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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO
Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente e
Sustentabilidade na Amaznia PPG/CASA
Mestrado Acadmico
ELOISA DE SOUZA SANTOS
A TICA DE ADOLESCENTES DE MANAUS DIANTE DE DILEMAS
SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZNIA
MANAUS AM
2016
2
ELOISA DE SOUZA SANTOS
A TICA DE ADOLESCENTES DE MANAUS DIANTE DE DILEMAS
SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZNIA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia
como exigncia parcial para obteno do ttulo de mestre,
sob orientao da Profa. Dra. Maria Ins Gasparetto
Higuchi. Linha de pesquisa: Comportamento
socioambiental e processos educacionais.
MANAUS AM
2016
i
ELOISA DE SOUZA SANTOS
A TICA DE ADOLESCENTES DE MANAUS DIANTE DE DILEMAS
SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZNIA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente e
Sustentabilidade na Amaznia PPG-CASA da Universidade Federal do Amazonas UFAM
como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na
Amaznia.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Dra. Maria Ins Gasparetto Higuchi
(Orientadora)
________________________________________
Profa. Dra. Valciclia Pereira da Costa (Membro Externo)
________________________________________
Profa. Dra. Maria Olvia de A. Ribeiro Simo (Membro Interno)
________________________________________
Prof. Dr. Jlio Csar Schweickardt (Membro Interno)
Manaus, AM
2016
ii
Otvia Dantas de Souza,
exemplo de superao,
determinao e tica, dedico.
iii
AGRADECIMENTOS
Tudo que te vier mo para fazer, faze-o conforme as tuas foras. Com este propsito
busquei cumprir o que me foi determinado, mas sozinha no seria possvel. Por isso, quero
agradecer a todos que de alguma forma me auxiliaram na execuo deste trabalho.
Agradeo a Deus pelo dom da vida, pela sade e pela oportunidade de, aps 11 anos de
graduada, desenvolver esta pesquisa.
Agradeo aos meus familiares pelo prazer da companhia e pelo suporte to necessrio para
a minha existncia, em especial minha querida me, Otvia Dantas.
Agradeo ao Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na
Amaznia PPGCASA/UFAM por me propiciar a oportunidade de aprender mais sobre
sustentabilidade, preservao e conservao do ambiente.
Agradeo minha orientadora Dra. Maria Ins Gasparetto Higuchi pela convivncia, pelo
aprendizado, pelo companheirismo, pela honestidade e por me direcionar neste novo e
rduo caminho. Aos servidores, bolsistas, graduandos, ps-graduandos e pesquisadores do
LAPSEA/INPA (Laboratrio de Psicologia e Educao Ambiental), que de alguma
maneira contriburam para esta pesquisa.
Agradeo ao Programa Qualifica da Secretaria Municipal de Educao de Manaus
SEMED por me conceder licena remunerada para aperfeioamento profissional.
Aos meus alunos das 14 turmas do Ensino Mdio da Secretaria de Estado e Educao do
Amazonas SEDUC que compreenderam meu cansao noturno na hora de ministrar as
aulas e pelo apoio dos meus colegas e gestores.
Agradeo s escolas, gestores, professores e aos alunos que me receberam para aplicao
desta pesquisa.
Agradeo a meus poucos e verdadeiros amigos que contribuem para que minha vida seja
mais interessante.
A todos os meus sinceros agradecimentos!
iv
A natureza como uma responsabilidade humana seguramente
um novum sobre o qual uma nova teoria tica deve ser pensada
Hans Jonas.
Tudo que no puder contar como fez, no faa
Kant.
... e viu Deus que tudo quanto tinha feito era bom
Gnesis, cap. 1, ver. 31 - Bblia Sagrada.
v
RESUMO
SANTOS. E. S. A tica de adolescentes de Manaus diante de dilemas socioambientais na
Amaznia. Dissertao de Mestrado. Programa de Ps Graduao em Cincias do Ambiente e
Sustentabilidade na Amaznia da Universidade Federal do Amazonas, 2016.
Considera-se que na raiz dos problemas ambientais est a questo tica manifesta na
relao do homem com a natureza. Esse estudo buscou identificar a tica de adolescentes
diante de dilemas socioambientais na Amaznia, caracterizando o entendimento tico
relativo ao cuidado ambiental, investigando as possveis variaes de aplicao da tica do
cuidado ambiental e identificando o ethos atribudo na responsabilidade da produo e
soluo de problemas ambientais. Uma digresso sobre diversas concepes ticas, desde
Aristteles at Boff, foi apresentada, j que, para Hans Jonas, as ticas tradicionais
desconsideravam o elemento natural. Foi aplicada a metodologia qualitativa descritiva-
exploratria, com estatstica no-paramtrica, entrevista clnica atravs de dilemas morais e
questionrio socioeconmico. Os dados foram interpretados pela anlise de contedo.
Constatou-se que h sensibilidade e compreenso da questo ambiental, com conhecimento
expresso limitado, possvel de revelar o raciocnio moral existente na produo e soluo
dos problemas ambientais, que oscilou entre a busca do bem-estar humano e o bem-estar
das diversas vidas e dos elementos abiticos. Identificou-se a variao de aplicao da
tica do cuidado, pois em trs dilemas (poluio da gua e descarte de lixo no igarap;
ocupao irregular de reas verdes; e mobilidade urbana e seus impactos) a perspectiva
tica antropocntrica prevaleceu e nos demais dilemas (uso de agrotxicos e o aumento da
renda dos produtores; e construo de hidreltrica e impactos socioambientais) foi
apresentada uma perspectiva tica ecocntrica. Esse resultado corroborado pelos estudos
de Kahn e Loureno que em pesquisa semelhante identificaram oscilao na aplicao do
raciocnio moral de adolescentes em contexto ambiental.
PalavrasChave: tica Ambiental; Dilemas Socioambientais; Sujeito Ecolgico;
Educao Ambiental
vi
ABSTRACT
The root of environmental problems is being presented as part of an ethical question
manifested in people's relationship with nature. This study sought to identify the ethics of
teenagers about socioenvironmental dilemmas, featuring ethical environmental concerning
and the possible application of ethics and identifying the ethos of the responsibility and the
forward solution of environmental problems. The objectives were achieved through the
adolescents perception from 9 public schools in Manaus, from 6th to 9th school years, and
ages of 10 to 18) The five dilemmas dealt about disposal of waste in streams; irregular land
occupation; the use of pesticides; the construction of hydropower with social and
environmental impacts; and urban mobility with emission of greenhouse gases. The
research used an exploratory qualitative methodology with interviews and survey protocol.
The content analysis and non-parametric statistics data were used. The results showed that
the adolescents have sensitivity and understanding of environmental issues, but with
limited moral reasoning to the production and solution of environmental problems. They
manifested an anthropocentric ethics of care in three dilemmas (water pollution and waste
disposal in the stream; illegal occupation of green areas, and urban mobility and its
impacts) and for the other two dilemmas (use of pesticides and increased farmer income,
and construction of hydroelectric and environmental impacts) they presented an ecocentric
ethical perspective. These findings were supported by studies of Kahn and Lawrence with
such variation in the application of moral reasoning of adolescents in the environmental
context.
Keywords: Environmental Ethic; Environmental Dilemma; Ecological Moral Reasoning;
Environmental Education.
vii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Distribuio dos adolescentes em funo da idade e ano escolar.......................53
Figura 2: Problemas ambientais mais citados pelos estudantes.........................................59
Figura 3: Justificativas referentes reprovao do descarte do lixo no igarap.................65
Figura 4: Avaliao do uso de agrotxico para aumento da rentabilidade ........................70
Figura 5: Avaliao dos adolescentes sobre a ocupao de reas verdes urbanas na
Amaznia..............................................................................................................................76
Figura 6: Avaliao sobre a construo de hidreltrica......................................................84
Figura 7: Avaliao da atitude dos trabalhadores na compra de veculos particulares.......90
Figura 8: Distribuio das avaliaes e perspectivas ticas de cada dilema.......................95
Figura 9: Variao da aplicao da tica no cuidado ambiental ....................................... 96
Figura 10: Tipos de tica em cada dilema..........................................................................97
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Solues apresentadas para que o lixo no fosse jogado no igarap..................67
Tabela 2: Justificativas do uso de agrotxicos para o aumento da rentabilidade...............73
Tabela 3: Avaliao dos adolescentes sobre a ocupao irregular de reas verdes na
Amaznia..............................................................................................................................79
Tabela 4: Soluo dos adolescentes quanto ocupao de reas verdes na
Amaznia..............................................................................................................................81
Tabela 5: Solues apresentadas para evitar a construo de hidreltrica na
Amaznia..............................................................................................................................86
Tabela 6: Solues apresentadas para manter a construo de hidreltrica na
Amaznia..............................................................................................................................88
Tabela 7: Justificativas da avaliao dos adolescentes para a compra de automveis
particulares...........................................................................................................................92
Tabela 8: Solues apresentadas pelos adolescentes para a mobilidade
urbana..............................................................................................................................94
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Quantidade de adolescentes entrevistados em cada dilema ..............................51
Quadro 2: Dilema do descarte de lixo no igarap ..............................................................67
Quadro 3: Dilema do uso de agrotxico para o aumento da rentabilidade ........................71
Quadro 4: Dilema da ocupao de reas verdes para moradia ..........................................77
Quadro 5: Dilema moral na produo de energia hidreltrica na Amaznia .....................85
Quadro 6: Dilema da compra de automveis particulares e o aumento de gases de efeito
estufa....................................................................................................................................91
x
Sumrio
INTRODUO................................................................................................................................12
1 TICA: DEFINIO E CARACTERIZAO ...................................................................... 16
1.1 A tica teleolgica ou eudaimonista ...................................................................................... 18
1.2 A tica crist ........................................................................................................................... 19
1.3 A tica passional .................................................................................................................... 22
1.4 A tica deontolgica ............................................................................................................... 24
1.5 A tica utilitarista ................................................................................................................... 26
1.6 A tica ps-moderna............................................................................................................... 27
2 TICA AMBIENTAL................................................................................................................. 29
2.1 tica antropocntrica e ecocntrica ........................................................................................ 31
2.2 Ecosofia, a tica do cuidado e o princpio responsabilidade .................................................. 33
3 DESENVOLVIMENTO MORAL ............................................................................................. 36
3.1 Desenvolvimento moral ecolgico ......................................................................................... 38
4 EDUCAO AMBIENTAL ...................................................................................................... 39
5 SUJEITO ECOLGICO ........................................................................................................... 42
5.1 O ethos da responsabilidade e do cuidado.............................................................................. 44
5.2 Os valores ecolgicos ............................................................................................................. 46
5.3 Comportamento antropocntrico e ecocntrico ...................................................................... 49
6 MTODO E TCNICAS DA PESQUISA ................................................................................ 51
7 PERFIL SOCIOECONMICO DOS PARTICIPANTES ...................................................... 53
7.1 Idade e escolaridade dos jovens ............................................................................................. 53
7.2 Trabalho e renda familiar ....................................................................................................... 54
7.3 Participao em movimentos religiosos e culturais ............................................................... 56
7.4 Formas de comunicao e mobilidade ................................................................................... 57
7.5 Participao em movimentos ecolgicos e a percepo dos problemas ambientais .............. 59
8 A TICA DE ADOLESCENTES EM DILEMAS SOCIOAMBIENTAIS ............................ 63
8.1 A poluio da gua e o descarte de resduos em igarap ....................................................... 64
8.1.1 Entendimento tico sobre a atitude do protagonista .................................................. 65
8.1.2 Ethos atribudo na responsabilidade de soluo do problema .................................. 66
8.2 O uso de agrotxicos e o aumento da rentabilidade ............................................................... 69
8.2.1 Entendimento tico sobre a atitude do protagonista .................................................. 71
8.2.2 Ethos atribudo na responsabilidade de soluo do problema .................................. 72
xi
8.3 Ocupao irregular de reas verdes ........................................................................................ 74
8.3.1 Entendimento tico sobre a atitude dos protagonistas ..................................................... 76
8.3.2 Ethos atribudo na responsabilidade de soluo do problema ......................................... 79
8.4 Construo de hidreltrica e os impactos socioambientais .................................................... 82
8.4.1 Entendimento tico sobre a atitude dos protagonistas ..................................................... 84
8.4.2 Ethos atribudo na responsabilidade de soluo do problema ......................................... 85
8.5 Mobilidade urbana e seus impactos....................................................................................... 89
8.5.1 Entendimento tico sobre a atitude dos protagonistas ..................................................... 91
8.5.2. Ethos atribudo na responsabilidade de soluo do problema ........................................ 94
8.6 Anlise consolidada dos dilemas aplicados.........................................................................95
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................ 95
APNDICE A ............................................................................................................................... 107
APNDICE B ............................................................................................................................... 108
ANEXO A ..................................................................................................................................... 109
ANEXO B ...................................................................................................................................... 110
ANEXO C ..................................................................................................................................... 111
ANEXO D ..................................................................................................................................... 112
12
INTRODUO
O planeta Terra possui 4,6 bilhes de anos de existncia. Seus primeiros habitantes
humanos surgiram bem depois, a partir do australopitecus h milhares de anos. Desde o
surgimento do homo sapiens, o homem moderno busca desenvolver tcnicas para
sobreviver. Contudo, depois da Revoluo Industrial a busca por tcnicas e tecnologias
ultrapassou a necessidade de manter-se vivo. Essa busca desde ento ultrapassa a
necessidade de sobrevivncia e assenta-se no fortalecimento da necessidade de acumular
bens.
Desde a Antiguidade, a sociedade busca acumular excedentes, no entanto, as
tcnicas utilizadas eram to rudimentares e a populao pequena, que no havia risco para
o Planeta Terra, nem para seus habitantes, ou biosfera. A acumulao de excedentes a
partir da Idade Moderna, adicionada exploso demogrfica comea a manifestar uma
srie de riscos que anos a fio so negligenciados. No ano de 1804, a populao mundial
atingiu seu primeiro bilho, depois de 200 mil anos de existncia sobre a face da Terra.
Passaram-se apenas 123 anos para que o segundo bilho fosse atingido. Hoje em poucos
anos o mundo atinge a marca de mais um bilho de habitantes e j estvamos em torno de
sete bilhes (PINOTTI, 2010). Esses nmeros comeam a ser estranhados e alguns
movimentos se formam para debater os rumos do planeta diante desses fatos, visto que em
2016 j chegamos a 7,4 bilhes de habitantes.
Toda essa populao busca nos recursos naturais a fonte de todo o tipo de consumo,
ao mesmo tempo em que os recursos naturais no se recompem na mesma velocidade que
o crescimento da populao. Mas no apenas o montante de pessoas no planeta que
forma o problema vivenciado. Tem-se como agravante o fato de que historicamente a viso
humana reduzida em seus valores de convivncia e responsabilidade coletiva. Apesar dos
milhares de anos que se passaram, ainda trazemos conosco a viso paleoltica imediatista, a
qual no ultrapassa a quarta gerao. O homem contemporneo no projeta sua
descendncia para alm dos bisnetos. Essa limitao dificulta o aprimoramento das
relaes sociais, das relaes pessoa-ambiente e dos modos de vida sustentveis.
Nesse contexto, alguns autores afirmam que vivenciamos uma era de crise
ambiental, isto , sinais denunciam que a humanidade depreda os recursos planetrios
muito alm dos limites da suportabilidade natural de reposio (GUERRA, 2009). Tal
13
situao comea a ser timidamente alardeada ao longo dos anos. No final dos anos 50 os
japoneses, como a maioria das naes, associavam fumaa e lixo industrializao e
progresso (CUNHA; GUERRA, 2012). Na dcada de 1960 o uso de pesticidas e suas
consequncias danosas foram denunciados pela biloga Rachel Carson em sua clebre
Primavera Silenciosa (1962). A partir de 1970 intensificaram-se as pesquisas em torno da
questo ambiental. O Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC (2014) afirma
que la influencia humana en el sistema climtico es clara e continua: para contener el
cambio climtico, ser necesario reducir de forma sustancial y sostenida las emisiones de
gases de efecto invernadero. Saraiva et al., (2014) ratifica o alerta do IPCC afirmando
que o aquecimento global est diretamente relacionado s aes humanas pela emisso de
gases de efeito estufa atravs de produtos qumicos presentes nos fertilizantes da
agricultura (xido nitroso), na pecuria (metano) e nas grandes cidades com a frota
automotiva poluente (dixido de carbono).
A extino de espcies da fauna outro problema recorrente, o que antes ocorria de
forma natural no decorrer de milhares de anos, hoje intensificado pela ao humana. As
principais causas de extino so a degradao e a fragmentao de ambientes naturais,
resultado da abertura de grandes reas para implantao de pastagens ou agricultura
convencional, extrativismo desordenado, expanso urbana, ampliao da malha viria,
poluio, incndios florestais, formao de lagos para hidreltricas e minerao de
superfcie (MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE, 2014).
Nos recursos hdricos o problema ambiental tambm visvel. Com o aumento da
populao e da industrializao e a expanso da agricultura irrigada a demanda por gua
intensificou-se colocando o ecossistema em risco (SARAIVA; GARCIA, 2014). Outros
problemas poderiam ser elencados como o tratamento dos resduos, o uso irregular do solo,
a poluio sonora, do ar e das guas, so muitos os problemas ambientais intensificados
pela ao antrpica.
Sabendo que a relao pessoa-ambiente integra caractersticas pessoais e
socioculturais, necessrio considerar no apenas as caractersticas fsicas do ambiente,
mas, sobretudo aspectos psicossociais das pessoas nessa relao. Higuchi et al., (2012),
nos afirmam que os problemas ambientais so em ltima instncia, problemas sociais, pois
tais dimenses so indissociveis. Nesse sentido, o comportamento humano o foco
principal para atingirmos uma nova forma de agir e pensar e formarmos um ethos de maior
14
responsabilidade e cuidado para com os recursos ambientais. nessa perspectiva de
transformao para um modo de pensar e agir mais sustentvel que surge a Educao
Ambiental (EA).
Este estudo se inseriu na interface EA e construo da tica ambiental. Trata-se de
uma investigao do entendimento sobre aspectos ticos da conduta dos jovens diante de
dilemas provocados pela demanda social e a capacidade suporte do ecossistema.
Juventude e EA so dois temas transversais que podem produzir a semente da
transformao. Pesquisar os jovens tem sua importncia pela possibilidade de t-los, no
espao escolar, como parceiros no desenvolvimento de aes, dilogos e interao com as
demais geraes, contribuindo para a mudana de valores na relao com o ambiente. O
Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei N. 8.069/90) estabelece que considerada
criana a pessoa at doze anos de idade incompletos e adolescente a pessoa entre doze e
dezoito anos incompletos (art. 2). A Secretaria Nacional de Juventude considera jovem a
pessoa que tenha entre 15 e 29 anos.
Nesta pesquisa o intervalo de idade est entre 10 e 18 anos, porm a maioria se
concentra na faixa dos 12, 13 e 14 anos, por isso foi usado o termo adolescentes. Esse
perodo uma etapa de transio da infncia para a vida adulta que recebe influncias do
contexto cultural e social que formam as caractersticas psicolgicas e sociais no indivduo
(SILVA; HIGUCHI; FARIAS, 2015). Nesse sentindo, o espao escolar favorece o
ajuntamento de jovens que podem desenvolver grmios escolares, comisses e projetos que
atuem com diferentes temticas poltico-sociais, incluindo a ambiental atravs de
Ecoclubes e Coletivos Jovens. Essas atividades estimulam o exerccio da cidadania e d
empoderamento e protagonismo aos estudantes.
Como objetivo principal buscou-se compreender a tica dos adolescentes diante dos
problemas ambientais na Amaznia. Para isso foi necessrio buscar as percepes
ambientais desses adolescentes, mais particularmente caracterizar o entendimento tico
relativo ao cuidado com o ambiente; investigar as possveis variaes de aplicao da tica
no cuidado ambiental; e identificar o ethos atribudo na responsabilidade da produo e
soluo de problemas ambientais.
Esse estudo descritivo com abordagem qualitativa e de estratgia multimtodos
(GUNTHER et al., 2008) foi desenvolvido com alunos do ensino fundamental de escolas
da rede pblica de Manaus-AM, participantes das atividades de Educao Ambiental no
jogo de simulao Ecoethos da Amaznia executado no Instituto Nacional de Pesquisas da
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Amaznia - INPA. Esse estudo parte de um projeto guarda-chuva1 sobre comportamento
socioambiental com diferentes recortes e que se situou na terceira fase da investigao. A
primeira fase consistiu em oficinas aplicadas em escolas pblicas de Manaus pelos
participantes do Laboratrio de Psicologia e Educao Ambiental LAPSEA/INPA. A
segunda fase ocorreu com a vinda dos alunos das escolas visitadas ao LAPSEA/INPA, para
participar do Jogo de Simulao Ecoethos da Amaznia. A terceira fase, representada por
esse estudo, diz respeito ao entendimento dos adolescentes e jovens sobre a tica na
relao pessoa-ambiente em diferentes situaes do cotidiano.
Os dados narrativos foram submetidos anlise de contedo e adicionados de
anlise descritiva tanto do perfil dos participantes quanto da distribuio das categorias que
emergiram a partir da anlise de contedo. Os resultados dessa pesquisa, mesmo que com
suas limitaes prprias, podem fornecer subsdios para o embasamento de programas de
Educao Ambiental, cujos objetivos tenham em vista a promoo de um sujeito ecolgico
atento s responsabilidades individuais e coletivas nessa questo tica e moral para com o
meio ambiente e seus elementos constituintes.
A presente dissertao est organizada em cinco captulos que apresentam uma
discusso terica sobre: 1.) A tica em geral e sua dimenso ambiental, considerando o que
foi dito por Hans Jonas (2015) que as ticas tradicionais eram antropocntricas por no
trazerem os elementos da natureza para a considerao moral; 2) A tica ambiental a partir
das discusses de Guattari (2001), Boff (1999) e Hans Jonas (2015); 3) O desenvolvimento
moral, que aborda as concepes de Kolberg (1984) e Piaget (1994) sobre o processo
psicossocial do desenvolvimento moral; 4) A educao ambiental (EA) como instrumento
sistemtico e formal na construo de uma tica favorvel s diversas formas de vida; e,
por fim 5) A formao do sujeito ecolgico como objetivo mximo da EA e elemento
disseminador do cuidado e da responsabilidade na relao pessoa-ambiente. Com base
nesses pressupostos so apresentados os procedimentos metodolgicos utilizados para o
estudo, um estudo com abordagem descritiva-exploratria, a partir da anlise de textos e do
cotejo de tradues, com aplicao de multimtodos (GUNTHER et. al., 2008), entrevista
clnica (DELVAL, 2002) com durao mdia de 15 minutos feita com dilemas
socioambientais, baseados em dilemas morais (PIAGET, 1994; KOHLBERG, 1984), cujos
dados foram analisados atravs de anlise de contedo (BARDIN, 1977; 2011) e os
captulos referente aos resultados, discusso e consideraes finais.
1 Ecoethos da Amaznia: Educao ambiental para juventude na construo da tica e responsabilidade para
com a floresta amaznica projeto desenvolvido pelo LAPSEA/INPA.
16
1 TICA: DEFINIO E CARACTERIZAO
Desde a Grcia Antiga, bero da civilizao ocidental, o tema tica discutido por
diversos estudiosos e pensadores que se debruaram sobre sua finalidade, origem e
aplicao. Aristteles (384 a 322 a.C.) foi um dos primeiros a discorrer sobre o assunto em
sua tica a Nicmaco, obra em que define o bem como busca da felicidade (eudaimonia),
realizvel atravs de atitudes ticas. A tica aristotlica fundamenta-se na busca pelo
equilbrio, entre o vcio por excesso ou por deficincia, essa tica do meio-termo se
cristaliza na prtica de algumas virtudes (aret) e a principal delas a justia.
Sculos mais tarde Santo Agostinho (354-430) associa a tica prtica do livre-
arbtrio (faculdade da razo e da vontade) que deve ser usado de modo a agradar a Deus, o
bem maior, atravs da prtica do amor e da fraternidade. Nesse perodo histrico a f e a
razo buscavam harmonia, assim pela predominncia dos dogmas catlicos muitas regras
de conduta foram enraizadas na moral medieval, que destacava a relao individual com
Deus e o ideal asctico. Spinoza (1632-1677), no sculo XVII, rompe com a tradio da
tica subordinada Igreja e resgata a prevalncia da razo sobre a f. Em sua obra tica,
escrita segundo o mtodo geomtrico, Spinoza separa a tica da Moral, entendendo esta
ltima como o estabelecimento de normas e deveres e a primeira como uma ontologia e
uma antropologia. O bom e o mau, para Spinoza, so ligados a gostos e finalidades
humanas individuais, so subjetivos e no existem em si.
No sculo XVIII surge o responsvel pela Revoluo Filosfica na teoria do
conhecimento, Kant (1724-1804) afirmando que a filosofia possui quatro grandes questes:
a) O que posso saber? (metafsica); b) O que devo fazer? (tica); c) O que posso esperar?
(religio); e, d) O que o homem? (antropologia). No questionamento sobre o que devo
fazer? se desenvolve a tica kantiana. Esta reflexo se manifestou sob um imperativo
categrico, ou seja, a racionalidade que se impe ao homem sob a forma de determinadas
regras a serem adotadas pelos indivduos, considerando-os responsveis por tudo o que de
melhor ou pior possa acontecer ao gnero humano e ao planeta. Eis o imperativo kantiano:
Age de tal forma que tua ao possa ser considerada uma norma universal. Comea aqui
a tica deontolgica, isto , a tica do dever (KANT, 2007).
Em oposio tica deontolgica de Kant, Stuart Mill (1806-1873) desenvolve a
tica consequencialista na obra Utilitarismo, segundo a qual as aes so corretas ou
17
incorretas em virtude das suas consequncias. Nesse sentido, o utilitarismo a forma mais
conhecida de consequencialismo. Pode ser considerada uma tica hedonista por consistir
na maximizao do bom, sendo o bom, em sentido lato, o prazer. Os prazeres variam em
quantidade e em grau: prazeres superiores (prazeres do esprito) e prazeres inferiores
(prazeres do corpo) (MILL, 2005).
Na ps-modernidade, Bauman se destaca como um pensador que apresenta uma
moralidade, no uma tica, com os seguintes pontos: os humanos so intrinsecamente no-
racionais; a moralidade incuravelmente aportica; no universalizvel; destina-se a
permanecer irracional; a responsabilidade o ponto de partida da sociedade; e o
paroquialismo moral busca promover uma tica universal (BAUMAN, 2003). Com essas
caractersticas desafiador apreender a moralidade na sociedade lquida, termo
popularizado pelo autor. Esses so os principais cones que discorreram sobre a conduta
humana at o sculo XIX.
Se a tica, a moral e a moralidade como elementos da cultura so historicamente
estudadas, fazem-se necessrias algumas definies. O que a moral? O termo moral
utilizado em muitas ocasies e por vrios estudiosos como sinnimo de tica, que se
apresenta como valores, princpios e normas construdos historicamente e constituem a
noo de certo e errado, bem e mal de uma sociedade. Moralidade significa,
principalmente, obedecer s regras e normas estipuladas por ancestrais e contemporneos
que estabelecem relao de autoridade conosco. No notamos a origem desses valores por
estarmos imersos neles e para eles (CHAU, 1999). Nesse entremeio est o sujeito moral
da tica que precisa desenvolver a colaborao e a cooperao (PIAGET, 1994) para que
existam condies favorveis para sua existncia, a moral pressupe o bom viver, a
harmonia social.
Vzquez (2014), diferente dos pensadores que consideram a tica e a moral como
sinnimos (sinonmia), aponta a moral como uma forma de comportamento humano que
compreende tanto o aspecto normativo quanto um aspecto fatual (p.23). A moral designa
o conjunto de princpios, normas e imperativos de uma poca ou de uma sociedade
determinada, ao passo que a moralidade se refere ao conjunto de relaes efetivas ou atos
concretos que adquirem, isto , a moral est no plano ideal e a moralidade no plano real. A
tica a teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. As
definies que foram utilizadas neste estudo baseiam-se em Vzquez. Aps esclarecer este
18
ponto, uma breve digresso foi feita para que o entendimento do estudo da tica, como um
elemento importante para a soluo das problemticas ambientais, seja compreendido.
1.1 A tica teleolgica ou eudaimonista
Aristteles, filsofo grego nascido em Estagira (384 a. C a 322 a. C.) se ocupou de
muitas cincias, dentre elas as cincias prticas chamadas de tica e Poltica, as quais so
discutidas nos livros tica a Nicmaco e tica a Eudemo. A palavra tica se origina de
duas palavras gregas, difceis de serem distinguidas ao serem transliteradas, chamadas
thos que significa costume, uso, costume, ou thos no sentido de morada,
estncia, residncia, e thikos que significa conforme os costumes, moral (ISIDRO
PEREIRA, 1990, p. 166, 256). Nesse sentido a tica aristotlica abrange duas dimenses: a
pessoal e a coletiva. Na dimenso pessoal, ethos se refere ndole e ao carter a fim de que
o homem possa ser virtuoso. Na dimenso coletiva, ethos se refere forma como os
homens se organizam em sociedade, com harmonia e equilbrio, pois o homem um
animal poltico capaz de exercitar a busca do bem comum, a cidadania, isto porque a
tradio nos habita. A dimenso individual se restringe moral, a dimenso coletiva,
poltica. As duas dimenses da tica (ethos) compem a moralidade aristotlica
(AMARAL, 2012).
Ambas as dimenses so desenvolvidas na vida em sociedade com objetividade,
isto , o ser humano age virtuosamente com finalidade que, para Aristteles, seria a busca
do bem. O bem o modo de preparar o homem para viver em coletividade. Por isso a tica
aristotlica chamada de teleolgica, a tica do fim. O bem alcanado produziria a
felicidade. Assim, Aristteles concebia a tica como a busca de um bem com o objetivo de
alcanar a felicidade (eudaimonia). Pressupe, em ltima instncia, escolha dos meios que
conduzem ao alcance dos fins almejados.
Aristteles acreditava que o homem pode se constituir um ser virtuoso, por hbito,
ou no a partir de suas escolhas e aes (CHAU, 1999). A virtude o meio termo entre os
vcios por excesso ou por falta. Sendo inerente s escolhas, a tica fruto da vontade e
inteno, portanto, racional. Ento, com o intuito de viver melhor, o homem busca o bem
para ser feliz. Essa a finalidade da vida humana. A eudaimonia aristotlica
desenvolvida a partir da contemplao racional que, de modo cclico, produz o homem
19
feliz, que vive bem e age bem. Nesse sentido, a felicidade como realizao da vida humana
se manifesta como algo divino, nobre, metafsico.
Na tica aristotlica o bem a forma harmoniosa de convivncia entre os cidados
da plis e tem como pressuposto apontar o caminho para a felicidade (AMARAL, 2012).
Sua importncia est na orientao das prticas humanas corretas, pois o homem revela
paixes (pathos) que o fazem desenvolver atitudes irracionais. Assim, paixo e razo
convivem em constante conflito, cabe tica a funo de manter o equilbrio entre entes
to antagnicos. A paixo impulsiva, determinada pelo temperamento, a razo
prudente, moderadora (CHAU, 1999). Para ser feliz individual e coletivamente
fundamental desenvolver a reciprocidade, conviver de modo justo e comunicar valores.
Diferente do aristotelismo, o individualismo e a competitividade do a tnica das
ticas moderna e contempornea. A felicidade se restringe ao acmulo de bens e capital, o
ideal aristotlico do bem viver oriundo da vida contemplativa e do desempenho de virtudes
est relegado a planos inferiores. Porm, no podemos falar de tica sem citar Aristteles,
antes dele outros filsofos se debruaram sobre o tema, porm somente a partir dele, houve
a sistematizao da tica como o saber da prtica.
Discutir tica ambiental sob a tica de Aristteles faz todo sentido ainda hoje
porque a justa medida por ele defendida promove o equilbrio. Nas questes ecolgicas
trazer essa anlise relevante. Se o bem comum era a justia, a injustia que vigora
atualmente tem relegado o acesso aos bens s classes superiores e promovendo a
desproporo, logo a desigualdade, manifesta no ecorracismo, na injustia ambiental, na
insegurana alimentar, no mal uso da tecnologia, dentre outros. Na Idade Mdia, a tica
continuou sendo objeto de estudos dos filsofos, porm sob influncia do Cristianismo.
Destaca-se nesse perodo o filsofo Santo Agostinho que discute a tica a partir do livre
arbtrio.
1.2 A tica crist
Agostinho no desenvolveu nenhum tratado sobre a tica especificamente, mas
escreveu sobre o Livre Arbtrio onde os valores morais estavam presentes. Traz-lo para as
discusses ambientais uma tentativa de resgatar a anlise sobre a interveno da religio
na relao homem-natureza. Para Agostinho, a relao do sujeito com o mundo no mbito
20
da ordem moral, o confronto entre o bem e o mal, perpassa pela relao do homem com
Deus, objetivo final dos atos humanos. Os mandamentos divinos so imperativos para que
o homem viva bem consigo mesmo, com os demais homens e, principalmente, com Deus.
A filosofia de Agostinho assemelha-se ao eudaimonismo aristotlico por indicar a
felicidade como meta a ser alcanada pelos humanos, porm o caminho no a poltica,
mas a religiosidade.
Na busca para ser feliz a pessoa faz escolhas a partir de critrios prprios
decorrentes do livre-arbtrio, o poder da vontade. Nesse sentido, no existe mal nas coisas,
mas no uso das coisas porque o mal no substancial. Assim, Deus est isento de qualquer
possibilidade de promover o mal, responsvel somente por ter colocado no homem o
livre-arbtrio. O que decorre disso responsabilidade do humano que, por ter liberdade,
responsvel pelo mal existente no mundo.
O Livro O livre-arbtrio (1995) de Agostinho tem como tema o problema da
liberdade humana e a origem do mal moral. Escrito em formato de carta a Evdio os
dilogos versavam, a princpio, sobre sua fase maniquesta na busca por encontrar solues
para a origem do mal. Porm, no suportava a ideia de que Deus pudesse ser o causador do
mal. Esse imbrglio foi resolvido por Agostinho com a seguinte afirmao: a fonte do mal
moral, o pecado, est no abuso da liberdade, mas esta um bem (AGOSTINHO, 1995, p
14) .
Assim sendo, Deus criou tudo perfeito pelo verbo e dentre suas criaes est a
liberdade humana. A forma como o homem se utiliza da liberdade no depender do agir
de Deus, mas da prpria vontade humana. Desse modo, cometer o mal no nada mais do
que submeter sua vontade s paixes, ou preferir aos bens propostos pela f eterna uma
satisfao pessoal. No perodo maniquesta de Agostinho ele acreditava que o mal era
imposto ao homem, porm j convertido ao catolicismo ele divide o problema do mal em
trs nveis: metafsico-ontolgico; moral; e fsico.
O nvel metafsico-ontolgico revela que no h mal no cosmo, mas graus
inferiores de seres em relao a Deus. O segundo nvel, o moral, aborda o mal como o
pecado decorrente de nossa m vontade, o mal o mau uso do grande bem, a liberdade. O
ltimo nvel, o fsico, relata o mal como o sofrimento e a morte como consequncia do
pecado original, do mal moral. Agostinho recorre graa, sugerindo que esta o socorro
para o mau uso do livre-arbtrio. Sem a graa o livre-arbtrio depois de recado no
quereria o bem ou no conseguiria realiz-lo. A possibilidade de fazer o mal inerente ao
21
livre-arbtrio, mas a capacidade de no faz-lo a marca da liberdade. O homem que
estiver mais dominado pela graa de Cristo ser o mais livre (AGOSTINHO, 1995, p. 18).
claro, todavia, que o mal no pode ser ensinado, pode ser, contudo, a fuga da
aprendizagem, pois esta decorre do bem, a instruo um bem. Assim, procurar o autor de
nossa instruo procurar o autor do bem. A essncia do pecado (mal) est na submisso
da razo s paixes. Todas as espcies de aes ms so dominadas pela paixo, vem do
interior do homem, logo a origem do mal est no homem. Todas as atuaes ms so ms
unicamente pela paixo que as motivou. As paixes, em muitos casos, podem ser
desculpadas pelas leis humanas, mas jamais pela lei de Deus, logo, preciso distinguir as
leis eternas das temporais.
Portanto, a causa do pecado (do mal) o abuso do livre-arbtrio. Esse pecado
cometido racionalmente, pois somos capazes de atentar para nossas aes, diferentemente
dos animais. Mesmo tendo semelhana quanto ao nascimento, ao crescimento,
reproduo e a morte, muitos elementos nos diferem dos animais como sorrir e divertir-se;
buscar honras e glrias e o desejo de dominar. Quando a razo comanda as demais
propriedades humanas o homem pode considerar-se ordenado. sbio aquele que
consegue submeter-se razo. Diferente do sbio existe o insensato que no est submisso
razo. O insensato tem a mente, mas falta-lhe o domnio dela. O homem superior aos
animais pela presena da alma, isto , mente ou esprito, contudo, de pouco adianta se no
faz uso dela, pois somente a mente pode se servir da razo.
De outro modo, nada fora a razo a submeter-se s paixes, logo, as virtudes esto
acima das paixes. Os responsveis pelas paixes o livre-arbtrio e a vontade. A mente
que se submete s paixes passa por aflies, ...e de todo lado a que se volta, a avareza
cerca esse homem, a luxria o consome, a ambio o escraviza, o orgulho o incha, a inveja
o tortura, a ociosidade o aniquila, a obstinao o excita, a humilhao o abate
(AGOSTINHO, 1995, p.53).
Podemos transferir o pressuposto agostiniano para s questes ambientais. Se o
homem cristo tem liberdade no usufruto da natureza e for conduzido pela razo far uso
dessa liberdade de modo a no destru-la, porque como criatura ela louva ao criador.
Romper com o paradigma de domnio e submisso da natureza sob o vis cristo
possvel, se levarmos a cabo a expresso que diz: tudo que tem flego louve ao Senhor
(BBLIA SAGRADA, S/D). Passada a etapa de forte interferncia da religio oficial nos
costumes medievais, na Idade Moderna, sob a influncia do Renascimento, a tica
continuou sendo objeto de estudo em outras perspectivas.
22
1.3 A tica passional
Spinoza contribuiu para a Filosofia Moral escrevendo a obra tica, publicada
postumamente no ano de 1677. Trata-se de um compndio de difcil interpretao por ser
escrito em formato matemtico, o que no impede sua aplicao atual, sobretudo quando
nos referimos crise ambiental.
Diferente de Aristteles que associava a tica vida poltica e de Santo Agostinho
que atribua o agir tico ao bom uso da vontade e da liberdade, Spinoza rompe com a ideia
do desenvolvimento de virtudes para atingir a felicidade (eudaimonia) e da religiosidade
como fundamento do bem viver, inaugurando uma nova fase nos estudos sobre boas e ms
aes. No sculo XVII o filsofo de ascendncia judaica introduz a ideia de que os seres
humanos so passionais e, por isso, esto sempre sujeitos a fatores exteriores. A tica
spinozana defende que a passionalidade humana torna o homem submisso, dominado e
conduzido por foras exteriores ao corpo e alma, que so mais fortes e que agem sobre o
indivduo. Por isso, no possvel classificar as paixes em boas ou ms, estas so apenas
naturais. A rigor, s existem trs paixes originais para Spinoza (2013): a alegria, a tristeza
e o desejo.
Da alegria derivam sentimentos como amor, amizade, esperana e solidariedade; da
tristeza, o dio, a vingana e o orgulho; por fim, o desejo d origem ambio, clera, a
avareza e o temor. A paixo triste diminui a autonomia do corpo e da alma, ao contrrio
das paixes alegres. A paixo que se baseia no desejo pode oscilar em sentimentos tristes e
alegres. Nesse contexto, comete vcio quem se deixa dominar por causas externas e tem
virtudes quem desenvolve a autonomia para ser a causa interna dos prprios atos e
sentimentos, isto , passar da passividade atividade, sair da paixo para a ao. Somos
dominados pelos vcios quando deixamos que paixes oriundas do mau desejo e da tristeza
nos dominem. S a alegria e os desejos saudveis nos preparam para a atividade, para a
autonomia.
Ento o vcio no mau, como em Aristteles na Antiguidade, fraqueza para
pensar, agir e existir. A virtude, por sua vez, no um bem, a capacidade para ser e agir
de maneira autnoma. Desse modo, Spinoza no estabelece um quadro de valores, vcios
ou virtudes como Aristteles, mas aponta que o indivduo ncleo da prpria ao moral.
Na Idade Mdia Santo Agostinho defendia a existncia de virtudes crists que tornavam o
homem mais prximo de Deus e de sua lei. De outra maneira, o filsofo judeu moderno
23
aproxima-se da tica ambiental porque introduz a ideia de responsabilidade individual nos
atos do homem para com a sociedade e para com a natureza.
Chau (1999, p.350) afirma que: A virtude spinozana toma a relao do indivduo
com a natureza e a sociedade, centrando-se nas ideias de integridade individual e de fora
interna para relacionar-se livremente com ambas, isto , o centro da ao moral no um
cdigo pr-definido de virtudes ou valores, mas a fora interna do indivduo que o conduz
ao bem agir, e agir bem considerando o contexto social e natural.
Por bem compreenderei aquilo que sabemos, com certeza, nos ser til; por mal,
compreenderei aquilo que sabemos, com certeza, nos impedir que desfrutemos de algum
bem (SPINOZA, 2013, p. 158). Logo, mesmo existindo a grande possibilidade de ser
influenciado por foras externas, o homem pode ser autnomo e buscar entender a origem
das motivaes que o levam a agir da forma como age. Se a ao tiver alguma utilidade
pode ser posta em prtica, pois permite o alcance do bem, do contrrio prefervel
desprez-la. importante salientar que o bem e o mal no existem em si mesmos, mas
ocorrem de modo relacional. Como o prprio Spinoza exemplificou, a msica pode ser boa
para o melanclico, m para o aflito e indiferente para o surdo. medida que algo nos
afeta de modo positivo ou negativo que podemos cham-lo de bem ou mal.
Vislumbramos uma tica ambiental, de respeito e responsabilidade no usufruto dos
recursos naturais. Se o derrubar da floresta para o pasto afeta positivamente pelo carter
econmico, logo haver um bem para o proprietrio da terra. Para os demais moradores da
regio o fato de no mais haver floresta no espao que ora vira pasto pode afetar
negativamente, logo se constituir em mal.
Sawaia (2006, p.79) admite a relao da tica spinozana com o ambientalismo. A
sociloga afirma que: poca em que viveu Spinoza o controle da natureza era uma
aspirao para melhorar a qualidade de vida, diferentemente da problemtica ambiental do
final do sculo XX, a preocupao com a crise ambiental atual est diretamente ligada
com a escassez de recursos naturais para o usufruto da sociedade. No sculo XVII, a
preocupao era por considerar o homem no mesmo nvel da natureza. Fazia-se velada e
antecipadamente uma crtica ao domnio e superioridade do homem frente aos demais seres
vivos. Essa herana cartesiana antropocntrica est fundamentada na tradio judaico-
crist que atribui ao homem a capacidade para dominar a natureza e dela ser o senhor,
colocando-o em condio de supremacia. Spinoza defende a tese de unidade do homem
24
com a natureza, pois ambos tm a mesma substncia, assim a sade e bem estar de um
interfere diretamente no outro, porque esto integrados.
Nesse contexto, a natureza enaltecida porque Deus, diferentemente do que prega o
judasmo e o cristianismo, base da moral ocidental atual, no est dissociado, mas
integrado com a natureza, assim como o homem, formando uma unidade. Por isso a
natureza o ser fundante de todos os seres, a substncia que existe no interior de todos.
Ento cada realidade individual a manifestao do todo, que se expressa em unidades
autnomas como animais, homens e ambiente (SAWAIA, 2006).
Segundo Abbagnano (2000), a tica spinozana pode ser considerada, em ltima
instncia, racional, pois quando a pessoa est cnscia de que prejudicando a natureza ela
est prejudicando a si mesma, esse processo remete anlise lgica e ao raciocnio. Assim,
para Abbagnano (ibid, p.384): a razo nada exige contra a natureza, mas que cada um se
esforce para conservar seu prprio ser. Agir por virtude agir sob a conduo da razo.
A filosofia spinozana contm a tica da totalidade e defende a ideologia dos
ecologistas contemporneos por considerar que ao maltratar a sociedade e a natureza o
homem est maltratando a si mesmo. Logo, ao invs de defender a conquista da natureza
pelo homem, preciso a libertao de ambos (SAWAIA, 2006). Contudo, dominado pelas
paixes tristes o homem desenvolve atitudes de violncia para com o meio natural, no
entendendo que ele prprio est se prejudicando por ser ele parte do todo natural. No
sculo XVIII, uma nova era nas discusses filosficas surge, o idealismo alemo comea a
emergir e fazer adeptos, Kant desponta como um dos mais importantes.
1.4 A tica deontolgica
Kant introduz a tica deontolgica (deon dever), a tica do dever, dever que a
necessidade de uma ao por respeito lei (KANT, 2007 p. 31). Segundo ele, a razo a
autoridade final para a moralidade e o imperativo categrico sua base. A razo legitima a
ao e o imperativo categrico a fundamenta. Esse imperativo categrico kantiano (2007,
p. 59) determina: age como se a mxima da tua ao se devesse tornar, pela tua vontade,
em lei universal da natureza essa lei se compara ao que na religio seriam os
mandamentos, os princpios. Diferente das correntes eudaimonista, crist e passional a
tica deontolgica considera que a boa vontade determina a ao.
25
Nas palavras de Kant (2007, p.23) a boa vontade no boa por aquilo que
promove ou realiza, pela aptido para alcanar qualquer finalidade proposta, mas to-
somente pelo querer, isto em si mesma, as aes desenvolvidas por qualquer pessoa tm
causa interna, no fruto da busca pela felicidade ou por agradar a Deus. A mentira
repugnvel e moralmente inaceitvel, porque se algum se permite mentir abre precedente
(a partir do imperativo categrico) para que todos mintam. Que credibilidade teriam as
pessoas se todos obtivessem licena para mentir? Se a conduta no puder ser generalizada
no poder ser praticada imperativo categrico. Essa filosofia recebeu inmeras crticas
por no relativizar a ao. Se em uma determinada situao hipottica muitas pessoas
pudessem ser livres da morte pela mentira de algum, esse mentiroso, na viso de Kant,
teria agido contra a moral, sua conduta reprovada porque mentir um mal em si mesmo,
independente das consequncias.
O bem excelente kantiano a moral e o valor moral da ao no reside no efeito
que dela se espera (KANT, 2007, p.32). Como ser racional o ser humano pondera sua
vontade, seu querer e se utilizando da liberdade pratica aes. Uma ao praticada por
dever tem o seu valor moral, no no propsito que com ela se quer atingir, mas na mxima
que a determina (KANT, 2007, p.30). Desse modo, o valor do carter consiste em fazer o
bem, no por inclinao, mas por dever. A razo determina a ao condicionada
liberdade.
A liberdade o primeiro postulado necessrio da vida moral, o homem no pode
pensar nunca a causalidade da sua prpria vontade seno sob a ideia de liberdade e a
liberdade est associada ideia de autonomia. autnomo aquele que consegue que sua
vontade d a si mesma sua prpria lei, heternoma se recebe passivamente a lei. Se a
vontade autnoma, isto implica no postulado da liberdade da vontade. A imortalidade o
segundo postulado da vida moral porque a inteligibilidade se d fora da noo de tempo e
espao. A alma humana, a conscincia humana moral e a vontade livre independem da
espacialidade e temporalidade. A vida moral somente possvel, para Kant, na medida em
que a razo estabelea, por si s, aquilo que se deva obedecer no terreno da conduta.
A tica deontolgica atualmente utilizada como base nos cdigos de tica
profissionais e tambm pela legislao. Na tica ambiental o imperativo categrico
kantiano pode ser considerado um direcionador para as aes humanas. Se for possvel
universalizar a prtica no uso dos recursos ambientais essa prtica est moralmente correta,
do contrrio no pode ser aceita, claro que no podemos incorrer no mesmo erro
kantiano de no considerar o contexto. Por outro lado, se considerarmos a ao em si
26
mesma, sem analisar o contexto, injustias poderiam ocorrer nas Unidades de Conservao
ou nas Reservas Extrativistas. preciso considerar o meio termo para que no haja
supervalorizao dos recursos naturais em detrimento do respeito e da sobrevivncia da
vida humana. Ao contrrio do excessivo rigor da tica kantiana, no comeo do sculo XIX,
Mill relativiza a tica na busca por satisfazer a maioria das pessoas.
1.5 A tica utilitarista
A raiz da tica utilitarista est nas teorias hedonistas que remontam Grcia
Antiga. Essa tica ganhou fora no sculo XVIII na Gr-Bretanha com David Hume,
Jeremy Bentham e se desenvolveu com Stuart Mill no sculo XIX. A ideia central dessa
corrente que a moralidade tem sua origem na busca por aumentar a felicidade e diminuir
o sofrimento. A ao boa quando atende a essa finalidade. Aqui a moralidade s diz
respeito s consequncias, nas outras correntes a consequncia pode ser considerada na
execuo da ao, porm na tica utilitarista o julgamento moral s diz respeito
consequncia (DURAND, 2012).
Mill (2005) admite que na busca por alcanar o bem estar individual o homem pode
fazer abstrao de seu interesse por altrusmo. Outros autores afirmam que alm da
felicidade outras realidades possuem valor intrnseco como a amizade e a coragem.
Existem ainda autores que centram a teoria do utilitarismo em torno do princpio a maior
felicidade possvel para a maior quantidade possvel de pessoas (DURAND, 2012).
Na prtica da ao, vantagens e desvantagens devem ser consideradas partindo do
histrico das consequncias causadas por uma determinada ao em circunstncias
semelhantes. Desse modo no existe o bem e o mal em si, no h ao intrinsecamente m,
pois toda a moralidade est nas consequncias. Assim a filosofia de Maquiavel, descrita no
sculo XVI, prevalece nessa concepo, isto , os fins justificam os meios.
Mill (2005) afirma que os cones do utilitarismo, de Epicuro (270 a. C) a Bentham
(1748) sustentam a teoria da utilidade no como algo contraposto ao prazer, mas o prprio
prazer e a ausncia da dor. O til sempre significa essas duas coisas. A maior felicidade o
fundamento da moral, as aes esto certas na medida em que tendem a promover a
felicidade e erradas quando tendem a produzir o contrrio da felicidade.
Ento, o que seria a felicidade? Entende-se por felicidade o prazer e a ausncia de
dor e por infelicidade a dor e a privao. Assim, a teoria da moralidade se funda no fato de
que o prazer e a ausncia de dor so as nicas coisas desejveis como fins e, que todas as
27
coisas desejveis so desejveis, seja pelo prazer inerente a elas, seja como meios para
promover o prazer e prevenir a dor (MILL, 2005, p.22).
Uma vida to isenta quanto possvel de dor e to rica quanto possvel de gozos, do
ponto de vista da quantidade e da qualidade, se constitui como o princpio da maior
felicidade, porm a felicidade que constitui o critrio utilitarista do que certo na conduta
no a felicidade do prprio agente, mas a de todos os interessados, considerando que a
felicidade caminha paralelamente com o sentido de dignidade (MILL, 2005).
A tica utilitarista encontra refgio no princpio cristo: no faas ao outro aquilo
que voc no gostaria que fizessem com voc e ame ao prximo como a ti mesmo
(BBLIA SAGRADA, S/D). Tem um vis pedaggico ao estimular a solidariedade e a
harmonia social. Se todos, ao agirem, analisassem sua ao pelas consequncias dela
decorrente, privilegiando o prazer e a felicidade da maior quantidade de pessoas possvel, a
moral utilitarista prevaleceria.
O hedonismo ao qual nos referimos diz respeito, principalmente, aos prazeres
provenientes do esprito ou do intelecto. Os prazeres fsicos como comer, beber, satisfazer-
se sexualmente, se apresentam em categoria inferior. Apreciar a natureza, as obras de arte,
partilhar afetos ou conhecimentos so prazeres espirituais, superiores. Essa corrente
recebeu muitas crticas, sobretudo pelo fato de considerar a consequncia boa ou m
universalizvel. Nem sempre o que pode trazer consequncias boas para um grupo
societrio poder traz-la para outros. Logo, as minorias seriam sempre prejudicadas na
construo do arcabouo moral de uma sociedade.
Entretanto, o utilitarismo de Mill est presente mesmo que subliminarmente nas
polticas de manejo, nas Reservas Extrativistas e nas Unidades de Conservao. O intuito
subjacente conservao a utilizao do recurso da fauna e da flora pelos humanos.
Possivelmente o manejo de tracajs no feito apenas para proteg-los da extino, mas,
sobretudo, para trazer benefcio ao prprio homem.
Atualmente diversos pensadores analisam a tica, destaca-se dentre eles Zygmunt
Bauman, socilogo polons contemporneo nosso, que considera a tica to lquida quanto
sociedade na qual vivemos. interessante entend-lo pela discusso que estabelece em
torno da queda dos grandes paradigmas da moral como Deus e a razo. Esse pensador
critica o paroquialismo que busca a efetivao de uma tica universal.
1.6 A tica ps-moderna
28
Passado o perodo de predomnio da f (medieval) e da razo (moderna) desponta o
perodo denominado por Bauman de ps-modernidade. Neste, a tica desafiada pelo
individualismo e pela competio caractersticas da sociedade capitalista. Se no perodo
medieval havia uma proposta de tica universal cujo quadro moral era constitudo pelo
temor a Deus e que se manifestava na relao do indivduo com o divino, na modernidade
a razo era a autoridade capaz de estabelecer no indivduo mximas universalizveis, cuja
pretenso tambm era constituir-se como tica universal.
Segundo o socilogo polons Zygmunt Bauman, (2003) na ps-modernidade vigora
a moralidade, pois a tica enquanto pretenso de universalidade tem desafios prprios da
sociedade lquida, onde os padres ticos provavelmente no sero encontrados. De outro
modo, vigora a moral caracterizada pela ambivalncia dos seres humanos. Um mesmo
cidado que age moralmente em determinada situao pode ser imoral em outras. Como
exemplo, a literatura apresenta um ativista da causa negra americano que agia de modo
extremamente moral em defesa dos direitos da populao negra, porm era um marido no
muito exemplar. A ambivalncia moral dos humanos tambm se revela na adiaforiao2
em situaes como na causa migratria vivenciadas com intensidade em 2015 na Europa e
pases do oriente mdio, e em extremismos morais como o etnocentrismo.
Outra caracterstica da moral ps-moderna que os fenmenos morais so
intrinsecamente no-racionais, podem ser racionais, mas no prioritariamente. O afeto
nas relaes, seja com a natureza ou com os humanos, manifesta-se antes do uso da razo,
a emoo nas relaes antecede o uso da razo, diferentemente da tica moderna. Alm de
ambivalente e no-racional, a moralidade incuravelmente aportica.
A aporia da moralidade se mostra na incerteza das aes, pois em geral, as escolhas
morais so feitas na incerteza e impulsos contraditrios. Bauman (2003) afirma que o eu
moral se assenta na incerteza, pois raramente o agir moral no sofre a ao da dvida, ser
que fiz o que deveria ser feito? Logo, dada a ambivalncia, a no-racionalidade e a aporia
da moralidade, no h como constituir uma moralidade universalizvel e racional, por isso
desnecessrio todo paroquialismo que busca promover a tica universal, resta sociedade
lquida ter como ponto de partida da discusso moral a responsabilidade.
A responsabilidade defendida por Bauman (2003) se assenta na impossibilidade de
haver cdigo moral (tica) pr-estabelecido. Se o agir moral for reflexo da obedincia aos
padres de comportamento impostos, anula-se a autonomia do indivduo, desse modo no
2 Insensibilidade moral
29
h como responsabiliz-lo. A responsabilidade parte da capacidade do homem de fazer
escolher no estrito uso de sua liberdade e responder pelas consequncias de sua escolha.
No possvel transferir a culpa desses atos a outrem, ao Estado, igreja, ou a qualquer
outra instituio. Vigora a incerteza, visto que a escala das consequncias que nossas
aes podem ter, tolhe-nos a imaginao moral que podemos possuir (BAUMAN, 2003,
p.25), principalmente porque a responsabilidade flutuante. A diviso social do trabalho,
por exemplo, permite-nos, apenas, desenvolver um determinado papel, fragmentado, que
nos impede de analisar o todo. O cdigo de condutas e normas para escolhas que ligam
realizao de um papel no se alarga para pegar o eu real (BAUMAN, 2003, p.27), onde
somos ns mesmos. Dentre os diferentes papis desempenhados revela-se o pluralismo de
normas que conduz, ao mesmo tempo, liberdade de escolha e ao estado de incerteza. A
liberdade configura-se no direito de modelar-se a si mesmo, contrapondo-se, inclusive, ao
controle normativo. Se cada pessoa capaz de fazer escolhas morais, logo pode ser exigida
moralmente e ser moralmente responsabilizada, mesmo sabendo que a liberdade total no
existe em nenhum lugar da sociedade. Na ps-modernidade ... a moralidade pessoal que
torna a negociao tica e o consenso possveis, e no o contrrio (BAUMAN, 2003,
p.44).
A partir da segunda metade do sculo XX, com as discusses envolvendo a
preservao e a conservao do ambiente, filsofos como o francs Felix Guattari, em sua
obra intitulada As trs ecologias (2001), os brasileiros Mauro Grun, em sua obra Uma
discusso sobre os valores ticos em Educao Ambiental (1994), Leonardo Boff na tica
do Cuidado (1999) e o alemo Hans Jonas, no Princpio Responsabilidade (2015),
preocuparam-se em refletir sobre a tica aplicada s questes ambientais, que se aproxima
de uma tica vinculada conservao da diversidade biolgica do planeta, ao respeito
heterogeneidade tnica e cultural da espcie humana (LEFF, 2001, p. 93).
2 TICA AMBIENTAL
Vimos as diversas definies da tica no sentido geral e a definio de moral e
moralidade, mas como identific-la no contexto ambiental? A tica ambiental se estabelece
no campo da tica prtica, aplicada. Segundo Abbagnano (2000, p.36) ambiente o
complexo de relaes entre mundo natural e ser vivo, que influem na vida e no
comportamento do mesmo ser vivo. tambm um complexo de relaes fsico, qumico,
biolgico, sociais, culturais e tico imbricadas no espao natural e que reagem ao dos
30
seres vivos, sobretudo a ao do homem. No h como dissociar a presena do ser humano
do espao fsico. A viso cartesiana de domnio do ser humano sobre a natureza o separa
da natureza tornando-o distinto, e no ao acaso, superior. Essa ideia resgata o platonismo
que privilegia o mundo inteligvel ao mundo sensvel. Como se acredita que somente o ser
humano possui racionalidade, s ele participa do mundo inteligvel. Os demais elementos
da natureza se enquadram na esfera inferior do mundo sensvel. Assim, na modernidade, o
ser humano se distanciou da natureza do mesmo modo que dela se separou no perodo
neoltico (PINOTTI, 2010).
Enquanto o ser humano era nmade precisava compartilhar os espaos com animais
silvestres e disputar alimentos com eles, havia harmonia entre homens, mulheres e
natureza, os modos de produo eram rudimentares e a propriedade era coletiva. A partir
do momento em que animais foram domesticados e a agricultura cultivada, a espcie
humana passou a ser sedentria e a ver no outro um possvel rival. Alimentos passaram a
ser estocados e trocas comearam a ser feitas. Surge a ideia de propriedade privada que na
ps-modernidade estar amplamente difundida com o impulso do modelo econmico, que
busca excedentes na produo para a gerao de riqueza no mais para se precaver das
enchentes ou das secas (PINOTTI, 2010).
Resgata-se, no conceito de ambiente, o pressuposto da coletividade. No h como
particularizar o ambiente. Ele de todos, logo a ao de uma pessoa influenciar no todo e
a ao do todo influenciar no indivduo (CAPRA, 1996). Da a preocupao com a
preservao e a conservao do ambiente. As aes promovidas pelas empresas das
grandes cidades repercutiro direta ou indiretamente nos pequenos povoados
descentralizados que, na maioria das vezes, no se beneficiam dos tributos oriundos da
atividade industrial dessas empresas. Um exemplo claro dessa inter-relao o alto nvel
de poluio provocado pelos pases do norte que prejudicam a populao do sul, que,
mesmo sendo maior, causa menor impacto ambiental que a do norte. Este um exemplo
das implicaes provocadas pela questo econmica no ambiente.
O modo de produo vigente acelera o processo de esgotamento dos recursos
naturais, pois busca a maximizao dos lucros com o aumento na produo e o incremento
de novas tecnologias. E todos sabem que tudo, em ltima instncia, advm da natureza.
Demorou muito tempo para que a classe detentora dos meios de produo reconhecesse
que os recursos naturais so exequveis e que se a fonte seca a sobrevivncia da espcie
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humana pode entrar em colapso. H quem veja nessa afirmao um alarmismo
desnecessrio, pois a natureza tem seu prprio ciclo a despeito da ao humana. No o
que tem acontecido.
Espcies vegetais e animais vm sendo extintas por conta do uso indiscriminado
dos recursos naturais. Atividades industriais tm poludo rios e desequilibrado o
ecossistema. Pessoas morrem por poluio de nascentes de rios provocada pela atividade
humana em larga escala e pela negligncia quanto segurana alimentar. Diversos
relatrios de ONGs tm sido publicados no intuito de sensibilizar a populao para a
tomada de conscincia e mudanas de atitudes a fim de minimizar o desrespeito na relao
homem-natureza. Alternativas como o ecoanarquismo e o ecossocialismo tm sido
divulgadas na busca por melhorias no ambiente.
O Clube de Roma (1972) props o crescimento zero para os pases em
desenvolvimento e o neomalthusianismo defende o controle da natalidade para resolver o
problema da superpopulao mundial. Nessa discusso, a tica ambiental apresenta duas
correntes, a antropocntrica e a ecoocntrica.
2.1 tica antropocntrica e ecocntrica
A tica antropocntrica defende o protagonismo do ser humano no mundo. Logo, a
soluo dos problemas ambientais est na perspectiva do papel central do ser humano em
relao natureza, salientando que a sua conservao tem como fim atender s
necessidades humanas (JUNGUES, 2004). Os adeptos dessa corrente asseguram que no
h tica sem antropocentrismo, pois o ato de valorar peculiaridade humana. No entanto,
defendem a responsabilidade do ser humano para com a natureza.
A tica ecocntrica no d papel de destaque ao ser humano, mas o coloca no
mesmo nvel que os demais seres vivos. Desse modo, todos merecem preservao na
promoo do equilbrio ecossistmico. O protagonismo pertence vida e a crise ecolgica
deve ser equacionada numa perspectiva ecocntrica. Essa corrente acentua a ecologia e
dentro dela, o preservacionismo (JUNGUES, 2004). Os ecocentristas afirmam que a
natureza tem valor intrnseco e rejeitam o tratamento diferenciado entre humanos e no-
humanos.
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Ambas as correntes (antropocentrismo e ecocentrismo) desenvolvem outros
segmentos que, em alguns casos, acabam levando aos extremismos divulgados pela mdia.
Se os antropocentristas so capazes de derrubar florestas inteiras ou deslocar fauna e flora
para construo de hidreltricas para atender s necessidades humanas, h ecocentristas
que se prendem a navios em protestos contra a pesca marinha, por exemplo.
Longe dessa discusso acalorada, a tica ambiental se constitui como base humana
onde as relaes individuais e coletivas proporcionam aes de cuidado e a permanncia
da presena de todos os seres no mundo. capaz de produzir atitudes que podem ser
conservadas e transformar outras. Em virtude disso, destaca-se o cuidado/tica como o
elemento fundamental, pois as relaes dos seres humanos com o seu entorno se definem
pela forma como estes o veem, ou seja, por suas representaes e suas prticas do dia-a-
dia.
O cuidado no existe por si s, mas como elemento transversal a todos os demais
elementos da realidade e assim est presente no cotidiano das pessoas. Entre os esforos
para se tornar presente na vida no mundo, destaca-se o processo educativo como um
esforo pessoal e coletivo de mant-la eficaz. O processo de humanizao, constituinte
desse esforo, no est pronto nem acabado, um permanente existir relacional em que o
cuidado a linha que vai tecendo a rede da vida. O uso dos recursos naturais e os impactos
ecolgicos causados pelos seres humanos deve ser um aspecto recorrente no cotidiano das
pessoas.
A educao ambiental (EA) passa, pois, a incorporar tais processos como meios de
transformao e a auxiliar na organizao da realidade, mais particularmente na
reavaliao das relaes pessoa-ambiente. importante destacar que a EA, como
conhecimento, no pode se encerrar no simples desvendamento de uma realidade fsica,
mas deve fomentar novas prticas de uso dos recursos de modo que propiciem novas
vivncias e aprendizados (HIGUCHI et al., 2009), numa perspectiva ecosofista
(GUATTARI, 2001).
A dimenso do cuidado/tica no dissociada da existncia de outros elementos e
dimenses, pois isso deve ser um valor transversal, presente em cada momento da vida e
nos diversos espaos do cotidiano. A tica envolve muito mais do que o pensar, mas um
agir que envolve deciso e discernimento tendo sempre presente o contexto das pessoas e
da existncia da natureza, em particular do bioma amaznico.
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Est claro que o modo de produo atual danoso ao ambiente, enquanto no
houver a substituio desse modelo e os fatores polticos e sociais no forem equacionados,
resta-nos investir na EA. Somente sensibilizando a presente e as futuras geraes formal e
no-formalmente e dissolvendo-se o ideal platnico-cartesiano, o ambiente poder ser
preservado e a relao pessoa-ambiente poder ser harmoniosa, sabendo que o ser humano
no est acima da natureza, mas precisa dela para sobreviver. Desse modo o ser humano se
comportar como homo sapiens sapiens, o ser humano que se reconhece como sabedor, o
ser humano que sabe que sabe, no como homo faber apenas, o ser humano que modifica
o ambiente (JONAS, 2015).
2.2 Ecosofia, a tica do cuidado e o princpio responsabilidade
Considerando que as quatro questes mais crticas que os humanos enfrentam
atualmente so: paz, populao, desenvolvimento e meio ambiente (ROLSTON, 2003)
relevante e inevitvel que solues sejam encontradas para a questo ambiental. Nesse
sentido, se as respostas podem vir da tica, a tica ambiental que consiste na teoria e
prtica sobre preocupao apropriada com valores e deveres em relao ao mundo natural
(ROLSTON, 2003, p. 557), seria o caminho. Mas, o que difere a tica da tica ambiental?
A tica diz respeito a pessoas relacionando-se com pessoas em respeito, justia, harmonia e
cooperao; a tica ambiental parte de preocupaes humanas com a qualidade ambiental,
com a difcil tarefa de superar o pressuposto sofstico de Protgoras: o homem como a
medida de todas as coisas (ROLSTON, 2003).
Guattari, Boff e Jonas nos apontam caminhos para o desenvolvimento de uma tica
ambiental que promova uma relao harmoniosa entre homem e recursos naturais. A
ecosofia proposta por Guattari (2001) pretende responder crise ecolgica pela escala
planetria com uma condio poltica, social e cultural. A partir do estudo da inter-relao
das trs ecologias: do ambiente, das relaes sociais e da subjetividade humana, a resposta
surgir. O princpio da ecosofia traz aspectos previstos no conceito de desenvolvimento
sustentvel, proposto pelas Naes Unidas, isto , o desenvolvimento ser sustentvel
quando for socialmente includente, ambientalmente sustentvel e economicamente
sustentado.
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O que difere as trs ecologias de Guattari do conceito de desenvolvimento
sustentvel proposto pela ONU a questo econmica. O filsofo afirma que no haver
verdadeira resposta crise ecolgica a no ser em escala planetria e com a condio de
que se opere autntica revoluo poltica, social e cultural (2001, p.9), aspectos tambm
propostos por Leff (2004). Para isso, introduz a subjetividade humana (ecosofia mental),
que se manifesta pela capacidade de reinventar a relao do sujeito com o corpo, com o
inconsciente, com o tempo que passa, com os mistrios da vida e da morte (2001, p. 16).
Essa ecosofia mental se difere do cogito cartesiano por considerar que no somente o
pensar pode ser prerrogativa para a existncia, visto que, diversos fatores que contribuem
para o existir ocorrem em espaos extrnsecos conscincia.
A esfera da subjetivao humana precisa ser distinguida, sobretudo porque a
interioridade se instaura no cruzamento de mltiplos componentes relativamente
autnomos uns em relao aos outros e, se for o caso, francamente discordantes
(GUATTARI, 2001, p. 17). Guattari refora que os vetores de subjetivao no passam
necessariamente pelo indivduo, mas so decorrentes dos processos que envolvem grupos
humanos, conjuntos socioeconmicos, dentre outros. Norbert Elias, em sua obra O
processo civilizador, vol.I: uma histria dos costumes (1994), discorre sobre o processo
psquico civilizador relacionando a psicognese com a sociognese, que se assemelha com
a proposta de Guattari.
Vygotsky (2001) tambm elenca, em sua teoria interacionista de desenvolvimento,
quatro etapas que contribuem para o desenvolvimento, quais sejam: a filognese, a
ontognese, a sociognese e a micrognese. Nesse sentido, Vygotsky enfatiza que o
processo de aprendizagem ocorre de fora para dentro, ao contrrio do que defendia Piaget.
Na verdade Piaget se preocupou com as elaboraes feitas pelo sujeito, que so
inegavelmente internas a partir de contedos relativos sua atuao espontnea sobre o
mundo ou por meio de outras pessoas. Dessa forma, Guattari, Elias, Vygotsky e Piaget
concordam que a subjetivao est relacionada com os mecanismos de socializao, com
mais ou menos relevncia, dependendo do que se est aprendendo. Observa-se, no entanto,
que nas questes ambientais, os fatos no ocorrem tanto pela aprendizagem espontnea
(psicognese), mas sobretudo com informaes e vivncias coletivas (sociognese),
portanto o contexto sociocultural preponderante para a construo da tica ambiental. H
um envolvimento importante com entes no humanos e processos biofisicoqumicos que
possuem uma dinmica e temporalidade muito mais abrangentes do que o tempo presente.
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Porm, Boff refora o carter subjetivo na relao pessoa-ambiente quando prope o
resgate do cuidado nas relaes com os humanos e no humanos.
Boff (2003) parte do pressuposto de que tudo que existe merece existir e tudo que
vive merece viver, desse modo, temos que ser sensveis uns aos outros em todas as nossas
atividades e respeitadores dos demais seres da natureza (BOFF, 2008, p.43). Para isso
necessrio desenvolver a tica do cuidado que assume uma dupla funo: de preveno de
danos futuros e de regenerao de danos passados. Assim, o justo equilbrio entre a
utilizao dos recursos da terra e a preservao para as prximas geraes ser efetivado.
Jonas (2015) destaca que as ticas tradicionais privilegiaram a imediaticidade, a
simultaneidade, o aqui e agora, desse modo a natureza no era objeto da responsabilidade
humana, justamente pelo fato de ter uma temporalidade pouco conhecida e apreendida
pelos humanos. O universo moral consiste nos contemporneos, e o seu horizonte futuro
limita-se extenso previsvel do tempo de suas vidas (JONAS, 2015, p.36). Com a
incluso da tcnica e suas consequncias, o agir humano tem o dever de exigir uma nova
tica, a tica da responsabilidade de longo alcance, para ordenar as aes e regular o poder
de agir. A tica da responsabilidade rompe com o imediatismo e introduz o pensar a longo
prazo, sem esperar reciprocidade, pois a gerao que desenvolve a tica da
responsabilidade no estar presente para receber os mritos do seu agir da gerao
seguinte. Jonas introduz o imperativo age de tal forma que os efeitos de tua ao no
sejam destrutveis para a possibilidade futura de uma tal vida (JONAS, 2015, 47). H
importncia no imperativo categrico jonasiano justamente por apresenta uma novidade na
dimenso tica por apontar os elementos naturais dignos de considerao moral,
contribuindo para as questes ambientais em contraposio s ticas tradicionais.
Guattari, Boff e Jonas apresentam caminhos a serem percorridos pelos que buscam
a sustentabilidade. Nesse processo surge a figura do educador. Se a sociognese interfere
(at certo ponto impondo-se) na psicognese, aos profissionais da educao, como agentes
do Estado e como formadores de opinio, estes devem, por fora de lei e por dever moral,
apropriarem-se desses mecanismos e pr em prtica o ensino dos valores que promovam a
sustentabilidade, considerando o desenvolvimento moral de cada educando de acordo com
a srie/ano escolar. Nesse sentido La Taille (2010, p. 105), nos auxilia na trajetria docente
pois, para compreendermos os comportamentos morais dos indivduos precisamos
conhecer a perspectiva tica que estes adotam. Alm disso, precisamos entender como
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estes articulam o plano tico com o plano moral. Para isso importante conhecer como
ocorre o desenvolvimento moral ao longo da vida. Piaget (1994), Kohlberg (1963, 1984) e
Vygotsky (1991, 2001) nos fornecem subsdios para essa anlise.
3 DESENVOLVIMENTO MORAL
O sujeito moral da tica precisa desenvolver valores relativos colaborao e
cooperao para que existam condies favorveis para a sua existncia e a existncia das
prximas geraes (PIAGET, 1994). Na concepo piagetiana o desenvolvimento moral
passa por trs estgios: a) anomia, quando a criana no reconhece a existncia de regras;
b) a heteronomia, quando j possvel reconhecer a existncia de regras que precisam ser
seguidas para que no haja punio; e c) a autonomia, quando na pr-adolescncia o
juvenil reconhece que h regras e se posiciona diante delas (PIAGET, 1994). Apesar das
inmeras crticas a respeito de tais estgios atrelados idade, Piaget nos apresenta o fato de
que o desenvolvimento moral, como todos os demais aspectos seguem uma cronologia
majorante, a qual intrinsicamente associada vivncia, ao contexto sociocultural, s
capacidades do sujeito e o objeto/evento em si. Negligenciar esse processo no
reconhecer o efeito de um processo de construo gradativa onde o processo educativo tem
especial importncia. O processo educativo precisa, assim, levar em considerao em que
condies o indivduo se encontra nas suas elaboraes cognitivas sobre os valores morais,
e, a partir delas, atuar em prol de uma transformao que seja moral e eticamente
edificante.
Ainda na perspectiva da epistemologia gentica, Kohlberg (1963) afirma que o
desenvolvimento pressupe transformaes bsicas de estruturas cognitivas, enquanto
totalidades organizadas em um sistema de relaes, as quais conduzem a formas superiores
de equilbrio resultantes de processos de interao entre o organismo e o meio
(BATAGLIA et. al., 2010). Seguindo os passos piagetianos, Kohlberg (1984) reelabora o
percurso epistmico do raciocnio moral, detalhando a existncia de trs nveis, com seis
estgios e doze subestgios do desenvolvimento moral.
No primeiro nvel, chamado de pr-convencional, Kohlberg (1984) afirma que o
indivduo faz julgamentos buscando satisfazer seus prprios interesses, com a
possibilidade de evitar punies. Neste momento, vigora a heteronomia, pois o indivduo
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obedece as normas para fugir do castigo (estgio 1) e o individualismo pois a obedincia s
normas visa auferir vantagens (estgio 2) (BATAGLIA et. al., 2010).
No segundo nvel chamado de convencional, a ao considerada moral quando
busca seguir as convenes e regras sociais pr-determinadas por pessoas ou instituies
que apresentem algum nvel de autoridade. Aqui se configura o estgio 3, onde o indivduo
pretende atender s expectativas ou papis sociais de uma dada sociedade, tais como ser
um bom trabalhador, filho, vizinho ou esposo. Aparece ainda o estgio 4, onde a
perspectiva moral est imputada manuteno da ordem social, assim todos devem agir de
modo a manter a coeso social (BATAGLIA et. al., 2010).
Para o terceiro nvel chamado de ps-convencional, poucos ascendem. Aqui o
correto agir por princpios morais universais, pautados pela noo de reciprocidade e
igualdade. As regras sociais nem sempre coadunam com princpios morais, porm nesse
nvel busca-se alcanar os princpios morais e ticos universais, que transcendem aspectos
mais pontuais ou locais. Tem-se, pois, que no estgio 5 as regras sociais representam
contrato-legalista e no estgio 6, considerado o mais evoludo, se caracteriza pelos
princpios ticos amplos e irrestritos (BATAGLIA et. al., 2010).
Na teoria de Kohlberg (1984), todos os estgios que compem os trs nveis do
raciocnio moral, tm peculiaridades, os quais so chamados subestgios A e B. No
substgio A, a orientao heternoma, baseada em regras e na autoridade. No substgio
B, a orientao autnoma, baseada em princpios de justia, igualdade e reciprocidade.
Kohlberg considera o indivduo que apresenta o subestgio B, da autonomia, mais evoludo
que os demais (BATAGLIA et. al., 2010).
Vygotsky (1991), outro terico do desenvolvimento, afirma que se deve reconhecer
uma base natural para as formas culturais de comportamento. Vygotsky, focou seus
estudos na produo dessas estruturas morais, que segundo ele tem sua base social. Piaget
(1994) teve seu foco na elaborao interna desses elementos especficos, no caso o moral.
Para Vygotsky (1991), a cultura nada cria, ela simplesmente transforma o meio natural
para conformar-se aos objetivos humanos. Em sua obra intitulada A formao social da
mente (1991) Vygotsky acreditava que a internalizao dos sistemas de signos produzidos
culturalmente provoca transformaes comportamentais e estabelece um elo entre as
formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual, por isso desenvolveu o
sociointeracionismo, teoria implicitamente materialista dialtica, por considerar que as
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condies materiais de existncia interferem no processo de subjetivao, isto , so
capazes de intervir na elaborao mental interna do sujeito.
Tanto Piaget, quanto Kohlberg (1984) e Vygotsky (1991) no deixaram suas obras
acabadas para a compreenso do desenvolvimento, sobretudo o moral. Entretanto, a partir
de suas teorias possvel entender que o indivduo no traz todas as informaes prontas
em seu cdigo gentico, nem que nasce como uma tbula rasa, mas que a partir da
interao com o meio social que os elementos da moralidade se constituem no indivduo.
Esse processo ocorre de forma eternamente emergente nos mais diversos mbitos da nossa
existncia, inclusive na relao com outros seres e elementos que esto em nosso entorno.
3.1 Desenvolvimento moral ecolgico
O sujeito moral da tica o ser humano como agente que pode construir uma nova
moral, inspirado numa tica ambiental consistente (JUNGES, 2004). O ser humano se
distingue dos demais seres, visto que os outros seres no possuem o carter moral, isto ,
no possuem as duas condies essenciais para a tica a razo e a liberdade mas so
beneficirios dessa prtica por possurem valor intrnseco, ou seja, valor em si mesmo.
Nesse cenrio, o processo educativo, especialmente a Educao Ambiental, tem se
destacado como processo importante para viabilizar o desenvolvimento moral pr-
amb