Post on 10-Jan-2017
A exposição Um homem a caminho concentra-se nos trabalhos produzidos por Iberê Camargo entre a década de
1970 e o final de sua vida. Entre desenhos, guaches, gravuras em metal, serigrafias e litografias, a mostra destaca
as transformações da figura humana na produção do artista após décadas dedicado à pesquisa pictórica a partir da
forma do carretel. A vertigem da matéria, fio condutor de sua obra nos anos 60 e 70, deu lugar a uma figuração no
limite, entre o bidimensional e o tridimensional, o desenho e a pintura, a humanidade e a caricatura.
Manequins, ciclistas, palhaços e mendigos, entre outras figuras anônimas observadas pelas ruas e parques em Porto
Alegre, transmutaram-se, a partir de um insistente trabalho de cor e de linha, nos personagens que pautaram a
obra de Iberê dos anos 80 e 90. Nessas últimas décadas de produção, a finitude da vida tornou-se mais presente no
horizonte do artista, que carregou sua paleta e suas figuras de um drama existencial.
“Viver é andar, é descobrir, é conhecer. No meu andarilhar de pintor, fi xo a imagem que se me apresenta no agora, como retorno às coisas que adormeceram na memória. [...] a criação se faz com o agora e com o tempo que recua.” 1
1 In: LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 24.
IBERÊ CAMARGO
Iberê Camargo nasceu em Restinga Seca, cidade do interior do Rio Grande do Sul, em novembro de 1914. O
interesse pela arte manifestou-se cedo em Iberê que, já aos quatro anos, sentado debaixo da mesa, passava horas
a fio a desenhar. Sua infância e as lembranças de sua cidade natal, como a estação ferroviária em que seus pais
trabalharam, são elementos marcantes nas primeiras obras de sua carreira.
Em 1928, o artista ingressou na Escola de Artes e Ofícios de Santa Maria (RS). Lá, teve aulas com Frederico Lobe e
Salvador Parlagreco. Sua mudança para Porto Alegre ocorreu apenas em 1936, ano em que iniciou o curso técnico
de desenho de arquitetura no Instituto de Belas-Artes e começou a trabalhar como desenhista na Secretaria de
Obras Públicas do Rio Grande do Sul. Decidido a ser pintor e sentindo a necessidade de encontrar os meios que
possibilitassem tal realização, Iberê mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1942, com o apoio de uma bolsa de
estudos concedida pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Insatisfeito com a proposta acadêmica da Escola
Nacional de Belas-Artes, deixou a instituição e, ainda na capital fluminense, passou a ter aulas com Alberto da Veiga
Guignard. Em 1943, junto de outros artistas, fundou o Grupo Guignard.
No Salão de Arte Moderna de 1947, Iberê Camargo apresentou a obra intitulada Lapa, pela qual recebeu o Prêmio
de Viagem à Europa. Ávido por conhecimento, tornou-se aluno de nomes como Giorgio de Chirico, Carlos Alberto
Petrucci, Antônio Achille, Leone Augusto Rosa e André Lhote. Seu retorno ao Brasil aconteceu em 1950. A partir
de 1958, devido a limitações físicas provocadas por uma hérnia de disco, Iberê trocou o desenho e a pintura ao
ar livre pelo trabalho no ateliê. Como motivo de suas composições, adotou o carretel, seu brinquedo de infância,
desenvolvendo a partir dele sua pesquisa formal. Em 1961, recebeu o Prêmio de melhor Pintor Nacional na VI Bienal
de São Paulo, com a série Fiada de carretéis.
Ao longo de sua vida, Iberê Camargo exerceu forte liderança no meio artístico e intelectual. Entre várias outras
atividades, destaca-se sua participação na organização do Salão Preto e Branco, em 1954, e, no ano seguinte, do
Salão Miniatura, ambos realizados em protesto às altas taxas de importação de material artístico. O artista ainda
lecionou, no ano de 1970, na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Conhecido por seus carretéis, ciclistas e idiotas, Iberê nunca se filiou a correntes ou movimentos artísticos. Suas
obras participaram de exposições de renome internacional, como a Bienal de São Paulo, a Bienal de Veneza, a Bienal
de Tóquio e a Bienal de Madri, além de integrarem numerosas mostras no Brasil e em países como França, Inglaterra,
Estados Unidos, Escócia, Espanha e Itália.
O artista faleceu em 1994, em Porto Alegre, deixando um acervo de cerca de sete mil obras – entre pinturas,
gravuras, desenhos, guaches e documentos pessoais. Grande parte delas foi deixada a sua esposa, Maria Coussirat
Camargo, e hoje integra o acervo da Fundação Iberê Camargo.
ATIVIDADES
1. FIGURA NA PAISAGEM
No início de sua carreira, Iberê pintou diversas paisagens. Cidades de sua infância, como Jaguari e Santa Maria, e
de sua vida adulta, como o Rio de Janeiro, aparecem em muitas de suas obras. Quando o artista retornou a Porto
Alegre em 1982, alguns locais da cidade passaram a fazer parte de sua rotina. Nesse momento, no entanto, Iberê
estava mais interessado nas pessoas que frequentavam esses lugares do que na paisagem em si.
Proponha a sua turma um exercício similar. Cada aluno deve escolher um lugar da cidade que faça parte de seu
dia a dia e observar as pessoas que o frequentam. A seguir, peça que os alunos realizem ao menos 10 desenhos de
observação da pessoa que mais lhe chamou atenção nesse espaço, registrando de diferentes maneiras sua expressão
e movimento. Como exercício de percepção, solicite que alguns desses desenhos sejam realizados sem olhar para o
papel, observando apenas o modelo. Em um segundo momento, reúna todos os desenhos produzidos pela turma e
analise o material resultante. Quais foram as figuras que mais chamaram a atenção dos alunos? O que elas revelam
sobre o lugar observado?
2. PARANDO O MOVIMENTO, MOVIMENTANDO A IMAGEM
Iberê Camargo produziu uma série de trabalhos a partir da observação de figuras em movimento, como os seus
carretéis e ciclistas. Em vez de partir da observação do movimento para criação de uma imagem, como fez o
artista, que tal propor um exercício em um sentido contrário? Peça que os alunos escolham em revistas ou jornais
uma imagem que contenha uma pessoa ou animal. A seguir, eles devem imaginar uma pequena narrativa para
esse personagem, colocando-o em movimento. O que pode ter acontecido com ele antes e depois do momento
mostrado na imagem? Depois, discuta com a turma a melhor maneira de registrar essas ideias. O resultado final
pode ser a criação de uma história em quadrinhos, um texto, uma encenação ou até mesmo um vídeo.
3. ENTRE O HUMANO E O INANIMADO
Em algumas pinturas produzidas por Iberê no final dos anos 70, formas que aparecem em meio a dados e carretéis
podem ser interpretadas como uma insinuação da presença humana, como caveiras ou corpos esquemáticos. Peça
que os alunos tragam de casa seu objeto favorito. Em aula, eles deverão desenhá-lo com o máximo de detalhes
possível, tentando respeitar suas formas e proporções. A seguir, peça que os alunos coloquem uma folha de papel
vegetal sobre este primeiro registro e façam um novo desenho, relacionando a forma do objeto aos contornos de
uma figura humana - um rosto, uma mulher sentada, alguém deitado, por exemplo. É possível encontrar algo de
humano nesses objetos inanimados?
A gravura é uma técnica artística que envolve a reprodução de imagens a partir de uma matriz – uma superfície
plana, usualmente de madeira, pedra ou metal – na qual se grava um desenho por meio de incisões, corrosões
e talhos realizados com instrumentos e materiais especiais. Após a gravação da matriz, esta é recoberta de tinta
e, por meio de pressão, o desenho pode ser transferido mais de uma vez para suportes como folhas de papel ou
tecido, resultando em várias cópias da mesma imagem. Como linguagem artística, a gravura recebeu a atenção de
importantes artistas desde o século XIII. Além disso, era por meio de gravuras que se reproduziam textos, ilustrações
e até mesmo cartas de baralho antes da invenção da fotografia e das técnicas mecânicas de reprodução.
Ao longo de sua carreira, Iberê Camargo dedicou-se à pintura, ao desenho e também à gravura. O glossário abaixo
apresenta termos técnicos da gravura relacionados às obras presentes na exposição Iberê Camargo: um homem a
caminho.
ÁGUA-FORTE: Processo da gravura em metal em que linhas são traçadas por meio da corrosão da chapa metálica.
Na técnica, o artista produz o desenho sobre a chapa revestida por um verniz de proteção. Ao entrar em contato
com o ácido, as áreas desprotegidas são corroídas, formando sulcos capazes de absorver a tinta que depois será
transferida para o papel.
ÁGUA-TINTA: A técnica da água-tinta também utiliza líquidos corrosivos no processo de gravação em metal,
usualmente o percloreto de ferro. No entanto, diferente do que acontece com a água-forte, a chapa é recoberta
com uma fina camada de grãos de breu, formando uma película pontilhada que permite obter no momento da
impressão áreas de diferentes tons entre o branco e preto, conforme o tempo de exposição ao ácido.
LAVIS: Processo no qual um ácido de alta corrosão, como o nítrico, é pincelado diretamente sobre a chapa recoberta
com breu, produzindo um efeito de manchas próximo ao da aquarela. Quanto mais concentrado for o ácido aplicado
em um determinado ponto, mais escuro esse local ficará.
LITOGRAVURA/LITOGRAFIA: Processo no qual a imagem é produzida em uma matriz de pedra calcária. A base
dessa técnica é o princípio da repulsão entre água e óleo. Ao contrário das outras técnicas da gravura, na litografia
o desenho é feito por meio do acúmulo de gordura sobre a superfície da matriz, e não através de fendas e sulcos,
como na xilogravura e na gravura em metal.
PONTA SECA: Técnica na qual o artista utiliza um instrumento pontiagudo para fazer incisões diretas na chapa de
metal. Quanto mais pressão o gravador aplicar no traço, mais profundo ele será. Além de ser o nome do processo,
“ponta seca” também designa o instrumento utilizado e o tipo de gravura produzida.
PRENSA: Aparelho manual ou mecânico destinado a reproduzir, em papel ou outro material, uma imagem gravada.
É ao passar pela prensa que a tinta aplicada na matriz se transfere para o papel, resultando na gravura.
PROCESSO DO AÇÚCAR: Nesse processo, o desenho a ser gravado pela chapa é feito com uma calda de açúcar
que depois é recoberta com betume da Judéia. Em seguida, essa calda é dissolvida com água quente, expondo o
desenho do pincel à corrosão do ácido.
PROCESSO DO GUACHE: Técnica similar à do açúcar na qual tinta guache é utilizada ao invés da calda para
construir o desenho.
SERIGRAFIA: Processo que envolve a impressão de áreas planas de cor através de uma tela muito fina de poliéster
ou nylon em diferentes tipos de superfície. A tela é recoberta com um material fotossensível que deixa a tinta passar
apenas pelas áreas não atingidas pela luz, funcionando como uma máscara ou stêncil. O processo, que se tornou
popular no início do longo do século XX, é usado até hoje para imprimir em camisetas e estampar objetos.
GLOSSÁRIO
CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
_____. No andar do tempo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
CARVALHO, Ana Albani; BRITES, Blanca. Iberê Camargo: persistência do corpo. Porto Alegre: Fundação Iberê
Camargo, 2009.
COTRIM, Cecília. “A paixão pela pintura: depoimento de Iberê Camargo a Cecília Cotrim”. Novos Estudos CEBRAP.
São Paulo: n° 34, novembro 1992, p. 107-123. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/
contents/68/20080625_a_paixao_na_pintura.pdf
LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994.
MAMMÌ, Lorenzo. Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2014.
NAVAS, Adolfo Montejo. Conjuro do mundo: as figuras-cesuras de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê
Camargo, 2011.
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Iberê Camargo: origem e destino. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
ZIELINSKY, Mônica; SALZESTEIN, Sônia. Iberê Camargo – moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo,
2008.
SITES
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Fundação Iberê Camargo
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LojaD’arte
LÂMINAS
Iberê Camargo sempre manteve um diálogo com outras artes. Literatura, cinema e teatro
eram linguagens que o artista não apenas apreciava, mas que alimentavam seu processo
de criação. Leitor ávido de Cervantes, Dostoievski e Fernando Pessoa, Iberê também se
dedicava à escrita: “Escrever pode ser, ou é, a necessidade de tocar a realidade que é a
única segurança de nosso estar no mundo – o existir”.1 Além de cartas e anotações sobre
suas obras, o artista redigiu contos e escritos de memórias. 2
O cinema e o teatro também marcaram sua produção. No ano de 1992, Iberê participou
das gravações do curta-metragem Presságio, do diretor e roteirista Renato Falcão. O fi lme
trata da relação entre ator e personagem a partir do confl ito de um homem que se depara
com uma doença terminal. Em uma das cenas, Manuel Aranha interpreta o personagem
principal da peça O homem da fl or na boca, de Luigi Pirandello, enquanto Iberê o
desenha. A fi lmagem deu origem a mais de dez trabalhos, entre eles, o reproduzido nesta
lâmina. Nesses desenhos de técnica mista, já podemos perceber alguns traços marcantes
da produção fi nal de Iberê: “a tinta é mais líquida, a superfície das telas é menos
‘tridimensional’ [...] o uso da cor é mais atmosférico e fl utuante, evanescente, e as fi guras,
como os fantasmas, não têm pé”.3
1 2 3
Para pensar
A proximidade de Iberê Camargo com a
literatura, o teatro e o cinema fez com que
o artista produzisse diversos trabalhos.
Iberê, de certa forma, respondia a obras
artísticas que o impactavam produzindo
desenhos e pinturas. Converse com a turma
sobre os livros, filmes e músicas que mais
impressionaram os alunos. Eles produziram
algo a partir dessas obras? O contato
com essas produções provocou alguma
ressonância em seu cotidiano?
1 CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. São Paulo, Cosac Naify, 2009, p. 30.
2 Duas publicações reúnem esses textos: o livro de contos No andar do tempo, de 1988, e o livro de memórias Gaveta dos guardados, publicado em 1998, quatro anos após a morte do artista.
3 NAVAS, Adolfo Montejo. Conjuro do mundo: as figuras-cesuras de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2011, p.11.
O homem da fl or na boca (Um ato de amor à vida), 1993guache e lápis stabilotone sobre papel100 x 70 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Rômulo Fialdini
sem título, a partir de As criadas de Jean Genet, 1986guache e lápis stabilotone sobre papel100 x 70,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re
A fi gura humana sempre esteve presente na produção de Iberê Camargo mas, no
princípio, a abordagem desse tema era muito mais um estudo para o entendimento da
anatomia e o domínio da forma do que um mote para seus trabalhos. Após esse período
de formação, a pintura do artista foi dominada pelas paisagens do interior gaúcho, as
ruas do Rio de Janeiro e, a partir do fi nal do anos 50, pelas composições que organizaram,
desmembraram e explodiram a forma do carretel. Durante esse período mais ‘abstrato’,
no entanto, a representação do corpo humano continuou aparecendo nos esboços e
cadernos de anotações do artista.
Apesar dessa constante atenção ao tema, foi apenas a partir da década de 80 que a
representação da fi gura humana passou a ocupar um lugar de destaque na obra de Iberê,
tornando-se o principal motivo de suas pinturas, gravuras e desenhos. Inicialmente, ela
reapareceu em meio aos objetos e signos com os quais Iberê trabalhava, como os carretéis
e os dados, representando muitas vezes o próprio artista diante de sua obra. Anos depois,
surgiram os ciclistas, as idiotas e os manequins, personagens solitários em meio a espaços
vazios que expressam a angústia de Iberê em relação à existência humana. Nesse período,
o artista não estava mais preocupado em reproduzir detalhes de anatomia ou traços
fi sionômicos. Os modelos serviam apenas como um disparador - a partir da realidade
visível, Iberê procurava a alma das coisas.1
1
Para pensar
Compare as duas obras reproduzidas nesta
lâmina. De que forma elas retratam a figura
humana? Quais são as semelhanças e as
diferenças entre elas?
As criaturas corpulentas que aparecem
sentadas nos trabalhos de Iberê do início
dos anos 90 foram chamadas pelo artista
de idiotas. Na Grécia Antiga, a palavra
idiótes era utilizada para designar as
pessoas que não se envolviam com os
assuntos públicos da cidade. A raiz do
termo, idio, significava próprio. Converse
com a turma sobre os usos e significados
da palavra idiota hoje. Que motivos podem
ter levado Iberê a utilizar este termo para se
referir a suas obras?
1 LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 26.
sem título, 1991guache e lápis stabilotone sobre papel70 x 50,2 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re
sem título, c.1943lápis conté sanguínea sobre papel32,5 x 23,5 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re
Figuras e manequins, 1985serigrafi a31,3 x 45,1 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Rômulo Fialdini
Para pensar
As figuras humanas que aparecem nas obras de Iberê a partir
dos anos 80 estão usualmente despidas. É difícil identificar
seu sexo, idade e até mesmo a época em que vivem. Alguns
dos desenhos feitos a partir da observação de manequins, no
entanto, contemplam também suas roupas. Esses elementos
ajudam a revelar a moda e a cultura da época em que
foram feitos. Discuta com a turma sobre os manequins que
encontramos nas vitrines das lojas hoje em dia. Como são suas
formas, poses e adereços? O que os diferencia dos manequins
de Iberê? O que podem revelar sobre nossa época? 1 O texto inicial do manual foi escrito em 1955, no formato de um polígrafo utilizado nas aulas no Instituto Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, e a partir de então passou por sucessivas reelaborações. Em 1964, o artista o publicou em forma de artigo na revista Cadernos Brasileiros; em 1975, lançou-o novamente no formato de um pequeno livro, editado pela Topal e, em 1992 , publicou A gravura, pela Sagra-Luzzato, incluindo mais informaçõe-s.
Ao longo de sua carreira, Iberê Camargo dedicou-se à pintura, ao desenho e
também à gravura em metal. Grande pesquisador e difusor da técnica, o artista
fundou o ateliê de gravura do Instituto Nacional de Belas Artes, ministrou cursos
e publicou um manual sobre o tema.1 Nos anos 80, no entanto, a serigrafia e a
litografia foram os tipos de gravuras mais presentes em sua produção.
As imagens do período são marcadas pela presença do manequim, elemento
que, a partir de então, apareceria na obra de Iberê até o final de sua produção.
Essa figura surgiu em caminhadas pela Rua da Praia, área de intenso comércio
em Porto Alegre onde o artista costumava observar as vitrines. Em seguida,
Iberê levou o manequim para seu ateliê, utilizando sua forma inerte como
modelo para obras como a série Fantasmagoria (1986-1987). Sozinhos ou na
companhia da outras formas humanas, inclusive o próprio artista, os manequins
são um simulacro do homem destituído de vida. Sua figura também pode ser
vista como uma referência à transitoriedade da moda e à superficialidade que
envolve a existência humana em meio à sociedade de consumo.
sem título, 1986lápis de cor sobre papel33 x 24,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre
sem título, 1986lápis de cor e grafi te sobre papel33 x 22 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre
sem título, 1986lápis de cor e grafi te sobre papel33,2 x 22,9 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre
Mendigos do Parque da Redenção, 1987caneta esferográfi ca e grafi te sobre papel21,5 x 32,5 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re
Para pensar
O ato de criar uma pintura ou desenho a partir da observação
da natureza é praticado desde o Renascimento. Por muito
tempo, coube à arte representar seu modelo da maneira mais
fiel possível, como a fotografia faz hoje. A partir do século
XIX, no entanto, a produção dos artistas foi se desligando das
aparências do mundo. O modo como se pintava ou desenhava
- a expressão, o gesto e a forma - ganhou cada vez mais
importância, deixando o modelo em segundo plano. Como a
arte se relaciona com a representação hoje em dia? Peça que
os alunos pesquisem artistas contemporâneos que trabalhem
com a figuração. Como o mundo é representado por eles?
1 In: LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 29-30.
Em 1982 Iberê Camargo mudou-se de volta para Porto Alegre, cidade que
havia deixado em 1942 em busca de um cenário mais propício para seu
desenvolvimento como artista. O período também marcou uma nova fase em
sua pintura, apresentando-lhe novos desafios. Instalado na rua Lopo Gonçalves,
seu retorno à cidade acabou sendo marcado pela proximidade com o Parque da
Redenção. O artista tornou-se frequentador assíduo do local, realizando inúmeros
desenhos dos tipos que o frequentavam, como ciclistas e mendigos. Iberê captava
o cotidiano dos habitantes de uma cidade em transformação, bem diferente da
Porto Alegre na qual vivera quarenta anos antes.
A realidade sempre foi um importante ponto de partida para Iberê Camargo,
mesmo que, ao longo dos anos, sua obra tenha se afastado cada vez mais da
representação tradicional. “No meu processo de trabalho, faço anotações dos
aspectos da natureza que me comovem. Uso modelo vivo tanto para desenhar
como para pintar, mas sempre com o cuidado de não copiá-los. No ato de criar,
esqueço o modelo e persigo as imagens que intuo, mas que não posso delinear a
priori.”1 Em diferentes textos e entrevistas, o artista destacou que não pintava o
que via, mas o que sentia.
1
sem título, 1985grafi te e lápis de cor sobre papel16,5 x 24,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re