UmaQuestaoDeMetodo_MarcelinoPeixoto&AndreMendes

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Pesquisa apresentada por Marcelino Peixoto e André Mendes como

trabalho final para a disciplina do Programa de Pós-Graduação em Letras

A LiteraturaBrasileira e outras Artes (2003, Faculdade de Letras da

UFMG, professora Vera Casa Nova).

Inclui pesquisa de Marcelino Peixoto intitulada Arte e Método na Filosofia

Moderna (Século XVII ao XIX), desenvolvido como Projeto Estudo

Especial para o Mestrado em Artes Visuais (2003, Escola de Belas Artes

da UFMG).

Uma questão de método 

Quando convidado a ler uma obra de arte, uma questão se coloca de

imediato: a busca de uma objetividade possível na leitura. Não que a objetividade

se apresente como “o melhor” critério. Porém, caso se queira entender a retórica

da obra e ser compreendido ao emitir uma impressão, faz-se necessário tentarpercorrer os caminhos (metodologia) trilhados pelo artista a fim de localizar os

signos por ele manipulados.

Mas seria possível tal objetividade? Será que todos nós dominamos os

mesmos conhecimentos – o que possibilitaria tal diálogo de entendidos? E ainda

que o conhecimento fosse algo homogêneo, será que manipulamos os signos damesma maneira?

A autoria não está localizada na objetividade da manipulação de “dados”

comuns. Tal pensamento ligaria a arte tão somente ao universo da comunicação.

E a arte, ainda que busque a semelhança, deve ser compreendida como um meio

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de destruir tais automatismos perceptivos. Lidamos com o que não está dado, com

algo que escapa e que, seguramente está no reino das subjetividades. Mas como,

então, ler uma obra de arte?

Etimologicamente, a palavra método vem do grego, methodos , composta de

meta: através de, por meio e, e de hod os: via, caminho. Servir-se de um método é,

antes de tudo, tentar ordenar o trajeto através do qual se possa alcançar os

objetivos projetados.

No livro Convite à filosofia 1, Marilena Chauí discorre sobre a evolução do

método ao longo do tempo. Essa reflexão acerca do método se iniciou com os

gregos e passou por várias concepções distintas. Platão propunha o método

dialético (confronto entre imagens e opiniões contrárias ou contraditórias), que

permitia ao pensamento libertar-se do conhecimento sensível (crenças, opiniões),

isto é, das imagens e aparências das coisas.

Aristóteles considerou a dialética inadequada por lidar com opiniões

possíveis, não oferecendo garantia de superação do conflito de opiniões e a

localização da essência do objeto pesquisado. Passou a adotar o silogismo, ou

seja, um conjunto de três juízos ou proposições que possibilita chegar a uma

conclusão verdadeira. Por exemplo: Todos os homens são mortais. Sócrates é 

homem. Logo, Sócrates é mortal. Considerava, porém, que os objetos que são

conhecidos por experiência, e não só pelo puro pensamento, deveriam seguir um

1 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia , p. 157 –160. 

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método indutivo, no qual o silogismo seria o resultado final conseguido pelo

conhecimento.

Platão não distinguia a arte das ciências nem da Filosofia, uma vez que,

como a arte, estas são atividade ordenadas que levavam a construção de um

conhecimento. Porém o conhecimento propiciado pela arte era, por assim dizer,

um conhecimento não verdadeiro, uma vez que afastado duas vezes da realidade.

“Bem longe da verdade está, pois o imitador. (...)

(suas obras) estão três vezes afastadas do ser (...) pois 

não compõe senão aparências, e nunca realidades”.2  

Aristóteles estabelece uma distinção entre ação (práxis ) e fabricação

(poiesis ). A política e a ética são ciências da ação. As artes ou técnicas são

atividades de fabricação. Poética é compreendida por Aristóteles como processo

produtivo formador, que encontra na criação de uma obra o seu termo final.

Plotino distingue técnicas ou artes cuja finalidade é auxiliar a Natureza

(como medicina, agricultura etc) daquelas cuja finalidade é a fabricação de objetos

com os materiais oferecidos pela Natureza. Distingue também outro conjunto de

técnicas que não se relacionam com a Natureza, como a música e a retórica, mas

apenas com o homem, para torna-lo melhor ou pior.

2 PLATÃO, A república, p. 219.

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A classificação das técnicas ou artes seguirá por muito tempo um padrão

baseado na estrutura social escravocrata que despreza o trabalho manual.

O historiador romano Varrão ofereceu uma classificação que perdurou do

séc. II d.C. ao séc XV: as artes própria dos homens livres: artes liberais, como a

gramática, retórica, lógica, geometria, astronomia e música; e as artes próprias do

trabalho manual: artes mecânicas, como medicina, arquitetura, agricultura, pintura,

escultura, olaria, tecelagem etc.

Tal classificação será justificada, na Idade Média, por Santo Tomás de

Aquino como diferença entre as artes que dirigem o trabalho da razão e as artes

que dirigem o trabalho das mãos. Para ele, a alma é livre e o corpo é prisão.

Dessa maneira, as artes liberais seriam superiores as artes mecânicas.

A partir da Renascença, com a cultura humanista, que dignifica o corpo

humano, começa-se a valorizar as artes mecânicas. Contribui para tal fato, o

desenvolvimento do capitalismo, pois o trabalho passa a ser considerado fonte e

causa de riquezas.

À partir do período moderno (em filosofia, século XVII), a necessidade de

um método tornou-se imprescindível diante da incerteza de que o sujeito do

conhecimento pudesse alcançar a verdade. Só, ele desconfia dos conhecimentos

sensíveis e dos conhecimentos herdados. Busca no método um guia para

distinguir os conhecimentos verdadeiros dos falsos.

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Nesse momento, Descartes escreve o Discurso do métod o e as Regras 

para a direção do espírito . Enuncia as três principais características das regras do

método: 1 – certas (o método dá segurança ao pensamento); 2 – fáceis (o método

economiza esforços inúteis); e 3 – que permitam alcançar todos os

conhecimentos possíveis para o entendimento humano.

Francis Bacon definiu o método como o modo seguro e certo de “aplicar a

razão à experiência”, isto é, de aplicar o pensamento lógico aos dados oferecidos

pelo conhecimento sensível.

No final do século XVII e a partir do XVIII, distinguiram-se as finalidades das

artes mecânicas: as que tem por finalidade serem úteis aos homens, tais como a

medicina, agricultura, culinária, artesanato etc, e aquelas cuja finalidade é o belo,

quais sejam: pintura, escultura, arquitetura, poesia, música, teatro, dança. Com a

idéia do belo surge as sete artes ou as belas artes.

Com a distinção entre o útil e o belo, leva a noção da arte como ação

individual vinda da sensibilidade do artista como gênio criador.

Com a criação da categoria do belo (finalidade da arte) torna-se inseparável

a figura do público, que julga e avalia o objeto artístico conforme tenha realizado

ou não a beleza. Surge o conceito de juízo de gosto, estudado amplamente por

Kant.

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Forma-se um novo quadro: gênio criador (do lado do artista) beleza, (do

lado da obra) e juízo de gosto (do lado do público) constituem os pilares sobre os

quais se erguerá uma disciplina filosófica: a estética.

Porém, desde o final do século XIX e durante o séc. XX, modificou-se a

relação entre arte e técnica, uma vez que a técnica da produção econômico-social

 já não era a do artesanato, mas da indústria. Assim, a técnica sui generis da arte

não é vista como uma técnica diferente, mas sim uma técnica atrasada. Tornaram-

se necessárias mudanças nas técnicas específicas da arte, apropriando-se do

potencial realizador de inovações na indústria direcionada para a produção

artística, assim como nos próprios procedimentos artísticos.

As artes passaram a ser concebidas não como excelência de um certo

domínio da técnica ou como criação genial, e sim como expressão criadora, isto é,

como transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da linguagem, dos

gestos, em obras artísticas.

A execução dos trabalhos re-estabelece a obra enquanto fabricação,

construção de uma poética. A arte não perde, necessariamente, seu vínculo com a

idéia de beleza, mas a subordina a outros valores. Não pretendem imitar a

realidade, nem pretendem ser ilusões sobre a realidade, mas exprimir por meios

artísticos, uma realidade.

A arte passa do instituído ao instituinte. Um leve deslocamento do sentido

instituído e a explosão de um outro sentido; Transfiguração do existente numa

outra realidade, que o faz renascer modificado. Nesse movimento (alargamento), a

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arte arrasta elementos da realidade, incorporando resíduos da própria realidade e

de realidades anteriores.

Quais resíduos são esses? Podemos nomeá-los: tradição (conhecimento

dos caminhos trilhados pelo universo da arte e de suas técnicas), cultura, história,

universo pessoal, enfim, o instituido.

O método, nas várias formulações que recebeu no correr da história da

filosofia e das ciências, sempre teve o papel de um regulador do pensamento, isto

é, de aferidos e avaliador das idéias e teorias: guia o trabalho intelectual

(produção das idéias, dos experimentos, das teorias) e avalia os resultados

obtidos.

Desde Aristóteles, a Filosofia considera que, ao lado de um método geral

outros métodos particulares são necessários, conforme a especificidade do objeto

a ser conhecido.

Em certos períodos da história da Filosofia e das ciências, chegou-se a

pensar num método único que ofereceria os mesmos princípios e as mesmas

regras para todos os campos do conhecimento. Para Galileu tal método seria o

matemático pois, dizia ele, “a Natureza é um livro escrito em caracteres

matemáticos”.

Descartes propunha uma mathesis universalis , ou o conhecimento da

ordem necessária das idéias, válida para todos os objetos de conhecimento.

Conhecer seria ordenar e encadear em nexos contínuos as idéias referentes a um

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objeto. Esse seria o modo próprio do pensamento, independente de qual fosse o

objeto a ser conhecido.

Entusiasmados com os desenvolvimentos da física, os filósofos e cientistas

do final do século XIX julgaram que todos os campos do saber deveriam empregar

o método usado pela “ciência da Natureza”, mesmo que o objeto fosse o homem.

À partir desse momento não era tanto a idéia de ordenamento interno das idéias

que levava à defesa de um único método de conhecimento, mas a idéia da

causalidade ou de explicação causal de todos os fatos.

Com a fenomenologia de Husserl e com a com o estruturalismo, considera-

se o método próprio, que leva em conta a natureza do objeto, a forma como o

sujeito do conhecimento pode aproximar-se desse objeto e pelo conceito de

verdade que cada esfera do conhecimento define para si própria. Assim,

considera-se o método matemático (dedutivo) próprio para objetos idealizados

construídos pelo pensamento; ao contrário, o método experimental (indutivo) é

adequado às ciências naturais, que observam seus objetos e realizam

experimentos. As ciências humanas têm no homem (ser histórico-cultural que

produz as instituições e o sentido delas) o seu objeto. Buscam conhecer o sentido

das ações humanas, através dos métodos de compreensão e de interpretação das

práticas, dos comportamentos, das instituições sociais e políticas, dos

sentimentos, dos desejos, das transformações históricas.

No caso das ciências exatas o método é chamado axiomático. O ponto de

partida da construção do conhecimento são axiomas (pré-supostos teóricos). No

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caso das ciências naturais (física, química, biologia, etc), o método é chama

experimental e hipotético. Experimental, porque se baseia em observações e em

experimentos, tanto para formular quanto para verificar as teorias. Hipotético,

porque os cientistas partem de hipóteses sobre os objetos que guiam os

experimentos e a avaliação dos resultados. Nas ciências humanas (psicologia,

sociologia, antropologia, historia, etc), o método é chamado compreensivo-

interpretativo, porque seu objeto são as significações ou os sentidos dos

comportamentos, das práticas e das instituições realizadas ou produzidas pelos

seres humanos.

Na Filosofia, atualmente quatro traços são comuns aos diferentes métodos

filosóficos: o método é reflexivo – parte da auto-análise ou do auto-conhecimento

do pensamento; é crítico – investiga os fundamentos e as condições necessárias

da possibilidade do conhecimento verdadeiro, da ação ética, da criação artística e

da atividade política; é descritivo – descreve as estruturas internas ou essências

de cada campo de objetos do conhecimento e das formas de ação humana; é

interpretativo – busca as formas da linguagem e as significações ou os sentidos

dos objetos, dos fatos, das práticas e das instituições, suas origens e

transformações.

A história da arte insere-se no campo das ciências humanas. Portanto, de

maneira global, utiliza-se do método compreensivo-interpretativo. Porém, grupos

com linhas de pensamento distintos, abordam a história da arte de maneira

diferenciada, complementando-se ou mesmo opondo-se frontalmente. 

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Arte e diretrizes metodológicas 

É comum dizer que vivemos no mundo da imagem, mas, ainda hoje paira

uma certa dúvida acerca da metodologia mais adequada para abordar as

questões relativas às imagens. Os pesquisadores de Arte e da História da arte

apresentam vários modelos, mas nenhum totalmente satisfatório no que se refere

à objetividade de uma análise. Giulio Carlo Argan em seu livro Guia de história da 

arte esclarece que os estudos modernos da história da arte (meados do século

XIX até os dias de hoje) desenvolvem-se segundo algumas diretrizes

metodológicas fundamentais: formalista, sociológica, semiológica ou estruturalista

e, por fim, iconológica3.

O método formalista estuda a formação da obra de arte na consciência do

artista, partindo da teoria da “pura visualidade”, onde as formas têm um conteúdo

significativo próprio, que não é o dos temas históricos e religiosos que de vez em

quando se comunicam. E como a representação dos temas não é puramente

descritiva ou ilustrativa, mas universalizada ou idealizada, é precisamente o valor

universal ou ideal dos sinais que universaliza ou idealiza a figuração. O campo da

arte é, portanto, o da percepção objetiva. No plano da aplicação histórica o seu

maior expoente foi Heinrich Wölfflin.

O método sociológico tem sua origem no pensamento positivista do século

XIX, tendo a primeira história social da arte sido escrita por H. Taine. Sua

3 ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, M. Guia de História da Arte , p. 34 – 41. 

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fundamentação parte do pressuposto de que a obra de arte produz-se no interior

de uma sociedade e de uma situação histórica específica, sendo o artista parte

ativa da estrutura social, e sua obra, como qualquer outro produto, é promovida,

avaliada, utilizada. A historiagrafia marxista, tendo como principais pesquisadores

Antal e, sobretudo Hauser, orientou a pesquisa no campo sociológico para a

busca da relação entre arte e sociedade na própria estrutura da forma e na

organização dos sistemas de representação.

O Método Estruturalista foi posto em movimento a partir do estruturalismo

lingüístico – que se caracteriza pela relação de equivalência entre um significante  

(algo que enuncia o conceito) e um significado  (conceito). Podemos dizer,

aproximando-nos de nosso objeto de estudo que, o significado é uma questão de

conteúdo, assim como o significante é uma questão de forma.

Ex: cadeira – Significado: móvel projetado para se assentar; Significante: a

palavra cadeira, a imagem de uma cadeira (desenho, fotografia, pintura etc), o

objeto cadeira etc.

O objetivo do método é localizar aquilo a que se poderia chamar de a

unidade mínima constitutiva do ato artístico. Para tanto, utilizam-se do conceito

universalizante do signo. Com o estudo do sinal (semiologia) pretende-se

substituir a mutabilidade das interpretações pela decifração rigorosa dos signos.

Uma vez que os sinais são significantes, o problema da arte estaria incluído no da

comunicação, portanto ligado à linguagem.

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Todas as obras possuem estruturas a serem decifradas, que levarão ao

desvelamento de um significado dado.

“Já que a prática é considerada um sistema significante 

estruturado como uma linguagem, toda prática pode ser cientificamente 

estudada” (Júlia Kristeva)

“O que na obra de arte se manifesta como estrutura? Estrutura é,

antes de mais nada, cada obra de arte tomada em particular. Mas para

que uma obra de arte possa ser compreendida como estrutura, tem de

ser entendida – e também criada – em relação a determinadas

convenções artísticas (fórmulas), estabelecidas pela tradição artística,

que estão na consciência dos artistas e dos receptores”. (Jan

Mukarovsky)

Finalmente passo a tratar, de maneira mais detalhada, do desenvolvimento

da corrente metodológica denominada iconológica, cuja gênese e

desenvolvimento vincula-se ao grupo de estudiosos do instituto fundado por Aby

Warburg.

A tradição Warburguiana

Carlo GINSBURG, no seu livro Mitos emblemas e sinais 4 , discorre no

capítulo denominado “De Waburg a Gombrich”, sobre a busca da tradição

4 GINSBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais, p. 41-93.

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Warbuguiana por um método de análise de imagens nas pesquisas iconográficas.

Utilizando como pretexto o aparecimento quase simultâneo dos textos de Aby

Warburg, de uma seleção das conferências de Fritz Saxl e do livro mais recente

de E.H. Gombrich – isto é, dos dois criadores da Biblioteca Warburg em

Hamburgo, posteriormente transferida para Inglaterra e transformada no Instituto

Warburg, e do seu atual diretor – Ginsburg vai tecer comentários sobre os

problemas e os métodos de Aby Warburg e do grupo de estudiosos ligados ao seu

nome no que diz respeito ao uso dos testemunhos figurativos como fontes

históricas. A partir das questões apresentadas nesse capítulo, principalmente

aquelas ligadas ao problema da objetividade na análise de imagens, selecionamos

textos de Roland Barthes e de Lúcia Santaella para tentar resolver ou, pelo

menos, fazer avançar nessas questões (em busca de um método de análise de

imagens), mostrando como outros pensadores tentaram resolver o problema da

objetividade na análise de imagens.

A tradição Warburguiana se construiu em torno do instituto fundado por Aby

Warburg em Hamburgo (depois, em função da perseguição nazista, transferido

para a Universidade de Londres) que inicialmente se preocupou em recolher

documentos relativos à transmissão da imagerie clássica ao mundo moderno, mas

foi, com o passar do tempo, se transformando num centro de pesquisa sobre a

historia das imagens. Warburg, um famoso estudioso da influência da tradição

clássica interessado na função da criação figurativa na vida da civilização

enfatizou, em suas pesquisas, o uso dos testemunhos figurativos como fontes

históricas. Seu grande mérito como pesquisador foi intuir relações entre imagens e

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documentos que não eram evidentes até então, servindo-se das obras de arte (e

também de outros testemunhos figurativos – elementos que dizem respeito à

história da arte) para construir algo mais geral, que poderíamos classificar como

história da cultura. Wind e C. G. Heise dirão que o mérito de Warburg foi propor o

estudo de categorias úteis à estética e à filosofia da história, ou seja, propor uma

terceira via entre os estudiosos que davam prioridade aos dados formais e

aqueles que davam aos dados iconográficos5 (apesar de Guinsburg pensar

diferente).

O trabalho mais significativo de Warburg diz respeito à influência das

formas da Antiguidade no Renascimento e, especificamente, como o renascimento

italiano recuperou o vasto patrimônio de imagens da Antiguidade clássica. Nessas

pesquisas, Warburg identificou que, durante o Quattrocento  florentino, os artistas,

invariavelmente, se esforçavam para representar a vida em movimento e, nessa

busca, procuravam representar o movimento através de fórmulas genuinamente

antigas utilizando a expressão física ou psíquica de maneira intensificada, ao

estilo clássico. A essa “mímica intensificada” chamou de Pathosformeln. Warburg

observou que, apesar de as imagens apresentarem tal característica, assumiam

um significado diferente de tal modo que não se pode certamente dizer que as

Vênus de Botticelli, de Giorgione ou de Cranach sejam imitações ou cópias das

Vênus clássicas. E, talvez o mais importante, para Warburg a adoção das

Pathosformeln  da Antiguidade por parte dos artistas do Renascimento implicava

numa ruptura não só com o modelo artístico vigente (problema da história da arte)

5 WIND, Edgar. A eloqüência dos símbolos, p. 77.

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mas com toda a mentalidade medieval. Ou seja, a adoção dessas Pathosformeln  

seria não apenas uma solução de problemas meramente formais, mas sintoma da 

orientação emocional transformada de toda uma sociedade.

O objetivo da pesquisa de Warburg era duplo: por um lado, considerar as

obras de arte à luz de testemunhos históricos de qualquer tipo e nível, em

condições de esclarecer a gênese e o seu significado; por outro, a própria obra de

arte e as figurações de modo geral deveriam ser interpretadas como uma fonte sui 

generis  para reconstrução histórica. Apesar do objetivo duplo, seus interesses

mais verdadeiros estavam direcionados/concentrados na compreensão de “uma

situação histórica com base em fontes figurativas e documentais”. Warburg

defendia uma história da arte que desembocava na teoria da cultura, recusando

qualquer leitura “impressionista”, estetizante (e também puramente estética) das

obras de arte. Não interessavam a ele questões estéticas sobre uma pintura, mas

quais determinadas relações culturais aquela pintura poderia testemunhar.

O método “warburgiano” buscava a concretude e precisão filológica, recusa

dos pressupostos e generalizações teóricas abstratas, postura interdisciplinar,

ruptura com as separações acadêmicas ou simplesmente ditadas pela tradição.

Apesar de realizado uma boa produção teórica, Warburg não resolveu o problema

do método de análise de imagens porque seu método não tinha caráter

sistemático e era pouco objetivo. Essa incompletude motivou e permitiu outros

pesquisadores a continuarem seus estudos e desenvolver o seu método entre eles

Fritz Saxl, um dos estudiosos do Instituto que seguiu essa trilha de Warburg em

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pensar a análise iconográfica como um instrumento fundamental de reconstrução

histórica geral.

Com a intenção de privilegiar a análise iconográfica, até torná-la um

instrumento de reconstrução histórica geral, Saxl partiu do pressuposto de que as

obras de arte, mesmo a menos importantes, forneceriam uma mina de

informações de primeira mão, interpretáveis sem mediações (este é o ponto),

sobre a mentalidade e a vida efetiva de uma época talvez remota. No seu método,

Saxl também não restringiu as análises às obras de arte, mas considerou como

fontes primárias também aquelas obras de menor importância, como os folhetos e

pamphelets  de propaganda. Dentro da sua metodologia, essa postura se

  justificava já que o que ele procurava numa obra iconográfica não era

necessariamente algo de caráter estético, mas o testemunho de determinadas

relações culturais.

Ginzburg, ao comentar Saxl, critica a maneira como ele passa dos dados

iconográficos para a compreensão histórica geral. Segundo Ginzburg, Saxl não

consegue atingir seus objetivos porque define como seu propósito aproximar-se

de problemas históricos com os instrumentos oferecidos pela história da arte, isto

é, utilizando como fontes gravuras e pinturas - independente da sua qualidade

artística. Entretanto, o que acaba definindo as suas análises são comentários de

fontes secundárias – textos escritos.

Para Ginsburg, o fim dessas análises de Saxl é evidente: sair dos limites

estreitos de uma “leitura” puramente formalista e considerar a obra de arte singular

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como uma reação complexa e ativa (sui generis , bem entendido) aos

acontecimentos da história circundante. Entretanto o método de Saxl (utilização de

imagens como fontes primárias) é arbitrário, e legitimado apenas pela presença,

ou não, de outros tipos de documentos, introduzidos sub-repticiamente. Saxl

acaba se desviando para uma leitura “fisiognomônica” (leitura das expressões

faciais e corporais das figuras) dos documentos figurados e lê o que o historiador

 já sabe, ou crê saber, por outras vias, caindo numa circularidade de interpretação.

Tentando fugir dessa circularidade, Panofsky, outro pesquisador

vinculado ao Instituto Waburg, admite a impossibilidade, em muitos casos, de uma

pesquisa puramente iconográfica conseguir uma reconstrução histórica geral –

pois, mesmo na descrição mais elementar de uma pintura, unem-se

inextricavelmente os dados de conteúdo e os dados formais. Panofsky, juntamente

com Saxl, deu um caráter cientifico às análises de Warburg e sistematizou o

método iconológico. Após admitir a impossibilidade de uma descrição “puramente

formal”, Panofsky tenta driblar a ambigüidade inerente a qualquer figuração

criando o nível iconológico de análise, a “camada da essência”. Este nível mais

profundo de pesquisa “revela a maneira pela qual, sob condições históricas

variantes, as tendências essenciais da mente humana foram expressas através de

temas e conceitos específicos. Segundo seu método iconológico, as pesquisas

deveriam se concentrar na análise de três camadas da imagem: a pré-iconográfica

- que remete a meras experiências sensíveis, a camada iconográfica - que remete

a determinados conhecimentos literários e uma terceira camada, a mais

importante, a camada “iconológica” onde se localizaria a involuntária e

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inconsciente auto-revelação de uma atitude de fundo em relação ao mundo , que é

característica, em igual medida, do criador enquanto indivíduo, de cada época, de

cada povo, de cada comunidade cultural.

No seu livro Significado nas artes visuais 6 Panofsky define distingue

iconografia de iconologia. Iconografia tem seu sufixo vindo do verbo grego

graphein , “escrever”. Assim sendo, implica um método de proceder puramente

descritivo, ou até mesmo estatístico. A iconografia é, portanto, a descrição e

classificação das imagens. É um estudo que nos informa, por exemplo, quando e

onde temas específicos foram visualizados por quais motivos específicos. Diz-no

quando e onde o Cristo crucificado usava uma tanga ou uma veste comprida;

quando e onde ele foi pregado à Cruz, e com quantos cravos; como vício e virtude

foram representados nos diferentes séculos e ambientes. Ao fazer este trabalho, a

iconografia torna-se um instrumento fundamental para o estabelecimentos de

datas, origens, e ás vezes, autenticidade, além de fornecer as bases necessárias

para interpretações posteriores.

Tais interpretações posteriores, para Panofsky fica a cargo da iconologia.

Se o sufixo “grafia” denota algo descritivo, o sufixo “logia” – derivado de logos,

quer dizer “pensamento” – denota algo interpretativo. Assim, iconologia é,

portanto, um método de interpretação, advindo da síntese mais do que da análise.

A análise iconológica, segundo Panofsky, é constituída de três etapas, a

saber:

6 PANOFSKY. Erwin. Significado nas artes visuais. p. 47 – 87.

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1 – Primeiro momento, denominado pré-iconográfico ou fenomenológico,

que tem como função a identificação e enumeração das formas puras

reconhecidas como portadoras de significados, ou seja, o mundo dos motivos

artísticos. Segundo Wölfflin, análise formal é uma análise de motivos e

combinações de motivos (composições).

2 – Segundo momento, chamado de iconográfico, diz respeito ao estatuto,

ou seja ao domínio daquilo que identificamos como imagens, estórias e alegorias.

Ex: uma figura com uma faca representa São Bartolomeu, um grupo de figuras

sentadas a uma mesa de jantar numa certa disposição e pose, representa a

Última Ceia.

3 – Terceiro momento, identificado, como “camada da essência”, ou

“significado intrínseco ou conteúdo”, é dado pela determinação dos princípios

subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe

social, crença religiosa ou filosófica – qualificados por uma personalidade e

condensados numa obra. O pesquisador, para tanto, deverá investigar outros

documentos que testemunhem as tendências políticas, poéticas, religiosas,

filosóficas e sociais da personalidade, período ou país sob investigação.

Ao conceber assim as formas puras, os motivos, imagens, estórias e

alegorias, como manifestações de princípios básicos e gerais, Panofsky propões

a interpretação de todos esses elementos como sendo o que Ernst Cassirer

chamou de valores “simbólicos”. A descoberta e interpretação desses valores

simbólicos é objeto da iconologia.

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Porém, em qualquer camada que nos movamos, nossas identificações e

interpretações dependerão de nosso equipamento subjetivo e por essa mesma

razão terão de ser suplementados e corrigidos por uma compreensão dos

processos históricos cuja soma total pode denominar-se tradição. 

O problema que esse método de análise apresenta é a natureza “subjetiva

e irracional” da abordagem necessária ao iconólogo para penetrar na última

camada do sentido “essencial”. Sabendo dos perigos desse apelo à intuição

Panofsky postulou um controle sobre ela a partir de “documentos que iluminam as

tendências políticas, poéticas, religiosas, filosóficas e sociais da personalidade do

período, do país em estudo” (dados de conteúdo). Mesmo assim, temos que

considerar que a dificuldade em usar os testemunhos figurados como fontes

históricas a partir da análise do estilo não foi resolvida por Panofsky. Se, por um

lado, essa forma de análise permite, pelo menos em princípio, fugir ao risco de ler

nos testemunhos figurativos aquilo que se apreendeu por outras vias, por outro, a

irracionalidade da abordagem do iconólogo recoloca o risco da “circularidade” dos

argumentos.

A princípio, Gombrich apresentou uma postura profundamente crítica em

relação aos pressupostos teóricos e à metodologia utilizada por Warburg e seus

seguidores. Sobre Warburg, Gombrich afirmou que sua obra não tinha caráter

sistemático porque que ele unira diferentes âmbitos científicos (história do estilo,

sociologia, história das religiões e da literatura) para resolver problemas

particulares e delimitados. A crítica que Gombrich faz a Panofsky e Saxl é

centrada na maneira leviana como esses teóricos realizaram suas a interpretações

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“fisiognomônicas”. Apesar de Gombrich se recusar a aceitar a concepção do estilo

artístico predominante num período histórico como expressão de uma

“personalidade coletiva hipostasiada” (uma espécie de “superobra de arte”

executada por um “superartista”). Entretanto, Gombrich não deixou de observar

que existiu um “clima mental, uma atitude que permeava sociedades e períodos

históricos”, cuja arte e artistas reagiam à transformação dos “valores

predominantes”, mas alertou para o perigo das pesquisas dos nexos entre as

obras de arte e a situação histórica em que elas nascem corre um grande risco de

cair em “explicações” muito fáceis e genéricas.

Inicialmente, como alternativa ao que havia sido proposto por Warburg e

seus seguidores, Gombrich propôs o estudo sério dos dados iconográficos como

alternativa para fugir à circularidade das interpretações. Segundo ele,

diferentemente dos fatos estilísticos (que ofereceriam o risco de conexões

levianas entre situação histórica e fenômenos artísticos), os dados iconográficos

constituiriam um elemento de mediação mais exato entre um determinado

ambiente cultural, religioso e político, e a obra de arte. Para ele, a obra de arte

não deveria ser considerada “sintoma” nem “expressão” da personalidade do

artista, mas vinculada a uma mensagem particular, a qual pode ser entendida pelo

espectador na medida em que este conhece as alternativas possíveis, o contexto

lingüístico em que se situa a mensagem. Nesse método mais rigoroso proposto

por Gombrich, para que a interpretação iconográfica seja verdadeiramente

aceitável, é muito importante o grau de coerência interna da análise e a

correspondência entre textos e imagens. O problema com esse método é que o

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único critério de julgamento é dado pela plausibilidade e coerência da

interpretação proposta. Como é fácil notar, esse método oferece os mesmos

problemas dos anteriores: há o risco de invocar em defesa de sua própria

interpretação textos e glosas ignorados ou ausentes ao elaborador do “programa”

e, como conseqüência, se chegar a uma interpretação arbitrária mesmo que

aparentemente coerente, das pinturas em questão.

Em seu livro Arte e ilusão: estudos sobre a psicologia da representação ,7 

Gombrich, procurou avançar o pensamento sobre análises iconográficas através

do conceito de “esquema” (schemmata  – figuras 05, 06, 07, 08). Segundo ele, o

artista não poderia copiar a realidade assim como ela é ou como a vê já que a

informação que nos chega do mundo visível é tão complexa que nenhuma

figuração pode vertê-la integralmente. Isso não se deveria à subjetividade da

visão, mas à riqueza da realidade. A representação da realidade seria então,

incompleta e impossível sem a intervenção de um “esquema” – um esquema

provisório, talvez rudimentar e casual, sucessivamente modificado (ligado à

cultura). Os artistas, ao representarem a realidade, acabariam por responder a

questões similares em cada tempo histórico e os estilos difeririam na seqüência

das suas articulações e o número de perguntas que permitem que os artista

coloque. Não se trata da documentação de uma experiência visual, mas da fiel

construção de um modelo relacional variante historicamente de acordo com os

métodos e idéias disponíveis. Em sua concepção teórica, Gombrich acredita que

os pintores nunca tiveram a “ótica natural” de um “olho inocente”. Ao contrário,

7 GOMBRICH, E.H. Arte e ilusão.

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como mostra a historia da pintura, sua visão do mundo sempre foi determinada e

mediada por aquilo que Gombrich define como schemmata , ou, como diriam os

semioticistas, códigos da percepção e da representação. Esse “esquema seria

constantemente corrigido e modificado pelos artistas. Para Gombrich, as

transformações estilísticas ocorreriam no momento em que o artista confrontasse

seu esquema com a natureza, conseguindo assim romper a cadeia do estilo

tradicional para alcançar uma “verdade representativa” maior ou diferente.

A partir dessas idéias, é evidente que a leitura de uma imagem nunca seria

óbvia, na medida em que o observador se depara sempre com uma mensagem

ambígua – a ambigüidade justamente porque não se tem contado direto com o

real. O pesquisador é forçado a escolher entre várias, a interpretação correta,

mas, se em cada representação intervém um esquema, é possível falar de

representações mais ou menos corretas. E, dessa forma, a objetividade fica

garantida. Para isso, é necessário o conhecimento da tradição das obras de arte,

o conhecimento de qual estilo de representação predominava no momento

histórico em que aquela imagem foi concebida. Segundo Gombrich, para o

analista ler o mundo visível em termos de arte, devem ser mobilizadas suas

lembranças e experiências de quadros vistos e testar o motivo projetando, por

tentativas, lembranças e experiências, dentro de um quadro delimitado. Com esse

método de análise Gombrich consegue restabelecer a objetividade nas análises

iconográficas.

Partindo de uma recusa das interpretações “expressionistas” da história da

arte, que estabelecem conexões imediatas (“fisiognomônicas”) entre obras de arte

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e situações históricas psicológicas, Gombrich propôs que o real seria apreendido

conforme um esquema e que esse esquema variaria de acordo com o momento

histórico. Esse esquema é possível de ser apreendido pela análise das obras de

arte. Ao sustentar essas idéias, Gombrich passa a negar uma relação direta do

mundo das representações com o real). Com essa proposição Gombrich defendia

que a representação pictórica da realidade se torna possível pela existência de

outras obras de arte, conseqüentemente, colocando como tarefa exclusiva da

história da arte a reconstrução dos vínculos e relações de dependência ou

contraposição que unem entre si cada uma das obras de arte. Todos os quadros

devem mais a outros quadros do que à observação direta. Mais uma vez, parece

claro que, para Gombrich, afirmar que a arte tem uma história significa ressaltar

que as várias manifestações artísticas não são expressões sem relações entre si,

mas anéis de uma tradição.

A partir dessas idéias, Gombrich propõe que o artista pode copiar a

realidade referindo-se unicamente a outros quadros. Com essa postura, ele

acabou por acentuar ao extremo a importância da tradição na história da arte,

mostrando que a representação pictórica da realidade se torna possível pela

existência de outras obras de arte, conseqüentemente, colocando como tarefa

exclusiva da história da arte a reconstrução dos vínculos e relações de

dependência ou contraposição que unem entre si cada uma das obras de arte. À

respeito desse método, Ginzburg traz a observação crítica de Arnheim que

considera que o destaque à importância da tradição acaba por retirar a Gombrich

a possibilidade de explicar o porque da arte tem uma história. Arnheim considera

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que a historia da arte está subordinada a uma historia geral e propõe que a

“história da arte é precisamente a das mudanças dessas concepções de mundo”.

O problema que essa visão da historia da arte, segundo Ginzburg, é que acaba

por se dissolver numa genérica e nebulosa “história das concepções de mundo”,

perdendo de vista o objeto específico da história da arte (as pinturas, as estátuas,

os edifícios). Assim, segundo Ginzburg,apesar de criticar essa visão limitada de

Gombrich, Arnheim não consegue avançar na sua crítica. O problema da

modificação do estilo permaneceu em aberto

Tentando solucionar o problema metodológico da “explicação” histórica (da

objetividade) das imagens Gombrich abandona o terreno da psicologia e introduz

um novo conceito: o conceito de “função”. Segundo essa abordagem, o que

explicaria

as transformações de estilo ao longo do tempo seriam as funções

desenvolvidas pela arte numa sociedade num determinado momento histórico.

Como exemplo, ele explica/lembra que a passagem decisiva para a história da

arte ilusionista (naturalista), da arte egípcia à arte grega, (transformação decisiva

que ocorreu no estilo) ocorre porque no Egito a arte era uma arte funerária cuja

função era representar situações típicas religiosas subtraídas ao fluxo temporal

(figura 09). Na Grécia, o surgimento de uma liberdade alhures desconhecida na

narrativa dos mitos e a possibilidade por parte do artista, de voltar a atenção

aspectos transitórios da realidade provocou uma espécie de reação em cadeia

que levou os escultores a representar o corpo humano de um modo novo, não

pictográfico ou esquemático (figura 10) - essas representações voltaram à cena do

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renascimento, com outros significados. Portanto, as grandes mudanças do gosto

explicam-se para Gombrich, pela mudança das “exigências”, que por outro lado

nunca aparecem por apenas motivos meramente estéticos.

Outro exemplo que não está no texto de Ginzburg, mas que pode ser citado

para elucidar a questão é o caso do Faraó Akhenaton (1353 a 1336 a.C.) 8. Em

1353 a.C. Akenaton deu as costas aos velhos Deuses do Egito, inclusive para

Amon (soberano de Tebas por centenas de anos), e elegeu Aton (deus sol) como

único Deus. O faraó e sua esposa, Nefertiti, comandaram uma revolução religiosa

que demoliu muitos séculos de tradição e que repercutiu no campo artístico.

Akhenaton rompeu com mais de mil anos de uma tradição artística e determinou

que as artes expressassem essa mudança religiosa e assim, ordenou a seus

artistas que, em vez das clássicas representações estáticas de faraós fisicamente

perfeitos matando os inimigos ou fazendo oferendas aos deuses, os artistas

retratassem o mundo “como ele realmente era”. Pela primeira vez, os artistas

retrataram o faraó em situações familiares, com Nefertiti (sua esposa) e os filhos.

Os artistas também representaram cenas da natureza – o trigal ao vento,

agricultores arando a terra, pássaros em vôo. Com essa postura, o Faraó

Akhenaton liberou um furor criativo que deu origem a uma era que talvez tenha

sido a mais requintada da arte egípcia. “Ele adotou uma concepção nova e

inusitada”, explica Robert Vergniex, da Universidade de Bordeaux, na França.

“Como o deus dos egípcios era a luz do sol, eles não precisavam de estátuas em

santuários internos e escuros. Essa revolução no campo religioso atingiu também

8  National geographic – Brasil – abril – 2001 – Faraós do sol. p. 27-30

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a arquitetura. Raios do Sol eram a manifestação física de Aton (venerava apenas

esse Deus). O deus do sol dos egípcios passou a ser a luz do sol. Assim,

construíram tempos sem teto e realizavam seus rituais sob o sol”. Essa mudança

refletiu também na arquitetura. Para construir grandes edifícios cm rapidez, os

engenheiros de Akhenaton recorreram a uma nova técnica de construção. Como

os tempos de Aton não tinham teto, suas paredes não precisavam ser tão

resistentes. Por isso, em vez de transportar gigantescos blocos de pedra, os

trabalhadores das pedreiras cortavam blocos que pudessem ser carregados por

uma única pessoa.

O conceito de “função” leva Gombrich a romper o círculo mágico das

pinturas que se parecem com outras pinturas, ou que procuram resolver

problemas formais postos por outras pinturas: a forma de uma representação não

pode ser separada do seu fim e das exigências da sociedade onde aquela

determinada linguagem visual é válida. Outra noção crucial nesse livro é a noção

de mental set  (enfoque mental). Esse conceito provém da concepção da arte

como “mensagem”, como “comunicação” e ajuda a formular o pensamento de que

  junto ao aparecimento das exigências de mudança da “função” da arte surgem

também mudanças na postura por parte do espectador. Segundo esse

pensamento, cada cultura e cada comunicação fundam-se no jogo recíproco de

expectativa e observação e a experiência da arte não se subtrai a essa regra

geral. Gombrich comparou a comunicação artística ao telégrafo sem fio. No pólo

transmissor temos as “exigências” feitas pela sociedade onde aquela determinada

linguagem visual é válida; no pólo receptor, temos o mental set , isto é, as atitudes

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e expectativas que influenciaram as nossas percepções e vão nos dispor a ver ou

ouvir uma coisa em vez de outra. Assim, um estilo, tanto quanto uma cultura ou

uma mentalidade difundida, determina um certo horizonte de experiência, uma

postura mental (mental set ) que registra todos os desvios e modificações com

sensibilidade mais aguda.

Ao criticar Warburg e seus seguidores e sugerir caminhos para uma análise

objetiva da imagem, Gombrich acaba por enriquecer os estudos iconográficos. A

principal crítica que se faz a Gombrich é que seu reduzido interesse pela relação

entre os vários aspectos da realidade histórica e os fenômenos artísticos

empobreceu suas análises. Entretanto, se Gombrich não conseguiu chegar a um

método definitivo, sua contribuição para o estudo foi importante para a tradição

Wargburguiana porque demonstrou que uma análise de imagem é um processo

complexo, que não pode ser resolvido apenas com psicologia ou localizando os

empréstimos realizados entre os vários pintores ou escolas pictóricas, mas devem

ser analisados dados históricos, tradição artística, forma do pensamento da

sociedade.

Outras leituras 

Roland Barthes não é um Wargburguiano (poderia ser denominado um pós-

estruturalista), mas é fundamental sua contribuição ao desenvolvimento de uma

metodologia para análise de imagens, principalmente porque ofereceu meios de

se pensar objetivamente a terceira camada do método iconológico, conceito

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desenvolvido por Panofsky e vinculado à intuição. No seu último livro, O óbvio e o 

obtuso 9 , ao realizar a sua famosa análise das massas Panzani, Barthes além de

apontar para a possibilidade da análise objetiva de uma imagem, admite que a

análise de imagens está vinculada ao texto (algo já pensado por Panofsky) e, a

partir daí, discorre sobre as possíveis relações entre imagem e texto. A partir

dessa imagem publicitária, ele distingue três mensagens diferentes para qualquer

imagem: a lingüística, a icônica codificada ou cultural (simbólica) e a icônica não

codificada ou literal (suporte da mensagem cultural).

A mensagem literal, segundo Barthes, seria um suposto estado adâmico10 

da imagem, onde, utopicamente liberada de suas conotações, a imagem tornar-

se-ia radicalmente objetiva, isto é, inocente. Os significados dessa mensagem

seriam formados pelos objetos reais da cena e os significantes por esses mesmos

objetos fotografados. O que é especifico nessa mensagem é, na realidade, que a

relação do significado e do significante é quase tautológica. Em outras palavras, o

signo dessa mensagem não proveria de uma reserva institucional, não seria

codificado, e tratar-se-ia de um paradoxo de uma mensagem sem código. Apesar

dessa camada ser baseada na crença de que se forem retirados todos esses

“signos”/argumentos da imagem, restará ainda, um certo material informativo;

privado de todo saber, Barthes admite que para “ler” este último (ou este primeiro)

nível da imagem, não necessitamos apenas o saber que esta ligado à nossa

percepção, mas também um saber cultural do que é uma imagem (as crianças só

aprendem por volta dos quatro anos) e o que são um tomate, uma sacola de

9 BARTHES, Roland. Obvio e Obtuso. p. 27-4310 Adâmico: primitivo; relativo a adão, o primeiro homem segundo a Bíblia.

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compras, um pacote de massas: trata-se, no entanto, de um saber quase

antropológico. Por isso, ele ressalta que a distinção entre mensagem literal e a

mensagem icônica codificada (ou simbólica) é operatória; nunca se encontra uma

mensagem literal em estado puro.

A mensagem icônica codificada é conotada11 e está como que gravada

sobre a mensagem literal, utilizando os signos da mensagem literal para deles

fazer os seus significantes. Nessa imagem existiriam, pelo menos, quatro “signos”

descontínuos que constituiriam uma “retórica” da imagem (que chamaremos de

argumentos por acharmos mais adequado - o que Barthes chama de signo é, para

nós, um conjunto de signos dispostos de uma maneira pré-determinada visando a

constituir, na cena apresentada, uma retórica). O primeiro argumento (primeiro

“signo”) quer indicar a idéia de volta do mercado. Esta significação contém dois

valores positivos: o bom estado, a “frescura” dos produtos e a refeição puramente

caseira a que se destinam. Seu significante é a sacola entreaberta, o que faz com

que os produtos, sem embalagem, espalhem-se sobre a mesa. Para ler este

primeiro argumento (“signo”) bastará um saber de certa forma implantado nos

usos de uma civilização muito ampla, em que “fazer suas próprias compras no

mercado” opõe-se a uma forma mais prática e independente de abastecimento

(conservas, congelados), característica de uma civilização mais “mecanizada”. O

segundo argumento é quase tão evidente quanto o primeiro. Seu significante é o

conjunto formado pelo tomate e pelo pimentão e a correspondente combinação

tricolor (amarelo, verde, vermelho) do cartaz; seu significado é a Itália, ou antes, a

11 Um sistema que adota signos de outro sistema para fazer deles seus significantes é um sistema deconotação.

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italianidade (este signo está em relação de redundância com o signo conotado da

mensagem lingüística - a assonância italiana no nome Panzani ). O saber

mobilizado por esse argumento já é mais especifico: é um saber tipicamente

“francês” (os italianos não perceberiam a conotação do nome próprio, tampouco a

italianidade do tomate e do pimentão), baseado no conhecimento de certos

estereótipos turísticos. O terceiro e quarto argumentos que o conjunto dos signos

pretende têm a ver com uma idéia geral de todos os signos. A presença compacta

de objetos diferentes transmite a idéia de um serviço culinário completo, como se,

por um lado Panzani fornecesse todos os ingredientes necessários a um prato

variado, e, por outro lado, o molho de tomate concentrado da lata igualasse em

qualidade e frescura os produtos naturais que o cercam, a cena estabelecendo, de

certa maneira, a ligação entre a origem dos produtos e seu estagio final. No

quarto argumento a composição evoca a lembrança de tantas representações de

alimentos, remete a um significado estético: é a “natureza-morta”, ou, como é

melhor dito em outras línguas, o still living ; aqui o saber necessário é

essencialmente cultural.Além das duas mensagens analisadas, não deve ser

esquecida a mensagem lingüística. A mensagem lingüística é formada por signos

que exigem um saber cultural conotativo ou denotativo e tem como suporte o texto

escrito, seja em forma de legenda, etiquetas ou títulos inseridas na cena. A

mensagem lingüística pode ter dupla função: denotação e conotação. No caso da

imagem em análise, o signo Panzani  não se limita a informar o nome da firma,

como também, por sua assonância, tem um significado suplementar que é a

“italianidade ”. 

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Os “signos”/argumentos da mensagem icônica codificada e da mensagem

lingüística são extraídos de um código cultural e formam um sistema, em que as

possibilidades de leitura de uma mesma lexia é variável segundo os indivíduos. 

Apesar dos conotadores não preencherem toda a lexia e, assim, haver espaço

para a subjetividade, a diversidade das leituras não é, anárquica porque a leitura

de uma imagem depende do domínio comum dos significados de conotação

(ideologia) que, segundo Barthes teria que ser absolutamente única para uma

sociedade e uma história dadas, quaisquer que sejam os significantes de

conotação a que recorra. Barthes irá chamar a esses significantes conotadores e,

ao conjunto dos conotadores de retórica  da imagem Dentro do que seria uma

retórica em que a imagem e o texto estariam juntos e o estudo de suas relações é

fundamental para entender o argumento. Barthes12 dirá ainda que a mensagem

lingüística e a mensagem icônica se relacionam de duas formas: fixação 

(ancoragem) e relais 13 .

Segundo ele, retomando a idéia desenvolvida por Gombrich de que a

realidade é complexa demais para ser representada inteiramente, toda imagem é

polissêmica e pressupõe, subjacente a seus significantes, uma “cadeia flutuante”

de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros. Essa polissemia

pode levar a uma arbitrariedade dos sentidos. Uma das funções da mensagem

lingüística é a de fixar a cadeia flutuante de significados apresentando uma

descrição denotada da imagem. A fixação de sentidos de uma imagem gráfica por

12 Idem. p. 3213 As duas funções da mensagem lingüística podem coexistir em um mesmo conjunto icônico, mas opredomínio de uma delas certamente não é indiferente à economia geral da obra; quando a palavra tem umvalor diegético de relais, a informação é mais difícil.

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uma mensagem lingüística é mais freqüentemente encontrada na fotografia

 jornalística e na publicidade. Nesses casos, a função denominativa corresponde a

uma fixação de todos os sentidos possíveis (denotados) no objeto, através da

nomenclatura, adaptando não apenas o olhar do leitor como sua intelecção.

Nesses casos, a combinação dessas duas linguagens visa direcionar a

interpretação, se constituindo numa espécie de barreira eu impede a proliferação

dos sentidos conotados (seja para regiões demasiadamente individuais, seja na

direção de valores indesejados (negativos, disfóricos). Em todos esses casos de

fixação, a combinação de linguagens tem, uma função elucidativa, mas esta

elucidação é seletiva; trata-se de uma metalinguagem aplicada não à totalidade da

mensagem icônica, mas unicamente a alguns de seus signos. Essa combinação

tem como objetivo conduzir o leitor por entre os vários significados (da imagem, ou

do texto) fazendo com que se desvie de alguns e assimile outros. Como relais , a

palavra e a imagem têm uma relação de complementaridade. Assim, as palavras

seriam fragmentos de um sintagma mais geral e a unidade da mensagem é feita

no nível da diegese.

Como vimos, a iconografia e a iconologia tentam ler objetivamente a

imagem, mas não podemos afirmar que alcançaram um sucesso

definitivo/satisfatório. Em Barthes, chegamos mais próximos de uma análise

objetiva, principalmente por se tratar de uma imagem publicitária, portanto com

uma intenção clara e definida e pensamos melhor a relação entre texto e imagem.

Em busca de alternativas para legitimar essa objetividade, abordo a produção

semiótica de Lúcia Santaella, que vem produzindo uma série de estudos sobre a

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imagem a partir da semiótica de Peirce que se aproximam da iconografia por

estudar o “significado das obras de arte enquanto oposto à sua forma”, e também

da iconologia de Panofsky pelo interesse na dimensão semântica da arte, isso

tudo, sem abrir mão do aspecto formal (incluindo a história da arte) na análise do

objeto.

Podemos observar o seu método no seu livro Semiótica aplicada , Santaella,

apresenta uma análise do quadro Interior vermelho , natureza morta sobre mesa

azul, da série interiores vermelhos  de Matisse. Nessa análise, através de uma

análise complexa que legitima uma objetividade pretendida e buscada mesclando

teoria iconológica e iconografia ela procura discernir o modo como esta pintura

particularmente representa o que professa representar e, em função disso, quais

efeitos está habilitada a produzir em possíveis interpretes. (ou seja, a semiótica

busca “descortinar os mecanismos da significação” e do processo de

significação”).

Segundo a metodologia proposta por essa autora, os processos

comunicativos incluem pelo menos três faces: a significação ou representação

(contemplar), a referência (discriminar) e a interpretação (generalizar) das

mensagens. Na análise do quadro já citado de Matisse podemos perceber melhor

como se aplica essa teoria.

Na face da significação, a análise semiótica nos permite explorar o interior

das mensagens em seus três aspectos. o primeiro deles diz respeito às qualidade

e sensorialidade de suas propriedades internas, como, por exemplo, na linguagem

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visual, as cores, linhas formas, volumes, movimento, luz etc. No caso da pintura

de Matisse, o que temos diante de nós é, antes de tudo, a exuberância da cor,

chapada e pura: vermelho em contraste vibrante com o amarelo, complementados

pelo azul e verde, além de fundos brancos aqui e ali, iluminando o conjunto.

Linhas negras sobre o vermelho rebatem nas linhas vermelhas sobre o amarelo. A

gestualidade nos traços e pinceladas salta à vista. Linhas retas contrastam com

linhas curvas e com traços diagonais negros em ziguezague, elemento mais

marcante na pintura depois das cores dominantes. A continuidade do fundo

vermelho e das linhas diagonais em ziguezague tomam conta de todos os planos,

penetrando, inclusive, dentro do retângulo dominado pelo verde. Esses

ziguezagues, que tudo atravessam, criam uma atmosfera de flutuação. Os campos

de referência do olhar hesitam e se misturam entre os planos pictóricos em

superfície chapada. Esses são os quali-signos. Evidentemente que os quali-signos

ao serem descritos em linguagem verbal, perdem o sabor da mera apreensão

sensória que é mais coetânea com o universo das qualidades visuais. Neste nível

da análise, ainda não fazemos referência a quaisquer figuras ou àquilo que elas

podem indicar, pois isso é uma função do índice.

O segundo aspecto da análise diz respeito à mensagem na sua

particularidade, no seu aqui e agora num determinado contexto. No que esse

quadro difere dos outros quadros, inclusive dos quadros aos quais está ligado por

motivo de classificação. Tem-se aqui a realidade do quadro como quadro. É

importante sabermos que a obra Interior vermelho , natureza morta sobre mesa

azul, óleo sem tela, tem a dimensão de 116x89 cm. Foi pintada em 1947; pertence

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à série Interiores vermelhos  de Matisse e se enquadra no movimento fauvista.

Importantíssimo nesse momento é nos darmos conta de que não estamos, de fato,

diante de um quadro. Essa é a realidade existencial do que se apresenta diante de

nós. Esse aspecto é muito importante para quem estuda arte, porque um sin-signo

quadro apresenta quali-signos que são diferentes dos quali-signos de um sin-signo

reprodução. Quando o suporte se modifica, mesmo em se tratando de uma

reprodução, os quali-signos necessariamente também se modificam. Isto posto, se

estivéssemos diante do próprio quadro, o sin-signo seria sua realidade particular

de um quadro singular, com uma dimensão de 116x89 cm, devendo-se levar em

consideração também o lugar que ocupa, seu ambiente de inserção, enfim, seu

contexto existencial: as paredes de um museu, de uma habitação etc.

O terceiro aspecto se refere àquilo que a mensagem tem de geral,

convencional, cultural. Neste caso, esse sin-signo particular pertence à classe de

pinturas a óleo. Enquadra-se ainda na classe das pinturas modernas e, no interior

dessa classe, no gênero fauvista. Além disso, enquadra-se na tradição das

naturezas-mortas e em um certo padrão de pinturas retangulares, verticais. Sob

esses aspectos, esse quadro particular é um sin-signo de tipo especial, quer dizer,

é uma réplica que se conformam a uma serie de legi-signos. O quadro, portanto,

pode ser lido como um exemplar das leis que nele se corporificam.

Na face da referência, a análise semiótica nos permite compreender aquilo

que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou aplicam. Também nesta

face, encontramos três aspectos: o primeiro aspecto deriva do poder sugestivo,

tanto sensorial quanto metafórico das mensagens; o segundo aspecto deriva do

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poder denotativo das mensagens, sua capacidade para indicar algo que está fora

delas; o terceiro aspecto deriva da capacidade das mensagens para representar

idéias abstratas e convencionais culturalmente compartilhadas.

Nessa análise, o primeiro nível, conhecido como icônico, a análise

apresentada fica um pouco confusa e é difícil distinguir claramente entre o

primeiro e o segundo nível. Nós tomamos a liberdade de, a partir da teoria descrita

tentar uma divisão que tornasse a análise mais clara. Como o primeiro aspecto é o

de sugestão, nesse nível o analista deve localizar quais as qualidades abstratas

que as qualidades físicas, já analisadas no primeiro nível da face da significação,

sugerem. Assim, a profusão de quali-signos acima mencionada, os traços, a

linhas, os contrastes entre as cores tem uma capacidade de sugerir idéias como

força, calor, movimento e tensão.

No outro nível, conhecido como indicial, devemos nos perguntar que

medida ela ainda é capaz de indicar objetos que estão fora dela e que ela

retrata?A profusão de quali-signos acima mencionada, em si mesma, não seria

capaz de representar nada fora dela se os traços, a linhas, os contrastes entre as

cores não sugerissem, como é o caso nessa pintura, algumas figuras que

poderiam existir e serem percebidas fora da pintura: mesa, vaso, maçãs, quadro,

porta, jardim, chão parede. É certo que as sugestões nada têm de realistas. São

vagas, reduzidas ao traçado mínimo necessário para terem algum poder de

referência, isto é, para funcionarem como imagens, no sentido peirceano, signos

que representam seus objetos por apresentarem semelhanças de qualidades com

eles. Entretanto, as imagens aqui são bastante ambíguas na sua referencialidade.

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A porta poderia ser uma janela. Só não o é devido ao recurso sutil da continuidade

do chão que a atravessa na direção de fora. Mas esse chão só se define como tal

em oposição à parede que, por sua vez, se define como parede devido a um outro

recurso ainda mais sutil, o de um círculo amarelo no alto à esquerda que bem

pode ser um quadro ou algo similar. Sobre a mesa repousam o que pode ser uma

bandeja, toalha ou uma fruteira, impossível de decidir. Uma vez que o poder

representativo fica no nível da sugestão, a pintura acaba por chamar a atenção

para ela mesma como pintura, para aquilo que faz dela uma pintura: cores, traços,

linhas, contrastes, texturas etc. Isto é, chama a atenção para as suas qualidades

internas, para o seu lado puramente icônico, pois tudo o que diz respeito ao poder

de referencialidade das imagens, o reconhecimento e identificação daquilo que ela

se refere já desliza para o seu lado indicial. No nível interno, o chão que continua

através da porta indicia que se trata de uma porta. O quadro ou algo similar,

situado no alto do canto esquerdo, indicia que se trata de uma parede. O vaso

sobre a mesa indicia que se tem aí uma mesa. Sem o vaso, afigura da mesa

ficaria ainda mais ambígua. A porta indicia uma divisão entre o interior e o exterior

no qual se situa um jardim. Enfim, como ocorre na música, a composição, neste

caso visual, se organiza em função de um processo de indexicalidade interna dos

seus elementos. Ainda como indexicalidade interna tem-se a relação da pintura

com seu título. Este funciona como um índice de que o quadro pertence a uma

série realizada pelo pintor, a dos interiores vermelhos.

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O terceiro nível ou nível simbólico está relacionado principalmente com os

elementos culturais, às convenções de época que a cultura incorpora14. Dizem

respeito, em primeiro lugar, aos padrões pictóricos que são aí utilizados, no caso,

padrões da arte moderna, evidentemente com a marca sui-generis  de Matisse.

Aquilo que se repete regularmente em todos os quadros de Matisse, e que torna

possível reconhecer que se trata de uma pintura dele (estilo), também acaba por

simbolizar Matisse, ou seja, o pintor erigido como um dos símbolos da arte

moderna, um de seus maiores expoentes. Importa saber que Henri Matisse (1869-

1954), considerado um dos mais importantes pintores franceses do século 20, foi

um dos lideres do movimento fauvista. Foi eleito membro da Associação Nacional

de Belas Artes em 1896. Era um antagonista do pontilhismo e evitou seguir a

escola dominante do seu tempo, o cubismo, mantendo-se fiel ao estilo fauvista, no

sentido de cores dramaticamente expressivas, como é o caso dos seus interiores

vermelhos

Desse modo, os aspectos simbólicos soam mais propriamente

examinados no momento da análise do interpretante dinâmico, quando a autora

desta análise assume explicitamente o papel que vem desempenhando desde o

inicio da análise, quer dizer, o papel de interpretante dinâmico do processo de

signo que vem sendo examinado.

Na face da interpretação, a análise semiótica nos habilita a examinar os

efeitos que as mensagens podem despertar no receptor. Esses efeitos são de três

14 Entretanto, é preciso lembrar aqui que os elementos culturais e as convenções só funcionamsimbolicamente para um interpretante. Dependendo do tipo de interprete, dependendo especialmente dorepertório cultural que o intérprete internalizou, alguns significados simbólicos se atualizarão, outros não.

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tipos: emocionais, quando o receptor é tomado por um sentimento mais ou menos

definido; os efeitos reativos, quando receptor é levado a agir em função da

mensagem recebida;os terceiros são mentais, quando a mensagem leva o

receptor a refletir.

O primeiro nível do interpretante é o imediato, a saber: todos os efeitos que

o signo está apto a produzir no momento em que encontrar um intérprete. Que

potencial interpretativo essa pintura tem? Há nela, sem dúvida, uma

predominância do sensório sobre o documental e o simbólico. A exuberância das

cores, sua exaltação, está destinada a produzir uma exultação do olhar, um certo

efeito de alegria visual, leveza, flutuação, que, aliás, se constitui em marca de

identidade de Matisse.

Por isso mesmo, quando o seu processo interpretativo se efetivar,

nele também tenderá a dominar o interpretante dinâmico de nível emocional.

Aquilo que a audição de uma musica como a de Mozart produz no ato da escuta,

essa pintura está fadada a produzir no olhar.

Também produzirá uma hesitação quanto a referencialidade das

figuras e à composição como um todo. Não há como evitar a hesitação. Dela

resulta a demora, a suspensão perceptiva do observador. Percepção que deverá

oscilar no jogo de planos que a pintura realiza: o exterior que avança para a rente,

invadindo o interior, o que cria a sensação de um quadro dentro do quadro

(caráter lúdico), pois a porta é também uma espécie de quadro. Devido a essa

suspensão de uma percepção automatizada, nessa pintura existem elementos

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para convocar o observador a entrar tatilmente no ambiente. Nesse nível é o

interpretante energético que entrará em ação.

No nível do interpretante dinâmico, na sua subdivisão do interpretante

lógico, as regras interpretativas, os hábitos associativos que o interprete acionará

dependem do repertório do interprete, ou melhor dependem da experiência

colateral que esse intérprete já teve com o campo contextual do signo, dependem

dos conhecimentos históricos e culturais que já internalizou. Assim sendo, alguns

interpretes poderão perceber a intertextualidade dessa pintura especialmente com

a natureza-morta de Cézanne, cujas maçãs marcaram a história da pintura para

sempre. Poderão perceber também a função metalingüística dessa pintura no

questionamento que ela promove, usando de meios estritamente pictóricos das

formas de representação pictóricas do quadro janela na pintura ocidental.

Nesse nível do interpretante lógico, essa pintura foi feita para ser

vista por quem conhece arte, particularmente a historia da arte moderna. Sem

isso, o observador poderá ficar apenas no nível do interpretante emocional,

exatamente como acontece na musica. Os leigos ouvem musica no nível do

interpretante emocional, enquanto os especialista avançam até os mais variados

aspectos do interpretante lógico que serão tantos mais quanto mais amplo for o

repertorio de conhecimentos do intérprete.

É difícil falar sobre e o interpretante imediato, pois ele é um

interpretante abstrato. Trata-se do potencial do signo para significar o que vier a

significar ao encontrar seus interpretes. Portanto, ao falar do interpretante

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imediato, com base naquilo que os vários aspectos já analisados da semiose nos

permitiram perceber, já fazemos previsões quanto ao interpretante dinâmico, quer

dizer, quanto àquilo que o signo provavelmente produzirá como efeito no encontro

com seus interpretes. Isso é possível porque o potencial significativo do signo tem

uma objetividade que é própria do signo, que depende da sua constituição como

signo.

Por isso mesmo, quando falamos do interpretante imediato já

estamos falando a partir da posição do interpretante dinâmico, posição que

inevitavelmente desempenhamos quando fazemos uma análise semiótica. Quer

dizer, desde o principio, aquele que faz uma análise semiótica a faz assumindo

necessariamente a posição do interpretante dinâmico daquela semiose especifica.

Isso significa que o analista está necessariamente implicado na análise que

realiza. Não se deve entender com isso que a análise está fadada a submergir na

mera subjetividade, pois o percurso da semiose, que começou no fundamento do

signo avançando até o interpretante, segue uma lógica que obriga o analista a se

desprender de uma visão puramente objetiva.

Por fim, o interpretante final é o interpretante em devir: toda a

admiração e gratificação ao olhar que essa pintura ainda poderá despertar no

futuro. O que será dela no confronto com os desenvolvimentos que a arte tiver no

futuro? Como estarão sentido, como estarão reagindo a ela e valorizando-a daqui

para a frente? Por isso mesmo, o interpretante final é um interpretante em aberto.

Por estarem no mundo, por fazerem parte dos desígnios da vida, os efeitos que os

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signos poderão porventura produzir no ser devir são tão enigmáticos quanto o

próprio desenrolar da vida.

Do ponto de vista da objetividade das análises de imagens, as reflexões de

Warburg a respeito de uma metodologia que propunha o uso dos testemunhos

figurativos como fontes históricas motivou outros pesquisadores a continuar seus

estudos em busca de um método satisfatório, acabando por constituir uma

tradição. Desde os primeiros estudos de Warburg, muito se caminhou sobre o

método de análise de imagens e muitas questões se apresentaram também. Saxl

e Panofsky, seus principais seguidores, deram contribuições importantes e

trouxeram uma certa sistematização ao método iniciado por Warburg, mas não

conseguiram superar o problema da circularidade das interpretações, tão criticado

por Gombrich, outro pesquisador que muito contribuiu para essa reflexão sobre

formas de abordagens da imagem. Apesar de apresentar uma postura crítica em

relação aos pressupostos teóricos e à metodologia utilizada por Warburg e seus

seguidores, Gombrich fez uma releitura dessas análises buscando avançar os

limites. Desenvolveu conceitos como o de “esquema” (para recusar as

interpretações “expressionistas” da história da arte), depois apostou na idéia de

função e de mental set . O caminho de reflexão percorrido por Gombrich

ultrapassou os problemas iniciais propostos pelos Warburguianos, demonstrando

que uma análise de imagens exige muito mais que conexões “fisiognomônicas” ou

análises formais superficiais. A principal crítica que Ginzburg faz a Gombrich é que

seu reduzido interesse pela relação entre os vários aspectos da realidade histórica

e os fenômenos artísticos empobreceu suas análises. Entretanto, se Gombrich

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também não conseguiu chegar a um método definitivo, sua contribuição para o

desenvolvimento de um método de análise de imagens foi importante porque

demonstrou que esse processo é bastante complexo e não pode ser resolvido

apenas utilizando a psicologia ou localizando os empréstimos realizados entre os

vários pintores ou escolas pictóricas, mas devem ser analisados também dados

históricos, tradição artística, forma do pensamento da sociedade.

Tentando atualizar essa problemática, recorro às análises e textos de

Roland Barthes e Lúcia Santaella conceitos que nos auxiliassem. Barthes, no se

livro O obvio e o obtuso  trata da questão da imagem com bastante cuidado e,

apesar de considerá-la ambígua (devido a questões muito próximas aquelas que

levaram Gombrich a desenvolver o conceito de esquema) quando desenvolve o

conceito de retórica da imagem, consegue encontrar uma certa objetividade para o

terceiro nível de Panofsky (nível interpretativo). Já Santaella, no seu livro

Semiótica Aplicada , propõe uma aplicação prática da semiótica de origem

Peirceana que se aproximava da iconografia e também da iconologia na análise

do objeto (sem abrir mão do aspecto formal, incluindo a história da arte). Após

percorrer esse longo caminho construído pela pesquisa, percebemos que a busca

por uma objetividade plena na análise de imagens é impossível e que não há

como fugir a uma certa subjetividade em qualquer análise. Então, como lidar com

essa subjetividade? Acreditamos que a melhor maneira é pensar essa

subjetividade como um valor a mais a ser acrescentado aos valores de

objetividade possíveis de serem atingidos. Assim, a leitura que nos parece mais

satisfatória contemplaria a máxima objetividade possível acrescida das

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impressões subjetivas. O verdadeiro valor de uma análise estaria, portanto, mais

vinculado a como o crítico interpreta os dados objetivos e não na objetividade

(ainda que dela não se possa prescindir). Caso contrário, estaríamos tão somente

manipulando conhecimentos e esquemas.

A questão da interpretação

Em artigo de 1964, Susan Sontag coloca-se frontalmente contra a

interpretação nas artes, e sentencia: “Em vez de uma hermenêutica, precisamos

de uma erótica da arte”.15 

As transformações pelas quais o universo da arte vem passando, a partir do

século XVIII, e que trouxeram à superfície o público como participante no jogo da

arte, ocorreram em sintonia com o esfacelamento e fragmentação vivida pelo

homem, associado à decadência das grandes idéias, valores e instituições

ocidentais - Deus, Ser, Razão, Sentido, Verdade, Totalidade, Ciência, Sujeito,

Consciência, Produção, Estado, Revolução, Família. Ao mesmo tempo, tais

sociedades propagavam que o máximo de desenvolvimento científico levaria a

sociedades mais justas e harmoniosas, e acabaram por fabricaram fantasmas

alarmantes como a ameaça nuclear, o desastre ecológico, o terrorismo, a crise

econômica.

15 SONTAG, 1964, p. 23.

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O valor da obra de arte passou a ser determinada por esse expectador, que

a legitimava ou não. De fenômeno fechado, que contem uma verdade em si, cujo

significado se articula no momento da contemplação da mesma – obra fechada, a

obra torna-se gradativamente, um fenômeno processual e, como conseqüência, o

público deixa de ser quem, necessariamente, julga, para participar ativamente do

acontecimento artístico. Tal convite estende-se a crítica especializada que, no ato

artístico em nada se diferencia do público em geral.

Espera-se uma relação entre expectador e ato artístico em que não se

sobressaia o intelecto, mas a totalidade sensorial. Ocorrer ou não o

estranhamento escapa ao controle do ato em si.

Então, a partir do século XX, o ato de contemplar uma ação artística está

além da reconstrução de um sentido mesmo, dado pela obra. Os trabalhos em

artes não tem mais o caráter de espetáculo em si mesmas, pois deixaram de lado

a exclusividade da visão. Quem contempla não está mais do lado de fora da obra,

pois para ele está reservado um papel fundamental no fechamento, na

concretização do trabalho. Assim, o papel de quem participa da obra começa

antes da contemplação, pois tal papel está na gênese do acontecimento artístico.

Na arte contemporânea, uma obra não mais sai pronta do ateliê do artista, ainda

que sua tarefa como parte integrante da ação artística possa já estr encerrado. A

obra está em aberto, cabendo ao receptor, leitor ou como queiramos nos referir ao

público, finalizá-la ou não. Enfim, a obra de arte não mais é vista como um

representante exclusivo do momento genial da criação, uma vez que sua

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formatação final dependerá do universo de cada um dos leitores e, por que não

dizer, atores.

Michel Foucault (1980) localiza três feridas narcisistas na cultura ocidental

que transformaram sua forma de interpretação: a ferida imposta por Copérnico

(não somos mais o centro do mundo), a feita por Darwin (o homem descendia do

macaco) e a ferida ocasionada por Freud (a consciência nasce da inconsciência).

À luz de tais feridas o homem ocidental passa a tocar sua existência. Para

Foucault, Sigmund Freud, Friederich Nietzsche e Karl Marx, ao proporem uma

interpretação que se vira sempre para si própria, constituíram para nós espelhos

que nos refletem imagens cujas feridas formam o nosso narcisismo de hoje. O

interesse aqui se foca em Nietzsche, Freud e na interpretação.

Ao longo da história, a linguagem produziu a suspeita de que a linguagem

não diz exatamente o que diz, e sim produz outro significado mais importante, o

significado que está por baixo; produziu também a suspeita de que a linguagem

rebaixa a forma propriamente verbal, e que há muitas outras coisas que falam e

que não são linguagem (como o mar, os ventos). Pode ser que haja linguagens

que se articulem em formas não verbais. Tais suspeitas continuam

contemporâneas, já que à partir do século XIX todo a confusão que nos rodeia

pode falar-nos e estamos dispostos a descobrir seu significado.

No século XVI, a interpretação trabalha sob a égide da semelhança. A

teoria do símbolo e das técnicas de interpretação, amparadas na semelhança,

fundamentavam dois tipos de conhecimento: a cognitio, que era o passo de uma

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semelhança a outra; e o divinatio , que constituía o conhecimento em

profundidade, que ia de uma semelhança superficial a outra mais profunda.

Tais técnicas de interpretação passaram por uma espécie de hibernação a

partir da evolução do pensamento ocidental nos séculos XVII e XVIII para, no

século XX inaugurar um outro modelo de interpretação. Com Marx, Nietzsche e

Freud, as técnicas de interpretação nos dizem respeito e, como intérpretes, temos

que interpretarmo-nos a partir de tais técnicas.

A interpretação converteu-se numa tarefa infinita. No século XVI os

símbolos remetiam-se entre si porque a semelhança é limitada. A partir do século

XIX, os símbolos encadearam-se numa rede inesgotável e infinita porque tinham

uma amplitude e abertura para tanto.

O inacabado da interpretação, o fato de que seja sempre fragmentada

encontram-se de maneira análoga no pensamento de Nietzsche e Freud sob a

forma de negação do começo. É Nietzsche que afirma que não há fatos, somente

interpretações (incluindo tal formulação). Quanto mais se avança na interpretação,

tanto mais há uma aproximação de uma região perigosa onde não só a

interpretação vai encontrar o início do seu retrocesso, mas que vai ainda

desaparecer como interpretação e pode chegar a significar inclusivamente a

desaparição do próprio intérprete. A existência de tal ponto absoluto de

interpretação significaria ao mesmo tempo um ponto de ruptura. Existe, pois, um

caráter aberto e descoberto da interpretação.

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Através do estudo da transferência  (desejo do analisado pelo analista),

vemos como se afirma a impossibilidade de análise pelo caráter problemático que

tem a relação entre o analisado e o analista.

Também em Nietzsche a interpretação permanece sem acabar. Para ele a

filosofia é uma espécie de filologia sem fim, que se desenrola cada vez mais e que

nunca seria fixada.

A experiência de Freud se parece bastante com a de Nietzsche. O que se

afirma como problemático no ponto de ruptura da interpretação, poderia

perfeitamente ser algo parecido à experiência da loucura.

Esta falta de conclusão essencial de interpretação está relacionada com

outros dois princípios que junto com os dois primeiros citados, formam o postulado

da hermenêutica moderna. Primeiro: se a interpretação não pode nunca acabar,

quer dizer que não há nada a interpretar. Não há nada absolutamente primário a

interpretar porque no fundo já tudo é interpretação, cada símbolo em si é já a

interpretação de outros símbolos.

Nesta ordem de idéias podemos dizer que a allegoria está na base da

linguagem e antes dela. É por isso que em Nietzsche o intérprete é o “verdadeiro”,

não porque se vale duma verdade adormecida, mas porque pronuncia a

interpretação que toda a verdade tem como função recobrir, instaurando uma

realidade outra.

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A interpretação encontra-se diante da obrigação de interpretar-se a si

mesma até o infinito. Ao interpretar-se sempre a si mesma não pode deixar de

voltar-se sobre si mesma. Foucault afirma: “Em oposição ao tempo dos símbolos

que é um tempo com vencimentos e por oposição ao tempo da dialética, que é

linear, chega-se a um tempo de interpretação que é circular.”16 A morte da

interpretação é crer que há símbolos puros, originais. A vida da interpretação é,

pelo contrário, crer que não há mais que interpretações. E é nessa região entre a

loucura e a pura linguagem que se insere o pensamento de Nietzsche.

A questão que aflora é a de mudança de parâmetros, e a necessária

adequação metodológica, no campo das interpretações. De um modelo que

buscava uma verdade universal e objetiva, passou-se, progressivamente, para um

modelo de interpretação que, privilegiando as questões subjetivas que permeiam o

universo do intérprete, faz do ato de interpretar uma espécie de espelhamento,

pois não existindo uma verdade interior à obra, obriga o leitor a construir uma

verdade pessoal e intransferível.

Leituras e releituras

Vejo o artista do meu tempo como pesquisador, investigador. Maurice

Merleau-Ponty fala em artepensamento como um pensamento ativo ou uma ação

pensante. Distingue arte e pensamento de pensamento sobre a arte. O segundo

seria o lugar da crítica, que chega às artes sabendo o que são, podendo julga-las

e avalia-las. Ao passo que a filosofia, acolhendo o trabalho dos artistas, aprende

16 FOUCAULT, 1980, p. 21.

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com eles e através de suas obras alcança uma via de acesso a si própria como

um saber que não é outra coisa senão a experiência interminável da interrogação.  

Começo a minha fala com a clareza e tranqüilidade de saber que mesmo sendo o

mais claro e objetivo possível (ainda que o máximo de objetividade seja permeado

pelo meu universo subjetivo), serei compreendido de maneira singular por cada

um de vocês, como naquele conto de Borges17 onde buscando traçar a cartografia

de um território desconhecido, o protagonista constata que os contornos e linhas

por ele traçadas acabam por corresponder aos ângulos e contornos de seu rosto .

Cada leitura que se faz do mundo (das falas, das imagens, dos sons, dos

pensamentos) é pautada pelo histórico pessoal de cada leitor. As dores e os

amores que vivi, as delícias dos sabores que saboreei, os livros, filmes e imagens

que vi, as vicissitudes sócio-econômicas do mundo em que vivi e vivo: tudo isso

faz da minha, uma leitura sui-generis . 

Um sujeito adâmico, puro e desvinculado das leis desse mundo, começa a

deixar de existir (se é que na concepção e gestação existiu) quando tal sujeito em

contato com o seio materno inicia a construção de seus elos de ligação com esse

mundo. 

Novamente retomo a questão inicialmente apontada: Seria possível uma

total objetividade na abordagem de uma obra de arte? Será que todos nós

dominamos os mesmos conhecimentos? Será que manipulamos os signos da

mesma maneira?

Objetividade = Qualidade do que é objetivo; qualidade do que é

17 BORGES, História Universal das Infâmias. 1978.

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imparcial; característica do que não é evasivo.Objetivo = Aquilo que se pretende alcançar quando se realiza umaação; diz-se do que está no campo da experiência sensível

independente do pensamento individual e perceptível por todos osobservadores; cujos julgamentos não são influenciados porsentimentos ou opiniões pessoais; que pode ser capturado pelointelecto. 

Subjetividade = Característica do que é subjetivo. Qualidade do que éParticular, individual; que não tem objetividade.Subjetivo = Que existe na mente; que pertence ao sujeito pensantee a seu íntimo; característico de um indivíduo; pessoal, particular;que não tem objetividade, imparcialidade, tendencioso, passional;independente do que é concreto, objetivo; impalpável, imaterial;válido para um só sujeito.

Esses dois conceitos trazem-nos duas concepções distintas acerca da verdade:

Objetividade:

idéia metafísica de que existe uma Verdade universal

passível de ser descoberta.

Subjetividade:

como o sujeito constrói uma verdade.

Na filosofia, nas artes, durante muito tempo, várias correntes depensamento tentaram entender o processo de leitura. Essas correntes nem

sempre compartilhavam as mesmas idéias e acabaram por desenvolver teorias

bastante distintas sobre esse processo. Alguns críticos acreditavam que o texto se

constituiria em uma série de enigmas a serem decifrados, sem contudo, haver

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espaço para o leitor completar os enigmas apresentados de outra forma que não

aquela previamente definida pelo autor (ou pela crítica especializada).

Esses teóricos acreditavam que o sentido estava no texto, que o texto era

autônomo, ou seja, existia independente do leitor. Assim, o autor dirigiria a leitura

e a produção de interpretantes do leitor. Qualquer elemento da subjetividade do

leitor que entrasse em conflito com aquilo que o autor dissera (ou que a crítica

acreditasse que o autor queria dizer) estava errado. Dessa forma, existiria apenas

uma única leitura correta para cada obra, determinada previamente pelo autor (ou

pela crítica) e o ato da leitura consistiria em concretizar essa visão esquemática do

texto. 

Tal momento estaria vinculado a idéia da arte como mimese. “A arte imita a

Natureza”, escreve Aristóteles. O valor da obra decorre da habilidade do artista

para encontrar a melhor forma para obter o efeito imitativo. Imitar não significa

Autor Texto/obra

Primeiro momento

A obra contém uma verdade;

Qualquer leitura diferente de tal verdade seria equivocada;Em tal concepção, a obra é um equivalente deum mundo imutável, exterior a ela;

O autor/criador é quem domina as técnicas que possibilitama reprodução de tal verdade exterior a obra.

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reproduzir, mas representar a realidade através da obediência a regras (harmonia,

proporção etc) para que a obra figure algum ser. O valor do artista está

diretamente ligado à capacidade de domínio das técnicas, materiais e Regras que

o auxilie na execução mais próxima possível da Natureza.

O período moderno da filosofia (a partir do séc. XVII) marca a separação do

homem da natureza. As verdades que antes se deduziriam de Deus passam a ser

buscadas pelo homem através do exercício da razão. Tal período marca a

mudança de uma concepção unitária do mundo para uma concepção dialética,

formulando-se a relação sujeito-objeto. A natureza não é mais a ordem revelada e

imutável da criação, mas o ambiente da existência humana.

Até esse período as artes seguiam uma classificação proposta pelo

historiador romano Varrão entre artes liberais (própria dos homens livres) e artes

mecânicas (própria dos trabalhado manual), que durou do século II d. C. até o

século XVI.

A partir da Renascença, o humanismo que dignifica o corpo humano,

passa-se a valorizar as artes mecânicas. Além disso, a medida que o capitalismo

se desenvolve, o trabalho passa a ser considerado fonte e causa de riquezas.

No final do séc. XVII e a partir do XVIII, distinguiram-se as finalidades das

artes mecânicas: as que tem por finalidade serem úteis aos homens (medicina,

agricultura, culinária, artesanato) e aquelas cuja finalidade é o belo (pintura,

escultura, arquitetura, poesia, música, teatro, dança). Com a idéia do belo surge

as sete artes ou belas artes.

Com a criação do belo (finalidade da arte) torna-se inseparável a figura do

público, que julga e avalia o objeto artístico conforme tenha realizado ou não a

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beleza. Gênio criador (do lado do artista) beleza, (do lado da obra); juízo de gosto

(do lado do público) constituem os pilares sobre os quais se erguerá uma

disciplina filosófica: a estética. 

As meninas de Velazques (1656) podem ser lidas como um sintoma de tais

transformações. Nessa pintura nos é dado a ver a representação da

representação; também localizamos a figura do outro, aqui representado pelo rei e

a rainha (no espelho ao fundo) que observam o desenrolar de tal trabalho, fazendo

parte da cena.

Após 23 séculos de definição da arte como mímese , a Filosofia passa

definir a obra de arte como criação. A arte não mais reproduz a Natureza, mas

liberta-se dela, criando uma realidade humana e espiritual. Pela atividade livre do

artista, os homens se igualariam à ação criadora de Deus. Em síntese, nesse

momento (estética da criação ) a Filosofia separa homem e Natureza. 

Como desdobramento, desenvolveu-se uma nova teoria em que

ampliavam conceitualmente o poder do leitor. Baseada na idéia de que o texto só

existiria no interior de uma experiência temporal, a obra, não mais é vista como

um objeto, mas como “o que acontece quando lemos”. Por esse ponto de vista,

qualquer obra seria uma obra aberta a uma gama de interpretações infinitas.

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De fenômeno fechado, que contem uma verdade em si, cujo significado se

articula no momento da contemplação da mesma – obra fechada, a obra torna-se

gradativamente, um fenômeno processual e, como conseqüência, o público deixa

de ser quem, necessariamente, julga, para participar ativamente do acontecimento

artístico. 

A partir do século XX, o ato de contemplar uma ação artística está além da

reconstrução de um sentido mesmo, dado pela Obra. Os trabalhos em artes não

tem mais o caráter de espetáculo em si mesmos, pois deixaram de lado a

exclusividade da visão. Quem contempla não está mais do lado de fora da obra,

pois para ele está reservado um papel fundamental no acontecimento, na

concretização ou não do fenômeno arte. 

Toda produção em arte, já não seria uma leitura?

Autor

Autor

Texto/obra

Texto/obra

Leitor

Leitor

Obra

Obra Obra

Afetividade Afetividade

Afetividade

Fatoressócio-econômicos

Fatoressócio-econômicos

Fatores

sócio-econômicos

Formaçã o Formação

Formaçã o

Questõeshistóricas

Questões

históricas

Questõeshistóricas

ENFOQUE MENTAL ENFOQUE MENTAL

ENFOQUE MENTAL

Autor Texto/obra Leitor

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(do mundo, de outras obras)

Ler é uma ação que visa a busca de sentidos. Parafraseando Paulo

Freire,”a leitura do mundo antecede qualquer outra leitura. “ Nossas leituras do

mundo são modeladas por questões de poder, por questões ideológicas e pelo

universo pessoal do leitor.

Ler implica: um autor (criador), código (texto – “textus (latim) = tecido,

trama, obra construída), leitor (criador)

Em uma leitura, faz-se necessário considerar o “contexto mental” tanto do

criador quanto do leitor. Dessa maneira, estamos cruzando informações do

“texto/obra” com os universos do autor e do leitor. 

A leitura de uma obra de arte é um cruzamento entre cognição e

sensibilidade. Aprender a ler é aprender a explorar as potencialidades da

obra/ação para propulsionar a produção de novas obras/ações.

Ler já é reler. Assim sendo, leitura e releitura são criações. Portanto,

produção de sentido. 

As imagens não apresentam uma metalinguagem própria. Pode existir uma

meta-imagem como imagem de uma imagem, mas não como uma teoria analítica

da linguagem. Por esse motivo, a linguagem é um instrumento necessário à leitura

de obras e ações artísticas. 

Linguagem são todos os sistemas de produção de sentido. Nosso estar-no-

mundo é mediado por uma rede de linguagem. Nos comunicamos também através

da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças,

movimentos. Somos também leitores e/ou criadores de dimensões e direções de

linhas, traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através

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de imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons

musicais, gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do

apalpar. Somos uma espécie animal tão Complexa quanto são complexas e

plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres de

linguagem.

Todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente porque é, também, um

fenômeno de comunicação, e considerando-se que tais fenômenos só comunicam

porque se estruturam como linguagem, pode-se dizer que qualquer atividade ou

prática constituem-se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de

linguagem e de sentido. Arte é fenômeno que se apresenta através da linguagem. 

Mas o que vem a ser fenômeno? Segundo Marilena Chauí (1980)18 Para

Kant, graças ao pensamento do inglês Hume, a filosofia pôde despertar do seu

sono dogmático. O que é o sono dogmático? Tomar como ponto de partida a idéia

de que existe uma realidade em si – Deus, alma, mundo, infinito, matéria, forma,

substancia - que pode ser conhecida pela nossa razão. É como se as idéias

produzidas por nossa razão fosse um correspondente exato da realidade externa,

que existe em si e por si mesma.

Kant distingui duas modalidades de realidade: a que se oferece a nós na

experiência e a que não se oferece à experiência. A primeira foi chamada de

fenômeno , isto é, aquilo que se apresenta ao sujeito na experiência, é estruturado

pelo sujeito com as formas do espaço e tempo e com os conceitos do

entendimento, é sujeito de um juízo e objeto de um conhecimento. O segundo foi

18 18: CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia , São Paulo - Atica, 1995. 

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chamado de nôumeno , aquilo que não é dado à sensibilidade nem ao

entendimento, mas afirmado pela razão, sem base na experiência.

O fenômeno é o objeto de conhecimento propriamente dito, é o objeto

enquanto sujeito do juízo. O nôumeno é a coisa em si ou o objeto da metafísica, o

que é dado para um pensamento puro, sem relação com a experiência. Se o

nôumeno é o que nunca se apresenta a sensibilidade nem ao entendimento, não

pode ser conhecido. E se é o objeto da metafísica, está não é um conhecimento

possível.. 

Com a contribuição de Kant, a metafísica saiu da antiga concepção de

conhecimento da realidade em si (realista – antiguidade, na IM e na Modernidade),

e caminhou no sentido conhecido como idealismo, ou a realidade estruturada

pelas idéias produzidas pelo sujeito (o que é objetividade? O que é fenômeno?

Etc)

Hegel amplia o conceito de fenômeno, afirmando que tudo o que aparece

só pode aparecer para uma consciência e que a própria consciência mostra-se a

si mesma no conhecimento de si, sendo ela própria fenômeno. (consciência que a

consciência tem de si mesma: fenômeno interior= consciência; exterior= o mundo

como manifestação da consciência das coisas.)

Husserl amplia ainda mais. Afirma que, ao contrário de Kant e Hegel, não

há a “coisa em si” incognscível. Tudo o que existe é fenômeno e só existe

enquanto fenômeno. Fenômeno seria, portanto, a presença das coisas reais

diante da consciência.

Contra Hegel e Kant, afirma que a consciência possui uma essência

diferente das essências dos fenômenos, pois é doadora de sentido às coisas e

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estas são receptoras de sentidos. A consciência dá significação as coisas,

permanecendo diferente delas. Fenômeno é a essência. O que é essência?

Significação ou sentido de um ser, sua idéia , seu eidos (fenômeno).

Fenômeno: Ou seja, os resultados da vida e da ação humana – aquilo que

chamamos de Cultura – são fenômenos, isto é, significações ou essências que

aparecem à consciência e que são constituídas pela própria consciência.

Após Husserl, alguns filósofos (como Martin Heidegger e Maurice Merleau-

Ponty) desenvolveram suas idéias, desembocando na chamada Nova Ontologia.

Desenvolveram uma questão deixada por Husserl : o dilema do realismo e do

idealismo. O realismo afirma que se eliminarmos o sujeito e a consciência, restam

as coisas em si; O dealismo afirma que se eliminarmos o sujeito, resta a

consciência ou o sujeito que, através do conhecimento, põe a realidade, o objeto.

Heidegger e Merleau-Ponty afirmam que as duas posições são erros

gêmeos, cabendo a nova ontologia resolver um problema milenar (Heráclito-

Parmênedis, Platão-Aristóteles, medievais e modernos, Kant e Husserl).

Eles dizem: se eliminarmos a consciência não sobra nada, pois as coisas

existem para nós, para nós, para a consciência que as percebe, imagina, que

delas se lembra, que as transforma pelo trabalho etc. Se eliminarmos as coisas

também não resta nada, pois não podemos viver sem o mundo nem fora dele; não

somos criadores do mundo, e sim seus habitantes.

Sem a consciência não há mundo para nós. Sem o mundo não temos como

conhecer nem agir. Um mundo sem nós será tudo quanto se queira, menos o que

entendemos por realidade. Uma consciência sem o mundo será tudo quanto se

queira, menos consciência humana.

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A nova ontologia parte da afirmação de que estamos no mundo e de que o

mundo é mais velho que nós (não esperou o sujeito do conhecimento para existir),

mas de que somos capazes de dar sentido ao mundo, de conhece-lo e

transformá-lo.

O que estuda a ontologia? Os seres ou entes antes de serem

transformados em conceitos pelas ciências e depois que nossa experiência

cotidiana sofreu o espanto, a admiração e o estranhamento de que eles sejam

como nos parecem ser, ou não sejam o que nos parecem ser. A ontologia estuda

as essências antes que se sejam fatos da ciência explicativa e depois que se

tornaram estranhas para nós.19 

Na estética contemporânea (a partir do século XX) as artes passaram a ser

concebidas não como excelência de um certo domínio da técnica (estética da

mímese) ou como criação genial (estética da criação), e sim como expressão

criadora, isto é, como transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da

linguagem, dos gestos, emobras e ações artísticas.A execução dos trabalhos re-

estabelece a obra enquanto fabricação, construção de uma poética. 

A arte passa do instituído ao instituinte. Um leve deslocamento do sentido

instituído e a explosão de um outro sentido para, após fragmentar-se, reconstruir-

se, transfigurando-se do existente a uma outra realidade, que o faz (o sentido)

renascer modificado. Nesse movimento (alargamento),a arte arrasta elementos da

realidade, incorporando resíduos da própria realidade e de realidades anteriores. 

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Pensamento complexo como método

André Mendes (2002) trata o objeto artístico à luz do pensamento complexo

de Edgar Morin. O conceito de complexo ganha novo significado ao ser utilizado

pela cibernética como sistema auto-organizador. O sistema auto-organizador é um

conceito que explica a idéia de máquina e de organização. Mais tarde tal sistema

foi utilizado por Morin para desenvolver suas idéias sobre as mudanças de

paradigma nas ciências por meio do “pensamento complexo”. Tal conceito não se

refere a algo complicado e de difícil compreensão, aos sistemas cujos

componentes interagem de forma tão intrincada que não podem ser previstos por

meio de equações lineares. Dizer que um sistema é complexo, sob esse ponto de

vista, não significa dizer que ele é complicado, mas sim que tem um grande

número de unidades interagindo entre si de formas imprevisíveis. O que ocorre é

uma integração onde as partes se relacionam mutuamente, sendo a forma dos

relacionamentos de extrema importância para o todo. Esse todo não será definido

pela somatória das partes, mas pela configuração que o sistema possui num

determinado momento.

À luz de tal pensamento, a arte é pensada como resultado de uma

complexa interação de motivações, determinações e acidentes que situa tanto

criador como fruidor numa relação produtiva com diversas subjetividades. Assim, a

experiência estética deixa de ser a manifestação de um saber à priori ou de um

sentimento e se assume como um universo em constante transformação.

No seu livro Educar na era planetária , Edgar Morin (2003) aponta o

pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza

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humana. Trata-se, segundo o autor de um método de aprendizagem na errância e

na incerteza humanas.

Descartes, ao longo de sua obra, enfatiza a necessidade de se proceder a

partir de certezas ordenadas e alinhadas, e nunca pelo acaso. Pensado dessa

forma, o método seria um programa aplicado a uma natureza e a uma sociedade

determinista. Porém, se a realidade muda e se transforma constantemente, uma

concepção metodológica como programa é insuficiente diante de situações

mutáveis e incertas. Morin afirma que em situações complexas, num mesmo

espaço e tempo não há apenas ordem, mas também desordem e que, diante de

tais incertezas é preciso uma atitude estratégica do sujeito. Propõe uma

concepção de método como caminho, ensaio gerativo e estratégia “para” e “do”

pensamento. Método como atividade pensante do sujeito que aprende e cria

durante o seu caminho.

O pensamento complexo engloba a experiência do ensaio. Para Morin, o

ensaio como atividade escrita da atividade pensante seria a forma moderna de

pensar. Uma obra como ensaio e caminho pode ser vista como o empreendimento

de uma travessia. O sentido e o valor do ensaio estão relacionados com a própria

noção de transitoriedade e o caráter provisório da vida.

Após as experiências realizadas pelas ciências e pela filosofia no século

XX, ninguém pode basear um projeto de aprendizagem e conhecimento num

saber verificado e edificado sobre a certeza. Assumir as experiências exige a

construção da aprendizagem e conhecimento erguidos num terreno caracterizado

pelas incertezas. O fundamento do método proposto por Morin reside na ausência

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de qualquer fundamento. Existe, porém ma relação entre o método como caminho

e a experiência de pesquisa do conhecimento, entendida como travessia geradora

de conhecimento e sabedoria. O método não precede a experiência, o método

emerge durante a experiência. Assim, o método como caminho se desenvolve no

próprio caminhar.

Morin insiste na impossibilidade de reduzir o método por ele proposto a um

programa. O método definiria-se pela possibilidade de encontrar nos detalhes da

vida concreta e individual, fraturada e dissolvida no mundo, a totalidade de seu

significado aberto e fugaz.

Abordando a questão da teoria, Morin afirma que uma teoria não é o

conhecimento, mas permite o conhecimento. Uma teoria só cumpre seu papel

cognitivo com o necessário exercício mental do sujeito. Na perspectiva do

pensamento complexo, a teoria é composta de traços permanentes e o método,

para ser posto em prática, necessita de estratégia, invenção, arte. Fica claro que

toda teoria dotada de complexidade só pode conservar sua complexidade à custa

de uma recriação intelectual constante. Em tal perspectiva, a teoria não é nada

sem o método, a teoria quase se confunde com o método, sendo os dois (teoria e

método) componentes indispensáveis para o conhecimento complexo.

Os caminhos do conhecimento passam pelo ensaio e pelo erro. E é nessa

errância e itinerância que se constrói caminhos. O método como caminho

incorpora o erro e uma visão distinta das verdades estabelecidas. Morin aponta o

surgimento da idéia da verdade como um agravente da problemática do erro, uma

vez que qualquer um que se acredite possuidor da verdade torna-se insensível

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aos erros que podem ser encontrados em seu sistema de idéias e, evidentemente,

considerará mentira ou erro tudo o que contradisser sua verdade.

A estratégia aparece como fundamental no método como caminho para

responder às incertezas. Reduzir o método a programa é crer na existência de

uma forma a priori para eliminara incerteza. Método é o que serve para aprender

e, ao mesmo tempo, é aprendizagem. É o que nos permite conhecer o

conhecimento. Morin cita Bachelar ao propor que todo discurso do método é um

discurso de circunstâncias.

O pensamento complexo propõe um caminho no qual ponha à prova certas

estratégias que se revelação pertinentes ou não no próprio caminhar. O

pensamento complexo é um estilo de pensamento e de aproximação á realidade.

Ele gera sua estratégia com a necessária participação inventiva dos que o

desenvolvem, sendo necessário por à prova no próprio caminhar os princípios

gerativos do método e, concomitantemente, criar novos princípios.

André Mendes (2003) considera que o objeto ou ação artística em contato

com determinado sujeito, é capaz de levá-lo a perda de suas certezas, a construir

uma outra configuração cognitiva, provocando o sentimento estético denominado

estranhamento. O objeto artístico corresponderia, então, a uma virtualidade quenecessita ser suplementada, ou seja, ao número limitado de signos selecionados

pelo artista (materialidade do objeto) se acrescentariam os signos advindos da

subjetividade do leitor, havendo a possibilidade de novas combinações sígnicas a

cada leitura.

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Assim, a leitura de qualquer texto se daria a partir da inter-relação entre o

objeto e o sujeito que o percebe, num dado momento e em condições específicas.

Enquanto está lendo (no sentido mais amplo da palavra), o leitor soma ao textoseus pensamentos transitórios, suas reações inconscientes àqueles textos e a

outros, notas marginais e comentários. A leitura é assim entendida como um

processo criativo.

A experiência estética pode ser definida como a sensação produzida

quando o ser humano, numa relação com um objeto, sente alguma espécie de

fruição. O sentimento de fruição pode acontecer de duas formas: reconhecimentoe estranhamento. Quando o sujeito, numa relação de fruição com um objeto, tem

um sentimento de algo que confirma seus conceitos pré-estabelecidos, suas

expectativas, ele vivencia uma experiência estética através do reconhecimento.

Quando o sujeito vivencia uma experiência estética em que ele não tem, no

primeiro instante, meios para nomear o que lhe é apresentado, ele vive uma

experiência estética de estranhamento.

A experiência estética de reconhecimento não produz uma criação no

sentido pleno mas apenas uma seleção entre os sentidos possíveis pré-

determinados. A experiência estética de estranhamento, porém, pode levar o

indivíduo a rever seus códigos em busca de novos parâmetros.

Edgar Morin, no artigo “Por uma reforma do pensamento”, destaca que a

descoberta do princípio da incerteza, no início do século 20, mudaria os rumos da

ciência, revolucionando os fortes conceitos de ordem e de certeza.. Ele defende

uma reforma paradigmática do conhecimento e da ciência, já que o conhecimento,

sob o império do cérebro, separa ou reduz. Ora, o problema não é reduzir nem

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separar mas diferenciar e juntar. Ele defende que o problema que se coloca

atualmente não é o de substituir a certeza pela incerteza, mas trata-se

de saber como dialogar entre certeza e incerteza. Como solução, ele propõe o

pensamento complexo, que é o pensamento que se esforça para unir, não na

confusão, mas operando diferenciações.

Baseado nesse raciocínio, Mendes propõe pensar que um objeto

potencialmente artístico seria aquele que capaz de produzir numa relação novas

configurações sígnicas. Assim, o objeto artístico jamais exprime um conceito

fechado, uma verdade estabelecida por uma determinada linha de raciocínio. Ele

se abre para a experiência plena do pensamento e da imaginação, como um

processo vivo que se modifica sem cessar, que se adapta em função do contexto,

que, enfim, joga com os dados disponíveis.

Considerações finais

As transformações pelas quais passaram a arte desde a cisão ocorrida no

século XVII e seus desdobramentos nos séculos seguintes, fizeram do

acontecimento artístico um encontro entre a criação/experiência do artista com a

experiência/criação do público. Assim sendo, no acontecimento artístico autor e

leitor vivenciam Criação e Experiência.

Na experiência algo age em nós quando agimos. Assim, no próprio ato da

experiência já está em movimento uma ação criadora, pois o pensamento é a

experiência do que se pensa em nós no próprio ato de pensar.

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“A experiência é o ponto máximo de proximidade e de distância,

de inerência e diferenciação, de unidade e pluralismo em que o 

Mesmo se faz Outro no interior de si mesmo.” 20  

A arte não é uma construção arbitrária no universo da cultura, mas contato

com o a condição de possibilidade  enquanto experiência e criação. Para ser

possível o visível vir à visibilidade, solicita o trabalho, a articulação e o manuseio

do artista/pesquisador. Porém, para que o fenômeno arte se concretize, torna-se

imprescindível a presença – experiência criativa – do outro.

Os trabalhos artísticos são criadores justamente porque tateiam ao redor de

uma intenção de exprimir alguma coisa para a qual não existem configurações que

os possibilite, que os disponibilize. O sentimento de querer-poder e de falta suscita

a ação significadora. A ação-pensante e o pensante-ativo produzem, no manuseio

das leis deste mundo, deslocamentos na cadeia de significações conhecida. O

trabalho torna possível uma via de acesso para o contato pelo qual pode haver ou

não, a criação de sentidos outros.

Maurice Merleau-Ponty fala em artepensamento  como um pensamento

ativo ou uma ação pensante. E é nesse lugar que localizo o artista do meu tempo.  

20 CHAUÍ, 2002, p. 164.

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SANTTAELA, Lúcia. Semiótica Aplicada . São Paulo: Pioneira Thomson Learning,2002.

SANTAELA, Lúcia. O que é semiótica . Coleção Primeiros Passos.Editora Brasiliense. São Paulo, 1983.

SONTAG, Susan. Contra a interpretação . Porto Alegre: L&PM, 1987.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISESCOLA DE BELAS ARTESMESTRADO EM ARTES VISUAIS

ESTUDO ESPECIALPROJETO 

Título: Arte e Método na Filosofia Moderna (séc. XVII ao XIX)Ano: 2003Semestre: 2º semestreCarga Horária: 60 horasNúmero de Créditos: 02 (dois)Docente: Profa. Dra. Lúcia Gouvêa Pimentel

Aluno: Marcelino Peixoto de Melo

Ementa:-  O pensamento moderno em filosofia (séc. XVII ao séc. XIX)-  A questão do método na produção artística do mesmo período-  Desdobramentos na Arte do século XX

Forma de Aferição:

-  Apresentação de textos sobre os estudos realizados -  Comparecimento às reuniões agendadas 

Bibliografia inicial:DEBRAY, Regis. Vida e Morte da imagem. Uma história do olhar no Ocidente.Petrópolis: Editora Vozes, 1994.FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.FOUCAULT, Michel.   As palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Lisboa/Portugal: Edições 70,1966.ARGAN, Giulio Carlo. Arte e Crítica de Arte. Lisboa: Editora Estampa, 1995.ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, M. Guia de História da Arte. Lisboa: Editora Estampa, 1995.CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, São Paulo - Atica, 1995.MORIN, Edgard.. Educação na era Planetária. São Paulo, Cortez, 2003.GOMBRICH, E.H. Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 1986.PANOFSKY. Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

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CHAUÍ, Marilena. Introdução a história da filosofia. São Paulo: /brasiliense, 1994.JORDINO, Marques. Descartes e a sua concepção de homem. São Paulo: Editora Loyola, 1993.DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1999.KANT, Emanuel. Crítica da Razão e Outros textos filosóficos . Seleção de Marilena Chauí. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BERGSON, Henri. Ensaio sobre a significação do cômico. São Paulo: Martins Fontes, 2001.BÉRGSON, Henri. Ensaio sobre a relação do corpo com o Espírito. São Paulo: Martins Fontes, 2001.NIETZSCHE, Friedrich. O caso Wagner: um problema para músicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.NIETZSCHE, Friedrich. Para além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Martin Claret, 2002.SOUZA, Paulo César de. Freud, Nietzsche e outros alemães. Rio de Janeiro: Imago, 1995.PERNIOLA, Mário. A estética do século XX . Lisboa: Estampa, 1998.VERCELLONE, Federico. A estética do século XIX . Lisboa, Estampa, 1998.BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 1996.

Assinatura do discente:______________________________________________________