Post on 15-Oct-2020
SUBSÍDIOS GEOFISIOGRÁFICOS PARA O ENTENDIMENTO DE ÁREAS ÚMIDAS
CONTINENTAIS: BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SANTO ANASTÁCIO, SP1.
Robson Leite Faculdade de Ciência e Tecnologia / UNESP
leiterobson@hotmail.com
Resumo: As áreas úmidas continentais são ecossistemas de transição entre os
ambientes aquáticos e terrestres, apresentando importância fundamental na
configuração sócio-espacial. O objetivo desse artigo é de arrolar alguns subsídios
geofisiográficos para o entendimento das áreas úmidas continentais, especialmente
àquelas encontradas na bacia do rio Santo Anastácio, oeste do Estado de São Paulo.
Após a Convenção de Ramsar (1971) muitos países iniciaram projetos de proteção de
suas áreas úmidas, bem como perceberam que são locais de importância econômica,
cultural e de grande diversidade. Para o entendimento das áreas úmidas continentais
dessa bacia, buscou-se reunir alguns subsídios geológicos, climatológicos,
geomorfológicos, além de apresentar indicadores da dinâmica fluvial e do regime
pluviométrico, numa análise unificada. Entender as áreas úmidas é um grande
desafio, mas que pode conduzir a um melhor planejamento local e regional, pois suas
características fisiográficas abrangem diversos setores e proporciona inúmeras
vantagens a sociedade.
Palavras-chave: áreas úmidas, fatores geofisiográfico, bacia do rio Santo Anastácio.
1 Texto relacionado ao projeto de iniciação científica intitulado “Levantamento, distribuição e
classificação das áreas úmidas na bacia do rio Santo Anastácio, SP”; em andamento (FAPESP, processo
nº 07/06516-8) com orientação dos professores José Tadeu G. Tommaselli e Marcos N. Boin.
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Introdução
Ao se relatar sobre o termo área úmida, inúmeros significados devem ser
delimitados ou limitados: a Floresta Amazônica é úmida (na perspectiva climática e
hidrológica), bem como outras partes da região equatorial na porção sul do globo
terrestre; o município de Ubatuba, litoral paulista, apresenta um dos maiores índices
pluviométricos anuais do Brasil, portanto um local úmido; o Pantanal Sul-mato-
grossense com suas imensas áreas úmidas, apresenta locais alagáveis em quase
toda sua extensão. Estes exemplos de áreas úmidas supostamente escolhidas
possuem especificidades regionais e locais, além disso, as características geológicas,
geomorfológicas, climáticas e vegetacionais influencia cada uma delas.
Localizado entre os paralelos 4º N e 22º S e meridianos 35º w 75º W, o Brasil é
considerado praticamente um continente. Com 8.514.876,599 km2 de área, o país
apresenta aspectos equatoriais, tropicais e subtropicais. Conforme dados oficiais
existem sete biomas distintos, sendo: Amazônia (região Norte e partes do CO);
Caatinga (região NE e trechos isolados); Campos (região Sul); Cerrado (região CO,
SE e trechos isolados); Pantanal (Mato-Grosso do Sul); e, Mata Atlântica (porção
litorânea e trechos no NE, SE e S) (Disponível em http://www.ibge.gov.br). Cada
bioma apresenta um tipo ou inúmeros tipos de áreas úmidas, relacionando-as
diretamente aos fatores geofisiográficos de cada região ou localidade foco de estudo.
Destaca-se que a ação antrópica, principalmente sobre a Mata Atlântica e sobre os
Cerrados, dificulta a identificação e o entendimento desse ecossistema.
A bacia do rio Santo Anastácio, localizada no extremo oeste do estado de São
Paulo (figura 1), insere-se numa região peculiar: domínio vegetacional de Mata
Atlântica com trechos remanescentes de Cerrado e Caatinga (VIADANA, 2002); zona
de transição climática (tropical e subtropical); e, ainda, uma região recortada por
grandes rios (Paraná, Paranapanema). Buscar-se-á apontar alguns subsídios
geofisiográficos para o entendimento das áreas úmidas dessa bacia, bem como
demonstrar breve revisão acerca desse complexo ecossistema de grande importância
sócio-territorial.
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Figura 1 – Localização da área de estudo.
1 Áreas úmidas continentais
Tendo a bacia hidrográfica como recorte espacial de análise, pode-se reunir em
seu espaço um conjunto de outros sistemas relacionais. O rio é, antes de tudo, o
sistema que reflete qualquer mudança que ocorra em qualquer parte da bacia. O rio
deve ser entendido em sua plenitude, mas principalmente como um elemento definidor
sócio-espacial. Quando se fala em área úmida continental, fala-se de locais direta e
indiretamente associados à dinâmica climática e fluvial, seja precipitação, vazão e/ou
contribuição do lençol aqüífero.
A nomenclatura é bastante ampla em relação aos corpos d’água: arroio, riacho,
córrego, rio, lago, lagoa, mar, oceano, o que pode variar segundo a escala e/ou a
região que esteja trabalhando. Para as áreas úmidas isso não é diferente. Diversos
nomes são dados às áreas úmidas: alagado, brejo, pântano, várzea, charco. Tanto as
áreas úmidas como os rios podem ser classificados entre: efêmeros, cujo fluxo de
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água só acontece durante e imediatamente após uma chuva; intermitentes, cursos
d’água que funcionam durante parte do ano, mas tornam-se secos no decorrer da
outra; e, perenes, cursos que drenam água no decorrer do ano todo
(CHRISTOFOLETTI, 1974, p. 52).
Mais especificamente, as áreas úmidas estão vinculadas à planície de
inundação, também denominada de leito maior sazonal, calha alargada ou sistema de
agradação.
A planície de inundação é formada pelas aluviões e por materiais variados depositados no canal fluvial ou fora dele. Na vazante, o escoamento está restrito a parcelas do canal fluvial. Com as cheias, há elevação do nível das águas que inundam as áreas baixas marginais. A corrente fluvial, ao transpor as margens, é freada e abandona parte de sua carga permitindo a edificação do dique marginal. Verifica-se que há, pois, elevação gradual do nível do leito e da planície de inundação, principalmente durante ou após as cheias e enchentes. (CHRISTOFOLETTI, 1974, p.60).
Esse mesmo autor analisou a dinâmica de rios, suas variadas formas e
estruturas, apresentando, assim, subsídios para melhor entender áreas úmidas e suas
funcionalidades. Os tipos de leitos fluviais (vazante, menor, maior sazonal e maior
excepcional) representam o “transbordamento da água do canal fluvial para a planície
de inundação” como um critério para entender as áreas úmidas (palustres,
pantanosas, lacustres, várzea, dentre outras).
Jean Tricart (1966 apud CHRISTOFOLETTI, 1974) apresentou o detalhe de
cada tipo de leito (figura 2):
Figura 2 - Os tipos de leitos fluviais (TRICART, 1966). Org. Robson Leite, 2008.
Conforme Tucci (2004), a “variação do nível ou de vazão de um rio depende
das características climatológicas e físicas da bacia hidrográfica”, lembrando que “o
desmatamento e a urbanização produzem um aumento da freqüência da inundação
nas cheias pequenas e médias, e nas grandes cheias o efeito final é menor”. Outra
característica importante é a própria movimentação dos corpos d’água, expressa
através dos meandros abandonados, principalmente nas grandes planícies de
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agradação. Os rios constroem seus próprios trajetos, respeitando as leis da própria
natureza (climáticos e hidrológicos), resultando em um local (área úmida) de intensa
biodiversidade, tanto em fauna quanto em flora.
A classificação oficial da vegetação de áreas úmidas pelo IBGE (1992) segue
as características fisiográficas de cada região, o que poderia ser acrescido do
conhecimento local (RODRIGUES e LEITÃO Fº, 2004). Por exemplo, dá-se o nome
de Floresta Ombrófila Densa Fluvial à vegetação encontrada às margens de rios.
Conforme Classificação do IBGE (1992, p. 31) a vegetação com influência fluvial é
considera como formação pioneira.
Ao longo do litoral, bem como nas planícies fluviais e mesmo ao redor das depressões aluvionares (pântanos, lagunas e lagoas), ocorrem frequentemente terrenos instáveis cobertos de vegetação, em constante sucessão, de terófitos, criptófitos (geófitos e/ ou hidrófitos), hemicriptófitos, caméfitos e nanofanerófitos. Trata-se de uma vegetação de primeira ocupação de caráter edáfico, que ocupa os terrenos rejuvenescidos pelas seguidas deposições de areias marinhas nas praias e restigas, as aluviões fluviomarinhas nas embocaduras dos rios e os solos ribeirinhos aluviais e lacustres. São essas as formações que se consideram como pertencendo ao ‘complexo vegetacional edáfico de primeira ocupação’ (formações pioneiras).
Como a bacia em estudo localiza-se cravada totalmente em terras
continentais, a vegetação é fundamentalmente de influência fluvial (comunidades
aluviais), tratando-se de
[...] comunidades vegetais das planícies aluviais que refletem os efeitos das cheias dos rios nas épocas chuvosas ou, então, das depressões alagáveis todos os anos. Nestes terrenos aluvionares, conforme a quantidade de água empoçada e ainda o tempo que ela permanece na área, as comunidades vegetais vão desde a pantanosa criptofítica (hidrófitos) até terraços alagáveis temporariamente dos terófitos, geófitos e caméfitos [...].
Essa nomenclatura vegetacional tanto no Brasil quanto em outros países, não
possui uma padronização destinada às áreas úmidas continentais.
Observa-se que a idéia de que ás áreas úmidas são locais insalubres, inúteis à
morada, sujeito a inundação ou, ainda, abrigo de vetores patogênicos, está bastante
consolidada na sociedade. Todas essas características são inerentes às áreas úmidas
e devem ser salientadas e conduzidas para melhor entendimento de seu dinamismo à
luz dos outros fatores importantes, tais como: base geológica, suporte ecológico,
recursos naturais, econômicos e culturais.
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Em 1971, na cidade iraniana de Râmsar, ocorreu uma convenção sobre as
áreas úmidas mundiais e sua importância na vida de aves migratórias. De acordo com
artigo primeiro da Convenção de Ramsar (1971),
[ ] as zonas úmidas (wetlands) são áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água marítima de até seis metros na alta maré. (SMA-SP, 1997, p. 12).
Além disso, essas áreas são reconhecidas como recursos econômicos, culturais,
científicos e recreativos (SMA-SP op. cit).
Em geral as áreas úmidas estão localizadas em zona de transição entre o
ambiente terrestre e o aquático (ecótono), concentrando grande variedade biológica.
As áreas úmidas continentais têm como seus principais componentes a água e a
vegetação. São áreas com saturação hídrica temporária ou permanente encontradas
tanto ao longo das margens da rede de drenagem e em pontos mais elevados da
encosta, exercendo importante função do ponto de vista hidrológico, ecológico e
geomorfológico (ZAKIA et al. apud ATTANASIO et. al. 2006) (figura 3).
Figura 3 – Esboço de uma área úmida; exemplo de área sem alterações.
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Países como Canadá, Austrália e Estados Unidos nomeiam muita de suas
áreas úmidas de “sistema wetland natural” que, numa tradução direta do inglês
significa “terra úmida” (wet = molhado, úmido; land = terra, terreno). Utilizam esse
sistema para tratamento de esgoto (PHILIPPI, 2004). Segundo Philippi (op. cit.)
Embora as áreas alagadas ocupem somente cerca de 2% da área total do globo terrestre, estima-se, segundo Armentano (1980) apud Odum (1983), que estes contêm de 10 a 14% do carbono total do planeta. A estratificação aeróbia/ anaeróbia dos sedimentos destes ambientes possui grande relevância em relação ao desempenho de ciclagem dos compostos como enxofre – S, o nitrogênio – N e o fósforo – P, bem como o carbono – C.
Além desse suporte ecológico e reciclagem natural, as áreas úmidas
continentais devem ser estudadas à luz dos fatores que condicionam a dinâmica
fluvial: base geológica, compartimentação geomorfológica, tipo de solo, índices
pluviométricos e variedade biológica (fauna e flora). As áreas úmidas fazem parte do
leito fluvial, ou seja, inserem-se na planície de inundação, entre as vertentes opostas
e, também sobre terraços.
Ao longo dos anos, pôde-se observar que as áreas úmidas e sua proteção
vegetacional foram devastadas o que afetou todo o equilíbrio energético desse
ecossistema. A vegetação de várzea foi substituída por plantações exóticas
destinadas à agricultura e/ou pastagens, além da expansão de cidades sem um
planejamento sustentável ou alocação populacional mais justa, de adequação a
natureza.
Trabalho recente, em São Luis do Paraitinga, interior de São Paulo,
demonstrou a relação da redução dos ambientes naturais com a diminuição do
número de anfíbios que se reproduzem em áreas úmidas na Mata Atlântica e outros
biomas. “Os autores desse trabalho chamaram esse fenômeno de desconexão de
hábitat” (ZORZETTO e GUIMARÃES, 2008) e enfatizaram a “recuperação das matas
ciliares” e a “criação de corredores de florestas reconectando os ambientes terrestres
e aquáticos”.
Faz-se necessário elaborar mapas temáticos que auxiliem na localização e
identificação das áreas úmidas, no intuito de direcionar presentes e futuros trabalhos
voltados ao planejamento sócio-territorial.
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2 Local de estudo: subsídios geofisiográficos
Como dito, as áreas úmidas continentais localizam-se em ambientes
transitórios: ora encontrados nas planícies fluviais atuais, com predomínio de
características aquáticas (inundação, várzea, pântano); ora em locais isolados da
planície, com feições lacustres sobre terraços (lagos, lençóis suspensos). Embora a
localização desses ambientes possa variar conforme a região, as áreas úmidas
continentais estão vinculadas ao regime pluviométrico e as características geológicas
e geomorfológicas.
A paisagem no estado de São Paulo se modifica ao longo do seu território.
Num recorte de leste a oeste, respectivamente da porção litorânea até o rio Paraná,
pode-se observar mudanças significativas no relevo, clima e vegetação. No caso
específico da bacia do rio Santo Anastácio, buscou-se reunir alguns dados
fisiográficos para melhor entendimento das áreas úmidas até agora identificadas.
2.1 Base geológica da bacia
A bacia do rio Santo Anastácio está localizada no Planalto Ocidental Paulista.
Esta porção do estado de São Paulo (cerca de 50% do território) é uma província
geológica arenítica, parte integrante da bacia sedimentar do Paraná, correspondente
ao Grupo Bauru.
O Grupo Bauru no estado de São Paulo data do período Cretáceo Superior e
possui distintas formações. Segundo Almeida et al (1980 apud STEIN, 1999) a
Formação Caiuá, Formação Santo Anastácio, Formação Adamantina e Formação
Marília compõem o Grupo Bauru.
Fernandes & Coimbra (1996 apud STEIN, op. cit.) propuseram dividir o Grupo
Bauru em dois grupos cronocorrelatos: Grupo Caiuá (Formação Goio Erê, Rio Paraná
e Santo Anastácio) e Grupo Bauru (Formação Adamantina, Uberaba, Marília e os
Analcimitos Taiúva).
A área da bacia do rio Santo Anastácio apresenta as formações Caiuá, Santo
Anastácio e Adamantina (figura 4), conforme a proposta de Almeida et al (1980) e do
IPT (1994).
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Figura 4 – Esboço litológico da área de estudo.
Segundo mapa geológico do IPT (1994) essas formações possuem as
seguintes características:
1) Formação Adamantina (Ka)
KaV - Arenitos finos a muito finos, dispostos em bancos alternados, com
intercalações freqüentes de camadas lenticulares de siltito e subordinadas de argilitos,
quartzosos, bem selecionados, com cimento e nódulos carbonáticos comumente,
matriz argilosa, maciças ou com estratificação plano-paralela, freqüentes estruturas
hidrodinâmicas de cor bege a cinza.
Ka IV - Mesmos litotipos da unidade anterior, porém em bancos mais espessos,
com menor freqüência de cimento carbonático e estruturas hidrodinâmicas, com maior
destaque para bancos areníticos maciços,róseo a cinza.
Ka I - Arenitos finos a muito finos, siltitos arenosos, arenitos e argilitos e, mais
na base da unidade, arenitos finos a médios, dispostos em bancos e camadas
alternadas, quartzosos, frequentemente com feldspatos e cimento carbonático, matriz
siltosa e argilosa, seleção boa a regular, maciços ou com estratificação plano-paralela
e subordinadas estratificações cruzadas internas de cores rosa, cinza e marrom.
2) Formação Santo Anastácio (Ksa)
Arenitos finos com porcentagem variada de grãos médios, subarcoseanos,
maciços, seleção regular a ruim, dispostos plano-paralelamente em bancos espessos,
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ocasionais estratificações cruzadas tênue e de grande porte. Presença freqüente de
orifícios de dissolução de nódulos carbonáticos e coloração vermelha e roxo
características.
3) Formação Caiuá (Kc)
Arenitos médios a finos, quartzosos e com feldspatos em quantidades variadas,
com típicas estratificações cruzadas de grande porte. Estratos conformados por
delgadas lâminas de granulação fina a média intercalados, originando seleção ruim.
São cimentados por argilas a hidróxidos de ferro, estes envolvendo os grãos e
conferindo coloração arroxeada característica.
De maneira geral estas especificidades são importantes na formação,
localização e identificação das áreas úmidas. A formação Adamantina apresenta
intercalação entre bancos de arenito e lamitos, menos permeáveis; as formações
Caiuá e Santo Anastácio têm boa porosidade e maior permeabilidade.
A característica de cada rocha está associada às condições climáticas do
período de sua formação (paleoclimas), e o Grupo Bauru, resumidamente, também
pode ser entendido a partir de sua evolução de ambiente árido para ambiente fluvial e
flúvio-lacustre. O grupo Bauru, também conhecido como arenito Bauru, tem como uma
de suas características originar solos frágeis, susceptíveis à erosão quando expostos
diretamente a chuva. Um dos problemas referente a isso é o assoreamento da rede de
drenagem da bacia do rio Santo Anastácio.
2.2 Base climática da bacia
A partir da caracterização climática da região pode-se versar sobre os aspectos
do relevo e da hidrografia com mais detalhe. O morfodinâmica fluvial na bacia do rio
Santo Anastácio está associado aos índices gerais de pluviosidade, de temperatura
(entende-se insolação e evapotranspiração) e ao tipo de cobertura do solo (ocupação
e uso). Nesse trabalho buscou-se fazer apenas um esboço geral das características
do clima regional, utilizando como base teórica o trabalho de Boin (2000), o qual
apresentou uma classificação climática, de base genética, para todo o Oeste Paulista.
Segundo Monteiro (1976), o Planalto Ocidental Paulista do oeste está sob o
controle de massas equatoriais e tropicais; enquanto o Planalto Ocidental Paulista do
sudoeste é controlado por massas tropicais e polares. A porção regional do oeste
apresenta “climas tropicais alternadamente secos e úmidos” e a porção regional do
sudoeste apresenta “climas úmidos da face oriental e sub-tropical e sub-tropical dos
continentes dominados por massa (mT)” (MONTEIRO, 1973 apud BOIN, 2000, p. 24).
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A região situa-se numa área de transição em que o clima é influenciado pelos
sistemas tropicais e extra-tropicais.
Delimitando apenas o Oeste Paulista, Boin (2000) detalhou e ampliou a
classificação realizada por Monteiro (1973; 1976), através das “tendências habituais e
extremas dos índices de participação das províncias correntes da circulação no oeste
paulista obtidos nos ‘anos-padrão’, bem como as superfícies de tendência e dos
resíduos destas superfícies e dos atributos pluviais da área [...]” (BOIN op. cit., p. 202).
Boin (op. cit.) utilizou a letra A (ao norte da faixa de transição climática) e a
letra B (ao sul da faixa de transição climática) para diferenciar os climas regionais; o
sistema atmosférico foi indicado por algarismos romanos (I, II, III e IV); fez-se uso das
letras a (alta), m (média) e b (baixa) para indicar altimetria. “[ ] as altitudes não
apresentam grandes diferenças; o limite que separa a área onde chuvas de primavera
costumam superar as de verão (letra grega β), da área em que as chuvas de
primavera costumam se igualar às de verão (letra grega α)” (BOIN op. cit., p. 202).
Figura 4 - Classificação climática (BOIN, 2000) na região de estudo.
A bacia do rio Santo Anastácio está ao sul da zona de transição climática
(figura 4) e sua área total apresenta duas unidades climáticas da região: BIVmα,
denominada Presidente Prudente; e BIVmβ, denominada Pontal (tabela 1). Boin
(2000) propôs essa classificação definindo novas unidades climáticas para a região
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relacionando o impacto pluvial com a suscetibilidade erosiva dos solos e delimitando
áreas de risco à erosão.
Tabela 1: Características gerais da classificação do clima regional (BOIN, 2000).
BIVmα α α α (Presidente Prudente) BIVmβ β β β (Pontal)Relevo semelhante semelhante
Chuvas equilíbrio: verão-primavera primavera supera verão
Gênese chuvas frontal polar continental
Índice 1200-1300 mm/ ano 1200-1300 mm/ ano
Chuva/dia 80 a 100 dias/ ano 80 a 100 dias/ ano
Densidade média (24 h/ dia/ ano) média-maior (24 h/ dia/ ano)
Impacto pluvial medialmente forte forte Fonte: BOIN, M. N. (2000). Org. Robson Leite, 2008.
O clima da região pode ser classificado como tropical úmido, com temperaturas
médias mensais, durante todo o ano, superiores a 18ºC. A precipitação possui um
regime característico com período seco na época fria e período chuvoso na época
quente, tendo média anual pluviométrica em torno dos 1.270 mm.
A sazonalidade das chuvas apresenta um período chuvoso (primavera-verão),
com índice pluviométrico em torno dos 900 mm; altas temperaturas, com médias
mensais que variam entre 24º e 26ºC e com umidade relativa em torno dos 70%. No
período seco (outono-inverno) há uma diminuição significativa da precipitação, com
índice pluviométrico em torno dos 360 mm; a temperatura com médias de 19º a 22ºC e
da umidade relativa do ar em torno de 60%.
2.3 Base geomorfológica da bacia
O revelo levemente ondulado, com predomínio de colinas e morrotes
caracterizam o Planalto Ocidental Paulista, onde ainda se destacam os planaltos
residuais de Marília, Monte Alto e Catanduva (IPT, 1981). O extenso planalto recobre
50% do território paulista, limita-se a leste, na região das Cuestas na borda da
Depressão Periférica; e a oeste, na calha do rio Paraná.
A bacia do rio Santo Anastácio faz parte desse planalto, província arenítica,
centro da bacia sedimentar do Paraná, abrangendo as formações Caiuá, Santo
Anastácio e Adamantina, do Grupo Bauru.
O Oeste do estado de São Paulo apresenta diferença altimétrica no sentido
leste-oeste, que varia entre 600 metros (Cuesta de Botucatu) a 250-240 metros
(margens do rio Paraná), inclinação decorrente da “componente regional em sua
gênese” provocada por processos de “aplainamento ou de erosão” (IPT op. cit.). Essa
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inclinação estabeleceu a drenagem de rios conseqüentes, como o rio Grande, o Tietê,
o Feio, o Peixe, o Santo Anastácio e o rio Paranapanema, que deságuam no rio
Paraná.
O sistema de relevo deve acompanhar uma “classificação baseada em
topografia, solos e vegetação, correlacionados com geologia, geomorfologia e clima”
(STEWART & PERRY, 1953 apud IPT op. cit.) e que, somando-se a ação antrópica,
deve demonstrar as atuais feições do relevo. A área de estudo apresenta planícies
aluviais e terraços fluviais que ocorrem “junto às calhas dos principais rios” e que parte
desses sistemas “encontra-se submersa em reservatórios de barragens”.
Divide-se a litologia entre aluviões antigos (cascalheiras, sem solo
desenvolvido) e aluviões recentes (argilas, matéria orgânica e solo pouco
desenvolvido). E a movimentação de materiais ocorre através de assoreamento
pronunciado em rios de menor porte (IPT op. cit.).
Os divisores d’água que circundam a bacia ao norte, leste e sul com altitudes
em torno de 50 metros, apresentam vertentes com declividades inferiores a 8%.
Alguns fundos de vales são perceptíveis terraços e planícies de inundação. No interior
da bacia as vertentes são curtas, entre 100 e 250 metros, com declividade de 8 a 20%.
Ao longo do fundo de vale, com altitudes de 280 a 360 metros e com declives
inferiores a 3%, encontram-se os terraços e planícies secas degradadas que se
articulam com terraços de várzeas. “O relevo da bacia tem altitudes que variam entre
515 metros (na cabeceira) e 250 metros (na foz), apresentando um desnível de 265
metros, numa extensão de, aproximadamente, 155 quilômetros” (CARVALHO et al,
1997).
Em concordância com o Mapa de Solos do estado de São Paulo, o tipo de solo
predominantemente encontrado na região, descrito por Oliveira (1999), é caracterizado
por latossolo vermelho e argissolo vermelho-amarelo; e como não possuidor de textura
argilosa; em áreas deprimidas de várzea ocorrem solos aluviais e hidromórficos.
3 Considerações finais
Buscaram-se nesse trabalho alguns subsídios que melhor sustente o
entendimento das áreas úmidas continentais. Nesse sentido, o primeiro passo para
isso é associar os eventos climáticos (grifa-se pluviosidade), a dinâmica fluvial, os
fatores geológicos, geomorfológicos, hidrológicos, vegetacionais e o uso e ocupação
desse espaço. Observa-se também que a bacia em foco apresenta inúmeros
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problemas (não apontados aqui nesse artigo) e que faz parte de uma região com
características fisiográficas particulares.
A ocupação histórica das margens de mares, rios ou lagoas vincula-se ao
processo de desenvolvimento técnico do próprio homem. No entanto, ao longo dos
anos, o homem institui sobre os rios novas ações, dando-lhes outras funcionalidades e
formas, tais como hidrelétricas, desvios, encanamentos, despejo de esgoto e lixo e até
supressão de seus leitos.
O Brasil possui a maior bacia hidrográfica do mundo e inúmeros biomas. A
bacia do rio Santo Anastácio fica próxima a grandes rios interestaduais, além de estar
localizada numa região “intercâmbio” de três estados (Mato Grosso do Sul, Paraná e
São Paulo) e três macrorregiões (centro-oeste, sudeste e sul). As cidades do oeste
paulista fazem parte de um crescente urbano, o que de maneira geral influencia
diretamente nas condições físicas da bacia.
Os subsídios geofisiográficos aqui apresentados (leia-se geologia, clima e
dinâmica fluvial) são pré-requisitos para análise de áreas úmidas continentais. Sabe-
se que são necessários inúmeros outros fatores geofisiográficos juntamente com
dados de gabinete e de campo para complementação desse estudo, tais como estudo
da rede de drenagem, índices pluviométricos, cartas de relevo, dentre outros. Por
exemplo, com um conjunto de dados fisiográficos sobrepostos e relacionados pode-se
apontar tanto a gênese das áreas úmidas continentais, bem com localizar, identificar e
classificar esse ecossistema de transição.
As áreas úmidas continentais, portanto, devem ser estudadas na perspectiva
do planejamento sócio-territorial, pois, como visto, são áreas com inúmeras
características fisiográficas, que abarcam fatores importantes para a sociedade e seu
bem estar.
REFERÊNCIAS
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CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 1974.
15
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REFERÊNCIAS DA INTERNET
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