Sim 80 Febres da terra: (I) Os Sinais

Post on 06-Apr-2016

219 views 0 download

description

Novo livro visível de Viagem a Andara oO liro invisível

Transcript of Sim 80 Febres da terra: (I) Os Sinais

O LIBERALBELÉM, DOMINGO, 21 DE DEZEMBRO DE 2014 MAGAZINE 11

sim vicentefranzcecim@gmail.comVICENTE CECIM

Febres da terra (I): Os Sinais

Pronto. O mais novo livro visível de Viagem a Andara oO livro invisível foi lançado. E agora? O que fazer com ele? Expor nas

livrarias? É o que se costuma fazer. Mas quantos podem comprar um livro hoje em dia? E quantos – por esse ou outros motivos – ainda se dão ao trabalho de ler um livro? Então: multiplicar o pão – lançar na Internet, onde não custará nada a ninguém, para quem quiser ler. Mas quantos já se acostumaram a ler li-vros virtuais? Qual a solução? Também subir em uma Montanha e ler o livro em voz alta para a multidão lá embai-xo? Mas onde ainda assim a alta Monta-nha de que se possa falar a este mundo? O que fazer? – Como? – Ah, sim, é isso: posso doar, sem fins lucrativos ao me-nos substanciais fragmentos do livro aqui, na página Sim. O que então faço por pura, gratuita e fraterna Amizade por você, certamente um leitor – pois está lendo isto. Bom proveito.

Breve é a febre da terraO que é Ela, a literatura?Um Espantalho no meio do cami-

nho nos contando histórias

Ou fosse ainda a ave Negra muito antiga nos contando sonhos que já ti-vemos,

e não sabemos quaiso que agora vai nos falar.Sentemos sob Ela ainda mais uma

vez, e ouçamos, filhos

isso. A Árvore das Palavras, sua mão esquerda dando frutos

isso, issos. Diz-se: é antigo, e vem surgindo do fundo dos olhos de lagar-tos imensos que ainda dormem dentro do humano, nos sonhando

o umano h?o uman o

A vida todo o tempo se contando, nos contando

O que somos

O que somos?

E eis: mais uma fábula de Andara. E de Onde mais?

se somos só sombras, sob a árvore da carne

Onde o mal vem velozmente em direção àquele que ignora os sinais que a incertamente lhe envia

EntãoInvisível, o mal avançava para ele

através das águas brancas brancas do Atlântico

O velozmente vindo. O mal

Nenhum indiciozinho havia de que aquilo negro negro estava vindo, pois as águas águas tão brancas, e serenas

E de repente havia chegado. Ele. O mal

- É sempre sendo assim- Para que servem estes olhos se

nada veem, tudo o que a vida, a sutil, a submersa, a incertamente quer nos revelar?

Se lamentaria aquele homem, já na

O seu corpo. Deitado sobre o corpo da nau, sob as estrelas

Adormeciao homem, que, a vivendo, certamen-

te não é quem está lendo esta história,a menos que, lendo a fábula, al-

guém queira ser esse homem, e se dirá disso literatura

por entre panos que se agitavam ao vento e ao fundo no céu aquelas luzes.

Enquanto no porão da nau, aqueles outros: a carne sacrificada, o áspero animal. Os outros, o bando, letras que não conseguissem formar uma frase que desse sentido a essa viagem que faziam. O alto mar. A vida

O homem, tentem sê-lo, adorme-cendo nas noites frescas do Atlântico, enquanto o vento lhe trazendo vozes,

é de lá que elas vêm, daquela terra, a memória, vozes bem antigas.

Ficando para trás também essas vozes,

adormecia o homem agora, enfim.O adormecendo

o Sonhando

O Sonhando nas clareiras do ser

- E assim se abra a clareira do ser, pois sem essa abertura é o nada,

diz Parmênides

Quem?

- E agora é preciso que mergulhes em todas as indagações,

diz Parmênides.

Quem?Parmênides de Eléia.Parmênides em Andara. Como ele

veio parar aqui? Andara ainda é a Amazônia, é? Pois

se também a chamam de Hileia

Mas Andara é mais, e menos: raízes, estrelas

As raízes estão nas estrelas, sobre nós,

as estrelas estão nas raízes, sob nós

É lá onde não é aqui

Aranda, ahA viagem, o Livro, todo feito desses livros visíveis es-

critos com as sombras das palavras no papel

E agora Parmênides surge aqui, no tempo desses homens que o mar nos traz, em ondas. Vejam só Andara, que-rendo brincar com a gente

Agora, Parmênides aqui. Uma outra Palavra, entre essas palavras tão peque-nas, as humanazinhas, e ainda as outras, que no vento insistem em nos falar

Vejam só Andara, o Livro querendo

praia, o ardente quando lhe veio a febreE eis: um homem se incendeia como

uma cidade

Mas isso foi só mais tardeO náufragoE sua perna madeira, na praia, fe-

bril. Aquela perna de madeira que ele tinha. Se deixando levar pelas ondas

A água amolecendo a madeira, o sal vindo salgar, e uns peixes que também vinham, mordiscavam, a areia já queren-do enterrar aquele pedaço de madeira co-mo coisa que havia sido árvore um dia

E antes? Que sinais a incertamente, a vida,

havia dado de que a nau negra es-tava vindo? Não claramente pois as águas se mantendo serenas

Mas da maneira muda que ela, a vi-da, fala aos homens, a eloquentemente às vezes se revelando

Se diz:Tem vozes bem estranhas a sutil, o

humanamente nem sempre ouvindo essas vozes

Se dizPois antes, sim, haviam vindo uns

sinaisAinda que não das águas serena-

mente elas

Os sinaisOs sinais. O primeiro deles,

a menos que outros tenham vindo antes, mas tão os insinuando-se em lentidões não para a carne, a velozmen-te distraída

que não foram percebidos nem pe-lo homem nem por ninguém, esses ou-tros, ninguéns, ainda que homens:

confusos escuros, os ásperos, ani-mais do mar como existem os animais da terra,

que vinham para os dias e os tra-balhos da carne sacrificada juntos com aquele homem na nau daquele homem,

a nau com sua bandeira, vermelha e amarela,

aquela ave bordada negra viva se agitando ao vento, no centro do pano,

a nau vinda de uma outra terra,

e esses outros: letras bem peque-nas,

que quase não falarão nesta fábu-la, os sozinhos na vida ainda que em bandos, eles sempre sós em bandos, e agora vindo sobre o mar

Os sinais,então,

e o primeiro deles se não houveram outros, teria sido a folhazinha que nas-cera na madeira na perna do homem, a morta.

Aquela folhazinha dando uma ale-gria inesperada à madeira já antiga na-quela perna, verde

A madeira se revivendo naquele verde: sinal de terra

Mas tão esquecida aquela madeira que o homem não notando aquela fo-lhazinha verde.

Pois homens estranhamente igno-ram quando a incertamente põe suas vozes de tecido mais fino para lhes falar.

Para a tristeza, de volta, da madeira

O homem. Adormecia nas noites fres-cas do Atlântico, olhando as estrelas

Aquelas luzes tão pertoNem tanto, pensava, como vai fican-

do longe a terra em que eu nasci.Aquela terra, agora ficando para

trásAquela terra onde primeiro abrira

os olhos.- Para não ver nada? Se perguntasse

então o homem. Para não ver nunca os sinais que a vida me envia? Se pergun-tando, olhando as estrelas

brincar, criançaE no entanto, se Parmênides quer

assim,penetremos nas clareiras do ser,

mas indo bem fundo no que somos, antes de não ser

Lá está ele, o adormecido. Todo envolto nas rendas negras dos

sonosAdormecera o homem nas noites

frescas do Atlântico.E depois acordou, uma manhã, com

uma ave negra bicando a sua perna de madeira.

Negra aquela ave como a outra, a bordada na bandeira da nau ao vento

Espantava a aveEstava espantando a sua segunda

chance de fugir do mal que velozmen-te vinha em sua direção. O negro, nas águas brancas brancas, o invisivelmen-te vindo

Pois a ave que viera sendo o segundo sinal que a incertamente lhe enviava

ah, em nós jorrasse a Única Fontee nos viesse em ondaso olho Úmidoem nossaFronte

O terceiro sinal foi um sangue-zinho fino que começou a sair das veias da madeira que agora era sua perna.

Tendo perdido a autêntica, a de car-ne, em luta feroz com outros homens, antes. Aquela carne ficara lá, enterrada na terra que deixava para trás

Em troca, aquela terra lhe havia da-do essa madeira

Aquele sanguezinho, aquele sinal,Elevindo assim:quantas vozes tem a incertamente

para nos falar?

Ia a nau daquele homem, toda branca

Um quarto sinal não veio.Não viria.E no lugar dele veio a nau negra ne-

gra negraA manchando com sua presença

nascia de repente de um horizonte em paz as águas claras do Atlântico

Aquilo,a asa da morte se erguendo do hori-

zonte de repente, vindo escurecer o sol

Foi assim o que se dando:

Nau negra contra nau branca.A nau negra negra desses que vi-

nham com umas lâminas, e uns den-tes, atacando a nau do homem

A atacada nau daquele homem, que mais e mais embranquecia

e queria porque queria o fundo do mar para escapar ao mal à tona,

e empalideciam também os ho-mens, as carnes sacrificadas, sain-

Andara não é Literatura: é Rarefação.Coisa que viaja por dentro e no sentido inverso:quer retornar dos dedos dos pés ao calcanhar do homem, ali onde ele é mais sensível à Hipótese Onírica e Lúdica e Naturalmente Sagrada da vida.vFc

do dos porões, à medida que dentes achavam mais carne para morder, e ainda mais carne para surpreender, o espanto, e a surpresa: isso de num instante deixar de ser carne e ir co-meçando a se transformar em pó.

Pois os homens, ah, sabem como fa-zer de outros homens ruínas, areia.

Aquela carne toda atacada na nau do homem bem que gostaria de já não ser nada, e de já estar longe daquela dor que vinha assim do mar sobre ela. O negro ataque se dando

E uns, que subiam pelas madeiras altas da nau para tentar se esconder nos panos agitados por um vento forte,

pois um vento selvagemente viera com a nau negra no lugar da brisazi-nha que soprava antes,

esse vento também contagiado pe-las fúrias que haviam saído do mar para atacar o homem e os outros, a carne sacrificada que ele trazia em sua nau,

aqueles outros já não confusos es-curos, pois agora pálidos, fugindo

Subindo pelos mastros, mas derru-bados no mar pelo vento.

Um mistério como todo o mar se-reno que havia antes naquele mar de repente havia desaparecido: e uns pe-didos de paz que não eram atendidos flutuando no ar por alguns instantes para depois também caírem no mar

onde iam se misturar ao vermelho daquelas águas: o verdadeiro mar ver-melho, não buscado pelo homem em sua viagem, mas achado.

E aves que passavam por sobre as duas naus, a negra negra e a branca, entendendo aquilo como se homens ali em festa, irmãos.

Mas não a ave bordada na bandeira do homem e da nau branca, ela enten-dia a morte se espalhando

E cada vez mais de sangue e menos de água aquele mar, o Atlântico, assim em pânico,

e peixes vinham ver, do fundo, o que estava acontecendo à tona, e de-pois esperavam por mais pedaços da carne humana naufragando.

A ave atônita bordada na bandeira da nau branca, inversamente à morte que se espalhava, então ganhando vida

Deixava a bandeira onde estivera, a bordada, e se afastava pelos ares, em voo ainda sem jeito, inicial. E louco. A recém-nascida ave, antes de pano

A última coisa que se viu,antes da nau branca afundar para

sempre, no sangue, no Atlântico, en-tre uns pedaços de carne que ainda flutuavam mas já se dando ao esque-cimento de um mar outra vez calmo depois que a nau negra tinha ido em-bora. Negra

Serenas outras vez aquelas águas