Post on 11-Jan-2016
Psicodrama: Convite ao Encontro Rebecca de Oliveira Silva Campos
Silvamir AlvesPontifícia Universidade Católica de Goiás
Este trabalho fundamenta-se no referencial teórico do Psicodrama. Este método foi
desenvolvido por Jacob Levy Moreno, em Viena, a partir de 1921. De acordo com Bustos
(1992), essa teoria psicoterápica é baseada no método fenomenológico-existencial. Tem
como objetivo refletir e propor soluções às questões da vida cotidiana, considerando o
fenômeno tal como se apresenta e percebendo a importância das relações e vivências de
cada pessoa. É o método por excelência para o autoconhecimento, o resgate da
espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-relacionamento. É o caminho por
meio do qual o indivíduo pode entrar em contato com conflitos, que até então
permaneciam em estado inconsciente.
Nesse sentido, Moreno (2009) parte do princípio que o ser humano é um ser social,
influencia e é influenciado todo o tempo. A saúde e a doença emocional nascem nas
relações, ou seja, são desenvolvidas por meio dos relacionamentos que construímos
primeiramente em nossa família de origem e secundariamente por meio das demais
relações que vivenciamos durante a vida.
O psicodrama é um método psicoterapêutico que teve suas origens no teatro, do
qual por meio da ação dramática, trabalha as relações interpessoais e subjetividades do
indivíduo. A palavra drama vem do grego que significa ação, então Psicodrama pode ser
definido como uma abordagem que vai além do verbal e explora a “verdade” do ser
humano por meio da ação dramática (Moreno, 1992).
O Psicodrama é a sociedade humana em miniatura, o ambiente mais simples
possível para um estudo metódico da sua estrutura psicológica. Por meio de técnicas como
as do ego auxiliar, da improvisação espontânea, do duplo, do espelho, da inversão de
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papel, autoapresentação, do átomo social, do solilóquio, da interpolação de resistência,
revelam-se novas dimensões da mente e, o que é mais importante, elas podem ser
exploradas em condições experimentais (Blatner & Blatner, 1996).
Alves (2008) afirma que o Psicodrama não pode ser compreendido apenas na
teoria, pois seu poder de penetração se sustenta em sua prática, na ação transformadora. É
um processo de ação e interação que não leva em consideração apenas a comunicação
verbal; o corpo, seus movimentos e expressões são também muito importantes, para
explorar os sintomas, os conflitos, os mecanismos de defesas e os acontecimentos
marcantes da vida do paciente. É um método que penetra a verdade da alma por meio da
ação dramática. Assim sendo, o psicodramatista tem a possibilidade de trabalho ampliado,
pois vai além do verbal.
A dramatização ocorre no universo do “como se” permitindo o protagonista
acessar suas dimensões imaginárias e fantasiosas, que segundo Alves (2002) “possibilita o
protagonista reviver o passado, clarear o presente e antecipar o futuro, sem as implicações
da vida real” (p. 23). Para o psicodrama todos os tempos são atuais, pois a vivência do
momento atual gera uma ação transformadora, colocando o ser humano em contato com o
seu eu mais verdadeiro e mais emocional. O contexto do “como se” diminui o
compromisso social, pois é o contexto da fantasia, em que o tempo e o espaço são
fenomenológicos, subjetivos. Esse afastamento que o “como se” do psicodrama propicia
dá ao ser humano outras possibilidades para a realidade, o “como é”. Para Moreno (2009),
ele possibilita ao ser humano a experiência de reviver no aqui e agora de situações
conflituosas, mas não funciona como renovação do sofrimento. Pelo contrário, confirma a
regra geral: “toda e qualquer segunda vez verdadeira é a libertação da primeira” (p. 78).
Para Moreno (2009) “o psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode
exteriorizar os seus problemas com a ajuda de alguns atores terapêuticos. É um método de
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diagnóstico, assim como de tratamento” (p. 231). De acordo com Bustos (1992), a
dramatização é o elemento essencial do psicodrama, cujo objetivo é o resgate da
espontaneidade-criatividade. Martin (1984) esclarece que “as conservas sufocam a
espontaneidade e este esgotamento da espontaneidade produz a doença psíquica” (p. 124).
Assim, o psicodrama considera doente o ser humano que está com seu potencial
espontâneo-criativo embotado, incapacitado de romper com situações prontas e acabadas
sem criar, recriar e transformar suas relações com o mundo.
O primeiro exemplo de ato espontâneo é o nascimento, ao nascer o bebê ingressa
em um mundo totalmente estranho, não dispõe de modelo algum, e defronta-se com uma
nova situação. A essa resposta a uma situação nova, ou uma nova resposta a uma situação
antiga, damos o nome de espontaneidade. Nesse primeiro dia de vida um mínimo de
espontaneidade é requerido, respostas mais ou menos adequadas reagindo ao estímulo do
momento (Moreno, 2009).
Para Gonçalves e colaboradores (1988), ser espontâneo é estar presente nas
diversas situações transformando aquilo que está insatisfatório. Produzindo assim em nós o
prazer de nos sentirmos vivos em que somos agentes do nosso próprio destino, impedindo
a alienação do fator E. Assim, de acordo com Moreno (2009), o ser humano espontâneo
tirará maior proveito dos recursos que tem à sua disposição tais como inteligência,
memória e aptidões. Logo, a espontaneidade funciona como potencirealizador das
características favoráveis ao sujeito, colocando-o em situação de vantagem ao que não a
possui.
A possibilidade de modificar uma dada situação ou de estabelecer uma nova
situação implica em criar, produzir. A criatividade é indissociável da espontaneidade. A
espontaneidade permite a manifestação da criatividade, isto é, a disponibilidade do ser
humano para o ato criador. Criar é aplicar o potencial humano numa ação transformadora,
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integradora, que proporciona crescimento e maturação ao indivíduo que cria (Pereira,
2011).
O comportamento habitual, conservado, rígido e robótico é o oposto da
espontaneidade e esses comportamentos compõem o que em grande parte se chama por
psicopatologia (Blatner & Blatner, 1996). Conforme Faleiros (1999) a cristalização do
papel é a conserva cultural, estagnação, a permanência do igual, a repetição. Para Moreno
(2009) o ser humano é capaz de viver saudável, mas em virtude do movimento
sociodinâmico e das conservas culturais esse mesmo ser humano pode adoecer.
O conceito de papel pressupõe inter-relação e ação. Nesse sentido, Moreno (2009)
o define como “a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico
em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão
envolvidos” (p. 27). Corroborando com Moreno, Fonseca Filho (1980) ressaltou que “um
papel é uma experiência interpessoal e necessita de dois ou mais indivíduos para ser posto
em ação. Todo papel é uma resposta a outro. Não existe papel sem contra papel” (p. 20).
Para Gonçalves e colaboradores (1988), os papéis de cada um dos envolvidos é que
proporcionam o contato, favorece a troca. Isso que possibilita influenciar e ser
influenciado, sendo a ação advinda dessa interação de papéis. Desse modo, a dinâmica
entre as pessoas é o foco do psicodrama.
De acordo com Martin (1984), do ponto de vista da teoria dos papéis, a pessoa
adoece por dois motivos: primeiro porque a sociedade impõe a aceitação de funções vitais
que o ser humano não gosta de exercer e que o deixa com sensação de frustração, de vazio.
Segundo, porque o papel escolhido não pode ser desempenhado. Esse conflito se
estabelece na imposição de papéis, onde a sociedade está organizada em conservas
culturais.
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Nesse sentido, Rubini (1995), ressalta que quando o paciente assume papéis
imaginários correspondentes ou não aos da realidade social, recupera a capacidade de
realizar transformações autênticas em sua vida, em suas relações e meio onde vive.
O psicodrama aumenta o poder da solução simbólica utilizando técnicas que
estendem a imaginação e, ao mesmo tempo, dão força ao ser humano para que faça
escolhas, tome novas decisões e crie. O método permite a distância do papel, o que facilita
a criatividade e estimula a dialética dinâmica com envolvimento autêntico (Blatner &
Blatner, 1996).
Fonseca (2000) nos traz que à correta percepção, apreensão, ou captação, em duplo
sentido, da experiência relacional entre duas ou mais pessoas (do meu desempenho de
papel em uma relação e da percepção do desempenho do papel da outra pessoa) se chama
tele.
A tele é o processo total de uma relação e dentro dela pode estar a percepção mais
próxima da realidade do que o outro é e pode estar a percepção mais distorcida do outro.
Quanto mais distorcida a percepção do outro maior a transferência presente na relação
(Perazzo, 1994). Para Moreno (2009), além do fator e (espontaneidade), é o fator tele que
atua na cura e não a transferência. A transferência é o fator que a estorva. E reafirma: “o
fator decisivo para o progresso terapêutico é a tele” (p.44).
O vínculo, que é estabelecido por meio dos papéis, é um dos eixos teóricos do
projeto moreniano. Para Moreno (2009), um indivíduo só será um ser na relação com o
outro. É na relação que ele adoece, mas é também nela que se cura. O ser humano em crise
possui uma necessidade de ter alguém ao seu lado compartilhando de seu sofrimento e o
auxiliando a encontrar respostas novas e adequadas. Independente da linha terapêutica, a
hipótese principal é que a interação produz resultados terapêuticos.
Para Dias (1987), na relação psicoterapeuta e paciente se estabelece a aliança
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terapêutica, que é o vínculo entre o psicoterapeuta e a parte sadia da paciente, para que
ambos de comum acordo passem a pesquisar e tratar da parte indiferenciada, doente do
paciente. Mas cabe ao psicoterapeuta, perceber a pessoa em um processo de
transformação, e aceitá-la como é confirmando e tornando reais suas potencialidades.
Desta forma, o jogo flutuante de emoções e sensações existentes entre o terapeuta e
o paciente é um fator de básica importância para o sucesso terapêutico, já que o encontro é
um fenômeno télico (Fonseca, 1980).
A propósito de o psicodramatista ser um instrumento facilitador do vínculo
psicoterapêutico Faleiros (1999, p. 40) escreveu:
Quanto mais espontâneo e criativo for o psicodramatista, expressando sua
inspiração momentânea com originalidade em suas ações, mais facilitará ao
cliente mostrar-se em profundidade. Espera-se então, que crie um clima
propício à situação desde o primeiro encontro, de tal maneira que ela se
torne um locus nascendi da espontaneidade do cliente.
Paciente e psicoterapeuta, de acordo com Fonseca (2000), co-participam de um
encontro humano, envolvidos em papéis de categorias diferentes. Um está buscando ajuda
de algum tipo, o outro, trabalhando. O terapeuta está a serviço do paciente, que é uma das
características básicas da relação. Apesar disso, ambos constituem uma relação horizontal,
incluídos no mesmo clima, inter, que é o caldo de cultura necessário para o
desenvolvimento do processo do ser. A qualidade em saber criar essa condição marca a
eficácia do psicoterapeuta.
A psicoterapia envolve não só conhecimento teórico e vivência técnica, como a
ligação genuína com o paciente, a satisfação pelo trabalho, o desenvolvimento pessoal
como ser humano, do outro e de si próprio (Cardoso, 1985).
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De acordo com Dias (1987), é necessário que haja nessa relação um clima
terapêutico que favoreça o crescimento do indivíduo, amadurecimento psicológico do
paciente e uma pesquisa orientada e sistematizada, para a identificação, vivência e
integração das vivências registradas nas zonas de psiquismo caótico e indiferenciado. O
clima terapêutico é composto de aceitação, proteção e continência.
Conforme Faleiros (1999) para ser um bom psicoterapeuta é preciso ter aceitação,
proteção, continência relacionada a vivência pessoal, grau de saúde mental, conhecimento
teórico, encontro consigo mesmo, busca da verdade parcial e criatividade. E para atingir
este propósito se fazem necessárias algumas experiências de vida e maturidade.
Nesse sentido, Cardoso (1985) esclarece que de fato o psicoterapeuta tem uma
sobrecarga de ansiedade porque trabalha com um sujeito de estudo semelhante a si próprio.
Assim, para Faleiros (1999), uma condição preliminar para um bom desempenho
psicoterapêutico é que o psicoterapeuta tenha resolvido seus próprios problemas. O
profissional deve se submeter a um processo psicoterápico, de preferência na abordagem
em que escolheu para se especializar. Deste modo, poderá trabalhar os seus conteúdos,
vivenciar a metodologia e as técnicas para que possa sentir sua eficácia.
A segurança emocional deve estar presente no psicoterapeuta, pois a percepção de
sua instabilidade pode dificultar o processo psicoterapêutico. Portanto, a postura do
psicoterapeuta não anula sentimentos, vontades, mas exige sim, que o mundo interior não
influencie ou oriente o mundo do paciente, para que possa se realizar uma relação fluida,
espontânea, sem contaminação pela sua realidade interna (Faleiros, 1999).
Cukier (1992), diz que ser terapeuta é uma tarefa a ser aprendida ao longo dos anos
e por toda a vida. É preciso ter coragem de se lançar e experimentar com o próprio
paciente. Compreender o indivíduo em todas as suas mudanças, desde suas peculiaridades
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nas trocas afetivas iniciais até a complexa estruturação de seus conflitos e defesas atuais, é
primordial para qualquer procedimento terapêutico.
De acordo com Faleiros (1999), o psicoterapeuta deve facilitar o livre fluxo de
emoções e sensações do paciente desencadeando assim o encontro, a tele e chegando ao
êxito do processo psicoterapêutico. O psicoterapeuta deve ser um instrumento facilitador
do vínculo terapêutico.
Gonçalves e colaboradores (1988) ressaltam que “Pessoas capazes de relações
télicas estão em condições favoráveis para viver relacionamentos marcantes e
transformadores” (p. 52). Ou seja, estão disponíveis para viver a experiência privilegiada,
o encontro.
O trecho do poema “Convite ao encontro” escrito por Moreno (2009) demonstra
uma das inúmeras facetas do psicodrama, sendo que para Marineau (1992) ele expressa
como é a técnica terapêutica mais importante criada por Moreno: a inversão de papéis.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face, e quando você estiver perto
arrancarei seus olhos e os colocarei no lugar dos meus; arrancarei meus olhos e os
colocarei no lugar dos seus; então verei você com seus olhos e você me verá com
os meus olhos. Então, até a coisa mais comum servirá ao silêncio e nosso encontro
permanecerá meta sem cadeias. Um lugar indeterminado, num tempo
indeterminado. Uma palavra indeterminada para um homem indeterminado (p. 59).
Um dos objetivos do Psicodrama é descobrir, aprimorar e utilizar os meios que
facilitem o predomínio de relações télicas sobre relações transferências, no sentido
moreniano. À medida que as distorções diminuem e que a comunicação flui, criam-se
condições para a recuperação da criatividade e da espontaneidade (Moreno, 2009).
Objetivar-se-á, então, estudar a relação vivenciada no processo psicodramático na
modalidade bipessoal (terapeuta-cliente), bem como identificar os benefícios que este
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vínculo traz para os envolvidos. Por fim, demonstrar que por mais que o adolescente seja
encaminhado por pais, médicos, escola, entre outros, o processo psicoterápico ocorrerá
apenas com a presença do vínculo terapêutico estabelecido durante o processo
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Método
Participante
Participou deste estudo paciente, cujo nome fictício será Lucas, brasileiro, 17 anos
de idade, solteiro, cursando o terceiro ano pela segunda vez e trabalha com seu avô na loja
agropecuária da família na parte da tarde. Já realizou tratamento psicológico durante três
meses quando tinha 10 anos de idade, em outra abordagem psicoterápica. Sua mãe
procurou a clínica escola vida, com a queixa de que o adolescente estava se comportando
mal na escola e na família, não estava com vontade de fazer as coisas, querendo ficar o dia
todo em casa nos jogos eletrônicos.
Instrumentos
Para o atendimento foi utilizado o consultório quatro da Clínica Escola VIDA, com
materiais adequados para trabalhar com o método do psicodrama. Esse consultório possui:
almofadas coloridas e com diversos tamanhos, tapete (tamanho retangular), três cadeiras,
uma mesa, ar-condicionado e boa iluminação. Para o registro das sessões foi utilizado
prontuário específico, relógio para marcar o tempo da sessão, gravador para o registro das
sessões e roteiro de anamnese Cukier (2007).
Procedimento
Lucas (nome fictício) foi encaminhado para psicoterapia a pedido de sua mãe, que
já fazia psicoterapia de grupo na clínica na abordagem psicodramática. Assim, foi dado
início ao processo psicoterápico de Lucas, que contou com atendimentos uma vez por
semana, com duração de cinquenta minutos. O processo psicoterapêutico durou de agosto
de 2014 a junho de 2015, totalizando 21 sessões, e teve como fundamento a teoria
Psicodramática de Jacob Levy Moreno, que tem por objetivo resgatar o potencial
espontâneo-criativo do paciente para que este possa desempenhar melhor seus papéis, se
relacionando melhor e dando respostas novas e mais adequadas às situações – o que o
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torna mais saudável e protagonista de sua história. Os atendimentos foram supervisionados
por um professor especialista em psicodrama.
A estagiária utilizou de algumas técnicas psicodramáticas para execução do método
de acordo com os seguintes autores: Moreno (2009); Gonçalves e colaboradores (1988);
Cukier (1992); Blatner e Blatner (1996).
1) Autoapresentação: o paciente concretiza o seu mundo interno (pessoas, coisas,
lugares, sentimentos, fantasias, etc.) por meio de objetos intermediários e depois toma o
lugar de cada personagem. 2) Átomo Social: O paciente apresenta somente pessoas
afetivamente significativas, do ponto de vista de sua subjetividade. 3) Inversão de papéis:
O paciente toma o papel do outro e o representa, em vez de falar sobre a pessoa fala sendo
a pessoa. 4) Duplo: Consiste em o psicoterapeuta, num determinado momento, expressar
aquilo que o paciente não está conseguindo expressar. Tal técnica tem como objetivo
proporcionar ao paciente a percepção de novas possibilidades de motivação e emoção
naquele papel. 5) Espelho: O terapeuta se coloca na postura física assumida pelo paciente
em um determinado momento, afim de que o mesmo, olhando para si de fora da cena,
perceba todos os aspectos presentes nela e sua reação frente estes aspectos. 6) Esquema de
papéis: é um jogo dramático que visa explorar os papéis que o protagonista exerce em sua
vida. 7) Cadeira Vazia: Em vez de outra pessoa (um auxiliar) desempenhar a figura
complementar na dramatização de um protagonista, uma cadeira vazia a representa. Esta
técnica permite uma expressão mais espontânea de sentimentos ternos ou agressivos.
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Resultados e Discussão
Primeira Sessão
Nessa sessão, Lucas nem sabia ao certo o que fazia dentro do consultório, ele
estava fazendo terapia apenas porque sua mãe o obrigou a comparecer na sessão. A
estagiária explicou a ele o que era psicoterapia, o seu objetivo e que a mesma só poderia
acontecer se ele colaborasse. Falou, também, da sua formação, do seu papel, do método,
dos procedimentos, tempo de duração da psicoterapia, numa linguagem compatível ao
entendimento de um paciente leigo.
Cunha e Bertussi (2010) ressaltam que o adolescente pode ser encaminhado para
tratamento pela escola, pelos pais ou pelo médico. Mas ele só permanecerá no tratamento
se conseguir construir com o terapeuta um vínculo com o qual se sinta livre e confiante
para colocar a sua relação consigo mesmo, a sua visão de si mesmo, porque é esta que o
atormenta. É uma fase de transformações e perdas, o adolescente precisa contar consigo
mesmo, acreditar no seu potencial, para poder antever que conseguirá lidar com todas as
novidades que estão por vir.
Nesse sentido, Moreno (1999) esclarece a importância de o paciente estar ciente de
que “sua colaboração e a completa revivência de suas ideias doentias têm uma influência
direta no processo de cura” (p.103). O resultado terapêutico sempre será uma resultante
dialética do esforço de mão dupla: disponibilidade do psicodramatista e da participação e
compromisso do paciente.
Lucas se dispôs a iniciar o processo e nesse momento, a estagiária se posicionou de
forma a facilitar para que ele falasse a sua queixa, contasse a sua história e posteriormente
a estagiária rememorou a sessão pontuando o que percebeu e devolvendo o que está
saudável, mas também focalizando os conflitos que são perceptíveis.
Após a devolutiva foi feito o contrato sobre os dias, os horários, a duração das
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sessões, a pontualidade e as faltas. Foi esclarecido sobre o sigilo e a ética profissional,
assegurando que o caso seria compartilhado apenas com o supervisor, pois se tratava de
um estágio. Após o encerramento da sessão foi dado a Francisca, responsável de Lucas, o
termo livre e esclarecido para que ela assinasse garantindo que havia concordado com os
termos do contrato e que a identidade dele fosse preservada.
Uma vez que o vínculo do trabalho terapêutico se instala, o jovem vai se abrindo,
aprofunda, compartilha, abre seus segredos, seus medos, suas falhas, suas tristezas e,
também, abre suas paixões, fala da sua sexualidade, e, desta forma, por este caminho, se
instala o processo psicoterápico, no qual as defesas se apresentam primeiro para depois
abrir o que é muito dolorido e temido. É um relacionamento muito rico, muito cheio de
energia. O fundamental é que o adolescente perceba claramente que está sobre ele o foco
principal do atendimento: ele precisa se sentir valorizado, individualizado, olhado e
incluído (Ferreira, 2010).
Segunda e Terceira Sessão
Nessas sessões, foi realizada entrevista estruturada com o paciente sobre sua
história de vida. Utilizou-se como roteiro o modelo de Anamnese de Cukier (2007). O
intuito da entrevista foi obter dados desde o início da vida do paciente até o tempo atual.
Investigou-se como foi a gestação, o nascimento, como é a sua família, como foram seus
primeiros anos de vida, a escolarização, sexualidade e adolescência até a atualidade, como
se segue abaixo:
Apesar de seus pais terem se casado por amor e planejado a gravidez com sete
meses de gestação seu pai abandonou sua mãe e saiu da cidade. Lucas relatou que seu pai
sempre foi “cachorro” e homem de muitas mulheres. Quando ele tinha um ano de idade,
sua mãe o deixou com os avós maternos e foi para os EUA trabalhar, pois ainda era nova e
não estava preparada para ter um filho sozinha.
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Nesse período, Lucas a via apenas por foto e falava com ela pelo telefone. Ele
relatou que sempre imaginava como seria sua mãe e que quando a viu pessoalmente após
seis anos ficou “deslumbrado” com ela, apesar de que sua avó materna sempre falava mal
dela e dizia que ela era muito brava. Lucas tinha sete anos quando sua mãe voltou. Ela era
nervosa, exigente e sempre o disciplinava. Já sua avó sempre foi protetora.
Após dois anos que sua mãe estava no Brasil ela se casou. Sua avó não permitiu
que Lucas fosse morar com a mãe. Quando ele tinha quatro anos de idade ele conheceu o
pai, apesar de que quase não o via, e até os dias atuais não tem muitas notícias dele. Lucas
se queixa, pois disse que nunca teve de fato um pai presente, e sente falta. O pai aparece e
dá notícias de vez em quando, entretanto, sempre que o faz eles viajam e se divertem
muito. O pai nunca o ajudou financeiramente.
Lucas iniciou a vida sexual aos 15 anos, perdeu a virgindade com uma mulher mais
velha e já tirou a virgindade de várias meninas. Não conseguiu ter apenas uma pessoa,
apesar de até desejar, mas nunca deu certo. Já teve duas decepções amorosas e depois disso
prefere não se apegar a nada e nem a ninguém, pois não gosta de sofrer.
De acordo com Cukier (2007) o que se quer é compreender o paciente, então mais
do que rotulá-lo com um diagnóstico “devemos poder responder, ao término dessa
anamnese, quais foram as ansiedades infantis dessa pessoa, como ele sobreviveu e como se
automedicou, para poder lidar com seus problemas” (p.159), ou seja, ter dados para
começar a entender o caráter e a dinâmica de personalidade do paciente.
Quarta Sessão
Nessa sessão, Lucas chegou contando de sua vida por si só, falou de seus conflitos
e decepções amorosas, de suas dúvidas quanto ao futuro e de sua relação com sua família.
E no final da sessão disse à estagiária que nunca tinha se aberto tanto com uma pessoa e
que ficava muito feliz por saber que ali podia ser ele mesmo. Disse que ninguém sabia
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tantos detalhes sobre sua vida.
O foco das primeiras entrevistas é estabelecer o vínculo psicoterapêutico. E as
sessões de psicoterapia de Lucas evidenciavam que a aliança terapêutica entre ele a
estagiária estava sendo construída. Conforme Dias (1987) é de fundamental importância
realizar o vínculo terapêutico para que se possa trabalhar a parte, indiferenciada, doente do
paciente. Portanto, para estabelecer a aliança terapêutica, o psicoterapeuta deve perceber o
paciente em um processo de transformação e aceitá-lo como é confirmando e tornando
reais suas potencialidades.
Para Moreno (1983), sem vínculo terapêutico não haverá condições para que o
processo psicoterapêutico aconteça, pois “o encontro é a base concreta do processo
terapêutico” (p.249).
Oitava Sessão
Nessa sessão, foi realizada a técnica da autoapresentação, que consiste na
representação simples dos personagens e situações da vida da paciente, no presente. O
intuito é explorar o contexto que a paciente está inserida e conhecer o seu mundo interno.
O paciente teve facilidade de entrar nos papéis e colaborou para a aplicação da técnica. Ele
se queixou da falta de aceitação que sofre por parte da família, principalmente, pelo fato de
morar com seus avós que já são de idade e não concordam com muitas coisas do “mundo
atual”, tais como: furar a orelha e dele gostar de rock.
O paciente se mostrou a vontade com o método e trouxe dados importantes para o
processo psicoterapêutico. Segundo Alves (2008), o Psicodrama possibilita explorar os
sintomas, os conflitos, os mecanismos de defesas e os acontecimentos marcantes da vida
do paciente, não só por meio da fala. É um método que penetra a verdade da alma por
meio da ação.
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Nesse sentido, Moreno (2009) reforça que no psicodrama a espontaneidade opera
não só na dimensão das palavras, mas em todas as dimensões de expressão. Assim sendo,
o psicodramatista tem a possibilidade de trabalho ampliado, pois vai além do verbal. Esse
afastamento que o “como se” do psicodrama propicia dá ao ser humano outras
possibilidades para a realidade, o “como é”.
Décima Segunda Sessão
Nessa sessão, a temática foi vida profissional. Fizemos a seguinte dramatização:
Lucas (no papel de chefe, seu avô): Sinceramente eu tenho é que mandar ele
embora. Não dá pra trabalhar com alguém assim, ele não tem conserto. Peço as coisas
pra ele, mas ele reclama de tudo.
Estagiária: Como assim mandar embora? Mas ele não tem conserto?
Lucas (como chefe, avô): Até tem, mas tá difícil (silêncio). Ele precisa ser mais
esforçado, menos preguiça, não matar serviço. Mas ele precisa de menos serviço também
(risos)
E: Ele trabalha três ou quatro horas por dia e recebe seiscentos reais, O senhor
acha que ele precisa trabalhar menos?
Lucas (como chefe, avô): Hum ... (silêncio).
Lucas saiu do papel de avô-chefe e disse: É, eu não gosto de ver eu, é estranho.
E: Mudamos aquilo que conhecemos, né? É importante você se conhecer e se
enxergar. O que quer dizer com estranho?
Lucas: Estou decepcionado comigo mesmo. A gente acha que tá amadurecendo,
mais responsável, mas a gente vê que continua bobão ainda.
E: Mas só o fato de você estar aqui em terapia mostra esse interesse de mudança.
É um processo.
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Lucas: Sei que preciso mudar, sei que a vida não é só mulher, beber, sair, amigos
e farra. Mas não consigo sabe (silêncio). Eu sei que to errado, mas agora não acho.
A técnica de inversão de papel proporcionou que Lucas compreendesse o seu
chefe-avô e visse outras possibilidades. Isso foi possível porque de acordo com Moreno e
colaboradores (2001) esse procedimento “é a técnica de absoluto envolvimento, da
capacidade de ver a trama de outro ponto de vista, qualquer que seja ele. Assim, o
protagonista precisa realmente sair fora do self e tornar-se outra pessoa” (p. 41). E
ressaltam que “quando se invertem os papéis de verdade, há uma mudança de percepção,
durante ou após o processo” (p. 42). Foi o que se verificou nessa sessão.
Corroborando com Moreno e colaboradores (2001), Rubini (1995), afirma que no
Psicodrama quando o paciente assume papéis imaginários correspondentes ou não aos da
realidade social, recupera a capacidade de realizar transformações autênticas em sua vida,
em suas relações e meio onde vive. Ao final da sessão, o paciente relatou que estava
saindo bastante reflexivo.
De acordo com Cunha e Bertussi (2010), a adolescência é uma época em que todos
os papéis desempenhados por um indivíduo estão em mudança; suas relações se
transformam e lhe são exigidas novas formas de se relacionar com as pessoas, coisas e o
mundo. É preciso exercer a capacidade de colocar-se no lugar do outro e poder acolher a
dor, dúvida e angústia do jovem, compreendendo-o neste momento de sua vida e
estimulando-o a buscar suas próprias saídas para seus dilemas. Não podemos não
considerar o sofrimento inerente a todo este processo de transformação.
Décima Quarta Sessão
Nessa sessão Lucas chegou triste e desanimada pelo fato de que não queria mais
ficar com Letícia (nome fictício), porém não conseguia “terminar” com ela. Relatou que se
sentia culpado por ter tirado a virgindade dela, mas que não gostava mais dela. Para
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trabalhar essa cena a estagiária propôs a técnica da cadeira vazia. Ela colocou uma cadeira
em frente Lucas e disse que na cadeira simbolicamente estava Letícia. Em seguida pediu
para que ele conversasse com ela.
Lucas: Olha Letícia, eu até curto você e tal, mas não quero mais ficar com você.
Sei que você tem todas as razões do mundo para me odiar. Mas eu queria muito ser seu
amigo ainda.
A estagiária solicitou que Lucas tomasse o lugar de Letícia e fosse ela.
Lucas (como Letícia): Como você faz isso comigo? Você não vale nada. Não quero
nunca mais falar com você.
Nesse momento, Lucas ficou em silêncio e reflexivo. A estagiária pediu que ele
pensasse alto (solilóquio) e ele disse que não sabia o que fazer, pois essa cena já havia se
repetido algumas vezes em sua vida e ele não gostava que isso acontecesse.
A estagiária perguntou à Lucas quem poderia ajudá-lo a resolver esse problema.
Lucas trouxe o pai na cena. Segundo Fonseca (1980) no cenário psicodramático é
permitida a perspectiva de um mundo novo. A vivência do momento atual gera uma ação
transformadora, colocando o ser humano em contato com o seu eu mais verdadeiro e mais
emocional.
Estagiária (falando à Lucas como pai): E então pai, Lucas trouxe você aqui, pois
acredita que você pode ajudá-lo nesse momento.
Lucas (como pai): E meu filho, pra que fazer isso com a menina?! Você precisa
mudar, fica iludindo as meninas. Isso não é muito legal.
Estagiária (Falando à Lucas como pai): Quem ele te lembra pai?
Lucas (como pai): Ele se parece comigo. (Nesse momento Lucas se emocionou e
ficou em silencio por um longo tempo).
Para Faleiros (1999), o psicoterapeuta deve facilitar o livre fluxo de emoções e
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sensações do paciente, que é um aspecto de fundamental importância, pois desencadeia o
encontro, a tele, e assim chega-se ao êxito do processo psicoterapêutico. É dever do
psicoterapeuta se apresentar como mapa norteador, e elemento principal a iluminar o
caminho percorrido junto ao paciente, criando situações geradoras de recursos,
facilitadoras e estimulantes do afloramento da espontaneidade-criatividade.
Nesse sentido, Moreno (2009) ensina que o Psicodrama proporciona ao ser humano
uma experiência nova e mais extensa da realidade em que se pode vivenciar e reencenar
situações antigas, resgatando a plena consciência dos fatos, tornando presente o seu
conflito. Assim, ele possibilita ao ser humano a experiência de reviver no aqui e agora de
situações conflituosas, mas não funciona como renovação do sofrimento. Pelo contrário,
confirma a regra geral: “toda e qualquer segunda vez verdadeira é a libertação da primeira”
(p. 78).
A estagiária percebeu que seria importante voltar outras vezes nessa cena, em
virtude de sua relevância, porém era perceptível o efeito libertador, a que Moreno se
refere. Lucas se encontrava muito diferente agora do que quando começou a sessão. Seu
semblante estava mais solto, já conseguiu perceber o que fazia com as meninas e que
estava repetindo a conduta que recriminava em seu pai. Pois a consciência do sentimento
que o fragilizava fez com que Lucas diminuísse o medo dos seus sentimentos. Só
enfrentando o monstro é que o impeço de crescer.
Décima Quinta Sessão
Nessa sessão foi feito um processamento verbal da sessão anterior.
Lucas: As pessoas dizem que sou safado e cachorro. Não dá maneira ruim sabe...
Como um cafajeste, isso pra mim é bem legal. Não gosto de me apegar a nada, nem que se
apeguem a mim. Se bem que ainda não sou o cafajeste... Ainda me importo com as
pessoas.
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Estagiária: Ainda? Você quer ser?
L: Não sei. Minhas escolhas vão definir isso, não sei.
E: Se você se tornar um cafajeste com quem irá se parecer?
Lucas: Ain! Tô confuso! Sou confuso!!! Não sei o que quero. Às vezes quero ser
sério e de caráter sabe... Alguém gente boa... Depois quero ser um cafajeste. Eu me
inspiro nos filmes saca, tipo “American Pie”, o Stifler me deixa doido. Eles são sempre os
mais felizes.
A adolescência é uma grande mutação. O corpo se transforma tudo explode, tudo
muda. O jovem se toca, se acaricia, se masturba. Sente prazer. Tudo é natural, é
incontrolável, é uma pulsão que o impele a expressar a sua sexualidade. Estas
transformações físicas vêm acompanhadas de transformações psicológicas. Alteram toda a
visão subjetiva do indivíduo (Cunha & Bertussi, 2010).
E: Sim é verdade. Mas isso é apenas um filme. E a vida real?
L: Complicado né? (Mostra-se confuso e triste)
E: Quando trouxe seu pai na sessão passada, ele disse que você se parece com ele
e que ele é um cafajeste. Ele é feliz?
L: Nossa! Pior que ele não é feliz... Ele tem várias mulheres, pega todas, mas não
paga pensão para os filhos, ele não se prende a nada. Putz, nem eu consigo me prender a
nada. Não consigo namorar e gostar apenas de uma menina. Mas também não sofro com
isso... (reflexivo)
E: Você quer e não quer se parecer com ele.
L: Exatamente isso! Não quero ser um pai assim, ele tá na merda. Mas eu sempre
quis ser como ele, saca? Esperto, confiante, sofre menos. Odeio ser melancólico, é
ridículo. Não quero ficar triste e ter dores amorosas. Esses tempos quando a Jessica
(nome fictício) terminou comigo eu chorei, bebi, ouvi músicas de sertanejo que falam de
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amor... Até escrevi uma carta me despedindo dos meus amigos, eu pensei em me matar,
sabe? Mas eu nem tentei nada... Foi coisa do momento, isso é ruim, viu?!
Segundo Cunha e Bertussi (2010), o adolescente sente-se frágil e vulnerável, muito
sensível às reações dos amigos. Fica às vezes inquieto, precisa de segurança, está sempre
tentando agir como os adultos, muitas vezes de forma desajeitada.
A estagiária trabalhou o pai interno do paciente, os erros e acertos cometidos por
ele. Possibilitando Lucas perceber que é outra pessoa e que pode desenvolver uma nova
maneira de se relacionar com as pessoas. O psicodrama proporciona ao paciente uma
experiência nova e mais ampla da realidade.
Nesse sentido, Moreno (2009) ensina que o ser humano em crise possui uma
necessidade de ter alguém ao seu lado compartilhando de seu sofrimento e o auxiliando a
encontrar respostas novas e adequadas.
Décima sétima Sessão
Nessa sessão, foi proposto ao paciente a técnica do esquema de papéis Cukier,
(1992), pois a temática que ele trouxe veio ao encontro da mesma. A respeito dos papéis
que Lucas desempenhava em sua vida construiu a seguinte imagem:
Figura 1. Representação do esquema de papéis feito pelo paciente Lucas.
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Foi solicitado ao paciente que definisse os papéis que ocupava no seu dia-a-dia, e
os colocasse no tapete. A estagiária questionou onde estavam os outros papéis tais como
filho, aluno, funcionário e Lucas disse que estavam dentro do vagabundo.
Os papéis e suas respectivas ordens trazidas foram: 1) vagabundo (exercido na
família, escola e trabalho); 2) fodão (exercido com os amigos, onde pega todas meninas e
“se dá bem” na escola sem estudar); 3) mau (quando anda na rua, veste preto para andar de
ônibus, assim ninguém mexe com ele) e 4) meigo (exercido com as meninas e verbalizou
que este era o mais forte).
Ele escolheu primeiro entrar no papel de vagabundo e quando entrevistado pela
estagiária disse:
L: Sou vagabundo mesmo porque assim eles não me pedem nada... eu tenho
dificuldade de dizer não, eu acabo cedendo aos pedidos deles. E quando fico o dia todo
sem fazer nada em casa e tal, eles não me pedem nada.
Lucas (papel de meigo): sou uma mentira!
Estagiária: Mas é o que está mais presente?
L (papel de meigo): É! Ele é importante. Ninguém gosta de um cara arrogante o
tempo todo, todo fodão. Nem um cara que nunca faz nada. É pra ser mais aceito.
E: Parece-me que esse é o mais verdadeiro de todos. Nele você chora se entristece,
depois coloca o sorriso no rosto e sai como se nada tivesse acontecido, para finalmente
ser o que as pessoas querem que você seja.
L (papel de meigo): Parece que sim.
E: Você precisa se proteger porque senão sofre demais, não é? Não quer se
machucar.
L (papel de meigo): (abaixou a cabeça e ficou em silêncio)
E: Tem alguém que o aceita dessa forma?
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L (papel de meigo): Além de você, tenho um amigo desde criança que sabe de
tudo.
Nesse momento, o paciente fez um relato de muitas histórias boas e divertidas de
sua história. Segundo Moreno (2009), todos os papéis, no contexto dramático,
transformam-se em papéis psicodramáticos e vão ser os instrumentos para as
transformações necessárias no mundo interno do paciente. Assim, o psicodrama tem por
objetivo reconstituir as realidades vividas, jogando os papéis que estão implicados na cena
para ressignificar os papéis estereotipados e fornecer outras possibilidades ao paciente.
Blatner e Blatner (1996) reforçam que desempenhar papéis como uma forma de
ensaio de vida age não apenas no sentido de aperfeiçoar habilidades e estratégias mais
eficazes para lidar com as situações, mas o que e mais importante ajuda o paciente a
revitalizar suas esperanças e sonhos. Isso ajuda o paciente a construir pontes mais
funcionais entre suas experiências subjetivas e as constatações objetivas da realidade.
Nesse sentido, a estagiária pontuou para Lucas os aspectos que estavam mais saudáveis em
sua vida, e conflitos que ainda necessitariam ser trabalhados.
Nas sessões posteriores Lucas falou sobre sua mudança de mentalidade e
comportamento com as meninas. Relatou que está com vontade de ter alguém e ser
diferente. Durante o processo terapêutico foi possível observar as mudanças do paciente
em relação às mulheres nos seus depoimentos verbais e em suas ações.
A evolução do processo psicoterápico de Lucas foi satisfatório. O paciente
raramente faltou às sessões e quando o fez, justificou todas às vezes, demonstrando
comprometido com o seu processo psicoterapêutico. Um dos fatores que contribui para
esse êxito foi o bom vínculo entre estagiária com o paciente. Nesse sentido, Vasconcellos
(2007) também afirma que o vínculo psicoterapêutico parece ser fundamental para que
haja a adesão do paciente ao tratamento psicoterapêutico.
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A aliança terapêutica com a parte sadia permitiu trabalhar a parte indiferenciada do
paciente, as suas relações adoecidas resgatando-lhe a espontaneidade-criatividade e a
satisfação ao desempenhar os seus papéis sociais. Assim, considera-se que o presente
artigo conseguiu atingir seu objetivo uma vez que, correlacionou a teoria psicodramática
ao caso clínico em questão.
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Referências
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