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O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NA ERA DA
PRECAUÇÃO AMBIENTAL
FÁBIO GUEDES DE PAULA MACHADO E ROBERTA
CATARINA GIACOMO∗
SUMÁRIO: Resumo – Abstract – Introdução – 1. A destruição do meio ambiente versus
desenvolvimento econômico – 2. Noções de Direito Ambiental – 3. Evolução da luta em prol do
meio ambiente – 4. O Direito como instrumento da política de proteção ao meio ambiente – 5.
Princípios do Direito Ambiental – 5.1. Princípio do Direito Humano – 5.2. Princípio do
Desenvolvimento Sustentável – 5.3. Princípio do Poluidor-Pagador – 5.4. Princípio da Precaução
– 5.5. Princípio da prevenção – 6. Conclusão – Bibliografia.
Resumo
O presente trabalho insere-se na discussão acerca da importância da tutela jurídica do meio
ambiente, por meio da análise da sua destruição provocada pelo desenvolvimento econômico.
Desenvolve-se a análise do surgimento do Direito Ambiental, enquanto disciplina autônoma
para que seja possível a real proteção ao meio ambiente. Assim, verifica-se a existência de
princípios ambientais que permeiam a tutela de um caráter específico voltado à precaução e
prevenção do ilícito ambiental.
Palavras-chave: bem jurídico; meio ambiente; direito penal e sociedade do risco.
Abstract
This work is in discussion about the importance of the legal protection of the environment,
through the analysis of the environmental destruction caused by economic development. It
develops the analysis of the emergence of environmental law as an autonomous discipline in
order to allow a real protection to the environment. Thus, there is the existence of
∗ Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP); Pós-graduado em Direito Penal – parte geral – pela Universidad de Salamanca. Ex-investigador científico no Max-Planck Institut für ausländisches und International Strafrecht. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Programa de Mestrado da Universidade de Itaúna. Promotor de Justiça do Cidadão de Uberlândia. Roberta Catarina Giacomo é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia e Advogada.
2
environmental principles that permeate the care of a specific character again precaution and
prevention of illicit environment.
Keywords: legal asset, environment, claw and risk society
Introdução
O presente trabalho tem como foco o estudo do meio ambiente e a constatação da
importância de sua tutela jurídica, em se considerando que a degradação do patrimônio
ambiental por meio da atuação humana em razão do desenvolvimento econômico trouxe
diversos prejuízos à qualidade de vida e impôs sério comprometimento com relação às
perspectivas de vida das gerações presentes e futuras.
Para tanto, necessário se faz o estudo multidisciplinar da questão ambiental, já que
a problemática é demasiadamente complexa e envolve, necessariamente, questões atinentes ao
Direito Civil, Administrativo e Penal, bem como a constatação do “Direito do Meio
Ambiente” como disciplina autônoma, com princípios próprios que possa resultar na tutela
específica do ambiente, e voltada a orientação preventiva do ilícito.
1. A destruição do meio ambiente versus desenvolvimento econômico
É da análise da história da espécie humana no planeta Terra que nos deparamos
como este foi modificado pelos homens em um curto prazo. Patrimônios formados lentamente
no decorrer dos tempos geológicos e biológicos, cujos processos não voltarão mais, são
dilapidados a cada dia.
Este é o enredo atual da vida na Terra. Assim, é que a cada dia deparamo-nos com
inúmeros e variados problemas ambientais à nossa volta e neste momento nos são
apresentados como trágico acontecimento em âmbitos nacionais e internacionais.
Internamente, o que se vê é o “agravamento dos problemas ambientais brasileiros,
particularmente com todos os tipos de poluição, quer seja, das águas, do ar, sonora, dos solos
urbanos, periféricos e rurais, dos alimentos e bebidas em geral, por agrotóxicos, por lixos, por
3
destruição de áreas verdes, por degradação das paisagens e dos valores culturais em geral, e
numa linguagem clássica, por atos contrários à moral e aos bons costumes1”.
Torna-se patente a flagrante delinqüência contra o patrimônio ambiental, com
efeitos iminentemente danosos contra os valores do patrimônio humano e as condições de
saúde pública.2
Apesar deste cenário, crescente é a fala da política anti-ambiental, esta que visa o
desenvolvimento econômico sob a orientação de entidades nacionais e multinacionais, com a
criminosa conivência de certos segmentos político-econômicos, administradores,
profissionais, técnicos ou funcionários inescrupulosos, o que vem contribuindo para o
empobrecimento do meio ambiente e a galopante degradação da qualidade ambiental. Isso
para não esquecer o que se passa nos bastidores, nas ações ocultas e no jogo de interesses que
não vêm à cena.
No âmbito internacional, incalculáveis são os danos ao meio ambiente e aos seres
humanos, com preocupantes advertências e denúncias da Organização das Nações Unidas e da
comunidade científica mundial sobre os elevados níveis perigosos da poluição no ar, nas
águas, na terra, nos seres vivos em geral; sobre a destruição e esgotamento de recursos
insubstituíveis.
Os problemas ambientais globais colocam em risco a sobrevivência no planeta
Terra, e constituem inegáveis desafios às inteligências mundiais. Dentre eles encontramos a
poluição transfronteira do ar, causadora de danosos efeitos e alterações climáticas, somando-
se o já clássico discurso da destruição da camada de ozônio, do efeito estufa, de chuvas
ácidas, de riscos contra a biodiversidade; a poluição transfronteira das águas, causadora de
iminentes riscos à vida marinha e a vida em geral; a poluição transfronteira dos solos,
subsolos e lençóis freáticos por todos os tipos de poluição ambiental, incrementada por
atividades perigosas, advindas de resíduos, agrotóxicos, desmatamentos, cultivos excessivos
dos solos.
Noutro âmbito, a degradação vertiginosa das cidades, notadamente em países em
desenvolvimento, causados pela explosão demográfica, pelo êxodo rural para os centros
urbanos, pela falta de planejamento e de saneamento básico, pela urbanização desordenada e
irracional, pelas excessivas concentrações populacionais, com o aumento de todos os tipos de
1 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito ambiental e questões jurídicas relevantes. Campinas : Millenium Editora,
2005, p. 3. 2 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito ambiental e questões jurídicas relevantes, p. 3.
4
poluição e mazelas sociais. Tudo em iminente perigo para a vida e a saúde de todas as pessoas
integrantes da sociedade universal3.
Todo o exposto decorre de um fenômeno correntio segundo o qual os homens,
para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas, disputam os bens
da natureza, por definição limitados. É este o fenômeno, tão simples quanto importante, que
está na raiz de grande parte dos conflitos que se estabelecem no seio da comunidade.4
Assim, é que o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, às
custas dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em
ritmo e escala até ontem desconhecidos.
Houve até declaração de especialistas de que, do ponto de vista ambiental, o
planeta chegou quase ao ponto de não retorno. Para outros, as conseqüências dos danos até
aqui provocados, se suspensos, se estenderiam por 100 (cem) anos mais.
Não restam dúvidas de que a questão ambiental se mostra como de vida ou morte,
não apenas de animais e plantas, mas do próprio homem e do planeta que o abriga.
2. Noções de Direito Ambiental.
Muitas têm sido as tentativas formuladas no sentido de se oferecer uma noção ou
definição satisfatória do que vem a ser meio ambiente. Porém, todas as definições convergem
para a relação deste com a vida, configurando-se como um conjunto de elementos
interrelacionados entre si, que possibilitam a existência da vida em geral, em particular, pela
perspectiva sobre o futuro da espécie5.
A definição esculpida na legislação pátria do meio ambiente é trazida pela Lei n.
6.938/1981, que dispõe, em seu art. 3.°, inciso I, o que se deve entender como meio ambiente:
“o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga
e rege a vida em todas as suas formas6”.
3 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental. As dimensões do dano ambiental no
direito brasileiro. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2004, p. 25. 4 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 5.a ed. São Paulo : RT, 2007, p. 38. 5 LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, Direito
ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2002, p. 60.
6 BRASIL, Lei 6.938, publicada no Diário Oficial da União em 02 de setembro de 1981.
5
Assim, doutrinariamente, também se entende que meio ambiente é, “em sentido
estrito, a expressão de todo o patrimônio natural e as relações com e entre os seres vivos.”7
Salienta-se que não coube ao Direito, com exclusividade, a primazia do estudo do
meio ambiente, não obstante ser sua responsabilidade pela elevação deste à categoria dos bens
jurídicos tutelados pelo ordenamento penal. Atualmente, fala-se numa visão holística do meio
ambiente, querendo significar o caráter abrangente e multidisciplinar que a problemática
ambiental necessariamente requer.
Convém mencionar na doutrina, o caráter antropocêntrico ou ecocêntrico da
proteção ao meio ambiente. Aqueles que defendem que a proteção ambiental tem
eminentemente o caráter antropocêntrico, justificam que o meio ambiente natural é do homem
e para o homem. Desse modo, a natureza é utilizada para melhorar e proteger a qualidade de
vida da espécie humana na Terra.
É importante salientar que, o que se visualizou até o momento foi o
antropocentrismo exagerado, que fundamentou toda a devastação do meio ambiente até aqui,
na medida em que o homem utilizou o meio ambiente de modo violento, sempre em busca do
enriquecimento econômico e desenvolvimento tecnológico, sob a justificativa da melhora na
qualidade de vida, fato que levou a espécie humana à terrível exposição das graves
conseqüências que a degradação ambiental ocasiona para a vida, conforme exposto alhures.
A noção ecocêntrica defende a idéia de que a proteção do meio ambiente deve ser
feita em razão do meio ambiente em si mesmo.
Não se exclui a idéia de que o meio ambiente proporciona a qualidade de vida
essencial para a existência da espécie humana na Terra, e que é o conteúdo de um direito e de
um dever de todos os seres vivos a sua manutenção, porém, não se visualiza apenas esta
hipótese.
Não se pode admitir a hipótese egoísta da tese antropocêntrica da defesa do meio
ambiente, porque as bases de nossa sociedade capitalista, consumista e individualista não
permitirão a defesa do meio ambiente que se faz necessária.
Atualmente, no sistema jurídico brasileiro adota-se a teoria do antropocentrismo
alargado, impondo-se uma verdadeira comunhão e solidariedade de interesses entre o homem
e a natureza como condição imprescindível a assegurar o futuro de ambos. Protege-se o meio
ambiente no que concerne à capacidade de aproveitamento deste para o uso do homem, mas
7 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 38.
6
também no que diz respeito ao bem ambiental, autonomamente, para manter o equilíbrio
ecológico e sua capacidade funcional.8
A extensão do conteúdo da proteção da vida, não apenas humana, como
fundamento de constituição de novos direitos, torna-se viável a partir do momento em que
reconhecemos que a vida humana que se protege no texto constitucional não é apenas a vida
atual, mas, simultaneamente, a potencial, como a própria vida que se protege não pode ser
somente a humana, que estaria inserida no conjunto global de interesses e direitos das futuras
gerações.
3. Evolução da luta em prol do meio ambiente
As questões da poluição ambiental e dos danos dela decorrentes, já previstas em
normas dos diferentes sistemas jurídicos nos âmbitos dos Direitos Internacional, Comunitário,
Comparado e Nacional, alcança, notadamente nos últimos quarenta anos, importância cada
vez mais crescente e preocupante em todos os setores da vida em sociedade9, isto porque se
referem tanto à realidade sócio-econômica, científico-tecnológica, quanto às políticas
ambiental, sanitária, educacional e cultural.
Tais fatos, já notórios, vêm sendo inequívoca e alarmantemente agravados em face
da ampliação dos fenômenos típicos do caótico desenvolvimento, com persistente e
progressiva degradação ambiental, o que coloca, mais do que nunca nos dias de hoje, em
iminente perigo os valores ambientais, culturais ou existenciais, com reflexos gradualmente
danosos contra os valores humanos, tanto nacionais como internacionais.
Os movimentos ecológicos do final do século XX, são de grande importância para
a percepção da luta pela proteção ambiental. A visão catastrófica da realidade ambiental levou
às novas exigências que os grupos ecológicos fizeram para a proteção do meio ambiente, as
quais foram respondidas em parte pelo Estado Social, mas de uma forma que não abarca a
complexidade do problema10.
8 LEITE, José Rubens Morato; e AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 57. 9 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito ambiental e questões jurídicas relevantes, p. 2. 10 MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (In)eficiência do direito penal moderno para a tutela do meio
ambiente na sociedade do risco. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 34.
7
A importância do surgimento dos movimentos ecológicos foi de trazer uma
identidade a ele, em contrapartida ao individualismo fechado em si mesmo, plantado no
Estado Contemporâneo.
Assim, apesar de antigo o fenômeno da agressão ao meio ambiente, havendo de se
destacar como marco disto a revolução industrial, o mesmo vinha sendo tolerado como algo
ainda não tão preocupante, porém necessário ao desenvolvimento econômico etc. Somente
após a Segunda Guerra é que se criou a consciência social sobre a questão11.
Os desastres ecológicos de repercussão internacional proporcionaram o surgimento
de debates acerca do reconhecimento do direito do homem a um meio ambiente sadio.
Diversas declarações consagraram-se em nível internacional. Destas, a pioneira como
impulsionadora do movimento normatizador sobre a questão ecológica, foi a Convenção de
Estocolmo.
A conferência das Nações Unidas para o meio ambiente, realizada em Estocolmo,
em junho de 1972, deu origem à Declaração sobre o Meio Ambiente com 26 princípios
basilares e fez nascer o que se convencionou chamar de “espírito de Estocolmo”.
A Declaração de Estocolmo, equivalente a um tratado ou convenção, foi o
primeiro grande passo dado, em nível internacional, para a tutela jurídica do meio ambiente,
tendo a mesma importância que a Declaração dos Direitos do Homem12.
A partir dessa declaração, passa a haver aceitação dos princípios pelas nações em
geral, iniciando-se constante evolução sobre a questão ambiental, mediante a assinatura de
acordos, protocolos, bem como convenções para a proteção internacional do meio ambiente13.
Neste contexto, surge no ordenamento jurídico brasileiro a Lei n° 6.938, de 31 de
agosto de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente14. Essa Lei foi o primeiro
diploma legal a tratar das questões ambientais de maneira mais sistemática, já que, até esse
momento, a legislação existente era tímida e não sistematizava o âmbito de proteção.
11 AMARAL, Cláudio do Prado. Particularidades dos crimes ambientais. São Paulo :Revista da Escola Paulista
da Magistratura, ano 5, n.° 1, jan/jun-2004, p. 83. 12 LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política ambiental- busca de efetividade de seus instrumentos. São Paulo:
RT, 2002, p. 71. 13 LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política ambiental- busca de efetividade de seus instrumentos, p. 71.
14 BRASIL, Lei 6.938, publicada no Diário Oficial da União em 02 de setembro de 1981.
8
Também a Lei de Ação Civil Pública, Lei 7.347/8515, mostrou-se como
instrumento eficaz de proteção ambiental no Brasil, promovendo o Ministério Público
brasileiro como seu principal autor.
Essas duas Leis trouxeram como contributos fundamentais para o desenvolvimento
do Direito do Ambiente, a consolidação de um conceito jurídico autônomo e integral de
ambiente, que pudesse ser capaz de contemplar sua dimensão coletiva, ultrapassando a já
insuficiente leitura restritiva de sua dimensão individual, além de permitirem que se traçassem
objetivos para a execução de um complexo programa institucional de proteção do meio
ambiente. E, principalmente, definiram novos contornos para a responsabilização/dever em
face do novo conteúdo jurídico do valor meio ambiente, pautada na descentralização
democrática do dever de proteção e garantia, distribuída difusamente entre os titulares dos
interesses comunitários na sociedade16.
A Constituição Federal de 1988, trouxe o fundamento da proteção ambiental
nacional, tendo recepcionado a Lei 6.938/81. Esculpiu, em seu artigo 225, os princípios gerais
em relação ao meio ambiente. E, em seu § 3°, estabeleceu que as condutas e atividades lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, às sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano causado.
Assim, vejamos o que dispõe a Constituição Federal brasileira:
“Art. 225, Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §3°: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."
Não resta dúvida de que, no sentido além da visão da realidade nacional, o
legislador constituinte acolheu, entre as fontes formais, a experiência constitucional dos países
europeus durante os anos 70.
Neste sentido, têm-se as cartas políticas da Iugoslávia (1974), Grécia (1975),
Polônia (emenda de 1976), Portugal (1976), Rússia (1977) e Espanha (1978), entre outras, que
expressaram claramente as inquietações de um novo tempo e procuraram responder os
clamores universais contra o que se convencionou chamar de ecocídio, isto é, a morte ou
15 BRASIL, Lei 7.347, publicada no Diário Oficial da União em 25 de julho de 1985. 16 LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 120.
9
destruição de todo um fenômeno natural de ressonância projetado pelas relações entre o meio
ambiente e os seres vivos17.
Nesta esteira, o encontro seguinte de âmbito mundial de relevo ambiental, ocorreu
no Brasil no ano de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, e ficou conhecido como a ECO-92.
Dentre vários temas, discutiu-se o problema do equilíbrio entre o meio ambiente e o
desenvolvimento, além de outros aspectos relativos às questões ambientais.
Elaborou-se a agenda 2118, considerada a mais consistente proposta para assegurar
o desenvolvimento sustentável. Trata-se de um planejamento do futuro, com ações de curto,
médio e longo prazos. Expõe um roteiro de ações concretas, com metas recursos e
responsabilidades definidas, o que somente poderá ser alcançado através de um processo
participativo e consensual.
O objetivo fundamental da agenda 21, é assegurar o desenvolvimento sustentável,
que se traduz num modelo de desenvolvimento que satisfaça as necessidades presentes, sem
prejuízo da qualidade de vida.
Tardiamente, em que pese a existência de leis penais anteriores, surge no Brasil em
1998, a Lei n° 9.60519, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, que dispõe não apenas
sobre as sanções penais, mas também as administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, inserindo-se na sustentação normativa do tutela do meio ambiente.
Ressalta-se que o surgimento das leis ambientais é de extrema importância para a
preservação ambiental, mas precisa haver, conjuntamente, uma mudança de postura no modo
de desenvolvimento das sociedades. O desenvolvimento precisa atender as reais necessidades
das presentes gerações, sem comprometer as gerações futuras.
4. O Direito como instrumento da política de proteção ao meio ambiente
Na medida em que se necessita do desenvolvimento para se satisfazerem as
necessidades humanas, exige-se a preservação ambiental, de forma que se delineia a política
em que o Estado busca assegurar a existência da sociedade, na qual o desenvolvimento
sustentável está entre as metas fundamentais. É política do Estado Democrático de Direito, o
respeito ao ser humano e às suas necessidades, bem como, concomitantemente, o resguardo
17 DOTTI, René Ariel. Meio ambiente e proteção penal. Fascículo de ciências penais. Porto Alegre, V. 4, n-1,
p. 9-29, jan/fev/mar, 1991. 18 LANFREDI, Geraldo Ferreia. Política ambiental- Busca de efetividade de seus instrumentos, p. 71. 19 BRASIL. Lei 9.605, publicada no Diário Oficial da União em 13 de fevereiro de 1995.
10
do meio ambiente. Assim, as normas devem ser editadas e aplicadas em conformidade com
esse enunciado.
O conjunto de normas destinado a auxiliar na efetivação desse fim deve ser
construído de forma que lhe permita sucesso, para que não passe de uma moldura jurídica
qualquer sem sustentação utilitarista20.
A coletividade precisa concretizar o conceito da denominada ética ecológica, qual
seja, sustentar-se na ecologia integral e na visão holística do mundo, de forma a promover um
distanciamento do Direito técnico-regulatório em busca do Direito ético-emancipatório, o qual
constitui a nova dimensão do Direito Ambiental. Deve, ainda, ser capaz de maximizar o
desenvolvimento da sociedade, a igualdade dos indivíduos e a dignidade humana. Deve
obrigar-se a construir um conhecimento lógico, multicultural e democrático21.
O Direito Ambiental tutela as relações do homem com o meio ambiente, no intuito
de proteger juridicamente este bem coletivo de extrema relevância para todos os seres vivos.
Deve ser entendido como um Direito que se desdobra em três vertentes fundamentais:
humana, ecológica e econômica, e que devem se harmonizar sob o conceito de
desenvolvimento sustentável.
Tais vertentes existem na medida em que o Direito Ambiental é um direito
humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de
vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais22.
Cumpre esclarecer, neste prisma, a autonomia do Direito Ambiental dentro das
ciências jurídicas, eis que dotado de princípios próprios, caso contrário, dificilmente se obteria
a proteção eficaz pretendida sobre o meio ambiente.
Tal fato fundamenta-se na necessidade histórica, conforme visto alhures, de se
enfrentar a crise ecológica também no campo jurídico, de modo diferente que outros ramos do
Direito o faria, pelo simples fato de haver o prisma ambientalista intrínseco neste campo do
Direito.
Portanto, diante do desenvolvimento crescente da preocupação com a questão
ambiental, desde o tempo passado da aceitação da degradação do meio ambiente até o
presente momento, em que há a busca pelo estabelecimento e aplicação de políticas
20 AMARAL, Cláudio do Prado. Particularidades dos crimes ambientais, p. 85. 21 TELES DE MENEZES, Paulo Roberto Brasil. O Direito do ambiente na era de risco: perspectivas de mudança
sob a ótica emancipatória. Revista de direito ambiental, n.° 32, out/dez- 2003, p. 130. 22 ACETI, Luiz Carlos Jr. VASCONCELOS, Eliane Cristine Avilla. Tutela Penal Ambiental. Revista IOB de
direito penal e processual penal. n° 42- Fev/Mar -2007, p. 48.
11
ambientais, com a conseqüente instrumentalização dessas políticas através da normatização, é
correto afirmar que surge um mundo novo de atuação para o Direito, onde esse não pode ser
mera peça coadjuvante simbólica para que sejam alcançados tais objetivos, devendo ser
instrumento efetivo à serviço da proteção ambiental para o desenvolvimento sustentável.
O que se quer, na verdade, é legitimar a especialidade jurídica do Direito
Ambiental e de seus princípios que irão orientar toda a proteção do Meio Ambiente em
questão.
Ele apresenta a importância e o papel de densificar, firmar, dar sustentação à
sociedade participativa e democrática, na medida em que busca integralizar esforços tanto do
setor governamental como da sociedade civil, de forma a compatibilizar o crescimento
econômico e a estabilidade ambiental, com os escopos de promover uma melhor qualidade de
vida para a população construir um legítimo Estado de bem-estar ambiental, em contrapartida
com o fenômeno da irresponsabilidade organizada23. Este representa, com clareza,
exatamente a ineficácia da produção e proliferação normativa em matéria de proteção do
ambiente, como instrumento para o enfrentamento da crise ambiental, e dos novos desafios
postos ao Direito do Ambiente na sociedade de risco.
A crise ecológica, portanto, permite evidenciar que nas sociedades
contemporâneas observa-se a emergência de novas feições de racionalidade social, que
proporcionam a sensação de medo, pânico e angústia gerados pelo risco24.
O risco, para tanto, torna-se uma forma específica de relação com o futuro e a
constatação desta situação faz com que o Estado se volte à prevenção destes riscos através de
um modelo de intervenção baseado no gerenciamento destes riscos.
Pela perspectiva de gestão de riscos, o Direito Ambiental pode ser definido pelo
atributo de lidar, de forma bastante próxima, com escolhas e opções que devem ser realizadas,
assumindo modernas feições de instrumento de grande potencial participativo.
A orientação jurídica deve ser no sentido da precaução dos riscos, este que define a
atitude que deve observar qualquer pessoa que tome uma decisão relativa a uma atividade que
se considera necessária ao desenvolvimento humano, mas que comporta em si um perigo
grave para a saúde ou segurança das gerações presentes e futuras para o meio ambiente.
23 LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 13. 24 Idem, p. 20.
12
Tal fato se refere, especialmente, aos poderes públicos que devem fazer prevalecer
os imperativos de saúde e segurança sobre a liberdade de intercâmbio entre os particulares e o
Estado.
Por conseqüência desta iniciativa, impõe-se ao legislador, ao administrador e ao
Poder Judiciário tomar decisões que permitam detectar e avaliar o risco, reduzindo-o a um
nível aceitável, e, se possível for, eliminá-lo, informar às pessoas afetadas e recomendar as
medidas a serem usadas para minimizá-lo25. É o dispositivo constitucional que traz o princípio
da precaução, a ser explicado logo a seguir.
Desse modo, a consecução de um objetivo é a razão de ser da ordem e a
determinação desse fim é anterior à confecção da norma. Sendo assim, mister se faz a
incursão na discussão dos princípios que norteiam a proteção ao meio ambiente.
5. Princípios do Direito Ambiental
Os princípios que norteiam o Direito Ambiental são o fundamento de todo o
conjunto normativo que irá ser produzido com o escopo da proteção ambiental. Daí a
importância transcendental dos princípios existentes. Eles são as pedras basilares dos sistemas
político-jurídicos dos Estados contemporâneos. Baseiam-se na realidade social e nos valores
culturais de cada Estado para fundamentar a proteção ambiental.
São diversos princípios que se sobressaltam do texto constitucional e do Direito
Administrativo e, também, que emergem do contexto discutido no plano internacional.
Constata-se, no plano constitucional, um salto de Estado tradicional de Direito para um
Estado atento às necessidades de preservar o meio ambiente para as gerações futuras e como
um direito e dever de todos.
Não se pode esquecer a importância da obra de Robert Alexy26, em que se
reconhece que os princípios apresentam uma qualidade diferenciada em sua aptidão de
vinculação normativa, expressa em um específico conteúdo normativo, que, ao contrário das
regras, não vincula seus efeitos a partir do operador dogmático “vigência”, mas fundamenta
25 CASABONA, Carlos María Romeo. El princípio de precaución en derecho penal. Iter Criminis. N° 9.
Segunda época. Revista de Ciencias Penales. INACIPE, p. 263. 26 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993,
p. 130.
13
sua vinculação em torno no conceito de “validade”. Assim, enquanto as normas vigem, os
princípios valem.
Salienta-se que os referidos princípios são dotados de especificidade, as quais são
necessárias para dar soluções e respostas à questão ambiental, de complexidade inestimável,
e, em se considerando que é aspiração democrática a preservação da vida no planeta, os
princípios, devido às suas características de generalidade e elasticidade, irão legitimar as
tipificações do Direito Penal do meio ambiente, como por exemplo, os crimes de perigo
abstrato27.
5.1. Princípio do Direito Humano
Decorre da Declaração de Estocolmo de 1972 e proclama que “O homem é ao
mesmo tempo a obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento
material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e
espiritualmente28. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta, chegou-se a
uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o
poder de transformar, de inúmeras maneiras, e em uma escala sem precedentes, tudo que o
cerca29.
Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais
para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o
direito à vida propriamente dita.
5.2 Princípio do Desenvolvimento Sustentável
Este princípio é extraído do artigo 225, caput da Constituição Federal, cujo
conteúdo afirma ser a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de
suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e desses com
27 AMARAL, Cláudio do Prado. Particularidades dos crimes ambientais, p. 95. 28 CAMPOS, Aline da Veiga Cabral. Precaução ambiental na era do direito penal secundário. Direito penal
secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo : RT,
2006, p. 100. 29 Idem., p. 99.
14
o seu ambiente, para que futuras gerações também tenham a oportunidade de desfrutar os
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição30.
O desenvolvimento sustentável tem cinco aspectos prioritários que devem ser
entendidos como metas: atendimentos às necessidades básicas da população; solidariedade
para com as gerações futuras; participação da população; preservação dos recursos naturais; e
efetivação dos programas educativos31.
5.3 Princípio do Poluidor-Pagador
Poluidor é aquele que degrada direta ou indiretamente o ambiente ou cria
condições que levam à sua degradação. O princípio em tela determina, portanto, que aquele
que provocar o dano tem do dever de repará-lo.
Apresenta-se sobre duas perspectivas, primeiramente a preventiva, cujo objetivo é
evitar a ocorrência do dano. A segunda é a repressiva, já que ocorrendo o dano, mister se faz
sua reparação. Encontra-se na Lei 6.938/81, no art. 14, §3°, e, em nível constitucional, no
artigo 225 da Constituição Federal.
5.4. Princípio da Precaução
Primeiramente, urge salientar os contornos de caracterização dos princípios da
precaução e da prevenção, para que se possa salientar a importância da orientação de
antecipação e de controle da previsão dos riscos.
Assim, em termos práticos, o princípio da precaução é dirigido à prevenção de
riscos ou perigos abstratos. Já o princípio da prevenção se dá em relação ao perigo concreto32.
O princípio da precaução revela que a política ambiental não se limita à eliminação
ou redução da poluição já existente ou iminente, mas faz com que a poluição ou degradação
ambiental seja combatida desde o início, e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base
de um rendimento duradouro33.
30 AMARAL, Cláudio do Prado. Particularidades dos crimes ambientais, p. 88. 31 CAMPOS, Aline da Veiga Cabral. Op. cit., p. 100. 32 LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 62. 33 CAMPOS, Aline da Veiga Cabral. Op. cit., p. 108.
15
Fundamenta-se na idéia de que o Direito Ambiental é um ramo multidisciplinar,
em que o recurso à investigação científica é quase sempre necessário, porém, nem sempre a
ciência é capaz de revelar todo o panorama ambiental procurado.
Isso conduz a um dever de abstenção de atividades sempre que houver dúvida ou
incerteza, deixando-se, assim, de praticar um ato ou de permitir o uso ou a produção de certas
substâncias, ou o desesnvolvimento de certas atividades.
No presente trabalho, a questão se faz relevante quando da exposição acerca do
modelo da sociedade de riscos, esta que tem como elemento básico estruturante os riscos
derivados do desenvolvimento tecnológico, incentivado pelos setores econômico, político e
social, mas que se mostra como ameaça ao meio ambiente e, conseqüentemente, a
sobrevivência da vida como um todo no planeta terra.
Verifica-se que há necessidade de se compreender este princípio como pressuposto
prévio de todos os processos de decisão política que tenham por conteúdo gestão de riscos.
O princípio da precaução, portanto, pode ser considerado como uma forma mais
desenvolvida da regra geral que é a prevenção de danos ao meio ambiente, impondo uma
obrigação de impedir danos ao meio ambiente.
O referido princípio possui várias características substanciais e procedimentais.
Não requer medidas reguladoras particulares. Seu interesse está em quando as medidas
conservadoras devem ser tomadas, ao invés de esperar até que haja prova de um impacto
negativo sobre o meio ambiente. Age antes que tal impacto se materialize, de modo que se
pode invocar o referido princípio sempre que possível, para que seja realizada uma avaliação
do risco34, permitindo concluir que há a possibilidade de um impacto desde a atuação de um
perito de meio ambiente.
Neste sentido, a estruturação da análise dos riscos deverá incluir três elementos:
avaliação de riscos, gestão de riscos e comunicação de riscos.
Como exemplos de técnicas e dispositivos de avaliação de riscos, pode-se citar: a
definição de padrões de precaução, através da pesquisa de riscos das atividades que
potencialmente impliquem riscos e adoção de parâmetros e procedimentos específicos diante
desses riscos; a adoção de uma atitude ativa em face dos riscos, demonstrando-se a
necessidade de desenvolvimento de pesquisa científica e técnica aplicada, o que implica a
34 Segundo Domingos Sávio de Barros Arruda, “A categoria acautelatória da responsabilidade ambiental”, em
busca de uma definição do risco ambiental, conclui que este é a “circunstância fática que reúne condições
concretas ou, ao menos, verossímil de nocividade ambiental e que pode ser evitada através de determinada
conduta humana”, Revista de Direito Ambiental, n° 42, ano 11, abril-junho 2006. São Paulo : RT, p. 47.
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previsão orçamentária de verbas públicas para as instituições de pesquisa do país; o
desenvolvimento das perícias em matéria de riscos, passagem obrigatória para decisões
públicas em matéria ambiental, em que se exigem inúmeras variáveis interativas; o
incremento de técnicas de controle, vigilância e “traçabilidade”, visto que a própria
sociedade se torna um grande laboratório35.
É possível que se extraia do art. 225 da nossa Constituição Federal, o princípio da
precaução, este que constitui um princípio geral do Direito Ambiental e define uma nova
dimensão na gestão do meio ambiente, na busca do desenvolvimento sustentável e da
minimização de riscos.
O não respeito a este princípio, ou seja, o não afastamento do perigo que um
conjunto de atividades possa vir a causar, tanto para as gerações presentes, quanto para as
futuras constitui flagrante descumprimento do mandamento constitucional.
Uma das formas de se implementar o dever de precaução por força da própria
Constituição Federal, art. 225, §1°, IV, como tem sido visto, é a exigência do Estudo Prévio
de Impacto Ambiental e o seu necessário Relatório, para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Tal fato leva a
conclusão de que a aplicação do princípio da precaução relaciona-se intensamente com a
avaliação prévia das atividades humanas.
O princípio da precaução concretiza-se, portanto, na fixação de limites de
segurança tão baixos quanto possíveis, critério que envolve necessariamente a adoção de
melhores tecnologias disponíveis, disposição de meios técnicos e humanos aptos a fornecerem
uma indicação precisa dos níveis de qualidade, a sujeição do desenvolvimento de atividades
que apresentem riscos para o meio ambiente ao procedimento de controle e monitorização e,
naturalmente, a formação e sensibilização dos agentes econômicos para os riscos ambientais e
sua gestão.
Tal fato se deve porque a sociedade tem o direito indiscutível de conhecer a
dimensão, as características e a natureza dos riscos que corre ante qualquer empreendimento
e, conhecido o risco por meio de informação adequada e correta, deve haver a possibilidade
35 SILVA, Solange Teles da. Princípio da Precaução: uma nova postura em face dos novos riscos e incertezas
científicas. In Princípio da precaução, coleção Direito Ambiental em debate. VARELLA, Marcelo Dias.
PLATIU, Ana Flávia Barros. (org.), p. 87.
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de debater para finalmente impulsionar uma decisão política que implique uma eleição entre
as diversas alternativas36.
Também não se pode olvidar que o princípio da precaução é de extraordinária
utilidade para o legislador, quando tem que abordar uma atividade com risco não exatamente
determinado, em particular quando tem que estabelecer o marco em que esta atividade tem
que se desenvolver e os limites da mesma.
No campo da legislação penal, a questão se mostra importante, pois o princípio da
precaução tem uma utilidade específica, já que o legislador penal introduz novas figuras
delitivas fundamentando-se justamente na precaução, como é o caso da técnica dos crimes de
perigo abstrato37.
Neste momento, urge concluir que é o princípio da precaução que deve orientar a
sistemática da tutela do meio ambiente ante os riscos imprevisíveis do desenvolvimento
tecnológico em relação ao meio ambiente.
Tal fato tem como conseqüência, o trânsito de um modelo de previsão com a
potencial previsão do risco, conhecimento do risco e dos nexos causais, ao modelo de
incerteza dos riscos, ao modelo de incalculabilidade do dano e, em muitos casos, presunção
do risco baseada em estatísticas e probabilidades38, e que possibilita que, diagnosticado seja o
risco, pondere-se os meios de evitar o prejuízo, além de gerar a obrigatoriedade de que
qualquer atividade que interfira no meio ambiente passe pela metodologia preventiva, com a
qual serão adotadas as medidas adequadas à preservação ambiental.
Em resumo, e no sentido da conclusão, quando os argumentos a favor ou contra
um determinado projeto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses econômicos
com interesses ambientais deve ser decidido em prol do meio ambiente, conferindo-se
prioridade à prognose negativa sobre a prognose positiva39.
36 HAMMERSCHMIDT, Denise, O risco na sociedade contemporânea e o princípio da precaução no direito
ambiental. Revista de direito ambiental n° 42. São Paulo : RT. Ano 2006, p.150. 37 CASABONA, Carlos María Romeo. El princípio de precaución en derecho penal. Iter Criminis. N° 9.
Segunda época. Revista de Ciencias Penales. INACIPE, p. 257 a 293. 38 Idem, p. 262. 39 HAMMERSCHMIDT, Denise, O risco na sociedade contemporânea e o princípio da precaução no direito
ambiental, p. 150.
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5.5 Princípio da prevenção
Informa a responsabilização daquele que causar perigo ao meio ambiente. É a base
da orientação de qualquer política moderna do ambiente. Deve estar presente nas políticas
públicas e no dia-a-dia das empresas. Constitui para o Estado e para a coletividade um dever
jurídico-constitucional de proteger o meio ambiente.
Tem lugar de destaque, dada a importância da prevenção do dano ambiental.
Ocorrido o dano, este poderá ser irremediável, ou a recuperação poderá ser muito cara ou
demorada.
Ainda que o Direito Ambiental tenha sua base de sustentação em dispositivos
sancionadores, seus objetivos fundamentais são preventivos40.
A existência de uma legislação sancionadora tem o condão de inibir condutas
lesivas ao meio ambiente. Só por meio de duras exigências é que as externalidades negativas
serão consideradas. É necessário que as sanções, não só econômicas, mas também políticas e
mercadológicas, sejam rigorosas para exigir uma postura de respeito ao meio ambiente41.
O conteúdo cautelar do princípio da prevenção é dirigido pela ciência e pela
detenção de informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela
atividade ou comportamento, que, assim, revela situação de maior verossimilhança do
potencial lesivo que aquela controlada pelo princípio da precaução. O objetivo fundamental
perseguido na atividade de aplicação do princípio da prevenção é a proibição da repetição da
atividade que já se sabe perigosa42.
A diferença que se infere do princípio da precaução43, é que este contém um
espectro de atuação mais amplo, que incide sobre toda a atividade estatal. Já a prevenção é o
dever jurídico de evitar os danos ao meio ambiente, e se manifesta diretamente sobre a atitude
do particular e do Poder Público, já que, segundo a Constituição Federal, ambos se submetem
ao dever jurídico de evitar danos ao meio ambiente.
40 CAMPOS, Aline da Veiga Cabral. Op. cit. p. 110. 41 ACETI, Luiz Carlos Jr. VASCONCELOS, Eliane Cristine Avilla. Tutela penal ambiental. Revista IOB de
direito penal e processual penal. N° 42- Fev/Mar -2007, p. 52. 42 LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, p. 63.
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6. Conclusão
Partindo-se da premissa de que a proteção do meio ambiente constitui um dos
princípios organizacionais básicos de nosso ordenamento jurídico, posto que impõe a garantia
do desenvolvimento sustentável, conforme artigo 225 da Constituição Federal de 1988,
conclui-se que a proteção ao meio ambiente deve ocorrer de modo preventivo, atuando sob
atividades que produzem riscos ao bem jurídico ecológico, para assegurar digna qualidade de
vida às presentes e futuras gerações.
A proteção ao meio ambiente deve ocorrer de maneiras institucionais e através de
meios não institucionais, por meio de ações da própria sociedade civil. Contudo, é no papel do
Estado, que passa a se chamar Estado de prevenção44, que ocorrerá a maior proteção por todos
os níveis do ordenamento jurídico, conforme disposição da própria administração pública.
Assim, reconhece-se a importância da tutela civil do meio ambiente. No Brasil
contamos com um dos melhores instrumentos de tutela, em se considerando os vários
ordenamentos no mundo, em que ocorre a reparação e também a prevenção do ilícito
ambiental de modo célere e democrático. É a Lei de Ação Civil Pública45, que, segundo Hugo
Nigro Mazzilli, é “ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público que tem como
função a defesa de interesses transindividuais em juízo cível” 46.
No tocante à tutela do meio ambiente por normas de Direito Administrativo, ela
revela sua importância no sentido de que atua junto ao particular na gestão do risco, no
sentido de que a autoridade ambiental competente irá orientar o particular na verificação dos
riscos que a atividade produz, bem como na minimização dos impactos e até a eliminação dos
mesmos. Por exemplo, e com fulcro na legislação pátria, estão os mecanismos que exigem dos
particulares que realizam atividades potencialmente poluidoras o Estudo do Impacto
Ambiental, (EIA), Relatório de impacto sobre o meio ambiente, (RIMA), todos envolvidos
pelo licenciamento ambiental de referidas atividades.
Além desses instrumentos é correto afirmar, segundo norma cogente da própria
Constituição da República, que é legítima a proteção penal do meio ambiente. Destarte, as
normas penais têm papel fundamental no ordenamento jurídico, em razão de seu método e
44 SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre la dogmática y la política criminal del derecho penal del medio ambiente.
Temas actuales y permanentes del derecho penal después del milenio. Madrid : Tecnos, 2002, p. 203. 45 BRASIL, Lei 7.347, de 24 de julho de 1985. 46 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 16a Ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.
20
sistematização47, e são, sem dúvida, necessárias à proteção ambiental, já que o meio ambiente
traduz-se como bem jurídico-penal de conteúdo difuso de importância transcendental, e que se
relaciona com a equidade intergeracional.
Por isso é que não se pode deixar de reconhecer que o meio ambiente e a tutela dos
riscos deve ser feita por todos os ramos do ordenamento jurídico. Quanto a tutela penal do
meio ambiente, insere-se o campo de maior controvérsia, em se considerando que a
intervenção penal é a mais grave de todas as atuações estatais na esfera de liberdade dos
indivíduos, mister se faz o estudo aprofundado das razões político-criminais e as alterações na
dogmática jurídico-penal decorrentes dessa afirmação de que o Direito Penal deve sim se
orientar à prevenção dos riscos em geral e ao meio ambiente.
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