Post on 18-Apr-2015
Um discurso sobre as ciênciasBoaventura de Sousa Santos
Ângelo RezendeLuís Cruz
1. Autor e Obra
• Nasceu em Coimbra-Portugal, em 15 de Novembro de 1940.
• Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), Professor
Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison e Global
Legal Scholar da Universidade de Warwick.
•Autor de mais de 0 livros em português, inglês, francês, espanhol e italiano.
•Temática: Epistemologia, sociologia do direito, teoria pós-colonial,
democracia, interculturalidade, globalização, movimentos sociais, direitos
humanos. www.boaventuradesousasantos.pt
2. Panorama sobre a modernidade
2.1 Modernidade: Projeção utópica da humanidade baseada no equilíbrio
dinâmico dos pilares da regulação e emancipação entre conhecimento,
poder e direito. O direito como “mudança social normal”.
2.2. Transição paradigmática e Pós-Modernidade: Hipertrofia do pilar
regulatório (tecnologia, capitalismo global e mudança social normal).
Reinventar a utopia, transformando-a em heterotopia (a transformação do
nosso mundo pelo resgate dos conhecimentos marginais). Primazia do
conhecimento-emancipação.
3. OBJETIVOS DE “UM DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS”
3.1 Reflexão crítica sobre as características fundamentais do paradigma
teórico dominante da ciência:
1) Teoria representacional da verdade;
2) Privilégio das explicações causais da realidade (leis científicas);
3) Dissociação rígida entre ciências naturais e ciências humanas;
4) Limites do rigor científico;
5) Objetividade X Neutralidade.
3.2 Análise da crise da ciência produzida sob o paradigma dominante.
3.3 Esboço dos contornos do paradigma científico que nasce da transição
paradigmática.
3. OBJETIVOS DE “UM DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS”
3.4. Contexto de Transição Paradigmática – aprofundamento da ciência leva
ao questionamento e à transformação científica.
3.5. Incerteza e perplexidade levam ao retorno das questões simples:
Russeau – o progresso da ciência e das artes contribuirá para purificar ou
corromper os nossos costumes?
• Do Século XVIII ao Século XX - Qual o progresso científico que
queremos?
• O filtro das ciências enriquece ou empobrece as nossas vidas?
4. CARACTERÍSTICAS DO PARADIGMA DOMINANTE
4.1. Pretensão totalitária – Nova visão de vida e do mundo empunhada por
Copérnico, Kepler, Galileu, Newton, Descartes e Bacon.
• Critérios epistemológicos para traçar segregações (o epistemicídio):
A) Ciência X Senso Comum;
B) Homem X Natureza;
C) Sujeito X Objeto.
• Matemática: lógica perfeita do conhecer (Descartes). Conhecer é
quantificar e reduzir a complexidade.
4. CARACTERÍSTICAS DO PARADIGMA DOMINANTE
4.2. Primado da Causalidade – A legislação sobre o mundo.
• Irrelevância do tempo absoluto e do espaço absoluto. O resultado será
repetido independentemente dessas condições.
• Causa formal – como funciona? Desprestígio da causa material, causa
eficiente e causa final.
• Ordem e estabilidade do mundo. Mundo-máquina previsível, regido por
leis físicas e matemáticas.
4. CARACTERÍSTICAS DO PARADIGMA DOMINANTE
• Mecanicismo social:
A) Primeira Variante: 1º) Explicar a realidade social como uso dos
métodos e princípios epistemológicos das ciências naturais (p. ex.
positivismo naturalista de Comte; física social e fato social de Durkheim).
2º) Os obstáculos das ciências sociais seriam removidos com tempo e
dinheiro suficientes.
B) Segunda Variante: 1º) Compreender a realidade social por meio de
métodos próprios das ciências sociais, com enfoque
qualitativo/compreensivo (p. ex. Max Weber); 2º) Ainda opera no âmbito
da distinção homem X natureza, mas busca métodos diferenciados.
5. A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE. O COLAPSO DAS DISTINÇÕES BÁSICAS
PARADIGMA DOMINANTE
CONDIÇÕES TEÓRICAS DA CRISE
FUNDAMENTO DA SUPERAÇÃO PARADIGMÁTICA
Tempo e espaço absolutos.
Relatividade da simultaneidade
(Eistein)
A simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, mas apenas definida, arbitrariamente.
Representação Causal da Verdade
Interferência estrutural do sujeito no objeto
(Heisenberg e Bohr)
O objeto que sai do processo de medição não é o mesmo que entrou. Não há rigor absoluto na formulação das leis físicas (probabilísticas).
Perfeição epistemológica da
matemática.
Teorema da incompletude(Gödel)
Nos sistemas formais matemáticos é possível formular proposições indecidíveis (indemonstráveis e irrefutáveis).
Estabilidade e previsibilidade do
mundo
Teoria das estruturas dissipativas. Ordem através de flutuações. (Prigogine)
As características do estado macroscópico dependem da história não linear das reações do sistema microscópico.
5. A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE. O COLAPSO DAS DISTINÇÕES BÁSICAS
• “Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a
imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a
espontaneidade a auto-organização; em vez da reversibilidade, a
irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da
necessidade, a criatividade e o acidente” (p. 48)
• Fenômeno plural e espontâneo da comunidade científica. Ascensão de
cientistas filósofos em diversas áreas do conhecimento. Prestígio das
preocupações sociológicas.
5. A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE. O COLAPSO DAS DISTINÇÕES BÁSICAS
• Resultados:
A)relativização do paradigma causal. Leis científicas probabilísticas,
provisórias e argumentativas. Podem ser falseadas (Popper).
B) limitações do rigor científico. A construção rigorosa de leis pressupõe
seletividade e simplificação. Perde-se a complexidade e a capacidade de
compreensão da natureza, pelo afã em dominá-la.
5.2 Condições sociais da crise.
• Industrialização da ciência. Quem patrocina o progresso das ciências?
Autonomia científica na pesquisa X livre iniciativa.
6 - O PARADIGMA EMERGENTE
• É um paradigma científico e social que visa “um conhecimento prudente para uma vida decente”;
• Advertência do Autor: dadas as condições de espaço e tempo em que identificado (fase de transição), possível apenas a especulação acerca de seu perfil, e de modo inacabado;
• A especulação empreendida parte dos sinais da crise do paradigma atual, mas não se determina por tais sinais;
Hipóteses de trabalho para a formulação das especulações acerca do paradigma científico emergente:
• 1ª. Perda do sentido da distinção entre ciências naturais e ciências sociais; • 2ª. A síntese que há que operar essas ciências tem como pólo catalisador
as ciências sociais;
• 3ª. Para isso, as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a conseqüente revalorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos;
• 4ª. Esta síntese não visa uma ciência unificada nem sequer uma teoria geral, mas tão-só um conjunto de galerias temáticas onde convergem linhas de água que até agora foram concebidos como objetos teóricos estanques;
• 5ª. À medida que se der esta síntese, a distinção hierárquica entre conhecimento científico e conhecimento vulgar tenderá a desaparecer e a prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática.
Com base nessas hipóteses, BOAVENTURA formula sua proposta do paradigma científico emergente, e revela as suas finalidades. E pretende provar essas hipóteses de trabalho por meio de 04 TESES DO PARADIGMA CIENTÍFICO EMERGENTE:
• todo o conhecimento científico-natural é científico-social;
• todo o conhecimento é local e total;
• todo o conhecimento é autoconhecimento;
• todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum;
1ª TESE: todo o conhecimento científico-natural é científico-social
• tendência do paradigma emergente de superar as dualidades;
• perda de sentido e utilidade das distinções dicotômicas;
• assunção da concepção de uma mente imanente ao sistema social global e à ecologia planetária, da qual a mente humana é apenas uma parte;
• postulação da existência de consciência na natureza (teoria da matéria e o estudo da consciência humana);
• noção de “inconsciente colectivo”;
• consciência e matéria como elementos interdependentes (rejeição ao nexo de causalidade);
• busca da superação distintiva entre ciências sociais e naturais, e reconhecimento da indefinição de um parâmetro de ordem entre elas (ex.: sociobiologia, de um lado, e as teorias físico-naturais aplicadas à sociedade, de outro), a revelar o conteúdo dessa superação;
• a superação da dicotomia sob a égide das ciências sociais (Boaventura), e a tendência do modelo de conhecimento volvido às humanidades;
“É como se o dito de Durkheim se tivesse invertido e em vez de serem os fenômenos sociais a ser estudados como se fossem fenômenos naturais, serem os fenômenos naturais estudados como se fossem fenômenos sociais. (67-68)”
• A concepção humanística como agente catalisador da progressiva fusão das ciências, tendo a pessoa no centro do conhecimento e a natureza no centro da pessoa, como nota distintiva (“Não há natureza humana porque toda a natureza é humana”);
2ª TESE: todo o conhecimento é local e total
• Falência da tendência moderna de especialização e parcelização do conhecimento (a proposta de solução do problema acaba por reproduzi-lo sob outra forma – o exemplo do médico);
• Substituição da perspectiva reducionista e disciplinar por uma fragmentação temática do objeto - o conhecimento avança à medida que o seu objeto se amplia;
“o direito, que reduziu a complexidade da vida jurídica à secura da dogmática, redescobre o mundo filosófico e sociológico em busca da prudência perdida” .
• assunção do caráter analógico da ciência do paradigma emergente - concepção e generalização do conhecimento através da qualidade e da exemplificação, formando um pensamento total ilustrado;
• conhecimento pós-moderno como um conhecimento sobre as condições de possibilidade - sendo total, não é determinístico; sendo local, não é descritivista. Não é, enfim, reducionista.
• Caráter imetódico (em razão da pluralidade metodológica) e de tolerância discursiva (fusão de estilos, composição transdisciplinar e maior personalização do trabalho científico);
3ª TESE: todo o conhecimento é autoconhecimento
• Emergência da crise dicotômica nas ciências naturais - desenvolvimento e exploração da natureza pelo homem a revelar a interferência deste naquela;
• Sujeito e objeto - consagração do homem como sujeito epistêmico (ciência moderna) e também como sujeito empírico;
• Possibilidade de exame espistemológico e empírico de Deus;“O sujeito regressava a veste do objeto. Aliás, os conceitos de “mente imanente”, “mente mais ampla” e “mente coletiva” de Batesen e outros constituem notícias dispersas de que o outro foragido da ciência moderna, Deus, pode estar em vias de regressar. Regressará transfigurado, sem nada de divino senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos rodeia e que, vemos agora, é o mais íntimo de nós. Uma nova gnose está em gestação.”
• Reconhecimento da natureza criadora e inovadora da ciência, em contraposição à sua concepção desveladora (“A ciência não descobre, cria”);
“o objecto é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso, todo conhecimento científico é autoconhecimento”
• A ciência como autobiografia, e como atuação mais contemplativa do que ativa;
“hoje não se trata tanto de sobreviver como de saber viver”
• Pretensão de que a dimensão ativa da ciência, pela transformação do real, seja subordinada à contemplação do resultado (como na criação literária ou artística);
4ª TESE: todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum
• Fundamento: nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional. Deve-se, por isso, admitir-se o dialogo com outras formas de conhecimento, dentre as quais o senso comum;
• utilidade do conhecimento: o conhecimento científico ensina a viver e deve traduzir-se num saber prático;
• reconhecimento das virtudes do senso comum pela ciência pós-moderna;
• a virtude antecipatória do senso comum: caracterização da origem de uma nova racionalidade;
• inversão da ruptura epistemologica: ao contrário da ciência moderna, a relevância está em seguir do conhecimento científico para o do senso comum;
“a ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. É essa que assinala os marcos da prudência à nossa aventura científica. A prudência é a insegurança assumida e controlada. Tal como Descartes, no limiar da ciência moderna, exerceu a dúvida em vez de a sofrer, nós, no liminar da ciência pós-moderna,
devemos exercer a insegurança em vez de a sofrer.