Post on 07-Feb-2019
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO "LATO SENSU"
ARTETERAPIA EM EDUCAÇÃO E SAÚDE
O ATELIÊ ARTETERAPÊUTICO PARA PORTADORES DA
DOENÇA DE ALZHEIMER
MAGALY JUNQUEIRA
FABIANE MUNIZ
Rio de Janeiro
2004
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO "LATO SENSU"
ARTETERAPIA EM EDUCAÇÃO E SAÚDE
O ATELIÊ ARTETERAPÊUTICO PARA PORTADORES DA
DOENÇA DE ALZHEIMER
OBJETIVOS:
Apresentar os trabalhos obtidos no Centro de Repouso
e Conveniência para a Terceira Idade Feliz Viver, dos
ateliês arteterapêuticos em que as artes e a motivação
estão presentes.
Rio de Janeiro
2004
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me dar tudo que tenho.
A Lucy de F. Junqueira, minha mãe, pelas
horas de compreensão, carinho, estímulo e verdades,
que me dedicou pacientemente nestes doze meses,
para que eu pudesse chegar onde estou agora.
A Henrique Huber Jr., meu namorado, que
compreendeu os momentos de ausência, e soube
esperar.
Meus sinceros agradecimentos à Lou
Fernandes que contribuiu na estruturação deste
trabalho.
À todos os professores do corpo docente
do curso de pós-graduação em Arteterapia que
demonstraram amizade e carinho, tornado a profissão
“apaixonante”.
4
EPÍGRAFE
“Que os nossos esforços desafiem as
impossibilidades.
Lembrai-vos de que as grandes proezas foram sempre
conquistas daquilo que parecia impossível.”
Charles Chaplin
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RESUMO
Este trabalho aborda a importância do ateliê em Arteterapia para os
portadores da Doença de Alzheimer, apresentando uma proposta de
atuação no resgate e humanização durante as duas primeiras fases iniciais
da doença, possibilitando através da expressão artística, uma revelação
interior.
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SUMÁRIO
Introdução .......................................................................................................7
Capítulo I ........................................................................................................8
Arteterapia .....................................................................................................8
Capítulo II .....................................................................................................19
Doença de Alzheimer ...................................................................................19
Capítulo III ....................................................................................................30
Os ateliês arteterapêuticos ...........................................................................30
Conclusão .....................................................................................................40
Anexos ..........................................................................................................41
Bibliografia ....................................................................................................44
Índice ............................................................................................................47
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Introdução
A busca incansável do saber, tem levado muitos pesquisadores a
aprofundar-se mais e mais nos estudos do desenvolvimento e
comportamento do ser humano.
Partindo dos estudos sobre a Doença de Alzheimer e com o
conhecimento adquirido no Curso de Pós-graduação em Arteterapia na
Educação e Saúde, esta monografia vem mostrar a contribuição do ateliê
arteterapêutico para portadores da Doença de Alzheimer (DA).
Dados médicos mostram que a DA é incurável e progressiva, mas
no início do primeiro estágio até mais ou menos a metade do segundo
estágio, o paciente ainda preserva suas funções cerebrais mesmo com o
começo da degeneração. Com isso não há impedimento de que o paciente
possa se beneficiar dos ateliês de Arteterapia. Pelo contrário, ele consegue
prolongar sua memória e atenção, resgatando fatos passados com as
atividades.
Na monografia, a proposta é justamente apresentar os feitos
realizados no Centro de Repouso e Conveniência para a Terceira Idade
Feliz Viver, preservando a identidade dos internos e seus familiares, dos
ateliês de Arteterapia em que as artes e a motivação estiveram presentes.
Assim o trabalho é dividido em três capítulos, onde o primeiro
aborda a Arteterapia, sua história, faz um pequeno esboço sobre o
arteterapeuta e suas relações com o cliente. O segundo capítulo enfoca a
DA, os danos causados ao cérebro, o diagnóstico, os sintomas, sua
incidência e o tratamento. Já no terceiro e último capítulo abrange os
problemas comportamentais inerentes à doença e os ateliês desenvolvidos
descrevendo as técnicas de colagem, pintura a dedo, argila e música.
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1 – Arteterapia
A noção de arteterapia inclui qualquer tratamento psicoterapêutico
que utilize como mediação a expressão artística: dança, teatro, música,
representação gráfica (pintura, desenho, gravura, modelagem, máscaras,
marionetes, etc). Todas estas atividades têm como objetivo comum a
"representação visual do domínio figurativo a partir da transformação da
matéria" (Païn & Jarreau, 1996).
Sendo uma área recente, datada do pós-guerra, é preciso que se
fale da palavra "arte" pelo sentido obtido a partir da segunda metade do
século, ou seja, não sendo mais um ofício da recriação da beleza ideal, de
estar a serviço da religião ou do entusiasmo pela natureza.
A arte se define pela diversidade, por propor algo que é pessoal e
único. O que ela oferece ao indivíduo é que este entre em contato consigo
mesmo, que se conheça e se aceite como um sujeito único que pode
exercer esta singularidade. Este sujeito ao se conhecer e se acolher pode
também aceitar os outros com suas próprias características e a partir daí
principiar relações em que ambos se completem sem dominação ou
rivalidade. São a partir destas relações que as trocas se estabelecem.
A partir de conceitos e vivências mostra-se que o trabalho do
arteterapeuta não é o de adaptar as pessoas à uma situação dada, mas
ajudá-las a perceberem a sua situação, saber como se sentem frente a ela e
ajudar a encontrarem meios de transformá-la, no que for possível, através de
oficinas criativas. É um trabalho silencioso que se realiza de dentro para
fora. A arte portanto oferece esta possibilidade de ritualização, gerando um
campo que se expande, criando uma condição favorável para que a energia
se movimente em prol da criação, da restauração da saúde.
Em arteterapia a preocupação maior é com o processo do fazer
propriamente dito. Uma imagem, uma situação, um sonho é perpassado e
transformado pelo fazer. O cliente ao materializar a situação estará
trabalhando com diversas funções (Jung, 2003).
O arteterapeuta precisa do pensamento para planejar, mas também
das suas habilidades sensoriais, de uma forma mais ou menos sutil,
colocando em ação a intuição. O trabalho pode começar de um jeito, depois
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ser modificado, e em alguns momentos tem-se que é isso mesmo, ou que
não é nada disso, ou que se está no caminho. Nesta hora é a intuição do
arteterapeuta e não o pensamento que dirige o fazer. O projeto, por mais
bem calculado, quando posto em prática faz aflorar sentimentos, sensações
diversas, rápidos insights. Com isso os arteterapeutas irão seguir criando,
modificando, amplificando imagens, sem se preocuparem com o certo ou
errado, mas sim guiados pelas respostas fornecidas pelo cliente.
Ao oferecer os diversos materiais expressivos, o arteterapeuta
fornece ao sujeito inúmeras formas dele se relacionar com os seus variados
aspectos e entrar em contato com os conteúdos que, muitas vezes, não
conseguem ser expressados pela linguagem tradicional.
"No mundo do inconsciente o tempo não é o linear, a espacialidade difere da usual e a lógica predominante é a da ambigüidade – onde muitas coisas podem ser não ser ao mesmo tempo, onde bem e mal convivem sem se excluir. A Arte também tem essas características e por isso serve tão bem como suporte e continente para os afetos e conteúdos inconscientes" (Vânia Osório, 1998).
Por acreditar no ser humano como um ser total, integrado ao meio
em que vive e a todo o Universo, a arteterapia procura difundir uma visão
mais abrangente do mundo e do próprio ser. Nesta busca do resgate da
dimensão integral do homem, a arteterapia, trabalha na interação de vários
saberes como o Educação, a Saúde, a Arte e a Ciência.
"O processo terapêutico é desenvolvido através de diferentes modalidades expressivas utilizadas de forma espontânea pelo indivíduo tais como: desenho, pintura, modelagem, colagem, tecelagem, sons, música, criação de personagens, histórias entre outras" (Eveline Carrano, 2003).
A arteterapia busca, então, auxiliar as pessoas a se encontrarem
com sua própria essência e a partir daí descobrirem seus valores morais e
seus objetivos. A base do trabalho reside na certeza de que todos, mesmo
nas condições mais desfavoráveis, são criativos e capazes, pois existe uma
força criadora interna.
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1.1 – A História
As primeiras pesquisas da relação entre a Arte e a Psiquiatria vem
do fim do século passado. Em 1876 foram publicadas, do médico psiquiatra
Max Simon, pesquisas sobre manifestações artísticas de doentes mentais e
uma classificação das patologias segundo essas produções artísticas. Em
1888, Lombroso, advogado criminalista, também fez uma classificação de
doenças psicopatológicas a partir de observações de desenhos.
Outros autores europeus começam a surgir, dentre os quais,
Morselli em 1894, Julio Dantas em 1900 e Fursac em 1906, relatando seus
estudos a respeito das produções artísticas de doentes psiquiátricos.
Através das comparações feitas por Mohr (1906), entre os doentes mentais,
pessoas normais e artistas, percebeu-se as manifestações de história de
vida e conflitos pessoais. Ele levantou a possibilidade dos desenhos serem
usados como testes, para se estudar os diversos aspectos da personalidade.
Suas idéias inspiraram diversos autores, entre os quais, Rorschach, Murray-
TAT, Szondi, sendo determinante para a concepção dos testes de
inteligência e motores feitos por Binet-Simon, Goodenough e Bender.
No início do século, Prinzhorn foi o primeiro a estudar (1910) e
publicar (1922) as comparações feitas dos desenhos dos doentes mentais e
as diversas escolas artísticas (impressionismo, expressionismo, surrealismo,
etc). Freud sob a luz da psicanálise escreve sobre os artistas e suas obras,
possibilitando a análise profunda das manifestações inconscientes, que
segundo ele revelam-se por meio de imagens, "sendo uma comunicação
simbólica com função catártica." (Andrade, 2000)
Na década de 20, Jung começa a usar Arte como parte do seu
trabalho, solicitando que seus clientes durante as seções, desenhem,
representem imagens de sonhos, situações conflitantes, etc. Estas situações
são por ele chamadas de simbolizações do inconsciente individual ou,
muitas vezes de inconsciente coletivo (Grinberg, 2003), decorrente da
cultura humana nas diversas civilizações.
Ao observar e estudar os símbolos, as diversas culturas e a
mitologia, Jung reúne os aspectos comuns e cria o conceito de arquétipo,
fonte de alimentação do psiquismo do homem primitivo ao moderno
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(Andrade, 2000). Ainda para Jung, a criatividade é uma função psíquica, não
aceitando que a Arte seja apenas o fruto de sublimação de instintos sexuais
e agressivos, discordando com isso, da teoria freudiana. Por volta dos anos
20 e 30 muitos trabalhos foram feitos, tendo como base o pensar dos dois,
Freud e Jung.
Margareth Naumburg foi a primeira a sistematizar a Arteterapia, ao
ouvir os relatos de seus pacientes que diziam ser mais fácil, na maioria da
vezes, desenhar um sonho do que contá-lo.
"Nós vivenciamos o sonho predominantemente através de imagens visuais; podem também estar presentes sentimentos e igualmente é possível estar mesclado pensamentos; os outros sentidos podem da mesma forma experimentarem algo, entretanto, o sonho, é por excelência uma questão de imagens. Parte da dificuldade do relato dos mesmos é devida à necessidade de se traduzir imagens em palavras. "Eu poderia desenhá-lo", alguém que sonha nos diz freqüentemente, "mas eu não sei como dizê-lo'" (Naumburg, 1966).
A partir daí desenvolve seu trabalho e teoria, baseado em suas
concepções educacionais e associações livres em trabalhos realizados
espontaneamente por seus pacientes.
Em 1958, Edith Kramer, também pioneira da arteterapia, inicia a
observação sobre o comportamento do cliente durante as sessões,
priorizando o processo do trabalho, o produto feito e não o trabalho artístico.
A função do arteterapeuta transforma-se da interpretação do produto para a
compreensão do meio, da linguagem plástica. Assim, Kramer introduz um
importante requisito para a formação e qualificação do arteterapeuta, a
necessidade de ser também professor de arte e artista (Kramer, 1982).
Sendo seguidora das teorias freudianas, para ela o terapeuta
especializado em métodos de terapia através da arte, deve possuir as
atitudes próprias do artista, do professor e do psicoterapeuta, vendo o
trabalho artístico como produto da sublimação da traumas infantis.
"O artista é uma pessoa que aprendeu a resolver mediante a criação artística os conflitos estabelecidos pela oposição entre as demandas dos impulsos e as demandas do superego" (Kramer, 1982, p.27).
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Apesar do pensamento psicanalítico, Kramer dá valor ao fazer, o
criar arte, a expressividade e a discussão do produto pronto, não se
utilizando de interpretação nem do exposto verbalmente pelo cliente, nem do
trabalho realizado. Esta sua nova visão foi criticada, sendo considerada
apenas como arte-educação e não um trabalho de arteterapia defendido por
Margaret Naumburg.
Em 1972, Françoise Dolto faz um trabalho integrado de psicanálise
e pediatria com crianças, utilizando como recurso os desenhos feitos por
elas. Para Françoise, pelo desenho, entra-se na essência da afetividade
(Dolto, 1971). Janie Rhyne em 1973, utiliza os princípios da gestalt-terapia
ao trabalho com arte. Em seu livro "The Gestalt Art Experience" faz
descrições de suas experiências e desenvolvimento de seus clientes por
intermédio da aplicação de suas técnicas de fazer arte.
No Brasil Osório César desenvolve em 1923 seus estudos sobre a
arte do alienados, criando em 1925 a Escola Livre de Artes Plásticas do
Juquerí em São Paulo. Realizando trabalhos e com mais de 50 exposições,
divulgou a expressão artística de doentes mentais, procurando afirmar a
dignidade humana deles, valorizando a arteterapia. Outro trabalho inovador
foi o de Nise da Silveira, criadora da seção de Terapêutica Ocupacional, em
1946, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II no Rio de Janeiro (Andrade, 2000).
Nise nasceu em 15 de fevereiro de 1905 em Maceió (AL). Sua
educação básica aconteceu em colégio de freiras, onde só havia meninas.
Aos 16 anos, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, onde era a
única mulher em uma turma com 166 homens. "Nunca aceite privilégio por
ser mulher", havia lhe dito o pai. Logo depois de formar-se em medicina, aos
21 anos, Nise da Silveira mudou-se para o Rio de Janeiro, pois o falecimento
de seu pai tornara inviável sua permanência em Maceió e ela decidiu buscar
emprego na então capital do país (Estrada, 1987).
A jovem médica pretendia especializar-se em neurologia, e passou
a ter aulas sobre o assunto com Antônio Austragésilo. Porém, quando surgiu
um concurso para psiquiatria no Centro Psiquiátrico da Praia Vermelha, o
professor inscreveu a aluna à revelia dela. Nise, que tivera pouco contato
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com o tema, passou a estudá-lo para se preparar para o concurso e acabou
por empolgar-se com os tratados de psiquiatria.
O trabalho no centro foi seu primeiro contato com os doentes, e por
causa de questões de ordem financeira, Nise mudou-se para o hospital
passando a conviver com os pacientes 24 horas por dia. Ali, percebeu que o
contato dos doentes com o mundo exterior poderia ser desencadeado por
elementos significativos para eles. O uso de alguns desses elementos para
estimular o contato com o mundo, seria a base dos métodos de tratamento
alternativo que a psiquiatra desenvolveria no futuro (ID).
O episódio da prisão da médica à época do Estado Novo, foi por
causa da denúncia de que possuía em seu quarto alguns livros
"comunistas". Este fato fez com que fosse companheira de prisão com
Graciliano Ramos. Após dois anos de prisão, Nise levou mais oito para
poder voltar ao serviço público (ID).
"Felizmente, eu nunca convivi com gente muito ajuizada". A
declaração da psiquiatra Nise da Silveira, em uma entrevista disponível em
vídeo no Museu Imagens do Inconsciente, é significativa de sua
personalidade. Durante toda sua vida, a médica dedicou-se com paixão
àqueles que a sociedade em geral trata apenas como loucos ou malucos
(Ramalho, 2001)
Lidar com papel, com costura, dança, argila. Lidar com os
sentimentos, a emoção, os medos e prazeres. Acima de tudo lidar com o
diferente, foi a grande descoberta da doutora Nise. Seus métodos,
admirados pelo psiquiatra Carl G. Jung (1875-1961) – em cujas idéias ela se
baseou – devolveram a humanidade a pessoas antes tratadas simplesmente
como alienadas e esquecidas por médicos e familiares no manicômios.
O uso de elementos significativos visando estimular o contato com o
mundo, foi a base dos métodos de tratamento alternativo que Nise da
Silveira desenvolveu para o futuro. Por não concordar com os métodos de
tratamento psiquiátrico (lobotomia, coma insulínico, eletrochoques), doutora
Nise assumiu a seção de Terapia Ocupacional do hospital do Engenho de
Dentro. Modificando os conceitos da época, que envolvia a terapia
ocupacional nas simples tarefas de lavar banheiros ou servir refeições,
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passa a oferecer oficinas nas quais os pacientes foram permitidos de liberar
sua criatividade em trabalhos com argila, pinturas, dança, costura e outras
formas de expressão (Ramalho, 2001).
Em 1947 organizou uma exposição e apresentou o resultado de sua
modificação à sociedade, surpreendendo inclusive os psiquiatras
tradicionalistas. "As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem
simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar", escreveu.
"Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, enfim, constituindo em si obras de arte" (Nise da Silveira, 1947).
Em 1952, cria o Museu de Imagens do Inconsciente. Apesar de
conseguir criar seu objetivo maior, um centro vivo de estudos e pesquisas
sobre o processo psicótico e, o acervo ser exposto em congressos e museus
de vários países, não ouviu a pergunta que mais queria: "Onde estão estes
homens e estas mulheres que fizeram estes trabalhos que nós estamos
admirando?" (Ramalho, 2001).
Suas pesquisas tiveram embasamento teórico nas obras do poeta
francês Antronin Artaud (1896/1948), que estivera internado por vários anos
e nos trabalhos de Carl G. Jung.
Todo o reconhecimento de Nise da Silveira foi válido para
comprovar o equívoco da comunidade psiquiátrica tradicionalista, mas trouxe
também a idéia de que ela pretendia revelar artistas. "Se catarem com uma
lente a expressão arteterapia no meu trabalho, não vão encontrar", disse ela
em entrevista em 1987. "Através da pintura, quis tornar, no processo
psicótico, o invisível visível. O que me cabia era estudar os problemas
científicos levantados por essas criações" (Ramalho, 2001).
O trabalho de Nise foi desenvolvido por ela até o final de sua vida,
quando estava presa a uma cadeira de rodas, em conseqüência de uma
fratura. Mesmo enfraquecida fisicamente, ela não deixou de se dedicar a
"seus" doentes e à luta contra os métodos convencionais de tratamento. Seu
falecimento por insuficiência respiratória, em 30 de outubro de 1999,
também não significou o fim de seu trabalho (Estrada, 1987).
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Nise da Silveira entendeu com profundo conhecimento a noção
junguiana e a instrumentalizou em seus ateliês enquanto linguagem para
produzir a comunicação entre paciente e terapeuta, mesmo negando de
forma categórica a expressão de arteterapia nos seus trabalhos.
"Para ela, a pintura adquire uma importante função enquanto instrumento de trabalho para o doente mental reconquistar um espaço cotidiano ao reconstruir a realidade" (Andrade, 2000).
Maria Margarida M.J. de Carvalho juntando seu interesse pela arte,
sua formação filosófica e sua atividade como professora de psicologia
desenvolve, em 1968, um trabalho em arteterapia. Em 1981 implanta o
primeiro curso de arteterapia em São Paulo. A partir daí vários cursos se
seguiram, citando: Luiz Duprat (1970); Angela Phillipini (1982); Selma
Ciornai (1990); Cristina Alessandrini (1996), Eliane D. de Castro e Elizabeth
A. de Lima (1998); Sônia Tommasi, Sônia Fortuna e Joya Eliezer. Estes são
apenas alguns dos muitos outros arteterapeutas que desenvolveram
trabalhos, pesquisas, publicações e cursos mostrando interesse pelos
recursos expressivos em muitos campos e lugares diferentes, descortinando
um inesgotável trabalho em arteterapia.
1.2 – Quem é o Arteterapeuta?
O arteterapeuta, como alguém que se dedica a uma ciência de
interface, deve conhecer os elementos relacionados à arte propriamente dita
e à psicoterapia. Muitas vezes, precisa escolher que faceta sua – artista,
terapeuta ou professor (quando ensina alguma técnica ou uso de material) –
deve ficar em primeiro plano em determinado momento durante a sessão
(Rubin, 1984), para que possa atingir os objetivos terapêuticos a que se
dispõe.
Por conhecer elementos diretamente ligados à arte, o arteterapeuta
lida tanto com os materiais quanto com os processos e produtos do fazer
artístico (Carrano, 2003). O material elaborado não tem por finalidade
duplicar o mundo real. O cliente cria uma realidade alternativa que, através
da transformação em "objeto de arte", pode ser compartilhada com os
outros.
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Com relação aos materiais (Carrano, 2003), é necessário conhecer
as superfícies sobre as quais as pessoas em atendimento podem trabalhar,
os materiais de desenho, os de pintura, os de modelagem, escultura, e os
materiais para construções tridimensionais, assim como, os instrumentos
que podem ser utilizados na execução dos mesmos. É essencial ainda que o
arteterapeuta tenha experiência no manuseio dos materiais oferecidos, a fim
de que saiba, vivencialmente, que aquele material específico pode ser
facilitador para determinado caso, estruturador ou desestruturador, podendo
sugerir o material mais adequado às intenções criativas do cliente e
conseguindo auxiliar possíveis dúvidas técnicas. Conhecer os diversos
recursos plásticos possibilita dar os subsídios necessários às escolhas dos
clientes, evitando frustrações desnecessárias.
Ao selecionar ou sugerir um material para alguém, deverá levar em
consideração a importância do mesmo, tanto para a intenção criativa do
cliente quanto na habilidade necessária para manuseá-lo com sucesso.
Além do mais, cada material (Carrano, 2003) têm suas potencialidades e
limitações na maneira de ser utilizado e o seu manuseio tende a manifestar
determinados sentimentos e reações.
Além dos aspectos práticos, é essencial o arteterapeuta estar
atento às potencialidades simbólicas dos materiais (Oaklander, 1980) pois a
elas existem respostas não só cognitivas mas também emocionais. Lidar
com argila algumas vezes desperta o sentimento de sentir-se sujo, outras
vezes a sensação tátil pode ser extremamente prazerosa. É necessário ter
consciência dessas possibilidades, ser capaz de avaliar o impacto que é
causado nos clientes, podendo desse modo compreender os mesmos.
O processo de execução está intimamente ligado à característica
física do material (Oaklander, 1980), mas não restritos a ela. O arteterapeuta
deve ser capaz de usar sua criatividade e poder propor novas formas de
uso. Um dos desafios é saber quando dar instruções e quando deixar e/ou
incentivar o cliente a seguir seus projetos (Norgren, 1998). É importante a
criação do ambiente, tanto físico quanto psicológico, onde a liberdade se
torne verdadeiramente possível, encorajando a experimentação, livrando o
cliente da preocupação com críticas e culpas sobre o que é expresso,
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possibilitando a experiência a mais enriquecedora possível (Carrano, 2003).
Pois a melhor forma de entrar em contato com algo novo é pela
experimentação, e no processo arteterapêutico o indivíduo descobre e
entende sua idéias e sentimentos no fazer.
1.3 – Relação Arteterapeuta X Cliente
Em relação à produção realizada, o arteterapeuta deve tomar
cuidado para não enfatizá-la em demasia, desviando sua atenção da pessoa
que o criou e do processo de criação.
Para diversos autores os seres humanos são criaturas complexas,
bem como o seu comportamento expressivo e suas realizações. As
informações que a linguagem da arte, as teorias de desenvolvimento e do
funcionamento psicológico possam trazer a respeito do cliente, só poderão
ser validadas através da relação com este.
Conhecendo a forma, o arteterapeuta poderá observar o grau de
organização, clareza, originalidade, a estrutura: linhas, formas, cores,
ocupação do espaço, o movimento, o equilíbrio. Não basta só olhar para a
obra, ela deve ser vista dentro do contexto em que foi criada, sua seqüência
de realização, as associações verbais e não verbais ligadas a ela, a
linguagem corporal do indivíduo durante o processo da criação, pois cada
um desses aspectos é rico em mensagens e que precisa ser levado em
consideração, se o arteterapeuta quiser realmente conhecer a pessoa que
se coloca à sua frente (Carrano, 2003). Esta postura deve-se manter tanto
para os atendimentos individuais, quanto para os em grupo.
Com esta linha de pensamento, o arteterapeuta se preocupa com a
necessidade de cada indivíduo, pois ele cuida para que a experiência ocorra
de forma livre e enriquecedora, possibilitando ao cliente conscientizar-se e
adequar-se ao seu modo de agir e do seu processo.
O trabalho de arteterapia não é só o fazer, sendo essencial refletir
sobre o que foi feito. Há tanto valor na execução quanto na reflexão sobre o
trabalho de arte. A demanda do cliente após a oficina, sobre as dificuldades
e o prazer é muito importante para o seu auto-conhecimento. É ele quem vai
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dar significado à sua obra e não o terapeuta (Carrano, 2003). Pode-se dizer
que a combinação do fazer e sentir é que dá à arteterapia o seu poder.
"Tanto na Arte como na terapia manifesta-se a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e com o mundo...estabelecendo novas relações entre seus elementos, misturando com o novo, o conhecido com o sonhado, o temido com o vislumbrado, trazendo assim novas interações, possibilidades e crescimento" (Ciornai, 1988).
No dizer de Ostrower:
"criar é tão difícil ou tão fácil como viver. E é do mesmo modo necessário."..."A criatividade é a essencialidade do humano no homem. Ao exercer seu potencial criador, trabalhando, criando em todos os âmbitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e lhe dá um sentido." (1989)
Ou seja,
"O arteterapeuta precisa estar com seus canais criativos abertos para ter a sensibilidade de perceber quando e como utilizar as técnicas e materiais adequados para obter melhor resultado com seu paciente. Além do que o bom terapeuta é aquele que deve entrar na sessão só com a emoção (sem teorias). Ao final da sessão é que ele, utilizando-se das teorias e conhecimentos que tem (todas são válidas), vai analisar as necessidades do paciente." (Carrano, 2003)
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2 – Doença de Alzheimer
"O que aconteceria se... Você se encontrasse numa enorme e estranha sala de jantar cheia de pessoas idosas e doentes? Você procurasse por uma face ou voz familiar, mas tudo, sons, ambiente e sentimentos, estivessem confusos? Como você chegou aí? O que você deveria estar fazendo? Onde você deveria estar? Há quanto tempo você está aqui? Algum familiar seu saberá como encontrá-lo? Você caminha tentando fazer de conta que está fazendo alguma coisa: sempre há algo a ser feito e todos parecem estar sempre ocupados com alguma coisa. Você diz ao jovem todo de branco perto de você que está na hora de você ir para casa, mas ele responde: "Agora esta é a sua casa!" "Oh, parece que o senhor está se esquecendo de algo, um monte de coisas!". Alguém deve estar esperando por mim, preocupado por não saber onde estou. Por que as pessoas estão sorrindo para mim como se me conhecessem? "Oh, meu pai vai me matar se eu não chegar cedo em casa!". Viver com a perda de memória, como um ser estranho numa terra desconhecida, estar constantemente preocupado com o que deveria estar fazendo , se está ou não cumprindo com suas obrigações, se alguém sabe como o encontrar. Você sabe quando você tem estado...É como sair de uma caminhada no meio das árvores e foi assim que começou...Eu sempre estava fazendo o que era esperado que fizesse...Às vezes não sei sobre o que eu estava falando..." Parte da gravação de um paciente com Alzheimer relatada pela Dra. Jennifer Horner (1985).
Através de uma avaliação em 1999, feita pela Federação Espanhola
de Associações de familiares de Enfermos de Alzheimer (AFAF). Uma, em
cada 10 pessoas maiores de 80 anos será portadora da Doença de
Alzheimer (DA) a cada ano que passa. A mesma probabilidade vale para 1
a cada 100 pessoas maiores de 70 anos e 1 a cada 1000 pessoas maiores
de 60 anos. A Doença de Alzheimer acomete de 8 a 15% da população com
mais de 65 anos (Ritchie & Kildea, 1995).
Existem atualmente em todo mundo entre 17 e 25 milhões de
pessoas com a DA, o que representa 70% do conjunto das doenças que
afetam a população geriátrica. Assim, a DA é a terceira causa de morte nos
países desenvolvidos, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e
para o câncer. Os pacientes de Alzheimer já são quatro milhões nos Estados
20
Unidos. No Brasil, não há dados precisos, mas estima-se que a confusão
mental atinge por volta de meio milhão de idosos.
Alzheimer é o nome de um médico alemão, Alois Alzheimer (1864-
1915), que em 1906, ao fazer uma autópsia, descobriu no cérebro morto,
lesões que ninguém nunca tinha visto antes. Tratava-se de um problema de
dentro dos neurônios, os quais apareciam atrofiados em vários lugares do
cérebro, e cheios de placas estranhas e fibras retorcidas, enroscadas umas
nas outras. Desde então, esse tipo de degeneração nos neurônios ficou
conhecido como Placas Senis, característica fundamental da Doença de
Alzheimer.
Segundo informações científicas no início, o paciente com DA
mostra apenas uma leve perda de memória, a qual chega a atrapalhar o
pensamento em geral. Ao paciente parece difícil resolver alguma conta ou
fazer raciocínios simples, depois pode surgir uma fase com desorientação,
dificuldade para tomar decisões ou mesmo para conversar. Daí para frente
os sintomas se agravam. (Ballone, 2000)
Apesar de tratar-se de uma doença predominantemente senil, essa
questão deve preocupar também o público de qualquer idade porque, num
futuro próximo, esses números passarão a fazer parte das perspectivas de
vida daqueles que hoje são ainda jovens.
Até hoje, os pesquisadores informam que a DA continua sendo uma
síndrome de causa desconhecida e incurável. Mas, nos últimos anos as
perspectivas em relação à doença têm sido abordadas com um certo
otimismo realista, tendo em vista as possibilidades da ciência retardar os
sintomas da enfermidade. A medicina está começando a detectar os sinais
da doença décadas antes dela surgir. Estamos muito próximos de começar
ensaios clínicos dirigidos a evitar que se produzam as primeiras lesões
cerebrais da doença, as quais têm início em torno dos 40 anos (Id).
Além disso, as pesquisas genéticas parecem deixar claro que, se a
pessoa possui alguns genes defeituosos, poderá ter a DA no futuro. Com
modernas técnicas de pesquisa genética já se vislumbra a possibilidade de
saber se a pessoa vai ou não ter, desde os 20 anos de idade, a Doença de
Alzheimer na senilidade.
21
2.1 – Como fica o cérebro na Doença de Alzheimer?
Conforme estudos de neuroanatomia (Machado, 1993), em algum
período da doença, as células nervosas na parte do cérebro que controla a
memória, o raciocínio e a capacidade de julgamento ficam danificadas,
interrompendo-se assim as mensagens entre os neurônios. Estas
mensagens são passadas por agentes químicos ou neurotransmissores.
Faltaria um neurotransmissor específico nos portadores de DA e acredita-se
que isso esteja relacionado à doença. Ocorreria uma atrofia de superfície
cerebral, requisito importante para o indivíduo pensar e funcionar. Os
ventrículos cerebrais ficam maiores. As células nervosas também se
modificam e essas modificações, sinais da doença, podem ser vistas por
ocasião da autópsia. Essas alterações são denominadas placas neuríticas
ou emaranhados fibrilares. Das muitas possibilidades estudas é que a
Doença de Alzheimer pode ser resultado de um vírus que se desenvolve
lentamente, uma anormalidade genética ou um problema imunológico, mas a
teoria mais confiável é a da falta do neurotransmissor.
2.2 – O diagnóstico da Doença de Alzheimer
Os pesquisadores da Doença de Alzheimer (DA) ainda estão um
tanto distantes de seu intuito final – um marcador diagnóstico válido,
confiável, barato e precoce –, mas agora têm os instrumentos para
diagnosticar a doença com 85% a 90% de precisão. Apesar da falta de um
tratamento para a DA, o diagnóstico precoce apresenta vantagens. Vinte por
cento dos casos com suspeita de DA transformam-se em algo mais, muitas
vezes algo que pode ser tratado ou até revertido (Gwyther, 1985).
Tumores, acidentes vasculares cerebrais, depressão severa,
problemas de tireóide, efeitos colaterais de medicação (ou intoxicação
medicamentosa), distúrbios nutricionais e certas doenças infecciosas
podem, todos, ter efeitos que simulem os de DA. O diagnóstico precoce
aumenta as chances de tratar essas afecções com sucesso.
Estes mesmos dados mostram que um diagnóstico definitivo da
doença é possível apenas nos exames pós-mortem, quando podem ser
detectados as placas e os emaranhados que marcam a doença. Porém, com
22
os instrumentos agora disponíveis, os médicos podem contar com 85% a
90% de precisão, de acordo com estudos nos quais o diagnóstico clínico foi
mais tarde confirmado por autópsia (Id).
Os clínicos diagnosticam "possível DA" e "provável DA", usando
critérios estabelecidos em 1984 pelo National Institute of Neurological and
Communicative Disorders and Stroke e pela Alzheimer's Disease and
Related Diseases Association:
• Descrição detalhada de como e quando os sintomas se desenvolveram;
• Antecedentes pessoais e familiares;
• Avaliação das condições emocionais do paciente e do ambiente em que
vive.
A avaliação da doença normalmente inclui testes de memória,
exames de sangue e imagens do cérebro (tomografia, PET, SPECT,
ressonância magnética).
Os estudos mostram que além do método em avaliar-se o quadro
clínico e do método do exame anátomo-patológico para o diagnóstico de DA,
restariam as provas genéticas e a neuroimagem cerebral. As provas
genéticas estudam a possibilidade do gene defeituoso Apo-E, mas ainda não
estão totalmente disponíveis e nem solidamente estabelecidas. Já, em
relação à neuroimagem da Doença de Alzheimer, obtida pelo SPECT
(tomografia computadorizada com emissão de fóton único) e pelo PET
(tomografia por emissão de pósitrons), algumas alterações típicas da doença
estão relativamente bem estabelecidas, como por exemplo uma acentuada
redução do lobo temporal médio e do hipocampo que pode ser bem
avaliadas até por meio da Ressonância Magnética Nuclear (Ballone, 2000).
Quanto à neuroimagem funcional, há um padrão de baixo
funcionamento (hipometabolismo) na região temporoparietal característico
dessa doença. Portanto, atualmente, o PET ou SPECT são os exames mais
confiáveis para embasar uma suspeita clínica da doença.
Através da tomografia computadorizada as características de
imagem dessa doença pode-se notar num aumento do volume dos
ventrículos laterais, terceiro ventrículo com tamanho de até 2 vezes o
tamanho normal, associado ao alargamento dos sulcos corticais. Mas essa
23
alterações também não são exclusivas da Doença de Alzheimer, podendo
ser encontradas em outros estados demenciais ou mesmo no
envelhecimento normal.
Segundo pesquisas há inúmeras descrições de alargamento
significativo da fissura hipocampal nos pacientes com DA, correlacionando
os achados de neuroimagem aos aspectos de perda da massa neuronal nas
regiões têmporo-hipocampais, que são as principais estruturas responsáveis
para os processos de memória. Os trabalhos de George et al. (1990),
conseguiram distinguir corretamente 80% dos pacientes com DA baseado na
atrofia da região hipocampal e identificaram mais de 95% de indivíduos
normais onde a ausência de atrofia temporal praticamente afastou o
diagnóstico de DA.
2.3 – Os sintomas da Doença de Alzheimer
O esquecimento benigno (normal) faz parte do processo de
envelhecimento, que começa geralmente na meia-idade. O esquecimento
normal é diferente na DA nos seguintes aspectos, e foram relacionados com
base nos estudos médicos durante a pesquisa da doença (Gwyther,1985).
• Quando se esquece um nome, geralmente ele é lembrado mais tarde,
mas o portador de DA se esquece da pessoa cujo nome estava tentando
lembrar.
• Quando perdemos objetos da vida cotidiana, sabemos como encontrá-
los. Os pacientes da doença não se lembram quando e onde perderam o
objeto e normalmente inventam histórias para explicar o
desaparecimento dos mesmos
• O esquecimento normal significa esquecimento de parte de fatos não
importantes de uma experiência, mas não o acontecimento como um
todo. Os doentes de Alzheimer esquecem totalmente de acontecimentos
recentes.
• O esquecimento normal envolve fatos acontecidos anos atrás. O portador
da doença esquece o que aconteceu há alguns minutos atrás.
Curiosamente, entretanto, ao mesmo tempo em que está prejudicada a
memória para fatos recentes, como por exemplo o que teve no jantar de
24
ontem, pode haver lembranças claras de um passado mais distante. O
paciente freqüentemente se lembra e repete histórias de sua infância
com riqueza de detalhes impressionante.
• Pessoas normalmente esquecidas usam lembretes e anotações, o que
não ocorre com o doente de Alzheimer.
• Normalmente, a pessoa esquecida não perde a capacidade de
orientação. O paciente de DA perde a capacidade de procurar e usar
pistas que ajudariam em sua orientação.
O prejuízo da capacidade de lidar com as coisas (pragmatismo),
leva o paciente a precisar de ajuda para executar tarefas rotineiras,
anteriormente realizadas com facilidade. Ele pode, com o evoluir da doença,
não mais reconhecer seus familiares e mesmo esquecer como realizar
tarefas simples, como por exemplo, se vestir, tomar remédios, tomar banho,
etc. Essa progressão da doença leva a um estágio mais avançado, quando
então a pessoa perde completamente a memória, a capacidade de
julgamento e o raciocínio. Daí em diante será necessário ajudá-la em todos
os aspectos do dia a dia.
Segundo as pesquisas (Ballone, 2000) além de ser uma doença
progressiva com piora dos sintomas, a DA possui uma variação muito
grande pois, estes sintomas evoluem em taxas e padrões diferentes. Dessa
forma, um paciente pode começar a ter problemas com a coordenação
motora mais cedo que outro ou reter algumas memórias por mais tempo. Os
pesquisadores, que precisam ter algum modo padronizado de determinar a
progressão dos sintomas, compuseram diversas escalas. Uma a Clinical
Dementia Rating (CDR), delineia 5 etapas na doença, enquanto outra, a
Global Dementia Scale (GDS), tem 7 etapas. No entanto, a maioria dos
profissionais que trabalha com pacientes e famílias pensa na doença em 3
fases: leve, moderada e severa. Elas serão citadas abaixo, mas tem-se que
ter em mente que estas divisões são aproximadas, que elas se sobrepõem e
que o aparecimento e evolução dos sintomas variam de um indivíduo para o
outro.
Sintomas Leves (perda da memória recente afetando o desempenho de
atividades)
25
• Confusão e perda de memória para coisas simples
• Confusão: perder-se em locais familiares
• Trabalhos de rotina são executados mais lentamente
• Alterações de personalidade e do julgamento
• Perda de espontaneidade, interesse ou pique pela vida
Sintomas moderados (crescente perda de memória e confusão: tempo de
atenção reduzido)
• Dificuldade com atividades da vida diária, como alimentação e banho
• Angústia, ansiedade persecutória, agitação
• Distúrbios do sono
• Deambulação sem propósito definido
• Dificuldade em reconhecer familiares e amigos
• Dificuldade com leitura, escrita e números
• Alteração de percepção e de ordem motora
• Movimentos e falas repetidas
• Dificuldade de raciocínio
• Irritação, choro, desconfiança, implicância, modos infantis
Sintomas severos (não se reconhece no espelho ou a própria família)
• Perda da fala
• Perde de peso (mesmo alimentando-se bem) pela dificuldade de engolir
• Perda do controle esfincteriano
• Dependência total nas atividades de vida diária
• Eventualmente coloca tudo na boca e apalpa tudo
• A pele fica sensível e sujeita a rachaduras e infecções
Em um de seus artigos de jornal, Cary Henderson comentou: "Acho
que esta doença nos torna meio irracionais – algumas vezes muito
irracionais – e algumas vezes ficamos sem medo, outras vezes vamos
ficando ausentes dos acontecimentos". Como a DA traz prejuízos à memória
e as habilidades mentais, há o surgimento de alterações nas emoções e no
comportamento. Estima-se que 70% a 90% dos pacientes com DA
eventualmente desenvolvam sintomas comportamentais. Um dos mais
comuns é a agitação, que uma paciente descreve: "É uma sensação como
nenhuma outra – como se o seu motor estivesse correndo a 160Km/hora e
26
você não conseguisse ir a parte alguma". Além da agitação, os pacientes
com a doença costumam experimentar sentimentos de raiva, frustração e
depressão. A doença pode também pode levar a comportamentos de
vaguear, andar compulsivamente e gritar. Pensa-se que esses sintomas da
doença e seus efeitos sobre a família sejam uma das razões mais comuns
para a institucionalização dos pacientes com DA (Gwyther, 1985).
Algumas características de portadores de DA são (Gwyther, 1985):
1. Os portadores de DA são extremamente instáveis. O melhor professor é
geralmente a experiência com cada paciente ao longo do tempo.
Entretanto, o que funciona hoje talvez não funcione amanhã ou depois.
2. Como arteterapeutas de uma casa de portadores de DA não podemos
curar a doença nem ensiná-los a lembrar-se de acontecimentos recentes.
3. A maioria dos pacientes de DA não é deliberadamente teimosa, má,
ingrata ou desconfiada. A deteriorização do cérebro faz com que eles de
modo geral se comportem diferentemente do que gostariam. Seu
comportamento está além de qualquer explicação racional ou controle da
vontade. As vítimas de DA são ainda adultos que merecem tratamento
digno em todas as horas.
4. Os portadores de DA são realisticamente dependentes porque são
incapacitados funcionalmente. Trata-se de uma doença progressiva.
5. O cuidado com a DA é mais do que teorias e afirmações óbvias. Há
habilidades e conhecimentos que fazem o trabalho com esses pacientes
e suas famílias muito compensador.
O crescente entendimento das mudanças normais e anormais que
ocorrem com a idade nos assegura, que grandes perdas de memória,
raciocínio e julgamento, acompanhadas de mudanças de personalidade,
humor, comportamento e capacidade de se cuidar, é o processo de uma
doença. Oitenta por cento das pessoas acima dos 80 anos não têm essa
doença. A DA está recebendo a atenção que merece porque é a causa mais
comum da perda grave da capacidade de pensar e da habilidade de lembrar
em pessoas de meia-idade e idosas. É a quarta causa de morte em pessoas
de mais de 75 anos, e essas pessoas formam o grupo de maior crescimento
27
nos Estados Unidos. Tudo isso fez com que a DA e outras doenças
incuráveis se tornassem um dos maiores problemas de saúde pública dos
últimos tempos.
Outras alterações comportamentais, comprovadas pelos
pesquisadores, mostram que o portador da doença fica com uma
desorientação tão grande em relação ao local, à datas e às pessoas que
pode-se pensar tratar-se de delírio (mas não é). De 10 a 25% deles têm
alucinações e a maioria, de 40 a 60% têm sintomas depressivos (Ballone,
2000).
Ainda segundo os dados das pesquisas pacientes com transtornos
psicóticos prévios, e que começam a apresentar prejuízo progressivo da
cognição (integração da consciência), evoluem muito mais rapidamente para
a demência. Havendo alguma doença mental anterior à DA, principalmente
doença do tipo psicose, fará com que o paciente apresente maiores
alterações comportamentais, tais como delírios, alucinações, agressividade,
agitação, furor, mudanças de personalidade, alterações sexuais e perda das
noções de higiene (Id).
O paciente com DA confunde facilmente a realidade e, para ele, não
é claro a diferença entre o presente e o passado, assim como não é claro a
diferença entre esse ou aquele filho ou parente. Essa alteração da
consciência é que chamamos de alteração cognitiva (Id).
A confusão que ele faz entre as pessoas da família pode ser muito
frustrante, já que somos acostumados a sermos bem identificados por
nossos familiares através do convívio diário. Os estudos também mostram
que os indivíduos no primeiro estágio da doença, ficam geralmente
deprimidos e frustrados por não poderem fazer tudo tão bem como faziam
antes. Por ser uma doença degenerativa os indivíduos notam o que está
acontecendo, antes da doença tomar as proporções que levem aos
problemas de memória, mas por não terem controle sobre essas
modificações começam a ter sintomas depressivos (ID).
A depressão de DA cursa normalmente com ansiedade de
intensidade apenas moderada (Bungener, 1996), mas a tríade apatia-
desânimo-desinteresse e a insônia podem ser marcadamente presentes. A
28
apatia da doença (Ballone, 2000) pode acometer até 90% dos casos e por
isso, costuma ser o sintoma mais mal tolerado pelas pessoas envolvidas
(profissionais ou parentes) que cuidam dos indivíduos comprometidos. Por
esse sintoma é de extrema importância que não exijamos dos doentes aquilo
que eles não podem dar.
Nas pesquisas também têm sido observados muitos transtornos
alimentares, como anorexia e a hiperfagia. Não estão claras quais são as
causas dessas mudanças, mas elas podem se relacionar com mudanças
internas e externas, uma vez que a capacidade dos doentes de detectar as
sensações tornou-se menor interferindo na necessidade de comer ou na
saciedade da fome (Ballone, 2000).
2.4 – Quem pode ter a Doença de Alzheimer?
A Doença de Alzheimer geralmente afeta as pessoas acima de 65
anos, com prevalência maior em mulheres do que homens. Quanto mais
velha a pessoa, maior a probabilidade de desenvolver a doença. Entretanto,
algumas vezes as pessoas mais jovens, por volta dos 40 anos, podem
também ser afetadas. Portanto, em tese, todas as pessoas estão sujeitas a
esta doença. Nenhuma profissão, nível de escolaridade, raça ou nível sócio-
econômico está imune.
Em certo número de casos a DA pode ter uma natureza familiar,
enquanto em outros, apenas uma pessoa da família pode ser afetada. De
qualquer forma, as pesquisas genéticas sobre a doença têm evoluído
bastante e, até agora, parece haver uma certa predisposição constitucional
para desenvolver esse mal (gene defeituoso no cromossomo 19, chamado
Apo-E, cuja função é secretar a apolipoproteína, molécula responsável pelo
transporte de colesterol no sangue) (Ballone, 2000).
2.5 – Tratando a Doença de Alzheimer
Muitos estudos sugerem haver melhoras em pacientes deprimidos e
com DA quando tratados com antidepressivos e, ainda mais, que tal melhora
pode ocorrer mesmo que o quadro depressivo não esteja claramente
definido (Reifler, 1989; Passeri, 1985).
29
Este é um dado muito importante e justifica a ênfase ao tratamento
psico-farmacológico para o paciente de Alzheimer, principalmente
considerados pelos médicos que de um modo geral, a depressão na DA
tende a responder bem a medicações antidepressivas. Os medicamentos
também podem melhorar os sintomas de irritabilidade, inquietação, alteração
do ritmo sono-vigília, etc.. Mas quanto a perda de memória e distúrbios de
comportamento não se têm conhecimento dos remédios que poderiam
amenizá-los.
No tocante ao tratamento não farmacológico para o paciente de
Alzheimer, seria a estimulação aqueles que ainda estão na primeira e
segunda fase, com uma melhor estruturação do tempo, ocupação,
elaboração de rotinas e atividades de produção (Ballone, 2000).
30
3 – Lidando com problemas de comportamento associados à
DA.
Pacientes com a doença não se tornam infantis, irracionais,
teimosos, desconfiados e nervosos deliberadamente. A maioria desses
episódios irracionais deve-se a modificações interiores, e que o paciente têm
dificuldade de descrever com suas próprias palavras o que lhe acontece. Por
isso o sentimento de vergonha e embaraço estão presentes (Gwyther,
1985).
Baseada nos relatos já descritos nos dois primeiros capítulos, existe
alguns cuidados que devem ser respeitados antes mesmo que se façam as
oficinas. Estes dizem respeito aos problemas de comportamento que estão
associados a DA e, que interferem de uma maneira ou de outra na atividade.
Para que as propostas fossem concluídas, foi necessário seguir algumas
metas (Gwyther, 1985) que foram de uma ajuda muito grande para que tudo
corresse bem. São elas:
♯ Festejar os aspectos dos pacientes que ainda estão intactos. Não se
preocupar muito com os dias ruins, nem ficar muito animado com os dias
bons;
♯ Reafirmar ao paciente um cuidado contínuo;
♯ Procurar paliativos para a perda de controle – tentar controlar a situação
distraindo-o; não fazer muitas perguntas de uma vez, quando o paciente
estiver alterado; observar o que desencadeou o comportamento
inadequado;
♯ Criar técnicas que demonstrem respeito pelos sentimentos adultos do
paciente e, não por seu comportamento infantil .
Na proposta da arteterapia, o arteterapeuta têm que ter em mente
que as pessoas com a doença freqüentemente se aborrecem por querer
executar atividades e não conseguir. Por causa desta dificuldade
pragmática, se torna necessário fazer a atividade junto com o paciente,
permitindo que ele faça o máximo que puder por conta própria, mas estando
pronto para ajudar diante da dificuldade.
Muitas pessoas com DA que tiveram habilidades especiais, tais
como diretores, executivos e bancários ficam embaraçados quando
31
entendem, em certo estágio, que não conseguem mais manter estas
habilidades (Gwyther, 1985). Evitar uma conversa específica sobre a sua
antiga profissão é importante, para não frustrá-los ou embaraçá-los, uma vez
que há uma certa dificuldade para eles descreverem suas antigas
profissões.
Os pacientes com sinais precoces de DA podem realmente ficar
deprimidos. A maioria tem a sensação de que algo não está certo, uma
sensação de fracasso ou sentimento de que estão sendo postos de lado dos
acontecimentos. Os portadores de DA ficam piores com a depressão. E essa
constante tristeza afeta tudo o que fazem, assim como as pessoas ao seu
redor (Gwyhter, 1985).
Não forçar a interagir ou participar e ficar ao seu lado, reforçando
seus pontos positivos é uma grande ajuda. Não tentar conduzir um papo
animado, pois isso pode angustiá-lo e fazer com que se sinta
incompreendido. Este tipo de comportamento leva a uma resistência para as
atividades, e uma saída é a de começar a fazer junto com ele o trabalho e,
aos poucos envolvê-lo a participar com o grupo lhe dando a alternativa de
voltar a fazer sozinho caso deseje. Receber tarefas ou ser solicitado a ajudar
alguém mais frágil fisicamente, é um forte antídoto para a depressão (Id).
Como vaguear é uma grande problema para pacientes
demenciados, foram propostas mais teorias e soluções do que para qualquer
outro tipo de sintoma dessa doença. Algumas teorias são baseadas no estilo
de vida anterior a DA, outras encaram a necessidade de vaguear como
sendo a expressão de falta de objetivo, excessiva agitação ou necessidade
de auto-estimulação de qualquer doença que prejudique o cérebro. Com
este sintoma as atividades que envolvam música, dança e instrumentos
musicais são muito bem aceitas, pois se canaliza por um pequeno período, o
vaguear "sem sentido" (Gwyther, 1985).
Os portadores de DA cada vez têm maior dificuldade de entender o
ambiente e as experiências pelas quais estão passando, fazendo com que
fiquem cada vez mais preocupados. É muito difícil aceitar que você
esqueceu onde pôs suas coisas. O paciente de DA sente-se vítima de algo
que lhe rouba o bem-estar e a independência. Ele reconhece poucas
32
pessoas à sua volta e os mais próximos são os mais suspeitos. A
desconfiança aumenta quando são tratados como "loucos", "surdos" ou
"retardados". Alguns deles ficam tão absorvidos por esse problema que
julgam que uma simples conversa que ouçam, refere-se imediatamente a
eles. Em suas mentes há uma conspiração para lhes tirar dinheiro, posses,
poder ou influência. Na realidade, vivenciam muitas perdas (financeiras,
sociais e de si mesmos), apegando-se desesperadamente ao pouco que
ficou para si mesmos (Id).
Reação catastrófica. Essa é a expressão usada para descrever o
comportamento de um demenciado quando a situação está acima de sua
capacidade de pensar e reagir. O paciente parece tenso, muito crítico ou por
demais emocionado, fora da proporção do incidente causador do problema
(Gwyther, 1985).
O que ocasiona reações catastróficas? Como todos os pacientes
com doenças em outras regiões do organismo, o órgão mais vulnerável do
portador do demenciado é o cérebro. Não importa qual tenha sido a situação
causadora do problema, ambiente ou doença aguda, o demenciado
responderá com sintomas de aumento de agitação, problemas de
comportamento ou confusão recente. Os pacientes de DA também têm
impulsividade descontrolada, pois a parte cerebral que controla a maioria
dos impulsos infantis, tais como retrucar, é atingida pela doença (Id).
Finalmente, o paciente com DA perde a capacidade de julgar como
adulto, não conseguindo avaliar a seriedade do incidente ou prever a
conseqüência de seu comportamento nos outros. Ele pode perder a
capacidade de pensar "nos outros", uma fonte de frustração para a família
de um modo geral.
Tomando como base de informação de programação de atividades
(Gwyther, 1985) para estes casos, devemos seguir regras básicas para um
melhor aproveitamento. São elas:
♯ Pequenos grupos por períodos bem curtos, com muita supervisão;
♯ Cantar músicas antigas usando instrumentos simples ou simplesmente
com gestos;
33
♯ Não forçar a participação se o paciente estiver anormalmente teimoso,
resistente ou perturbado. Diga: "tudo bem, na próxima vez o Sr. (Sra.)
participa";
♯ Simplificar as instruções e evitar as atividades muito movimentadas com
pacientes que se alteram com esses movimentos;
♯ Nunca pedir a um paciente que já fez certas atividades mais complicadas
para fazer uma versão mais simplificada dessa mesma atividade. Muitos
estão conscientes de suas perdas de habilidade e, se deprimem com a
conscientização de suas limitações quando são solicitados a fazer uma
versão mais simplificada de algo que faziam com sucesso;
♯ A maioria dos pacientes de DA gosta de balas, doces e quaisquer outras
guloseimas ou de outros símbolos de recompensa ou atitude maternal.
Qualquer atividade que inclua ou termine com um prêmio será um
sucesso;
♯ Material adaptado e comestível é muito mais aceito. Por exemplo, iogurte
ao invés de tinta especial para pintar com os dedos, ou massa de pão ao
invés de argila.
A perda do controle da impulsividade, conseqüente de algum mal
cerebral, resulta em comportamento infantil, retornando ao que havia sido
mudado com nosso aprendizado durante a infância. Não tem nada haver
com educação e disciplina bem sucedida na infância. O paciente pode
perder a modéstia ou a noção do que é considerado comportamento
adequado em público (Id).
A idéia de tempo fica gravemente afetada com a DA. Os pacientes
tornam-se incapazes de tolerar pequenos atrasos. Podem não ter idéia de
que há outras pessoas em torno dela que precisam de cuidados e atenção.
Seu mundo reduziu-se a si mesmos e a seus sentimentos de prazer, dor ou
desconforto, não podendo esperar nada por 5 minutos, porque não
entendem o conceito de 5 minutos (Gwyther, 1985).
Com estes pacientes atividades com músicas e exercícios são os
programas mais seguros e divertidos. Essas atividades não exigem muito e
tudo o que o paciente faz está perfeito, absorvem o excesso de energia,
34
estimulam o companheirismo e não requerem muita coordenação, longos
períodos de atenção nem materiais perigosos.
3.1 – Os ateliês do Feliz Viver
Deste ponto em diante procuro relatar as experiências vividas no
período de julho de 2003 até a presente data, das atividades propostas junto
aos residentes da referida casa. Nem todos são portadores da Doença de
Alzheimer, mas por serem pessoas com idades bem avançadas a questão
principal da doença, no caso a memória, também comprometeu
sobremaneira seus comportamentos.
Procuro ater-me a algumas técnicas da arteterapia, aquelas que
achei serem de melhor relevância no meu trabalho e que as respostas foram
mais visíveis tornando possível fazer um trabalho de monografia.
Por questões éticas não são citados nomes, tanto de pacientes
quanto dos seus familiares.
3.2 – Colagem
A colagem é qualquer desenho ou quadro feito grudando-se ou
prendendo-se matérias de qualquer espécie a um fundo plano, tal como um
pedaço de pano ou papel. Pode ser feita em conjunto com desenho, pintura
ou algum tipo de escrita. A colagem é um excitante meio de expressão para
todas as idades. Eis alguns dos materiais que podem ser usados para
colagem:
• Papel – todos os tipos: papel de seda, cartolina, papel de presente,
velhos cartões postais, jornal, etc.
• Várias texturas de tecido – algodão, coisas felpudas, lã, seda renda,
etc.
• Coisas duras – esponja, palha de aço, lixa, etc.
• Outras coisas – fios, barbante, botões, folhas, conchas, fitas,
sementes de todos os tipos, macarrão, enfim qualquer coisa que seja
leve e possa ser grudada.
35
Ao se colar figuras num suporte, a pessoa também está fazendo um
trabalho interno de colar muitas partes de sua vida e/ou experiência. No
caso de DA isso é muito importante porque muitas partes da memória estão
sendo apagadas. O que faz com que a experiência de vida fique
fragmentada.
Na atividade de colagem refazemos esse percurso. Em função da
doença tive que oferecer as figuras já recortadas. É interessante que haja
uma variedade para que o trabalho/ateliê não fique direcionado e possibilite
a criação pessoal.
Essa atividade pode trazer para o ambiente arteterapêutico um bom
clima para o estabelecimento de vínculos mais firmes. No entanto, percebi
que no caso de DA esta atividade facilita mais a criatividade do que
estabelecimento de vínculos, visto que um dos sintomas da doença é o
esquecimento e para se ter vínculo é preciso ter memória.
Mas em hipótese alguma deve se descartar qualquer técnica por
conta dos sintomas pois, os resultados muitas vezes nos surpreende e vão
contra aos diagnósticos. Como é o caso da cliente X (que utilizou como
suporte papel Kraft e revistas) que apesar de estar num estágio avançado de
DA, realizou a técnica escolhendo imagens de casa e praia que lembraram
sua juventude. Interessante é o fato dela, ao tentar lembrar de alguma coisa,
dizendo que “entrou areia”.
Mas ao fazer a técnica de colagem, o material permitiu estabelecer
uma conversa entre ela e a arteterapeuta. Portanto, fazer colagem é permitir
que assuntos venham à tona e possamos resgatar o Eu da memória, que
insiste, no caso de DA, em ficar encoberto.
Na utilização de sementes trabalhei com a memória olfativa, e
muitos lembraram da infância, de temperos que utilizavam no preparo da
comida na adolescência. A cliente Y que está num estado bem avançado de
DA lembrou de um namorado que, aliás está muito presente nos trabalhos
posteriores.
Na DA ao lembrarmos de cenas agradáveis proporcionamos um
presente agradável. Isso é muito importante pois o hoje, tão fugaz e tão
36
instantaneamente apagado, pode ser preenchido com cenas de bem estar,
felicidade e alegria. Essa é uma das funções do ateliê arteterapêutico.
3.2 – Pintura a dedo
“A pintura possui o seu próprio valor terapêutico especial”
(Oaklander, 1980). A pintura tem o dom de fluir, e amiúde o mesmo ocorre
com a emoção. Dificilmente as pessoas não gostam de pintar. A cor, a
tonalidade e a fluidez da pintura se prestam tão bem a estados de
sentimentos que tanto crianças e adultos, se utilizam desta técnica para
expressar seus sentimentos e emoções.
A pintura com os dedos assim como o trabalho com argila possuem
qualidades táteis e cinestésicas, mas infelizmente ficam restritas às crianças
em idade pré-escolar. Esta técnica possui as qualidades de ser calmante,
fluente com a possibilidade de fazer desenhos e figuras como tentativas, e
logo em seguida apagá-los.
Utilizei em um ateliê a tinta com farinha. A sensação da massa
molhada na mão não foi agradável. Apesar de ser dito qual é o material, o
que se denota na DA é que eles não discriminam e nem associam, que se
trata de tinta com farinha. Alguns realizaram a técnica mas logo pediam para
limpar as mãos. O tempo de duração da atividade é muito rápido, eles não
sustentam a memória no que estão fazendo e simplesmente ficam imóveis,
depois de duas ou três pinceladas sendo necessário que o facilitador utilize
do reforço verbal como se fosse uma memória ou ego auxiliar para dar
continuidade à atividade. Isto ocorria com Y o tempo todo devido ao seu
estágio avançado de comprometimento. Ela pegava o pincel e de repente
parava. Quando pedia para retornar, era necessário explicar novamente do
que se tratava e suas respostas de "eu não sei fazer isso" ou "eu não sei
desenhar, faça por mim" praticamente acompanha todos os trabalhos.
Alguns perguntariam: então para quê fazer, se os clientes de DA
não se envolvem? Do modo como imaginamos não. Mas na certa existe
algum tipo de envolvimento e mais do que isso, ao fazer arte, eles resgatam
a dignidade de interferir no mundo do jeito que é possível. Portanto, impedir
ou parar com o ateliê significaria a morte em vida.
37
"...por seu aspecto formal, é um material que favorece o retorno a estados regressivos, sendo indicado para crianças, propriamente ditas, e para o despertar da criança interior em adultos" (Urrutigaray, 2003).
No caso de DA relembrar essa fase é propiciar algum conforto visto
que a memória passada é a mais presente, e no caso é comum eles
contarem episódios da infância após este tipo de técnica. Isso propicia
material informativo para o facilitador no prosseguimento de outros ateliês ou
atividades.
3.2.1 – Cuidados que o arteterapeuta precisa ter
Na variação de materiais percebemos alguns cuidados que o
facilitador precisa ter. Muitos fantasiam o material, como bloquinhos de EVA
que levam à boca, assim como pedras, argila, lápis cera. Alguns em função
da pouca visão, outros porque se esqueceram que se tratava de material
sintético. Nestes ateliês com tinta tive que ter atenção redobrada com Y, pois
esta insistia em tentar beber os potes de tintas achando que se tratava de
sucos.
Não se deve esquecer que os portadores de Da perdem a
capacidade de discernimento do que pode e/ou não pode fazer ou comer.
3.3 – Argila
A argila está ligada ao nosso dia-a-dia (Païn & Jarreau, 1991). Ela é
considerada símbolo de nascimento, vida e morte. Por isso projetamos
nossos afetos nela muito mais espontaneamente, do que em qualquer outro
material de modelagem.
Por ser material de suporte de nossos afetos, fica interessante
analisar as diferentes atitudes passíveis de se apresentarem quando a
utilizamos nos ateliês.
"Pessoas muito distanciadas do contato com seus sentimentos e que continuamente bloqueiam sua expressão, geralmente estão fora de contato com seus sentidos. A qualidade sensual da argila muitas vezes oferece a essas pessoas uma ponte entre seus sentidos e seus sentimentos" (Oaklander, 1980).
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Esta sensação de fortalecimento de auto-estima, liberação de
tensões, a possibilidade de imagens na terceira dimensão e de mudanças
que a argila proporciona foi um dos motivos que me levaram a tentar fazer
com eles. E as respostas não puderam ser melhor.
Se um dos sintomas de DA é a dificuldade de se comunicar com o
mundo exterior, a argila foi um canal perfeito dos sentimentos de cada um
deles. Comecei com pequenos jardins montados em pratos de papelão e
com muito material de suporte (flores secas, pedras coloridas, continhas e
lantejoulas). O resultado foi surpreendente, pois todos deram significado ou
nome a cada um daqueles jardins. Foram feitos dois ateliês seguidos com
uma grandes quantidade de produção.
O próximo passo foi a confecção pequenos jarros de flores, que
mais uma vez cada um montou. Estes foram modelados por mim, pois a
confusão mental que a DA acarreta, fez com que eles confundissem os
pequenos jarros com pedaços de chocolate, não permitindo que eles os
modelassem sozinhos.
3.4 – A Música
a música como som estruturado e composto dentro de seqüências
interligadas acompanha o homem desde sempre, com os sons da natureza e
dos animais. Pouco a pouco, o homem aprendeu a reproduzi-los e criar
música e instrumentos, atribuiu estas criações e ofertas a deuses ou heróis
mitológicos. Sempre os rituais, cerimonias, liturgias são acompanhados de
sons e músicas. Todos os ensinamentos religiosos, místicos, esotéricos e
exóticos, tratam o som como algo importante quando não sagrado (Rogers,
1982).
Aonde outras formas de abordagem terapêutica falham, a música,
em determinados casos, traz bons resultados. Muitas vezes apenas como
fundo, estimula a participação, permite aumento no campo da concentração
e eleva a tolerância (Dreikurs, 1965).
A música e as batidas rítmicas são formas antiquíssimas de
comunicação e expressão. A música nos ateliês de arteterapia pode ser
utilizada de muitas maneiras. Como pano de fundo para as atividades ou
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como o centro dela. Se usa a música como auxiliar da imaginação dirigida
ou como a própria imaginação, permitindo que a pessoa cria sua própria
imagem. A música sem dúvida nenhuma é uma poderosa auxiliar.
Em todos os ateliês da casa de repouso Feliz Viver foi utilizado a
música como coadjuvante das atividades. É certo que no princípio as
músicas que eram escolhidas por mim não causavam mal estar mas,
também não faziam o efeito desejado. Invertendo a situação procurei saber
deles quais as que eles mais gostavam.
Descobri então, que as canções que tinham letras eram mais fáceis
deles seguirem e, as músicas mais antigas tinham melhor aceitação. Uma
interna em particular gosta muito de samba e sempre que incentivada canta
com prazer, relembrando seus tempo de juventude em que ia muito em
bailes.
A música também permitiu, em determinados ateliês a fazermos
bailes improvisados, onde pude incentivar os que tem condições físicas de
caminhar, a dançar e a movimentar-se um pouco mais saindo da rotina de
ficarem somente sentados.
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CONCLUSÃO
A intenção deste trabalho foi mostrar que para a arte não existem
limites. Esse estudo foi realizado no Centro de repouso e Conveniência para
a Terceira Idade Feliz Viver.
O que me moveu foi, a partir de um trabalho de arteterapia, tornar
os dias mais felizes e criativos para aqueles idosos, cuja a maioria possui
Doença de Alzheimer. De acordo com a sentença de alguns familiares e de
alguns atendentes: pouca coisa se poderia fazer. Com certeza muitos
estavam desestimulados. Mais pelo estigma desta doença do que pela
própria doença.
É muito comum depararmos com um número de pessoas que
acreditam não serem capazes de criar ou fazer coisas diferentes, mas
conforme diz Kierkegaard, a única verdade que funciona é a que funciona
para você. Comecei com coragem e vendo em cada um deles a
possibilidade de manifestação de algum tipo de expressão, indo de contra os
preconceitos e medos, tanto meu como deles frente a um novo desafio.
Passei a usar uma espécie de mantra (palavra sagrada que deve
ser repetida) com os idosos: eu posso, eu quero e eu consigo. Para minha
felicidade, o mantra funcionou e fizemos muitos ateliês e vi como a arte
liberta, não só dos estereótipos, mas das prisões psicológicas que vamos
montando ao longo de nossas vidas.
Nesse trabalho pretendi apresentar a Doença de Alzheimer, sem
me aprofundar em seus diagnósticos para isso indico bibliografia específica
para tal conhecimento, e a possibilidade de realizar oficinas de arteterapia,
mostrando seus conceitos e algumas linhas de trabalho, bem como alguns
dos materiais expressivos que foram utilizados com os idosos.
Como dizia a poetisa Anaïs Nin a função da arte é renovar nossa
percepção. Nesse trabalho com idosos, cuja idade varia entre 60 e 90 anos,
percebemos como Anaïs estava certa ao afirmar que a arte renova e um dos
meios para que isso aconteça vem ser a arteterapia.
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URRUTIGARAY, Maria Cristina. A transformação pessoal pelas imagens.
Rio de Janeiro: Wak Editora, 2003.
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ÍNDICE
Introdução .......................................................................................................7
1 – Arteterapia ................................................................................................8
1.1 – A História .............................................................................................10
1.2 – Quem é o Arteterapeuta? ....................................................................15
1.3 – Relação Arteterapeuta X Cliente .........................................................17
2 – Doença de Alzheimer .............................................................................19
2.1 Como fica o cérebro na Doença de Alzheimer? .....................................21
2.2 – O diagnóstico da Doença de Alzheimer ..............................................21
2.3 – Os sintomas da Doença de Alzheimer ................................................23
2.4 – Quem pode ter a Doença de Alzheimer? ............................................28
2.5 – Tratando a Doença de Alzheimer ........................................................28
3 – Lidando com os problemas de comportamento associados à Doença de
Alzheimer ......................................................................................................30
3.1 – Os ateliês do Feliz Viver ......................................................................34
3.2 – Colagem ..............................................................................................34
3.2 – Pintura a dedo .....................................................................................36
3.2.1 – Cuidados que o arteterapeuta precisa ter ....................................37
3.3 – Argila ...................................................................................................37
3.4 – A música ..............................................................................................38
Conclusão .....................................................................................................40
Anexos ..........................................................................................................41
Bibliografia ....................................................................................................44
Índice ............................................................................................................47