferentes saberes
e reas cientficas uma caracterstica. Da que a abordagem das Comunicaes de
Transporte, numa perspectiva geopoltica, tem relevncia acadmica e cientfica,
uma vez que a viagem que iremos encetar, na tentativa de alcanar o objectivo a
que nos propomos, integrar reflexes que se prendem com assuntos que, pela sua
importncia, justificam a preocupao do mundo acadmico; estamos a falar, por
exemplo, de implicaes na soberania, identidade, desenvolvimento, inovao
tecnolgica e coeso social e territorial.
Por outro lado, a Universidade preocupa-se com vrios tipos de saber e, em
particular, a Geografia com a interaco da sociedade com a natureza e nesta
ligao o homem acrescenta fisionomia de todos os lugares e prpria
expresso de conjunto da Terra qualquer coisa de original e novo (Ribeiro, 1989,
26). As Comunicaes de Transporte alteram a fisionomia das paisagens, mas no
esta a perspectiva que marcar o nosso estudo, mas sim, como elas podero e
devero contribuir para o desenvolvimento, coeso, poder, identidade e
4
Individualidade do pas que as constri. Vicens Vives foi mais longe e afirmou
mesmo que no existe Estado duradouro sem uma adequada rede de
comunicaes, pois elas facilitam os intercmbios comerciais, a pertinente
transmisso das notcias e, em caso necessrio, a movimentao das reservas
humanas de um pas (1956, p. 152).
Tambm, o facto de ter sido docente de Geopoltica e, actualmente, de
Geografia e Teoria Geral da Estratgia, na Academia Militar, acrescido pelo gosto e
interesse por estas reas do conhecimento cientfico, justificam enveredar por este
trilho, enquanto processo de valorizao pessoal e profissional.
Os conhecimentos adquiridos na frequncia do Curso de Promoo a Oficial
Superior e do Curso de Estado-Maior, ministrados no Instituto de Altos Estudos
Militares, no Mestrado em Geografia Humana, ministrado na Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, tambm se constituram como fontes, a que se deve
acrescentar a experincia profissional, adquirida nas actividades quotidianas na
Instituio Militar, relevando a de docncia.
Uma investigao deve iniciar-se com a colocao de um problema,
entendido este, como uma questo por resolver e que pode ser objecto de anlise, de
dvida e de troca de impresses.
A formulao correcta do problema, enquanto questo cientfica, obedece a
algumas regras prticas, tais como: a) o problema deve ser formulado como
pergunta; b) o problema deve ser claro e preciso; c) o problema deve ser emprico;
d) o problema deve ser susceptvel de soluo; e) o problema deve ser delimitado a
uma dimenso vivel (Gil, 1991, p. 30).
5
A pergunta de partida referenciada em a) ter assim que obedecer a
caractersticas de clareza, de exequibilidade e de pertinncia (Quivy e
Campenhoudt, 2008). A lgica de formulao de uma pergunta de partida como a
melhor forma de dar corpo ao problema a que queremos fazer face, decorre da
experincia em investigao em cincias sociais e constitui-se, tambm, como mais
uma tentativa do investigador na busca de uma expresso tendencialmente mais
precisa e clara sobre o conhecimento que pretende descortinar ou compreender.
Sobre esta matria importa ainda referir que a questo se integra no processo
mais vasto do mtodo, inserindo-se na sua fase inicial: a da ruptura. esta que nos
permite afastar do preconceito e da falsa teoria, baseada em aparncias ou
percepes e assim pouco sustentada e que, portanto, no revelar qualquer
utilidade para reflexes de ndole cientfica.
Tendo em considerao os pressupostos enunciados, a questo central deste
esforo acadmico : Como utilizar as Comunicaes de Transporte na
preservao e reforo da Individualidade de Portugal, na Pennsula Ibrica,
tendo em considerao a importncia crescente do pas como plataforma de
mercadorias e pessoas da Unio Europeia?
Assim, com este trabalho, temos as finalidades seguintes:
(1) identificar as Comunicaes de Transporte previstas na Rede Transeuropeia de
Transportes (RTE-T)1;
(2) verificar como a Geopoltica e a Estratgia devem contribuir para a
identificao e localizao das Comunicaes de Transporte;
(3) verificar da viabilidade de criar uma plataforma de pessoas e mercadorias em
Portugal;
1 Trans-European Transport Network (TEN-T), em Ingls.
6
(4) identificar as Comunicaes de Transporte que devem ser utilizadas para
preservar e reforar a individualidade Nacional;
(5) verificar como devem ser organizadas as comunicaes de transporte para
reforar a individualidade de Portugal.
Na elaborao da tese consideramos dois pressupostos; em primeiro lugar, e
de forma basilar na sustentao de todo o raciocnio, a vontade de Portugal querer
manter e reforar a sua Individualidade no espao ibrico, dada a progressiva
integrao dos espaos favorecer o aumento das individualidades regionais e
nacionais, na lgica de que a globalizao permite, por um lado, massificar
determinados produtos e aspectos culturais mas, tambm, valorizar aquilo que
especfico e est mais prximo (produtos regionais, turismo rural, patrimnio
cultural, entre outros); em segundo lugar, considerarmos que Portugal ter uma
funo crescente como plataforma de mercadorias e pessoas da Unio Europeia,
resultando da a importncia de um planeamento adequado das Comunicaes de
Transporte.
Para sustentar o nosso racional, emergem cinco conceitos-chave essenciais,
que sero problematizados e discutidos, ao longo da tese: a Geopoltica entendida
como o estudo das constantes e variveis do espao acessvel ao Homem ou que
dele sofre efeito intencional que, ao objectivarem-se na construo de modelos de
dinmica de poder, projecta o conhecimento geogrfico no desenvolvimento e na
actividade da Cincia Poltica, com influncia na aco externa dos diferentes
intervenientes na Sociedade Internacional (Dias, 2012d, no prelo); a Estratgia
considerada como a cincia/arte de gerar, estruturar e utilizar recursos tangveis
e intangveis a fim de uma organizao atingir objectivos por si estabelecidos, que
suscitam ou podem suscitar hostilidade de uma outra vontade/estrutura
7
organizacional, segundo Mendes Dias (2012a, p.278); o Poder, entendido como a
capacidade de fazer valer a sua vontade relativamente a outros, tendo conscincia
de que a seleco e eventual aplicao dos instrumentos a utilizar, dependem quer
do grau de importncia atribudo aos objectivos, quer da conjuntura e das
circunstncias do momento (Dias, 2011, p. 80); as Comunicaes de Transporte
so um dos subfactores Geopolticos2, inserido no Factor Circulao, e contempla
os sistemas rodovirio, ferrovirio, areo, martimo, aqutico interior e de condutas;
e o conceito de Individualidade, para efeitos deste estudo, se refere em termos
simplificados e estritos, Independncia e Soberania Nacional.
As perguntas de investigao ou questes derivadas relacionam-se com a
questo central, na medida que ser atravs das respostas obtidas s primeiras, que
materializamos a soluo para o problema colocado atravs da segunda; indicam-
nos assim caminhos de procura e mantm-nos orientados, evitando a disperso.
Sendo assim, para o estudo que se prope so:
(1) qual a relao entre as Comunicaes de Transporte e a Individualidade
nacional?
(2) qual a relao entre as Comunicaes de Transporte e o reforo da
Individualidade portuguesa no espao ibrico?
(3) qual a importncia da rodovia e da ferrovia, bem como da sua integrao, no
transporte de mercadorias e de pessoas?
(4) qual a importncia do Transporte Martimo e Areo (pessoas e mercadorias),
em Portugal, na Pennsula Ibrica, na Europa e no Mundo?
(5) quais as Comunicaes de Transporte que devem ser prioritrias para Portugal?
2 Factor Geopoltico um conjunto de agentes, elementos, condies, ou causas de natureza
geogrfica, susceptveis de serem operados no levantamento de hipteses para a construo de modelos dinmicos de interpretao da realidade, enquanto perspectivao consistente de apoio Poltica e Estratgia (IAEM, 1993, p. 17).
8
(6) existe algum rgo de Planeamento ao nvel da Estratgia Total/Integral que
estude e indique quais as Comunicaes de Transporte mais adequadas?
(7) quais as condies que Portugal poder potenciar, no domnio das
Comunicaes de Transporte, para compensar o desequilbrio escala regional,
no que massa crtica respeita?
(8) como melhorar a competitividade dos Portos Portugueses e como integr-los
nas Auto-estradas do Mar?
A finalidade ltima da tese responder pergunta de partida,
cumulativamente problema a solucionar. Como objectivos especficos, propomo-
nos:
(1) identificar as medidas a implementar de forma a tornar o eixo Sines Lisboa
Coimbra Aveiro Porto Braga Viana do Castelo competitivo com a
Comunidade de Madrid;
(2) verificar as tendncias nas Comunicaes de Transporte na Europa;
(3) identificar as Comunicaes de Transporte prioritrias para Portugal;
(4) relacionar as Comunicaes de Transporte com o reforo e a preservao da
Individualidade nacional;
(5) relacionar a Individualidade nacional com opes no mbito das Comunicaes
de Transporte a construir por Portugal;
(6) verificar como so planeadas as Comunicaes de Transporte em Portugal;
(7) identificar a importncia do transporte de pessoas e mercadorias, em Portugal,
em cada modo de Comunicaes de Transporte;
As hipteses so possveis respostas, provisrias, para a pergunta de partida,
obedecendo a caractersticas de generalidade podendo ser refutadas e testadas em
qualquer altura, a partir de dados actualizados, sendo ou no confirmadas pela
9
observao. Porm, adquirem importncia diferente, se constiturem e forem
assumidas como matrizes orientadoras da pesquisa e da investigao; deste ponto
de vista, materializam-se como guias para o trabalho de recolha e de anlise dos
dados e dos factos. Neste quadro, quem estuda, pesquisa e investiga encontra nas
hipteses proposies de resposta s suas perguntas e que devero ser objecto de
teste, de correco, se for o caso, e de aprofundamento (Quivy e Campenhoudt,
2008).
As hipteses podem ser formuladas priori, utilizando o mtodo dedutivo
ou podem ter a sua gnese no pr conhecimento sobre o assunto a tratar e que se
adquiriu atravs da aplicao de um pr-inqurito, da realizao de pr-entrevistas
ou da consulta de literatura.
Assim, e tendo em considerao a nossa questo de partida, apresentmos as
hipteses seguintes:
HIP 1 a estratgia3 de Comunicaes de Transporte privilegia a ligao de
Portugal ao Centro da Europa sem passar directamente por Madrid;
HIP 2 as Comunicaes de Transporte actuais e previsveis preservam e reforam
a Individualidade portuguesa no espao ibrico;
HIP 3 a organizao das Comunicaes de Transporte actuais e previsveis
contribuem para o aumento do Poder nacional.
As formas que iro consubstanciar a pesquisa a efectuar so, essencialmente,
a bibliogrfica e a documental. No que respeita forma bibliogrfica, a recolha de
informao efectuou-se em fontes, como obras publicadas, livros de leitura
corrente, revistas, dicionrios, dissertaes e working papers. Relativamente
forma documental, a recolha de informao efectuou-se junto de material que no
3 Neste contexto, entendida como a longo prazo e decidida pelas mais altas entidades governativas.
10
ter sido objecto de uma anlise pormenorizada ou que poder ser tratado de acordo
com os objectos de pesquisa (Gil, 1991, p.51), como por exemplo, trabalhos
realizados no mbito de aces de formao em geral, documentos oficiais e
legislao.
Assim, para atingir os objectivos a que nos propusemos, organizamos o
trabalho em trs grandes captulos, alm da Introduo e Concluses. No primeiro
captulo pretendemos explicitar o quadro terico de referncia por ns utilizado,
com uma dupla finalidade: permitir a posterior verificao til e vlida e, no mbito
da articulao da metodologia de investigao em cincias sociais, possibilitar a
finalizao da ruptura, guarda avanada do procedimento cientfico.
A conceptualizao exposta representa uma dimenso importante da
construo do modelo de anlise usado e procura obviar imprecises e
arbitrariedade (Figura 1). Assim, o espao geogrfico principal de estudo a
Pennsula Ibrica, sendo que a Estratgia, a Geopoltica e Cincia Poltica auxiliam
a Poltica a definir os seus Objectivos, alguns dos quais se materializam na
construo de Comunicaes de Transporte. Todo o processo que leva sua
concretizao (necessidade, planeamento, localizao, negociao, entre outros
aspectos) serve-nos para verificar se existiu a preocupao de procurar manter ou
reforar a Identidade e Individualidade nacionais.
Desta forma, no 1 captulo, comeamos por caracterizar, de forma breve, a
evoluo histrica dos pases Ibricos, apresentamos as noes de Identidade e
Individualidade e como estas se formaram em Portugal. Expomos, tambm,
algumas ideias sobre o entendimento de Geopoltica e Poder, assim como a relao
entre a Cincia Poltica e a Poltica; por fim, apresentamos a concepo de
11
Estratgia e a sua interligao com os objectivos definidos pela poltica,
nomeadamente os que caem no campo da conflitualidade.
No 2 captulo caracterizamos as Comunicaes de Transporte,
nomeadamente os sistemas rodovirio, ferrovirio, martimo, areo e de conduta.
Alm de alguns conceitos relacionados com a geografia dos transportes,
apresentamos os documentos que enquadram a poltica nacional deste sector, assim
como a Rede Transeuropeia de Transportes, nomeadamente os projectos prioritrios
que passam na Pennsula Ibrica.
No 3 captulo apresentamos a ideia de constituir um corredor urbano, de
Sines a Viana do Castelo, que funcione como uma plataforma de pessoas e
mercadorias e, desta forma, tenha capacidade para competir com a Comunidade de
Identifica e estabelece
Objectivo poltico/estratgico
Geopoltica e Estratgia
Cincia Poltica
Deciso Poltica
Portugal
Penn
sula
Ibrica
Espao Geogrfico
Auxilia
Comunicaes de Transporte
Plataforma de Pessoas
e Mercadorias
Instrumento utilizado
Condiciona
UE
Reforo da Individualidade
Figura 1 Modelo analtico de partida
12
Madrid, uma vez que esta possui uma superior massa crtica. Neste racional,
discutimos esta noo, apresentamos as tendncias de evoluo das Comunicaes
de Transporte e quais as infra-estruturas (objectivos) a implementar, em cada
sistema de transporte, de forma a contribuir para a manuteno e o reforo da
Identidade e Individualidade nacionais.
Este trabalho, na rea da geopoltica, visa apontar possveis caminhos, tendo
em conta a situao presente, mas visando pensar e preparar o futuro. Perante isto,
tem dificuldade em incorporar as velozes e muito recentes alteraes da situao
interna e internacional, uma vez que, no perodo em que se realizou, manifestou-se
uma profunda crise econmica e financeira em Portugal e na Europa, originando a
mudana do Governo portugus e consequentemente de polticas, com reflexo em
algumas Comunicaes de Transporte projectadas, entretanto modificadas,
suspensas ou canceladas.
Trabalhos futuros podero incidir sobre a forma de organizao, constituio
e dependncia do rgo de Staff, que corroborando pensamento de Loureiro dos
Santos (2010) tambm propusemos para apoiar a deciso ao nvel da Estratgia
Total, assim como, a nvel econmico e cultural apontar medidas concretas de
como dinamizar o corredor urbano proposto (Sines a Viana do Castelo).
13
CAPTULO I ENQUADRAMENTO E CORPORIZAO TERICA
1. Breve caracterizao histrica da Pennsula Ibrica: Portugal e Espanha
Para sabermos o que acontecer num determinado pas ou regio, devemos
formular hipteses e considerar cenrios, compar-los com outros estados e
perceber as semelhanas e as diferenas no seu modo de evoluo. Assim, a
Histria indispensvel para compreender as componentes actuais, o que torna o
pensamento histrico e o modelo de anlise geopoltica indissociveis (Lacoste,
2006), at porque este ltimo pode recorrer ao mtodo histrico. Neste sentido,
iremos caracterizar sucintamente a evoluo histrica e as opes geopolticas
dos dois pases que partilham a Pennsula Ibrica4, relevando os aspectos que, em
nosso entender, mais contriburam para a individualidade de ambos.
A Pennsula Ibrica uma massa continental pouco articulada, e que se
estende por 860Km do Norte para Sul (Ribeiro e al, 1987, p. 7); est ligada
Europa por um istmo de 420 quilmetros de comprimento, e separada da frica
por um estreito de apenas 14 quilmetros, constituindo uma zona de transio
entre a Europa e a frica (Giro, 1941, p. 17). Com uma forma quase
quadrangular apresenta do ponto de vista Geogrfico uma unidade fsica
incontestvel, uma vez que um conjunto de grandes planaltos, com cordilheiras
montanhosas de elevada altitude orientadas de leste para oeste e separadas por
largos vales, que, em baixo, se estendem por vastas plancies (Giro, 1941). Em
termos polticos, partilhada por dois Estados e pelos protectorados de Andorra e
Gibraltar.
4 Os gegrafos do sculo XVIII chamaram Ibrica a esta pennsula, em memria dos povos
oriundos da pr-histria e que se misturaram com os Celtas, antes de ficarem sobre domnio romano (Lacoste, 2006, p. 70).
14
Podemos caracterizar a Pennsula atendendo a duas unidades geogrficas
distintas: a Meseta5 e as reas perifricas (Figura 2). O planalto est limitado por
uma srie de cadeias montanhosas que lhe garantem um elevado valor defensivo
(cordilheira Cantbrica, a Norte; sistema Ibrico a Este e cordilheira Btica a Sul).
Acresce que a Meseta, apesar de estar dividida pelo Sistema Central Divisrio,
aparece como um todo compacto e slido, o que justifica o seu papel importante ao
longo da Histria. Nas terras perifricas temos a mencionar a depresso do Ebro, do
Guadalquivir e do Tejo e Sado, assim como as terras baixas na seco portuguesa
da foz do Douro para Sul e no litoral espanhol correspondente bacia do
Guadalquivir (Giro, 1941, p. 18).
Fonte: Giro, 1941, p. 18
Figura 2 Elementos Fundamentais da Morfologia Peninsular
5 Constitui um enorme planalto com 650 metros de altitude mdia e de forma grosseiramente
triangular, tendo o vrtice apoiado sbre o Mediterrneo e a base voltada para o Atlntico (Giro, 1941, p. 19).
15
Observando a Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica (Figura 3) constata-
se que as grandes linhas da orografia do territrio portugus representam, afinal,
a continuao das linhas da orografia do Pas vizinho. As unidades morfolgicas
de Portugal revelam-se qusi todas na dependncia das grandes unidades
morfolgicas da Pennsula; a feio planltica que caracteriza a regio central e
setentrional espanhola caracteriza tambm o Norte de Portugal; simplesmente,
medida que entram no nosso Pas, os planaltos e as montanhas diminuem de
altitude e descem em degraus sucessivos para o mar, acompanhando os vales dos
rios, que alargam ao mesmo tempo, construindo por vezes junto costa extensas
plancies de aluvio (Giro, 1941, p. 68).
Fonte: Giro, 1941, p. 69
Figura 3 Carta Hipsomtrica da Pennsula Ibrica
16
A Pennsula abrange uma rea de 589.000km2, dos quais 500 mil pertencem a
Espanha6, correspondentes a 84,7% do espao ibrico; Portugal ocupa, somente,
15,2%. Esta diferena na dimenso do territrio tem sido, segundo Giro (1941) e
Mendez (1984), um dos factores que impede a existncia de uma estratgia comum,
dado que os portugueses tm relutncia em aceitar tal situao, uma vez que
receiam que os seus interesses no sejam convenientemente defendidos, face a tal
desproporo.
Outro aspecto importante a mencionar a posse de arquiplagos no
Mediterrneo e no Oceano Atlntico que valorizam a posio de cada Estado,
assentes nos eixos seguintes: Baleares Estreito de Gibraltar Canrias e Portugal
Continental Aores Madeira. Com efeito, a Pennsula encontra-se num local
excepcional, onde se cruzam as ligaes entre trs continentes e no centro das
comunicaes no Estreito; contudo no se deve esquecer que boas posies
geogrficas, sem possuir fora, podem ter mais inconvenientes que vantagens
(Mendez, 1984, p. 110).
Para Yves Lacoste (2006), a prpria existncia de Portugal7 merecedora de
ateno, em virtude da antiguidade, da lngua no ser muito diferente das de
Espanha8, da fronteira9 no assentar num acidente natural, dos maiores rios que
atravessam Portugal nascerem nos planaltos de Castela e constiturem corredores
6 Nome adoptado pela unidade poltica centrada em Madrid, que, para muitos, constitui uma
autntica usurpao de um nome que tambm pertencia a Portugal com efeitos polticos simblicos subentendidos , porquanto Hispnia tinha sido toda a pennsula e no apenas uma parte dela (Santos, 2004, p. 163). 7 Orlando Ribeiro corrobora esta ideia como se constata da seguinte afirmao no lcito falar
de uma unidade do territrio portugus fundada nas condies naturais, ou de uma individualidade de conjunto dentro da Pennsula (Ribeiro et al, 1987, p. 27). 8 Todas so originrias do Latim, com excepo do Basco.
9 Definida pelo tratado de Alcanices: assinado a 12 de Setembro de 1297 entre D. Diniz (Rei de
Portugal) e D. Fernando IV (Rei de Leo e Castela) na povoao fronteiria espanhola de Alcaices, perto de Miranda do Douro.
17
para o Atlntico. Da que a justificao para a Identidade e Individualidade nacional
encontrarem-se, em outros fundamentos e no em razes de geografia fsica.
A anlise geopoltica de determinado Estado ou outro espao geogrfico,
efectua-se, normalmente, dissecando um conjunto de factores geopolticos10 de
forma a poderem identificar-se as potencialidades e vulnerabilidades desse
territrio, entendido como a poro da superfcie terrestre socialmente apropriada
e produzida pelas sociedades humanas (Salgueiro, 2009, p. 1).
Neste racional, e tendo em considerao que a Geopoltica tem o ensejo de
apontar caminhos, isto , aps chegar sntese da situao poltica existente,
apresentar possveis devires, necessrio compreender o passado, nomeadamente:
os objectivos histricos e a sua evoluo, principais guerras e disputas, linhas de
fora histricas da poltica externa e concluir acerca da integrao e estabilidade
territorial, das estratgias histricas de conquista, reforo, conservao e
restaurao da independncia e os procedimentos ofensivos e defensivos
preferenciais (Couto, 1988).
Apesar de este trabalho no ter como objectivo efectuar um estudo
geopoltico completo, uma vez que, se limita a analisar um subfactor
(Comunicaes de Transporte), consideramos importante apresentar, de forma
sinttica, os principais marcos histricos dos pases peninsulares, tendo a
preocupao de salientar aqueles que mais tero contribudo para a formao da sua
Identidade e Individualidade.
10 O Instituto de Altos Estudos Militares props os factores seguintes: Factor Fsico (Territrio);
Factor Humano (Populao); Factor Recursos Naturais; Factor Circulao; Factor Tecnolgico e Factor Estruturas (IAEM, 1993).
18
a. Breve caracterizao histrica de Portugal
A data da assinatura do Tratado de Zamora apontada como o dia da
Independncia de Portugal11 e o incio da dinastia Afonsina. Resultou da
conferncia de paz entre Afonso Henriques e o rei Afonso VII de Castela e Leo, a
5 de Outubro de 1143 e surge devido vitria portuguesa na Batalha de Ourique,
em 1139, em que D. Afonso Henriques consolidou a sua posio para formar um
novo Reino.
Portugal, apesar de algumas semelhanas culturais com as regies espanholas
e de uma luta comum contra o Islo, desde o sculo XII que construiu a sua
identidade prpria. Segundo Jos Matoso, a guerra contra um inimigo externo
provoca a formao de foras unificadoras, tendo sido esta que permitiu a criao
de elementos persuasores ou aglutinadores de identificao de base tnico-
religiosa, acentuados pela confrontao com o inimigo de raa e f (1985/1986, p.
71).
Aps a reconquista crist da Pennsula Ibrica, as relaes feudais que se
estabeleceram entre os diversos reinos cristos existentes na altura, foram baseadas
em alianas matrimoniais e a sua independncia no assentava na actual noo
de soberania, mas sim na definio de um espao que pertence a algum de igual
estirpe e consequentemente no devia ser apossado (Duarte, 2003, p. 37).
A partir do Sculo XIII comea a materializar-se a passagem do mundo
feudal, para o Estado nacional com a constituio de um aparelho burocrtico
centralizador e a delimitao de um territrio, onde se impe progressivamente uma
forma poltica, fiscal e militar unitria, bem como uma interligao do Rei com os
11 Jos Mattoso (2003) associa o incio da nossa nacionalidade Batalha de S. Mamede (1128) na
qual, os bares portucalenses, onde se integrava D. Afonso Henriques, venceram as foras ao servio do governo do condado Portucalense liderado por Ferno Peres de Trava (irmo de D. Teresa).
19
habitantes desse territrio, contribuindo para a criao de um sentimento de unidade
(Guene, 1981).
No sculo XIV, a costa portuguesa passa a ser atravessada por gals de longo
curso, dedicadas ao trfego comercial regular efectuado por genoveses, venezianos,
flamengos, biscainhos, ingleses, aragoneses, bretes e outros, tendo a cidade de
Lisboa ganho importncia, dada a deciso poltica (D. Afonso III) de melhorar o
equipamento dos portos12 (cais, reservas de madeira, construo naval, etc.), de
modo a facilitar a sua utilizao transitria e a fixar comrcio (Macedo, 1987, p.
21).
Tambm no sculo XIV, o isolamento peninsular de Portugal e a guerra
contra Castela so acontecimentos que contriburam para a formao da noo de
comunho do ente portugus, assim como a existncia em permanncia de um
inimigo, factos que, no nosso entendimento, tiveram impacto determinante para a
formao de uma conscincia nacional (Duarte, 2003, p. 55). Foi neste perodo
que ficou consumada a aliana13 com a Inglaterra (tratado de Windsor, em 1386),
que se revelou decisiva na luta contra Castela. Como salienta Jorge Borges de
Macedo, Portugal com a guerra contra Castela e a aliana inglesa, garantiu a
independncia como estado e conservou a sua funo europeia de garantir uma
rea essencial de trfego internacional, livre das hegemonias peninsulares (1987,
p. 30).
O tratado de Windsor foi bastante importante para Portugal, uma vez que nos
permitiu manter o poder relativo face a Castela, conseguido pelo apoio britnico,
marcando, assim, decisivamente o nosso curso histrico. Este acordo manteve-se ao
12 Lisboa era servida por um verdadeiro rosrio de Portos, desde Santos, Ribeira, Conceio
Velha, Tojo, Enxobregas, etc. (Macedo, 1987, p. 21). 13
Segundo Rodrigues e Devezas (2007, p. 194), a aliana anglo-portuguesa iniciou-se em 1373 e foi renovada em 1386, 1655, 1661 e 1703.
20
longo dos sculos, apesar de vrias vicissitudes; se no vejamos; no sculo XVI, a
Inglaterra adoptou o protestantismo, mas o nosso pas, por influncia dos jesutas,
foi um dos defensores da Contra-Reforma; em 1640 conseguimos a independncia
de Espanha com o apoio de alguns nobres franceses, mas principalmente dos
ingleses; em 1793, em virtude da nossa aliana e consequente recusa de aderir ao
bloqueio continental imposto por Napoleo, fomos trs vezes invadidos, tendo
recebido, mais uma vez, a colaborao das tropas inglesas, comandadas por
Wellington, que foram fundamentais para a expulso dos franceses e foi o
embaixador ingls quem dirigiu o pas durante anos, uma vez que o rei se refugiara
no Brasil (Lacoste, 2006; Rodrigues e Devezas, 2007), garantindo a liberdade de
aco dos rgos de soberania. Note-se que aps o regresso do Rei Metrpole, os
brasileiros alcanam a independncia14.
Em perodo mais recente, foi tambm devido nossa aliana que Portugal
participa na primeira Guerra Mundial, enviando tropas para combater contra a
Alemanha na frente francesa e na segunda Guerra Mundial, embora no participe
com tropas, cede a utilizao dos Aores aos Aliados (Lacoste, 2006 e Ferreira,
2011). A importncia deste arquiplago, associado posio continental, est na
base do convite efectuado pelos aliados para que Portugal15 integrasse, desde o seu
incio, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN), em 1949.
Mas a aliana com os ingleses tambm teve grandes custos, pois aquando da
conferncia de Berlim, em 1884, organizada para definir os critrios para o
14 D. Joo VI saiu do Brasil em 1821 e nomeou seu filho, Dom Pedro I, como prncipe regente, que
viria a declarar a independncia do Brasil no dia 7 de Setembro de 1822. Segundo Rodrigues e Devezas (2007, p. 181), o monarca portugus ter aconselhado o filho a se o sentimento de Independncia for forte, e no o puderes travar, no te juntes s a ele, lidera-o. 15
Portugal tem um territrio de dimenso reduzida quando comparado com a vizinha Espanha (cerca de um quinto da rea), no entanto possui a maior Zona Econmica Exclusiva (ZEE) da Unio Europeia com cerca de 1.700.000 km2, ...dos quais 437.000 km2 se ligam Madeira e 938.000 km2 aos Aores (Medeiros, 2005, p. 20). A dimenso da nossa ZEE cerca de dezoito vezes superior da extenso terrestre, conferindo a Portugal uma importncia muito maior do que seria de prever para um pas da sua dimenso.
21
reconhecimento das colnias foi acordado o princpio da ocupao efectiva em
desfavor do princpio dos direitos histricos. Este critrio levou explorao do
interior africano por vrias potncias europeias, o que provocou vrios conflitos,
entre eles o de Portugal com a Inglaterra, em virtude da inteno portuguesa de unir
Angola e Moambique16, o que colidia com interesses britnicos, de tal forma que
nos foi apresentado um ultimatum17 (Telo, 1994; Rodrigues e Devezas, 2007).
Tambm como consequncia das invases francesas, a famlia real
portuguesa instalou-se no Brasil, evitando a tutela poltica de Frana. Mas a
presena da corte no pas sul-americano, induziu o seu desenvolvimento, criando as
condies para, que em 1822, D. Pedro I declarasse a independncia (Serro, 1984,
p. 7).
As guerras liberais como ficaram conhecidas tm aqui a sua gnese; de
facto, o confronto entre as correntes da Revoluo e da Contra-Revoluo,
simbolizadas respectivamente nos conceitos de liberalismo e do tradicionalismo
d origem a uma guerra-civil entre os partidrios de D. Miguel I e D. Maria da
Glria. Tal situao levou a que o monarca D. Pedro I tenha abdicado do trono
brasileiro para fazer valer os direitos da filha, organizando a resistncia a partir dos
Aores e levando, no final, coroao da sua herdeira, em 1834, com o nome de D.
Maria II (Serro, 1984, p. 8). O seu filho D. Pedro V sucedeu-lhe, em 1855, quando
completou os 18 anos de idade (Silva, 1993).
Segue-se o perodo designado como Regenerao; o pas alcana alguma
estabilidade, com a aplicao prtica de regras de aco poltica e que no
16 Em 1887, o ministro dos Negcios Estrangeiros Barros Gomes, que havia colorido de rosa o
espao de ligao entre Angola e Moambique, denominando-o de frica Meridional Portuguesa, esta rea ficou conhecida como o Mapa Cor-de-Rosa (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 187). 17
Note-se que, em 1655, Cromwell imps a Portugal o tratado de Westminster o que permitiu estabelecer no Porto uma feitoria inglesa que controlava a exportao do Vinho do Porto, que alguns autores consideram como o primeiro ultimatum ingls (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 170).
22
discurso liberal classificado como renascer, o mudar o rumo que se prolonga
at por volta do ano de 1890. Apesar do referido foi um perodo difcil, vivido por
um pas que se vai ressentindo de uma crise grave de identidade nacional18, que
se vai agravando, progressivamente (Ribeiro, 1993, p. 121 e 129). Como resultado
do Acto Geral da Conferncia de Berlim, que impunha que a legitimidade de
soberania deveria firmar-se na existncia de uma ocupao palpvel, agravava-se
a crise do pas a nvel poltico, social e econmico (Homem, 1993, p. 143).
Contudo, o Ultimatum ingls, em 1890, alm das consequncias polticas,
sociais e econmicas, teve o condo de provocar e renovar o sentimento nacional.
Houve, tambm, o aproveitamento poltico dos republicanos que, ao procurarem
captar o apoio popular, ao denunciarem a monarquia e a tutela inglesa e ao
prometerem a redeno do imprio e a grandeza nacional perdida (Catroga,
1993, p. 567), contriburam para o incremento da Identidade nacional e da
permanncia da nossa Individualidade, a que se associa ainda, a reduo do ardor
iberista das elites nacionais.
O fim da Monarquia e a instaurao da Repblica, em 1910, no acabou com
a instabilidade poltica: existiram 40 governos em 18 anos, 16 dos quais atravs de
Golpes de Estado at se chegar a uma ditadura. De facto, em 1926, Oliveira Salazar
chega ao poder e consegue resolver a situao financeira catastrfica em que o pas
se encontrava, o que lhe permitiu, em 1933, fundar o Estado Novo19 (Governo,
2011).
18 Neste perodo e, essencialmente, aps a revoluo espanhola de 1868, houve imensas obras publicadas sobre a questo ibrica (de 1852 a 1867: 45 e de 1867 a 1871: 58), uns defendendo o iberismo e outros o nacionalismo (Catroga, 1993, p. 566). A ideia de vrios autores iberistas (Antero de Quental foi um dos expoentes ilustres deste federalismo) era acabar com a dependncia de Inglaterra (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 185). 19
Salazar, na altura ministro das Finanas, utilizou esta expresso num discurso proferido em 1930 (Rodrigues e Devezas, 2007, p. 193).
23
Salazar enquanto permaneceu no poder, imps um regime autoritrio e
manteve sempre um rigoroso controlo financeiro, buscando a auto-suficincia
econmica (autarcia), o nacionalismo econmico, ou seja a proteco do mercado
nacional e colonial para a produo nacional e o intervencionismo econmico,
isto uma poltica interventora na economia (Mattoso, 1994, p. 251). Contudo,
aps a II Guerra Mundial houve alteraes significativas na poltica econmica
nacional, como foram exemplo, o incentivo industrializao, a anuncia de
investimento estrangeiro e o movimento de capitais20 (Nunes e Brito, 1992).
Contudo, para alm do contexto poltico e econmico metropolitano, a
poltica colonial acabou por ser determinante no derrube do regime de Salazar.
Este, tal como o seu sucessor Marcelo Caetano, recusaram-se sempre, apesar da
conjuntura desfavorvel e das presses internacionais, a proceder descolonizao,
envolvendo-se num longo e dispendioso conflito armado em Angola, Moambique
e Guin-Bissau, chegando a empenhar mais de 160.000 militares em permanncia e
apoiando a instalao de portugueses nas provncias ultramarinas (Castelo, 2007).
Esta situao levou ao aumento do tempo de servio militar obrigatrio e
imigrao de jovens para fugir Guerra, o que, para alm de agravar a situao do
recrutamento na Metrpole, especialmente na categoria de Oficiais, contribuiu para
dfices sectoriais de emprego no final dos anos 60 do sculo XX. A situao
desembocou na Revolta Militar de 25 de Abril de 1974. Na sequncia desta, o
General Antnio de Spnola tornou-se Presidente da Repblica, sendo substitudo,
ainda no mesmo ano, pelo General Costa Gomes (1974-1976). Em 1974 e 1975, o
pas concedeu a independncia aos territrios ultramarinos em frica tendo esta
situao provocado o regresso Metrpole de cerca de meio milho de
20 Em 1973, o PIB nacional era 294.062 contos (Nunes e Brito, 1992, p. 348), sendo um tero
inferior ao espanhol, que por sua vez, era um quarto do francs (Lacoste, 2006).
24
portugueses. Tal facto fez que o pas regressasse territorialidade europeia (com
excepo de Macau), ou seja ao Portugal original (Pires et al, 1984).
Aps a eleio do General Ramalho Eanes para Presidente da Republica
(1976-1986), a vida poltica portuguesa normalizou-se e as alternncias de poder
que se tm verificado entre o centro-esquerda e o centro-direita so
semelhantes ao que se verifica nas restantes democracias europeias. Em 1986, ao
mesmo tempo que Espanha, Portugal entrou na Comunidade Econmica Europeia,
o que veio permitir um grande desenvolvimento dos equipamentos pblicos, com
grande destaque para as Comunicaes de Transporte. Tal facto contribuiu para
uma maior aproximao portuguesa ao continente, descurando assim parte do seu
passado histrico ligado ao Atlntico.
Apesar de Portugal e Espanha j terem realizado 25 cimeiras ibricas (at
2012), onde debateram e acertaram posies sobre temas com interesse comum e
integrarem as mesmas organizaes internacionais21, no significa que tenham
acabado os diferendos entre os dois. O principal relaciona-se com a gua22. Estes
partilham os principais rios da Pennsula Ibrica e, em consequncia, praticamente
dois teros do territrio portugus est localizado em bacias hidrogrficas
internacionais23.
Considerando que para reconhecer os aspectos de homogeneidade ou
heterogeneidade das populaes que habitam determinado espao, ou seja,
identificar as razes agregadoras ou desagregadoras ou que possam constituir-se
como focos de tenso que, no extremo, podem levar ruptura social e
21 A Espanha aderiu OTAN em 1982.
22 Portugal tende a ficar refm de qualquer iniciativa espanhola no domnio da gesto dos recursos
hdricos, pois a sua localizao a jusante da Espanha constitui uma vulnerabilidade nacional que justifica a adopo de um processo negocial contnuo, baseado nos Direitos Internacional e Comunitrio, numa atitude de cooperao efectiva e, principalmente, na implementao de medidas concretas que minimizem essa vulnerabilidade (Leal, 2007). 23
As bacias hidrogrficas transfronteirias so cinco: Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana (Ramos, 2005, p. 394).
25
desagregao da prpria organizao social, necessrio analisar, do ponto de vista
qualitativo, a populao. Esta anlise passa por reconhecer, identificar e distinguir a
estrutura social, as etnias, religies, lnguas e outros elementos que possam
consubstanciar-se como plos de unio ou de fragmentao, podendo associar-se,
tambm, questes como a autodeterminao, a existncia de minorias ou os
movimentos migratrios (Dias, 2005).
Desta forma, podemos caracterizar a populao portuguesa como tendo uma
grande homogeneidade, dado que cerca de 85% da populao catlica (segundo o
INE, 2002), a lngua24 portuguesa falada por toda a populao e a existncia de
grupos tnicos minoritrios25 no tem sido factor de instabilidade, dada a sua
razovel integrao na sociedade. A nica excepo diz respeito populao
cigana, um problema histrico no resolvido de integrao na sociedade
portuguesa.
Em resumo, como afirmou Hernni Lopes (2010), foi nos momentos
decisivos, de crise e de afirmao da existncia de Portugal, que os portugueses
mostraram o peso concreto (poltico, econmico e cultural) da utilizao da
dinmica geopoltica da contraposio entre o martimo (Portugal) e o continental
(Espanha) em que, do ponto de vista racional, encontramos a chave da compreenso
do fenmeno portugus: a nica estrutura poltica, sada da Reconquista Crist na
Pennsula Ibrica, que mantm a sua independncia poltica face ao poder
aglutinador de Castela.
Ou nas palavras do espanhol Eduardo Gomez, pode-se afirmar que o nosso
pas realizou um processo histrico de lenta maturao, o que proporcionou uma
24 Mirands tambm uma lngua oficial.
25 Os principais grupos tnicos de origem no nacional so constitudos por cidados oriundos dos
Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa, por Brasileiros e por cidados dos pases da Europa de Leste, designadamente a Ucrnia, a Moldvia e a Romnia (INE, 2012a).
26
considervel estabilidade a Portugal. No duvidamos que este pas, com os seus
sete sculos de existncia como Estado, territorialmente o pas mais estvel da
Europa. Essa estabilidade chegou aos nossos dias, de tal forma que, foi Portugal o
primeiro a conquistar novas terras, e foi tambm o ltimo a perder as suas
colnias (1984, p. 99) ou, ainda, nas palavras de Orlando Ribeiro a existncia
independente de Portugal, firmada no meado do sculo XII, a fixao definitiva da
sua fronteira, cem anos depois, a unidade de lngua e a perfeita coincidncia dos
seus limites com os da nao, fazem do Estado portugus a formao mais antiga e
mais estvel do mapa poltico da Europa (Ribeiro et al, 1987, p. 28).
b. Breve caracterizao histrica de Espanha
No comeo do sculo VIII, em 711, berberes islamizados essencialmente da
Mauritnia invadiram a Pennsula e em pouco tempo conquistaram todo o territrio,
com excepo do seu extremo Norte. Os pequenos reinos cristos e de lnguas
neolatinas empreenderam, progressivamente a reconquista26, sendo que no final
do sculo XII a pennsula era quase na totalidade27 controlada pelos reis catlicos
(Lacoste, 2006, p. 93). Na realidade no existiu uma continuidade na formao dos
reinos cristos, pois ao longo dos sculos, foram-se fazendo e refazendo, com muito
trabalho e problemas, at se criarem, definitivamente, as nacionalidades, que
voltaram a ganhar maior visibilidade com o desenvolvimento das autonomias
regionais espanholas nos anos 70 do sculo XX (Gomez, 1984).
A unio de Castela com Arago, em 1479, e a reconquista de Granada em
1492 marcam a unificao espanhola. Na altura, era comum nestas unies a
incluso de clusulas que impunham a manuteno da identidade de cada um dos
26 Yves Lacoste (2006) salienta que os Bascos no participaram nesta reconquista.
27 O reino de Granada s foi conquistado em 1492 por Isabel de Castela e pelo seu marido Fernando
de Arago (Atlas da Histria de Espaa, 2010) e o Algarve em 1249 por Sancho II.
27
reinos e o respeito pelas tradies polticas (Lacoste, 2006, p. 94). As tradies e
os privilgios, designados por fueros foram reconhecidos pelas Cortes e so, ainda
hoje, evocados pelos defensores das autonomias e constituem-se como uma das
especificidades polticas de Espanha, Figura 4.
Fonte: Atlas da Histria de Espaa, 2010
Figura 4 A unificao de Espanha pelos Reis Catlicos
Em Espanha permaneceram as identidades dos diversos reinos, de tal forma
que, sobretudo, os nacionalistas bascos e catales vem na tradio das cortes e no
respeito pelas diferenas entre as 17 comunidades autnomas uma espcie de
pacto histrico fundamental de no-centralizao da Espanha. Segundo a
perspectiva basca e catal, o pacto j no est a ser respeitado, o que justifica as
reivindicaes de independncia (Lacoste, 2006, p. 97). No entanto, a Espanha no
um Estado federal e a constituio, de 197828, reconhece as trs nacionalidades
basca, catal e galega, mas proclama, tambm, a unidade indissolvel da nao
espanhola (Constitucin Espaola, 2012, p. 1).
28 Foi aprovada pelo povo espanhol atravs de referendo de 6 de Dezembro de 1978 e entrou em
vigor em 29 de Dezembro do mesmo ano (Constitucin Espaola, 2012).
28
O crescimento recente das reivindicaes das comunidades da Catalunha, do
Pas Basco29 e da Galiza ameaa criar problemas unidade do Estado espanhol. Os
Partidos destas comunidades levam ao extremo as exigncias de autonomia das
suas nacionalidades, procurando reduzir as suas relaes com Madrid e jogando
com as novas estruturas da Unio Europeia (Comit das Regies, por exemplo),
com a moeda nica e com a intensa crise por que passa o pas, para assim
alcanarem a sua independncia.
A histria espanhola marcada por inmeras guerras, essencialmente a partir
do sculo XVIII, devido aliana entre a Espanha e a Frana, materializada na paz
dos Pirenus, em 1659, que fixou as fronteiras actuais dos dois pases. Quando a
dinastia dos Habsburgos de Espanha se extinguiu sem herdeiros, foi anunciado um
Bourbon, neto de Lus XIV, para ocupar o trono, o que veio a acontecer, tendo sido
coroado como Felipe V (1700-1746), devido ao apoio militar francs (Fernndez,
2010).
Os rivais30 dos franceses, inquietos com esta aliana, apoiaram o arquiduque
Carlos de ustria, dando origem designada guerra de sucesso de Espanha
(1703-1713). Apesar de os adversrios dos franceses no terem logrado os seus
intentos, esta guerra resultou na perda de Gibraltar, conquistada pelos ingleses, e na
supresso dos fueros de Arago e Catalunha que se tinham oposto a um francs no
trono de Espanha (Fernndez, 2010).
29 Desde h 25 anos que os terroristas da ETA levam a cabo uma poltica de destabilizao
sistemtica, com atentados em toda a Espanha e principalmente em Madrid, para tentarem provocar uma crise poltica e, a prazo, a dissoluo do Estado espanhol (Lacoste, 2006, p. 85). Em Setembro de 2010, membros da ETA anunciaram em declaraes exclusivas BBC (atravs de registo vdeo) que esta no levaria a cabo mais aces armadas na sua campanha pela independncia para pr em marcha um processo democrtico (Pblico, 2010). At data (Fevereiro de 2013), no h registos conhecidos de novas aces ilegais desta organizao. 30
Inglaterra, Provncias Unidas (actuais pases baixos), imprio austraco e Portugal (Lacoste, 2006, p. 98).
29
Aps a guerra, ocorre um grande desenvolvimento econmico,
essencialmente na Cata