Post on 29-Mar-2016
description
ributaçãoe m r e v i s t a ano 17 N° 59 T
issN 1809-3426Uma publicação do sindicato Nacional dos auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil – sindifisco Nacional
abr–Jun 11 Distribuição Dirigida
Quem pagaa conta?
Entrevista
Fernando Gaiger - Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamento Páginas 6 a 13
Desoneração
Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifisconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.
5
s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL
ENTREVISTAFernando Gaiger silveira
ARTIGOinconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de saláriosÁlvaro Luchiezi Jr.
ARTIGOreforma tributária simples: reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro e resgatando a Dignidade do ContribuinteEurico Marcos Diniz de Santi
ARTIGODa Capacidade Contributiva e o seu Processo real de efetividadeArlindo Marostica, Hélio Silvio Ourem Campos
ARTIGOLegitimidade do Planejamento tributário: critériosClaudemir Rodrigues Malaquias
ARTIGOresponsabilidade tributária Objetiva?Otávio Alves Forte
QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOstF reafirma possibilidade de tributação progressiva do iPtU paulistano
6
14
26
36
47
57
64
DIRETORIA ExECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio machado montenegro2º Vice-Presidentesergio aurélio velozo DinizSecretário-GeralClaudio marcio Oliveira DamascenoDiretor-Secretáriomauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de Finançasagnaldo NeriDiretora de Administraçãoivone marques monteDiretor-Adjunto de Administraçãoeduardo tanakaDiretor de Assuntos Jurídicossebastião Braz da Cunha Dos reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner teixeira vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson myskovsky santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissionalmaria Cândida Capozzoli de Carvalho
2º Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos Técnicoselizabeth de Jesus mariaDiretor de Comunicação SocialKurt theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação Socialrafael Pillar JúniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e Pensõesaparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor-Adjunto do Plano de Saúdeeduardo artur Neves moreiraDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão da silva dos santosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo marcio secundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos eduardo Barcellos Dieguez
Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da silvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialmaria amália Polotto alvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialrogério said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir de OliveiraDiretores-SuplentesKleber Cabral Conselho FiscalMembros Titularesricardo skaf abdalaJose Benedito de meiramaria antonieta Figueiredo rodrigues Membros Suplentesiran Carlos toneli LimaNorberto antunes sampaioJosé Yassuo Hashimoto
Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.
Conselho EditorialLupércio machado montenegro, elizabeth de Jesus maria; Kurt theodor Krause; tarcízio Dinoá medeiros; João Cunha da silva; Hélio socolik, ro-berto Barbosa de Castro e Luiz antonio Benedito.
Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.
EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.
Projeto Gráficoerika Yoda
Fotolito e ImpressãoBrasília artes Gráficas
CapaNúcleo Cinco
Diagramação Washington ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF
Tiragem desta edição3.000 mil exemplares
Produção EditorialPublicação Dirigida. acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:estudostecnicos@sindifisconacional.org.br
Redação e correspondência sDs, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CeP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
ributaçãoT e m r e v i s t a
triBUtaÇÃO em revista 5
e DITORIAL
a desoneração da folha de pagamento é um tema
recorrente entre acadêmicos, estudiosos, formuladores
de política e empresários. ela entrou definitivamente na
agenda política brasileira em 2008, embutida na PeC
233/08 que definiu a proposta de reforma tributária en-
caminhada pelo Governo Federal. Desde então a desone-
ração também entrou na pauta das Centrais sindicais e
de muitos sindicatos.
sucessivos governos têm apresentado proposta de
mudanças no sistema tributário sem conseguir atacar
definitivamente dois problemas centrais: a baixa progres-
sividade da tributação brasileira e a má distribuição da
carga tributária.
Dada a relevância destes dois temas, o sindifisco Na-
cional firmou uma parceria com o iPea e com o Dieese
para, estudando-os, levantar questões polêmicas não to-
talmente esclarecidas no discurso oficial. estas reflexões
serão divulgadas à classe dos auditores-Fiscais e à socie-
dade por meio de publicações que virão a público em
meados do segundo semestre deste ano. tributação em
revista repercute nesta edição parte destas polêmicas.
a entrevista de Fernando Gaiger, técnico do iPea es-
pecializado em tributação, questões distributivas e deso-
neração tributária, traz respostas a algumas das preocu-
pações dos auditores-Fiscais, sindicalistas e de grande
parte da sociedade brasileira sobre ambos os temas. O
artigo de alvaro Luchiezi Jr. questiona dois dos princi-
pais argumentos em favor da desoneração da folha de
pagamento, lançando dúvidas sobre seus benefícios para
o mercado de trabalho e para a competitividade externa
dos nossos produtos.
Qualquer proposta de reforma tributária somente lo-
grará êxito na medida em que primar pela simplicida-
de das soluções que ela aporta. isto é particularmente
verdade se quisermos elevar nosso sistema tributário a
um patamar de maior justiça fiscal, com tributos mais
progressivos e carga tributária melhor distribuída. esta
é a mensagem do artigo assinado pelo professor eurico
de santi, da FGv/sP e que surgiu no bojo da parceria
realizada pelo sindifisco Nacional e o Núcleo de estudos
Fiscais da FGv/sP. O artigo de arlindo marostica e Hélio
Ourém aborda outro aspecto relevante para questões de
progressividade: a capacidade contributiva. Não haverá
plena justiça tributária enquanto perdurarem mecanis-
mos de renúncia tributária em favor da renda do capital
ou isenção no pagamento de lucros e dividendos.
tributação em revista também abre espaço para ou-
tras reflexões que sugerem melhorias em nosso sistema
tributário. este número traz o artigo do auditor Fiscal
Claudemir malaquias abordando a questão do planeja-
mento tributário e fazendo sérias observações quanto
às condutas de contribuintes que tentam fugir de suas
obrigações tributárias por meio de expedientes evasivos
e elisivos. O tema desenvolvido por Otávio Fortes coloca
em discussão a introdução, no CtN, da responsabilidade
tributária objetiva.
ao desenvolver estes temas tributação em revista es-
pera provocar no leitor reflexões acerca da justiça fiscal.
seriam as propostas de reforma tributária e de desone-
ração da folha de pagamento, nela embutida, caminhos
para a prática da justiça fiscal? Ou elas representariam
mais privilégios para alguns segmentos e contribuiriam
para perpetuar as desigualdades de tratamento tributário
em nosso país?
6 triBUtaÇÃO em revista
O Doutor em economia Fernando Gaiger silveira, Pesquisador do iPea – insti-tuto de Pesquisa econômica aplicada é um dos técnicos desta respeitada ins-tituição com maior produção e conhecimento sobre questões relativas à pro-
gressividade na tributação e à desoneração da folha de pagamento, temas da presente edição. sua participação tem sido bastante esclarecedora no ciclo de seminários sobre estes temas que o sindifisco Nacional vem promovendo em parceria com o iPea e o Dieese. tributação em revista foi ouvi-lo para compartilhar com o leitor suas reflexões.
e ntrevista
Fernando Gaiger Silveira
“Compensar a desoneração da parcela patronal da contribuição previdenciária por mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento, isenta nas exportações, torna mais regressivo o financiamento da previdência,
pois implica onerar mais as parcelas da população com baixos rendimentos e que não são afiliadas ao sistema”
triBUtaÇÃO em revista 7
Tributação em Revista - Cerca de 52% da Carga Tri-
butária Brasileira é composta de tributos indiretos.
Maior incidência tributária sobre a renda teria re-
percussão direta sobre os gastos das famílias de me-
nor renda, melhorando o perfil do seu consumo e,
por conseguinte, o acesso a bens e serviços? Ou esta
equação é mais complexa e dependeria de outros fa-
tores?
Fernando Gaiger - Não resta dúvida de que a compo-
sição de nossa carga tributária, diferentemente dos pa-
íses desenvolvidos, ao apresentar um predomínio dos
tributos indiretos vai de encontro ao que se espera do
sistema tributário em termos distributivos. Na verda-
de, os tributos no Brasil aprofundam a concentração
da renda ao incidir proporcionalmente mais sobre a
renda dos mais pobres. segundo nossas estimativas,
enquanto os 10% mais pobres arcam com 32% de sua
renda com tributos, para os 10% mais ricos os tribu-
tos respondem por 21% da renda. vale sublinhar, no
entanto, que nossos tributos indiretos e diretos apre-
sentam índices de regressividade e progressividade
próximos aos que se observam nos países centrais,
especialmente no caso dos indiretos. No caso dos di-
retos, a progressividade que eles apresentam é menos
expressiva ao que se assiste nesses países. a diferença
se situa na composição da carga, fazendo com que o
nosso sistema como um todo seja regressivo, portan-
to, concentrador de renda. O potencial distributivo de
um tributo – ou de um benefício – depende do seu
grau de progressividade ponderado por sua importân-
cia na renda, podendo se empregar como analogia a
ideia de que a progressividade é como uma alavanca
cujo potencial de alterar a posição inicial depende do
tamanho dela. No caso brasileiro, pode-se dizer que
os tributos diretos e indiretos são alavancas com po-
tenciais distributivos semelhantes ao de outros países,
mas o nosso problema é o tamanho relativo dessas ala-
vancas: uma pequena alavanca no caso dos tributos
diretos, que limita seus impactos distributivos; e uma
enorme alavanca no caso dos indiretos, que potencia-
liza seus efeitos concentradores.
essa composição centrada nos impostos indiretos se
deve a obstáculos tanto políticos como econômicos
para ampliar o peso dos tributos diretos. as dificulda-
des políticas estão consubstanciadas no bloqueio que
as camadas mais ricas da população, notadamente os
detentores de patrimônio, desenvolvem à ampliação
da carga tributária direta por meio da presença de seus
interesses nas três esferas do poder. No âmbito da eco-
nomia, o elevado grau de informalidade nas relações
de trabalho e nas atividades empresariais implica em
menor eficiência arrecadatória dos tributos diretos, le-
vando, assim, ao predomínio dos tributos indiretos,
que se mostram mais efetivos nesse cenário.assim, o
crescimento do peso dos tributos diretos passa, neces-
sariamente, pelo crescimento econômico e pela conse-
quente formalização das relações comerciais, tornando
mais efetiva a tributação direta e ampliando o grau de
proteção social pelo aumento do contingente de traba-
lhadores filiados à previdência social.
TR - A atual estrutura de alíquotas do Imposto de
Renda é adequada à estrutura da distribuição de
renda brasileira, a qual mostra grande concentração
de renda nas mãos dos mais ricos (13% da renda é
apropriada por 1% mais rico da população)?
“Os tributos no Brasil
aprofundam a concentração da renda ao incidir
proporcionalmente mais sobre a
renda dos mais pobres.”
8 triBUtaÇÃO em revista
FG - Hoje o imposto de renda alcança a parcela dos
mais ricos que são assalariados, tendo baixa efetivida-
de sobre aqueles cuja renda é proveniente ou de seus
empreendimentos – lucros e dividendos - ou de ga-
nhos patrimoniais – juros e aluguéis. a dificuldade se
deve tanto às lacunas da legislação, bem apontadas em
estudos realizados por vocês do siNDiFisCO, em que
se sobressai o fato de os empresários não “existirem”
enquanto pessoas físicas, tornando seus gastos – sua
renda – custos empresariais e sua riqueza patrimônio
de pessoa jurídica. exemplo disso é a importância atu-
al das consultorias em planejamento tributário, que,
em alguns casos, realizam, também, estudos voltados
à estimativa da carga tributária e de sua incidência.
mesmo assim, não se deve esquecer que a classe média
brasileira, que se situa, em razão de nossa distribui-
ção de renda, nos estratos intermediários superiores
e elevados de renda, suporta uma carga fiscal direta
pouco expressiva frente ao que se assiste em países de-
senvolvidos. O que quero dizer é que arcamos (utilizo
como exemplo o meu próprio caso, de pesquisador
graduado do ipea) com um tributação direta pouco
expressiva sobre a renda em comparação ao ônus que
um cidadão de um país central, em posição semelhan-
te na “pirâmide social” suporta em termos de tributos
sobre a renda. assim, defendi junto com outros cole-
gas a ampliação da estrutura de alíquotas com vistas a
aumentar a arrecadação do irPF, abrindo espaço para
diminuir a alíquota do Pis-Cofins – que é o maior tri-
buto indireto de competência do governo federal. Ou
seja, grosso modo, a população alcançada pelo irPF
não se alteraria, mas seriam criadas mais alíquotas,
implicando, por outro lado, benefícios aos contribuin-
tes do ir com menores rendas, pois a incidência da
tributação indireta seria abrandada. Os ganhos para
os mais pobres, não atingidos pelo ir, seriam ainda
maiores, já que arcariam com um ônus fiscal menor.
evidentemente que apontamos para a necessidade de
melhorar a eficácia do irPF para os rendimentos dos
autônomos, denominados nas investigações domicilia-
res de conta-própria, e os oriundos de lucros, juros e
aluguéis.
TR - Em sua opinião, o sistema tributário brasileiro,
cuja tributação direta é considerada por muitos es-
pecialistas como similar a de países desenvolvidos,
é eficaz em termos distributivos? Como a capacida-
de contributiva dos indivíduos pode contribuir para
uma tributação mais equânime e melhoria distribu-
tiva?
FG - tributos são os custos que pagamos para cons-
truirmos uma sociedade civilizada (“taxes are what
we pay for civilized society”) disse Oliver W. Holmes
– essa frase se encontra no frontispício do edifício
da receita federal norte-americana. essa consciência
e esse espírito de solidariedade é o que falta à nossa
sociedade, evidenciados na valorização dada aos que
conseguem recolher menos imposto de renda lançan-
do mão das brechas legais. Os dados mostram que o
irPF é bastante progressivo, sendo, no entanto, pouco
efetivo para aqueles que percebem rendimentos fora
do mercado de trabalho assalariado. Deve-se, assim,
buscar melhorar seu alcance junto a esses segmentos e
ampliar seu peso no conjunto da carga tributária. Nes-
se particular devem ser avaliados alguns benefícios,
entre os quais os gastos em saúde e educação privada
e para os mais idosos. Os descontos permitidos para
“Os dados mostram que o IRPF é bastante
progressivo, sendo, no entanto, pouco
efetivo para aqueles que percebem
rendimentos fora do mercado
de trabalho assalariado.”
triBUtaÇÃO em revista 9
os dispêndios com educação formal junto a institui-
ções privadas funcionam como uma espécie de “Bolsa
Família’ da classe média e dos ricos, tendo represen-
tado, em 2010, um desconto da ordem de r$ 65,00
mensais, bem superior aos benefícios do Bolsa Família
associados a presença de crianças e jovens. Já no que
concerne aos impostos sobre patrimônio – imóveis e
automóveis – o perfil de incidência é neutro, no caso
do iPva, e regressivo para o iPtU. esse quadro vai de
encontro ao objetivo re-distributivo que se espera dos
tributos sobre patrimônio e riqueza. vale destacar que
a progressividade no iPtU foi possível recentemente,
ainda sendo obstaculizada no caso do iPva. alíquo-
tas diferenciadas para o iPva são empregadas como
instrumento de incentivo a determinados modelos de
automóveis – movidos a etanol, entre os quais os flex,
sendo controversa a aplicação de alíquotas diferencia-
das segundo o valor do bem. Cabe citar ainda as bai-
xas alíquotas dos impostos sobre herança (itCmD) e
a baixa progressividade que se verifica nas legislações
estaduais, bem como a inexistência de valores máxi-
mos de transmissão como ocorre em vários países.
TR - Temos uma legislação tributária moderna em
termos distributivos? As diversas isenções do Impos-
to de Renda – por exemplo, na distribuição de lucros
e dividendos – e a própria defasagem na correção da
tabela do IR, não provocariam distorções distributi-
vas? Em grandes linhas, que alterações o Sr. proporia
em nosso sistema legal em favor de maior equidade?
FG - Não resta dúvida que a isenção concedida à dis-
tribuição de lucros e dividendos é negativa para a
maior progressividade do irPF, mas, como apontei an-
teriormente, os benefícios fiscais concedidos aos gas-
tos privados em educação e saúde atenuam, também,
a progressividade do tributo, além de beneficiar a pro-
visão privada em áreas onde o gasto público direto,
como proporção do PiB, encontra-se bem aquém do
praticado em países desenvolvidos.
Quanto à defasagem da tabela do irPF, vale, primeira-
mente, notar que a remuneração média do trabalhador
urbano brasileiro foi, em 2009, segundo a PNaD, de
r$ 1.131,98, situando-se ao redor do 70º percentil.
Ou seja, 70% dos trabalhadores urbanos com renda
positiva recebem por seu trabalho principal valores
inferiores à média. Caso se considere que a subdecla-
ração da renda do trabalho nas pesquisas domiciliares
é da ordem de 75%, o rendimento médio do trabalho
estaria ao redor de r$ 1.500,00, valor bastante próxi-
mo ao limite de isenção do irPF para o ano calendário
2009. sabendo que toda transferência de renda é pro-
gressiva quando se desconta rendimentos das pessoas
que se situam acima do rendimento médio, a tabela
do irPF, no que concerne aos rendimentos do tra-
balho, mostra-se adequada em termos de incidência.
Como dito, há que se ampliar a estrutura de alíquotas,
com a majoração destas para os maiores rendimentos,
buscando-se, também, melhorar a efetividade do irPF
para os ganhos advindos do trabalho autônomo – pro-
fissionais liberais, dos empreendimentos e do patri-
mônio.
TR - As políticas tributária, previdenciária e assis-
tencial do Brasil têm alguma eficácia e efetividade
em termos distributivos? Até que ponto a nossa pés-
sima distribuição de renda é um obstáculo para que
tais políticas operem largamente em favor do maior
acesso a benefícios para as classes intermediárias e
para as populações mais carentes?
“Não resta dúvida que a isenção concedida à distribuição
de lucros e dividendos é negativa para
a maior progressividade do IRPF.”
10 triBUtaÇÃO em revista
FG - Como já apontei a política tributária é em seu con-
junto regressiva, ou seja, reforça o padrão de concen-
tração de renda nacional. em minha tese de doutora-
do, avaliei os impactos distributivos da tributação e da
previdência e assistência sociais com base na Pesquisa
de Orçamentos Familiares de 2003. Observei que esse
conjunto de políticas não implicava alterações na desi-
gualdade de renda, ou seja, a ação do setor público não
modificava o quadro de iniquidade na distribuição de
renda. isso porque os ganhos distributivos da previ-
dência e da assistência não eram expressivos à época,
bem como os decorrentes da tributação direta, sendo
todos eles “perdidos” com a incidência dos tributos
indiretos. Concretamente, o Índice de Gini da renda
recebida via mercado – do trabalho, de aluguéis, por
meio de doações inter-domiciliares e de rendimentos
do capital - diminuía em 2,3% após a concessão dos
benefícios previdenciários e assistenciais, queda bem
menos expressiva que a observada nos países centrais.
Um dos motivos para essa queda pouco expressiva é o
fato de a previdência social refletir, em grande medida,
o perfil distributivo do mercado de trabalho, dado seu
caráter de seguro social, ou seja, ter por parâmetro
da concessão dos benefícios a contribuição realizada
pelos trabalhadores. Nesse particular, chama atenção o
caráter regressivo das aposentadorias do setor público,
que decorre dos maiores salários pagos aos trabalhado-
res do setor público em razão da melhor qualificação
desses frente aos do setor privado. Com a incidência
dos tributos diretos o Índice de Gini da renda mo-
netária caiu, em 2003, 2,0%, bem inferior ao que se
observa nos países centrais. a queda na concentração
de renda, decorrente da concessão de benefícios previ-
denciários e assistenciais e da incidência dos tributos
diretos, era totalmente reposta pela tributação indireta
com o Gini retornando ao patamar anterior à inter-
venção do estado por essas políticas – previdência,
assistência social e tributação direta. atualizei essas
estimativas, para 2009, com base na última POF, ten-
do ficado evidente o aprofundamento do impacto dis-
tributivo das transferências monetárias – previdência
e assistência sociais. efetivamente, enquanto o Índice
de Gini da renda de mercado ficou, em 2009, 2,3%
inferior ao observado em 2003, no caso da renda após
os benefícios previdenciários e assistenciais a queda
foi de 5,2%. essa diferença se preservou entre a ren-
da disponível – descontados os tributos diretos – e a
renda pós-tributação – subtraídos os tributos indiretos
– entre os dois anos. Fica patente, assim, que os efeitos
distributivos da tributação tanto direta - progressiva
- como indireta – regressiva - preservaram-se nos mes-
mos níveis; mas a novidade foi que houve ganhos sig-
nificativos nos efeitos distributivos das transferências
monetárias públicas – previdência e assistência so-
ciais. Ganhos esses que, desta vez, não foram anulados
pela regressividade do sistema tributário. interessante
notar que é justamente no momento em que avança
essa maior efetividade distributiva da previdência e
assistência sociais é que ganha destaque na discussão
pública o peso da carga tributária e de sua iniquida-
de, como a criação do impostômetro e da mensuração
dos dias trabalhados para o pagamento de impostos.
Pergunto-me se o impostômetro é de fato um medidor
de impostos ou é a medida de uma impostura. im-
postura ao esconder o real objeto dessa crítica que é a
melhoria distributiva do gasto social. Junto com essa
atualização das estimativas dos impactos distributivos
das políticas tributária, previdenciária e assistencial,
realizei a valoração e alocação dos gastos públicos em
saúde e educação, ficando evidente o quão são dis-
tributivas essas políticas universais. Como resultado
final do balanço entre o que se paga em tributos e o
que se recebe por meio da previdência e assistência
social e da provisão pública de saúde e educação tem-
-se um saldo positivo para os estratos populacionais
pobres e intermediários, tendo esse saldo se ampliado
entre 2003 e 2009. O índice de Gini diminui 11,6% e
15,2% quando se adicionam a renda os gastos públi-
cos com a educação e saúde públicas em 2003 e 2009,
respectivamente. Concluo, assim, que o gasto social
triBUtaÇÃO em revista 11
tem sido capaz de alterar a distribuição de renda, ain-
da que o financiamento seja regressivo. existe espaço
para que esses ganhos se preservem e aumentem com a
ampliação dos gastos sociais, bem como pela melhoria
da incidência tributária, com a ampliação dos tributos
diretos.
TR - Um dos argumentos a favor da desoneração da
folha de pagamento é o de que ela propiciaria maior
competitividade aos produtos brasileiros no exterior.
Contudo, o que é relevante nesta questão são os cus-
tos totais do trabalho, dos quais as contribuições pa-
tronais são apenas uma parte. Os custos brasileiros
são baixíssimos comparados aos de outros países.
O foco da desoneração não seria de fato o mercado
interno, visando maior rentabilidade e lucratividade
das empresas para, hipoteticamente, elevar o inves-
timento produtivo?
FG - É fato que temos custos totais do trabalho re-
lativamente baixos, mas é, também, fato que nossa
alíquota de contribuição previdenciária – emprega-
dor e empregado – é elevada. Como não é permitida
a “retirada”, no momento das exportações, dos encar-
gos previdenciários dos preços e encontramo-nos com
dificuldades em competir dada a apreciação cambial,
uma das alternativas é a migração dos encargos tra-
balhistas para tributos que incidem sobre os produ-
tos, tributos esses que são passíveis de tratamento –
isenção – quando das exportações. a questão é que
esse real motivo para a desoneração das contribuições
previdenciárias patronais é mascarado pela defesa des-
sa medida como forma de incrementar o emprego e a
formalidade. a desoneração da contribuição patronal
é, como diz um estudo recente, uma solução à busca
de um problema, que hoje se faz presente na questão
da competitividade, afetada pela apreciação cambial.
Preocupa-me que a maior parte da crítica à desone-
ração se concentra nos riscos ao financiamento da se-
guridade social, em geral, e da previdência social, em
particular, que podem ser mitigados pela instituição
de nova fonte de financiamento, que é aventada pela
proposta oficiosa. Ora, compensar a desoneração da
parcela patronal da contribuição previdenciária por
mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento,
isenta nas exportações, torna mais regressivo o finan-
ciamento da previdência, pois implica onerar mais as
parcelas da população com baixos rendimentos e que
não são afiliadas ao sistema. Por que não buscar fontes
outras de financiamento da previdência que melhorem
o perfil de financiamento?
TR - Os defensores da desoneração das contribui-
ções patronais sobre a folha de pagamento alegam
que ela propiciaria geração de emprego e renda. Seus
estudos indicam alguma correlação entre esta deso-
neração e o crescimento dos salários? O crescimento
da massa salarial, como consequência desta desone-
ração, traria efeitos distributivos benéficos?
FG - Primeiramente, é despropositada, no atual cená-
rio, a proposta de desoneração com vistas a ampliar
o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que
se assiste no mercado de trabalho. Observa-se, nos
últimos anos, uma ampliação expressiva tanto do
emprego como da formalidade, em razão, principal-
mente, do crescimento econômico e das políticas de
fortalecimento do mercado interno por meio da valo-
rização do salário mínimo, da ampliação do crédito e
de desonerações fiscais. e a informalidade se concen-
“É despropositada, no atual cenário,
a proposta de desoneração
com vistas a ampliar o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que se
assiste no mercado de trabalho.”
12 triBUtaÇÃO em revista
tra naqueles trabalhadores que percebem rendimen-
tos baixos, inferiores ao salário mínimo, tendo já sido
implementadas políticas de inclusão previdenciária,
como o simples, o Plano simplificado de Previdência
social, o microempreendedor individual e o desconto
da parcela patronal do iNss do empregado doméstico
no ir. em segundo lugar, os estudos apontam que a
desoneração da contribuição patronal teria seus efei-
tos concentrados nos rendimentos dos trabalhadores
formais e, no meu entender, na ampliação da margem
de lucro dos empresários. esses efeitos seriam perver-
sos em termos distributivos, tornando-se mais agudos
caso a compensação dessa desoneração fosse realiza-
da por meio de impostos – contribuições – sobre a
receita ou o faturamento. trocaríamos uma fonte de
financiamento de caráter neutro e incidente sobre os
futuros beneficiários da previdência por uma regressi-
va e cuja incidência é proporcionalmente maior sobre
a renda daqueles que não se encontram afiliados ao
sistema previdenciário. assim, se hoje temos já uma
parcela importante do financiamento das políticas
sociais, notadamente, previdência, assistência e saú-
de baseada em tributos indiretos, logo regressivos, a
mudança que se noticia aprofundaria essa situação de
iniquidade fiscal. estou, juntamente com colegas do
ipea, desenvolvendo estudo em que iremos defender a
necessidade de ações que possam mitigar esses efeitos
regressivos da desoneração compensada por impostos
sobre o consumo. Partimos do pressuposto de que
a desoneração da folha tem por objetivo melhorar a
competitividade de nossa economia por reduzir os en-
cargos fiscais que não são passíveis de serem retirados
quando das exportações, dado o quadro de apreciação
cambial que vivemos. Nossas propostas de “redução
de danos” são de desonerar a parcela do empregado
sobre o primeiro salário mínimo – por exemplo, de
8% para 4% - e a busca de outras fontes de compensa-
ção, entre as quais a tributação sobre a exportação de
minerais e outras commodities. O objetivo dessas pro-
postas é, de um lado, compensar os efeitos regressivos
da medida e, de outro, diminuir os encargos sobre o
mercado interno.
TR - A mão de obra informal brasileira (vendedo-
res ambulantes, prestadores de serviço domésticos,
etc.), principalmente, padece de baixa qualificação
profissional, o que dificulta a sua formalização.
Diante deste fato, a pretendida desoneração total
das contribuições previdenciárias incidentes sobre a
folha de pagamento seria eficaz em elevar o grau de
formalização da mão de obra?
FG - Participei de estudo em que foram avaliados os
efeitos das contribuições previdenciárias sobre o em-
prego e a formalização. Dois colegas deram continuida-
de ao tema e publicaram artigo na revista “Planejamento
e Políticas Públicas” (PPP) do iPea no primeiro número
de 2009. ambos os textos apontam que a crença nos
efeitos positivos da desoneração das contribuições pre-
videnciárias no emprego e na formalização está intima-
mente relacionada ao comportamento do mercado de
trabalho nos anos 90, marcado pela precarização das
relações trabalhistas e pelo aumento das taxas de de-
semprego. Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, au-
tores do referido artigo, concluem, depois de refinada
análise dos trabalhos sobre os impactos da desoneração
da folha sobre a formalização que, “a hipótese de que
a redução da alíquota previdenciária terá impactos so-
bre taxa de formalidade do mercado de trabalho parece
“A desoneração da contribuição
patronal teria seu efeito concentrado nos
salários dos empregados formais,
impactando negativamente a equidade.”
triBUtaÇÃO em revista 13
carecer de evidência apropriada em volume suficiente
para justificar a adoção da referida política fiscal”. e,
ademais, como consequência da baixa elasticidade da
oferta de trabalho ou, em outros termos, da demanda
por emprego (o que significa que os trabalhadores estão
no mercado de trabalho qualquer que seja o salário), o
volume de emprego pouco muda. esse fato associado às
elasticidades da demanda de trabalho apuradas em vá-
rios estudos – de cerca de 0,5 - implica que a incidência
econômica das contribuições patronais recai sobre os
salários dos trabalhadores. Cabe observar que se trata
de uma análise de estática comparada, diferentemen-
te do que ocorre no mundo real, que é essencialmente
dinâmico. assim, se é claro que a desoneração da con-
tribuição do empregado se transformará imediatamente
em salário, no caso da desoneração na contribuição do
empregador ocorreria, na melhor das hipóteses, uma
disputa ou barganha entre empregados e empregadores
sobre a apropriação desse benefício. Pode-se, portanto,
sustentar que a desoneração da contribuição patronal
teria seu efeito concentrado nos salários dos emprega-
dos formais, impactando negativamente a equidade.
vale sublinhar, ainda, que a informalidade encontra-se
concentrada nos trabalhadores de baixos salários, em
especial entre aqueles que recebem menos ou pouco
acima de um salário mínimo, para os quais vem se ins-
tituindo políticas de inclusão previdenciária, em que se
destaca a concessão de benefícios tributários. Os estu-
dos sobre os impactos dessas políticas – simples, PsPs,
mei e desconto da contribuição patronal do empregado
doméstico no irFP – ainda são poucos e não conclusi-
vos.
TR - Além do faturamento, três alternativas têm sido
apontadas como possíveis fontes de receita para a
Previdência Social em substituição às contribuições
patronais sobre a folha de pagamento: tributação so-
bre o faturamento; sobre o valor agregado e sobre
movimentação financeira. Gostaríamos de seus co-
mentários sobre a viabilidade e alcance de ambas no
financiamento da Previdência Social, principalmente
sobre as repercussões destas fontes em termos distri-
butivos e equitativos.
FG - Qualquer uma dessas alternativas aprofunda o
caráter regressivo do financimento da previdência so-
cial, pois se troca uma fonte de incidência neutra por
tributos que incidem sobre o consumo. entre essas
alternativas, pouco se sabe sobre a incidência econô-
mica ou o ônus fiscal da contribuição sobre movimen-
tação financeira. interessante notar que ao se concen-
trar a crítica da desoneração da folha aos potenciais
“riscos” dela para o financiamento da previdência, se
aceita tacitamente sua migração por outra fonte de fi-
nanciamento. Ora, o estado paga um novo benefício
previdenciário ao afiliado do rGPs quando esse se en-
quadra nas regras de elegibilidade, direito esse inscrito
na Constituição e regulamentado na Lei de Custos e
Benefícios da Previdência social – a previdência é o
que se chama de regime de caixa em aberto. De onde
provêm os recursos para seu financimento é de fato
fundamental, mas não é o que garante o direito, a meu
ver. Devemos buscar, portanto, que o financimento
seja o mais progressivo, não lançando mão de fontes
que oneram os mais pobres, cujo grau de cobertura
previdenciária é bastante incipiente. Como bem apon-
ta Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, “a desone-
ração com compensação fará com que os mais pobres
(que pagam proporcionalmente mais impostos sobre o
consumo no total da renda que os mais ricos) partici-
pem crescentemente do financiamento do sistema pre-
videnciário ao qual não poderão vir a se socorrer, pois
não estão filiados”. Por fim, deve-se ter presente que
a desoneração diminui ou arrefece a vinculação exis-
tente entre contribuições e benefícios, que é basilar na
consistência técnica e na sustentabilidade política do
regime previdenciário. Nesse sentido, a desoneração
tornará mais agudo o errôneo conceito de “rombo da
previdência”, problema que é sempre apontado pe-
los mesmos que defendem a desoneração. serão eles
formadores de opinião esquizofrênicos? acredito que
não, são em verdade pouco sérios e consistentes.
14 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
Inconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de Salários
sar a redução de receita provocada com a alteração na
alíquota da contribuição. Ou seja, a proposta hoje em
trâmite no Congresso Nacional prevê a redução da con-
tribuição patronal incidente sobre a folha de salários
para 14% ao cabo das reduções gradativas e com uma
fonte alternativa de recursos para os 6% desonerados.
Os defensores da desoneração da folha de salários
baseiam-se em dois argumentos principais para justi-
ficá-la. a redução dos custos de produção seria trans-
ferida para os preços, trazendo efeitos positivos para
o mercado de trabalho e para os produtos brasileiros
negociados no mercado externo.
internamente, haveria estímulos ao crescimento
dos investimentos, o que provocaria uma expansão
do emprego formal, da parcela da renda atribuída aos
salários e, por esta via, do nível de demanda. as per-
das de receitas previdenciárias resultantes da deso-
1- economista e mestre em economia. Gerente de estudos técnicos do sindifisco Nacional
2- trata-se da contribuição social do empregador, empresa ou entidade a ele comparada, incidente sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro.
Álvaro Luchiezi Jr.1
1 Introdução
a desoneração das contribuições patronais inci-
dentes sobre a folha de salários é um tema antigo e
largamente discutido. ela entrou definitivamente na
agenda política a partir de 2008 por meio da Proposta
de emenda Constitucional (PeC) n° 233/08, que en-
caminhou a última proposta de reforma tributária do
Governo Federal. O artigo 11 determina reduções gra-
dativas “da alíquota da contribuição social de que trata
o art. 195, i, da Constituição”2, a serem efetuadas entre
o segundo e o sétimo ano após a entrada em vigor da
emenda. a alíquota da contribuição patronal incidente
sobre a folha de salários hoje é de em 20%. em seu
substitutivo, o relator da Comissão especial da refor-
ma tributária especificou que estas reduções seriam de
um ponto percentual ao ano, acrescentando a previsão
de fonte de financiamento alternativa para compen-
triBUtaÇÃO em revista 15
neração seriam compensadas com o maior volume de
contribuições dos trabalhadores formalizados3.
Por outro lado, nossos produtos comercializados
no mercado internacional ganhariam maior competi-
tividade, melhorando o nosso saldo comercial.
O aquecimento da economia decorrente de ambos
os efeitos incrementaria a arrecadação tributária, ge-
rando recursos para a recomposição das receitas pre-
videnciárias.
este artigo discute as inconsistências desses argu-
mentos. a seção 2 mostra o crescimento da formali-
zação na contratação da mão de obra, argumentando
que ela decorre do crescimento do produto e de fato-
res prevalecentes do lado da demanda. Na seção 3 são
apresentados indicadores do desempenho da indús-
tria de transformação, sugerindo que as estratégias
econômico-financeiras empresariais não transferem
para emprego e renda as reduções de custos resul-
tantes da desoneração da folha de salários. a seção
4 define e apresenta a composição do custo do traba-
lho brasileiro comparativamente ao de outros países,
sugerindo que a desoneração não contribuiria para
melhorar a competitividade dos produtos brasileiros
no exterior. À guisa de conclusão, a seção 5 lança
algumas dúvidas sobre as conseqüências positivas da
desoneração.
2 Formalidade e Informalidade no Mercado de
Trabalho
segundo os defensores da desoneração da folha de
salários, as contribuições sociais patronais represen-
tam um entrave para a geração de empregos formais.
maior desoneração levaria à geração de empregos
formais. esta alegação foi reforçada pela dinâmica do
mercado de trabalho brasileiro da segunda metade
dos anos 1980 e da década de 1990 até o início dos
anos 2000.
entre 1990 e 1999 o PiB brasileiro teve um cresci-
mento médio anual de 1,65% alternando períodos de
leve retração (1990-92), de pequena expansão (1993-
1997), ou de estabilidade (1998-99).
a abertura comercial do início da década colocou
nossas indústrias diante de um cenário internacional
fortemente competitivo, obrigando-as a mergulha-
rem num forte processo de reestruturação produtiva,
intensivo em capital. Do lado da política comercial,
a taxa de câmbio sobrevalorizada contribuiu para a
chamada “desindustrialização”. a oferta de empregos
não acompanhou o ritmo do crescimento da força de
trabalho, resultando em duas conseqüências marcan-
tes sobre o mercado de trabalho: aumento do desem-
prego e maior informalidade4.
Contribuíram para este cenário os seguintes fato-
res: a contração da indústria de transformação, setor
tradicionalmente com alto nível de formalidade; o
crescimento do setor de serviços, onde a informali-
dade é maior; maior terceirização da mão de obra em
decorrência da reestruturação produtiva5; e “fatores
institucionais associados ao sistema de seguridade so-
cial e à legislação trabalhista, incentivando o estabe-
lecimento de relações informais (...)6”.
No contexto da reestruturação produtiva por que
passava a economia brasileira, era imperativa a redu-
ção de custos, inclusive dos relacionados aos encar-
gos sociais. a informalização das relações de trabalho
evitava os custos trabalhistas e do sistema de segu-
ridade social. Como estes eram inevitáveis nas rela-
ções formais, a tese da desoneração difundiu-se. mais
ainda, a redução dos empregos formais comprometia
as bases do financiamento da Previdência social e co-
3- O crescimento da massa salarial, resultante desta expansão de empregos formais, propiciaria “incremento nos recolhimentos da alíquota de empregados, do sat, das alí-quotas de exposição a agente nocivo, da taxa de administração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriunda de empresas em geral) e da própria alíquota patronal” esta última na hipótese de não haver desoneração total das contribuições patronais. (BarBOZa, aNsiLierO e Paiva, 2007, p.3)
4- mte, 2002.
5- ramOs, 2002, apud ULYssea, 2006 e mte, 2002
6- mte, 2002, p. 2
16 triBUtaÇÃO em revista
locava em pauta a busca por outra base de incidência
mais estável. tanto foi assim que a emenda Consti-
tucional no 42 incluiu no artigo 195 da Constituição
Federal o parágrafo 13 prevendo a hipótese da “subs-
tituição gradual, total ou parcial,” da contribuição so-
cial patronal incidente sobre a folha de salários por
outra não cumulativa “incidente sobre a receita ou o
faturamento”7. mais recentemente, outros setores têm
defendido a movimentação financeira como base de
incidência, alegando que uma alíquota de 0,69% inci-
dente sobre movimentação financeira bancária traria
efeitos benéficos sobre a inflação, crescimento da de-
manda, do produto e do emprego.8
a tendência à informalidade das relações de traba-
lho reverte-se a partir do início dos anos 2000. Fato
marcante foi a crise cambial do início de 1999 que
desembocou na criação do câmbio flutuante. a des-
valorização do real no início de 1999 elevou as ex-
portações para os setores produtivos e a redução das
importações promoveu o reaquecimento da indústria
nacional. as conseqüências para o mercado de traba-
lho foram positivas. registrou-se um forte dinamis-
mo na geração de empregos formais, cujas taxas de
crescimento superaram o crescimento da população
economicamente ativa.
Os dados relativos ao nível de formalidade do mer-
cado de trabalho comprovam a reversão da tendência
a partir do início dos anos 2000, tal como indicam os
dados da PNaD - Pesquisa Nacional por amostra de
Domicílios, ilustrados no Gráfico 1.
7- vide siLveira e outros, 2008.
8- CNs, 2009 e Nese, 2010.
Gráfico 1 - taxas de atividade e de Formalização do mercado de trabalho Brasileiro: 1992-2009
Fonte: iBGe, Pnad
triBUtaÇÃO em revista 17
a taxa de formalização da mão de obra cai cons-
tantemente até 1998, tem um grande e rápido cresci-
mento em 1999 e estabiliza-se até 2002. a partir daí
ela cresce constantemente. a taxa de atividade9 oscila
em todo o período, chegando a 2009 em nível pouco
superior a 1992. No período 1992-2002 a taxa de for-
malização da mão de obra decresce de 56,57% para
54,08%, enquanto que no período 2002-09, a inten-
sidade do crescimento da formalização é bem maior
do que o da atividade. enquanto que esta cresce 0,8
pontos percentuais entre, aquela cresce 5,5 pontos
percentuais.
Os dados da Pme - Pesquisa mensal de empre-
go, que abrange apenas seis regiões metropolitanas10,
confirmam este resultado, conforme indica o Gráfico
2. O emprego formal cresce paulatinamente nestas
regiões a partir de 2003, chegando a 51,64% em de-
zembro de 2010, ao passo que o emprego informal cai
de 20,97% para 17,52%.
Os empregos formais têm crescido sem que haja
nenhuma correlação com o nível de incidência da
contribuição patronal.
tal crescimento do nível de empregos formal está,
portanto, associado a outros fatores, principalmente
ao desempenho da economia brasileira, bastante im-
pulsionada pela demanda. veja-se o comportamento
dos empregos formais em anos de bom desempenho
do PiB. Nas regiões metropolitanas, entre dezembro
9- Porcentagem de pessoas economicamente ativas
10- recife, salvador, Belo Horizonte, rio de Janeiro, são Paulo e Porto alegre.
Gráfico 2 - Pme: evolução do emprego Formal. mês de referência: Dezembro
Fonte: iBGe, Pesquisa mensal de emprego
18 triBUtaÇÃO em revista
de 2009 e dezembro de 2010, eles aumentaram 2,9%,
contra 1,4% entre o mesmo período de 2008 e 2009,
ou seja, mais do que o dobro. em 2009 o PiB regis-
trou crescimento negativo de 0,2%.
a evolução do nível de emprego setorial mostrado
na tabela 1 corrobora com esta afirmativa.
À exceção da agropecuária todos os demais setores
econômicos foram capazes de gerar um saldo positivo
entre admissões e desligamentos no período 2008-10.
Novamente, o movimento do emprego acompanha o
desempenho econômico. O saldo é sempre maior nos
anos de bom desempenho do produto (2008 e 2010)
e menor no ano de mau desempenho (2009).
3 Emprego e Indicadores de Desempenho na In-
dústria de Transformação
se por um lado a evolução do emprego é positiva,
a indústria trata de mantê-lo sempre num nível está-
vel. em momentos de crescimento econômico o de-
sempenho dos índices de produção física e de fatura-
mento é sempre melhor do que o índice de emprego.
Os dados do Gráfico 3 mostram que, entre 2008
e 2010, o índice de emprego na indústria de trans-
formação mantém-se bastante estável e em níveis in-
feriores à produção física e ao faturamento real. No
auge da crise econômica (2º trimestre de 2008 e 1º de
2009) os três indicadores apresentaram queda e o ín-
dice de emprego, embora caísse, manteve-se acima da
produção e do faturamento. Nos momentos de cresci-
mento (três primeiros trimestres de 2008 e todo o ano
de 2010), contudo, os índices de produção e de fatu-
ramento são bem superiores aos de emprego. assim é
que, em 2010, o faturamento real cresceu 28,35%, a
produção física 6,4% e o pessoal ocupado 2,5%.
a tabela 2 mostra a evolução dos índices de fatu-
ramento real, emprego e massa salarial real da indús-
tria de transformação segundo os subsetores inten-
sivos em mão de obra11 ou em capital12. No período
analisado nessa tabela ambos os subsetores mantêm
um crescimento do faturamento real em níveis supe-
riores a 20%. entretanto, o comportamento dos índi-
ces de emprego e da massa salarial é bastante distin-
Setores Produtivos2008 Desligamentos menos Admissões
2009 Desligamentos menos Admissões
2010 Desligamentos menos Admissões
Total 1.452.204 995.110 2.555.421
Ind. Extrativa Mineral 8.671 3.036 17.715
Ind. Transformação 178.675 10.865 544.367
Serviços Ind. de Utilidade Pública 7.965 4.984 20.034
Construção Civil 197.868 177.185 334.311
Comércio 382.218 297.157 611.900
Serviços 648.259 500.177 1.018.052
Administração Pública 10.316 18.075 10.417
Agropecuária 18.232 (15.369) (1.375)
11- alimentos e Bebidas, têxteis, vestuário, Couros e calçados, madeira, Papel e celulose, edição e impressão, refino e álcool, móveis.
12- Produtos químicos, Borracha e plástico, minerais não metálicos, metalurgia básica, Produtos de metal, máquinas e equipamentos, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, material eletrônico e comunicação, veículos automotores, Outros equipamentos de transporte.
Tabela 1 - saldo entre Desligamentos e Demissões no mercado de trabalho Brasileiro
Fonte: mte - CaGeD, Lei 4.932-65
triBUtaÇÃO em revista 19
Gráfico 3 - indústria de transformação: indice de evolução da produção física, pessoal ocupado e faturamento 2008-2010 (2008 = 100)
Fonte: CNi, indicadores industriais
Subsetores/Indicadores 2008 2009 2010 2011
mar jun set dez mar jun set dez mar jun set dez mar
subsetores intensivos em mão de Obra
Faturamento real 119,90 115,65 131,13 110,21 126,94 115,02 128,61 125,23 145,58 127,76 140,58 122,59 145,11
emprego 100,70 102,96 104,10 99,18 97,19 97,35 98,86 97,13 99,62 100,67 102,40 100,13 100,15
massa salarial real 101,53 103,78 104,87 122,75 100,91 100,39 101,62 120,55 105,21 107,59 111,14 127,42 107,21
subsetores intensivos em Capital
Faturamento real 114,12 126,48 134,40 110,24 113,21 109,49 122,08 122,08 131,62 122,09 130,24 144,15 141,21
emprego 100,99 102,53 104,72 101,50 96,24 95,18 96,95 96,95 101,87 103,70 105,93 105,43 107,24
massa salarial real 98,70 95,00 99,43 123,70 94,52 90,59 92,85 92,85 99,45 98,14 104,93 124,38 108,43
Tabela 2 - Índices de Faturamento real, emprego e massa salarial real da indústria de transformação subsetores intensivos em mão de Obra e em Capital
Fonte: CNi, indicadores industriais
20 triBUtaÇÃO em revista
to do índice de faturamento real. enquanto que nos
setores intensivos em mão de obra a massa salarial
cresce 5,6% no período considerado, nos setores in-
tensivos em capital ela cresce 9,86%. O índice de em-
prego registrou pequena queda de 0,5% nos setores
intensivos em mão de obra, enquanto que nos setores
intensivos em capital houve crescimento de 6,2%.
a indústria de transformação consegue manter seu
faturamento em níveis mais elevados do que o em-
prego e a massa salarial. Nos setores intensivos em
capital o desempenho do emprego e da massa salarial
é melhor do que nos setores intensivos em mão de
obra.
estes números lançam dúvidas sobre a capacidade
de a desoneração gerar impactos positivos no merca-
do de trabalho. Uma desoneração das contribuições
patronais certamente reduziria os custos de produ-
ção, propiciando às empresas maior rentabilidade e
lucratividade, mas um efeito positivo sobre a geração
de empregos e de renda é incerto13. Não haveria, ne-
cessariamente, contratação de maior volume de tra-
balhadores. O crescimento sustentado do produto é o
meio mais seguro para gerar tal resultado.
estudo realizado por Bitencourt e teixeira14 indica
que a maior parte dos efeitos benéficos de uma deso-
neração dos encargos sociais para a economia ocorre
somente em níveis superiores a 50%. Os efeitos da
redução dos encargos sobre o mercado de trabalho
são a queda nos salários – menor nos salários urbanos
de mão de obra qualificada do que no de não quali-
ficada – e o aumento da taxa de desemprego rural e
urbano, esta última menor apenas quando a desone-
ração é superior a 50%.
ressalte-se que a desoneração prejudica o nível
de emprego e, como conseqüência, implica em maior
rentabilidade do capital:
“ (...) os capitais rural e urbano apresentam va-riação positiva. O que ocorre na economia é uma transferência do fator mão-de-obra, principal-mente não qualificada, para capital (rentabilida-de), cuja conseqüência é um acréscimo na taxa de desemprego, rural e urbano (...)15
Os efeitos da redução dos encargos sobre os níveis
de preços e de investimentos são neutros.
em termos de renda do governo e da arrecadação
tributária, os efeitos são negativos qualquer que seja
o percentual de desoneração. Obviamente, pela falta
de um sucedâneo em termos de arrecadação.
4 Custo do Trabalho e Competitividade Interna-
cional
Os encargos sociais e os salários são dois dos com-
ponentes do custo total do trabalho. salários devem
ser entendidos como o total da remuneração, direta
e indireta, recebida pelo trabalhador como contra-
partida pela prestação de trabalho a um empregador.
as contribuições sociais referem-se aos encargos in-
cidentes sobre a folha de salários e que não revertem
diretamente em benefício do trabalhador16.
O custo total do trabalho é, assim, um conceito
mais amplo, sendo definido, segundo a Oit como:
“o custo incorrido pelo empregador na contra-tação de mão de obra. O conceito estatístico de custo do trabalho compreende a remuneração pelo trabalho realizado, os pagamentos relativos ao tempo pago, mas não trabalhado, bônus e gratificações, o custo da comida, bebida e outros
13- Fernando Gaiger, em entrevista publicada nesta edição, também compartilha deste ponto de vista. veja-se “(...) a desoneração da contribuição patronal teria seus efeitos concentrados nos rendimentos formais e, no meu entender, na ampliação da margem de lucro dos empresários.”
14- BiteNCOUrt, m. B. e teiXeira, 2008. Os autores chegaram ao resultado por meio da utilização de modelo econométrico de equilíbrio geral, construindo seis cená-rios, divididos em dois grupos. No primeiro grupo, composto de 3 cenários, admite-se que o peso inicial dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos é de 25,1%. No segundo grupo, composto de mais 3 cenários, o peso é de 45%. No primeiro cenário de cada grupo supõe-se uma redução de 5,8 pontos percentuais nos encargos, referen-tes às contribuições para o sistema s. No segundo, os encargos são reduzidos em 50% relativamente ao peso inicial e no terceiro, o peso dos encargos é de 9%, percentual este próximo da média dos países concorrentes ao Brasil.
15- idem, p. 73
16- Dieese, 2006. a ONU define a soma dos salários e das contribuições como “compensações aos empregados” da seguinte forma: “a remuneração dos empregados é composta por todos os pagamentos feitos por produtores de ordenados e salários a seus empregados, em espécie, bem como em dinheiro, e de contribuições em relação aos seus empregados para a segurança social e de previdência privada, seguro contra acidentes, seguro de vida e sistemas semelhantes”. (ONU, 1968).
triBUtaÇÃO em revista 21
pagamentos em espécie, o custo de habitações sociais a cargo dos empregadores, gastos patro-nais com encargos sociais, custo para o emprega-dor para a formação profissional, serviços sociais e itens diversos, tais como transporte de traba-lhadores, a roupa de trabalho e de recrutamento, juntamente com os impostos considerados como custo do trabalho”17 (grifo nosso)
resumidamente, o custo total do trabalho é a soma
das despesas remuneratórias e de manutenção do tra-
balhador, encargos sociais incidentes sobre a folha de
salários, treinamento e benefícios.
sendo assim, em termos da inserção competitiva
da empresa no mercado, especialmente no mercado
internacional, o custo relevante é o custo total do tra-
balho, e não apenas o custo dos encargos incidentes
sobre a folha de salários18, uma vez que este é parte
daquele.
Para duas empresas que tenham o mesmo custo
total do trabalho, não haverá diferencial competitivo
entre elas do ponto de vista dos custos trabalhistas
se os encargos sociais, como percentual sobre a folha
de salários, forem bastante inferiores numa delas19.
isto significa que, no caso de uma forte desoneração
da folha de salários no Brasil, uma empresa brasilei-
ra que compete no mercado internacional com, por
exemplo, uma empresa chinesa, não passaria a ter,
necessariamente, maior vantagem competitiva. sabe-
-se que o componente salário no custo do trabalho de
uma empresa chinesa é baixíssimo e menor do que
o brasileiro20. a vantagem competitiva, se existir, de-
penderia da magnitude da desoneração e dos concor-
rentes no mercado internacional.
em termos internacionais, o custo do trabalho no
Brasil já é bastante baixo, tal como indicam os dados
da tabela 3. Da amostra de 34 países, a qual con-
templa países desenvolvidos, emergentes e em desen-
volvimento, somente dois países (Filipinas e méxico)
apresentaram, em 2009, custo da mão de obra por
hora inferior ao brasileiro.
Para conseguir reduzir seus custos do trabalho a ní-
veis inferiores ao do méxico, exclusivamente por meio
da desoneração das contribuições sociais, o Brasil pre-
cisaria desonerar suas contribuições sociais, com base
no ano de 2009, em 85,82%, o que seria impraticável.
aliás, em termos de competição internacional, o
méxico não é parâmetro para o Brasil. Dentre os fa-
tores que tornam seus produtos mais competitivos,
além do reduzido custo total do trabalho, estão sua
proximidade física dos estados Unidos, podendo
atender mais rapidamente as encomendas do seu vi-
zinho e com menor custo de transporte, além de se
beneficiar da ausência de quotas de importação como
membro do NaFta (acordo de Livre Comércio da
américa do Norte)21.
Dentre os países relacionados na tabela 3, o Brasil
apresenta a maior participação dos custos com segu-
ro social e tributos trabalhistas na compensação total
do trabalho. este indicador refere-se à participação
relativa dos gastos com seguro social no custo total
do trabalho. talvez seja por esta razão que os empre-
sários defendem a desoneração. ela é uma forma de
reduzir a participação relativa dos custos com encar-
gos no custo total do trabalho. mas o seu reflexo em
termos de vantagem competitiva para o Brasil é prati-
camente nulo. reduzir aquilo que já é muito baixo –
o custo total do trabalho – em nada contribuiria para
o maior acesso a mercados dos produtos brasileiros.
17- Oit, 1967, p. 39.
18- eUZeBY (1999), apud marQUes e eUZÉBY, 2003.
19- Dieese, idem.
20- Chan (2009) aponta quatro razões principais para que os salários chineses tornem os produtos daquele país tão competitivos no mercado internacional: oferta de traba-lho quase inexaurível; descentralização administrativa e desregulamentação de salários na reforma econômica, fazendo com que os governos das províncias fizessem vistas grossas à exploração da mão de obra; ausência de sindicatos autônomos que lutem pela preservação de salários; o sistema doméstico de registro chamado hukou que previne fluxo migratório rural-urbano incontrolado.
21- idem.
22 triBUtaÇÃO em revista
Países
2009 2008
Compen-sação aos emprega-
dos1
Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3
Compen-sação aos emprega-
dos1
Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3
Vlr. Vlr. % Vlr. % Vlr. Vlr. % Vlr. %
estados Unidos 33,53 25,63 76% 7,90 24% 32,23 24,77 77% 7,46 23%
argentina 10,14 8,37 83% 1,77 17% 9,95 8,21 83% 1,73 17%
austrália 34,62 27,49 79% 7,13 21% 36,91 29,31 79% 7,60 21%
Áustria 48,04 35,88 75% 12,16 25% 47,81 35,71 75% 12,10 25%
Bélgica 49,40 34,68 70% 14,72 30% 50,82 35,66 70% 15,16 30%
Brasil 8,32 5,63 68% 2,70 32% 8,48 5,73 68% 2,75 32%
Canadá 29,60 23,61 80% 5,99 20% 32,70 26,08 80% 6,62 20%
república Checa 11,21 8,15 73% 3,06 27% 12,20 8,95 73% 3,24 27%
Dinamarca 49,56 44,52 90% 5,04 10% 50,08 44,83 90% 5,25 10%
estônia 9,83 7,24 74% 2,58 26% 10,34 7,73 75% 2,61 25%
Finlândia 43,77 34,31 78% 9,45 22% 44,68 35,03 78% 9,65 22%
França 40,08 27,57 69% 12,51 31% 42,23 28,52 68% 13,71 32%
alemanha 46,52 36,14 78% 10,37 22% 48,22 37,67 78% 10,55 22%
Grécia 19,23 13,92 72% 5,31 28% 19,58 14,18 72% 5,41 28%
Hungria 8,62 6,39 74% 2,24 26% 9,77 7,14 73% 2,64 27%
irlanda 39,02 33,06 85% 5,96 15% 39,37 33,36 85% 6,01 15%
israel 18,39 15,41 84% 2,98 16% 19,51 16,46 84% 3,05 16%
itália 34,97 24,34 70% 10,63 30% 35,77 24,90 70% 10,88 30%
Japão 30,36 24,95 82% 5,42 18% 27,80 22,84 82% 4,96 18%
Coreia do sul 14,20 11,68 82% 2,52 18% 16,27 13,38 82% 2,88 18%
méxico 5,38 3,93 73% 1,45 27% 6,12 4,47 73% 1,65 27%
Holanda 43,50 33,45 77% 10,05 23% 44,72 34,39 77% 10,33 23%
Nova Zelândia 17,44 16,92 97% 0,52 3% 19,12 18,61 97% 0,51 3%
Noruega 53,89 43,97 82% 9,91 18% 58,22 47,51 82% 10,71 18%
Filipinas 1,50 1,37 91% 0,13 9% 1,55 1,42 92% 0,13 8%
Polónia 7,50 6,32 84% 1,18 16% 9,38 7,91 84% 1,48 16%
Portugal 11,95 9,54 80% 2,41 20% 12,24 9,77 80% 2,47 20%
singapura 17,50 15,05 86% 2,45 14% 18,85 16,21 86% 2,63 14%
eslováquia 11,24 8,02 71% 3,22 29% 10,89 7,84 72% 3,05 28%
espanha 27,74 20,46 74% 7,29 26% 27,63 20,62 75% 7,00 25%
suécia 39,87 27,18 68% 12,69 32% 44,09 30,42 69% 13,66 31%
suíça 44,29 37,72 85% 6,57 15% 43,76 37,00 85% 6,76 15%
taiwan 7,76 6,61 85% 1,14 15% 8,68 7,40 85% 1,28 15%
reino Unido 30,78 24,31 79% 6,46 21% 35,75 28,25 79% 7,51 21%
Tabela 3 - Custo da mão de obra por hora na indústria manufatureira, 2008-09
Fonte: Bureau of Labor statistics. international Comparisons of Hourly Compensation Costs in manufacturing, 1996-20091 - Compensação aos empregados = pagamento total + gastos com seguro social e tributos trabalhistas2 - Pagamento total = remuneração total por hora trabalhada ( salário base; remuneração por empreitada; horas extras, pagamento por troca ou substiuição, trabalho noturno e feriados; bônus e prêmios) + benefícios diretos (pagamento por dias não trabalhados - férias, feriados, e outras au-sências, execeto ausência por doença; bônus sazonais e irregulares; licenças para assuntos familiares, para mudanças, etc.; pagamentos em espécie; indenizações não previstas em acordo coletivo)3 - Gastos com seguro social = aposentadoria e pensão por invalidez; seguro saúde; seguro de garantia de renda e licença por doença; seguro de vida e por invalidez acidental; acidentes de trabalho e compensações por doença; outras despesas da seguridade social; impostos líquidos de subsídios sobre folhas de pagamento
triBUtaÇÃO em revista 23
O estudo de Bitencourt e teixeira mostra que a de-
soneração dos encargos sociais traria melhorias para
o comércio internacional dada pelo crescimento das
exportações e redução as importações. a acumulação
de maior rentabilidade do capital, conseqüência da
elevação da taxa de desemprego, viabiliza os investi-
mentos e, por esta via, maior produção e crescimento
das vendas internas e externas.
a desoneração dos encargos sociais provoca, assim,
um resultado perverso. apenas o capital se beneficia,
em detrimento dos empregos e dos salários. Os ganhos
de rentabilidade e de lucratividade somente mostrariam
seus efeitos benéficos sobre o nível de investimentos,
sem repercussões em termos de geração de emprego e
renda e de formalização do mercado de trabalho.
ressalte-se, entretanto, que tais benefícios, mes-
mo que exclusivos ao capital, apenas ocorreriam me-
diante níveis de desoneração impraticáveis.
a este respeito, um estudo realizado pelo Banco
mundial22 mostra que até o patamar de 50% de deso-
neração haveria uma redução de 2% a 5% no custo
total das empresas, assumindo-se que o governo “eli-
minaria tributos (contribuições sociais) e os benefícios
financiados pelos tributos”. segundo as conclusões do
estudo, tal redução não viabilizaria investimentos pro-
dutivos ou geração de empregos. Ou seja, uma fortís-
sima redução de encargos traria um benefício relativa-
mente pequeno exclusivamente para empresários, sem
contrapartida para os trabalhadores e para o país.
5 Breve Conclusão
Um debate aprofundado sobre a desoneração da
folha de salários, construído ao largo de posições
dogmáticas, deve necessariamente levar em conside-
ração e de maneira abrangente e apropriada, os indi-
cadores de evolução recente da economia brasileira.
Os dados aqui apresentados lançam dúvidas so-
bre os efeitos benéficos que desoneração da folha de
salários é capaz de promover para o mercado de tra-
balho e para a competitividade externa dos nossos
produtos.
tais benefícios dependem muito mais do desem-
penho positivo da economia a médio e longo prazo
– crescimento sustentado do produto, controle fiscal
e da inflação, etc. – do que do estímulo de medidas
regulatórias pontuais, como é o caso a redução das
alíquotas da contribuição social patronal.
Os custos totais do trabalho no Brasil, bastante
baixos se comparados internacionalmente, já impri-
mem a necessária competitividade aos nossos produ-
tos no exterior. a melhor inserção competitiva de nos-
sas empresas no mercado globalizado está muito mais
associada ao desenvolvimento de vantagens compa-
rativas clássicas como a especialização na produção,
melhorias de produtividade, etc. É pouco plausível
que uma redução ainda maior desses custos venha a
melhorar nossas vantagens comparativas.
respondendo ao maior dinamismo da economia,
o mercado de trabalho brasileiro está sendo capaz,
desde 2002, de reduzir o nível de informalidade e de
gerar mais empregos sem o auxílio de qualquer medi-
da de redução dos encargos sociais.
as estratégias empresariais têm sido bem sucedi-
das, nos tempos de crise ou não, em manter o fatu-
ramento e a produção das empresas bem acima dos
índices de emprego e de salários.
a desoneração da folha de salários exerceria pou-
ca ou quase nenhuma influência sobre a dinâmica do
mercado de trabalho e sobre a competitividade exter-
na dos produtos brasileiros, mas certamente exerceria
efeito significativo sobre os custos totais das empresas,
viabilizando-lhes, ao menos num primeiro momento, o
crescimento da rentabilidade e da lucratividade.
enquanto a desoneração acena para os trabalha-
dores com a esperança de melhores salários e mais
empregos, ela pode viabilizar maior acumulação para
os empresários, ampliando a concentração de renda
e fragilizando o financiamento da previdência social.
22- BaNCO mUNDiaL,1996, p. 36.
24 triBUtaÇÃO em revista
BarBOZa, e. D.; aNsiLierO, G.; Paiva, L.H.s. Financiamento da Previdência social:impactos de curto prazo de uma eventual desoneração da folha salarial. Brasília: ministério da Previdência social. informe da Previdência social, v. 9, n. 9. set. 2007, p. 1 a 6.
BLs – Bureau of Labor statistics. international Comparisons of Hourly Compensation Costs in manufacturing, 1996-2009: all employees. time series tables. Division of international Labor Comparisons. Washington: United states Depart-ment of Labor, 2009. Disponível em ftp://ftp.bls.gov/pub/suppl/ichcc.ichccaesuppall.xls. acesso em 04 abr 2011
BaNCO mUNDiaL. Brazil - the Custo Brasil sin-ce 1990-1992. Washington: World Bank, Public sector management & Private sector Development Division, dez. 1996, 64 p., report no 15663-Br. Disponível em: http://www-wds.worldbank.org/servlet/main?menuPK=64187510&pagePK=64193027&piPK=64187937&thesitePK=523679&entityiD=000009265_3970311115139. acesso em 05 mai 2011.
BiteNCOUrt, mayra Batista e teiXeira, erly Cardoso. impactos dos encargos sociais na eco-nomia brasileira. Nova economia [online]. 2008, vol.18, no1, pp. 53-86.
CHaN, anita. a “race to the Bottom”: Globa-lisation and China’s labour standards. China’s Perspectives. Paris: v. 46, mar-abr 2003, Dispo-nível em http://chinaperspectives.revues.org/259. acesso em 14 jul 2011
CNi – CONFeDereÇÃO NaCiONaL Da iNDÚs-tria. indicadores industriais. ano 22, no 5, mai 2001. Disponível em http://www.cni.org.br/por-tal/data/pages/FF80808121B560Fa0121B565Fe-aF2699.htm . acesso em: 07 jul 2011
CNs – CONFeDeraÇÃO NaCiONaL De ser-viÇOs. atualização do estudo sobre a Carga tri-butária no setor de serviços e impactos da De-
soneração da Folha de Pagamentos na economia Brasileira. relatório técnico. rio de Janeiro, 19 out. 2009, 29 p. Disponível em http://www.cnser-vicos.org.br/documentos/estudos/estUDO%20FGv.pdf acesso em 21 fev 2011
Dieese. encargos sociais no Brasil: concei-to, magnitude e reflexo no emprego. são Paulo: Dieese, abr. 2006, 37 p., Convênio se/mte nº 04/2003, sistema de informações para o acom-panhamento de Negociações Coletivas no Brasil. Disponível em http://www.mte.gov.br/observato-rio/Prod04_2006.pdf. acesso em 12 mar 2011
marQUes, rosa m. e eUZÉBY, alain. Discutin-do alternativas de Financiamento para o rGPs. in: mPs. ministério da Previdência social (Org.). Base de financiamento da previdência social: al-ternativas e perspectivas. Brasília, mar. 2003, p 247- 268 (Coleção Previdência social, v. 19).
mte – miNistÉriO DO traBaLHO e emPre-GO. a informalidade no mercado de trabalho Brasileiro e as Políticas Públicas do Governo Fe-deral. Brasília: mte/Observatório do mercado de trabalho Nacional, out. 2002, 17 p.estudo ela-borado para a reunião de ministros do trabalho do merCOsUL, Bolívia e Chile, salvador, 30 e 31 de Outubro de 2002. Disponível em: http://www.mte.gov.br/observatorio/informalidade2.pdf. acesso em jul 04 jul. 2011
Nese, LUiGi. Uma Nova Forma de Financiamen-to da Previdência social. tributação em revista, v. 57, ano 16, jul-dez 2010, pp. 97-101.
iBGe - Pesquisa industrial mensal Produção Fí-sica – Brasil. Banco de Dados siDra. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/indust/de-fault.asp acesso em 04 abr 2011
iBGe. Pesquisa mensal de emprego e salário. Banco de Dados siDra. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/indust/default.asp acesso em 04 abr 2011
REFERÊNCIAS
triBUtaÇÃO em revista 25
Oit. the eleventh international Conference of La-bour statisticians. Geneve: iLO, 1967, 76 p. Confe-rência realizada entre 18 e 28 de outubro de 1966. Disponível em http://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1967/67B09_237_engl.pdf. acesso em 09 mai 2011
ONU. a system of National accounts: studies in me-thods. United Nations: New York series F, n. 2, rev. 3, 1968
siLveira, Fernando G. e outros. a desoneração da folha de pagamentos e sua relação com a formalidade no mercado de trabalho. Brasília: ipea, texto para Dis-cussão 1.341, 26 p., 2008.
ULYssea, Gabriel. informalidade no mercado de tra-balho brasileiro: uma resenha da literatura. revista de economia Política, v. 26, n. 4 (104), pp. 596-618, out-dez/2006. Disponível em www.scielo.br/pdf/rep/v26n4/08.pdf acesso em 14 jul 2011
REFERÊNCIAS
26 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
Reforma Tributária Simples: Reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro
e Resgatando a Dignidade do Contribuinte
ver sua atividade empresarial em parceria com o Fisco e
não contra o Fisco.
reforma Fiscal não é um projeto de lei ou emenda
constitucional, um pedaço de papel, é um processo de
reconstrução de nossa identidade que exige a tomada
de consciência sobre fatos políticos, econômicos, jurí-
dicos e crenças que definem o pacto federativo e deter-
minam o papel do estado e da participação do cidadão
nos rumos das políticas públicas.
O Direito não é uma varinha de condão mágica que
altera a realidade a partir de simples indicativo prescri-
to em documento legal, obrigando, proibindo ou per-
mitindo condutas. Não cremos que a prática de burlar
leis seja um esporte nacional, mas há no ar, aparen-
temente, essa percepção: uma idéia de ineficácia legal
que se associa à idéia de impunidade. Culpar o sistema
1- Bacharel e Doutor em Direito. Professor e Coordenador do Núcleo de estudos Fiscais e da escola do Direito de são Paulo da FvG.
eurico marcos Diniz de santi1
1 Brasil, sai da UTI...
ante a crise do petróleo na década de 70, quase 20
anos de ditadura e sucessivas crises econômicas, é um
alento ver o Brasil exibindo essa exuberante situação
na ordem econômica mundial, ainda que talvez fugaz.
Contudo, foram muitos anos em que o Brasil ficou na
Unidade de tributação intensiva, tributando para so-
breviver e pagar as contas. Hoje o cenário é outro, o
paciente exibe disposição para disputar mercados com
a China e correr junto com os tigres asiáticos; con-
tudo, a mesma parafernália tributária de outrora con-
tinua desviando sangue que o país poderia empregar
em artérias mais produtivas: precisa sair da Uti, precisa
ser competitivo, precisa resgatar os laços da federação
estilhaçada, precisa exportar, precisa de simplicidade e
transparência para que o contribuinte possa desenvol-
triBUtaÇÃO em revista 27
moral á simplista; pretender ensinar moral é, no míni-
mo, discutível. será que precisamos de regras morais
mais rígidas? tornar o não pagamento de tributos e o
desvio ou mal gasto de recursos públicos um tormento
e infligir o pecador não parece ser a solução para nossos
problemas fiscais.
acreditamos que esse processo começa com a cons-
trução dc uma base de informações confiável sobre da-
dos a ser compartilhada por pesquisadores, forrnulado-
res de opinião e de políticas públicas. Não há sentido
em discutir apenas modelos conceptuais e convicções
pessoais. O êxito desse processo depende do debate pú-
blico e aberto dc suas premissas e de uma radiografia
precisa do atual sistema. trata-se, pois, dc processo que
há de ser informado pela idéia central da transparência
que motive uma revolução criadora de cidadania fis-
cal: saber quanto se paga, porque se paga e, além disso,
indagar sobre a oportunidade e qualidade dos gastos
públicos.
Os caminhos parecem turvos, talvez seja momen-
to de resgatar os laços com a economia, a Política e,
principalmente, com o Direito Financeiro, como vem
insistindo há mais de duas décadas ary Oswaldo mattos
Filho.2 eis um caminho necessário: uma reforma fiscal
que se conecte com outros saberes, pois tributação, or-
çamento e gasto público formam um só sistema e não
podem ser pensados isoladamente: a carga tributária
sobe porque sobem os gastos públicos. impor raciona-
lidade tão-só no sistema tributário ajuda, mas não altera
a equação da carga tributária demandada pelo sistema
dos gastos públicos.
2 Problemas no Sistema Tributário Brasileiro: au-
sência de um “Fisco Nacional” e a presença dos três
leões federados
apesar das divergências entre modelos e propostas, há
grande convergência entre especialistas e o próprio Gover-
no sobre os problemas do sistema tributário Brasileiro: (i)
muitos tributos incidentes sobre as mesmas bases: seis tri-
butos indiretos sobre bens e serviços (iPi, COFtNs, Pis,
CiDe, iCms e iss); dois tributos incidentes sobre o lucro
(irPJ e CsLL); (ii) alto custo de adequação das empresas
no cumprimento de obrigações acessórias; (iii) insegu-
rança jurídica gerada nos contenciosos administrativos e
judiciais; (iv) incidência cumulativa da tributação indire-
ta, onerando investimentos e exportações; (v) tributação
excessiva da folha de salários quc prejudica a competiti-
vidade nacional, estimulando a informalidade e a forma-
ção de pessoas jurídicas “artificiais”; (vi) guerra fiscal entre
estados (iCms x iCms); (vii) guerra fiscal entre estados e
municípios (iCms x iss); (viii) guerra fiscal entre muni-
cípios (1ss x iss); (ix) guerra Fiscal da União contra es-
tados e municípios, utilizando e desvinculando contribui-
ções e reduzindo a tributação sobre os impostos repartidos
via Fundo de Participação dos estados (FPe) e Fundo de
Participação dos municípios (FPm); (x) “guerra fiscal” dos
contribuintes contra União, estados e municípios como
forma de escapar da alta carga tributária mediante “esque-
mas” legais alternativos de planejamento tributário e; (xi)
guerra fiscal” entre contribuintes, que desloca a competiti-
vidade para o custo tributário e induz mais planejamento
tributário entre as empresas que concorrem entre si nos
diversos segmentos da economia.
3 Desafios da Guerra Fiscal: contra quem?
a Guerra Fiscal, especialmente em relação ao iCms
e entre os estados, é um tema praticamente constante
em todos os discursos e propostas sobre reforma tri-
butária. Contudo, detectou-se na pcsquisa algumas
perplexidades: de um lado, percebeu-se que na expe-
riência internacional o tema é visto muitas vezes como
uma forma sadia de baixar a carga tributária sobre o
contribuinte; dc outro, consultadas as séries dos dados
disponíveis na secretaria do tesouro Nacional sobre as
receitas tributárias estaduais. verificamos que a receita
tributária do iCms só tem crescido. É claro que esse
2- mattOs FiLHO, ary Oswaldo (Coord.). reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. são Paulo: Dorea, 1993.
28 triBUtaÇÃO em revista
crescimento pode decorrer da expansão do PiB, efi-
ciência da administração tributária ou outros fatores,
contudo, também não se encontra prova empírica de
que o expediente da guerra fiscal, numa perspectiva
sistêmica, tenha provocado perdas efetivas para os Fis-
cos estaduais.
Proibir não é eficaz3. Na medida em que os dispo-
sitivos que concedem incentivos à revelia do CONFaZ
dependem da declaração de inconstitucionalidade pelo
stF, os estados sistematicamente burlam essa dinâmi-
ca: ora editando novas leis que garantam os mesmos in-
centivos depois de declarada a eventual inconstitucio-
nalidade; ora mediante a revogação do diploma antes
do julgamento de sua inconstitucionalidade, de forma
que a aDiN perca seu objeto, para em seguida editar
nova lei concedendo o mesmo incentivo. Há ainda o
problema de que muitos incentivos são concedidos de
foma obscura, dificultando seu questionamento.
Guerra fiscal: contra quem? Nessa tática de guer-
rilha é o contribuinte quem cai e sofre no campo de
batalha: os estados seduzem com incentivos ilegais
que mobilizam os contribuintes para seus territórios,
mas os outros estados buscam caçar os efeitos de tais
incentivos, normalmente relativos ao direito ao crédi-
to do iCms. causando dano direto aos contribuintes.
Ou seja, na prática dessa guerra fiscal quem sempre sai
perdendo é o contribuinte, que fica iludido por ilega-
lidades patrocinadas pelos próprios estados, os quais
fomentam a insegurança jurídica e subjugam o contri-
buinte a enfrentar juridicamente, ao mesmo tempo, o
estado que concede o beneficio ilegal e o estado que
glosa o mesmo beneficio em nome da legalidade. Ou
seja, nessa guerra fiscal, enquanto os estados e o stF
brincam no jogo da legalidade/ilegalidade, explorando
as ineficiências do sistema de controle de constitucio-
nalidade, quem “toma bala” é o contribuinte4. talvez
isso explique o porquê do prolongamento dessa guerra
sem nenhuma atitude efetiva por parte dos estados ou
do senado Federal: não é problema deles, é problema
do contribuinte!
4 Tributação sobre folha de pagamentos: um pro-
blema mundial
No Brasil, há uma espécie de clamor social para a
desoneraçâo da tributação sobre a folha de pagamen-
tos. alguns segmentos da sociedade, como a Confede-
ração Nacional de serviços e os sindicatos e centrais
de trabalhadores, têm colocado especial ênfase neste
tema sob a alegação que tal desoneração geraria mais
empregos, incentivaria a formalidade e aumentaria a
competitividade nacional, pois o Brasil seria um dos
países que mais onera a folha.
em vários paises tais como Canadá, alemanha. in-
glaterra, índia e França, observa-se que há tributação
sobre a folha de pagamentos, bem como várias alíquo-
tas para determinados beneficios, os quais variam de
acordo com cada país. sendo assim, nada muito dife-
rente do que ocorre no Brasil. entretanto, há pontos
que poderiam ser melhorados no Brasil para dar mais
transparência ao sistema: a questão da separação entre
prêmios, benefícios relativos a estes prêmios (com cál-
culos atuarias) e assistência social.
Outra peculiaridade da tributação sobre a folha no
Brasil e que justifica o discurso reformista são os cha-
mados “penduricários”, tributos que também incidem
sobre a folha, aumentando a oneração do trabalho no
Brasil. Ou seja, além da contribuição para a previdên-
cia social, incidem sobre essa mesma base de cálcu-
lo: salário educação (2,5%), iNCra (0,2%), imposto
sindical (1 dia de salário ao ano), sesC/sesi (1,5%),
seNai/seNaC (1 %) e seBrae (0,6%). Não obstante
cada um desses tributos ter suas justificativas históri-
3- varsaNO, ricardo. a Guerra Fiscal do iCms: Quem ganha e quem perde. rio de Janeiro, instituto de Pesquisa econômica aplicada. 1997.
4- aliás, se o improvável acontecesse e o stF julgasse todos os incentivos indevidos como inconstitucionais, também não seriam os estados os perdedores, mas sim os con-tribuintes que acreditaram nos estados induzidos pelas vantagens fiscais: enfim, se a guerra fiscal acabar, caberá ao contribuinte o espólio dessa batalha em que só funcionou corno vítim
triBUtaÇÃO em revista 29
cas, a discussão que se coloca é se a folha de salário
continua sendo a base mais adequada para obtenção de
tais recursos de forma impositiva.
5 O engôdo da não-cumulatividade
a não-cumulatividade é outra demanda sempre pre-
sente nos discursos sobre reforma tributária, em especial
dos setores exportadores. Foi utilizada, recentemente,
como o cavalo de batalha central na derrocada da CPmF.
Não obstante seja encarada como direito do contri-
buinte e até princípio constitucional, o fato é que na prá-
tica a não cumulatividade outorga mais complexidade ao
sistema, menos transparência e acaba funcionando como
eficiente e silencioso instrumento para o aumento da ar-
recadação do Fisco. O Fisco se utiliza de tal expediente
quando oferece isenções no meio da cadeia. restringe a
tomada de créditos financeiros e difere em 48 meses o
aproveitamento de créditos na aquisição de bens do ativo
imobilizado. enfim, na prática impositiva, nega o direito
ao crédito em decorrência de sua própria ineficiência, de-
clarando contribuintes inidôneos com efeitos ex tunc ou,
na guerra fiscal, glosa créditos “legalmente” oferecidos por
outros entes federativos. além disso, assistimos atualmen-
te a multiplicação dos regimes de substituição ou tributa-
ção monofásica que, em nome de facilitar a arrecadação,
ignoram sobejamente a não-cumulatividade.
enfim, para que serve mesmo a não-cumulatividade?
6 Perspectivas jurídicas para superação do impasse
sobre a reforma tributária no Brasil
Não há dúvida sobre a complexidade do impasse que
envolve o tema da reforma tributária no Brasil: acumulam-
-se e acotovelam-se problemas de ordem histórica, políti-
ca, econômica e social, aparentemente de dificil equacio-
namento. além disso, constatamos que, definitivamente,
não são jurídicos os problemas centrais que impõem resis-
tência ao discurso sobre a reforma tributária.
Que fazer?
acreditamos que o direito pode ajudar. Neste tó-
pico, desenvolveremos algumas idéias e propostas de
como o conhecimento das estruturas normativas pode
ajudar a compreender e propor mudanças no processo
propositivo da reforma tributúria no Brasil.
7 O Ovo da Serpente: Brasil Colonial e Origens do
Extrativismo Fiscal
Não há texto sem contexto. Nem Direito sem His-
tória. Não é possível entender nossas instituições nem
nossas leis, sem encontrarmos os devidos contextos
históricos e culturais que dão fundamento e sustenta-
ção ao nosso sistema tributário: (i) seria a distribuição
da renda?; (ii) a solidariedade?; (iii) ou a capacidade
contributiva?
Kamer DarON aCeLOGLU — professor de
economia aplicada do massachusetts institute of te-
chnology (mit), e vencedor do John Bates Clark me-
dal, prêmio dirigido a jovens economistas entre 30-40
anos e considerado o segundo mais importante prêmio
mundial na área de economia (nos últimos 20 anos,
40% dos premiados pela John Bates Clark medal tam-
bém ganharam o Nobel de economia, entre eles milton
Friedman, Joseph stiligtz e Paul Krugman) — em denso
estudo empírico sobre as origens coloniais e os efeitos
no desenvolvimento econômico5 conclui que diferentes
tipos de colonização implicam distintos desenhos ins-
titucionais. De um Lado, nas origens de países como os
estados Unidos, Canadá e Nova Zelãndia, encontramos
colônias de povoamento em que o estado surgiu a par-
tir da ordem social e que se tornaram modelos do res-
peito às instituições, à propriedade e à idéia de estado
de Direito. De outro, tantos outros países da África e
da américa Latina que funcionaram como colônias de
exploração em que o estado surgiu, artificialmente, de
cima para baixo, com o único objetivo de extrair rique-
5- aCemOGLU, Kamer Daron et ai. the Colonial Origins of Comparative development. p. 1369-93.
30 triBUtaÇÃO em revista
zas sob o domínio da força da metrópole, configurando
o que DarON aCemOGLU denomina de extrativismo
fiscal: sistema impositivo, em que o estado utiliza a lei
como instrumento de força para extrair riquezas da so-
ciedade submetendo os cidadãos ao risco da expropria-
ção, desrespeitando o direito de propriedade e a idéia
de estado de Direito: é nosso Brasil colonial e atual!
extrativismo fiscal é o regime em que o estado sub-
mete sociedade e economia num ciclo vicioso e autista
em que a lei é utilizada como instrumento de poder de
arrecadação de tributos, mas sem qualquer contrapar-
tida jurídica vinculando tributação com o oferecimento
de serviços públicos. Não se paga tributo para exercer
direito sobre a prestação de serviços públicos; paga-se
porque a Constituição autoriza e a lei delega, silencio-
samente, discricionariedade para o ato de aplicação do
direito: é o império do Direito com o obsessivo objeti-
vo de arrecadar, arrecadar, arrecadar...
Características do extrativismo Fiscal: (i) estado
ao estilo colonial centralizador que elimina ou subme-
te a comunidade local; (ii) indiferença em relação às
políticas públicas que justificam o sistema tributário
(distribuição de riquezas, solidariedade ou capacidade
contributiva), sendo o objetivo do estado a extração
de riqueza das regiões ricas, a qual é apropriada pela
burocracia e transferida para os aliados políticos do
Poder, em geral, elites das legiões pobres que se man-
têm na lógica da exploração colonial e (iii) tributação
excessiva e sanções que penalizam aqueles que produ-
zem e premiam aqueles que se apropriam da riquezajá
produzida.
alguma semelhança?
7.1 Transparência... Para quê? Para quem?
É certo que não cabe ao Direito resolver o imbróglio
fiscal brasileiro, mas também não se justifica utilizá-lo
como cúmplice dos problemas fiscais nacionais. além
de problemas já citados, como a indústria de ilegali-
dade fomentada pelos estados na guerra fiscal, a arti-
manha de burlar o controle de constitucionalidade, de
toda promiscuidade que caracteriza o sistema tributá-
rio constitucional, do problema de bases impositivas
comuns sendo partilhadas por três esferas distintas de
competência, da manipulação de nomenclatura dos
impostos que mascarados como “contribuições” permi-
tem, em nome de uma destinação sempre difícil de se
verificar, a criação de novos tributos estrategicamente
não partilháveis com estados e municípios. entre tais
problemas jurídicos trágicos, há, porém, outros meca-
nismos mais silenciosos e talvez por isso mais danosos,
pois comprometem a compreensão do sistema tribu-
tário nacional e inibem o temeroso exercício da cida-
dania fiscal obstacularizado pela falta de transparência
do sistema.
Um dos subterfúgios legais mais indignos é a cha-
mada alíquota por dentro. segundo Clóvis Panzarini6,
essa forma de cobrança vem desde 1967, tendo sido
criada pelo governo militar para esconder a carga tri-
butária: cobra-se a alíquota de 15% por dentro para
ocultar a real alíquota de 17%; ou 25% por dentro pela
vergonha de tributar luz e tdefone a 33% (1/3 do valor
da conta). Não por acaso, nos debates técnicos sobre
a definição da alíquota do iva nacional, previsto na
PeC 233/08, aventou-se a utilização da alíquota inter-
na também para o iva nacional não-cumulativo, sob a
alegação que sem esse expediente a alíquota seria mui-
to alta, induzindo a evasão fiscal... será que se evita
evasão fiscal com uma mentira institucional (em lei)?
Outra trama construída pelo Direito é a dualidade
contribuinte de direito e contribuinte de fato. O con-
tribuinte de direito é aquele definido pela lei tributária
como responsável pelo pagamento do tributo, contudo
ele não paga o tributo economicamente: transfere o va-
lor do tributo para o contribuinte de fato. Contribuinte
de fato, no sistema brasileiro, é aquele que paga o tri-
buto, mas não sabe que paga nem é reconhecido pelo
6- entrevista publicada na revista Consultor Jurídico, em 22 de janeiro de 2006.
triBUtaÇÃO em revista 31
Direito como contribuinte; é o honroso papel que ocu-
pam dezenas de milhões de brasileiros que arcam com
a carga tributária no consumo, mas sem saber.
7.2 O “lançamento por homologação” ou “A Mão
Que Balança o Berço”, devolvendo a competência
administrativa para aplicar as leis tributárias ao
seu titular de direito e expertise: o Fisco
insegurança jurídica é um dos temas centrais que
afetam contribuintes e empresários, bem como tri-
bunais que não conseguem dar vazão aos múltiplos
desenhos negociais propostos pelo contribuinte na
tentativa de adequar sua carga tributária. Decorre da
complexidade das leis, da promiscuidade da Constitui-
ção em tratar tão minuciosamente a matéria tributária
como se fosse uma solução (quando, na verdade, é um
grande problema para o stF, que demora às vezes 10
anos para encontrar uma solução) e de nosso sistema
federativo que reparte a competência tributária entre
as três esferas.
mas também decorre de um hábito, uma atitu-
de, uma prática que já se justificou no passado, mas
que hoje reverte sua aparente facilidade em grandes
e incontroláveis complexidades: refiro-me ao chamado
“lançamento por homologação”, ficção jurídica em que
a administração delega para o contribuinte o dever de
interpretar e aplicar a legislação tributária, mas que fica
sujeito à homologação (fiscalização) por parte do Fis-
co. Ou seja, o Fisco abre mão de interpretar e aplicar a
legislação que cria e passa essa obrigação para o contri-
buinte que, além de ser obrigado a pagar o tributo, tem
que entender de tributação ou contratar especialistas
para ajudá-lo, mas fica sempre sujeito à posterior e in-
certa concordância do Fisco nos próximos cinco anos
– prazo que o Fisco tem para confortavelmente decidir
se a lei que ele criou pegou ou não, ou optar pela me-
lhor interpretação considerando os interesses do Fisco.
tal atitude gera grandes distorções no sistema: uma
delas é o planejamento tributário, atividade incentiva-
da pelo próprio fisco que obriga o contribuinte a pagar
altos tributos, cria uma legislação complexa e obriga
que o próprio contribuinte encontre uma saída legal
satisfatória. Depois, se o Fisco não concorda, lavra um
auto de infração, cobra o tributo que acha devido e
aplica multas entre 75 e 150%. incentiva o contencio-
so, mas a cada quatro anos oferece um plano de parce-
lamento irresistível (Paes. reFis 1, reFis da Crise)
perdoando as multas e “só” exigindo o controvertido
principal em 180 parcelas a perder de vista. É a in-
dústria da incerteza e da ilegalidade patrocinada por
esse esquema fiscal, vítimas de autuações bilionárias
e que se sentem acuadas nos conturbados processos
administrativos que se formam em torno do retórico
valor de bilhões simbolicamente devidos ao Fisco, mas
muitas vezes sem qualquer consistência legal: é tributo
de tolo! Para não citar o susto da Petrobrás e a queda
da secretária Lina vieira e respeitar o sigilo das empre-
sas autuadas (indevidamente ou não, nunca se sabe),
fiquemos com o recente caso de ameaça de autuação da
Bm&F em 5,5 bilhões relativa à amplamente noticiada
integração com a BOvesPa.
Não há sentido em obrigar o contribuinte a apli-
car uma legislação tributária que em razão da própria
complexidade, o Poder Judiciário, encabeçado pelo
stF, demora dez anos para interpretar e oferecer uma
resposta pontual sobre um artigo específico. Não há
sentido em obrigar o contribuinte a aplicar uma lei
complexa que o Fisco cria, para depois o Fisco culpar
o contribuinte de aplicar a lei com fraude e cobrar mul-
tas de 50%: aplicar a lei de ofício é dever do Fisco, não
do contribuinte.
Com os sofisticados sistemas de informação e sPeD
do Fisco, cabe ao contribuinte apenas oferecer as in-
fomações: aplicar a lei é expertise do Fisco, que, aliás,
é o criador dessa legislação. Pressuposto lógico é que
quem cria uma lei, sabe como aplicá-la.
a idéia, seguindo a experiência do simples Nacio-
nal, é: o contribuinte paga o tributo, oferece todas as
informações sobre o fato gerador, mas não pode ser
obrigado a aplicar a lei. a obrigação de aplicar leis fe-
32 triBUtaÇÃO em revista
derais, estaduais e municipais é dos agentes públicos
de cada esfera, que são treinados e passam por rigo-
rosos concursos públicos para assumir essa complexa
função: não é obrigação do contribuinte que faz pão e
vende leite na padaria entender sobre a não-cumutati-
vidade da Pis/COFiNs ou saber sobre a substituição
tributária para frente do iCms!
8 REFORMA TRIBUTÁRIA SIMPLES — RTS: uma
Reforma Tributária Brasileira, aproveitando a ex-
periência da expertise fiscal brasileira que inspira
e serve de modelo para outros países
O simples Nacional (sN) é um regime tributário di-
ferenciado elaborado para micro e pequenas empresas
(mPe) que visa à unificação da cobrança dos tributos
federais, estaduais e municipais por uma única via. Foi
criado pela Lei Complementar 123, de 14 de dezembro
de 2006 (LC 123/06) e sua vigência teve inicio em 1°
de julho de 2007. ressalta-se que o sN veio a aumentar
e aprimorar o regime simples Federal (que não incluía
tributos estaduais e municipais), tendo sido instituí-
do pela lei 9.317/96 (conversão da medida Provisória
1.526/96). entretanto foram necessários muitos encon-
tros para formatar um sistema que agregasse todos os
tributos numa única guia e um programa gerador capaz
de captar as peculiaridades de várias legislações, além
daquelas impostas pela LC 123.
O simples Nacional inaugura uma nova postu-
ra dos Fiscos. Por tratar-se de lei nacional, é imposi-
tivo para todos os entes federativos (União, estados e
municípios), tendo substituído os regimes especiais de
tributação que existiam de maneira diversa nos entes
federativos e forçado a interação entre os Fiscos que –
com o objetivo de evitar o repasse da complexidade da
legislação tributária decorrente de várias redundâncias
e conflitos de competências — inauguram a admirável
postura: assumir, integrar e resolver os problemas das
três esferas de tributação internamente antes de exigir
o tributo do contribuinte. a regra é: o pagamento do
tributo para o contribuinte dever ser simples, a com-
plexidade é problema dos Fiscos.
No simples Nacional, os três entes estão no mesmo
nível hierárquico: receita Federal, Fazendas estaduais
e municipais são parceiras, reunindo inteligência, info-
mação, esforços e recursos comuns. Não compromete
as competências tributárias, pois as alíquotas podem
ser mudadas a qualquer momento pela União, estados
e municípios. enfim, além de melhorar a vida do con-
tribuinte o simPLes aumentou os poderes de fiscaliza-
ção de todos os entes federados. as informações sobre
o simPLes pertencem a todos: a chave do sucesso do
simPLes é o uso de ferramentas avançadas de ti.
O simPLes — experiência nacional de sucesso - é
um exemplar balão de ensaio para uma reforma tribu-
tária no Brasil. ajudaria numa reforma na medida que
já oferece um mecanismo em que os Fiscos internali-
zam as complexidades do sistema, resolvem a questão e
entregam aos contribuintes NÃO mais problemas, mas
soluções. O simPLes não é “simples” para os fiscos. É
simPLes para o contribuinte. se há 4 anos fosse dito,
aqui no Brasil, que todos os tributos iriam ser reunidos
numa única guia que seria paga no banco e que, após
dois dias, o dinheiro seria repartido entre os entes de
forma automática, todos diriam que isso seria imPOs-
sÍveL.., uma loucura. Bem, hoje o simples Nacional já
existe, é uma realidade, é criação brasileira. Conhece
todos nossos problemas nacionais, mas reúne também
toda inteligência, eficiência e sofisticação do Fisco bra-
sileiro: é o nosso paradigma de uma reforma tributária
inteligente e eficiente que não precisa copiar nenhum
sistema nem alterar nossa constituição.
Não se trata de mais uma reforma de “leis”, é uma
mudança de visão sobre o sistema fiscal brasileiro, uma
mudança de atitude. O Fisco, que é o grande expert em
matéria tributária, deve aplicar a lei tributária. O con-
tribuinte é contribuinte, tão-só (e não é pouco) paga os
tributos. O Fisco passa a assumir a postura de serviço
público do cidadão, colaborando na harmonização da
legislação da federaçào e simplificando a vida de quem
gera riqueza para essa nação chamada Brasil.
triBUtaÇÃO em revista 33
8.1 Estratégia de implantação da RFS: Reforma
Tributária “SIMPLES”
a estratégia de implantação da rFs é ‘simples” por-
que já começou. ela iniciou na década de 1990 com o
fim da inflação, com o treinamento e modernização da
receita Federal do Brasil e com a experiência da infla-
ção e da CPmF, que tornaram o nosso sistema Bancário
um dos mais informatizados e sofisticados do mundo.
Começou com a informatização da Declaração de im-
posto sobre a renda: um “case” brasileiro de sucesso
mundial. iniciou com a LC 105 e a “quebra” do sigilo
bancário do contribuinte. iniciou com a exitosa experi-
ência do simPLes NaCiONaL e se consolidou, agora,
no final dessa década com a implantaflo do sistema
Público de escrituração Digital (sPeD)7.
a reforma tributária simPLes não depende de po-
líticos. trata-se de uma mudança de atitude da ação fis-
cal que resgata o sentido da unidade federativa e a dig-
nidade do contribuinte. sua viabilidade, continuidade
de implantação e sucesso só depende de um corpo de
funcionários técnicos dos mais graduados e sofistica-
dos dos quadros da república: os auditores- Fiscais.
trata-se de mera integração das administrações tri-
butárias, as quais, sem perder qualquer poder apenas
haverão de se colocar na contingência de trabalharem
juntas no esforço comum de ajudar o contribuinte que
já paga os impostos.
Nesta nova racionalidade, as unidades de sistema-
tização não serão mais os tributos da União, dos esta-
dos ou dos municipios. Nessa nova reflexão nacional,
o corte de ação exige o olhar pelo ângulo sistemático
de cada setor da economia: importação/exportação, in-
dústria, comércio, serviços, setor financeiro, etc., cui-
dando de um setor de cada vez.
talvez, para o início, o mais fácil e convidativo seja
o setor de importação e exportação. Na importação, o
desafio será a integração do iPi, ii, Pis/COPiNs, iCms
e outras taxas aduaneiras incidentes sobre o ato de
importação. tal harmonização despenderá de especial
negociação e entendimento por parte dos estados, a
exemplo do recente acordo8 celebrado entre os estados
de são Paulo e espírito santo. No mesmo sentido, num
segundo passo, caberá a harmonização entre União e
estados sobre os tributos incidentes sobre a exporta-
ção, resolvendo para o contribuinte os intrincados pro-
blemas dos vários regilnes do Pis/COFiNs na cadeia
de exportação, bem como, exigindo dos estados um
esforço federativo de cooperação e colaboração na lógi-
ca dos créditos do iCms para que barreiras fiscais entre
estados não prejudiquem a livre circulação de merca-
dorias: é... a ‘reforma tributária simples’ já começou!
9 Resumindo...
Na reforma tributária simples, não há mudança le-
gislativa substancial ou necessidade de integração de
bases de cálculo – a consolidação para o tributo devi-
do para cada operação negocial é realizada pela própria
administração tributária de modo integrado e harmo-
nizado: o contribuinte apenas arrecada um único valor
indicado sobre a respectiva operação negocial (compra
e venda de mercadoria, aplicação inanceira. prestação
de serviço, industrialização etc). União, estados e mu-
nicípios ficam encarregados de resolver seus problemas
internos de conflitos de competência serviços/merca-
dorias, guerra fiscal entre estados, harmonizar redução
de base de cálculo com redução de alíquotas, substi-
tuição para frente, para trás, diferimento etc.: cabe ao
esforço integrado dos técnicos das três esferas fiscais
7- O sistema Püblico de escrituração Digital (sPeD) visa promover a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), uniformizar o processo de coleta de dados contábeis e fiscais, bem como tomar mais rápida a identificação de ilicitos tributários. Dentre os beneficios vislumbrados para os contribuintes, com a implantação desse sistema, destaca-se a redução de custos, além de simplificação e agilização dos processos que envolvem o cumprimento de obrigações acessórias. O sPeD é composto de vários módulos: escrituração Contábil Digital; escrituração Fiscal Digital; Nota Fiscal eletrônica e Conhecimento de transporte eletrônico, dentre outros.
8- em atitude exemplar e seguindo a lógica de implementaçao da reforma tributãria simples, os governos do espírito santo e são Paulo fimaram acordo para acabar com a disputa entre os estados pelo iCms cobrado na importação de mercadorias, via tradings capixabas, por empresas paulistas. Às vésperas das eleições, os estados concorda-ram em editar projetos de lei para que o iCms em importações por terceiros, contratadas até o dia 20 de março do ano passado e desembaraçadas até 31 de maio de 2009, deve ficar no estado da trading. são Paulo vinha autuando empresas que importaram mercadorias por meio do Porto de vitória e não recolheram, na compra por ordem de terceiro, o imposto considerado devido à Fazenda paulista.
34 triBUtaÇÃO em revista
encontrar as soluções que os contribuintes já realizam
quando pagam os vários tributos, mas, agora, de forma
concentrada. O contribuinte pagará os mesmos impos-
tos. mesma carga tributária. Cada ente federativo rece-
berá os mesmos recursos. tudo dependerá de um lan-
çamento de oficio orientado pelas informações sobre
os dados de cada operação, fornecidos em tempo real
pelo sistema Público de escrituração Digital, viabiliza-
do pela incomparável ti do Fisco nacional, que exigirá
o valor em uma única guia centralizada em conformi-
dade com a ampla coordcnaçâo de entendimentos da
“vontade” integrada dos três Fiscos.
se o contribuinte pagar o lançamento em dia está
extinta a obrigação tributária formalizada por esse ato
de integração comum de aplicação da legislação tribu-
tária e o sistema bancário fica encarregado de repartir,
na boca do caixa, os montantes devidos para a União,
estados e municípios. Caso contrário, se o contribuin-
te não concordar, poderá sozinho ou com a ajuda dos
seus advogados impugnar mediante o devido processo
administrativo fiscal que também deverá ser integral:
nesse desenho, é interesse do Fisco aplicar a lei da for-
ma mais clara e bem fundamentada para evitar essas
impugnações. O Fisco será incentivado a buscar a coe-
rência e a fundamentação hierárquica de suas cobran-
ças, sob pena de não receber o tributo (a complexidade
da legislação passa a ser um problema do Fisco, não só
do contribuinte).
a convivência fiscal dos próprios Fiscos no exercí-
cio de harmonizar a aplicação de suas legislações e par-
tilhar o dinheiro da arrecadação, iniciará um processo
de diálogo que poderá encaminhar solução para as ini-
qüidades dos fundos de participação dos estados e dos
municípios (FPe/FPm). a proposta é usar a simplicida-
de e a transparência. será dificil?! impossível harmoni-
zar?! impossível ao Fisco determinar a base impositiva
de tantos tributos ao mesmo tempo. Bem, até hoje esse
foi o “dever acessório” colocado como obrigação por
parte de cada contribuinte individualizado e sujeito a
penas de 75 a 150% sobre o tributo, além da pecha
de sonegador para aqueles que não realizassem tal ta-
refa em dia e corretamente. Nessa nova Pasárgada, os
Fiscos, em vez de pensar em diabrites para infernizar
a vida do contribuinte, haverão de utilizar sua autori-
dade e inteligência para se entender: auditores fiscais
municipais, estaduais e federais hão de trabalhar jun-
tos, tomar-se mais próximos, talvez até amigos, criar
confiança entre si e descobrir que União, estados, mu-
nicípios, empresas, PJ e PJotinhas não existem de ver-
dade, são todas criações do Direito, criações de papel:
só seres humanos trabalham, criam riquezas e pagam
tributos para seres inexistentes.
10 Enfim... para melhorar o Brasil: consciência!
saímos das mãos dos políticos para técnicos alta-
mente qualificados e organizados em sindicatos que se
preocupam com o Brasil. saímos da perspectiva colo-
nial de encontrar uma solução no além mar, encontran-
do solução nacional e inovadora. saímos do sonho de
reformas tributárias de papel, rejeitando o legalismo
autista que pensa que o direito é uma varinha mágica: o
fato é que mudanças radicais no sistema tributário legal
podem ensejar experiências fiscais amargas que sempre
serão sofridas, em última instância, pelo contribuin-
te. saímos do plano legal abstrato e nos encontramos
no plano concreto da aplicação do direito, das práticas
aduaneiras, industriais, comercias e financeiras que ha-
bitam o mundo real dos negócios globalizados. saímos
de um ambiente de insegurança jurídica e de animo-
sidade contenciosa insana do contribuinte contra os
aparatos dos Fiscos federal, estadual e municipal, para
um ambiente de cooperação em que o contribuinte não
precisa de advogados tributaristas para pagar seus tri-
butos – o esforço integrado do Fisco oferece o serviço
público necessário, interpretando e aplicando a legis-
lação tributária.
saímos de uma federação de poderes individu-
ais e mesquinhos para reencontramo-nos no exercí-
cio da harmonização dos poderes fiscais federativos,
reconstruindo nossa noção de nacionalidade além do
triBUtaÇÃO em revista 35
futebol. saímos de uma visão em que o contribuinte é
visto como sonegador contumaz por não aplicar cor-
retamente uma legislação que ninguém entende, para
uma visão em que o contribuinte exerce sua expertise
no comércio, na indústria e nos serviços: não é obriga-
ção do contribuinte ser expert em legislação tributária,
assim como quem usa um computador pata escrever
não precisa ser expert em informática – deixemos os
problemas técnicos para os técnicos. saímos de um
sistema tributário extremamente complexo para um
sistema muito mais simples e transparente: as comple-
xidades ficam embutidas e são harmonizadas de forma
centralizada pelo estado, que garante, nessa perspecti-
va, igualdade e competitividade para todos os contri-
buintes (não é a liminar ou a assessoria de um grande
escritório de advocacia que fará a diferença no sucesso
da minha empresa).
enfim, saímos de onde nunca deixamos de estar,
somos o que somos. escrevendo nossas próprias solu-
ções. reforma Fiscal não é um pedaço de papéis, é um
processo histórico que já começou: estamos fazendo
história!
aFONsO. José roberto et. al. Uma reforma esqueci-da. iPea. Boletim de Desenvolvimento Fiscal n. 05, jun/2007.
avate, Paulo roberto e BiDermaN, Ciro (Coord.). economia do setor Público no Brasil. rio de Janeiro: elsevier, 1994.
Barat, Josef. infra-estruturas e crescimento: reforma do estado e inclusão social. são Paulo: CL-a Cultural. 2004.
BirD, richard. tax reforin in Latin america: a review of some recent experiences. Latin american research review, vol. 27, n.1, 1992.
eNei, José virgílio Lopes. Project finance: financia-mento com foco em empreendimentos (pacerias públi-co-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). são Paulo: saraiva, 2007.
Lima, edilherto Carlos Pontes. Globalização, tributa-ção e Federalismo: algumas relaçôes. iPea. Boletim de
Desenvolvimento Fiscal n. 04, mar/2007.
meNDes, marcos. ineficiência do gasto público no Brasil. iPea. Boletim de Desenvolvimento Fiscal n. 03, dez/2006.
mattOs FiLHO, ary Oswaldo (Coord.). reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. são Paulo: Do-rea, 1993.
saNti, eurico marcos de Diniz de (Coord). Curso de direito tributário e finanças públicas. são Paulo: sa-raiva, 2008.
siLva, Fernando antonio rezende et. al. O dilema fiscal: remendar ou reformar?. rio de Janeiro: edito-ra FGv e Confederação Nacional da indústria (CNi), 2007.
WaDe, robert. Governing the market: economic the-ory and the role of government iii east asian industria-lization. Princeton: Princeton University Press, 1990.
REFERÊNCIAS
36 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
Da Capacidade Contributiva e o Seu Processo Real de Efetividade
tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência
digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a
tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor
maior da natureza humana, tutelada no estado de Direito.
Nesse sentido, José marcos Domingues de Oliveira
constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá
referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevi-
vência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua
para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade
produtora daquela riqueza”.3
Destarte, com fartura, a doutrina alerta que a tributa-
ção não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confisca-
tória. exigir mais do que o contribuinte pode pagar, asfi-
xiando-o ou diminuindo-lhe a sua capacidade produtiva
é, por analogia a uma conhecida fábula, matar a galinha
1- Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
2- Doutor e mestre em Direito pela UFPe. Juiz Federal. Professor titular de direito tributário da Universidade Católica de Pernambuco. ex-Procurador Judicial do município do recife. ex-Procurador do estado de Pernambuco. ex-Procurador Federal
3- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.113
arlindo marostica1
Hélio silvio Ourem Campos2
1 Capacidade Contributiva e a Verificação de Seus
Paradoxos
Não basta o tributo ser legal, há também de ser legíti-
mo. Neste artigo buscamos aferir se as normas tributárias
infraconstitucionais incorporaram plenamente o Princípio
da Capacidade Contributiva.
Compulsando os conceitos formulados pelos mais re-
nomados doutrinadores, o princípio da capacidade con-
tributiva subordina-se à idéia de justiça distributiva. esse
princípio objetiva legitimar a tributação e graduá-la de
acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos
paguem mais e os pobres, menos.
ao discorrerem sobre o princípio da capacidade con-
tributiva, os doutrinadores realçam veementemente que
o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de
triBUtaÇÃO em revista 37
dos ovos de ouro. assim,
essa tributação, ademais, não pode se tornar exces-siva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributa-ção, em cotejo com os diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciati-va, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até mesmo inibir o exercício de atividade profis-sional ou empresarial lícita nem retirar do contri-buinte parcela substancial de propriedade.4
Nos últimos anos, os meios de comunicação têm dedi-
cado enorme destaque ao tema da carga tributária brasilei-
ra. estudos e pesquisas estatísticas informam que a carga
tributária se revela, ano após ano, cada vez mais elevada.
O instituto Brasileiro de Planejamento tributário
(iBPt), organização privada, em recente pesquisa divul-
gada no Caderno de economia do Jornal do Comércio,
de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais
para a classe média”.5
segundo o iBPt, a carga tributária brasileira é uma das
mais altas do mundo e, pelos serviços públicos prestados
ao cidadão, é também uma das mais injustas. além disso,
informou o que se segue:
mas para a classe média, a parcela da população que tem renda mensal entre r$ 3 mil e r$ 10 mil mensais, os tributos são ainda mais perversos. isso porque esta é a faixa de renda que mais paga impostos no Brasil, mais ainda do que aqueles que ganham acima de 10 mil.6
Ora, se a pesquisa aponta que a classe média é que supor-
ta a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais
ricos suportam uma carga, relativamente, menor. Por conse-
guinte, pode-se também concluir que o princípio da capaci-
dade contributiva está sendo maculado e que o seu subprin-
cípio da progressividade não foi adequadamente manejado.
em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da con-
tabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que adiante
detalharemos. em nosso entendimento, esses paradoxos ne-
gam a efetividade do princípio da capacidade contributiva.
Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante serão
apresentados não ferem o princípio da capacidade contri-
butiva, necessariamente, por prescreverem uma tributação
excessiva, proibitiva ou confiscatória. ressalte-se, ainda que
não ferem o referido princípio por tributarem, necessaria-
mente, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna
do ser humano.
referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam, que
abonam, que infundadamente discriminam, que concedem
isenções, quase sempre, aos mais abastados, maculando a
capacidade contributiva e os subprincípios (proporcionali-
dade, progressividade, personalidade e seletividade).
Nesse contexto, visualiza-se um fosso, cada vez mais
fundo, que separa uns poucos que a cada dia acumulam
mais posses do resto (a maioria) que, paulatinamente,
tornam-se cada vez mais depauperados, retrato nítido do
efeito atroz da indigna, aética, injusta, nefasta, indesejada
e imoral concentração de renda que se verifica, de forma
cada vez mais destoante, nos países que adotam a chama-
da cartilha neoliberal, donde o Brasil é campeão.
Para melhor aferirmos se alguns normativos tributários
respeitam ou afrontam princípios tributários constitucio-
nais e para buscarmos responder à questão problema deste
trabalho abordaremos situações concretas, casos práticos,
aqui denominados paradoxos.
1.1 Paradoxo 1: Rendimento de Aluguéis Percebidos
Por Pessoas Físicas Versus Rendimento de Aluguéis
Percebidos Por Pessoas Jurídicas.
em relação aos rendimentos de aluguéis percebidos
por Pessoa Física, o imposto de renda (irPF) será apura-
do com base na tabela Progressiva a que são submetidos
os rendimentos do trabalho como forma de facilitar a vi-
sualização dos desdobramentos práticos.
Numa descrição simples, no que pertine aos rendi-
mentos de aluguéis percebidos por Pessoa Jurídica, que
seja optante pelo lucro presumido e cujo objeto contemple
a atividade de locação de imóveis próprios, o imposto de
renda (irPJ) e os demais tributos (Pis, COFiNs e CsLL)
serão apurados da seguinte forma:
4- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.89
5- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.
6- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.
38 triBUtaÇÃO em revista
Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento
irPJ 16,00% 15,00% 0,00% 2,40%
CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%
Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%
COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%
Carga total 8,93%
Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento
irPJ 32,00% 15,00% 0,00% 4,80%
CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%
Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%
COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%
Carga total 11,33%
Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento
irPJ 32,00% 15,00% 10,00% 8,00%
CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%
Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%
COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%
Carga total 14,53%
Tabela 1 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral de até r$ 30.000,00
Tabela 2 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral de r$ 30.000,01 até r$ 187.500,00
Tabela 3 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral que exceder a r$ 187.500,00
Não é necessário possuir um intelecto privilegiado
para perceber a flagrante distorção que as tabelas acima,
por si só, revelam. inicialmente, pode-se verificar que os
rendimentos são da mesma natureza, qual seja: aluguéis.
Não é sem motivo que proprietários de imóveis para ren-
da têm constituído sociedades, mediante a incorporação
de seus bens imóveis ao capital. É uma prática lícita, cuja
denominação é elisão fiscal.
a título exemplificativo tem-se a seguinte situação: se
um determinado proprietário de imóveis, pessoa física,
auferisse alugueres no valor mensal de r$ 62.500,00, o
seu ônus tributário mensal corresponderia a r$ 16.662,31
a título de imposto de renda de pessoa física -irPF.
ao revés, se esse mesmo proprietário constituísse uma
sociedade empresária, incorporando ao capital da socie-
dade os mesmos imóveis que lhe rendiam os aluguéis que
percebia, na qualidade de pessoa física, sobre esses mes-
mos aluguéis, agora auferidos pela pessoa jurídica, incidi-
ria o irPJ, a CsLL, o Pis e a COFiNs, num montante de
r$ 7.081,25.
triBUtaÇÃO em revista 39
No exemplo supracitado, verifica-se uma elisão no pa-
tamar de r$ 9.581,06, por mês. ao permitir que esta elisão
fiscal ocorra, estaria a nossa legislação atendendo, só para
exemplificar, os princípios da isonomia, da proporciona-
lidade, da progressividade e da capacidade contributiva?
inegavelmente, a elisão fiscal é legal, mas até que ponto
pode ser considerada legítima?
Neste paradoxo, restou óbvio que os rendimentos são
de natureza idêntica, ou seja, alugueres. O fato de passa-
rem a ser percebidos por pessoa jurídica não lhe altera a
natureza. Para um rendimento da mesma natureza, o le-
gislador concedeu à pessoa jurídica uma tributação muito
menos onerosa se confrontada com a devida pela pessoa
física.
Não há se falar, nesta hipótese, que a pessoa jurídica
suporta gastos superiores aos da pessoa física. No parado-
xo sob enfoque, a sociedade empresária constituída para
administrar e alugar seus próprios imóveis não é deman-
dada em nenhum gasto que não seja devido, também, pelo
proprietário locador pessoa física.
se uma lei contém lacunas legais que permitem, me-
diante a elisão fiscal, afrontar ou até mesmo ignorar os
consagrados princípios tributários, indispensáveis à per-
secução da justiça tributária e, por efeito, a própria justiça
social e a justiça distributiva, não seria razoável supor que
esta mesma lei padece de inconstitucionalidade?
Firmamos um entendimento positivo à indagação sus-
citada. Notadamente no âmbito tributário, pode-se enten-
der o espírito da lei pelos seus efeitos. a verdadeira inten-
ção que move um ser humano a agir, revela-se nos efeitos
ou nas conseqüências que o seu ato provoca. Por conse-
guinte, à luz do princípio da capacidade contributiva, os
seus efeitos teleológicos estão sendo maculados.
analogicamente, pode-se asseverar que a verdadeira
intenção do legislador, ao formular o corpo normativo
da legislação tributária está umbilicalmente atrelado aos
efeitos dessa lei, leia-se: aos próprios efeitos práticos ar-
recadatórios.
e é certo que assim o seja. Por óbvio, não se cria uma
lei, no âmbito tributário, que não vise a efeitos tributários.
Dessa maneira, pode-se dizer que, se uma determinada lei
agrava ou desonera determinado grupo ou categoria de
contribuintes é porque assim o pretendia o legislador.
Não temos a pretensão de provar a intenção deliberada
ou subliminar com que age o legislador. entretanto, pare-
ce-nos oportuno trazer este tema à reflexão. se uma lei, ao
criar tributos ou ao oferecer desonerações, não levar em
conta os princípios que perfazem a justiça tributária não é
razoável supor que a intenção deliberada ou subliminar do
legislador não estivesse eivada de interesses diversos dos
princípios norteadores da justiça tributária, capitaneados
pelo princípio da capacidade contributiva.
vislumbra-se neste paradoxo que, embora tratando da
tributação de rendimentos de capital (alugueres), inciden-
tes sobre pessoas diversas – quais sejam: pessoas físicas e
jurídicas – sua natureza é a mesma. Portanto, o legislador,
deliberada ou subliminarmente, subverteu o subprincípio
da progressividade e ignorou, por conseguinte, o princípio
da capacidade contributiva.
Fala-se muito do avanço da concentração de renda em
nosso país e dos malefícios dela decorrentes. Pouco se fala
a respeito das causas que a fomentam. muito menos se
tem notícias de propostas ou projetos que visem corrigir
essas distorções.
No meu quotidiano prático, exercendo a profissão de
contador, ouvem-se freqüentes reclames do contribuinte
pessoa física que, auferindo rendimentos de aluguéis depa-
ra-se com a “pesada” tributação de até 27,50%. Ouvem-se,
com muito mais ênfase, os mesmos reclames dos represen-
tantes das pessoas jurídicas que, graças ao planejamento
tributário (elisão fiscal) suportam, para rendimentos de
até r$ 10.000,00 por mês, uma carga de 8,93%, para a
mesma espécie de rendimentos (aluguéis).
isso denota que nem toda a manifesta insatisfação em
torno da elevada carga tributária é fundada. Na verdade, o
sistema Fiscal Brasileiro possui muitas das características
de regressividade.
Nesse paradoxo, parece-nos configurada a subversão
do princípio da capacidade contributiva. se assim o é, não
estaria eivada de inconstitucionalidade a legislação que a
40 triBUtaÇÃO em revista
permite? sabemos que é legal, mas, não pode ser conside-
rado lícito ou legítimo o pomposo instrumento denomina-
do planejamento tributário (elisão fiscal) que, em última
análise permite que, quase sempre, os mais aquinhoados
paguem menos tributos que os que têm menos.
1.2 Paradoxo 2: A Natureza Tributável dos Lucros
no § 5º, Artigo 2º, da Lei Nº 10.101/2000 Versus A
Natureza Isenta dos Lucros no Artigo 10, da Lei Nº
9.249/1995.
Conforme disciplina o artigo 153, inciso iii, da Cons-
tituição da república, a instituição do imposto de rendas
e Proventos de qualquer natureza é de competência da
União. Depreende-se, ainda, que o imposto de renda (ir)
deverá ser informado pelos critérios da generalidade, da
universalidade e da progressividade, na forma da lei. eis o
teor in verbis do dispositivo normativo:
art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:iii – renda e proventos de qualquer natureza;§ 2º - o imposto previsto no inciso iii:i - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade na forma da lei.
O Código tributário Nacional (CtN), alude à norma-
tividade do imposto de renda e Proventos nos seguintes
termos:
art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econô-mica ou jurídica:i – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou a combinação de ambos;ii – de proventos de qualquer natureza, assim enten-didos os acréscimos patrimoniais não compreendi-dos no inciso anterior;§ 1º a incidência do imposto independe da de-nominação da receita ou do rendimento, da localização,condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.art.45. Contribuinte do imposto é o titular da dispo-nibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proven-tos tributáveis.
Nestes termos, o Código tributário Nacional, informa
que o imposto de renda incide sobre a renda e proventos
de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisi-
ção da disponibilidade econômica ou jurídica de renda.
entenda-se por renda o produto do capital, do trabalho ou
a combinação de ambos.
Nos termos do art. 10 da Lei 9.249/95, regulamenta-
da pelo artigo 51 da instrução Normativa 11/96, da se-
cretaria da receita Federal - iN srF 11/96 - os lucros ou
dividendos calculados com base nos resultados apurados
a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados
pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real,
presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência
do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de
cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física
ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
À luz do exposto, transcreve-se o conteúdo do artigo
10, insculpido na Lei nº 9.249/1995.
art. 10º Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumi-do ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Desta feita, não estão sujeitos ao imposto de renda os
lucros e dividendos pagos ou creditados a sócios, acio-
nistas ou empresário individual (artigo 10, Lei 9.249/95)
gerados a partir 01 de janeiro de 1996. reitere-se, por
oportuno, que essa não-incidência independe do regime
tributário da pessoa jurídica, leia-se: lucro real, presumido
ou arbitrado. além disso, a isenção independe também do
valor distribuído. Os lucros, portanto, independentemen-
te do valor, serão isentos.
O artigo 10 da Lei nº. 9.249/95 converteu a nature-
za tributária dos lucros. Os lucros, que até então, via de
regra e com alíquotas variáveis, eram tributáveis, foram
isentados do imposto de renda. Conforme exposto, a refe-
rida mudança de natureza passou a viger a partir de 1º de
janeiro de 1996.
Compreendemos que o lucro é um produto ou fruto
triBUtaÇÃO em revista 41
do capital, representando para quem o aufere a aquisição
de uma disponibilidade econômica, uma renda. Nesse
contexto, o lucro está, indiscutivelmente, inserto na hi-
pótese de incidência do artigo 43 do Código tributário
Nacional.
em contraponto, aos trabalhadores está assegurado o
direito à participação nos lucros ou resultados, de acordo
com o artigo 7º, inciso Xi da nossa Carta. antes da regu-
lamentação por lei ordinária, muito se discutiu acerca da
auto-aplicabilidade deste dispositivo constitucional.7
após a promulgação da Constituição de 88 foram edi-
tadas várias medidas provisórias, que não se converteram
em leis. a primeira medida provisória que regulamentou
a matéria foi a de nº 194, em 1994. após esta medida
Provisória, foram editadas mais treze sobre o assunto, com
poucas alterações.
somente com a edição da lei nº 10.101, em 2000, foi
que se pôs fim à discussão acerca da auto-aplicabilidade
do dispositivo constitucional, pois passou a regulamentar
a participação do trabalhador nos lucros ou resultados da
empresa. após essa Lei, a participação nos lucros ou resul-
tados passou a ser obrigatória, pois consiste em um direito
previsto na Constituição.
assim, a Lei nº. 10.101/2000, alude ao que se segue:
art. 2o a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empre-gados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:...§ 5o as participações de que trata este artigo serão tributadas na fonte, em separado dos demais rendi-mentos recebidos no mês, como antecipação do im-posto de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo à pessoa jurídica a res-ponsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)
Na tentativa de definir a natureza jurídica desta forma
de participação, surgiram três teorias. a primeira atribuía-
-lhe natureza salarial; a segunda, por sua vez, considerava-
-a um contrato de sociedade; e a terceira, por fim, entendia
que se tratava de uma figura sui generis, que representava
uma forma de transição entre o contrato de trabalho e o
contrato de sociedade.
a doutrina, influenciada pelo artigo 457 da Consoli-
dação das Leis trabalhistas - CLt, posicionou-se pela na-
tureza jurídica salarial da participação mencionada. a ju-
risprudência também defendeu a natureza salarial, dando
origem à súmula 251 do tribunal superior do trabalho
- tst, cuja redação é a que se segue: “a participação nos
lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza sa-
larial, para todos os efeitos legais.”
a referida súmula 251 foi cancelada pelo tst, por
meio da resolução nº 33, de 27 de julho de 1994, em ra-
zão de a Constituição da república asseverar em seu artigo
7º, inciso Xi, que a participação nos lucros ou resultados
seria desvinculada da remuneração.
a teoria que atribuía à participação em tela natureza de
contrato de sociedade não subsistiu porque não há affectio
societatis entre o empregado e o empregador e os riscos
da atividade empresarial são de exclusiva responsabilidade
do último.
Hodiernamente, segundo a doutrina dominante, a par-
ticipação nos lucros ou resultados caracteriza-se por ser
uma figura sui generis, não constituindo um contrato, mas
um efeito que decorre do contrato de trabalho. a Lei nº
10.101/2000, que regulamentou o dispositivo constitu-
cional que trata da participação nos lucros ou resultados,
além de estabelecer a natureza não-salarial da participa-
ção, dispôs sobre a periodicidade do pagamento, que não
poderá ser inferior a um semestre civil.
Pelo exposto, tanto os lucros de que trata o artigo
10 da Lei nº 9.249/95, quanto a participação nos lucros
ou resultados da empresa de que trata o artigo 7º, inci-
so Xi da Constituição de 88, regulamentado pela Lei nº.
10.101/2000, constituem-se em aquisição de disponibili-
dade econômica ou jurídica de renda para os seus bene-
ficiários.
e não é só. a vigente Carta magna ao referir-se ao im-
posto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, no
inciso i, § 2º, do artigo 153, expressa que o imposto de
7- alguns autores, dentre os quais se cita José afonso da silva e Celso ribeiro Bastos, afirmavam que a norma era meramente programática, não sendo, portanto, auto-aplicá-vel. Para outros doutrinadores, como sergio Pinto martins, o direito à participação nos lucros, desvinculado da remuneração, já era auto-aplicável desde a Constituição de 88.
42 triBUtaÇÃO em revista
renda “será informado pelos critérios da generalidade, da
universalidade e da progressividade, na forma da lei”.
Depreende-se do exposto que o artigo 10 da Lei nº.
9.249/95 ignorou, a um só tempo, os três critérios consti-
tucionais formadores do imposto de renda. ao estabelecer
a isenção de imposto de renda sobre os lucros, desconsi-
derou o critério da generalidade, da universalidade e da
progressividade.
Por óbvio, também, feriu de morte o princípio da ca-
pacidade contributiva. Não se pode ignorar que muitos
empreendedores vêm cumulando verdadeiras fortunas
oriundas de lucros auferidos sem qualquer tributação.
O legislador afrontou vários princípios ao estabelecer
isenção tributária para os lucros. em que fundamento ou
princípio maior se baseou o mesmo para tal afronta? seria
de cunho econômico, ético, filosófico, axiológico?
admita-se que o fator determinante para tornar os lu-
cros isentos de tributação tenha a insustentável alegação
de que se estaria incorrendo em bitributação ou, o que
parece ter sido mais decisivo, a pressão dos investidores
estrangeiros e dos capitalistas pátrios.
sem essa isenção, nossas elites abastadas não se sen-
tiam suficientemente recompensadas. ameaçavam reme-
ter (e não ficou só na ameaça) seus capitais para os paraí-
sos fiscais. Por seu turno, os investidores estrangeiros (na
maioria das vezes meros especuladores) não se disporiam
a investir (“apostar”) seus capitais num país dito de econo-
mia instável. O risco era muito alto e, assim, tornou-se im-
prescindível que os lucros fossem excepcionais e livres de
tributação. O legislador, portanto, submissamente, captou
e acolheu os ditames do “mercado”.
ao instituir a isenção, justificou-se que os lucros não
poderiam ter natureza tributável sob pena de se incorrer
em bitributação. eis que os lucros são frutos da atividade
empresarial já devidamente tributada e se os mesmos fos-
sem tributados na pessoa física, estar-se-ia bitributando a
mesma riqueza. essa é a sustentação dos que defendem a
natureza não tributável dos lucros.
tergiversando sobre o assunto, pareceu-nos muito cô-
moda e depreciativa essa conclusão. Cômoda para estes
empresários que foram agraciados com a desoneração.
e depreciativa para os cofres públicos, tendo em vista a
enorme perda arrecadatória que isso representa para o
estado. a conseqüência direta desta realidade fática é o
aumento da carga tributária para os demais contribuintes,
vez que o estado não tem conseguido reduzir seus gastos.
Os lucros são resultados econômicos positivos da ativi-
dade empresarial. assim, os lucros pertencem à empresa.
se, ao investir os lucros em sua própria atividade ou na
expansão da empresa, a ativação desses lucros fosse tri-
butável, por certo, estar-se-ia diante de uma flagrante bi-
tributação.
Porém, ocorre que, no paradoxo ora abordado, os lu-
cros mudam de titularidade. saem da esfera patrimonial
da pessoa jurídica que os gerou para ingressar no patrimô-
nio da pessoa física, dos sócios. e, diante disso, concluir
que os lucros devem ser considerados isentos, sob pena
de incorrer-se em bitributação, não se configura razoável.
se razoável fosse, por analogia, ter-se-ia que admitir
que os salários, esses sim, legítimos frutos do trabalho,
também deveriam ser de natureza isenta. Ora, sabe-se que
tanto o capital quanto o trabalho são fatores de produção
de uma empresa. então, se os frutos do capital (lucros)
devem ser isentos de imposto de renda, por quê os frutos
do trabalho (salários) não o são?
mas, o que foge ao razoável e para nós se afigura in-
compreensível, é o fato de que mesmo ente político ao
legislar sobre a participação do trabalhador nos lucros
ou resultados da empresa, no § 5o, do art. 2o da Lei nº.
10.101/2000, prescreveu que:
as participações de que trata este artigo serão tribu-tadas na fonte, em separado dos demais rendimen-tos recebidos no mês, como antecipação do imposto devido na declaração de rendimentos da pessoa físi-ca, competindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)
Desta feita, o legislador não se mostrou suficientemen-
te sensível para captar ou acolher os anseios dos trabalha-
dores, no sentido de isentar de tributação a participação
triBUtaÇÃO em revista 43
nos lucros ou resultados da empresa.
Não é fácil conceber em que fundamentos, em que
princípios, o legislador fez incidir imposto de renda sobre
os parcos lucros atribuídos aos trabalhadores, que notoria-
mente dispõem de menor capacidade contributiva, e, ao
arrepio dos mais sagrados princípios tributários, isentou
os, quase sempre, galhardos lucros atribuídos aos sócios
que, via de regra, detém uma maior capacidade contri-
butiva.
ademais, embora não se possa questionar a constitu-
cionalidade da Lei nº 9.249/95, sob seu aspecto formal,
não parece aceitável que esse mesmo instituto torne os lu-
cros isentos de tributação, com fundamento no que se se-
gue: traíram-se os critérios preconizados no inciso i, § 2º,
do artigo 153 da Constituição de 88, o qual alude que o
imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza
“será informado pelos critérios da generalidade, da univer-
salidade e da progressividade na forma da lei”.
menosprezaram-se, ainda, os artigos 43 a 45 do Códi-
go tributário Nacional uma vez que o imposto de renda
incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza e
tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade eco-
nômica ou jurídica de renda.
O lucro é um produto ou fruto do capital, represen-
tando para quem o aufere, a aquisição de uma disponibi-
lidade econômica, uma renda. enquadra-se, portanto, na
hipótese de incidência do artigo 43 de Código tributário
Nacional. e, se por algum fundamento, os lucros devem
ser isentos de imposto de renda quando distribuídos aos
sócios, em regra, detentores de uma maior capacidade
contributiva, com maior justiça, deveriam ser isentos do
mesmo imposto de renda ao serem pagos aos emprega-
dos a título de participação nos lucros ou resultados da
empresa.
1.3 Paradoxo 3: Renúncias Tributárias em Favor da
Renda do Capital
aludiu-se nos paradoxos anteriores que se vem taxan-
do, mais significativamente, a renda dos trabalhadores
assalariados e as classes de menor poder aquisitivo, via
tributação sobre o consumo, ao longo dos últimos anos.
além disso, pode-se afirmar que o estado brasileiro vem
abrindo mão de receitas tributárias importantes em favor
da renda de capital.
Uma dessas renúncias fiscais é a dedução dos juros so-
bre o capital próprio das empresas do lucro tributável do
imposto de renda – ir e da Contribuição social sobre o
Lucro Líquido – CsLL. esse entendimento encontra fun-
damento na Lei nº 9.249/95, em seu artigo 9º.
assim, desde 1996, passou-se a permitir às pessoas
jurídicas tributadas pelo lucro real, que remuneraram as
pessoas físicas ou jurídicas, a título de juros sobre o capital
próprio, a considerar tais valores como despesas para fins
de apuração do irPJ e da CsLL. trata-se, na verdade, de
uma despesa fictícia.
À luz do exposto, observa-se que a remuneração paga
aos acionistas, a título de juros sobre o capital próprio, é
considerada despesa. e, sendo contabilizados como des-
pesa, os juros sobre o capital próprio, por óbvio, reduzem
o lucro. O mesmo montante dos juros sobre o capital pró-
prio distribuído aos acionistas redundará, em igual mon-
tante, em redução do lucro da sociedade. Ora, reduzido
o lucro, reduzida será a tributação a titulo do irPJ e da
CsLL.
O artigo 9º, da Lei 9.249/95, beneficia as sociedades
mais lucrativas, possibilitando que, ao remunerarem seus
acionistas com juros sobre o capital próprio, reduzam, no
mesmo quantitativo, os lucros que seriam apurados.
em termos práticos, a fim de elucidar esse dispositivo,
constata-se o seguinte: o art. 9º da Lei 9.249/95 permite
que as grandes sociedades, as mais lucrativas, deixem de
recolher aos cofres públicos 25% (15% + 10% de adicio-
nal) a título de irPJ e 9% a título de CsLL. É verdade
que os juros sobre o capital próprio são tributados na pes-
soa do beneficiário, porém, à alíquota exclusiva de 15%.
Observa-se que, para os mais aquinhoados, o governo re-
nuncia, abre mão de arrecadar 34% para contentar-se com
apenas 15%.
De acordo com dados da Unafisco sindical, somente
em 2005, a distribuição de juros sobre capital próprio
44 triBUtaÇÃO em revista
implicou uma renúncia tributária de r$ 3,7 bilhões. esse
mecanismo permitiu, por exemplo, que os cinco maiores
bancos do sistema financeiro nacional – que apresentaram
um lucro histórico em 2005 - distribuíssem a título de ju-
ros sobre capital próprio aos seus acionistas um montante
de r$ 6 bilhões.8
assim, o valor distribuído de Juros sobre Capital Pró-
prio proporcionou uma redução nas despesas com en-
cargos tributários desses bancos no montante de r$ 2,1
bilhões, implicando uma renúncia tributária do estado a
favor dos bancos no total de r$ 1,2 bilhão.9
entre os privilégios tributários concedidos ao grande
capital, especialmente os bancos, está a isenção de impos-
to de renda da remessa de lucros e dividendos ao exterior
(art. 10, Lei 9.249/1995).
De acordo com o UNaFisCO siNDiCaL10, atualmente
siNDiFisCO NaCiONaL, dados do Banco Central reve-
lam que as remessas líquidas de lucros e dividendos de
multinacionais bateram recorde em 2005, atingindo Us$
12,7 bilhões, maior montante desde 1947. essa situação
só é possível em função da alta rentabilidade com os juros
reais, o câmbio apreciado e a isenção de imposto de renda
sobre remessas para o exterior e a isenção de lucros e divi-
dendos distribuídos11.
Convertendo o valor de Us$ 12,7 bilhões à taxa de
câmbio de r$ 2,34 (30/12/2005), chega-se ao montante
de r$ 29,7 bilhões, que se fossem tributados com uma
alíquota de 15% (que vigorou até 1996) possibilitaria uma
arrecadação tributária de r$ 4,5 bilhões.
Não bastasse recentemente o governo editou a medida
Provisória - mP nº 281, de15/02/2006, convertida pelo
Congresso Nacional na Lei n. 11.312, de 27/06/2006, re-
duzindo a zero as alíquotas de ir e de CPmF12 para inves-
tidores estrangeiros no Brasil. as operações beneficiadas
pela mP são cotas de fundos de investimentos exclusivos
para investidores não-residentes, que possuam, no míni-
mo, 98% de títulos públicos federais.
Osiris Lopes Filho que secretariou a receita Federal
nos anos de 1993 e 1994, em entrevista concedida aos
jornalistas tina evaristo e Hugo studart da revista “isto
é” – Dinheiro, disponível na internet,13 à pergunta: “até
que ponto é verdade a tese de que rico não paga muito
imposto?” respondeu: também acho isso. Quando fui secretário da receita, mandei começar a fiscalização pelos ricos. era uma ação de marketing efetiva e eficiente. Os fiscais fica-ram todos assustados, já que não tinham o hábito de incomodar as elites. Peguei quem tinha iate e avião. alguns mostraram as notas fiscais orgulhosos. então fomos checar se tinham renda pessoal declarada para comprar o iate. Daí batemos em suas residências para verificar se o motorista e a empregada estavam registrados como funcionários das empresas. e o alu-guel? Novo rico não tem casa própria, mora tudo de aluguel em nome da empresa. essa foi uma peque-na amostra do sistema injusto no Brasil, no qual os empregados da classe média são os que mais pagam impostos. as megaempresas costumam ter esquemas para não serem efetivamente fiscalizadas. as peque-nas estão na informalidade. são as médias que estão pagando o pato.
Na mesma entrevista, perguntado se “Os grandes lu-
cros dos bancos têm alguma relação com o sistema tribu-
tário?” manifestou:
sim, no Brasil você tem um paraíso para o rendimen-to do capital. Na minha opinião, ainda é um resquí-cio da sociedade escravocrata do século XiX, como se o trabalho devesse ser explorado. Há um claro privilégio para os rendimentos obtidos do capital. a cada bilhão de lucro, o banco paga r$ 150 milhões, quando deveria pagar r$ 250 milhões.
8- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.
9- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.
10- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.
11- Desde janeiro de 1996, a distribuição de lucros e dividendos é isenta de ir (art. 10, Lei 9.249/1995).
12- a cobrança da CPmF (Contribuição Provisória sobre movimentação Financeira), instituída pela eC nº. 12/96 (art. 74 do aDCt), não foi prorrogada pelo Congresso Nacional, tendo sido extinta em 31/12/2007.
13- LOPes, Osiris Filho. a honestidade é inviável no Brasil. Disponível em: www.blindagemfiscal.com.br/artigos/osiris_lopes_filho.htm. acesso em: 13 out. 2007
triBUtaÇÃO em revista 45
verifica-se, portanto, que os brasileiros, notadamente
a classe média trabalhadora, além de suportar uma das
maiores cargas tributárias, vêem o Poder Público renun-
ciar ou amenizar a tributação dos capitalistas pátrios ou
para atrair os capitais especulativos estrangeiros, numa
prática mais refinada que a dos mais atraentes paraísos
fiscais.
segundo evilásio salvador,14 a atual legislação tributá-
ria trata de forma benevolente a renda do capital, compa-
rativamente a dos trabalhadores, ferindo a isonomia tri-
butária dentre as diferentes espécies de renda, conforme
disciplina a Constituição de 88. a legislação atual não sub-
mete à tabela progressiva do ir os rendimentos de capital,
que são tributados com alíquotas inferiores aos demais
rendimentos.
Novamente, os grandes beneficiados pela benevolência
tributária do Brasil são os capitalistas, os mais aquinho-
ados, os que detêm uma maior capacidade contributiva
e os especuladores estrangeiros. Novamente, macula-se o
princípio da capacidade contributiva.
Conclui-se, assim, que o Brasil é um verdadeiro paraí-
so fiscal para o rendimento do capital.
2 Conclusão
ao discorrerem sobre o princípio da capacidade con-
tributiva, os doutrinadores realçam veementemente que
o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de
tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência
digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a
tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor
maior da natureza humana, tutelada no estado de Direito.
Nesse sentido, José marcos Domingues de Oliveira
constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá
referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevi-
vência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua
para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade
produtora daquela riqueza”.15
O instituto Brasileiro de Planejamento tributário
(iBPt), organização privada, em recente pesquisa divul-
gada no Caderno de economia do Jornal do Comércio,
de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais
para a classe média”.16 segundo o iBPt, a carga tributária
brasileira é uma das mais altas do mundo e, pelos serviços
públicos prestados ao cidadão, é também uma das mais
injustas.
a pesquisa aponta que a classe média é que suporta
a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais
ricos suportam uma carga relativamente menor. Por con-
seguinte, pode-se também concluir que o princípio da ca-
pacidade contributiva está sendo maculado e que o seu
subprincípio da progressividade não foi adequadamente
manejado.
em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da
contabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que
adiante detalharemos. em nosso entendimento, esses pa-
radoxos negam a efetividade do princípio da capacidade
contributiva.
Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante
serão apresentados não ferem o princípio da capacidade
contributiva, necessariamente, por prescreverem uma tri-
butação excessiva, proibitiva ou confiscatória. ressalte-se,
ainda que não ferem o referido princípio por tributarem,
necessariamente, a riqueza mínima necessária à sobrevi-
vência digna do ser humano.
referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam,
que abonam, que infundadamente discriminam, que
concedem isenções, quase sempre, aos mais abastados,
maculando a capacidade contributiva e os subprincípios
(proporcionalidade, progressividade, personalidade e se-
letividade)
14- saLvaDOr, evilásio. a Distribuição da Carga tributária: Quem Paga a Conta? Disponível em: www.rls.org.br/publique/media/evilasio_salvador.pdf. acesso em: 12 out. 2007.
15- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.
16- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.
46 triBUtaÇÃO em revista
amarO, Luciano. Direito tributário Brasileiro. 7ª ed. são Paulo: ed. saraiva, 2001.
BrasiL. Constituição (1988). Constituição da repú-blica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BrasiL. Código tributário Nacional - CtN. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o siste-ma tributário nacional e institui normas gerais de direi-to tributário aplicáveis à União, estados e municípios. in: vade mecum. 3. ed. atual. e ampl. – são Paulo: saraiva, 2007.
BrasiL. Consolidação das Leis do trabalho. Decreto--Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. aprova a Con-solidação das Leis do trabalho. in: vade mecum. 3. ed. atual. e ampl. – são Paulo: saraiva, 2007.
BrasiL. Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995. altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lu-cro líquido, e dá outras providências. in: vade mecum. 3.ed. atual. e ampl. – são Paulo: saraiva, 2007.
BrasiL. Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lu-cros ou resultados da empresa e dá outras providên-cias. in: vade mecum. 3.ed. atual. e ampl. – são Paulo: saraiva, 2007.
BrasiL. Lei n. 11.312, de 27 de junho de 2006. re-duz a zero as alíquotas do imposto de renda e da Con-tribuição Provisória sobre movimentação ou transmis-são de valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPmF nos casos que especifica; altera a Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996; e dá outras providências. in: vade mecum. 3.ed. atual. e ampl. – são Paulo: saraiva, 2007.
CarraZa, roque antônio. Curso de Direito Consti-tucional tributário. 9ª ed. rev. ampliada. são Paulo: malheiros editores, 1997.
COeLHO, sacha Calmon Navarro. Curso de Direito tributário Brasileiro. 6ª ed. rio de Janeiro: ed. Foren-se, 2002.
REFERÊNCIAS
COÊLHO, sacha Calmon Navarro; DerZi, misabel a. machado. Direito tributário aplicado. Belo Horizon-te: Del rey, 1997.
CUNHa, albino Joaquim Pimenta da. imposto sobre a renda justo: progressivo, geral e universal. in: Jus Navigandi, teresina, ano 9, n. 601, 1 mar. 2005. Dis-ponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6381>. acesso em: 01 set. 2007.
LOPes, Osiris Filho. a honestidade é inviável no Bra-sil. Disponível em: www.blindagemfiscal.com.br/arti-gos/osiris_lopes_filho.htm. acesso em: 13 out. 2007.
maCHaDO, Hugo de Brito. Curso de Direito tribu-tário. 19ª ed. rev. atualizada e ampliada. são Paulo: malheiros editores, 2001.
martiNs, ives Gandra da silva; et al. Caderno de Pesquisas tributárias. in: Capacidade Contributiva. são Paulo: ed. resenha tributária, v. 14, 1989.
NOGUeira, ruy Barbosa. Curso de Direito tributá-rio. 15ª ed. atualizada. são Paulo: saraiva, 1999.
OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributá-rio: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998.
rOsa, Fernanda Della. Participação nos lucros ou re-sultados: a grande vantagem competitiva: como pes-soas motivadas podem potencializar resultados e re-duzir os custos das empresas. são Paulo: atlas, 2000.
saLvaDOr, evilásio. a distribuição da carga tributá-ria: quem paga a conta? Disponível em: <http://www.rls.org.br/publique/media/evilasio_salvador.pdf.>. acesso em: 12 out. 2007
siLva, José afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. são Paulo: malheiros, 2003.
UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponí-vel em: <http://www.unafisco.org.br/ estudos_tecni-cos/ index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.
triBUtaÇÃO em revista 47
a RTIGO
Legitimidade do Planejamento Tributário: critérios
dele nada além do que a lei lhe outorga.
mas, a realidade fática não encerra tamanha simplici-
dade.
ao contribuinte assiste o direito de minimizar seus
custos tributários, não obstante deva reconhecer que a
arrecadação de impostos é o único meio do estado pro-
ver seus serviços na medida das exigências e necessidades
da sociedade. a figura do planejamento tributário surge
como forma de dispor os negócios do contribuinte visan-
do a economia de tributos, respeitando-se os limites da lei.
atualmente, constata-se uma ampla disseminação de
sofisticados esquemas de planejamento tributário. são
inúmeras as consultorias que oferecem como “produto”
operações habilmente estruturadas, cuja finalidade prin-
1- auditor-Fiscal da receita Federal do Brasil graduado em Ciências Contábeis (1985) e Direito (2006). especialista em Direito internacional Fiscal e integração econômica pela Fundação Getúlio vargas. Professor de Direito tributário internacional no curso de Pós-Graduação em Direito tributário da esaF. Presidente da segunda Câmara da Primeira seção de Julgamento do Conselho administrativo de recursos Fiscais – CarF
Claudemir rodrigues malaquias1
1 Introdução
Pagar impostos nunca foi algo desejado pelos contri-
buintes. ao longo da história, estes sempre resistiram às
investidas do estado em direção ao seu patrimônio parti-
cular. No cenário tributário, coabitam em clima não amis-
toso, a obrigação de pagar impostos e as manobras evasi-
vas para escapar com astúcia das mãos do fisco.
Diferentemente do que ocorria na história antiga, no
estado de Direito a relação jurídico tributária com o con-
tribuinte se estabelece sempre com base na lei. em tese,
ambos, estado e contribuinte estão na mesma posição,
pois submetem igualmente suas condutas ao previsto no
ordenamento jurídico. O contribuinte, de sua parte, deve
pagar o imposto previsto na lei, e o Fisco não pode exigir
48 triBUtaÇÃO em revista
cipal é reduzir o pagamento de impostos sem despertar a
atenção do Fisco.
em consequência, as administrações tributárias re-
gistram uma sensível perda de arrecadação. a erosão das
bases tributárias em diversos países é um fato incontrover-
so. a par da ampla utilização de planejamentos tributários
pelos contribuintes pessoas físicas e jurídicas, constata-se
a reação dos estados verificada com maior ou menor in-
tensidade, segundo a peculiaridade de seu ordenamento.
No centro desta relação conflituosa entre Fisco e con-
tribuinte, está o confronto entre a liberdade do indivíduo
em organizar seus negócios e a necessidade cada vez mais
intensa do estado arrecadar impostos. O planejamento tri-
butário possui sua origem neste confronto.
Não se vislumbra uma solução simples e imediata para
a questão. a divergência entre juristas, doutrinadores e
aplicadores do direito, as dificuldades de se estabelecer
uma linha jurisprudencial uniforme, definida com base
em critérios jurídicos objetivos e a reação, às vezes enérgi-
ca das autoridades administrativas frente ao planejamento
tributário, colocam a questão na agenda permanente de
seminários, congressos nacionais e internacionais. apesar
dos esforços despendidos, não há um ponto de conver-
gência na doutrina e na jurisprudência administrativa e
judicial, em torno do qual estejam pacificados os crité-
rios necessários para aferir a legitimidade da conduta tida
como elisiva do planejamento tributário.
apesar de inúmeros estudos a respeito do tema, ainda
há nítida indefinição acerca dos critérios jurídicos que con-
figuram o caráter legítimo ou ilegítimo ao planejamento
tributário. Qual o referencial jurídico que deve ser adota-
do conjuntamente pelos contribuintes e pelas autoridades
fiscais? Quais os elementos que distinguem a economia
legítima de tributos daquela contrária ao ordenamento
jurídico? No plano da instrução probatória, questiona-se
também quais os critérios para a produção de provas que
irão revelar o caráter abusivo do planejamento tributário?
este singelo trabalho propõe alguns lineamentos acer-
ca destas questões. são considerados os critérios básicos
e necessários para a fixação de uma linha divisória entre
as condutas tidas como legítimas e aquelas consideradas
contrárias ao ordenamento, embora revestidas da forma
prescrita em lei.
Longe de ser a última palavra sobre o assunto, as con-
clusões desta análise almejam contribuir humildemente
para o debate.
2 Evasão e Elisão Fiscal
De início, faz-se necessário discorrer sobre a tipolo-
gia das condutas perpetradas pelos contribuintes quando
estes buscam fugir do cumprimento de suas obrigações
tributárias.
a doutrina formulou os conceitos de evasão e elisão
fiscal. a terminologia adotada pela maioria dos autores
permite distinguir, no plano teórico, os elementos e as
características dos comportamentos dos contribuintes,
quando estes buscam esquivar-se do ônus da obrigação
tributária.
em sentido amplo, pode-se considerar evasão fiscal
toda e qualquer ação ou omissão do contribuinte tendente
a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de uma obri-
gação tributária, utilizando-se de meios lícitos ou ilícitos.
a expressão “evasão tributária” é empregada para designar
a fuga ao dever de pagar tributos. em seu sentido lato,
abrange as condutas lícitas e ilícitas. a evasão tida como
lícita abrigaria as condutas de fuga ao dever de tributar
sem que se verifique violação da lei.2
a evasão ilícita ou fraude fiscal implica em todos os
casos a presença de intenção dolosa de fugir ao pagamen-
to do imposto devido. a palavra evasão possui o sentido
de fuga a um dever ou obrigação fiscal de forma ardilosa,
dissimulada, sinuosa furtiva e, portanto, ilícita. Contudo,
a expressão evasão não dever ser utilizada com os adjeti-
vos legal ou lícito, por implicar uma contradição. Para a
evasão considerada lícita, o termo mais adequado é elisão.
a elisão fiscal, por sua vez, é a expressão utilizada para
designar a maneira legítima de evitar, retardar ou reduzir
o pagamento de um tributo, antes da ocorrência de seu
2- DÓria, antônio roberto sampaio. elisão e evasão Fiscal. são Paulo: Bushatsky, 2ª ed. 1977, p. 21.
triBUtaÇÃO em revista 49
fato gerador. Na elisão, o agente visa atuar sem violação
da lei, no sentido de impedir o nascimento da obrigação
tributária. Busca evitar, de modo legítimo, a ocorrência da
situação definida em lei como necessária e suficiente para
o surgimento da obrigação tributária. Na elisão3, os meios
e instrumentos jurídicos utilizados são caracterizados por
sua legalidade ou, ao menos, são revestidos de forma líci-
ta, enquanto que na evasão, estão presentes meios ilícitos
e fraudulentos.
Distinção importante diz respeito ao aspecto cronoló-
gico do ato, sob o enfoque do momento da ocorrência do
fato gerador. Na elisão, o contribuinte, com a finalidade
de esquivar-se do pagamento do tributo, age ou omite-
-se antes da ocorrência da situação definida na lei como
hipótese de incidência do tributo. se a conduta do con-
tribuinte, omissiva ou comissiva, verifica-se no instante
ou após a ocorrência do fato gerador, dá-se a evasão ou a
fraude fiscal.
as figuras da evasão e elisão possuem o objetivo co-
mum de escapar do alcance da norma tributária. Para fugir
do campo de incidência da norma tributária, o contribuin-
te pode escolher entre desviar-se da norma impositiva, se
posicionando fora do seu alcance, ou, já sujeito a sua in-
cidência, utilizar-se de meios ilícitos para impedir, reduzir
ou retardar o recolhimento do imposto devido, pela desca-
racterização do fato gerador ou pela redução indevida da
base de cálculo do tributo.
a compreensão do conteúdo jurídico dos institutos da
evasão e da elisão fiscal é pressuposto para a análise da
legitimidade do planejamento tributário.
O vocábulo “planejamento” é empregado para de-
signar a ação de organizar ou projetar cenários futuros
com certa antecedência e sob certas premissas técnicas.
a expressão “planejamento tributário”, sob o aspecto se-
mântico, implica a idéia de ação preventiva, de algo que
é cuidadosamente engendrado com o objetivo de atingir
determinado resultado, que neste caso é a economia de
imposto. a expressão “planejamento tributário” é também
empregada como sinônimo de liberdade de ação e a rea-
lização de uma escolha entre duas ou mais possibilidades
igualmente válidas. trata-se da seleção de uma entre várias
alternativas oferecidas pelo ordenamento jurídico no que
diz respeito a distintas hipóteses de incidência tributária.
Para Heleno tôrres, esta expressão deve ser utiliza-
da para designar “a técnica de organização preventiva de
negócios, visando a uma legítima economia de tributos,
independentemente de qualquer referência aos atos ulte-
riormente praticados.” segundo o autor, é a conduta do
contribuinte representada por
atitudes lícitas na estruturação ou reorganização de seus negócios tendo como finalidade a economia de tributos, seja evitando a incidência destes, seja redu-zindo ou diferindo o respectivo impacto fiscal sobre as operações; corresponde à noção de “legítima eco-nomia de tributos.4
Neste mesmo sentido, afirmando a idéia de licitude
contida na expressão “planejamento tributário”, rodrí-
guez santos ensina que
“la planificación surge cuando existen diferentes al-ternativas igualmente legales para el tratamiento de un supuesto de hecho y siempre que dichas alterna-tivas sean tratadas de forma diversa por los sistemas fiscales relevantes en cada caso. La planificación fis-cal consiste, precisamente, en determinar entre ellas, la alternativa más eficiente fiscalmente, en otras pa-labras se trata de encontrar la alternativa que permita minimizar la carga tributaria mediante la elección de la vía de acción más eficiente entre todas las alterna-tivas legales posibles.”5
O “planejamento tributário”, cuja finalidade é a eco-
nomia de tributos, deve representar condutas inteira-
mente lícitas, caso contrário, não pode ser designado
com esta expressão. O planejamento tributário não tem
a finalidade de promover a evasão fiscal, tampouco visa
fraudar ou simular atos jurídicos, porquanto a fraude
e a simulação constituem alternativas contrárias à lei,
3- HUCK, Hermes marcelo. evasão e elisão: rotas Nacionais e internacionais do Planejamento tributário. são Paulo: saraiva.1977, p. 27.
4- tÔrres, Heleno taveira. Direito tributário internacional: Planejamento tributário e Operações transnacionais. são Paulo: revista dos tribunais, 2001, p. 37.
5- rODrÍGUeZ saNtOs, F. Javier. Planificación Fiscal internacional. in: COrDÓN esQUerrO, teodoro. manual de Fiscalidad internacional. madrid: intituto de estudios Fiscales, 2001, p. 403.
50 triBUtaÇÃO em revista
ilícitas em sua essência.
No entanto, a expressão planejamento tributário
pode também ser utilizada para designar práticas con-
sideradas contrárias à lei. Neste caso, trata-se do pla-
nejamento tributário abusivo ou agressivo, conforme
denomina alguns autores.
Os contornos jurídicos acerca da abusividade do
planejamento tributário tem sido amplamente debati-
dos na doutrina, não chegando a transpor para o campo
prático uma definição que seja plenamente funcional.
isto porque não são nítidos os elementos que os distin-
guem, o que inevitavelmente representa uma dificulda-
de para os operadores do direito tributário.
Os contribuintes, sob a égide dos princípios da le-
galidade e da tipicidade estrita do direito tributário,
possuem o direito de organizar seus negócios da forma
tributariamente mais econômica. Não há lei que estabe-
leça que, diante de várias alternativas, o sujeito passivo
deva optar pela que proporciona maior arrecadação de
impostos. Ora, é certo que a elisão não constitui, por si
só, fraude à lei. Para o contribuinte é livre a eleição da
forma jurídica ou meio pelo qual são realizados os atos
e negócios jurídicos, desde que o faça dentro dos limi-
tes legais. Uma vez ultrapassados estes limites, a con-
duta deixaria o campo lícito e adentraria o da ilicitude.
existem, portanto, limites ao planejamento tributá-
rio, de modo que não são todos os planejamentos con-
siderados lícitos. Há os planejamentos que transpõem
estes limites, cujos negócios jurídicos necessitam ser
requalificados para fins tributários. No Brasil, corrobo-
rando a existência de limites ao planejamento tributá-
rio, marco aurélio Greco6 sustenta que a Constituição
Federal (art. 145, § 1º), ao estabelecer o princípio da
capacidade contributiva ou econômica, impõe um cer-
co à criatividade dos agentes econômicos. trata-se de
um postulado intimamente ligado ao princípio demo-
crático da solidariedade social, um instrumento que
compatibiliza e torna possível a vida em sociedade. se,
com igual capacidade contributiva, um contribuinte,
pela manipulação das formas jurídicas, pelo abuso de
direito, pela simulação ou qualquer outro subterfúgio,
puder fugir do imposto, estará sendo comprometido
também o princípio da igualdade. se o planejamento
tributário, mediante um processo elisivo, com abuso de
formas e simulação, vem a inibir a eficácia da norma
tributária, está a um só tempo inibindo a plenitude dos
princípios constitucionais da capacidade contributiva e
da isonomia.
Deve-se reconhecer a dificuldade na prática em se
fixar uma linha divisória entre as figuras da elisão e da
evasão tributária, tendo em vista a linha tênue que dis-
tingue as condutas bem como a complexidade das ope-
rações normalmente envolvidas no planejamento.
a doutrina não logrou êxito em oferecer critérios
nítidos para distinguir as formas que podem envolver
o planejamento tributário. De forma latente, subsiste o
problema da requalificação dos fatos, negócios e opera-
ções relacionadas aos planejamentos tributários.
3 Legitimidade do Planejamento Tributário
Na discussão sobre a legitimidade do planejamen-
to tributário estão as questões ligadas à prevalência da
substância sobre a forma. O Código Civil7 brasileiro ad-
mite, de forma expressa, que há diferença entre a subs-
tância e a forma de um negócio jurídico. O enunciado
do “caput” do art. 167 dispõe:
art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
O ordenamento pátrio admite a possibilidade de
ocorrer que a substância dos atos e negócios jurídicos
não sejam correspondentes com a forma exteriorizada.
isso ocorre nas hipóteses em que os atos e negócios ju-
rídicos são realizados com o emprego de astúcia das
partes, por meio de práticas fraudulentas ou por sim-
6- GreCO, marco aurélio. Planejamento tributário. são Paulo: Dialética, 2004, 281ss.
7- BrasiL. Lei nº 10.406, 10.02.2002. institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 11.01.2002. (Código Civil)
triBUtaÇÃO em revista 51
ples erro, ou ainda, quando influenciado por alterações
no estado anímico dos contraentes ou sob circunstân-
cias que interferem na vontade interior ou na vontade
declarada.8
analisar a legitimidade da elisão fiscal materializada
no planejamento elaborado pelo contribuinte implica
em validar a relação existente entre forma e substância,
delineando as condições jurídicas acerca da existência,
validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Quan-
do, diante de um caso concreto, o aplicador ou intér-
prete conclui que a forma deve ceder à substância de
determinado negócio jurídico, está a dizer que, neste
caso específico, a intenção das partes não corresponde
ao que está declarado por elas. a forma, materializada
pelos documentos escritos, estaria a mascarar (dissimu-
lar) um outro negócio diferente daquele que está es-
tampado na forma.9
Dado o caráter conservador do direito tributário
brasileiro, estão cristalizados os princípios da tipicida-
de e da legalidade, insculpidos no art. 150, inciso i,
da Constituição Federal.10 apesar da força destes princí-
pios, é possível afirmar que o disposto nos artigos 112
e 113 do Código Civil11, fundamentam um critério apli-
cável à qualificação dos fatos e condutas nos planeja-
mentos tributários, e permitem valorar adequadamente
a substância e a forma de seus atos e negócios jurídicos.
a norma civil procura afastar os extremos de se adotar
unicamente a declaração, ou, de outro modo, apenas a
vontade como forma de interpretação. Como na inter-
pretação o que se busca é a fixação da vontade, e como
esta exprime-se por forma exterior, deve-se ter por base
a declaração, e, a partir dela é que será investigada a
vontade real do manifestante. O intérprete ou aplicador
do direito não pode simplesmente abandonar a decla-
ração de vontade e partir livremente para investigar a
vontade interna das partes ao celebrar o negócio.12
Partindo destas premissas, para se aferir a legitimi-
dade do planejamento tributário, deve-se verificar a
coerência entre a declaração de vontade (conteúdo –
previsão legal) e a causa objetiva do negócio jurídico
(finalidade econômico social – materialização do con-
teúdo.
seguindo de perto a lição de marco aurélico Greco,
que buscou fixar os limites de validade do planejamen-
to tributário, a análise deve ser feita a partir dos cha-
mados limites positivos interno ao negócio jurídico: o
motivo e a finalidade de natureza predominantemente
extratributária, os quais devem ser congruentes entre si.
O motivo, a finalidade e a congruência se resumiriam
no conceito de causa do negócio jurídico. Desta forma,
o critério jurídico válido para aferir a legitimidade da
elisão ou, em outros termos, o parâmetro para se deter-
minar validade do planejamento tributário é a causa do
negócio jurídico investigada objetivamente.
4 Critérios para Qualificação dos Fatos no Plane-
jamento Tributário
O conceito de planejamento tributário traz a idéia
de uma escolha, entre alternativas igualmente válidas,
de situações fáticas ou jurídicas que objetivam a econo-
mia de tributos, nos limites da ordem jurídica. Dentro
destes limites, o planejamento recebe a tutela do or-
denamento, porquanto está no âmbito da liberdade de
busca do menor custo tributário, sob a legítima prote-
ção dos princípios constitucionais.
apesar dos esforços da doutrina, estabelecer os limi-
tes de validade do planejamento tributário não é tarefa
simples. Definir se a conduta do contribuinte é abusiva
8- aNDraDe FiLHO, edmar Oliveira. imposto de renda das empresas. 7ª ed. são Paulo. atlas, 2010, p. 767.
9- ibidem.
10- “art. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:i - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)” Constituição Federal de 1988.
11- “art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” (Lei nº 10.406, 10.02.2002. institui o Código Civil. DOU. 11.01.2002 – Código Civil)
12- veNOsa, silvio de salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3ª ed. são Paulo. atlas, 2003, p. 419.
52 triBUtaÇÃO em revista
(ilícita) ou não, é questão tormentosa, cuja resposta não
é possível sem uma elaborada construção jurídica. Por
isso, neste aspecto ainda há muitas incertezas quanto à
qualificação do planejamento tributário.
Há a necessidade de se estabelecer critérios jurídi-
cos válidos e suficientes para solucionar o problema da
qualificação do planejamento tributário. Na linha dos
autores que embasaram esta análise, o planejamento
tributário deve ser visto sob o enfoque da causa objeti-
va do negócio jurídico. O propósito negocial, entendi-
do como o motivo do negócio jurídico ou a sua causa,
constitui o limite à liberdade do contribuinte em orga-
nizar seus negócios como bem entender.
O planejamento tributário, considerado em princí-
pio como uma construção elisiva, porém sem qualquer
finalidade negocial evidente senão a da economia fiscal,
pode ser considerado como uma forma de abuso de di-
reito.13 Na hipótese do planejamento tributário envolver
atos ou negócios jurídicos sem justificativas negociais,
distantes das práticas usuais e carente de qualquer ou-
tra causa ou motivo justo que não seja a finalidade de
eliminar ou reduzir o pagamento de tributos, devem es-
tes atos serem desconsiderados para fins fiscais.
trata-se de fixar um limite à liberdade do contri-
buinte organizar seus negócios. mesmo que em obser-
vância os ditames legais, os atos e negócios jurídicos
não serão opostos ao Fisco se tais operações se caracte-
rizarem por um contorcionismo jurídico pelo emprego
de formas não usuais ou pela completa ausência de um
motivo negocial plausível.
Para marco aurélio Greco14, a aplicação dos limi-
tes positivos permitiria se chegar a critérios objetivos
para se determinar a validade do planejamento tribu-
tário. trata-se de buscar uma justificação objetiva que
redundaria na causa do negócio jurídico. Para o autor,
o negócio jurídico apresenta limites positivos internos,
quais sejam: “o motivo e a finalidade que fosse de uma
natureza predominantemente extratributária, os quais
devem ser congruentes entre si. O motivo, a finalidade
e a congruência se resumiriam ao conceito de causa ou
base do negócio jurídico.”
Neste mesmo sentido, rodrigo de Freitas15, apoian-
do-se na lição de antônio Junqueira de azevedo16,
acrescenta que em um primeiro teste de validade do
planejamento tributário, deve-se analisar o negócio ju-
rídico a partir do plano da existência, pois esta análise é
determinante para a qualificação jurídica dos fatos pra-
ticados pelo contribuinte. Ou seja, para se identificar a
natureza do negócio jurídico, deve-se partir da análise
dos seus elementos constitutivos previstos em lei. es-
tes elementos seriam aqueles considerados gerais, per-
tencentes a todos os negócios jurídicos; os categoriais,
aqueles que distinguem os diversos tipos negociais pre-
vistos no ordenamento e, por fim, os particulares, que
fazem parte de um determinado negócio jurídico, no
caso concreto.
Os elementos gerais a serem analisados no plano da
existência do negócio jurídico podem ser intrínsecos
(circunstâncias negociais, forma e objeto) e extrínsecos
(tempo, lugar e agentes). Com efeito, o Fisco, ao tentar
requalificar o negócio jurídico, além de verificar a for-
ma e o seu objeto, deve empenhar-se em uma pesqui-
sa criteriosa acerca das circunstâncias negociais. estas
constituem os elementos objetivos que permitem com-
preender o negócio jurídico, pois revelam sua essência.
embora elas não determinam a natureza do negócio
jurídico, consubstanciada pela forma e pelo objeto, as
circunstâncias negociais permitem analisar o âmago do
negócio jurídico e confrontá-los com o modelo abstrato
previsto na norma positivada.
13- Neste sentido, HUCK, Hermes marcelo. evasão e elisão: rotas Nacionais e internacionais do Planejamento tributário. são Paulo. saraiva.1977, p. 149.
14- GreCO, marco aurélio. Planejamento tribuário: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.), Grandes Questões atuais do Direito tributário, 10º vol., são Paulo: Dialética, 2006, p. 236.
15- ibidem. p. 467.
16- aZeveDO, antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – existência, validade e eficácia. são Paulo: saraiva, 2002.
triBUtaÇÃO em revista 53
a análise dos elementos tempo, lugar e agentes
também é necessária para a qualificação jurídica. O
exame do fator tempo decorrido entre determinados
negócios jurídicos pode ensejar a falta de motivação
ou causa objetiva. Da mesma forma, conhecer as par-
tes envolvidas assume relevância nos casos em que os
negócios são realizados entre pessoas de alguma forma
vinculadas. Determinados vínculos societários podem
esmaecer as manifestações da vontade.
em seguida, ainda no plano da existência, o pro-
cesso de qualificação jurídica deve contemplar a aná-
lise dos elementos categoriais, os quais determinam
a natureza de cada negócio. estes elementos podem
ser derrogáveis, aqueles que podem ser afastados pela
vontade das partes sem alterar a natureza do tipo; e
os inderrogáveis, sobre os quais o aplicador deve con-
centrar seus esforços, pois determinam qual a cate-
goria o negócio se subsume. Determinados tipos de
negócios possuem a forma prescrita em lei, sendo o
elemento categorial inderrogável de caráter formal, em
outros negócios este elemento é objetivo. Os primei-
ros, são denominados negócios abstratos, cuja causa
é irrelevante para a produção dos efeitos jurídicos. Os
segundos, são os negócios causais, presentes na maior
parte dos casos de planejamento tributário. Nesses
negócios, o elemento categorial inderrogável objetivo
(objeto típico) é que irá definir sua natureza jurídica.17
Com efeito, esta definição é fundamental para correta
qualificação jurídica pra fins de incidência da norma
tributária.
Contudo, destaca rodrigo de Freitas18, a simples
análise destes elementos no plano de existência do ne-
gócio jurídico não é suficiente para se determinar a
incidência tributária, fazendo-se necessária também a
sua análise no plano da validade.
Para realizar esta análise, torna-se fundamental
aplicar o conceito de causa objetiva. Como esclarece
o autor, o negócio jurídico pode ser visto no plano
abstrato, com base nos elementos categoriais inderro-
gáveis, ou no plano concreto, sob o enfoque da causa
objetiva. Para tanto, cumpre identificar a diferença en-
tre conteúdo (objeto) do negócio jurídico e a sua cau-
sa. enquanto o conteúdo é a descrição hipotética do
evento, a causa é o próprio evento, a realidade fática
que se realiza pela ação do homem. O conteúdo per-
tence ao mundo do “dever-ser”, enquanto que a causa
reside no mundo do “ser”.
esta concepção é relevante para definir qual o tra-
tamento que será dado à declaração de vontade no
processo de qualificação jurídica do planejamento
tributário. No plano da existência, o negócio jurídico
é revelado pela vontade declarada. todavia, no plano
da validade, deve-se confrontar a vontade declarada,
que não se confunde com a vontade psicológica. Ou
seja, a vontade declara é confrontada com a sua rea-
lização no mundo fático: a causa objetiva do negócio
jurídico. Conforme assinala o jurista, “o conteúdo do
negócio jurídico (previsão objetiva – vontade declara-
da), plasmado em forma de linguagem, serve de pa-
râmetro, de referência para a determinação do regime
jurídico. Contudo, é na análise da causa objetiva que
o intérprete irá apurar se o regime jurídico é adequado
à norma tributária ou não.”19
Com efeito, para a requalificação jurídica do pla-
nejamento tributário, por parte da autoridade fiscal,
o conteúdo formal do negócio jurídico, materializa-
do pela declaração de vontade (plano da existência),
ocupa lugar secundário. Para determinar a incidência
da norma tributária no caso concreto, imprescindível
o exame da causa objetiva com o intuito de buscar a
17- antônio Junqueira de azevedo apud Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 470.
18- Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuin-tes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 473.
19- Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuin-tes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 475.
54 triBUtaÇÃO em revista
verdade substancial do evento. a simples declaração
da vontade, expressa pela linguagem, não permite afe-
rir a validade do planejamento tributário, pois a causa
objetiva do negócio jurídico é que definirá se incide
ou não a norma tributária.20
Neste sentido, a causa do negócio jurídico deve ser
entendida como a finalidade econômica objetiva pre-
tendida pelas partes. marco aurélio Greco21, com base
no ensinamento de Orlando Gomes, destaca a neces-
sidade de se analisar o negócio jurídico sob o enfoque
da causa. sob este ângulo, assume relevância o cha-
mado “propósito negocial”, cuja terminologia deve ser
empregada como propósito do negócio jurídico, dife-
rente, portanto da Business Purpose theory, oriunda
do direito norte-americano.
Na acepção do propósito do negócio jurídico, ha-
verá simulação quando determinado tipo de negócio
for utilizado para consecução de fim não correspon-
dente à sua causa. Um negócio jurídico com finalidade
econômica típica, determinada pelos elementos cate-
goriais inderrogáveis (conteúdo), deve ter essa finali-
dade econômico-social realizada na prática (causa ob-
jetiva). a discrepância entre o conteúdo e a causa do
negócio, verificada na análise do propósito negocial,
ou seja, a não conformidade entre o que se apresenta
objetivamente na realidade concreta (causa) e os ele-
mentos categoriais inderrogáveis (conteúdo) do negó-
cio, enfraquece a tese do contribuinte acerca do seu
planejamento e pode ensejar a requalificação jurídica
do seu planejamento.
a análise objetiva do planejamento tributário deve
se pautar na interpretação teleológica dos negócios ju-
rídicos, ou seja, na verificação do propósito negocial,
porém não de forma tão ampla que considere qualquer
motivação extratributária e sim, de forma restrita aos
elementos essenciais da categoria do negócio jurídico.
tal análise do propósito negocial consiste na verifica-
ção da correspondência entre a causa objetiva (fina-
lidade econômico-social) com a declaração de vonta-
de (conforme a previsão legal). Caso seja constatada
discrepância entre a causa e a declaração de vontade,
deve ser aplicado o regime jurídico pertinente, inclu-
sive com seus efeitos tributários.
No plano teórico, a construção pode se mostrar fa-
cilmente factível. Contudo, as dificuldades de aplica-
ção destes critérios emergirão no âmbito do processo
administrativo fiscal, mais especificamente na ativida-
de probatória. a etapa mais complexa do trabalho é a
de reunir os elementos necessários para formar a con-
vicção do julgador acerca da nova qualificação jurídica
do planejamento. aqui também, na coleta e produção
de provas, devem ser empregados critérios objetivos,
que eliminem ou, ao menos, atenuem a tendência na-
tural ao subjetivismo na atividade interpretativa.
Conforme assinala marco aurélio Greco22, a prova
no planejamento tributário apresenta peculiaridades e
algumas distinções quanto à prova dos demais fatos
relevantes para a aplicação da lei tributária. O foco
da prova neste campo não é determinado conceito ju-
rídico que expresse uma patologia do negócio. Não
se trata de focar a produção da prova do planejamen-
to tributário nas conhecidas patologias da simulação,
fraude à lei, ou o abuso, considerados em si mesmos.
Para se chegar à afirmação de que algo ocorreu, não
basta levantar os elementos objetivamente aferíveis,
mas é necessário um processo de elaboração subjetiva
dos elementos objetivos e que passa pela qualificação
jurídica de fatos e condutas.23
20- Neste mesmo sentido, Heleno torres firma que “não será a simples menção a uma forma própria o suficiente para tanto (vincular o Fisco), pois a atividade inquisitória da administração, na busca da verdade material, poderá identificar a ‘causa’ do negócio jurídico, que sempre deverá preponderar sobre a eleição da forma, no que concerne à qualifica do negócio jurídico.” (Direito tributário e Direito Privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. são Paulo: revista dos tribunais, 2003, p. 153)
21- GreCO, marco aurélio. Planejamento Fiscal e interpretação da lei tributária. são Paulo. Dialética. 1998, p. 243.
22- GreCO. marco aurélio. a prova no Planejamento tributário. in: a prova no Processo tributário. NeDer, marcos vinícius; saNti, eurico marcos Diniz de; Ferra-GUt, maria rita. (coords.) são Paulo: Dialética, 2010, p. 191.
23- ibidem, p. 193.
triBUtaÇÃO em revista 55
De fato, a prova no planejamento tributário não
está diretamente dirigida para a ocorrência do fato
gerador, mas na ocorrência de determinado negócio
ou operação, cuja existência é considerada fato gera-
dor do tributo. “a prova por indícios se dá quando se
comprova a ocorrência de fatos (indícios) que não se
incluem na hipótese de incidência legal, mas cuja ca-
racterização assegura ao aplicador da lei que também
os fatos descritos hipoteticamente pelo legislador hão
de ter sido concretizados.”24 Nestes casos, a busca da
prova indireta do fato gerador deve ser o foco da ativi-
dade fiscal, de modo que todos os elementos fortes e
convergentes devem ser apresentados.
Nos casos de planejamento tributário, para a neces-
sária convicção do julgador não basta simplesmente
enumerar os elementos encontrados, mas ao contrário,
deve haver uma elaboração lógica e com fundamento
jurídico que possibilite admitir a ocorrência do fato
gerador. todo esforço deve ser dirigido no sentido de
demonstrar que a vontade declarada corresponde in-
tegralmente à causa objetiva dos negócios jurídicos,
assim compreendida a realização concreta do conteú-
do do negócio (elementos categoriais inderrogáveis).
a requalificação jurídica é o produto final de um
processo de interpretação e de aplicação do Direito e,
na medida em que resulta da consideração de textos e
condutas, é natural que possa existir mais de uma qua-
lificação jurídica extraída dos mesmos textos e con-
dutas.25 a autoridade fiscal deve empenhar-se no seu
trabalho e buscar, por meio de intimações claras e pre-
cisas, obter do contribuinte os elementos do contexto
do negócio jurídico. tarefa árdua, sim, não há dúvida.
mas dela não pode eximir-se. O contribuinte pode se
manter na defensiva e durante o procedimento omitir
estas informações que circundam o seu planejamento.
a autoridade fiscal, contudo, deve demonstrar que fo-
ram esgotados todos meios de se obter os elementos
que compõem a causa objetiva do negócio.
5 Conclusões
Os contribuintes, naturalmente, sempre resistiram às
investidas do Fisco contra seu patrimônio particular, pela
exigência de tributos.
Para fugir desta obrigação, o contribuinte pode esco-
lher entre desviar-se da norma impositiva, se posicionan-
do fora do seu alcance (elisão – economia lícita de impos-
tos), ou, já sujeito a sua incidência, utilizar-se de meios
ilícitos para impedir, reduzir ou retardar o recolhimento
do imposto devido, pela descaracterização do fato gerador
ou pela redução indevida da base de cálculo do tributo
(evasão - ilícito).
a economia lícita de impostos é representada pelo
Planejamento tributário. a finalidade do planejamento
tributário é sempre a redução dos impostos, mediante a
realização de atos ou negócios segundo os limites da lei.
analisar a legitimidade do planejamento elaborado
pelo contribuinte implica em validar a relação existente
entre forma e substância, delineando as condições jurí-
dicas acerca da existência, validade e eficácia dos atos e
negócios jurídicos. Quando, diante de um caso concreto,
o aplicador ou intérprete conclui que a forma deve ceder à
substância, está a dizer que, neste caso específico, a inten-
ção das partes não corresponde ao que está declarado por
elas. a forma, materializada pelos documentos escritos,
estaria a mascarar (dissimular) um outro negócio diferente
daquele que está estampado na forma
No entanto, os limites de validade do planejamento
tributário não são tão claros. saber se a conduta do contri-
buinte é ou não abusiva, é questão tormentosa, cuja res-
posta não é possível sem uma elaborada construção jurídi-
ca. a aplicabilidade dos limites positivos permite se chegar
a critérios mais objetivos para se determinar a validade do
planejamento tributário. trata-se de buscar uma justifica-
ção objetiva que redundaria na causa do negócio jurídico.
a análise da legitimidade do planejamento tributário
deve, portanto, se pautar na interpretação teleológica dos
negócios jurídicos, ou seja, na verificação do seu propósito
24- sCHOUeri, Luís eduardo. Presunções simples e indícios no Procedimento administrativo Fiscal. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.) Processo administrativo Fiscal 2º volume. são Paulo: Dialética, 1977, p. 84.
25- GreCO. marco aurélio. a prova no Planejamento tributário. in: a prova no Processo tributário. NeDer, marcos vinícius; saNti, eurico marcos Diniz de; Ferra-GUt, maria rita. (coords.) são Paulo: Dialética, 2010, p. 197
56 triBUtaÇÃO em revista
negocial. O intérprete ou aplicador da lei deve verificar
a correspondência entre a causa objetiva (finalidade eco-
nômico-social) com a declaração de vontade (conforme a
previsão legal). Caso seja constatada discrepância entre a
causa e a declaração de vontade, configura-se um caso de
planejamento tributário abusivo, ao qual deve ser aplicado
o regime jurídico pertinente, inclusive com seus efeitos
tributários.
a autoridade fiscal deve ter em conta que a prova no
planejamento tributário não está diretamente dirigida para
a ocorrência do fato gerador, mas na ocorrência de deter-
minado negócio ou operação, cuja existência é considera-
da fato gerador do tributo. a busca da prova indireta do
fato gerador deve ser o foco da atividade fiscal, de modo
que todos os elementos fortes e convergentes devem ser
inseridos no processo administrativo.
aNDraDe FiLHO, edmar Oliveira. imposto de renda das empresas. 7.ed. são Paulo: atlas, 2010.
aZeveDO, antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – existência, validade e eficácia. são Paulo: saraiva, 2002.
BrasiL. Lei nº 10.406, de 10 de fevereiro de 200202. institui o Código Civil. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
DÓria, antônio roberto sampaio. elisão e evasão Fiscal. são Paulo. Bushatsky, 2. ed. 1977.
Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tribu-tos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Con-tribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010.
GreCO, marco aurélio. Planejamento Fiscal e inter-pretação da lei tributária. são Paulo: Dialética. 1998.
GreCO, marco aurélio. Planejamento tributário. são Paulo: Dialética, 2004.
GreCO, marco aurélio. Planejamento tributário: nem
REFERÊNCIAS
tanto ao mar, nem tanto à terra. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.), Grandes Questões atuais do Direito tributário, 10º vol., são Paulo: Dialética, 2006.
GreCO, marco aurélio. marco aurélio. a prova no Planejamento tributário. in: a prova no Processo tributário. NeDer, marcos vinícius; saNti, eurico marcos Diniz de; FerraGUt, maria rita. (coords.) são Paulo: Dialética, 2010.
HUCK, Hermes marcelo. evasão e elisão: rotas Na-cionais e internacionais do Planejamento tributário. são Paulo: saraiva.1977.
rODrÍGUeZ saNtOs, F. Javier. Planificación Fiscal internacional. in: COrDÓN esQUerrO, teodoro. manual de Fiscalidad internacional. madrid: intituto de estudios Fiscales, 2001.
sCHOUeri, Luís eduardo. Presunções simples e indícios no Procedimento administrativo Fiscal. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.) Processo ad-ministrativo Fiscal 2º volume. são Paulo: Dialética, 1977.
tÔrres, Heleno taveira. Direito tributário interna-cional: Planejamento tributário e Operações transna-cionais. são Paulo: revista dos tribunais, 2001.
veNOsa, silvio de salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3. ed. são Paulo: atlas, 2003.
triBUtaÇÃO em revista 57
a RTIGO
Responsabilidade Tributária Objetiva?
ção tributária independe da intenção do agente ou do res-
ponsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos
do ato.
a doutrina, à vista desse dispositivo, costuma dizer
que a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva,
uma vez que não seria necessário pesquisar eventual pre-
sença do elemento subjetivo (dolo ou culpa)2.
Os tribunais pátrios, reiteradamente, também afirmam
que houve a adoção dessa modalidade de responsabilida-
de. a título de exemplo:
tributário – ação anulatória de débito fiscal – in-fração prevista no art. 526, ii e iii, do Decreto 91.030/85 – Guia de importação irregular. 1. O art. 136 do Código tributário Nacional consagra a res-ponsabilidade objetiva do agente ou do responsável,
1- advogado, sócio do escritório Forte advogados, Pós-Graduação - especialização em Direito tributário pelo iBeP/UCB, Pós-Graduação – especialização em Direito Civil e Processual Civil, pelo iePC/FesUrv, Conselheiro seccional da Ordem dos advogados do Brasil, seção Goiás – OaB/GO, triênio 2010/2012, Presidente da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da Ordem dos advogados do Brasil, seção Goiás – OaB/GO, triênio 2010/2012, membro da Comissão Nacional de apoio ao advogado em início de Carreira do Conselho Federal da OaB, triênio 2010/2012, Conselheiro Deliberativo da OaB Prev GO-tO, biênio 2011/2013, vice-Presidente do instituto Goiano de Direito Constitucional – iGDC -, Procurador do tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Goiás, Professor de Processo Civil e Ética Profissional do Centro Universitário de Goiás - Uni-anhangüera, Professor de Processo Civil e Deontologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO, Professor da escola superior da advocacia de Goiás – esa/GO..
2- a título de exemplo: ricardo Lobo torres, Paulo de Barros Carvalho, sacha Calmon Navarro Coelho.
Otávio alves Forte1
1 Colocação do Tema
O propósito deste estudo é discutir a adoção ou não do
Código tributário Nacional da responsabilidade objetiva,
no que se refere à responsabilidade por infrações da legis-
lação tributária.
a localização legislativa da matéria em estudo está no
Código tributário Nacional (CtN, Lei n.º 5.172, de 25 de
outubro de 1966), Livro segundo, título segundo: “Obri-
gação tributária”, Capítulo v: “responsabilidade tributá-
ria”, seção iv: “responsabilidade por infrações”.
O ponto de partida da análise é o enunciado do caput
do art. 136 do CtN, que dispõe: salvo disposição de lei
em contrário, a responsabilidade por infrações da legisla-
58 triBUtaÇÃO em revista
por infração à legislação tributária. 2. irrelevante a alegação de erro, ainda que de boa-fé, na utilização de guia de importação para desembaraço de merca-doria distinta da especificada. 3. recurso improvido. (trF, 1ª. região, 4ª. turma, aC 8748-90/mG, rel. Juiz Leite soares, DJU 10.12.1990, p. 29.994).3
ainda a título de exemplificação, cumpre trazer o ensi-
namento do respeitável tributarista sacha Calmon Navarro
Coêlho4, que coloca três objeções contra a consideração do
elemento subjetivo no ilícito fiscal:
em primeiro lugar, a subjetivação do ilícito fiscal le-varia à intransmissibilidade das multas que o punem. ainda, seria impossível apenar administrativamente as pessoas jurídicas, porquanto estas não possuem vontade, senão que são representadas por seus ór-gãos. e, por fim, em terceiro lugar, argumenta que a admissão do erro de direito extra-infracional levaria ao paradoxo de se considerar oponível à administra-ção o desconhecimento da própria legislação.
O objetivo desse trabalho é fazer a análise dos con-
ceitos de responsabilidade subjetiva, objetiva, ainda, das
definições de dolo e culpa e, posteriormente, demonstrar
que modalidade de responsabilidade foi adotada pelo ca-
put do art. 136 do CtN.
O trabalho abordará, também, a natureza da sanção
tributária e a aplicação dos princípios constitucionais refe-
rentes às sanções e, dentro desse contexto, a interpretação
do art. 136 do CtN.
2 Responsabilidade Subjetiva x Responsabilidade
Objetiva
antes de partir para as definições de responsabilidade
subjetiva e objetiva, preliminarmente, cumpre tecer breves
considerações sobre “culpa” e “dolo”.
em proposição simples, o dolo é a vontade dirigida a
um fim ilícito; é um comportamento consciente e voltado
à realização de um desiderato.
a culpa, por sua vez, pode empenhar ação ou omis-
são e revela-se por meio: da imprudência (comportamento
precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negli-
gência (quando o agente se omite ou deixa de agir quando
deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas
pelo bom senso, que recomendam cuidado, zelo); e da
imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhe-
cimento técnico e científico que desqualifica o resultado e
conduz ao dano).
em sentido estrito, a culpa, em contraposição ao dolo,
traduz o comportamento equivocado da pessoa, despi-
do da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual
se poderia exigir comportamento diverso, visto que erro
inescusável ou sem justificativa plausível e evitável para o
homo medius.
O elemento culpa, conforme o fundamento que se dê à
responsabilidade será ou não considerado na obrigação de
reparar o dano. Já o elemento dolo sempre que presente
levará à obrigação de reparar o dano, mas ele poderá ou
não ser relevante para a existência da responsabilidade,
ou seja, em alguns casos poderá o legislador considerar
somente o elemento culpa ou não, como dito.
a chamada teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a
culpa como fundamento da responsabilidade civil. Neste
sentido ensina Carlos roberto Gonçalves5, verbis:
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quan-do se esteia na idéia de culpa. a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabi-lidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.
em determinadas situações, entretanto, a lei impõe a
certas pessoas a reparação de um dano cometido sem cul-
pa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade
é “objetiva”, pois prescinde da culpa e se satisfaz apenas
com o dano e o nexo causal.
Nos casos de responsabilidade objetiva, nas palavras,
3- in: Freitas. vladimir Passos [coord.]. Código tributário Nacional comentado. 2 ed. rev., atual. e ampl., são Paulo: editora revista dos tribunais, 2004, p. 603.
4- COÊLHO. sacha Calmon Navarro. multas Fiscais. O art. 136 do CtN, a responsabilidade Objetiva e suas atenuações no sistema tributário Pátrio. revista Dialética de Direito tributário, n. 138, são Paulo: Dialética, 2007, p. 126-127.
5- GONÇaLves. Carlos alberto. responsabilidade Civil. 8 ed, são Paulo: saraiva, 2003, p. 21.
triBUtaÇÃO em revista 59
ainda, de Carlos alberto Gonçalves, “não se exige prova de
culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano.
em outras palavras ela é presumida pela lei”6.
existe uma classificação da responsabilidade, ainda,
que considera a culpa presumida, tendo como conseqüên-
cia a inversão do ônus da prova. ela denomina-se objetiva
imprópria ou impura, e o já mencionado autor ensina7:
O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. trata-se, portanto, de classifi-cação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. mas, como se baseia em culpa presumida,denomina-se objetiva imprópria ou impura.
3 O Art. 136 e a Modalidade de Responsabilidade
Adotada
após tais considerações, podemos passar à análise do
art. 136 do CtN e verificar qual modalidade de respon-
sabilidade foi adotada pelo legislador. eis a redação do
artigo:
art. 136. salvo disposição de lei em contrário, a res-ponsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. (grifo nosso)
verifica-se que o artigo fala em “independe da intenção
do agente ou do responsável”. e, conforme os conceitos
expostos em linhas volvidas, a intenção é elemento do
dolo e não da culpa.
No dolo existe a intenção, o desígnio de praticar um
ilícito8. Já a culpa – como exposto suso – fundamenta-se
no comportamento do agente, sem relevância a sua inten-
ção.
assim, o artigo 136 diz que a responsabilidade não de-
pende da intenção, ou seja, do dolo e mantém-se silente
quanto à culpa.
Por conseguinte, não se pode interpretar o artigo como
se adotasse a chamada responsabilidade objetiva, pois essa
é a responsabilidade que não depende da existência de
culpa, e o dispositivo legal não afasta a culpa como ele-
mento da responsabilidade.
a título de exemplo legislativo que adota a responsabi-
lidade objetiva, ou seja, que afasta a culpa como elemento
da responsabilidade, pode-se citar o Código de Defesa do
Consumidor, que no art. 14 dispõe:
art. 14. O fornecedor de serviços responde, indepen-dentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relati-vos à prestação dos serviços, bem como por informa-ções insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (grifo nosso)
Percebe-se que o legislador, quando pretendeu aplicar
a responsabilidade objetiva afastou a “existência de cul-
pa” como elemento da responsabilidade e não a “intenção
do agente ou responsável”. No mesmo sentido, podem-se
citar as disposições do parágrafo único do art. 9279 e art.
93310, ambos do Código Civil.
Na esteira deste pensamento, é o entendimento de Lu-
ciano amaro11, verbis:
O preceito questionado diz, em verdade, que a res-ponsabilidade não depende da intenção, o que torna (em princípio) irrelevante a presença do dolo (vontade consciente de adotar a conduta ilícita), mas não afasta a discussão da culpa (em sentido estrito). se ficar evi-denciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracte-rizada, não cabendo, pois falar em responsabilidade.
6- idem, ibidem.
7- idem. ibidem.
8- in: aCQUaviva. marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro acquaviva.11 ed. ampl., rev. e atual., são Paulo: editora Jurídica Brasileira, 2000, p. 536.
9- art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo)
10- art. 933. as pessoas indicadas nos incisos i a v do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
11- amarO. Luciano. Direito tributário brasileiro. 12 ed., são Paulo: saraiva, 2006, p. 444-445.
60 triBUtaÇÃO em revista
e, continua o premiado autor:
O art. 136 pretende, em regra geral, evitar que o acusado alegue que ignorava a lei, ou desconhecia a exata qualificação jurídica dos fatos, e, portanto, teria praticado a infração de “boa-fé”, sem intenção de lesar o interesse do Fisco. O preceito supõe que os indivíduos, em suas atividades negociais, conhe-cem a lei tributária, e, se não a cumprem, é porque ou realmente não quiseram cumprir (o que não está presumido pelo dispositivo) ou não diligenciaram para conhecê-lo e aplicá-lo corretamente em relação aos seus bens, negócios ou atividades, ou elegeram prepostos negligentes ou imperitos. enfim, subjaz à responsabilidade tributária a noção de culpa, pelo menos stricto sensu, pois, ainda que o indivíduo não atue com consciência e vontade do resultado, este pode decorrer da falta de diligência (portanto, de ne-gligência) sua ou de seus prepostos, no trato de seus negócios (pondo-se, aí, portanto, também a culpa in eligendo ou in vigilando). sendo, na prática, de difícil comprovação o dolo do indivíduo (salvo em situações em que os vestígios materiais sejam eviden-tes), o que preceitua o Código tributário Nacional é que a responsabilidade por infração tributária não requer prova, pelo Fisco, de que o indivíduo agiu com conhecimento de que sua ação ou omissão era contrária à lei, e de que ele quis descumprir a lei.12
Destarte, dizer que o art. 136 do CtN adota a respon-
sabilidade objetiva é falar o que não foi dito pelo legisla-
dor, ou, na melhor das hipóteses, interpretar extensiva-
mente o dispositivo, o que é impedido pelo princípio da
reserva legal e pelos princípios interpretativos previstos no
CtN, art. 11213.
entrementes, é certo que não cabe ao Fisco fazer prova
da existência da culpa nas infrações tributárias, até por-
que, como bem dito pelo professor Luciano amaro, do
simples não cumprimento da obrigação pelo sujeito passi-
vo, presume-se que este agiu com negligência (omissão).
Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadei-
ra adoção da teoria da culpa presumida, que tem como
conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em
termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação
tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu
com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova dessa. mas
pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabi-
lidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a
ausência de culpa”14 para levar à exclusão de penalidade.
Neste sentido, já era o entendimento defendido por
rui Barbosa Nogueira15, litteris:
O que o disposto no art. 136 veio estatuir como regra geral é que nem sempre é preciso ocorrer dolo ou intenção do agente ou responsável para ser caracteri-zada infração à legislação tributária.Na generalidade, para ocorrência da infração fiscal, basta o grau de culpa, seja por negligência, impru-dência ou imperícia. O requisito dolo ou intenção para tipificação de infrações fiscais é somente para certos casos mais graves, especificadamente configu-rados na lei como dolosos, como é o exemplo do crime de sonegação fiscal, pois este somente pode ocorrer se integrado pelo dolo. Não se configura como crime de sonegação a evasão apenas culposa, mas somente dolosa.Portanto, o que o art. 136, em combinação com o item iii do art. 112, deixa claro é que para a matéria de autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos de infra-ções fiscais mais graves e para as quais o texto da lei tenha exigido esse requisito.
4 Natureza da Sanção Tributária e a Interpretação
do Art. 136
Ponto assaz importante no debate sobre a responsabi-
lidade por infrações tributárias é a natureza jurídica das
sanções tributárias. a adoção de determinada definição
será fundamental na interpretação do art. 136 em estudo.
a cada obrigação estatuída pelo Direito, em suas nor-
mas primárias, há de haver uma sanção correlata, para o
caso de seu desrespeito, em uma norma secundária. as-
sim, a infração ou ilícito tem uma única raiz: o descum-
primento, por ação ou omissão, de uma hipótese legal
12- idem, p. 445.
13- art. 112. a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: i – à capitulação legal do fato; ii – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; iii – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; iv – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
14- amarO. Luciano. Ob. cit., p. 446.
15- NOGUeira. ruy Barbosa. Curso de Direito tributário. 14 ed., são Paulo: saraiva, 1995, p. 106-107.
triBUtaÇÃO em revista 61
prevista. Por conseguinte, nos dizeres de edmar Oliveira
andrade Filho: “uma sanção representa sempre uma res-
posta do ordenamento jurídico para violações de normas
que estabelecem um dever-ser”16.
a sanção, pois, pode ser considerada como a conse-
qüência que irá surgir em caso de descumprimento da
norma, ou seja, do preceito por ela estabelecido.
Geraldo ataliba defende que: “a norma tributária é
absolutamente igual, em sua estrutura, às demais normas
jurídicas. Nada há que a distinga de qualquer outra norma
jurídica”17. Da mesma forma, Becker preceitua, em sua te-
oria geral do direito tributário, que “as leis tributárias são
regras jurídicas com estrutura lógica e atuação dinâmica
idênticas às das demais regras jurídicas”18.
verifica-se que, ontologicamente, não há diferença en-
tre o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal
ou criminal. O que pode é: ser a sanção classificada de
muitas maneiras, considerando-se os diferentes sistemas
de referência ou pontos de vista, sem, contudo, modificar
sua natureza.
ao concluir-se desta forma, a conseqüência é a indu-
bitável aplicação de princípios constitucionais, referentes
às penas (sanções), nas infrações tributárias. O que, por
certo, também afastará a possibilidade de adoção da res-
ponsabilidade objetiva pelo art. 136 do CtN.
exatamente porque não existe diferença ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa é que irrefutavelmen-te temos que concluir: todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas. Princípios como os da legalidade, tipicidade, proi-bição da retroatividade, da analogia, do ‘ne bis in idem’, da proporcionalidade, da culpabilidade etc. valem integralmente inclusive no âmbito adminis-trativo.19
alguns autores, como o respeitável penalista Luiz Flá-
vio Gomes20, chegam a defender que o art. 136 do CtN
não foi recepcionado pela Constituição da república de
1988:
a responsabilidade ‘objetiva’ tampouco deve en-contrar espaço dentro do chamado ‘direito adminis-trativo tributário’. Pensamos que é absolutamente inconstitucional (tecnicamente: não foi recepciona-do) o art. 136 do CtN exatamente porque viola o princípio da responsabilidade – qualquer que seja – subjetiva. referido artigo destoa das legislações mo-dernas (Lei das infrações administrativas alemã, art. 10; italiana, art. 3º.; espanhola, art. 77 etc.) – e, por isso mesmo, contribui para a corrosão dos pilares do estado Democrático de Direito.
após a demonstração da unidade ontológica das san-
ções, edmar Oliveira andrade Filho concluiu no mesmo
sentido:
em face do exposto, é imperioso considerar que o mandamento do caput do art. 136 do CtN não reúne condições de validade. De fato, ele permite a edição de leis sem critérios individualizadores da pena quando o texto constitucional veda. ele não foi recebido pelo texto constitucional de 1988, ou seja, foi revogado quando do advento daquele diploma normativo.
Com a devida vênia aos ilustres autores, tal conclusão
é, por demais, extremista.
O que deve ser considerado e realizado é a interpre-
tação de tal dispositivo conforme a Constituição21, e, para
isso, é necessário o abandono da tese da responsabilida-
de objetiva, pois essa ofende os princípios constitucionais
que dispõem sobre as sanções (culpabilidade, presunção
de inocência etc.).
Para ilustrar, interessante observar ensinamento do
próprio edmar Oliveira andrade22, em obra anterior à
16- aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. Limites Constitucionais da responsabilidade Objetiva por infrações tributárias. revista Dialética de Direito tributário, n. 77, são Paulo: Dialética, 2002, p. 18.
17- ataLiBa. Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed., são Paulo: malheiros, 1999, p. 24.
18- BeCKer. augusto alfredo. teoria Geral do Direito tributário. 3 ed., são Paulo: Lejus, 1998, p. 89.
19- in: rOCHa. valdir de Oliveira [coord.]. Direito Penal empresarial. são Paulo: Dialética, 1995, p. 95-96.
20- idem, ibidem.
21- “esta espécie de interpretação é utilizada nos casos em que, não se mostrando evidente a inconstitucionalidade da norma, entre as várias interpretações possíveis, adota-se o critério de interpretação que se conforme à Constituição.” (in: CassONe. vittorio. interpretação no Direito tributário teoria e prática. são Paulo: altas s.a., 2004, p. 90)
22- aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. infrações e sanções tributárias. são Paulo: Dialética, 2003, p. 116-117
62 triBUtaÇÃO em revista
mencionada alhures, que possibilita a interpretação do
dispositivo em debate conforme a Constituição, verbis:
a responsabilidade sem culpa vulnera o princípio constitucional que consagra a ‘presunção de inocên-cia’ que tem sede no inciso Lvii, do art. 5º. da Cons-tituição Federal, pelo qual ‘ninguém será conside-rado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’. esse mandamento está conec-tado com o princípio da boa-fé, isto é, presume-se que as pessoas em geral agem de boa-fé, salvo prova em contrário.(...)É possível, todavia, extrair outras interpretações do texto do art. 136 do CtN que possam afastar a refe-rida suspeita de invalidade em face do texto consti-tucional.(...)Uma forma de atualização do sentido dos enuncia-dos prescritivos do art. 136 do CtN é afirmar que ele não exclui – ao contrário, exige – o elemento sub-jetivo para validar a sanção por infração a normas tributárias. assim, a responsabilidade poderia ser objetivamente imputada, mas o ‘tipo’ deveria conter elementos subjetivos.
Nesta esteira de pensamento, como defendido no tó-
pico anterior, considerando a culpabilidade requisito es-
sencial à incidência de toda norma repressiva, conclui-se,
pelos argumentos ora expostos, que o art. 136 não adotou
– nem poderia – a responsabilidade objetiva, mas sim a
presunção relativa de culpa do infrator, invertendo-se o
ônus da prova.
esse ponto de vista é defendido, também, por Hugo
de Brito machado, que afirma: “o art. 136 do CtN não
estabelece responsabilidade objetiva em matéria de pena-
lidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa pre-
sumida”23.
5 Conclusões
Por todo o exposto, pode-se concluir:
a responsabilidade por infrações à legislação tributá-
ria, prevista no art. 136 do CtN, não adotou a modalidade
objetiva. tal conclusão extrai-se da redação do artigo em
confronto com os conceitos de dolo e culpa e, por con-
seguinte, das classificações da responsabilidade. Ou seja,
quando o artigo diz “independe da intenção do agente ou
do responsável”, afasta o dolo do elemento da responsabi-
lidade e não a culpa. Não cabe ao intérprete dizer mais do
que foi dito pelo legislador, sob pena de ofensa ao princí-
pio da legalidade e, ainda, das regras interpretativas pre-
vistas no art. 112 e incisos e art. 108, ambos do CtN.
ainda, ao verificar-se que ontologicamente a natureza
de sanção é a mesma, isto é, que não há diferença entre
o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal
ou criminal, mas o que se pode ter é a classificação da
sanção de muitas maneiras, conclui-se pela aplicação de
princípios constitucionais referentes às penas (sanções) às
infrações tributárias.
isso leva a interpretar o art. 136 do CtN conforme a
Constituição da república e, por conseguinte, ao aban-
dono da tese da responsabilidade objetiva, sob pena de
ofensa aos princípios constitucionais que dispõem sobre
as sanções (culpabilidade, presunção de inocência etc.).
Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadei-
ra adoção da teoria da culpa presumida, que tem como
conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em
termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação
tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu
com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova desta. mas
pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabi-
lidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a
ausência de culpa”24 para levar à exclusão de penalidade.
tal conclusão é retirada da própria redação do artigo
em estudo – repete-se – e da certeza de que não cabe ao
Fisco fazer prova da existência da culpa nas infrações tri-
butárias, até porque, demonstrado o simples não cumpri-
mento da obrigação pelo sujeito passivo, presume-se que
este agiu com falta de diligência.
23- maCHaDO. Hugo de Brito. Curso de Direito tributário. 25 ed., são Paulo: malheiros, 2004, p. 165.
24- amarO. Luciano. Ob. cit., p. 446.
triBUtaÇÃO em revista 63
aCQUaviva. marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro acquaviva.11 ed. ampl., rev. e atual., são Paulo: editora Jurídica Brasileira, 2000, p. 536.
aGUiar Dias, José de. Da responsabilidade civil. 4. ed. rio de Janeiro: Forense, 1997.
aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. Limites Cons-titucionais da responsabilidade Objetiva por infra-ções tributárias. revista Dialética de Direito tribu-tário n. 77, são Paulo: Dialética, 2002.
aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. infrações e sanções tributárias. são Paulo: Dialética, 2003.
amarO. Luciano. Direito tributário brasileiro. 12 ed., são Paulo: saraiva, 2006.
ataLiBa. Geraldo. Hipótese de incidência tributá-ria. 6 ed., são Paulo: malheiros, 1999
BeCKer. augusto alfredo. teoria Geral do Direito tributário. 3 ed., são Paulo: Lejus, 1998
BeNJamiN, antônio Herman de vasconcellos et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumi-dor. são Paulo: saraiva, 2000.
CassONe. vittorio. interpretação no Direito tribu-tário teoria e prática. são Paulo: altas s.a., 2004.
COÊLHO. sacha Calmon Navarro. multas Fiscais. O art. 136 do CtN, a responsabilidade Objetiva e suas atenuações no sistema tributário Pátrio. revista Dialética de Direito tributário n. 138, são Paulo: Dialética, 2007.
FaLCÃO. amílcar araújo. Fato Gerador da Obriga-ção tributária. 6 ed., rio de Janeiro: Forense, 1997.
Freitas. vladimir Passos [coord.]. Código tribu-tário Nacional comentado. 2 ed. rev., atual. e ampl., são Paulo: editora revista dos tribunais, 2004.
GONÇaLves, Carlos roberto. responsabilidade ci-vil. 8. ed., são Paulo: saraiva, 2003.
REFERÊNCIAS
HaraDa. Kiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 9 ed., são Paulo: atlas, 2002.
maCHaDO. Hugo de Brito. Curso de Direito tri-butário. 25 ed., são Paulo: malheiros, 2004.
maCHaDO. Hugo de Brito [coord.]. sanções ad-ministrativas tributárias. são Paulo: Dialética, 2004.
martiNs. ives Gandra da silva. sanções tributá-rias. 2 ed., são Paulo: saraiva, 1998.
NOGUeira. ruy Barbosa. Curso de Direito tribu-tário. 14 ed., são Paulo: saraiva, 1995.
Paes. P. r. tavares. Comentários ao Código tribu-tário Nacional. 5 ed., são Paulo: rt, 1996.
rOCHa. valdir de Oliveira [coord.]. Direito Penal empresarial. são Paulo: Dialética, 1995.
rODriGUes, sílvio. Direito Civil – responsabili-dade civil. 32. ed. são Paulo: saraiva, v. 4, 2002.
siLva. Paulo roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. são Paulo: Quartier Latin, 2007.
stOCO, rui. responsabilidade civil e sua inter-pretação jurisprudencial. 4 ed. são Paulo: revista dos tribunais, 1999.
stOCO, rui. responsabilidade civil. 4. ed., são Paulo: revista dos tribunais, 1999, p. 299.
tOrres. ricardo Lobo. Curso de Direito Finan-ceiro e Direito tributário. 12 ed., rio de Janeiro: renovar, 2005.
BrasiL. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código tributário Nacional. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder executivo, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm> acesso em 17 fev. 2009.
64 triBUtaÇÃO em revista
STF reafirma possibilidade de tributação progressiva do IPTU paulistano
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Natureza: Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida
Órgão julgador Plenário
Nº do Processo RE 586.693/SP
Relator Ministro Marco Aurélio de Melo
Matéria Progressividade do IPTU
Recorrente Município de São Paulo
Recorrida/Interessado Edison Maluf
Data de Publicação 22/06/2011
Ementa NULIDADE – JULGAMENTO DE FUNDO – ARTIGO 249, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Quando for possível decidir a causa em favor da parte a quem beneficiaria a declaração de nulidade, cumpre fazê-lo, em atenção ao disposto no artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, homenageando-se a economia e a celeridade processuais, ou seja, alcançar-se o máximo de eficácia da lei com o mínimo de atividade judicante, sobrepondo-se à forma a realidade.
IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº. 29/2000.
triBUtaÇÃO em revista 65
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
O presente artigo visa esposar sinteticamente as ra-
zões que sustentam a reafirmação da possibilidade de
tributação progressiva do imposto Predial e territorial
Urbano – iPtU questionada no recurso extraordinário
nº. 586.693/sP perante o supremo tribunal Federal.
O aludido recurso foi interposto contra a Lei pau-
listana nº. 13.250/2001, sustentando sua incompatibi-
lidade com a Constituição Federal, bem como a incons-
titucionalidade da progressividade instituída no texto
Federativo pela emenda Constitucional nº. 29/2000.
a Constituição Federal determinou que a tributação
deve obedecer a parâmetros principiológicos gerais que
se coadunam aos preceitos encabeçadores dos objetivos
fundamentais da república Federativa do Brasil, quais
sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobre-
za e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; promover o bem de todos, sem preconcei-
tos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.1
Para o alcance dos objetivos fundamentais supra-
mencionados, foi estabelecido que a tributação brasilei-
ra deve garantir a aplicação, dentre outros, dos princí-
pios da pessoalidade e da capacidade contributiva.
O caráter pessoal significa que contribuinte seja tri-
butado em conformidade com suas características pes-
soais (capacidade contributiva)2.
sacha Calmon3 define que a capacidade contributi-
va é a possibilidade econômica de pagar tributos, que
pode ser subjetiva ou objetiva. será subjetiva quando
levar em conta a pessoa, ou seja, sua capacidade econô-
mica real. será objetiva quando considerar manifesta-
ção objetiva das pessoas, como, por exemplo, ter carro,
ter casa etc. trata-se, portanto, de materialização do
princípio da igualdade.
a capacidade contributiva pode ser alcançada por
meio da aplicação de quatro princípios distintos: pro-
gressividade, proporcionalidade, personalização e sele-
tividade.
Para efetivar a cobrança do iPtU de acordo com a
capacidade contributiva, a Constituição Federal, após a
edição da emenda Constitucional nº. 29/2000, permi-
tiu que este imposto fosse cobrado de forma progressiva
em razão do valor do imóvel e com alíquotas diferentes
de acordo com a localização e o uso, sem prejuízo da
progressividade no tempo prevista no art. 182, § 4º,
inciso ii, da Carta magna.
a Lei municipal nº. 13.250/2001 alterou a Lei mu-
nicipal nº. 6.989/1966 para compatibilizar a cobrança
do iPtU no município de são Paulo com os ditames
constitucionais, garantindo a concretização da política
tributária e social almejada pelo constituinte. assim, o
iPtU do município de são Paulo será calculado pro-
gressivamente levando-se em consideração o valor ve-
nal do imóvel e a sua destinação (se residencial ou não).
Quando da análise do re, o stF decidiu que a
mencionada emenda Constitucional regulamentou
pontualmente previsão já contida no texto primário da
Constituição Federal, sem que isso implicasse, de forma
alguma, em inovação a afastar algo que pudesse ser tido
como integrado a patrimônio4, afastando a alegação de
que a instituição do iPtU progressivo afrontava direito
ou garantia individual.
ainda, o stF refutou a alegação de que a progressi-
vidade não seria aplicável aos tributos de natureza real
sustentando que, na tributação dos impostos de natu-
reza real, como é o caso do iPtU, a capacidade contri-
butiva se revela quando da análise do valor venal do
imóvel e sua destinação, sendo plenamente possível sua
tributação progressiva cumulada com a aplicação dos
1- BrasiL, Constituição da república Federativa do Brasil, 1988. artigo 3º.
2- COÊLHO, sacha Calmon Navarro. Curso de Direito tributário Brasileiro. 11 ed. – rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 71
3- ibidem
4- trecho do voto do min. marco aurélio p. 133
66 triBUtaÇÃO em revista
princípios da pessoalidade e da capacidade econômica.
igualmente, há de se considerar que a progressivi-
dade do iPtU prevista na legislação paulistana, além de
realizar uma tributação justa, permite também o alcance
da finalidade extrafiscal na cobrança do aludido tribu-
to, qual seja, obrigar aos proprietários darem a correta
destinação aos seus imóveis urbanos, em atendimento à
função social da sociedade.
No caso do iPtU, pode-se dizer que a sua utilização
extrafiscal permite a melhor ordenação da cidade, im-
põe ao proprietário a utilização mais adequada de seu
imóvel em vista das necessidades da cidade, impede a
especulação imobiliária, evita o espraiamento aleatório
da cidade, que é nocivo è eficiência e racionalidade dos
serviços públicos etc5.
O legislador constitucional buscou consolidar a fun-
ção social da propriedade por meio da tributação pro-
gressiva do iPtU, almejando realizar ações essenciais à
construção de uma sociedade que conglobe os objetivos
fundamentais da república Federativa do Brasil.
Na senda destas razões, o stF reafirmou a possibili-
dade de tributação progressiva do iPtU, pois a Consti-
tuição Federal prevê a progressividade em conformida-
de com os princípios da pessoalidade e da capacidade
contributiva (interpretação sistemática dos artigos 145
e 156, da Constituição Federal), além progressividade
prevista no artigo 182, § 4º, do texto Federativo, o que
torna irrefutável a legalidade e constitucionalidade da
cobrança instituída pela Lei paulistana, a qual objetivou
uma tributação justa para colaborar com a construção
de uma sociedade com menos desigualdades.
renata machado de araujo machado
Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional
Áryna martins Dias rangel
Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional
5- ibidem p. 225