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LARA PRISCILA FALCONI MADSEN
SÍNDROME DILATAÇÃO VÔLVUVO GÁSTRICA: ETIOLOGIA E
FISIOPATOLOGIA
SÃO PAULO
2008
LARA PRISCILA FALCONI MADSEN
SÍNDROME DILATAÇÃO VÔLVUVO GÁSTRICA: ETIOLOGIA E
FISIOPATOLOGIA
SÃO PAULO
2008
Trabalho apresentado como
requisito à conclusão de curso de
Medicina Veterinária sob
orientação da Profª MS Aline
Machado De Zoppa.
MADSEN, Lara Priscila Falconi
Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica: Etiologia e Fisiopatologia
Lara Priscila Falconi Madsen.
28f
Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdades Metropolitanas Unidas. Curso de Medicina Veterinária. São Paulo, 2008.
Área de concentração: Ciências Biológicas
Orientador: Profa. MS Aline Machado De Zoppa
1.Fisiologia 2.Torção gástrica 3.Estômago 4.Cães
LARA PRISCILA FALCONI MADSEN
SÍNDROME DILATAÇÃO VÔLVUVO GÁSTRICA: ETIOLOGIA E
FISIOPATOLOGIA
Profª. MS. Aline Machado De Zoppa FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas
M.V. Daniela Giantomasi Martins
Hospital Veterinário FMU
M.V. Jamara Alves Siqueira
Hospital Veterinário FMU
Trabalho apresentado como
requisito à conclusão de curso de
Medicina Veterinária sob
orientação da Profª MS Aline
Machado De Zoppa.
Agradeço ao apoio dos
meus pais que contribuíram
para a realização desse
trabalho e à Profª MS Aline
Machado De Zoppa que me
auxiliou em todos os
momentos.
“O justo olha pela vida dos seus animais.”
(Provérbios 12:10)
RESUMO
MADSEN, L. P. F. Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica: Etiologia e Fisiopatologia [Gastric
Dilatation Volvulus Syndrome: Etiology and Pathophysiology]. São Paulo, 2008. 28 p. (Trabalho de
conclusão de curso em Medicina Veterinária).
A Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica é uma situação de emergência clínica e
cirúrgica que ocorre mais comumente em raças grandes e gigantes da espécie
canina, embora possa também ocorrer em raças menores e em gatos. Quanto a sua
etiologia, apesar de não ser conclusiva, acredita-se que fatores predisponentes e
fatores de risco estejam envolvidos. Ainda que inicialmente o estômago seja o
principal órgão envolvido, outros órgãos sofrerão alterações como congestão,
isquemia e necrose por comprometimento vascular, caso essa síndrome não receba
o tratamento imediato. Para que tais alterações não ocorram, é necessário diminuir
os riscos, principalmente para os animais predispostos.
Palavras-chave: fisiologia, torção gástrica, estômago, cães
ABSTRACT
MADSEN, L. P. F. Gastric Dilatation Volvulus Syndrome: Etiology and Pathophysiology
[Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica: Etiologia e Fisiopatologia]. São Paulo, 2008. 28 p. (Trabalho de
conclusão de curso em Medicina Veterinária).
The Gastric Dilatation Volvulus Syndrome is a clinical and surgical emergency
situation that occurs most commonly in large and giant canine breeds, although it can
also occur in small breeds and cats. Its etiology is not clear, but it is believed that
predisposing and risk factors are involved. Even though the stomach is initially the
main organ involved, if the syndrome doesn’t receive immediate treatment, other
organs will be affected and will suffer changes like congestion, ischemia and necrosis
due to vascular compromise. In order to avoid these organ changes, it is necessary
to minimize risks, specially in predisposed animals.
Key words: physiology, gastric torsion, stomach, dogs
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Posicionamento gástrico durante um vôlvulo no sentido
horário .........................................................................................................
FIGURA 2 - SDVG em projeção radiográfica latero-lateral direita e
presença do sinal patognomônico “C” invertido ou “bolha dupla” ..............
FIGURA 3 - SDVG em projeção dorsoventral: piloro à esquerda da linha
média e preenchido com conteúdo gasoso ................................................
FIGURA 4 - Estômago comprometido com áreas infartadas ......................
FIGURA 5 - Área de necrose na extremidade do baço após dilatação
vôlvulo gástrica em que foi necessário a realização de esplenectomia .....
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Hipóteses para o desencadeamento da SDVG ....................
QUADRO 2 - Formação de radicais hiperóxidos e radicais hidroxila
reativos pela lesão por reperfusão ..............................................................
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................
2. ETIOLOGIA ......................................................................................
2.1. Fatores Predisponentes ..............................................................
2.1.1. Hereditariedade ..........................................................................
2.1.2. Raça ...........................................................................................
2.1.3. Idade ...........................................................................................
2.1.4. Conformação corporal ................................................................
2.1.5. Comportamento ..........................................................................
2.1.6. Sexo ............................................................................................
2.2. Fatores de Risco .........................................................................
2.2.1. Dieta ...........................................................................................
2.2.2. Exercício pós-prandial ................................................................
3. ANATOMIA PATOLÓGICA GÁSTRICA E ESPLÊNICA ..................
3.1. Diagnóstico Radiográfico.............................................................
4. FISIOPATOLOGIA ...........................................................................
4.1. Fisiopatologia Gástrica ...............................................................
4.2. Fisiopatologia Respiratória .........................................................
4.3. Fisiopatologia Cardiovascular .....................................................
4.4. Fisiopatologia Hepática ..............................................................
4.5. Fisiopatologia Esplênica .............................................................
4.6. Lesão por Reperfusão ................................................................
5. PROFILAXIA ....................................................................................
6. CONCLUSÃO ...................................................................................
REFERÊNCIAS .....................................................................................
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1. INTRODUÇÃO
A Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica (SDVG), geralmente consiste na
dilatação do estômago acompanhada por vólvulo, e é uma emergência médica que
depois de diagnosticada deve ter como tratamento a descompressão, tratamento
contra o choque hipovolêmico e correção cirúrgica do posicionamento gástrico
(LANTZ, 1996).
Ocorre com maior freqüência em cães de grande porte e tórax profundo, mas
também descrita em cães de pequeno porte (MATTHIESEN, 1998) e gatos
(DONOHOE, 2007), em associação com fatores ambientais e hereditários.
A SDVG é uma condição aguda com uma taxa de mortalidade de 20% a 45%,
mesmo com tratamento adequado, devido aos diversos efeitos fisiopatológicos,
podendo ser gástrico, hepático, cardiovascular, esplênico, respiratório e
principalmente pela lesão por reperfusão que é uma das principais causas de morte
pós-cirúrgico (FOSSUM, 2007).
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2. ETIOLOGIA
A causa da SDVG é multifatorial, ou seja, não há um fator iniciante único, mas
vários fatores responsáveis (LANTZ, 1996).
Esses fatores podem ser predisponentes, como por exemplo raça e
conformação corporal, e de risco, como por exemplo a alimentação e exercício pós-
prandial.
2.1. Fatores Predisponentes
2.1.1. Hereditariedade
Algumas linhagens de cães parecem ser mais susceptíveis à esta síndrome,
visto que sua ocorrência é mais freqüente naqueles animais cujos pais ou irmãos
apresentaram pelo menos um episódio da SDVG (GLICKMAN et al., 2000).
Recomenda-se que cães com um parente de primeiro grau que já teve a
SDVG não sejam usados para acasalamento (FOSSUM et al., 2005).
2.1.2. Raça
Existe uma tendência maior para a SDVG em cães de raça pura em relação à
cães de raças mestiças (DONOHOE, 2007).
A ocorrência dessa síndrome é mais comum em raças de porte grande e
gigante como Dogues Alemães, Pastores Alemães, São Bernardos, Rottweillers,
Labradores Retrievers, Malamutes do Alasca (TILLEY; SMITH JR, 2003),
Weimaraners, Goldens Retrievers, Wolfhounds, Bloodhounds, Standard Poodles
(BRIGHT, 2004), Setter Irlandeses e Filas Brasileiros (STURGUESS, 2001 apud
SILVA et al., 2006). Raças de pequeno porte já foram relatadas, sendo com maior
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incidência em Dachshunds e gatos (BURROWS, 1986 apud SILVA et al., 2006;
DONOHOE, 2007). Já as raças de médio porte mais susceptíveis em relação as
demais são os Basset Hounds e Sharpeis (FOSSUM, 2002).
2.1.3. Idade
Cães de raças grandes e gigantes com idade superior a 5 anos têm um risco
maior em relação aos cães mais jovens. A incidência aumenta à medida que
envelhecem. Em comparação, os cães de raças gigantes tendem a apresentar sinais
da SDVG com idade inferior aos cães de raças grandes (BRIGHT, 2007).
2.1.4. Conformação corporal
A conformação corporal é um fator importante, pois animais de grande porte e
de tórax profundo e estreito sugerem uma possível disfunção dos arranjos
anatômicos normais projetados para o impedimento do refluxo gastroesofágico, tal
qual a capacidade de eructação (FOSSUM, 2007; LANTZ, 1996).
2.1.5. Comportamento
Segundo Bright (2004), animais com temperamento infeliz ou medroso
possuem uma predisposição 2,5 vezes maior de apresentarem a síndrome. Fatores
estressantes e a hiperatividade também são fatores que podem propiciar a SDVG
(BRIGHT, 2007; DONOHOE, 2007).
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2.1.6. Sexo
Conforme uma pesquisa com 11 raças estudadas por Glickman et al. (2004) a
distribuição da SDVG foi igual em relação ao sexo. Porém, segundo Bright (2007) e
Fossum (2007), cães machos, mesmo castrados, são ligeiramente mais
predispostos à SDVG do que as fêmeas.
2.2. Fatores de Risco
2.2.1. Dieta
A composição da dieta e os hábitos alimentares são apontados como
possíveis fatores de risco. A alimentação com o comedouro em altura elevada
aumenta o risco da SDVG porque pode promover aerofagia (FOSSUM, 2007). A
quantidade de ar deglutida pode aumentar em cães excitados ou nervosos, ou que
comem com rapidez (LANTZ, 1996). Outras origens do acúmulo de gás são a
fermentação bacteriana de carboidratos do conteúdo gástrico (gás, ácido láctico,
ácidos graxos voláteis) ou o resultado da reação do ácido gástrico com secreções
contendo bicarbonato (GERMAN; ZENTEK, 2006; LANTZ, 1996).
A ingestão de refeições em grandes volumes em uma única refeição diária
associada a velocidade em que o animal alimenta-se e o seu temperamento,
aumenta significativamente o risco do cão apresentar SDVG (BRIGHT, 2004;
FOSSUM, 2007).
2.2.2. Exercício pós-prandial
Atividades após ingestão de grande quantidade de alimento ou água têm sido
muitas vezes, implicadas como causa da SDVG, embora, como já citado, a etiologia
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ainda é inconclusiva, mesmo que o histórico da maioria dos animais cite o exercício
pós-prandial (DONOHOE, 2007; STURGUESS, 2001 apud SILVA et al., 2006).
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3. ANATOMIA PATOLÓGICA GÁSTRICA E ESPLÊNICA
A dilatação gástrica em geral precede o vôlvulo, embora possa ocorrer vôlvulo
sem dilatação (MATTHIESEN, 1996). Brockman et al. (2000 apud SILVA et al.,
2006) publicou um artigo em que apresenta um modelo (QUADRO 1) que justifica o
porque de alguns cães serem acometidos previamente por dilatação gástrica aguda
e outros por vôlvulo.
QUADRO 1 – Hipóteses para o desencadeamento da SDVG
Estômago Normal Estômago Normal
Vôlvulo Gástrico Disfunção do esfíncter
Gastroesofágico e do piloro
Disfunção do esfíncter
Gastroesofágico e do piloro Dilatação Gástrica
Dilatação Gástrica/ SDVG Vôlvulo/ SDVG
Fonte: SILVA et al., 2006.
Sob o ponto de vista do cão em decúbito dorsal com visualização
caudocranial, a rotação gástrica pode ocorrer no sentido anti-horário e horário
(MATTHIESEN, 1996).
O vôlvulo anti-horário é incomum e atinge no máximo 90°. Neste tipo de
rotação, o piloro e o antro se deslocam cranialmente ao longo da parede abdominal
direita, localizando-se adjacente ao esôfago. O fundo e o corpo do estômago sofrem
um deslocamento ventral mínimo e a curvatura maior próxima à linha média
(MATTHIESEN, 1996, 1998).
A rotação horária (FIGURA 1) do estômago é mais comum, ocorrendo em
praticamente todos os cães com SDVG. A rotação pode ser de 90° a 360°, mas
geralmente é de 220° a 270° (FOSSUM, 2005, 2007). É iniciada pelo deslocamento
do piloro e do antro da parede abdominal no sentido da linha média ventral,
passando sobre o fundo e o corpo do estômago, deslocando-se para a parede
abdominal esquerda. O fundo e o corpo se deslocam em direção a parede
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abdominal direita. Com a dilatação progressiva e o deslocamento gástrico, a
curvatura maior se desloca ao longo da parede abdominal dorsolateral direita
(MATTHIESEN, 1996; MONET, 2003 apud SILVA et al., 2006).
FIGURA 1 – Posicionamento gástrico durante um vôlvulo no sentido horário
(Fonte: MATTHIESEN, 1996).
O baço geralmente se desloca para o lado ventral direito do abdômen
(FOSSUM, 2005), porém a posição depende do grau do vôlvulo gástrico. O baço
também está sujeito à torção horária ou anti-horária em torno de seu próprio
pedículo vascular (MATTHIESEN, 1996).
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3.1. Diagnóstico Radiográfico
A avaliação radiográfica abdominal é necessária para diferenciar uma
dilatação simples de uma SDVG. Porém, antes de radiografar o animal é importante
a estabilização do mesmo, realizando a descompressão gástrica e tratamento clínico
para o choque hipovolêmico (FOSSUM et al., 2005; MATTHIESEN, 1998).
As projeções radiográficas para confirmar o diagnóstico são latero-lateral
direita e dorsoventral (FOSSUM et al., 2005, 2007; LANTZ, 1996; MATTHIESEN,
1998; TILLEY; SMITH JR, 2003).
Em um cão normal, em projeção latero-lateral direita, o piloro localiza-se
ventral ao fundo do estômago, e no lado direito do abdômen em projeção
ventrodorsal (FOSSUM, 2007). Entretanto, em um cão com SDVG, os achados
radiográficos, além da distensão gástrica em ambas as projeções, em radiografia
latero-lateral direita é observado o piloro craniodorsalmente ao estômago em forma
de “C” invertido ou “bolha dupla” (FIGURA 2), considerado sinal patognomônico
(FOSSUM, 2007; TILLEY; SMITH JR, 2003), e em radiografia dorsoventral (FIGURA
3) o piloro é encontrado à esquerda da linha média e preenchido com conteúdo
gasoso (LANTZ, 1996). Caso seja observado gás livre no abdômen, sugere-se
ruptura gástrica, o que indica imediata cirurgia (FOSSUM et al., 2005, 2007).
FIGURA 2 – SDVG em projeção radiográfica
latero-lateral direita e presença do sinal
patognômonico “C” invertido ou “bolha dupla”
(Disponível em:
<http://www.cvmbs.colostate.edu/clinsci/wing/emc
ases/quest5.htm> Acesso em 08 nov. 2008).
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FIGURA 3 – SDVG em projeção
dorsoventral: piloro à esquerda da linha
média e preenchido com conteúdo
gasoso (Disponível em:
<http://www.cvmbs.colostate.edu/clinsci/
wing/emcases/quest5.htm> Acesso em
08 nov. 2008).
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4. FISIOPATOLOGIA
Independente do grau e tipo de rotação, a dilatação vôlvulo gástrica provoca
vários efeitos fisiopatológicos em diferentes órgãos, podendo levar à morte
(MATTHIESEN, 1998; SILVA et al., 2006).
4.1. Fisiopatologia Gástrica
A fisiopatologia gástrica na SDVG é variada e depende do grau de
comprometimento vascular. As alterações patológicas variam de edema das
camadas do estômago e hemorragias leves até presença de necrose em toda
espessura do órgão (PEYCKE, 2002).
O aumento da pressão intragástrica provoca inicialmente estase venosa,
indicando um decréscimo marcante no fluxo sanguíneo e presença de isquemia que
atingirá primeiramente as camadas mucosa e muscular do estômago
(MATTHIESEN, 1996; PEYCKE, 2002).
Caso a pressão continue aumentando, a camada serosa também é
comprometida (FIGURA 4), podendo levar à perfuração do órgão (MONNET, 2003
apud SILVA et al., 2006).
FIGURA 4 – Estômago comprometido com áreas
infartadas (Disponível em:
<http://www.petplace.com/dogs/gastric-dilatation-
volvulus/page1.aspx> Acesso em 04 set. 2008).
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O infarto da microvasculatura gástrica ocorre pelo acúmulo e marginação de
neutrófilos e pela formação e deposição de trombos de fibrina e pela estase vascular
ou lesão endotelial. O edema intersticial é resultado do aumento na permeabilidade
capilar por mediadores inflamatórios (prostaglandinas, histamina, complemento,
bradicinina) e da pressão hidrostática (MATTHIESEN, 1996, 1998).
4.2. Fisiopatologia Respiratória
A dilatação do estômago diminui a capacidade ventilatória, pois exerce uma
força sobre o diafragma devido à invasão do espaço torácico (DONOHOE, 2007;
PEYCKE, 2002).
Com a obstrução mecânica da veia porta e veia cava caudal, ocorre um
decréscimo no retorno venoso para o ventrículo direito e, conseqüentemente, um
volume reduzido sanguíneo disponível para a oxigenação nos pulmões. Estas
mudanças levam a uma inadequada ventilação alveolar e desequilíbrio entre a
ventilação-perfusão, que resultam em hipóxia tecidual (MATTHIESEN, 1996;
PEYCKE, 2002).
Clinicamente, este quadro mostra-se através de aumento na freqüência
respiratória que, por vezes, pode dar origem a uma acidose respiratória (SILVA et
al., 2006).
4.3. Fisiopatologia Cardiovascular
A compressão das veias cava caudal e porta pela dilatação gástrica, resulta
em aumento da pressão nestes vasos e seqüestro sanguíneo na circulação
esplâncnica (MATTHIESEN, 1996; PEYCKE, 2002).
Com o decréscimo do retorno venoso para o coração e diminuição do débito
cardíaco, o animal entrará em choque hipovolêmico por redução do fluxo sanguíneo
local para as vísceras abdominais (BROOME; WALSH, 2003; MATTHIESEN, 1996).
A isquemia e hipóxia celular desviam o metabolismo para anaeróbico, ocorrendo
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acidose metabólica, que no coração poderá causar degeneração, inflamação e
necrose do miocárdio (MATTHIESEN, 1998).
Na maioria dos cães com SDVG, é comum o desenvolvimento de arritmias
cardíacas que comprometem o funcionamento do coração e reduzem ainda mais a
perfusão tecidual. A hipoperfusão pancreática faz com que ocorra a liberação do
fator depressor do miocárdio pelo pâncreas, e que somado à outros eventos
(acidose, lesão por reperfusão e isquemia do miocárdio) diminuem a contratibilidade
cardíaca (ação inotrópica negativa) e levam à arritmias (SILVA et al., 2006;
FOSSUM, 2007).
A endotoxemia e a lesão endotelial por isquemia podem levar à coagulação
intravascular disseminada (CID) pela ativação da cascata do ácido aracdônico
através da formação de leucotrienos que aumentam a permeabilidade vascular,
provocando extravasamento de plasma, edema tecidual e hemoconcentração, assim
como a liberação de histamina pela endotoxemia, e através da cicloxigenase
produzindo prostaglandinas, causando vasoestenose que contribui com a agregação
plaquetária (BROOME; WALSH, 2003; MATTHIESEN, 1996).
4.4. Fisiopatologia Hepática
A lesão hepática reflete-se em elevações das concentrações de alanina
transaminas (ALT) e fosfatase alcalina (FA). Lesão aguda envolve a congestão,
infiltração de neutrófilos e necrose moderada a grave. As alterações crônicas são
colestase e fibrose periportal e centrobulbar. A lesão hepática é causada por fatores
como isquemia ou hipóxia, absorção de endotoxinas e lesão por reperfusão
(MATTHIESEN, 1996).
A obstrução da veia porta diminui a capacidade do sistema retículo-endotelial
hepático de eliminar endotoxinas gram-negativas, que são absorvidas da mucosa
gástrica desvitalizada, causando hipotensão, queda no débito cardíaco e aumento
do seqüestro venoso (BRIGHT, 2007; MATTHIESEN, 1998; PEYCKE, 2002).
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4.5. Fisiopatologia Esplênica
A obstrução de vasos esplênicos e da veia porta provoca congestão esplênica
que poderá provocar esplenomegalia (MATTHIESEN, 1996). Dependendo do grau e
duração da rotação gástrica, poderá ocorrer ruptura de vasos esplênicos que
causarão hemorragia na cavidade abdominal e hipovolemia (DONOHOE, 2007).
Na maioria dos cães, a congestão e o aumento do baço retornam às
dimensões e coloração normais alguns minutos após o reposicionamento, porém se
houver necrose esplênica (FIGURA 5) ou trombose venosa, a esplenectomia deverá
ser realizada antes do reposicionamento, pois o baço poderá liberar fatores ou
mediadores vasoativos comprometendo a circulação sistêmica (BRIGHT, 2004;
MATTHIESEN, 1996).
FIGURA 5 – Área de necrose na extremidade do baço
após dilatação vôlvulo gástrica em que foi necessário a
realização de esplenectomia (Disponível em:
<http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Splenic_necro
sis.JPG> Acesso em 04 set. 2008).
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4.6. Lesão por Reperfusão
A lesão por reperfusão é uma das principais responsáveis pela alta taxa de
mortalidade da SDVG após 96 horas da cirurgia (SILVA et al., 2006).
Durante a isquemia há um aumento na procura e utilização de adenosina
trifosfato (ATP) o que conduz à uma rápida degradação em adenosina difosfato
(ADP), em seguida em adenosina monofosfato (AMP) e finalmente em hipoxantina.
A perda de ATP como fonte de energia deprime bombas ATP-dependentes nas
membranas celulares, provocando acúmulo de cálcio no citoplasma que resulta na
ativação de enzimas proteolíticas (PEYCKE, 2002). Essas enzimas convertem a
xantina desidrogenase em xantina oxidase que, após a reperfusão tecidual, oxida a
hipoxantina gerando radicais hiperóxidos e em seguida radicais hidroxila reativos
(QUADRO 2). Radicais hiperóxidos e radicais hidroxila induzem a peroxidação
lipídica das membranas celulares, destruição de cadeias de DNA, produção de
prostaglandinas resultando em lesão e morte celular (MATTHIESEN, 1996).
QUADRO 2 – Formação de radicais hiperóxidos e radicais hidroxila reativos
pela lesão por reperfusão.
Isquemia ATP ADP AMP Hipoxantina
Xantina desidrogenase enzimas proteolíticas Xantina oxidase oxida Hipoxantina
Radicais hiperóxidos/ radicais hidroxila reativos
Fonte: Adaptação de PEYCKE, 2002.
O acúmulo de neutrófilos nos tecidos reperfusionados também promove
processos inflamatórios e lesão tecidual através de radicais superóxido e íons
hipoclorito por ações de enzimas oxidativas, NADPH oxidase e mieloperoxidase,
respectivamente (MATTHIESEN, 1996; SILVA et al., 2006).
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5. PROFILAXIA
Como as causas da SDVG ainda não são bem esclarecidas, não se podem
adotar medidas específicas para sua prevenção. A educação dos proprietários é
uma importante estratégia para diminuir os riscos quanto aos animais predispostos
(LANTZ, 1996; SILVA et al., 2006).
Algumas medidas podem ser adotadas para evitar o aparecimento desta
síndrome, como oferecer várias pequenas refeições durante o dia, restringir
exercícios pré e pós prandial, evitar estresse durante a alimentação (separar os cães
durante as refeições), não utilizar comedouro elevado (evitar a aerofagia) e não
procriar animais que tenham tido SDVG ou que tenham parentesco de primeiro grau
com histórico desta síndrome (FOSSUM et al, 2005; GERMAN; ZENTEK, 2006;
LANTZ, 1996).
A gastropexia profilática em cães de raças grandes e gigantes é uma medida
eficaz para prevenir o desenvolvimento da SDVG. Entretanto, existem controversas,
pois envolve uma discussão ética, visto que tal procedimento poderia mascarar a
manifestação de uma doença com componente genético em animais utilizados para
reprodução (SILVA et al., 2006).
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6. CONCLUSÃO
A Síndrome Dilatação Vôlvulo Gástrica, apesar de ser uma emergência
clínica e cirúrgica, é importante que as causas de base sejam mais esclarecidas
para que medidas preventivas possam ser aplicadas.
Entretanto, é necessária a colaboração dos proprietários, principalmente de
cães de raças predispostas, em que caso ocorra a SDVG, os animais sejam
atendidos o mais rápido possível por médicos veterinários para diminuir as chances
de um comprometimento vascular gástrico e de órgãos abdominais e assim,
aumentar as chances de sobrevivência.
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REFERÊNCIAS
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BRIGHT, R. M. Gastric Dilatation-Volvulus (GDV). Loveland/USA, 2007. Disponível em: <http://www.ivis.org/proceedings/navc/2007/SAE/476.asp?LA=1>. Acesso em 16 jul. 2008.
BRIGHT, R. M. Gastrici Dilatation-Volvulus: Risk Factors and Some New Minimally Invasive Gastropexy Techniques. Loveland/USA, 2004. Disponível em: <http://www.vin.com/proceedings/Proceedings.plx?CID=WSAVA2004&PID=8763&O=Generic>. Acesso em 16 jul. 2008.
BROCKMAN, D.; WASHABAU, R.J.; DROBATZ, K. Canine gastric dilatation/volvulus syndrome in a veterinary critical care unit: 295 cases (1986 – 1992). Journal of the American Veterinary Medical Association, August 1995, vol 207, n° 4, p. 460-464.
BROOME, C.J.; WALSH, V. P. Gastric dilatation-volvulus in dogs. New Zealand Veterinary Journal, December 2003, vol 51, n° 6, p. 275-283.
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