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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
FERNANDO ANTONIO FINK NETO
OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL:
O CASO DE UMA EMPRESA FAMILIAR
RIO DE JANEIRO
2017
FERNANDO ANTONIO FINK NETO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).
Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.
RIO DE JANEIRO
2017
FERNANDO ANTONIO FINK NETO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).
Aprovado por:
_____________________________________________
Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD/UF
_____________________________________________
Prof. Cesar Gonçalves Neto, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)
_____________________________________________
Prof. José Geraldo Pereira Barbosa, D. Sc. (MADE/UNESA)
RIO DE JANEIRO
2017
AGRADECIMENTOS
À minha esposa e partícipe da jornada de estudos no COPPEAD, Clarice Loureiro
Fink, por seu incentivo pleno e companheirismo na trajetória em busca do
conhecimento e qualificação profissional.
A meus pais e avó, pelo exemplo sólido de comprometimento, perseverança e
dedicação. Sua confiança, suporte a minhas decisões e estímulo a enfrentar os
desafios continuam sendo cruciais para meu crescimento.
Aos meus irmãos, sempre apoiadores de minhas escolhas e fieis torcedores pelo meu
êxito.
Aos meus sogros, por todo o apoio e incentivo.
À minha orientadora, Profa. Denise Fleck, por sua dedicação e seu compromisso com
a produção de conhecimento. Suas contribuições e ensinamentos durante as aulas e
reuniões foram fundamentais não só para o desenvolvimento deste trabalho, mas
principalmente para uma visão panorâmica da temática estudada.
Aos colegas, professores e funcionários do COPPEAD, com quem a troca de
experiências diária enriqueceu bastante este período de aprendizado.
RESUMO
FINK NETO, Fernando Antônio. Os desafios do crescimento organizacional: o caso de uma empresa familiar. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2017. Dissertação (Mestrado em Administração).
A ABC Engenharia é uma empresa familiar, pioneira no segmento de prestação de
serviços em rede elétrica no estado de Pernambuco, cuja trajetória contempla mais
de 40 anos no mercado. O objetivo proposto neste trabalho foi o de analisar de que
maneira a inter-relação entre família e organização influencia mecanismos de
resposta a aspectos organizacionais e ambientais, que influenciam seu sucesso e sua
longevidade saudável. Estes aspectos são analisados à luz do arcabouço teórico
proposto por Fleck (2009), que aborda o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso
organizacional e traz em seu cerne as condições necessárias para o crescimento
saudável, a saber a integridade organizacional (SELZNICK, 1957) e o crescimento
contínuo (CHANDLER, 1977). Estudos que versam sobre modelos de crescimento
(GREINER, 1973; CHURCHIL & LEWIS, 1983) e teorias que buscam explorar
fenômenos característicos de organizações familiares (CHUA et al., 1999; WARD,
2011; GOMEZ-MEJIA et al., 2011; SHARMA & SALVATO, 2013; MELLIN et al., 2013)
oferecem elementos de análise adicionais ao framework teórico básico. Assim, um
estudo longitudinal da trajetória organizacional foi realizado a partir do levantamento
de fatos e dados históricos, o que possibilitou a identificação de padrões de respostas
aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), segundo o método que Fleck (2014)
chamou panoramic approach. A análise indicou elementos que sugerem forte
capacidade de a família manter a integridade organizacional e garantir a continuidade.
Contudo, riscos à propensão saudável da organização precisam ser gerenciados de
modo a se buscar a renovação em base contínua, para que o sucesso no longo prazo
seja perseguido.
Palavras-chave: Crescimento da firma; Sucesso de longo prazo; Longevidade
saudável; Empresa familiar
ABSTRACT
FINK NETO, Fernando Antônio. Os desafios do crescimento organizacional: o caso de uma empresa familiar. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2017. Dissertação (Mestrado em Administração).
ABC Engenharia is a family-owned firm, pioneer in the segment of electricity network
services in the state of Pernambuco, in which has developed its works forhistory has
been in the market for more than 40 years. The proposed goal of this work is to analyze
how a family organization responds to organizational and environmental aspects that
influence its success and ultimately its longevity. Therefore, a case study was
developed in order to scrutinize these aspects according to the theoretical framework
proposed by Fleck (2009), which addresses organizational growth and longevity
through the archetypes of success and failure. According to such approach, key for the
so-called healthy growth are two necessary conditions, namely renewal through
continuous growth (CHANDLER, 1977) and organizational integrity (SELZNICK,
1957). In this paper, we advance on the study of growth models (GREINER, 1973;
CHURCHIL & LEWIS, 1983), and theories that seek to explore characteristic elements
of family organizations (CHUA et al., 1999; WARD, 2011; GOMEZ-MEJIA et al., 2011;
SHARMA & SALVATO, 2013; MELLIN et al., 2013) and offer additional analysis
elements to the basic theoretical framework. Thus, a longitudinal study of the
organizational trajectory was carried out. Based on historical facts and data collected
through interviews and direct data collection methods, the identification of patterns of
responses to the challenges of growth (Fleeck, 2009) was possible, according to what
Fleck (2014) labeled the panoramic approach to strategy. The analysis indicates risks
to the organization's healthy propensity and challenges that need to be managed in
order to pursue long-term success.
Key words: Organizational Growth; Long term survival; Family Business
LISTA DE FIGURAS
Figura 2-1 - Motor do crescimento contínuo. 21
Figura 2-2 - As cinco fases de crescimento. 26
Figura 2-3 - Modelo de propensão à autoperpetuação. 31
Figura 2-4 -Mecanismo central da performance e sobrevivência em longo prazo. 46
Figura 2-5 - O efeito do processo de institucionalização sobre o sucesso no longo
prazo. 48
Figura 2-6 - Subsistemas da empresa familiar. 52
Figura 4-1 - Relações entre os agentes transacionais numa atividade terceirizada. 65
Figura 4-2 - Estrutura organizacional do grupo Neoenergia. 75
Figura 4-3 - Envolvimento familiar na organização, década de 1970. 83
Figura 4-4 - Envolvimento familiar na organização, final da década de 1980. 93
Figura 4-5 - Envolvimento familiar na organização, início década de 1990. 96
Figura 4-6 - Cronologia dos principais contratos, período de 1995 a 2000. 103
Figura 4-7 - Cronologia dos principais contratos, período de 2000 a 2016. 111
Figura 4-8 - Fluxo do processo educacional do Projeto Travessia. 121
Figura 5-1 - Efeitos do envolvimento familiar intergeracional. 161
Figura 5-2 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 01. 242
Figura 5-3 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 02. 245
Figura 5-4 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 03. 248
Figura 6-1 - Mapa visual da trajetória organizacional. 255
Figura I-1 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1900 a 1975. 260
Figura I-2 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1975 a 2015. 261
Figura I-3 - Estrutura padrão do setor pós-reformas. 270
Figura I-4 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB. 271
Figura I-5 - Pilares do modelo RE-SEB. 272
Figura I-6 - Organização do mercado varejista de energia elétrica. 276
Figura I-7 - Instituições no novo modelo do setor elétrico. 277
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 4-1 - Evolução do indicador FEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014. 74
Gráfico 4-2 - Evolução do indicador DEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014. 74
Gráfico 4-3 - Efetivo terceirizado e próprio, período 2005 a 2014. 78
Gráfico 4-4 - Custo anual de trabalhadores terceirizados (R$ mi), período 2005 a
2014. 79
Gráfico 4-5 - Quantitativo de funcionários, período de 1995 a 1997. 106
Gráfico 4-6 - Curvas longitudinais de tamanho por firma, a partir de 1994. 119
Gráfico 4-7 - Evolução de quantitativo de pessoal, período 2003 a 2015. 119
Gráfico 4-8 - Share da organização perante o cliente Celpe. 124
Gráfico 4-9 - Share of wallet Celpe sobre faturamento anual por firma. 125
Gráfico 5-1 - Curva longitudinal do tamanho da organização. 136
Gráfico 5-2 - Curva longitudinal da performance da organização. 136
Gráfico 5-3 - Curva de crescimento por firma. 162
Gráfico 5-4 - Evolução de proxy de capacidade de investimento, estágios 01 e 02.
188
Gráfico 5-5 - Evolução do endividamento geral, estágios 01 e 02. 189
Gráfico 5-6 - Evolução do endividamento geral, 1994 a 2014. 195
Gráfico 5-7 - Força de trabalho no setor elétrico. 205
Gráfico 5-8 - Distribuição de pessoal por tempo de casa. 216
Gráfico 5-9 - Número de funcionários estágio 02 x estágio 03. 219
Gráfico 5-10 - Evolução do endividamento geral, de 1996 a 2015. 238
Gráfico 5-11 - Evolução de proxy para capacidade de investimento, estágio 03. 239
LISTA DE QUADROS
Quadro 2-1 - Tipologia dos modos de crescimento. 23
Quadro 2-2 - Estágios de desenvolvimento do pequeno negócio. 28
Quadro 2-3 - Os cinco desafios organizacionais ligados ao crescimento. 32
Quadro 2-4 - Framework sobre as categorias do ambiente. 38
Quadro 3-1 - Relação dos entrevistados. 59
Quadro 3-2 - Estratégias para análise de dados em abordagem de processo. 61
Quadro 4-1 - Descrição de atividades terceirizadas. 64
Quadro 4-2 - Quantitativo de pessoal por firma. 80
Quadro 4-3 -Quantidade de CE por estado. 85
Quadro 4-4 - Principais contratos com a Celpe no período de 1995 a 2000. 105
Quadro 4-5 - Principais contratos com a Celpe no período de 2000 a 2004. 114
Quadro 4-6 - Principais contratos com a Celpe no período de 2004 a 2008. 118
Quadro 4-7 - Principais contratos com a Celpe no período de 2008 a 2011. 122
Quadro 4-8 - Principais contratos com a Celpe no período de 2011 a 2016. 124
Quadro 5-1 - Dimensões de análise estrutural x Estágio I (CHURCHILL & LEWIS,
1983). 138
Quadro 5-2 - Resumo do Desafio do Empreendedorismo, estágio 01. 140
Quadro 5-3 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 01. 149
Quadro 5-4 - Dimensões de análise estrutural x Estágio II (CHURCHILL & LEWIS,
1983). 157
Quadro 5-5 - Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 02. 167
Quadro 5-6 - Resumo do desafio de provisão de RH, estágio 02. 173
Quadro 5-7 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 02. 178
Quadro 5-8 - Dimensões do desafio do empreendedorismo, estágio 03. 193
Quadro 5-9 - Dimensões do desafio da navegação no ambiente dinâmico, estágio
03. 202
Quadro 5-10 – Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 03. 203
Quadro 5-11 - Dimensões do desafio da provisão de recursos humanos, estágio 03.
213
Quadro 5-12 - Dimensões de do desafio da gestão da diversidade, estágio 03. 218
Quadro 5-13 - Dimensões de análise estrutural x Estágio III (CHURCHILL & LEWIS,
1983). 231
Quadro 6-1 - Resumo das respostas aos desafios do crescimento, ao longo dos
estágios de desenvolvimento organizacional. 256
Quadro I-1 - Capacidade instalada das usinas elétricas (MW) – 1995. 266
Quadro I-2 - Privatizações de distribuidoras de energia elétrica entre 1995 e 2000.
273
Quadro I-3 - Comparativo dos modelos institucionais do setor elétrico brasileiro. 279
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
1.1 Organização do estudo 15
2 REFERENCIAL TEÓRICO 17
2.1 Crescimento como elemento central da longevidade organizacional 17
2.2 Configurações, crescimento e declínio organizacional 18
2.3 Evolução, revolução e as configurações 24
2.4 Arquétipos de sucesso e fracasso organizacional 29
2.4.1 Crescimento e renovação organizacional 32 2.4.2 Desafio do empreendedorismo 33 2.4.3 Desafio da navegação no ambiente 36 2.4.4 Integridade organizacional 39 2.4.5 Desafio de gestão da diversidade 40 2.4.6 Desafio da provisão de recursos humanos 41 2.4.7 Desafio da gestão da complexidade 43 2.4.8 Folga organizacional 44
2.5 A institucionalização e a longevidade organizacional 46
2.6 Empresa familiar 51
3 MÉTODO 56
3.1 Objeto e pergunta de pesquisa 56
3.2 Método de pesquisa 57
3.3 Coleta de dados 58
3.4 Análise dos dados 60
3.5 Limitações do estudo 61
4 HISTÓRICO 63
4.1 A Terceirização no setor elétrico brasileiro 63
4.2 A Companhia Energética de Pernambuco – Celpe 69
4.3 A organização 79
4.3.1. Antecedentes (1974 a 1979) 81
4.3.2. Infância (1980 a 1989) 87
4.3.3. Adolescência (1990 a 1999) 94
4.3.4. Maturidade (2000 a 2015) 110
5 ANÁLISE 134
5.1 Estágio 01 136
5.1.1 Desafio do empreendedorismo 139
5.1.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 144
5.1.3 Desafio da provisão de recursos humanos 146
5.1.4 Desafio da gestão da diversidade 149
5.1.5 Desafio da gestão da complexidade 151
5.1.6 Gestão da folga organizacional 153
5.2 Estágio 02 155
5.2.1 Desafio do empreendedorismo 158
5.2.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 166
5.2.3 Desafio da provisão de recursos humanos 173
5.2.4 Desafio da gestão da diversidade 177
5.2.5 Desafio da gestão da complexidade 184
5.2.6 Gestão da folga organizacional 186
5.3 Estágio 03 190
5.3.1 Desafio do empreendedorismo 192
5.3.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico 202
5.3.3 Desafio da provisão de recursos humanos 213
5.3.4 Desafio da gestão da diversidade 218
5.3.5 Desafio da gestão da complexidade 229
5.3.6 Gestão da folga organizacional 238
5.4 Síntese da análise sobre a ABC Engenharia 241
6 CONCLUSÃO 253
APÊNDICES 259
ANEXOS 280
REFERÊNCIAS 283
14
1 INTRODUÇÃO
A sustentabilidade do sucesso de uma organização no longo prazo é
certamente uma questão intrigante. Diversos são os exemplos de organizações que
conheceram o fracasso e o declínio mesmo depois de ter experimentado fases de
crescimento e aparente sucesso, enquanto tantos também são os casos de
organizações que consistentemente apresentam trajetórias longevas. Por isso, o
crescimento corporativo é um tema que tem atraído a atenção de gestores e
acadêmicos (CHANDLER, 1962, 1977; WHETEN, 1980, 1987; FLECK, 2009;
MCKELVIE & WIKLUND, 2010).
Se por um lado parece não haver evidências que suportem a ideia de que é
inevitável o fim de toda organização, por outro, a sobrevivência de longo prazo da
firma está associada à necessidade de: criar valor para manter-se relevante para seus
clientes; capturar valor suficiente para o desenvolvimento do negócio (LEPAK, SMITH
& TAYLOR, 2007), superar os desafios da competição (PORTER, 1980), além de lidar
com mudanças internas (MINTZBERG, 1991). Este é um processo dinâmico e
persistente, que demanda da organização respostas.
Fleck (2009) sugere ser a habilidade organizacional de desenvolver propensão
ao sucesso de longo prazo contingente a sua capacidade de renovação e manutenção
da integridade, ambas sujeitas à produção de folga. Segundo a autora, estes pilares
são sustentados pela maneira que a organização responde a cinco desafios inerentes
ao crescimento. Segundo esta perspectiva, uma trajetória de autoperpetuação ou de
autodestruição pode ser seguida.
A gestão responsável do crescimento potencializa a propensão ao sucesso de
longo prazo. Gestores devem atuar constantemente com o objetivo de evitar que a
organização seja lançada em um processo de declínio. Portanto, compreender as
condições necessárias para que uma firma desenvolva essa propensão à longevidade
saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações.
É sabido que o índice de mortalidade de empresas no Brasil persiste há anos
em níveis elevados. No que tange a longevidade de firmas familiares, Bethlem (1990)
afirma ser menor que 15% o índice de sobrevivência após a terceira geração, o que
demonstra a importância de temas como a sustentabilidade entre gerações da família.
O processo sucessório é, naturalmente, uma questão crucial das empresas familiares.
15
Entretanto, não é possível apontar esta questão como única, até mesmo por envolver
tantos fatores interdependentes entre indivíduos, famílias e firmas (NORDQVIST ET
AL., 2013).
Apesar de as empresas familiares serem protagonistas na formação e
desenvolvimento de negócios a níveis nacional e mundial, a literatura não parece
convergir para um consenso sobre a questão de as organizações familiares se
desenvolverem ou não como respostas eficientes a pressões institucionais e de
mercado. O que faz um negócio familiar ser ímpar é o padrão de posse, governança,
gestão e sucessão que influencia os objetivos organizacionais, suas estratégia e
estrutura (CHUA ET AL., 1999). Para CHUA et al. (2003), a complexidade de uma
firma familiar é representada por um modelo de três sistemas interligados e entre os
quais há uma relação sinérgica e simbiótica: o negócio, a família e os donos. Neste
sentido, fatores relacionados ao envolvimento familiar influenciam aspectos
importantes para a condução do negócio e longevidade da organização, sobretudo a
gestão de recursos e estratégia competitiva.
Por isso, a intenção deste estudo foi reunir fatos e dados de uma empresa que
se manteve familiar ao longo de mais de quarenta anos, com o intuito de analisar
como a natureza familiar pode ter impactado sua trajetória organizacional e,
consequentemente, sua propensão ao sucesso de longo prazo. Partindo do
entendimento de sucesso organizacional como a habilidade de desenvolver
propensão à autoperpetuação (FLECK, 2009), a pesquisa ora desenvolvida buscou,
portanto, responder à seguinte pergunta: De que maneira a inter-relação família-
organização pode impactar os requisitos para a renovação e continuidade de
existência em empresas familiares?
1.1 Organização do estudo
A presente dissertação é composta por seis capítulos, sendo o primeiro deles
a introdução, cujo objetivo é o de contextualizar o tema de trabalho, introduzir o estudo
e indicar seus objetivos, sua pergunta de pesquisa e a estrutura utilizada para seu
desenvolvimento.
O segundo capítulo apresenta o referencial teórico que serviu de base para a
análise do objeto de pesquisa. Tem como ponto de partida a noção de crescimento
como elemento central para avaliação da longevidade saudável organizacional, o que
sustenta o modelo de Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional,
16
desenvolvido por Fleck (2009) e utilizado para a analisar em que medida a
organização respondeu adequadamente aos desafios inerentes ao crescimento.
Ademais, o capítulo fornece resumo do arcabouço teórico sobre modelos de
crescimento organizacional (GREINER, 1973; CHURCHILL & LEWIS, 1983) e as
teorias propostas por Penrose (1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957).
O terceiro capítulo descreve o método de pesquisa utilizado para abordagem
da pesquisa, coleta, classificação e análise de dados, abrangendo também as fontes
utilizadas e limitações do trabalho. A abordagem panorâmica de pesquisa em
estratégia, proposta por Fleck (2014), foi considerada a mais adequada ao objetivo
deste trabalho, uma vez que permite uma análise longitudinal da trajetória
organizacional, a partir dos fatos e dados coletados.
O quarto capítulo contempla o relato histórico do ambiente e da ABC
Engenharia. O resgate das origens organizacionais e seus dados históricos faz-se
necessário à abordagem panorâmica para que se busque o diagnóstico adequado da
trajetória organizacional. Neste sentido, foram narrados os principais aspectos do
desenvolvimento do setor elétrico brasileiro e da terceirização neste setor antes de
efetivamente se introduzir os eventos históricos relevantes da organização, desde sua
fundação em 1974 até os dias atuais.
O quinto capítulo compreende a análise longitudinal da trajetória organizacional
da ABC Engenharia, à luz do referencial teórico apresentado no capítulo 02, em
especial os desafios do crescimento e do mecanismo central do crescimento
saudável, conforme proposto por Fleck (2009). Esta análise foi dividida em três
estágios de desenvolvimento: o primeiro agregou o período de antecedentes
organizacionais e sua fundação, até o ano de 1989; o segundo abrangeu a década de
1990; o terceiro estágio contemplou o período em que houve a privatização de seu
principal cliente, até os dias atuais.
Finalmente, o sexto e último capítulo compreende as conclusões e
considerações finais sobre o objeto de análise, oferecendo espaço reflexivo sobre
evidencias encontradas acerca dos desafios enfrentados pela ABC Engenharia e os
pontos de atenção sobre sua trajetória rumo ao sucesso no longo prazo, conforme
proposto na pergunta de pesquisa.
17
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O presente capítulo apresenta arcabouço teórico que auxiliou a análise da
trajetória da ABC Engenharia. Primeiro, discutem-se aspectos referentes à gestão de
empresas familiares. Em seguida, são abordadas teorias que versam sobre modelos
de crescimento e declínio organizacional. Posteriormente, apresenta-se o modelo de
Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional, proposto por Fleck (2009) e que
oferece eixo central de análise dos dados relativos àquela organização.
2.1 Crescimento como elemento central da longevidade organizacional
A razão pela qual firmas tem sucesso ou falham é talvez a questão central em
estratégia (PORTER, 1991). Drucker (1954 apud FLECK, 2014) indica ser comum a
associação simbólica entre o crescimento e o sucesso de uma organização, o que
poderia justificar o esforço recorrente das empresas em expandir sua participação de
mercado, ou diversificar para segmentos distintos daqueles de sua atuação.
Com vistas a endereçar questões centrais como o sucesso e fracasso, o campo
de pesquisa em estratégia tem proporcionado a emergência de clusters de interesses
comuns, baseado em maneiras contingentes de explicar fenômenos sob investigação
(FLECK, 2014). Neste sentido, a autora pontua como ameaça à continuidade da
existência desta área do conhecimento a proliferação de diferentes perspectivas que
perseguem pouca conexão entre as ideias desenvolvidas, ao mesmo tempo em que
se promovem mecanismos de redução da complexidade. Consequentemente, a
autora afirma que o campo perde sua capacidade de oferecer explicações
abrangentes sobre fenômenos estratégicos complexos, o que afeta a criação de valor
da produção acadêmica para gestores de mercado. Tem-se desenvolvido, pois, um
conhecimento acumulado que é diversificado e rico, porém também é incompleto e
falha no endereçamento da questão central como um todo (MINTZBERG et al., 1998).
Fleck (2014) sugere que uma perspectiva ampla para a pesquisa científica
sobre a estratégia da firma que, ao invés de compartimentalizar a investigação, tenha
em consideração múltiplos aspectos e níveis de análise, como o negócio, a
organização, a indústria, o ambiente e as pessoas. Sob tal perspectiva, a autora
apresenta a natureza dual do processo de crescimento como base para a
compreensão da longevidade saudável e também declínio e sobrevivência das
organizações. Crescimento promove as sementes para a renovação necessária à
18
sobrevivência em longo prazo (MARCH, 1991), ao passo que também pode erodir a
vitalidade organizacional e abrir espaço para o declínio (WEITZEL & JONSSON,
1989).
Contudo, McKelvie e Wiklund (2010) relatam pouco desenvolvimento relevante
no que diz respeito à compreensão do processo de crescimento organizacional.
Ademais, poucos autores, entre eles Penrose (1959), Chandler (1962; 1977; 1990),
Greiner (1972) Churchill e Lewis (1983), abordam o crescimento na perspectiva de
processo de mudança (FLECK, 2016) e os estudos acadêmicos, em geral, focam em
fatores relacionados ao impacto causado pelo crescimento, ao invés do processo em
si.
Neste sentido, Fleck (2014) advoga pela capacidade da abordagem
crescimento orientada a processo e o potencial integrador que esta pode ter frente ao
road map conceitual disponível na literatura sobre estratégia. Em perspectiva
longitudinal de análise, Fleck (2016) foca em uma abordagem orientada a processo,
segundo a qual podem ser identificados elementos fundamentais que compõem este
macroprocesso, que constituem condições necessárias e mecanismos a elas
relacionados, o que seria importante para o desenvolvimento da compreensão acerca
deste fenômeno tão valorizado pelos gestores.
Também esta abordagem pode facilitar o entendimento sobre os drivers da
evolução do ambiente, organização e seus padrões de interdependência (LENZ, 1981
apud FLECK, 2014), o que denota sua utilidade para a análise sob as lentes das
configurações (MILLER & FRIESEN, 1978).
2.2 Configurações, crescimento e declínio organizacional
Miller e Friesen (1978) e Miller (1986) propõem avanços a partir da
compreensão inicialmente proposta por Chandler (1962), ao partirem das
observações de estudos disponíveis na literatura (Mintzberg, 1973; Miles e Snow,
1978), que relacionam os estados da organização e de formulação estratégica com o
contexto ambiental em que estes ocorrem. Os autores abordam sucesso e declínio
organizacional a partir da relação entre performance e os elementos estratégia,
estrutura e ambiente. Assim, Miller e Friesen (1978) propõem arquétipos de sucesso
e de fracasso que, numa perspectiva longitudinal, constituem estados
organizacionais. As organizações podem mudar de estado ao longo do tempo, de
acordo com a tendência de convergirem configurações viáveis entre aqueles
19
elementos (MILLER, 1986), e estas, de acordo com o autor, podem ser definidas como
um complexo sistema de elementos alinhados por um tema ordenador.
Para Fleck (2016), o crescimento, no contexto da sobrevivência de longo prazo,
não se limita a uma dimensão quantitativa, como o número de funcionários, ou market
share de uma firma. A autora oferece noções complementares à ideia de crescimento
enquanto mudança em tamanho e propõe uma dimensão qualitativa, referente a
novos atributos incorporados pela organização, que estão por trás das noções de
crescimentos enquanto mudança em natureza e também enquanto mudança de
estado.
Assim, a autora retoma a abordagem panorâmica proposta por Fleck (2014),
que visualiza o desenvolvimento organizacional através de um conjunto de estados
de existência, que pode flutuar entre estados mais ou menos saudáveis, dependendo
de como o processo de crescimento evolui.
Em suma, a linha de pesquisa defendida por Fleck (2003; 2009; 2014; 2016)
sugere que a mudança organizacional pode ser visualizada a partir da mudança de
estado em um espaço de estados bidimensional. O processo de crescimento
compreende uma série de desafios gerenciais, que implicam mudanças no espaço de
estados a partir das respostas organizacionais e afetam, inclusive, iniciativas de
expansão subsequentes (FLECK, 2016).
Segundo Miller (1986), as organizações tendem a atrasar ajustes estruturais
até que importantes crises se desenvolvem e alterações revolucionárias sejam
necessárias para o reestabelecimento da harmonia entre aqueles elementos, do
contrário, o status quo tende a ser mantido por tanto tempo quanto o custo da
mudança exceder os custos de não mudar. Para o autor, configurações são dinâmicas
e podem ser analisadas como uma variável ou qualidade capaz de criar vantagem
competitiva, à medida que um tema ordenador e mecanismos integradores garantem
a complementariedade entre elementos estruturais da firma. Conforme apresenta o
autor, afinal, estes temas ordenadores podem estabelecer um processo evolutivo que
seleciona os elementos congruentes com ele e expele os demais, o que pode tornar
a organização mais coerente. Ocorre que, em ambientes de incerteza ou em
constante mudança, o alinhamento entre os elementos ambiente, estratégia e
estrutura é dificultado.
Uma das dimensões a que se refere a autora é o estado do ambiente, que pode
ser definido em termos de quão fácil ou difícil é o processo de criação e captura de
20
valor para uma empresa (FLECK, 2009). Neste sentido, Fleck (2011) distingue três
tipos de condições ambientais: piedoso, desafiador e inóspito. Segundo a visão da
autora, enquanto é provável haver estímulos a acomodação organizacional e
desatenção a sinais de declínio em um ambiente piedoso, um ambiente inóspito pode
impor severas restrições à viabilidade da condução do negócio. Um ambiente
desafiador, por sua vez, tende a favorecer firmas que conseguem estabelecer
vantagens competitivas e capacitações para enfrentar a competição (FLECK, 2011).
Por outro lado, Fleck (2009) também indica ser uma dimensão do espaço de
estados a própria existência da organização, que são representados por trajetórias
organizacionais de autoperpetuação e autodestruição. Neste sentido, a autora
considera o fracasso organizacional como um estado final de um processo de declínio,
à medida que seu entendimento quanto à autoperpetuação converge com aquele
defendido por Chandler (1977). Este autor sugere ser o sucesso organizacional não
um estado final, mas um estado potencial de um processo dinâmico ao qual a firma
se aproxima através de estímulos constantes ao desenvolvimento e à manutenção da
propensão à autoperpetuação, ainda que os níveis de respostas mudem ao longo do
tempo (FLECK, 2009).
Tal perspectiva parece ser suportada pela resource-based view e o poder
implícito da forma de conduzir transações eficientes e efetivas para a implementação
de estratégias que aumentam suas chances de sobrevivência. Segundo Barney
(1991), quando a organização possui recursos que são valiosos, raros, não imitáveis
e de difícil substituição, uma vantagem competitiva é sustentável. O sucesso de longo
prazo está implicitamente associado à ideia de vantagem competitiva e persistência
(FLECK, 2009), que remete à capacidade da firma em criar e a capturar valor, em
bases contínuas.
Adicionalmente, Chandler defende que pressões gerenciais para o sucesso
organizacional levam a um processo de crescimento contínuo, o que aproxima a
organização de um estado de autoperpetuação, de uma capacidade de sobreviver
além de seus membros sem, portanto, ter um fim inexorável, como advogam os
teóricos do ciclo de vida organizacional (WHETTEN, 1987). O mecanismo que envolve
o esforço persistente para o crescimento e estabelecimento de vantagens
competitivas sustentáveis é chamado por Fleck (2003) motor do crescimento contínuo,
acionado pela capacidade da firma em identificar e responder ao que Penrose (1959)
chama desequilíbrio produtivo interno à firma, o que Fleck (2003) representa como
21
mecanismo de autorreforço do motor de crescimento contínuo, conforme apresenta a
Figura 2-1.
Figura 2-1 - Motor do crescimento contínuo.
Fonte: Fleck (2003).
Neste processo em que o próprio crescimento impulsiona condições favoráveis
a novas expansões, Chandler (1977) considera que a busca pela utilização lucrativa
dos recursos disponíveis cria forte pressão para a adoção de dois tipos de estratégia
para expansão: defensiva e produtiva. O autor distingue os propósitos das duas
estratégias ao considerar estratégias defensivas aquelas associadas ao desejo de
prover segurança e estabilidade, controlando as fontes de possíveis mudanças, ao
passo que as estratégias produtivas servem o propósito de provocar mudanças a
partir da busca por maior produtividade e eficiência. Neste sentido, expansões
produtivas são inerentemente mais rentáveis e, ao demandar a aquisição de novos
recursos, reforçam o desequilíbrio entre os recursos que potencializam novas
oportunidades produtivas, determinando a direção e profundidade do crescimento da
firma.
Por trás das oportunidades de crescimento a que Chandler (1977) se refere,
Penrose (1959) afirma serem fatores determinantes os serviços produtivos derivados
do conjunto de recursos – físicos e humanos – à disposição da firma. Serviços, no
sentido apresentado por Penrose (1959), correspondem à utilização dos recursos
disponíveis nos processos internos da organização e representam a principal fonte de
singularidade das firmas. Estes recursos são coordenados por um corpo gerencial
responsável pelas decisões e escolhas, que direcionam o crescimento da firma. Tal
fato evidencia o que Penrose (1959) considera ser fator limitante do crescimento da
organização, a disponibilidade de capital humano qualificado. Além disso, a autora
destaca que o crescimento continuado requer como condição necessária a ambição
de gerar lucros, motivo pelo qual apenas as oportunidades percebidas pelo
empreendedor como de potencial rentabilidade serão exploradas e terão potencial de
22
geração de novo desequilíbrio que reiniciará o motor de crescimento contínuo
apresentado na Figura 2-1.
Entretanto, Chandler (1990) comenta que nem sempre tamanho pode ser
convertido em vantagem competitiva e chama atenção para o fato de que grandes
organizações podem estagnar, o que seria um primeiro sinal de declínio (FLECK,
2011). Este é o caso de firmas que não desenvolveram capacidades dinâmicas que
permitem explorar as oportunidades de crescimento para promover a renovação das
capacidades organizacionais. Penrose (1959), aliás, advoga que a importância do
tamanho da firma é dependente do quanto sua escala possibilita melhor alocação e
utilização dos recursos e poder. Isto remete à ideia da autora sobre a incapacidade
das grandes corporações de extrair vantagem de todas as oportunidades de
expansão, o que em essência pode explicar a existência de grande número de
pequenas empresas em determinados setores da economia.
Uma teoria abrangente sobre crescimento da firma precisa explicar uma série
de tipos qualitativamente diferentes de crescimento (PENROSE, 1959). Em
consonância com o que defende Penrose, Fleck (2016) parte de uma noção de
crescimento que inclui dimensões qualitativas e oferece uma tipologia do que chamou
modos de crescimento. A autora identificou sete maneiras segundo as quais o
processo de crescimento se desenvolve e alerta que cada um deles pode induzir ou
inibir comportamentos construtivos que ampliam as chances de sucesso
organizacional no longo prazo. Na prática, contudo, o crescimento da firma pode
incluir um ou mais modos. Esta tipologia é descrita no Quadro 2-1.
Para Fleck (2009), a performance e a sobrevivência da organização são
condicionadas pelas estratégia e estrutura. Não derivam, portanto, do crescimento em
si, mas dos efeitos do padrão de respostas destas organizações ao que a autora
considera serem desafios do crescimento, que refletem as consequências
disfuncionais geradas no processo. Há fatores derivados do crescimento e sucesso
da firma que podem induzir práticas gerenciais capazes de conduzir a firma ao
processo de declínio.
Sob tal perspectiva, para Whetten (1987), o sucesso pode gerar o fracasso e
aponta duas formas de declínio: declínio por estagnação e declínio pelo encolhimento.
Enquanto o segundo é fruto da redução do mercado como um todo, a estagnação está
relacionada à gestão ineficiente e erode a vitalidade da organização, conduzindo a
uma trajetória que Fleck (2009) chamaria de autodestruição. Por isso, organizações
23
em crescimento precisam desenvolver a sensibilidade de identificar condições
presentes e futuras desfavoráveis, de modo a superar as ameaças a sua
sobrevivência e sucesso de longo prazo (WEITZEL & JONSSON, 1989). Estes não
podem, entretanto, ser confundidos com a mera continuidade da existência, uma vez
que a sobrevivência abrange um amplo espectro que vai de sobrevivência robusta a
falência (FLECK, 2014).
Quadro 2-1 - Tipologia dos modos de crescimento.
Fonte: Traduzido e adaptado de Fleck (2016).
Neste sentido, Sull (1999) indica ainda ser causa e agravante do processo de
declínio o que chama de fenômeno da inércia ativa, que está relacionado com a
Modos de crescimento
Tipo de mudança Mecanismo de mudança
Exemplos
Inercial (natureza quantitativa)
Uso repetitiva de procedimentos existentes. A demanda insatisfeita pelo produto ou serviço induz à replicação de procedimentos /comportamentos e produz mais do mesmo outcome. Trata-se de mudança quantitativa de estado.
Replicação Escalabilidade
Ampliação de rede de lojas; Franquia de modelo de negócios.
Dialético (natureza qualitativa)
Solução de conflito que resulta na produção de algo novo. Substituição do impasse OU/OU (trade-off) por uma situação E/TAMBÉM.
Inovação dialética Síntese
Expansão por processos de customização em massa.
Interactional (natureza de único nível)
Interdependência entre coisas de mesmo tipo, que lutam por recursos escarços (competição) e/ou compartilham recursos com objetivos comuns (cooperação). Determinação do crescimento por ação competitiva e/ou cooperativa mútua.
Responsividade a rivais e parceiros
Retaliação à expansão de rivais; Expansão orquestrada de parceiros comerciais.
Estrutural (natureza multinível)
Interdependências entre uma um sistema (indústria/firma) e suas partes constituintes (firmas/unidades de negócio ou indivíduos). É necessariamente uma mudança multinível.
Convergência de partes Divergência de partes
Padronização permite o crescimento do todo; Tornar produtivo recursos não utilizados, abrindo espaço para diversificação ou integração vertical.
Externally-led (natureza causal)
Fatores externos são suficientes para induzir ao crescimento. Determinação da estratégia da firma por causas externas (natureza determinística).
Ação de causas suficientes
Aumento na demanda por alguns produtos e serviços devido a mudanças nas condições econômicas.
Chance-led (natureza estatística)
Aleatoriedade resultante da ação de agentes, eventos ou processos interdependentes ou quási-independentes
(natureza probabilística).
Aleatório Estatisticamente determinado
Avanços de P&D alcançado por times independentes que buscam simultaneamente objetivos comuns.
Direcionado a resultados (natureza teleológica)
Perseguição de objetivos estabelecidos ativa outros processos de mudança. Agentes que definem os objetivos podem ser internos ou externos à organização (agências regulatórias, por exemplo). Metas de crescimento definem as diretrizes para expansão.
Orientado a objetivos
Todos os demais podem ser exemplos, dependendo do modo de crescimento ativado pelos objetivos definidos. Exemplo: definição de metas de expansão de número de lojas (inercial).
24
insistência das organizações em seguir com práticas institucionalizadas, mesmo com
sinais claros de mudanças no ambiente. Neste caso, Weitzel e Jonsson (1989)
argumentam que o processo de declínio organizacional pode ter início a partir da falha
na antecipação às mudanças, ainda que a organização esteja em crescimento, o que
representa o estágio denominado de cegueira. Outros três estágios também estariam
associados a este processo: inação, ação equivocada e crise. Contudo, os autores
afirmam não haver dados que indiquem não ser possível reverter o processo de
declínio, contanto que a organização não esteja nos estágios finais daquele processo,
quando disporá de recursos insuficientes para redirecionar sua trajetória. Uma
permanently failing organization (MEYER & ZUCKER, 1989), aquela que
persistentemente exibe baixa performance, perdurará tanto quanto houver
stakeholder que a sustente ou enquanto condições ambientais não exercerem
pressões suficientes para sua dissolução e extinção (FLECK, 2014).
O sucesso organizacional é, assim, produto da capacidade da organização de
responder aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), sendo tão maior as chances
de sucesso de longo prazo, quanto maior for a habilidade da organização de nutrir
capacidades de autoperpetuação, a partir da renovação organizacional e preservação
de sua integridade. Ambas as condições são afetadas pela produção de folga e pelas
respostas aos desafios do crescimento (FLECK, 2009), o que torna de crucial
relevância o estudo das dimensões que os compõem e como estas influenciam a
trajetória de sobrevivência das organizações.
2.3 Evolução, revolução e as configurações
De acordo com Greiner (1972), o passado de uma organização em crescimento
fornece pistas quanto ao seu sucesso potencial, à medida que forças históricas
moldam oportunidades de crescimento futuro. Para o autor, a inabilidade da gestão
em compreender os problemas causados pelo desenvolvimento da firma pode gerar
paralisia no estado corrente e ameaçar sua evolução, independentemente de
oportunidades de mercado. O futuro de uma organização seria, então, resultado maior
de sua própria história.
Greiner (1972) aponta para a ocorrência de estágios distinguíveis ao longo do
desenvolvimento de uma organização. Neste sentido, o termo evolução é cunhado
pelo autor para denotar os períodos prolongados de crescimento sem grandes
perturbações na dinâmica organizacional, sendo estes caracterizados por um estilo
25
de gestão utilizado para obter o crescimento. Para o autor, estes períodos evolutivos
são seguidos por crises de gestão, denominadas revoluções, em que surgem
turbulências na vida organizacional, provenientes de problemas de gestão
característicos e que precisam ser solucionados antes que o crescimento volte a
ocorrer. Cada um destes período é efeito do estágio anterior e causa do período
subsequente (GREINER, 1972). Assim, o autor propõe que a estrutura organizacional
teria papel preponderante sobre estratégia corporativa, o que representa uma
compreensão inversa ao que propõe Chandler (1962).
É pertinente destacar a ideia proposta por Chandler (1962) segundo a qual, ao
crescer, uma organização precisa realizar adaptações em sua estratégia, que
demandam ajustes estruturais, de modo que não se incorra em ineficiências
econômicas. Sob tal premissa, é de se esperar que a trajetória de uma firma de
sucesso pressuponha a capacidade de promover mudanças em sua estrutura que
seguem a estratégia da organizacional, tendo em vistas superar os desafios do
crescimento.
Apesar da aparente contradição acerca da preponderância da estratégia ou da
estrutura sobre o sucesso, ambos autores parecem concordar quanto à natureza
crítica da capacidade da liderança em realizar ajustes estruturais como resposta aos
desafios associados ao crescimento (FLECK, 2009). Também são convergentes este
entendimento e o que se discutiu sobre o papel da liderança institucional na gestão
ativa deste processo, uma vez que, para Greiner (1972), cabe ao gestor, a cada
período de revolução, encontrar um novo conjunto de práticas organizacionais que se
tornarão base para a gestão do próximo período evolutivo.
Cinco dimensões surgem como elementos essenciais para o modelo dos cinco
estágios proposto por Greiner (1972), são elas: idade da organização, tamanho,
estágio de evolução, estágio de revolução e ritmo de crescimento da indústria. As
cinco fases são representadas na Figura 2-2 e resumidas a seguir.
26
Figura 2-2 - As cinco fases de crescimento.
Fonte: Greiner (1972).
A primeira fase é a de nascimento da organização, quando há ênfase na
criação do produto ou do mercado (GREINER, 1972). Esta fase foi denominada pelo
autor de criatividade e é caracterizada pela comunicação frequente e informal entre
funcionários e fundadores, que imprimem orientação técnica ou empreendedora a sua
atividade, com pouca atenção para tarefas gerenciais. Ainda segundo o autor, esta
fase gera o primeiro período de revolução, a crise de liderança. Esta, por sua vez,
aponta para a necessidade de ganhos de eficiência e formalização de processos, à
medida que a organização cresce, o que coloca os fundadores com importantes
responsabilidades administrativas, dando origem a possíveis conflitos, que
demandam esforço da liderança para manter a integridade organizacional.
Para Greiner (1972) aquelas organizações sobreviventes experimentam um
segundo estágio de evolução, chamado direção. Neste, em consequência da
necessidade anterior, tem-se a emergência da capacidade gerencial do negócio, com
a introdução de uma estrutura funcional com alocação de atividades, surgimento de
sistemas de controle e a centralização da responsabilidade diretiva na figura de um
líder central. No entanto, à medida que a organização cresce, surge uma pressão para
que haja maior autonomia para os componentes da estrutura organizacional, o que
gera o que o autor chama de crise de autonomia.
Ao sucederem iniciativas de implementação de estruturas organizacionais
decentralizadas, as organizações adentram um novo estágio evolutivo, chamado de
51
Figura 2 – As cinco fases de crescimento
Fonte: adaptado de Greiner (1998).
27
delegação (GREINER, 1972). Segundo o autor, maiores responsabilidades são
delegadas, canais de comunicação formais são mais frequentes, a delegação de
atividades motiva trabalhadores de níveis hierárquicos mais baixos e a liderança
acompanha os resultados por meio de relatórios periódicos. No entanto, a perda de
controle da operação diversificada acaba por gerar a crise de controle, em que é
necessária a implementação de mecanismos de coordenação (GREINER, 1972).
O resultado da crise de controle é a adoção de sistemas formais que conferem
coordenação entre as áreas organizacionais, o que caracteriza a quarta fase de
evolução, chamada pelo autor de coordenação. Nesta, observam-se procedimentos
formais de planejamento, expansão de pessoal para implementação de programas de
controle, dentre outras consequências que levam a organização a alcançar maior
eficiência na alocação dos recursos organizacionais. Contudo, a proliferação de
sistemas, a partir de certo ponto, torna a organização excessivamente rígida, o que é
apontado pelo autor como principal característica do que ele chama red-tape crisis,
que pode ser superada a partir da colaboração interpessoal interna à organização, o
que confere à quinta fase de evolução a preponderância do controle social e
autodisciplina sobre os sistemas formais (GREINER, 1972). Como consequência, a
organização torna-se mais flexível, enquanto características como o foco na solução
de problemas, cooperação em times multifuncionais, dentre outras práticas, passam
a ser adotadas.
Churchill e Lewis (1983) propõem uma abordagem diferente para um modelo
de desenvolvimento de pequenos negócios. Para estes autores, modelos de
desenvolvimento organizacional disponíveis na literatura – Greiner (1972), por
exemplo – falham em três principais pontos, quando se analisa um pequeno negócio:
primeiro, assumem que a organização precisa necessariamente passar por todos os
estágios de desenvolvimento, ou morrer na tentativa; segundo, os modelos não
capturam estágios iniciais importantes para a origem e o crescimento da firma,
estágios estes que criam as condições de imprinting e influenciam o processo de
institucionalização da organização (SELZNICK, 1957); terceiro, estes modelos
caracterizam tamanho majoritariamente em termos de faturamento anual e ignoram
fatores tais como número e localização de instalações físicas e tecnologia de
produção.
Neste sentido, Churchill e Lewis (1983) propõem um modelo composto por
cinco estágios, que representam um índice composto por tamanho, diversidade e
28
complexidade, conforme apresentado na Quadro 2-2. Cada estágio seria descrito por
cinco fatores de gestão, a saber: estilo de gestão, estrutura organizacional, existência
de sistemas formais, objetivos estratégicos e envolvimento do dono no negócio.
Quadro 2-2 - Estágios de desenvolvimento do pequeno negócio.
Fonte: Traduzido e adaptado de Churchill e Lewis (1983).
Assim, aspectos organizacionais e relacionados ao perfil da gestão implicariam
na alteração da importância relativa do que os autores denominam fatores críticos.
Estes estão associados à natureza dinâmica dos desafios gerenciais, o que coloca o
modelo proposto pelos autores em linha com a teoria dos arquétipos de sucesso e
fracasso de organizações (FLECK, 2009).
É possível, neste ponto, estabelecer uma ligação entre as ideias de Miller e
Friesen (1978) com aquilo que propõem Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983)
quanto à alternância entre períodos de evolução e revolução e as alterações na
estrutura para promover estabilidade entre os elementos organizacionais. Estes
autores parecem buscar uma linha de pesquisa mais próxima daquela proposta por
Fleck (2014) ao defender a abordagem panorâmica da estratégia. Contudo, Miller e
Friesen (1978) defendem uma visualização mais ampla do que a análise do processo
de mudança nas organizações em crescimento unicamente a partir de questões
internas. Estes autores consideram também os elementos de estratégia e ambiente
como parte das configurações de um sistema coeso que muda de estado ao longo de
sua existência, uma vez que a adequação e efetividade de uma estratégia em geral é
função de elementos estruturais e também fatores relacionados ao ambiente.
29
Ao considerar o contexto em que ocorre o desenvolvimento da organização
familiar, uma vez que se considera a interação deste com os sistemas família e
negócio, mais do que a atuação de forças históricas de formação da estrutura, fatores
externos a esta parecem contribuir para os estágios em que a trajetória ocorre. Neste
sentido, Churchill e Lewis (1983) apresentam seu modelo de crescimento dos
pequenos negócios, que, segundo os autores, variam amplamente em tamanho e
capacidade de crescimento, além de também ser largamente variável seus estilos de
gestão e estruturas organizacionais.
Por isso, uma análise da trajetória descrita pela organização em estudo à luz
do que propõem Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983) pode oferecer resultados
consistentes. Aquele próprio autor, aliás, reconhece a ocorrência de fatores que
impactam a velocidade e frequência com que acontecem os períodos em organização
ativas, o que pode indicar compatibilidade com o modelo proposto por Churchill e
Lewis (1983), uma vez que os fatores críticos de gestão a que estes autores aludem
podem produzir efeitos sobre a duração dos estágios de evolução e revolução
compreendidos pelo modelo de Greiner (1972).
2.4 Arquétipos de sucesso e fracasso organizacional
Ao analisar o crescimento organizacional sob a perspectiva do processo, Fleck
(2009) considera que a performance e a sobrevivência da organização são
consequência do padrão com que ela responde ao que a autora denomina desafios
do crescimento. Para Fleck (2016), resultados naturais do fenômeno de crescimento
resultam em desafios gerenciais para os membros da organização, cujas respostas
envolvem mecanismos de renovação organizacional ou deterioração, eventualmente.
Deste modo, à medida que organizações se desenvolvem, elas ativam modos de
crescimento que, de maneira mais ou menos acentuada, afetam suas chances de
sucesso (FLECK, 2016). Ainda segundo a autora, a sobrevivência longeva e saudável
é condicionada pela atitude gerencial acerca dos desafios e sua habilidade em
implementar mecanismos contrários entre si, mas requeridos para a continuidade de
existência: promoção da renovação organizacional e neutralização da deterioração
organizacional.
Posto que o processo de crescimento ocorre em um contexto bidimensional de
estados, condições ambientais e organizacionais são condicionantes do
desenvolvimento da organização (FLECK, 2016). Segundo a autora, um estado
30
saudável de existência é tipicamente o resultado do balanço entre mecanismos de
renovação e deterioração, enquanto estes últimos prevalecem quando da ocorrência
do declínio. Por outro lado, estados de subsistência tendem a ser consequência da
neutralização, simultânea ou alternada, daqueles dois tipos de mecanismos, o que
pode levar à estagnação.
Chandler (1962) propõe ser um desafio do gestor a capacidade de lidar e
equilibrar os objetivos de longo prazo, que indicam a saúde da organização, com a
preocupação de se ter uma operação rotineira eficiente e regular. Segundo o autor,
isto leva a uma mudança no papel dos gestores que evolui da execução de atividades
operacionais para o planejamento, coordenação e alocação de recursos. A
administração gerencial representa um elemento essencial para coordenar os
recursos de forma eficiente e de maneira a atender às demandas impostas pelos
desafios (PENROSE, 1959; FLECK, 2009).
Neste contexto, Fleck (2009) destaca a noção de autoperpetuação, segundo a
qual organizações se tornam mais propensas a autoperpetuar-se a partir do processo
de crescimento contínuo e da continuidade de existência, condicionados pela
capacidade organizacional de renovar-se e preservar sua integridade institucional
(FLECK, 2009; SELZNICK, 1957). Estas contribuem para a obtenção de vantagens
competitivas sustentadas na criação e captura de valor em longo prazo.
Alternativamente, uma trajetória de autodestruição tem potencial de conduzir a
organização ao estado final de fracasso (WEITZEL; JONSSON, 1989). Estas duas
são arquétipos que representam tipos ideais (DOTY; GLICK, 1994 apud FLECK, 2009)
separados por um continuum em que efetivamente a firma se situa conforme sua
reação aos desafios, ao longo se sua própria trajetória.
Fleck (2016) sustenta que a falha dos movimentos de expansão em neutralizar
respostas inadequadas aos desafios do crescimento resulta em conflitos internos,
retrabalho e outras ameaças potenciais à continuidade da existência da organização
(CHANDLER, 1977). Neste sentido, a autora argumenta que este tipo de situação
provavelmente irá drenar recursos organizacionais críticos e, por consequência,
impedir a produção de folga para alimentar novos movimentos de expansão,
prejudicando o crescimento contínuo (PENROSE, 1959).
A Figura 2-3 apresenta a relação entre os desafios e os requisitos do
mecanismo central da propensão organizacional ao sucesso de longo prazo (FLECK,
31
2009). O Quadro 2-3, por sua vez, descreve os cinco desafios propostos e resume os
polos de respostas àqueles.
Figura 2-3 - Modelo de propensão à autoperpetuação.
Fonte: Traduzido de Fleck (2009).
DESAFIOS POLOS DE RESPOSTA AOS DESAFIOS
Categoria Descrição Polo de Autodestruição Polo de Autoperpetuação
Empreendedorismo
Promoção contínua do empreendedorismo e estímulo a movimentos expansivos que criem valor, sem exposição excessiva a riscos
Satisfatório ou inferior
Baixo nível de ambição, versatilidade, julgamento, habilidade de levantar recursos, visão e imaginação, tendo as expansões motivações nulas ou defensivas
Alto
Alto nível de ambição, versatilidade, julgamento, habilidade de levantar recursos, visão e imaginação, tendo as expansões motivações produtivas ou híbridas
Navegação no Ambiente
Gestão dos stakeholders de modo a garantir a captura de valor e legitimidade organizacional
Passiva
Monitoramento incompleto ou ineficaz do ambiente. Uso inadequado de estratégias de resposta ao ambiente
Ativa
Monitoramento satisfatório e regular do ambiente. Uso adequado de estratégias de resposta ao ambiente
Diversidade
Manutenção da integridade organizacional frente ao aumento de conflitos e rivalidades internas
Fragmentação
Falha no estabelecimento de relacionamentos coesos e capacitações em coordenação construtiva
Integração
Sucesso no desenvolvimento de relacionamentos coesos e capacitações em coordenação construtiva
35
Figura 2.5 – Modelo de requisitos para o desenvolvimento da propensão da autoperpetuação da
organização.
Fonte: Fleck (2009).
2.2.2. Sucesso de longo prazo
Fleck (2009) sugere que há duas condições necessárias, ainda que nao sejam
suficientes, para o sucesso da organização a longo prazo, ou seja, para o desenvolvimento de
uma tendência de autoperpetuação: renovação organizacional, por meio de processos de
crescimento contínuo, e apreservação da integridade organizacional, para permitir à empresa
continuar existindo.
2.2.3. Crescimento e Renovação Organizacional
Diversos autores têm estudado a renovação organizacional (PENROSE, 1980;
CHANDLER, 1977; EISENHARDT & MARTIN, 2000; HELFAT AT AL, 2007; TEECE,
PISANO E SHUEN, 1997; INVERNO, 2003 apud FLECK, 2009) e afirma-se que a
32
Provisão de Recursos Humanos
Abastecimento consistente de recursos humanos qualificados
Tardia
Contratação tardia ou no momento de ocorrência da necessidade de recursos humanos adequados
Antecipada
Contratação planejada e anterior à necessidade de recursos humanos adequados
Complexidade
Gerenciamento sistemático de temas relacionados ao aumento da complexidade e ameaças à existência organizacional
Ad hoc Baixa capacitação na resolução sistemática de problemas, favorecendo soluções rápidas e simplistas, que prejudicam o aprendizado e processos de auxílio à tomada de decisão
Sistemática
Forte capacitação na resolução sistemática de problemas, gerando soluções abrangentes, que fomentam o aprendizado e processos de auxílio à tomada de decisão
Quadro 2-3 - Os cinco desafios organizacionais ligados ao crescimento.
Fonte: Fleck (2009).
2.4.1 Crescimento e renovação organizacional
Renovação é uma ideia central ao constructo de competências dinâmicas, que,
por sua vez, é definido pela habilidade da firma em integrar, construir e reconfigurar
competências internas e externas para responder às mudanças no ambiente (TEECE,
2007). Neste sentido, o autor afirma que vantagem competitiva de longo prazo requer
o desenvolvimento e renovação de capacidades específicas da firma. Firmas que
conseguem renovar suas capacitações de maneira contínua tendem a disfrutar de
vantagens competitivas (FLECK, 2007b).
Essas competências são fundamentais para que haja a criação e captura de
valor, garantindo uma boa resposta aos desafios do empreendedorismo e da
navegação no ambiente. Enquanto a criação de valor contribui para a criação de
vantagem competitiva, a captura de valor garante a apropriação do valor criado,
permitindo lucratividade que permite novos investimentos (FLECK, 2007b). Segundo
a autora, a vantagem competitiva é passível de ser erodida ao longo do tempo e sua
não atualização produz ineficiências e põe em risco o sucesso no longo prazo. Por
isso, o sucesso de longo prazo requer a tarefa desafiadora de criar e capturar valor
em base contínua (FLECK, 2007b).
Neste sentido, Fleck (2009) defende ser a capacidade de a organização
renovar-se através do crescimento uma condição necessária para a autoperpetuação.
A capacidade de autorenovação (PENROSE, 1959; CHANDLER, 1977) vem
justamente da folga gerada pelo processo de crescimento, uma vez que essa situação
de excesso estimula a firma a buscar novas oportunidades de expansão para a
aplicação desses excedentes e consequente aumento de eficiência operacional
(FLECK, 2009).
33
Para Fleck (2009), o crescimento e renovação organizacional provocam
pressões adicionais sobre os desafios de gestão da diversidade e provisão de
recursos humanos. Esta afirmação está em linha com a ideia de que o aumento da
complexidade derivado do crescimento requer ajustes estruturais de modo a não
incorrer em ineficiências econômicas (CHANDLER, 1962).
A renovação organizacional, entretanto, só ocorrerá se a organização executar
respostas que tendam ao polo positivo dos desafios do empreendedorismo e da
navegação no ambiente (FLECK, 2009). A presença de serviços empreendedores é
requisito para que se busque fontes para criação de valor de maneira contínua,
através do mecanismo de reforço ativado pelo desequilíbrio produtivo (PENROSE,
1959). Por outro lado, a eficaz captura de valor depende de uma adequada navegação
no ambiente, de maneira que a efetividade de iniciativas empreendedoras é
condicionada pela forma com que a organização se relaciona com seus stakeholders
e responde às pressões e tendências externas para captura de valor econômico e de
legitimidade (FLECK, 2009). O baixo engajamento nestas duas atividades tende a
dificultar a geração de folga financeira para a organização.
2.4.2 Desafio do empreendedorismo
O desafio do empreendedorismo proposto por Fleck (2009) consiste em
desenvolver o desejo e a ambição na organização em expandir de modo contínuo.
Envolve, portanto, a disposição da firma em assumir riscos, buscar alternativas para
evita-los e, ainda assim, expandir (PENROSE, 1959). Além disso, diferentemente dos
demais desafios, que são relacionados a consequências naturais do crescimento
(FLECK, 2016), este está associado a fatores antecedentes aos movimentos de
expansão.
Fleck (2009) aponta a importância de mecanismos de reforço de movimentos
de expansão com motivação produtiva (CHANDLER, 1977) ou híbrida (FLECK, 2009),
que favorecem a geração de novas possibilidades de expansão a partir do
desequilíbrio produtivo (PENROSE, 1959) e dos incentivos a economias de escala,
escopo e tempo (CHANDLER, 1977). Para a autora, motivações defensivas ou nulas
tendem a fomentar movimentos de expansão pontuais. Segundo Fleck (2009), as
motivações híbridas estão associadas a movimentos que objetivam ganhos de
eficiência ao mesmo tempo que contribuem para blindar negócios existentes,
enquanto as motivações nulas são tipicamente associadas a estratégias imperialistas.
34
Para uma firma, uma gestão empreendedora é requisito sem o qual o
crescimento contínuo é impossibilitado (PENROSE,1959). O crescimento é, segundo
advoga Penrose (1959) limitado pela capacidade de a firma identificar alternativas de
criação de valor a partir do que ela chama de oportunidade produtiva, que compreende
todas as possibilidades visualizadas pelo empreendedor e a partir das quais consegue
tirar vantagem para a firma. Por isso, na ausência de serviços empreendedores, ainda
que a organização disponha de gestão competente, o crescimento organizacional não
se desenvolve.
Sobre o processo de criação de valor, Lepak, Smith e Taylor (2007) discutem
sua natureza plural, que remete aos distintos alvos e fontes de valor que o processo
pode envolver. Os autores defendem que vários alvos potenciais de criação de valor
podem existir em uma organização e que esta deve buscar gerar valor para os
stakeholders que a sustentam, ainda esta tarefa exija esforço para conciliar diferentes
interesses. Lepak, Smith e Taylor (2007) abordam ainda a definição de criação de
valor a partir das noções de valor de uso e valor de transação, este último refletindo a
disposição do usuário em realizar uma transferência monetária em troca do valor
percebido pelo seu uso, o que implica subjetividade em relação ao usuário e ao
contexto.
No nível da organização, Lepak, Smith e Taylor (2007) destacam que o
processo de criação de estão relacionados a questões ligadas a inovação, invenção
e geração de conhecimento, motivo pelo qual os autores destacam as noções de
ineditismo e adequação como importantes características para as ações
empreendedoras. Também nesta linha, March (1991) advoga que as iniciativas de
criação de valor deveriam abranger tanto o aperfeiçoamento das atividades atuais da
firma, o que ele chama de alternativa de exploitation, quanto também a busca por
novas bases para o crescimento, o que caracteriza alternativa de exploration. A
habilidade da firma em explorar estas duas alternativas de criação de valor tem
potencial para ser a base de inovações que criam valor para o cliente (LEPAK, SMITH
& TAYLOR, 2007).
O risco é um componente importante para a atitude empreendedora da firma e
determinante sobre decisões de expansão. Neste sentido, Penrose (1959) aponta que
firmas empreendedoras decidem por buscar oportunidades para decisão sobre
expansões lucrativas, o que demanda intuição empreendedora e imaginação anterior
à efetiva avaliação econômica da alternativa. Assim, a autora destaca habilidades
35
associadas aos serviços empreendedores que são de importância estratégica para a
criação de valor: versatilidade, habilidade em levantar fundos, julgamento e ambição
(PENROSE, 1959; FLECK, 2009).
A versatilidade empreendedora está associada à imaginação, visão e
criatividade em vislumbrar novas possibilidades de crescimento. Um tipo versátil de
executivo é requerido quando a expansão envolve esforços para o desenvolvimento
de mercados ou diversificação de linhas de produção (PENROSE, 1959).
Dificuldades em obter capital para expansão é indicado por Penrose (1959)
como um problema tanto para pequenas, quanto para grandes empresas. O tipo de
serviço empreendedor necessário para angariar recursos para uma nova iniciativa
muitas vezes não está associado aos serviços necessários à condução eficiente do
negócio, uma vez que a captação de recursos para depende muito da habilidade do
empreendedor em criar confiança. Desta habilidade depende o sucesso da iniciativa
em questão.
Por outro lado, a dimensão de julgamento envolve mais do que o bom senso e
imaginação do empreendedor, relacionando-se também com mecanismos
organizacionais de coleta de informações e leitura do ambiente, bem como perfil de
risco e expectativas da organização. O julgamento empresarial envolve a capacidade
de a firma avaliar adequadamente os riscos e as oportunidades inerentes à iniciativa
em questão para decisão coerente com o nível de risco aceitável.
Ademais, a ambição empreendedora é apresenta por Penrose (1959) como a
energia e a motivação para empreender. Trata-se do desejo de crescer, perquirir
melhorias, evoluir. A autora apresenta dois tipos genéricos de ambição. O primeiro
está orientado ao produto e incorpora o ponto de vista de que o melhor caminho para
a geração de lucros passa pela melhoria e diversificação das atividades
organizacionais. Contrariamente a este tipo, existe a ambição imperialista, associada
a empreendedores cuja visão é a de criar poderosos impérios industriais sobre ampla
área. Este está orientado ao crescimento quantitativo, representado basicamente por
tamanho da firma e rentabilidade.
Respostas adequadas ao desafio do empreendedorismo dependem da
disponibilidade, assim, da capacidade dos serviços empreendedores disponíveis em
promover a criação de valor a partir das oportunidades produtivas. Neste sentido,
firmas orientadas a expansões produtivas ou híbridas, que procurem explorar novas
linhas de atuação e também aprimorar suas atividades, tendem a ter altos níveis de
36
empreendedorismo. Contudo, organizações com níveis de empreendedorismo
apenas satisfatório ou inferior não contribuem para a criação de valor em base
contínua, o que prejudica a renovação através do crescimento e, consequentemente,
a propensão à autoperpetuação (FLECK, 2009).
2.4.3 Desafio da navegação no ambiente
Lepak, Smith e Taylor (2007) alertam para a confusão entre os conceitos de
criação e captura de valor. Segundo os autores, estes devem ser tratados como
processos distintos, uma vez que uma fonte de criação de valor pode não ser capaz
de capturar ou reter o valor criado no longo prazo, o que destaca a importância dos
mecanismos que permitem o criador capturar este valor. Por isso, o desafio do
empreendedorismo e da navegação no ambiente são complementares (FLECK,
2011).
O desafio da navegação no ambiente diz respeito à gestão eficaz dos
stakeholders de uma organização, tendo em vista a captura de valor econômico e
preservação da legitimidade que lhe garante valor normativo (FLECK, 2009).
Ademais, Fleck (2016) apresenta a relação do aumento da visibilidade organizacional,
eventualmente resultante do crescimento, com reações que podem reforçar o status
quo, ou levantar questionamentos acerca das condições existentes e, assim, afetar
percepções dos stakeholders relativas à firma.
A noção de sucesso organizacional não está relacionada unicamente aos
retornos econômicos promovidos a grupos como clientes e acionistas. Distintos
stakeholders tem interesses legítimos nas atividades da firma e a captura de valor se
dá através da orientação ao atendimento destes grupos interessados que sustentam
a organização e sua gestão contribui para o processo de construção de vantagem
competitiva (FLECK, 2009, 2011).
Neste sentido, o desafio de navegar o ambiente abrange também a maneira
com que a firma lida com as pressões de mercado e não-mercado (BARON, 1995)
que provocam mudanças no ambiente dinâmico e podem afetar a captura de valor a
partir das iniciativas empreendedoras da organização. Baron (1995) argumenta que o
ambiente empresarial é composto por dois componentes: o de mercado e o de não-
mercado. Enquanto o componente de mercado abrange as interações entre firmas e
outros agentes que envolvem transações econômicas, troca de propriedade e
questões relativas à estratégia competitiva da firma, o componente não-mercado de
37
forças atuantes sobre questões sociais, políticas, regulatórias e éticas, com potencial
impacto sobre a legitimidade organizacional perante stakeholders outros, tais quais
governo, mídia e agentes reguladores. Assim, o autor defende a implementação de
estratégia integrada, incluindo itens de não-mercado para potencializar vantagens
competitivas ou neutralizar desvantagens, à medida que estas envolvem ações
objetivadas a mudar as regras de competição no mercado.
Em consonância com as componentes de mercado e de não mercado do
ambiente, Fleck (2011) apresenta três dimensões em que acontece a inter-relação
entre a organização e o ambiente: natural, institucional e de negócios. Estas
categorias podem ser avaliadas segundo a condição em que a ação organizacional
pode desenvolver-se. Um ambiente piedoso, de características munificentes
(WEITZEL & JONSSON, 1989) que tende a absolver ineficiências e fraquezas e
estimula a manutenção do modelo usual de negócios. Contrariamente, uma condição
inóspita tende a não oferecer recompensas à eficiência operacional, dificulta e
restringe o processo de captura de valor e, consequentemente, o sucesso
organizacional. Adicionalmente, uma condição desafiadora refere-se à estabilidade da
dinâmica competitiva (FLECK, 2011), envolvendo transparência e solidez das regras
que direcionam a competição. O Quadro 2-4 apresenta resumo das condições do
ambiente e das categorias de análise ambiental.
O ambiente de negócios é onde ocorre a competição em si e pressões de
mercado são exercidas sobre os players (BARON, 1995), que disputam posições e
definem estratégias em vistas à obtenção de vantagens competitivas. Nesta
dimensão, são destacados aspectos técnicos, de escassez de recursos e fatores de
competição. Segundo aponta Fleck (2011), o jogo competitivo em características
desafiadoras tende a estimular o desenvolvimento de estratégias eficientes, enquanto
o acirramento da disputa até uma condição inóspita pode comprometer sua fluidez e
restringir as chances de sucesso.
Paralelamente, o ambiente institucional pode exercer pressões de natureza
não mercado (BARON, 1995) que condicionam a obtenção e sustentabilidade da
legitimidade organizacional da qual depende a captura de valor e a própria
sobrevivência da organização (FLECK, 2011). Condições desafiadoras nesta
dimensão do ambiente implicam em regras rígidas para a arena competitiva, que
controlam a disputa e prezam pela eficiência, enquanto uma configuração piedosa
significa ineficácia na regulação da competição entre os players e baixas pressões
38
neste sentido. A característica inóspita está associada à instabilidade e incertezas
relacionadas às regras atuantes sobre a competição, que podem ser excessivamente
rígidas a ponto de impedir que esta aconteça.
CONDIÇÕES DO AMBIENTE
Categoria do Ambiente
Piedoso Desafiador Inóspito
Natural Condição generosa e solidária, sem pressões por eficiência, onde os processos de criação e captura de valor são facilitados. A ineficiência dificilmente é punida e a firma pode se sentir impelida a conduzir os negócios sem se preocupar com a eficiência.
Condição onde há o estímulo para estabelecimento de vantagens competitivas sustentáveis, uma vez em que a eficiência é premiada e a ineficiência é punida. A firma desenvolve capacitações para enfrentar seus concorrentes.
A eficiência organizacional dificilmente é premiada, e tal condição restringe processos de criação e captura de valor. Dificuldade na obtenção de sucesso organizacional. A firma pode interromper suas atividades por inviabilidade na condução dos negócios.
Institucional
Negócios
Quadro 2-4 - Framework sobre as categorias do ambiente.
Fonte: Adaptado de Reis (2014).
No que tange a esta última dimensão ambiental, Oliver (1991) analisa as
respostas às pressões institucionais na direção da conformidade. Em sua visao,
organizações poderiam buscar a legitimidade de suas existência e atividades através
de estratégias de moldar o ambiente, neutralizar pressões ou ainda de adequação e
conformidade a situações externas à firma. Contudo, Fleck (2011) advoga que se deve
assumir posicionamento mais ativo da firma perante as pressões de não mercado,
uma vez que a simples estratégia de conformidade, embora possam reforçar a
legitimidade organizacional e sua estabilidade, podem não ser compatíveis com os
objetivos da firma no longo prazo.
Por sua vez, o ambiente natural oferece a perspectiva de que as organizações,
para apresentar uma trajetória de autoperpetuação, dependem da própria
sustentabilidade dos recursos naturais (FLECK,2011). A condição de severidade de
pressões atuantes nesta dimensão está associada à aplicação de normas quanto ao
uso de tais recursos.
Desta forma, Fleck (2009) defende que o sucesso no desafio da navegação no
ambiente demanda processos que assegurem a captura de valor e a legitimidade
39
organizacional através da gestão ativa dos stakeholders e do monitoramento do
ambiente, de suas pressões e tendências, para as quais as respostas adequadas
devem ser executadas. A organização aproxima-se, então, do polo de
autoperpetuação à medida que exerce nível ativo de navegação no ambiente,
enquanto tende a seguir para o polo destrutivo quando atua de maneira passiva
perante as pressões exercidas pelo ambiente.
2.4.4 Integridade organizacional
Fleck (2009) considera a integridade organizacional uma condição necessária
para que a firma construa sua trajetória de autoperpetuação, uma vez que o
crescimento contém ameaças potenciais à longevidade saudável da organização.
Segundo seu ponto de vista, a liderança é responsável pela criação e promoção de
valores organizacionais, mas também o é por sua preservação (FLECK, 2007).
Pressões resultantes do processo de crescimento tendem a promover forças
no sistema social interno à organização que ameaçam a dimensão do estado de
existência organizacional e, ao induzir a fragmentação, podem contribuir para uma
trajetória de autodestruição e declínio (FLECK, 2009). Assim, para a autora, a
integridade organizacional é sustentada pelo desenvolvimento de capacidades a partir
das respostas aos desafios da gestão da diversidade e da provisão de recursos
humanos.
Conforme apresentado a seguir, estes dois desafios envolvem fatores típicos
de sistemas sociais: rivalidade (SELZNICK, 1957), coexistência de subcoalizões
(CYERT & MARCH, 1963) e falha na cooperação (BARNARD, 1938). Ademais,
Penrose (1959) chama atenção para o fato de que relações sociais são desenvolvidas
ao longo do tempo, o que implica que os efeitos de ações nesta vertente também
demandam tempo para seu desenvolvimento. Consequentemente, lidar com aqueles
desafios de maneira satisfatória tem efeito positivo para a integridade organizacional
e impacta positiva ou negativamente o processo de geração de folga, que, por sua
vez, é condição necessária para a ocorrência do outro requisito para a longevidade
saudável, a renovação organizacional (FLECK, 2009).
40
2.4.5 Desafio de gestão da diversidade
Firmas em crescimento enfrentam problemas e oportunidades a partir da
diversidade da força de trabalho (PAGE, 2007 apud FLECK, 2009), de elementos
estruturais e também de aspectos de negócio. De fato, o aumento da heterogeneidade
de recursos organizacionais – físicos e humanos – é um efeito intrinsicamente
associado ao processo de crescimento, que necessariamente traz o aumento da
variedade de elementos organizacionais (FLECK, 2016). Como consequência, a
gestão da diversidade é apresentada por Fleck (2009) como um desafio ligado ao
requisito da integridade organizacional perante potenciais conflitos acerca de
alocação de recursos, prioridades e rivalidade (SELZNICK, 1957).
A importância deste desafio é suportada pela observação de Fleck (2014)
acerca da natureza dual da diversidade, que pode ameaçar a sobrevivência
organizacional através do potencial de fragmentação, enquanto também pode
oferecer benefícios a partir de coordenação e integração construtivas de recursos
heterogêneos e, inclusive, sustentar a vantagem competitiva da firma (BARNEY,
1991). Portanto, a diversidade não deve ser eliminada, visto que em si pode conter
sementes para fomentar o crescimento. A organização deve buscar a implementação
de mecanismos de coordenação que estimulem a cooperação interna de modo a
promover a coesão entre os recursos (FLECK, 2009) e, assim, neutralizar a ameaça
à integridade organizacional. A cooperação entre as partes da organização pode
promover economias de escopo (CHANDLER, 1990) e sinergia.
Cyert e March (1963) indicam a firma como uma coalizão de indivíduos. A
pressuposição de que estes indivíduos têm interesses individuais evidencia o
potencial de surgimento de forças de fragmentação à medida que grupos distintos,
com ideais diferentes podem entrar em conflito. Nesta perspectiva, objetivos
organizacionais seriam definidos por meio de acordos entre os indivíduos que
constituem a coalizão.
Contudo, a coalizão fica ameaçada quando membros da organização buscam
autonomia em detrimento da cooperação e a rivalidade se instala. Selznick (1957)
alerta que a rivalidade organizacional pode trazer uma poderosa força que
compromete a integridade do grupo, quando se tem o que Mintzberg (1985) chamou
de arena política.
41
Geralmente, quanto maior o tamanho de uma organização, maior o impacto do
poder político dentro desta organização. Segundo Mintzberg (1985), o comportamento
político pode se revelar de maneira disfuncional e repercutir em conflitos duradouros
ou passageiros, que, a depender da sua intensidade e dispersão, tem potencial de
condução da organização ao processo de declínio. Por outro lado, o autor também
reconhece que, uma vez controlados estes mecanismos, estes podem ser conduzidos
de modo a produzir efeitos positivos na organização e atuar com papel funcional de
correção de deficiências e disfunções. Além disso, o sistema político pode
desempenhar papel importante no que diz respeito ao processo de crescimento, dado
que pode promover o debate sobre temas de tomada de decisão, enquanto também
podem facilitar o caminho para a execução de tais decisões e, inclusive, a promoção
de mudanças (MINTZBERG, 1985).
Por esta razão, Selznick (1957) reafirma o papel da liderança na proteção da
integridade organizacional. Para este autor, cabe ao líder conduzir o processo de
infusão de valores, objetivos e práticas organizacionais de modo a construir um
propósito único imbuído de maneira natural na própria estrutura social da organização.
Este processo foi chamado por Selznick (1957) de institucionalização e é formado pela
história da organização, as pessoas que a compõem, sua estrutura e a maneira com
a qual se adapta ao ambiente.
Integração é a palavra chave que orienta respostas ao desafio da diversidade
de modo a promover a sustentabilidade da coesão e da integridade organizacionais.
A implementação de estratégias e mecanismos capazes de construir relações de
ligação a partir de canais de comunicação, forças tarefa e reuniões de alinhamento
entre gestores e departamentos tendem a contribuir para apaziguar conflitos internos
e promover a cooperação. Por outro lado, a fragmentação mal coordenada pode
dificulta o compartilhamento de recursos, o intercâmbio de ideias e efeitos de sinergia
entre as partes, consequentemente abrindo espaço para a busca de autonomia e
possíveis confrontos que minam a coesão organizacional.
2.4.6 Desafio da provisão de recursos humanos
A crescente necessidade de recursos humanos é uma consequência natural
do processo de crescimento e, por isso, prover a organização com recursos humanos
qualificados é um desafio com que organizações precisam lidar para perseguir uma
trajetória de crescimento saudável (FLECK, 2016). Responder adequadamente a este
42
desafio é, segundo Fleck (2009) defende, não apenas condição necessária para a
construção da integridade organizacional, mas também para sua manutenção.
As ideias de Penrose (1959) ao tratar de condições internas que limitam o
crescimento da firma seguem a linha semelhante àquela defendida por Cyert e March
(1963) sobre a coalizão de indivíduos e o papel de suas experiências na definição de
objetivos organizacionais. Um time de gestão implica em si senso de unidade, que só
é construído à medida que os indivíduos ganham experiência em trabalhar em
conjunto com os outros indivíduos (PENROSE, 1959) e esta experiência resultante
oferece serviços valiosos e particulares que remetem a vantagem competitivas
(BARNEY, 1991) potencialmente extraídas a partir de mecanismos de coordenação
construtiva e integração (FLECK, 2009).
Neste sentido, a autora argumenta que nenhuma expansão é automática, estes
movimentos tem um propósito e demandam a organização de recursos para que a
consecução daquele fim. Assim, Penrose (1959) explora o fato de que o crescimento
pode ser limitado pela competência dos serviços gerenciais em extrair a melhor
vantagem daquele conjunto de recursos disponíveis para expansão. Ou seja, autora
afirma que o limite para o crescimento deriva da incapacidade da gestão para definir
e melhor executar planos de crescimento - o que Chandler (1962) chamaria
estratégias para o crescimento - dada a maior complexidade que poderia envolver,
dado que a experiência e conhecimento de gestão influenciam velocidade para ajustes
de estrutura devido ao crescimento.
Segundo Penrose (1959), a taxa de crescimento da firma é limitada pela
capacidade desta em expandir a disponibilidade de serviços gerenciais a um ritmo
maior. A organização deve sofrer se sua expansão for mais rápida do que o tempo
necessário para que os indivíduos possam obter experiência necessária para sua
operação efetiva, o que depende de um processo gradual de aprendizagem. Também
o ritmo com que se desenvolve esta experiência é limitado pelos mecanismos
instalados no passado e que levaram à absorção de novo pessoal (PENROSE, 1959).
O descasamento entre a provisão destes serviços gerenciais e a necessidade
dos mesmos pode impedir novas expansões, enfraquecer a integridade
organizacional (Fleck, 2009) e, em casos extremos, até mesmo conduzir a firma à
estagnação (PENROSE). Por isso, Fleck (2009) defende que respostas adequadas
ao desafio da provisão de recursos humanos consistem em equipar a organização
com recursos qualificados consistentemente, o que seria vital para o crescimento
43
contínuo (PENROSE, 1959) e continuidade da existência (CHANDLER, 1977). O polo
negativo de respostas estaria, então, associado a ações não antecipadas de
formação, retenção, desenvolvimento e renovação destes recursos (FLECK, 2009). A
não antecipação às necessidades pode representar ameaça aos mecanismos e
práticas que estimulam a coordenação construtiva, em resposta a conflitos e pressões
por fragmentação (FLECK, 2016).
Collins e Porras (1994) também defendem a importância da provisão
antecipada de recursos humanos ao apresentar indícios de que as empresas
intituladas por eles de visionárias buscaram desenvolver processos visando à
continuidade na gestão. A ideia de continuidade, neste caso, converge para o
entendimento de Fleck (2009) sobre os benefícios de antecipação à necessidade de
provisão de recursos humanos sob a ótica de manutenção da integridade
organizacional em paralelo aos estímulos à renovação. Ademais, reforça o papel
fundamental que também tem o planejamento de sucessão para a sustentabilidade e
longevidade saudável de uma organização.
2.4.7 Desafio da gestão da complexidade
O crescimento resulta inevitavelmente no aumento da complexidade
organizacional, isto é, quanto maior uma organização, maior existência de relações
inter e intraorganizacionais (FLECK, 2016). Segundo a autora, a maior complexidade
requer a competência gerencial para resolver problemas dentro e fora dos limites da
firma. O desafio de gestão da complexidade, assim, tem potencial de afetar as
respostas organizacionais aos demais desafios relacionados ao crescimento. A
gestão das questões complexas envolvendo variáveis interdependentes tem potencial
de colocar em risco a existência da organização, como resultado da avaliação
equivocada dos problemas (FLECK, 2009).
A noção de crescente complexidade resultante de movimentos de expansão
remete à tese de que o crescimento requer ajustes estruturais de modo a não produzir
ineficiências econômicas (CHANDLER, 1962). É de se esperar que uma trajetória
evolutiva de uma organização de sucesso pressupõe, então, a habilidade da firma de
promover mudanças estruturais de maneira a resolver problemas e ameaças
decorrentes do crescimento.
Dado que o desafio da complexidade afeta a qualidade das respostas aos
demais desafios do crescimento, Fleck (2009) advoga que a criação de valor em base
44
contínua, a captura de valor, a provisão de recursos qualificados e a sustentação da
integridade organizacional são problemas que requerem tratamento sistemático. Tão
maior – e complexa – for a organização, tão mais vital a abordagem sistemática para
resolução de problemas e falhar na sistematização desta abordagem inevitavelmente
resulta na exposição da firma a riscos adicionais à sua existência, seja por
inadvertência a ameaças a sua legitimidade, falha na provisão de recursos ou na
neutralização de pressões de fragmentação (FLECK, 2009).
Adicionalmente, Fleck (2009) pontua que a abordagem sistemática para
resolução de problemas contribui para a promoção de conhecimento e aprendizado.
Processos que promovem o aprendizado organizacional contribuem para a aquisição
de capacitações organizacionais necessárias às respostas satisfatórias dos demais
desafios. Assim, a autora defende o estabelecimento de mecanismos de busca e
desenvolvimento de soluções que promovam adaptações contínuas às mudanças
trazidas pelo crescimento. Soluções ad hoc e a institucionalização do modo de
combate a incêndios, em contrapartida, não estimulam o aprendizado e põem a
organização em perigo (WINTER, 2003 apud FLECK, 2009).
Neste sentido, Fleck (2011) chama atenção ainda para riscos associados à
simplificação organizacional. Para a autora ignorar a complexidade através do foco
em determinados aspectos em detrimento à visão mais ampla da esfera
organizacional pode representar risco à longevidade saudável, inclusive reduzindo a
importância do monitoramento de oportunidades e tendências no ambiente, bem
como a própria capacidade de renovação.
Em suma, respostas adequadas ao desafio da gestão da complexidade
envolvem o aprendizado contínuo como norteador de processos sistemáticos de
resolução de problemas. Estes abrangem a forma como a organização executa a
coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Por outro lado, o
tratamento ad hoc dos problemas não protege a organização das ameaças, tampouco
possibilita a geração de folga organizacional através do aprendizado, não
contribuindo, assim, para respostas aos demais desafios que conduzam ao polo de
autoperpetuação (FLECK, 2009).
2.4.8 Folga organizacional
A forma com que os estados de existência organizacional afetam o processo
de crescimento está relacionada à disponibilidade de folga de recursos
45
organizacionais, serviços empreendedores e gerenciais, bem como sua dinâmica ao
longo do tempo (PENROSE, 1959).
A folga é caracterizada por todos os recursos excedentes àqueles demandados
por necessidades operacionais a um certo nível de desempenho (FLECK, 2009).
Segundo a autora apresenta, a noção de folga organizacional abrange categorias de
recursos tais quais pessoal, ativos, marca, reputação, dentre outros, e assume
variadas funções: manutenção de coalizões, fomentar a inovação e até alimentar
disputas políticas (BOURGEOIS, 1981 apud FLECK, 2009). Para a autora, a gestão
da folga tem consequências sobre ambas as condições necessárias para a
longevidade saudável, afetando assim a propensão à trajetória organizacional de
autoperpetuação.
Fleck (2003) discute o conceito aludido por Penrose (1959) quando trata dos
serviços e recursos não utilizados e disponíveis que representam o desequilíbrio
produtivo, base para as oportunidades de crescimento. A autora incorpora também o
sentido conotado por Chandler (1977) de subutilização de recursos, o que implica
ineficiência organizacional.
Desta forma, Fleck (2009) apresenta uma relação de retroalimentação entre a
folga e o crescimento. Algumas categorias de recursos são requeridas antes da
expansão, sua disponibilidade afeta a velocidade e efetividade destes movimentos
(PENROSE, 1959) e, assim, a folga destes recursos permite a inovação e exploração
– exploitation e exploration (MARCH, 1991). Por outro lado, à medida que o processo
de crescimento implica novo conjunto de recursos excedentes (PENROSE, 1959;
CHANDLER, 1977), este também tem potencial de gerar folga e fomentar novas
expansões, provocando a ativação do motor do crescimento contínuo (FLECK, 2003).
Portanto, segundo advoga Fleck (2003), gerir os motores do crescimento
contínuo de uma firma requer um posicionamento adequado quanto à utilização de
recursos, uma vez que sua completa otimização poderá inibir ou dificultar expansões
futuras. Enquanto a subutilização de recursos representa estímulo ao crescimento em
resposta a pressões por eficiência, através de economias de escala ou de escopo
(CHANDLER, 1977), excesso de folga pode mascarar ineficiências operacionais e, ao
mesmo tempo, prejudicar a coordenação administrativa. A folga constitui condição
necessária ao crescimento da firma e o desafio gerencial reside em equacionar os
níveis de folga compatíveis com objetivos de produtividade e crescimento
simultaneamente (FLECK, 2003).
46
A folga também impacta a integridade organizacional positiva ou
negativamente (FLECK, 2009). Efeitos benéficos sugeridos pela autora são o
desenvolvimento e implementação de mecanismos de coordenação e integração,
enquanto os efeitos prejudiciais remetem à promoção da desintegração
organizacional pelo excessivo uso da folga para manutenção da coalizão, ou a batalha
política disfuncional por recursos escassos.
Ao longo do processo, o consumo da folga pode resultar em produção de mais
folga ou consumo do excesso de recursos disponíveis. A depender da forma como a
gestão vai lidar com este crédito de recursos organizacionais, que supera o nível
requerido pela operação em padrão regular, este crédito pode atuar positiva ou
negativamente sobre o mecanismo central do sucesso em longo prazo. Assim, este
excesso pode representar desperdício e, contrariamente aos benefícios da folga
organizacional, ativar mecanismos de deterioração (FLECK, 2009).
A Figura 2-4 resume os potenciais construtivo e destrutivo que o excesso de
recursos decorrente do crescimento podem gerar e sua influência sobre os requisitos
da performance e sobrevivência de longo prazo.
Figura 2-4 -Mecanismo central da performance e sobrevivência em longo prazo.
Fonte: Traduzido e adaptado de Fleck (2014).
2.5 A institucionalização e a longevidade organizacional
No que concerne à teoria institucional, Selznick (1957) é apontado como um
dos precursores do institucionalismo, aderente ao que veio a ser chamado de old
institucionalism (FLECK, 2007a), que enfatiza a institucionalização de processos
organizacionais. Ao trabalhar a questão de como a mudança institucional é produzida
47
por e, em troca molda, as interações entre indivíduos, em situações de dia a dia, o
autor afirma que o executivo se torna um estadista à medida que ocorre a transição
entre a administração organizacional e a liderança institucional, cuja responsabilidade
última extrapola o tecnicismo da gestão no sentido da manutenção da integridade
institucional.
Neste contexto, o autor distingue uma organização de uma instituição e afirma
que o processo de transformação daquela nesta é chamado de institucionalização.
Segundo sua visão, uma organização seria um sistema formal de regras e objetivos,
projetados como um instrumento técnico para coordenar atividades e alcançar metas.
Por outro lado, para Selznick (1957), uma instituição seria o produto natural de anseios
e necessidades sociais dos indivíduos que formam uma estrutura social imbuída de
valores e que tornam o conjunto de atividades e funções um organismo adaptável e
responsivo. Enquanto a primeira é prescindível e de fácil substituição, uma instituição
tem um caráter próprio que molda suas ações e a torna indispensável, o que favorece
a sua manutenção ao longo do tempo (FLECK, 2007a).
Segundo Selznick (1957) propõe que a institucionalização é o processo no qual
o caráter organizacional é formado. Este, segundo Oliver (1992), é um processo
dirigido à geração de conformidade organizacional e está associado ao
desenvolvimento da estrutura social da firma, que emerge a partir da repetição de
modos de resposta às pressões internas e externas e estes cristalizam em padrões
definidos e legítimos (SELZNICK, 1957). Segundo o autor, a institucionalização da
firma e suas práticas é produto de sua evolução histórica e é elemento essencial para
que a estabilidade e permanência sejam promovidas na firma, uma vez que uma
organização torna-se uma instituição através da infusão de valores e da criação da
identidade da organização enquanto um grupo. Também para Selznick (1957), quão
mais desenvolvida a estrutura social interna, tão mais a organização terá valor
institucional no atendimento às aspirações e à integridade do grupo de indivíduos que
a formam. Neste sentido, o autor defende ainda que cabe à liderança institucional
guiar este processo para a efetiva incorporação de objetivos e padrões desejáveis.
Para o autor, quatro noções são implícitas ao processo de institucionalização.
O desenvolvimento de padrões históricos e recorrentes de respostas às pressões
internas e externas corresponde a seu caráter, constituído de valores que conferem
identidade organizacional. Ademais, a legitimidade das atividades de uma instituição
é obtida a partir da aquisição de competências, ou seja, dos elementos que a tornam
48
distinta ao longo do processo histórico, durante o qual sua integridade sustenta a
estabilidade institucional. Logo, tem-se uma forte relação entre o caráter
organizacional e o senso de automanutenção, que implica comprometimento dos
indivíduos e promove coesão. Nesse sentido, uma técnica de grande eficácia é a
criação de mitos socialmente integradores, que colaboram para a sobrevivência desse
organismo social (SELZNICK, 1957).
Oliver (1992) chama atenção para o fato de que, embora valores
institucionalizados permitam maior previsibilidade e estabilidade nas configurações de
trabalho, eles restringem mudanças organizacionais fundamentais, o que vai ao
encontro do que Fleck (2007a) chama de efeito ambivalente da institucionalização
sobre o sucesso organizacional de longo prazo. Segundo a autora, ainda que a
estabilidade e persistência sejam fundamentais para fomentar longevidade, este
processo não conduz necessariamente à eficiência no longo prazo, uma vez que
resulta em rigidez e resistência à mudança. Uma organização menos flexível, por
outro lado, imporia dificuldades à atualização de sua vantagem competitiva, uma
consequência negativa sobre a capacidade de renovação organizacional, que é
condição necessária para a vantagem competitiva de longo prazo. A Figura 2-5 ilustra
estes efeitos.
Figura 2-5 - O efeito do processo de institucionalização sobre o sucesso no longo prazo.
Fonte: Traduzido de Fleck (2007a).
Para Oliver (1992), a persistência de práticas e processos institucionalizados
criam raízes no caráter ‘tido como certo’ daquela forma como se desenvolve
determinada atividade. Fleck (2007b) adiciona que a inércia, rigidez organizacional e
resistência à mudança, ao impedir a renovação e eficiência, contribuem
negativamente para o mecanismo que envolve o esforço persistente para o
crescimento e a criação de vantagens competitivas sustentáveis, o motor do
49
crescimento contínuo proposto por Fleck (2003). Ocorre que o estabelecimento de
vantagens competitivas sustentáveis em longo prazo requer o desenvolvimento e a
renovação de capacidades específicas da firma, e organizações que conseguem fazê-
los de maneira continuada estão mais propensas a usufruir das vantagens
competitivas de longo prazo, a partir da criação e captura de valor e garantindo
respostas positivas aos desafios do empreendedorismo e da navegação no ambiente
(FLECK, 2007a). Por isso, a autora defende que o processo de institucionalização
deve abranger o desenvolvimento de capacidades dinâmicas que possibilitem a
renovação de rotinas e práticas institucionalizadas, de modo a responder às
mudanças internas e externas decorrentes do processo de crescimento, ou do próprio
ambiente competitivo.
Logo, a institucionalização de capacidades dinâmicas e de aprendizado no
contexto da firma possibilita esta compensar a rigidez gerada pelo processo de
institucionalização. Por consequência, a firma faz-se menos propensa ao fenômeno
da inércia ativa, segundo o qual, em nível estratégico, a empresa torna-se incapaz de
reagir adequadamente a mudanças. Este fenômeno é destacado por Sull (1999) como
causa de declínio para muitas firmas de sucesso, uma vez que se relaciona com a
persistência da empresa em seguir com suas práticas institucionalizadas, mesmo que
sinais claros de mudanças tenham sido identificados. Para Sull (1999), a inércia ativa
pode ser evitada e remediada a partir de mudanças nas rotinas, práticas, estratégia e
estrutura da firma.
Neste contexto, cabe destacar que Selznick (1957) aponta a possibilidade de
ocorrência de mudanças adaptativas e evolução organizacional, com a emergência
de novos padrões e declínio de velhos, não como um plano, mas a partir de
adaptações não planejadas a novas situações. Isto converge para o que Oliver (1992)
chama de processo de desinstitucionalização, que representa a erosão ou
descontinuidade da legitimidade de práticas organizacionais institucionalizadas. A
autora propõe como determinantes deste processo mecanismos políticos, sociais e
funcionais.
Apesar de reconhecer como antecedentes do processo de
desinstitucionalização fatores internos e externos à organização, Oliver (1992) não
parece defender o determinismo do ambiente, condição segundo a qual a firma seria
refém de pressões institucionais, cuja única saída seria a conformidade e aceitação.
Esta concepção é citada por Fleck (2007a) como um resultado da aderência gerencial
50
ao isomorfismo institucional produzido pela institucionalização no ambiente
competitivo, conforme defendem estudiosos do chamado new institucionalism.
Os autores convergem para o fato de que a desinstitucionalização, de práticas
não seria per se prejudicial à firma, desde que esta seja uma escolha estratégica de
sua liderança, por exemplo, para compatibilização de práticas com novas realidades.
Parece haver consenso também para o papel crucial que a liderança exerce na gestão
dos efeitos gerados quer pelo processo de institucionalização, quer pela erosão da
legitimidade de práticas institucionalizadas.
Selznick (1957) afirma que o líder institucional enquanto guia no processo tem
a tarefa de testar o ambiente para identificar ameaças reais, alterar o ambiente a partir
de fontes de suporte externas à organização e envolver a organização de modo a
protegê-la de ataques. Fleck (2007a) acrescenta que cabe ao líder desenvolver as
capacidades dinâmicas e de aprendizado mencionadas anteriormente, de modo que
a mão visível do gestor promova equilíbrio entre estabilidade e mudança e que, assim,
possa-se preservar a integridade institucional sem comprometer as condições de
renovação consistente das rotinas organizacionais e sua relação com o ambiente.
Assim, Fleck (2007a) distingue dois modos de gerir o processo de
institucionalização e seus resultados: ativa e reativa. O modo ativo observa a
institucionalização como um instrumento de perpetuação saudável e procura
neutralizar efeitos colaterais, a partir do protagonismo da liderança no processo. O
líder assume, segundo a autora, postura ativa na formação de mitos e valores,
proteção da integridade organizacional e sua capacidade de renovação, mas
sobretudo imprimindo à organização atitude de aprendizado organizacional baseado
na abordagem sistemática à resolução de problemas e na perspectiva sistêmica da
firma vis-à-vis seu ambiente relevante (FLECK, 2007a). Por outro lado, o modo reativo
enfatiza a conformidade do corpo gerencial quanto aos efeitos do processo de
institucionalização, permitindo a instauração de uma estrutura rígida que bloqueia
eventuais mudanças.
Outro aspecto relevante no tocante ao papel da liderança apresentado por
Fleck (2007a) diz respeito a sua atuação sobre a conformação do ambiente. A autora
apresenta as contribuições do new institucionalism no que tange o processo de
institucionalização da indústria e o potencial isomorfismo institucional fruto da imitação
de elementos de sucesso de outros (i), exigências normativas (ii) e adoção coercitiva
de práticas. Contudo, a autora destaca evidências por ela encontradas da influência
51
que a ação gerencial tem sobre a estrutura setorial e as práticas de captura de valor
pela indústria, o que converge para o que defende Oliver (1992). Este fato, aliás,
relaciona-se com o outro motor do crescimento apresentado por Fleck (2003), o motor
da coevolução, segundo o qual a cooperação entre firmas de uma mesma indústria é
o mecanismo pelo qual se chega à padronização, condição necessária para que a
capacidade de crescimento se desenvolva. O reconhecimento de tal mecanismo
converge para a necessidade de a liderança responsável manter relações estáveis
com a comunidade da qual sua organização faz parte, o que pode ocorrer através da
participação em associações comerciais e outros dispositivos de autorregulação
(SELZNICK, 1957).
Estudar uma organização como uma instituição, conforme aponta Selznick
(1957), significa analisar a sua história e a influência do ambiente social sobre ela, em
que se enfatiza suas origens históricas e estágios de crescimento. Há, segundo esta
perspectiva do autor, uma necessidade de olhar a firma como um todo e observar
como evolui sua interação com o ambiente em transformação. Assim, parece ser
imprescindível tal abordagem quando se parte para a perspectiva de crescimento
orientada a processo.
2.6 Empresa familiar
De acordo com Siebels e zu Knyphausen-Aufseß (2012), a literatura apresenta
duas correntes teóricas para a caracterização de uma empresa familiar. A primeira, a
abordagem de componentes de envolvimento, parte da ideia de que há a interação
entre dois subsistemas, a família e o negócio, de forma que o envolvimento dos
componentes destes subsistemas influencia a gestão do negócio. A essence
approach, por sua vez, está associada à noção de que a natureza familiar é o que
torna este tipo de organização ímpar e determina certos padrões de comportamento
específicos.
Assim, segundo a abordagem de componentes de envolvimento, a natureza e
extensão do envolvimento familiar definem uma empresa familiar, a partir da
combinação de três elementos, sejam eles propriedade, gestão e governança (CHUA
et al., 1999). A empresa familiar é produto da interação entre os dois subsistemas
família, onde ocorrem as relações afetivas e os papeis familiares são exercidos, e o
negócio, associado à divisão de responsabilidades executivas e decisórias (TAGURI
& DAVIS, 1996; SHARMA & SALVATO,2013). Adicionalmente, Fleck (2009)
52
apresenta um entendimento que separa o sistema negócio em dois outros
subsistemas: a firma, constituído por dimensões de ordem econômica, ligadas às
tarefas de gestão, produtos e mercados; e a organização, em que dimensões
relacionadas à estrutura social tem preponderância. Esta interação é representada na
Figura 2-6 e caracteriza a firma familiar entre as condições seguintes:
I. a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da
maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico;
II. a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos
objetivos, das diretrizes e das grandes políticas;
III. a família é responsável pela administração do empreendimento, com a
participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto.
Figura 2-6 - Subsistemas da empresa familiar.
Fonte: Sharma e Salvato (2013)
Dentro da abordagem teórica convencionalmente denominada de essence
approach (CHUA et al. 1999; HABBERSHON et al., 2003), Chua et al. (1999) definem
empresa familiar como a empresa governada ou gerida com a intenção de moldar e
perseguir a visão de negócio de uma coalizão dominante, controlada por membros de
uma família ou de um pequeno número de famílias, de maneira potencialmente
sustentável entre gerações da família, ou das famílias que a controlam. Para os
autores, duas são as condições necessárias para que uma organização seja
considerada empresa familiar:
I. A coalisão dominante que institui mudanças é controlada por membros
da família;
II. A visão de negócio continua a operar como veículo para atingir um
estado futuro desejado pela família.
53
A literatura apresenta uma gama de diferentes abordagens teóricas que
investigam a natureza das organizações familiares e o impacto desta em sua
performance e comportamento organizacionais (MELLIN et al., 2013). O que torna
uma empresa familiar ímpar é como seu padrão de propriedade, governança, gestão
e sucessão influencia os objetivos da firma, sua estratégia e estrutura e a maneira
como estas são formuladas, desenhadas e implementadas (CHUA et al., 1999). Tal
perspectiva está intimamente associada ao fato de que organizações costumam ter
valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do
fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários. Estes fornecem
diretrizes para processos de formulação estratégica (WARD, 2011).
Uma abordagem constantemente utilizada para o estudo de organizações
familiares é aquela ligada à abordagem baseada em recursos, ou resource-based
view (BARNEY, 1991). Aplicada ao caso da organização familiar, a RBV enfatiza os
benefícios do envolvimento familiar através da identificação de recursos e
capacidades distintos (SIRMON & HITT, 2003), de modo que a natureza familiar em
si constitui fonte de vantagem competitiva. O conceito de familiness a partir do
conjunto de recursos provenientes da interação entre a família e a firma, reforça o
entendimento de que uma série de atributos característicos de organizações familiares
podem lhes conferir vantagem competitiva, segundo Guíllen e García-Canal (2013):
Capital humano específico: empresas familiares detém maiores níveis
de conhecimento específico graças ao envolvimento precoce de
membros da família, o que facilita transferência de expertise;
Capital social: empresas familiares beneficiam-se da rede de
relacionamento de familiares membros e do seu comprometimento de
longo prazo;
Capital paciente: a orientação de longo prazo de famílias controladoras
implica independência e liberdade para decisões estratégicas em
detrimento de pressões por resultado de longo prazo;
Baixos custos de governança: estes são resultados da identificação
entre proprietários e controladores.
Contudo, organizações familiares estão contidas em contextos sociais
específicos, nos quais que eventos de transição, a exemplo de casamentos ou
nascimento de herdeiros, contribuem para o dinamismo da interação entre família e
firma (RANDERSON et al., 2015). É de se esperar que a interação entre a família, o
54
negócio e a organização exerce forte influência sobre a sustentabilidade da firma, uma
vez que e pode ser fonte de sinergia ou origem de conflitos, conforme indicam
Randerson et al. (2015). Apesar disso, Mellin et al. (2013), afirmam serem os efeitos
do contexto familiar frequentemente ignorados por acadêmicos direcionados a
investigar diferenças e potenciais vantagens, ou desvantagens, deste tipo de
organizacional comparativamente a empresas não-familiares.
Cabe destacar o que comentam por Gomez-Mejia et al. (2011) sobre ser tênue
o limite entre família e firma no contexto das organizações familiares. Neste sentido,
os autores destacam que uma característica distinta das firmas familiares é a forma
peculiar com que valores da própria família permeiam estas organizações, através da
cultura organizacional que se constitui poderoso driver de negócio por gerações. Tal
percepção converge com a visão de muitos autores segundo a qual há o desejo da
família de infundir seus valores na organização, o que conduz ao processo de
formação do caráter organizacional, ou institucionalização (SELZNICK, 1957).
Assim, o sucesso ou fracasso da firma depende precisamente da maneira
como sua liderança explora o que Taguri e Davis (1996) chamaram atributos
ambivalentes da organização familiar, estes característicos da estrutura social
condicionada pela interação dos dois sistemas. Os objetivos da organização,
conforme indicam Gomez-Mejia et al. (2011) podem não ser puramente econômicos,
ao considerar o que se chamou socialemotional wealth, ou seja, aspectos não
econômicos dos negócios, segundo os quais a coalizão familiar dominante é
susceptível a ver potenciais ganhos ou perdas na riqueza “sócio-emocional” como seu
principal quadro de referência na gestão da empresa.
No que tange a temática do crescimento, é interessante o paralelo que se
estabelece com o arcabouço teórico centrado no modelo dos arquétipos de sucesso
e fracasso organizacional (FLECK, 2009). Se por um lado a literatura destaca a
propensão à constituição de um senso de propósito e identidade (TAGURI & DAVIS,
1996; GOMEZ-MEJIA et al., 2011), à medida que crescem os subsistemas família e
organização, pressões de fragmentação podem ameaçar a integridade e promover
conflito.
Cedo ou tarde a transmissão entre gerações acontecerá e a sucessão em
empresas familiares ganha especial relevância, à medida que se torna um processo
causador de mudanças ambos na organização e na família. Neste sentido, à medida
que a firma familiar cresce e amplia o envolvimento de gerações de familiares, tensões
55
e perigos podem surgir (COLLI, 2013). Tal condição é aludida por Ward (2011) quando
comenta ser preferível que os valores fundamentais que guiam a visão da família
sejam preservados como diretrizes estratégicas da firma, ao longo dos três estágios
de evolução da propriedade da firma familiar, a saber: owner-managed, sibling
partnership e cousin collaboration.
Sob tal perspectiva, a longevidade da firma familiar está associada à sua
capacidade de garantir continuidade ao longo de gerações, o que fortalece a
integridade organizacional, condição necessária para o crescimento saudável
(FLECK, 2009). Contudo, a sustentabilidade entre gerações não depende apenas da
continuidade, mas também da capacidade de as novas gerações perpetuarem o
empreendedorismo característico das gerações fundadoras, dado que a criação de
valor é fator crítico do sucesso da firma (CRUZ et al., 2012) e condição necessária
para a trajetória de autoperpetuação (FLECK, 2009).
Logo, tanto maior será a propensão ao sucesso de longo prazo da firma
familiar, quanto maior for a capacidade da família de transmitir às gerações futuras a
capacidade de lidar com o trade off entre adaptação e continuidade (SHARMA &
SALVATO, 2013). Enquanto a firma detiver ativos tácitos, tais quais
comprometimento, confiança e reputação, e consegui-los preservar entre gerações,
as chances de sobrevivência e crescimento são potencializadas, à medida que estes
tem potencial de gerar o desequilíbrio necessário para ativar o crescimento contínuo
e também preservar a integridade da organização.
56
3 MÉTODO
O presente capítulo é dedicado à caracterização dos quatro pilares sobre os
quais se sustenta o processo de pesquisa empírica (FLECK, 2015). Estes pilares são
o objeto de pesquisa, a pergunta de pesquisa, o referencial teórico e o método. Cada
um destes tem sua relevância para o processo desenvolvido e conjuntamente
interagem de maneira dinâmica sem necessariamente exigir uma sequência rígida, e
em muitos casos esses elementos são desenvolvidos simultânea e interativamente
(FLECK, 2015).
3.1 Objeto e pergunta de pesquisa
Conforme aborda Fleck (2015), a literatura sobre crescimento organizacional,
sucesso e declínio é bastante abrangente. Por isso, a autora sugere partir de um
fenômeno norteador que envolve dilemas enfrentados por gestores para a definição
de um tema de pesquisa capaz de incentivar a provisão de conhecimento relevante,
mas também que contenha elementos motivadores ao pesquisador.
Neste contexto, a motivação para o desenvolvimento deste trabalho surgiu a
partir dos primeiros contatos do pesquisador com a linha de pesquisa proposta por
Fleck (2009), que parte dos desafios relacionados ao processo de crescimento para
investigar a longevidade saudável de organizações. Definiu-se, então, como tema a
ser abordado nesta pesquisa o crescimento de organizações familiares, alternativa
identificada com potencial de contribuição à referida linha de pesquisa.
Optou-se, assim, por analisar a trajetória de crescimento de uma organização
familiar a que o entrevistado tinha acesso facilitado. A partir da coleta de dados em
campo e, ao confrontar o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso de Fleck
(2009) com os resultados da investigação do arcabouço teórico acerca do tema de
empresas familiares, decidiu-se explorar como a organização tem respondido aos
desafios enfrentados ao longo de sua trajetória. Assim, chegou-se ao seguinte
questionamento: De que maneira a inter-relação família-organização pode
impactar os requisitos para a renovação e continuidade de existência em
empresas familiares?
57
Para responder a essa pergunta, foi utilizado o arcabouço teórico de Fleck
(2009) e o seu modelo de requisitos para o desenvolvimento organizacional e
propensão à autoperpetuação. Ademais, recorreu-se à literatura de empresas
familiares, de maneira a buscar contribuições para úteis à análise da interação entre
a família e a organização e as consequências que esta implicou nos desafios do
crescimento, ao longo do tempo.
3.2 Método de pesquisa
A partir da definição do tema e pergunta de pesquisa, percebeu-se ser a análise
longitudinal do objeto o caminho indicado para se atingir os objetivos a que este
trabalho se propôs. Um estudo de base histórica parece ser a ferramenta adequada
para a identificação dos mecanismos e padrões que auxiliam na compreensão para o
estado atual da empresa.
Este trabalho foi desenvolvido com base em um estudo qualitativo, uma vez
que esta abordagem é a mais indicada para a investigação em profundidade, com a
compreensão das ações e eventos dentro de seu contexto de utilização (MYERS,
2009). Este trabalho tem também natureza explanatória, segundo a qual buscou-se
explicar os padrões identificados à luz das proposições teóricas que nortearam a
coleta e análise de dados, de modo que se pudesse estabelecer relações entre as
variáveis no objeto de estudo (GIL, 1993).
Para tal foi aplicado uma metodologia de estudo de caso, que teve como objeto
de análise uma organização única e específica. De natureza empírica, o estudo de
caso requer a coleta de dados durante um período definido de tempo, o que significou
a realização de observações sobre o objeto e, sempre que possível, buscou-se coletar
evidências a partir dos dados disponíveis (CRESWELL, 2014).
Foi, então, usada uma estratégia narrativa, que compreende a construção de
um histórico detalhado a partir dos dados brutos coletados. Ademais, procedeu-se à
periodização do histórico relatado, ou seja, a divisão da trajetória da empresa em
períodos distintos e a partir de eventos cronológicos, de maneira a promover a melhor
organização dos dados e facilitar a análise. Recorreu-se ainda à elaboração de mapas
visuais, úteis para a identificação de padrões e relações entre eventos ao longo do
tempo.
Assim, foram levantados e analisados eventos referentes às atividades
desenvolvidas pela organização desde o momento de sua fundação, até o período
58
mais recente de sua história. Por outro lado, foram levantadas também informações
acerca ambiente relevante, com vistas à contextualização dos movimentos da
organização frente às condições externas.
Esta estratégia de pesquisa segue a linha do que propõe Fleck (2014) ao
defender a importância de estudos de base histórica para o que a autora denominou
abordagem panorâmica de estratégia. Através deste método de pesquisa
desenvolvido por Fleck (2014) para estudar a longevidade das organizações, busca-
se partir de eventos históricos para uma análise abrangente a partir da integração do
conhecimento disponível no campo de conhecimento da estratégia. Assim, a autora
defende que tal abordagem reconhece e endereça a natureza dual dos fenômenos
organizacionais, a partir de múltiplos aspectos e níveis de análise – ambiente e
organização, por exemplo.
A pesquisa se norteou em duas fontes básicas de informação: dados
secundários, coletados a partir de várias referências, principalmente acerca do
ambiente relevante, e dados primários, obtidos a partir de entrevistas com funcionários
da organização e membros da família com envolvimento na gestão.
3.3 Coleta de dados
Em um primeiro momento a coleta de dados foi realizada com o intuito de
mapear os principais eventos históricos relacionados à trajetória da empresa, do setor
elétrico brasileiro e do principal cliente da organização. Contudo, o levantamento de
dados secundários não seguiu necessariamente uma ordem cronológica, uma vez
que foi feita uma pesquisa em distintas fontes, que, em muitas situações, continham
relatos de períodos diversos e em níveis de aprofundamento também distintos.
Embora tenha sido possível obter alguns dados relativos à história da
organização em documentação própria da empresa, como por exemplo contratos
antigos, balanços patrimoniais, dentre outros documentos armazenados no arquivo
da firma, os dados coletados não construíam uma linha cronológica efetiva dos
acontecimentos relevantes. Por este motivo, recorreu-se também a dados primários,
obtidos a partir de entrevistas com profissionais envolvidos com a organização, para
a elaboração da narrativa aqui apresentada.
Resultado diferente teve a atividade de coleta de dados relacionados ao
ambiente em que a organização está inserida. Estes estiveram disponíveis com
relativa facilidade em sites institucionais, artigos acadêmicos e também na mídia. Esta
59
atividade retornou resultados satisfatórios, que contribuíram para a análise da
dinâmica do ambiente e suas dimensões e, assim, permitiu a identificação de
elementos importantes para o arcabouço histórico. Contudo, não foi possível realizar
entrevistas com outros agentes externos a organização.
Já num segundo momento, procedeu-se à coleta de dados primários a um nível
maior de aprofundamento. Foram entrevistas abertas, conduzidas de forma
espontânea, sem roteiro, porém baseadas em perguntas amplas sobre a experiência
dos entrevistados na organização. Outros temas foram abordados e questionamentos
foram surgindo à medida que os entrevistados relatavam suas percepções acerca do
que se interrogava.
No total, foram entrevistadas dez pessoas, algumas delas sendo entrevistadas
em mais de um momento. Entre os entrevistados estavam funcionários, ex-funcionário
e membros da família com envolvimento direto na gestão da empresa. O Quadro 3-1
apresenta relação de todos os entrevistados para coleta de dados primários.
# Área de atuação Período Envolvimento familiar
Tempo total de entrevista
1 Diretoria 1974 – 2015 Sim 04:15:05
2 Diretoria 1988 – 2015 Sim 03:13:04
3 Diretoria 1990 – 2015 Sim 03:10:39
4 Supervisão 1993 – 1996 2001 – 2015
Não 00:57:35
5 Supervisão 2002 – 2015 Não 01:05:43
6 Supervisão de Frota 2005 – 2013 2015
Não 00:37:06
7 Gerência – Financeiro 2011 – 2015 Não 01:20:38
8 Gerência – RH/Pessoal 1995 – 2015 Não 01:12:17
9 Gerência 1991 – 2011 Sim 02:24:25
10 Encarregado de Equipe (campo)
1988 – 2015 Não 00:40:00
Quadro 3-1 - Relação dos entrevistados.
Por motivos de distância geográfica entre o entrevistador e os entrevistados,
algumas das entrevistas foram feitas remotamente, através do Skype. Porém, todas
elas foram gravadas com o conhecimento prévio do entrevistado e sua autorização.
Posteriormente, todas elas foram transcritas na íntegra pelo autor e trechos relevantes
foram destacados e utilizados para análise, conforme será descrito na próxima
secção.
Uma planilha de fatos e dados foi elaborada como meio de sintetizar as
principais observações, bem como as evidências que as suportavam também
estiveram contidas neste documento. Este banco de dados que reuniu as informações
60
mais relevantes acerca da temática e do objeto estudado foi resultado do processo de
coleta de dados e teve significante utilidade para a etapa posterior.
3.4 Análise dos dados
Finda a etapa de coleta da dados e transcrição de todas as entrevistas, teve
início a etapa de análise dos dados obtidos. O elemento básico para a realização
desta etapa de trabalho foi a mencionada planilha de fatos e dados, que continha
todos os fatos, dados e trechos de entrevistas considerados relevantes para a
elaboração da análise.
Para tal, cabe também destacar, fez-se a categorização dos dados segundo as
dimensões dos cinco desafios relacionados ao processo de crescimento, conforme
sugere Fleck (2009). A análise longitudinal dos dados levantados à luz da teoria
relacionada aos arquétipos de sucesso e fracasso de uma organização, em paralelo
a temas abordados pela literatura de empresas familiares, foi possibilitada pela
utilização de três das estratégias propostas por Langley (1999). Estas são
apresentadas no Quadro 3-2.
Após a categorização dos fatos e dados, buscou-se avaliar cada dimensão dos
desafios do crescimento (FLECK, 2009), de modo que fosse possível a identificação
de padrões de respostas organizacionais àqueles desafios. A partir da análise isolada
dos desafios e, posteriormente, da integração destes com os requisitos da
longevidade saudável propostos por Fleck (2009), tentou-se analisar a ocorrência ou
não da propensão saudável ao sucesso de longo prazo da organização.
Estratégia Descrição
Estratégia Narrativa
Envolve a construção de relato histórico detalhado a partir de dados brutos, que permite a contextualização da situação observada para o leitor.
Estratégia de Mapas Visuais
Representações gráficas que possibilitam a síntese de dados, permitindo a visualização de uma série de dimensões e processos paralelos ao longo do tempo. Contribuem em processos intermediários entre os dados brutos e a conceituação teórica, ajudando na identificação de padrões e relações entre eventos.
61
Estratégia de Periodização
Envolve a decomposição do histórico em períodos sucessivos que, ainda que sem significância teórica, permitem a estruturação da descrição dos eventos. Permite a formação de unidades comparativas de análise, reunir dados em séries discretas de bloco de dados, o que contribui para a identificação de mecanismos ao longo do tempo.
Estratégia de Quantificação e Plotagem Gráfica
Envolve a análise de séries temporais de dados que contribuem como indicadores quantitativos para a informações de caráter descritivo. Estes indicadores podem ser plotados graficamente para a construção de curvas longitudinais, o que contribui para enriquecer a análise.
Quadro 3-2 - Estratégias para análise de dados em abordagem de processo.
Fonte: Baseado em Langley (1999).
Por outro lado, recorreu-se ao indicador de tamanho proposto por Fleck (2009)
para a avaliação da trajetória de crescimento da organização em perspectiva
longitudinal. Assim, para a elaboração da curva de crescimento, utilizou-se como
sistema relevante a própria economia brasileira, através do seu Produto Interno Bruto.
O cálculo do indicador a cada período a partir da aplicação da Equação 3-1, tendo
sido possível apenas para os anos cujos resultados contábeis estiveram disponíveis,
notadamente a partir do ano de 1983.
𝑇𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜𝑖 = 𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐵𝑟𝑢𝑡𝑎𝑖
𝑃𝐼𝐵𝑖
Equação 3-1 - Fórmula de cálculo de indicador de tamanho.
Fonte: Fleck (2009).
A periodização, por sua vez, possibilitou a distinção de dois momentos distintos
da trajetória organizacional. Tal divisão permitiu a identificação de diferentes
respostas aos desafios do crescimento, bem como também evidenciou diferentes
características quanto aos elementos estrutura e ambiente.
3.5 Limitações do estudo
A organização objeto deste trabalho é uma organização familiar com atuação
local, o que implica em certas restrições à disponibilidade de material secundário que
trata especificamente de sua história ou trajetória. Ademais, a própria empresa não
dispõe de centro de documentação ou arquivo organizado onde poderia ser
encontrada extensa gama de documentação própria com riqueza de detalhes sobre
os principais eventos ao longo de sua existência.
62
Por isso, no que tange a coleta de dados direta do objeto de estudo, tiveram
maior peso no processo como um todo os dados obtidos a partir das entrevistas.
Ocorre que, dado o contexto de envolvimento dos entrevistados, é possível que haja
perda de exatidão das informações relatadas, motivo pelo qual buscou-se, sempre
que possível, confrontar opiniões e relatos de diferentes entrevistados acerca dos
mesmos fatos ou dados, a partir das evidências identificadas nas transcrições das
entrevistas, o que compreendeu técnica de triangulação para garantia da qualidade
dos dados (FLECK, 2014).
É também fator limitante o fato de terem sido priorizados entrevistados com
envolvimento ativo na organização, no momento da coleta de dados, por motivos de
facilidade de acesso. Assim, a pesquisa basicamente teve contato com percepções
relacionadas a dois grupos de stakeholders: funcionários não familiares e a própria
família. Houve ainda a tentativa de colher dados a partir do stakeholder cliente, o que
não foi possível devido a diretrizes internas daquela companhia.
Ademais, cabe ressaltar aqui que foge ao escopo deste trabalho análises
quanto ao desempenho e capacidade técnica da firma. O foco deste estudo é
estritamente a análise do padrão de respostas aos desafios inerentes ao crescimento
e, por consequência, ao mecanismo central da longevidade saudável de uma
organização, prisma de análise importante para responder ao objetivo a que este se
propõe.
É importante mencionar também a proximidade do pesquisador com o objeto
como ponto de potencial limitação. Contra este efeito eminentemente danoso ao
desenvolvimento isento das análises contrapôs-se questionamentos críticos por parte
da orientadora do trabalho, a quem o acesso amplo aos dados coletados foi garantido,
além de sua atuação no fomento às discussões também ter atuado como mecanismo
de promoção à análise crítica daqueles dados obtidos.
Por fim, é justo destacar que a análise aqui apresentada não apresenta efeitos
comparativos, uma vez que não dispõe de parâmetros de comparação com outras
organizações comparáveis. Este, aliás, pode ser tema para trabalhos futuros.
63
4 HISTÓRICO
O presente capítulo é parte importante da contextualização dos fatos e dados
analisados posteriormente. Nele, fez-se uso de técnicas de pesquisa para a
elaboração de uma narrativa sobre o ambiente específico em que o objeto de estudo
está inserido e também sobre a própria organização, contribuindo assim para a análise
longitudinal proposta por Fleck (2014). Um panorama histórico do macroambiente do
setor elétrico a partir da evolução histórica de seu modelo institucional é apresentado
no Apêndice I deste trabalho.
4.1 A Terceirização no setor elétrico brasileiro
Segundo narram Souza e Rados (2011), como consequência das privatizações
pós 1995, as empresas do setor elétrico implementaram medidas de redefiniçao de
seus modelos de negócio, seguindo a tendência de terceirização estratégica. Dentro
deste conceito abordado pelos autores, as empresas intensificaram o repasse para
terceiros de atividades componentes de sua cadeia de valor. O objetivo do avanço na
adoção da terceirização no setor, dentre outros benefícios, era o de obter ganhos de
eficiência operacional e, consequentemente, redução de custos, além da perspectiva
de flexibilização da estrutura operacional, compartilhamento de riscos e ganhos de
qualidade na execução dos serviços pela especialização da mão de obra (INSTITUTO
ACENDE BRASIL, 2012).
A rigor, a prática administrativa de contratação de uma terceira entidade para
desempenhar uma determinada atividade, ao invés de sua realização internamente
não era prática nova, quer no setor privado, quer na Administração Pública. O
processo de reestruturação produtiva e reengenharia industrial que culminou com a
terceirização de atividades fora iniciado no Brasil muito antes da década de 1990, a
partir da instalação de empresas multinacionais, em especial as montadoras de
veículos décadas antes (MAGALHÃES, CARVALHO NETO & GONÇALVES, 2010).
As próprias elétricas estatais já faziam uso de mão de obra terceirizada, embora em
menor escala, sobretudo para execução das atividades de construção e
implementação de projetos de expansão de rede.
De acordo com Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), o Brasil passou
a priorizar a racionalização econômica como forma de obter maior competividade, o
que induziu à implementação gradativa da terceirização de atividades em geral
64
complementares ao core business das organizações. Estes autores expõem ainda o
fato de majoritariamente, no Brasil a terceirização ser adotada com o objetivo de
redução de custos, estratégia que finda por ser priorizada em detrimento da qualidade
na busca por competitividade.
Neste sentido, a expansão da contratação de terceiros no âmbito da cadeia de
valor da energia elétrica no país levou à contratação de empresas prestadoras de
serviço para a execução de serviços operacionais de caráter técnico e comercial
diretamente ligados ao cerne da atividade das empresas (SOUZA & RADOS, 2011).
Quanto à classificação destas modalidades de serviços entre comerciais e técnicos,
os autores fornecem a descrição utilizada em sua pesquisa, conforme pode-se
constatar no Quadro 4-1.
Quadro 4-1 - Descrição de atividades terceirizadas.
Fonte: Adaptado de Souza e Rados (2011).
Assim, nos segmentos de geração e transmissão, a importância das atividades
terceirizadas está na instalação de novas unidades geradoras e na construção de
novas linhas, sendo, pois, atividades intermitentes que envolvem equipes
interdisciplinares mobilizadas para a execução de determinado projeto, com prazo
específico (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012). Por outro lado, o Instituto Acende
Brasil (2012) argumenta que as distribuidoras de energia elétrica são mais intensivas
no uso da mão de obra e destaca também o fato de a demanda por serviços ser
variável ao longo do tempo, observações que corroboram para a decisão de terceirizar
atividades de sua cadeia de valor como forma de reorganização do processo produtivo
em vistas principalmente da flexibilidade e adaptabilidade à demanda.
Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), por sua vez, apontam para os
quatro principais desafios identificados em sua pesquisa no tocante à gestão de
65
trabalhadores terceirizados em empresas contratantes brasileiras. Estes seriam a
qualificação dos trabalhadores, qualidade de serviços, padronização dos serviços e
comprometimento dos terceirizados.
Ainda neste sentido, Mendonça (2015) pondera que a terceirização faz parte
de um processo de reengenharia empresarial em que a produção passa a ser
vinculada à demanda, o que implicou a atuação de empresas periféricas destinadas
à prestação de serviços às empresas centrais. O exposto por este autor vai em linha
ao conceito de rede de valor, apresentado como uma diferente forma de interpretar a
cadeia de valor terceirizada, observável quando há a formação de redes de
fornecimento e de cooperação entre contratante e contratadas (SOUZA & RADOS,
2011). Este fato deve chamar a atenção para o debate sobre a flexibilização do
emprego como uma adaptação ao processo econômico, dada a demanda da empresa
moderna (MENDONÇA, 2015).
O Instituto Acende Brasil (2012) chama atenção para o fato de que, no Brasil,
o termo terceirização fazer alusão à relação trabalhista estabelecida com a
interposição de um terceiro agente de transação, diferentemente da ideia passada
pelo termo em inglês ‘outsourcing’. Aborda-se, nesta perspectiva, a relação de
governança do processo, que passa a envolver a relação trilateral entre três agentes:
o trabalhador, a empresa prestadora de serviço e a empresa tomadora de serviço,
como se observa na Figura 4-1, que apresenta também o tipo de relação que se
estabelece entre os agentes transacionais.
Figura 4-1 - Relações entre os agentes transacionais numa atividade terceirizada.
Fonte: Instituto Acende Brasil (2012).
A ênfase nos efeitos da terceirização sobre os diversos stakeholders gera há
anos polêmica sobre a regulamentação da terceirização de atividades nos setores
privado e público. O entendimento por parte dos defensores é de que há um “processo
66
de descentralização das atividades da empresa e valorização do setor terciário da
economia” (JORGE NETO & CAVALCANTE, 2013, p. 434 apud MENDONÇA, 2015),
enquanto argumentos contrários versam sobre impactos distributivos sobre os
salários dos trabalhadores e a precarização das condições de trabalho. Entretanto, o
Instituto Acende Brasil (2012) enfatiza não haver na legislação brasileira uma lei que
trate de maneira compreensiva a questão da terceirização, apesar de diversos pontos
serem tratados por diversas leis. Dentre os aspectos reiteradamente abordados estão
a atribuição de responsabilidade e a delineação de atividades terceirizáveis.
No tocante à questão da atribuição de responsabilidade à empresa tomadora
de serviços, o Código Civil brasileiro institui três tipos de responsabilidade civil:
responsabilidade principal, responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária.
Enquanto a primeira modalidade é referida a situações em que um único agente
responde pela obrigação, a segunda refere-se às situações em que, havendo a
inadimplência de determinada obrigação, mais de um agente é corresponsável, uma
vez que a compartilham. A responsabilidade subsidiária, por sua vez, estabelece
responsabilidade secundária ao agente, cabendo a ele arcar com a obrigação apenas
em sendo esgotadas as possibilidades de cobrança ao devedor principal.
Já em relação ao aspecto da delineação de atividades, que podem ser
terceirizadas, diversas leis e normas estabelecem diretrizes no sentido de determinar
quais são estas atividades. O Instituto Acende Brasil (2012) estabelece uma análise
cronológica da evolução da legislação que versa sobre tal aspecto, que tem início na
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – Decreto-Lei 5.452/43, que, ao admitir a
modalidade de contratação por subempreitada, organiza que seja assumida pelo
tomador de serviços a responsabilidade subsidiária sobre as obrigações trabalhistas
da empresa prestadora.
O Instituto comenta sobre as primeiras iniciativas legislativas contribuírem no
sentido de promover a terceirização e indica ainda o Decreto-Lei 200, de 1967, que
admite a terceirização na Administração Pública como uma alternativa para
concentração do esforço público nas atividades estratégicas, ao passo que
proporciona também maior agilidade e flexibilidade. Neste sentido, é apontada ainda
a Lei de Licitações – Lei 8.666/93 – que, ao se referir à terceirização de obras e
serviços como execução indireta, admite sua contratação em regime de empreitada
por preço global, empreitada por preço unitário, tarefa ou empreitada integral. Esta,
aliás, avança na direção indicada pela Constituição Federal de 1988, que instituiu a
67
contratação de bens e serviços para o setor público mediante processos de licitação
pública (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012).
Entretanto, Mendonça (2015) relata a tendência da jurisprudência da Justiça
do Trabalho relativamente à questão da terceirização, cujas diretrizes estão resumidas
na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Este documento, cujo intento é de
uniformização da jurisprudência acerca do tema, ampliou a admissibilidade de
terceirização para o que chama de atividades-meio, embora a legislação ainda careça
de definição clara do que seria atividade-meio e atividade-fim para um dado objeto
social de uma organização (MENDONÇA, 2015). Desta súmula, vale destacar os
pontos que versam sobre a ilegalidade dos contratos de prestação de serviços:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.o 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Também em respeito à legalidade da terceirização, o Código Civil estabelece
a vinculação direta ao tomador de serviços, com responsabilidade solidária da
empresa prestadora, em caso de descumprimento de obrigações trabalhistas na
prestação de serviços ilícita.
Neste sentido, seria a prática de terceirização adotada pelas empresas do setor
elétrico brasileiro, em especial aquelas do segmento de distribuição, uma prática
ilícita, por envolver a prestação de serviços em atividades consideradas fim. No
entanto, o Instituto Acende Brasil (2012) comenta sobre o debate acerca deste ponto,
uma vez que, no que diz respeito à prestação de serviços públicos, as Lei das
68
Concessões (Lei 8.987/95) e Lei das Telecomunicações (Lei 9.472/97) explicitam a
possibilidade das concessionárias de terceirizar qualquer atividade, seja ela inerente,
acessória ou complementar.
Assim, o Instituto Acende Brasil (2012) indica haver ressalvas advindas de
medidas liminares emitidas pelo Supremo Tribunal Federal na direção da permissão
às concessionárias de serviços públicos a terceirizar atividades-fim. Portanto, de
modo a pacificar a questão relativa à legalidade da terceirização no setor elétrico, a
Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica ingressou em 2010 com
Ação Declaratória de Constitucionalidade 26, que solicita a declaração de
constitucionalidade de item da Lei de Concessões (Lei 8.987/95) que permite a estas
empresas a contratação de serviços. A ação, ainda em trâmite no STF, sustenta que
o inciso I, do artigo 175 da Constituição Federal permite induz o reconhecimento da
realidade e condição especial da prestação dos serviços públicos, no sentido de haver
disciplina especial para as concessionárias de serviços público (BRASIL, 2016).
No entanto, pode-se perceber por parte do legislativo um movimento de
tentativa de regulamentação dos contratos de prestação de serviços e terceirização
de atividades no país, também é percebida certa abertura da Justiça do Trabalho para
repensar esta questão. Neste contexto, Mendonça (2015) chega a argumentar que
não se pode ignorar os reflexos socioeconômicos relacionados à terceirização e que
a ignorância à realidade de mercado, suas demandas e anseios incorre na ignorância
ao próprio direito.
Diversos foram os projetos que passaram pelo Congresso Nacional no intuito
explicitado (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2012). Recentemente, a Câmara dos
Deputados aprovou e encaminhou ao Senado o Projeto de Lei 4.330/04, que se
encontra sob análise daquela Casa Legislativa. Ocorre que, tal qual comenta
Mendonça (2015), no que tange a conceitos sobre as atividades-meio e atividades-
fim, a pacificação relativa ao tema parece estar longe do equilíbrio. Contudo, o autor
convém que a terceirização não implica necessariamente na precarização da
condição de trabalho.
Neste sentido, o mesmo autor indica que os avanços do referido projeto de lei
no sentido de regular tal prática como um mecanismo de prevenção a tal efeito.
Conforme expõe este autor, estes progressos do pilar da exigência da especialização
das empresas terceirizadas, identificada pela consistência com o objeto social
declarado no ato constitutivo da organização. O texto, apesar de abrir a possibilidade
69
de terceirização de atividades assim classificadas no texto-base como correlatas,
suplementares ou complementares, determina a indicação objetiva do empreendedor
quanto a seu segmento de atuação e especialização de sua atividade, o que terá
impacto para melhor enquadramento fiscal e sindical das prestadoras de serviço. Sob
tal situação, respaldada pela responsabilização solidária entre contratante e
contratada proposta pelo projeto, tem-se a ideia de que a proteção dos direitos
laborais do trabalhador será promovida (MENDONÇA, 2015).
4.2 A Companhia Energética de Pernambuco – Celpe
A Celpe é uma concessionária de distribuição de energia elétrica sediada na
cidade do Recife, cuja cobertura se estende pelos 184 municípios do estado de
Pernambuco e para a cidade de Pedras do Fogo, no estado da Paraíba. Além de atuar
no segmento de distribuição na referida região, a companhia também opera a
concessão de geração de energia no arquipélago de Fernando de Noronha, por meio
de usinas térmica e solar fotovoltaica. Assim, analisar a trajetória da Celpe remonta à
própria história da eletricidade no estado de Pernambuco.
O surgimento da eletricidade em Pernambuco remonta à inauguração de
sistemas de iluminação pública através de energia elétrica, na cidade de Olinda, pela
Companhia Santa Tereza (ANGELO, 2009). Posteriormente, em 1913, foi criada pela
iniciativa privada a Pernambuco Tramsway and Power Company, vinculada ao Grupo
Amforp, que passou a deter a concessão para os serviços de iluminação pública e
particular do Recife, por um prazo de 50 anos. A estrutura que se montava com a
PETRAMSWAY, como ficou conhecida a nova companhia, detinha ainda as
concessões para fornecimento de gás, controle de linhas telefônicas e transportes
coletivos.
No interior do estado, à época, coube às prefeituras, cooperativas e ao
Departamento de Águas e Energia (DAE) do governo estadual a responsabilidade
pela distribuição de energia elétrica. Tal fato, em especial após a transformação do
DAE em autarquia cujas atribuições abrangeriam a organização e participação em
sociedades dedicadas à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica,
culminaria com a criação da companhia estatal estadual alguns anos à frente. Este
episódio do DAE antecedeu a criação da Celpe, cuja autorização foi concedida pelo
Conselho de Coordenação da autarquia em 1964, ocorrendo a constituição da
Companhia de Eletricidade de Pernambuco (Celpe) em 10 de fevereiro de 1965,
70
quando esta assumiu os sistemas elétricos de vários municípios do interior do estado
(ANGELO, 2009; CELPE, 2016A). Celpe surgia em meio à dissolução do Grupo
Amforp no Brasil, o que iniciara a transferência de seus ativos ao Estado brasileiro.
Por este motivo, a companhia incorporou a estrutura da PETRAMSWAY a partir de
1968.
Naquele ano, a Empresa tinha 462 empregados e atendia a 156 localidades
em Pernambuco, com 112.132 clientes e um consumo de 141.170 MWh. O sistema
elétrico era composto de 14 linhas de 69 kV, com uma extensão de 344 km e 126
linhas em 13.8 kV, totalizando 1.150 km. No entanto, a os serviços de distribuição de
eletricidade nas cidades de Caruaru e Jaboatão dos Guararapes só foram assumidos
pela Celpe quando, a partir da década de 1970, quando a Chesf transfere para a
concessionária estadual sistemas de transmissão em alta tensão (CELPE, 2016a).
É interessante destacar que, desde sua formação, a Celpe foi uma empresa de
capital misto. No entanto, o controle societário sempre esteve nas mãos do estado de
Pernambuco, o que lhe permitiu acesso a linhas de financiamento especiais para o
desenvolvimento da região, disponibilizadas pelo governo federal, através da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Isto denota o
importante papel estratégico que a Celpe assumiu para o governo estadual, que fez
uso da companhia como instrumento político de relevante influência sobre o
desenvolvimento do estado.
Em pouco tempo, a Celpe consolidou-se como uma das grandes empresas do
Estado e um dos maiores patrimônios dos pernambucanos, quer pela competência
técnica no contexto da engenharia elétrica, quer pelo alcance social de suas
atividades. Neste aspecto, aliás, merece destaque a evolução dos programas de
investimento em eletrificação rural no estado, a partir da década de 1970. Apesar de
estar no centro de disputas políticas pelas décadas seguintes, obteve êxito ao
transformar Pernambuco em um dos estados mais avançados no que diz respeito à
universalização do acesso à energia elétrica, que seria um dos objetivos perseguidos
pela reestruturação do setor elétrico durante o governo Lula, anos mais tarde.
Para a Celpe, a década de 1970 ficou marcada pela construção de seu edifício
sede e início de construção do Centro de Treinamento do Bongi, em Recife. Além
disso, foi aprovada neste período a Fundação Celpe de Seguridade Social (Celpos),
entidade destinada a suplementação de aposentadorias e pensões dos seus
empregados (CELPE, 2016a). Enquanto a década de 1980, por sua vez, significou à
71
Celpe a elaboração de seu Programa Geral de Investimentos, apoiado pela
Eletrobrás, e implantou seu Plano Diretor de Informática. Em 1986, a empresa mudou
sua razão social, passando a ser a Companhia Energética de Pernambuco (CELPE,
2016a).
Ao longo da década seguinte, transformações no ambiente do setor elétrico
brasileiro promoveram grandes impactos na trajetória da companhia. Diante do
cenário de colapso do modelo centralizado, a Celpe elencou como prioridade para a
década a busca da qualidade e agilidade dos serviços, a modernização e
informatização, o desenvolvimento tecnológico, a implantação de sistemas
alternativos de energias, a redução dos custos e a melhoria da confiabilidade no
fornecimento, tornaram-se fatos do cotidiano da empresa (CELPE, 2016a).
A partir de meados daquela mesma década, através de estímulo do governo
federal à privatização das concessionárias estaduais de distribuição de energia
elétrica, iniciaram-se as etapas preparatórias para o leilão público que culminaria com
a venda da estatal à iniciativa privada. A própria companhia colocou, aliás, como fator
facilitador do processo, durante o governo Jarbas Vasconcelos (1998-2002) o
Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais, segundo o qual o BNDES ofereceu
aos governos estaduais a antecipação dos recursos futuros provenientes do processo
de privatização.
Um aspecto de relevância a ser mencionado no tocante ao processo de venda
da Celpe é a grande importância que esta concessionária tinha para o estado,
conforme exposto anteriormente. Tal fato gerou grande debate político acerca da
decisão de privatizar o maior ativo público pernambucano, pelo qual se esperava uma
disputa em leilão que levaria ao pagamento de ágio por parte do vencedor,
contribuindo para a geração de caixa para o governo estadual.
Diferentemente do esperado, o leilão de privatização foi realizado em fevereiro
de 2000, com a participação de um único potencial adquirente, que efetivou a compra
no preço mínimo definido pelo edital de R$ 1,7 bilhão e assumiu a concessão ainda
naquele ano, por um prazo de 30 anos. Um outro detalhe importante é que, dado o
importante papel social da concessionária para o estado, o edital de privatização
impôs, segundo prática dos processos de privatização e concessão, uma série de
exigências quanto aos níveis de investimento que o adquirente deveria executar
durante a concessão, dentre as quais a exigência de expansão dos investimentos em
72
eletrificação rural e urbana para população, incluindo ainda o compromisso de
implantação de uma usina termelétrica no estado (CELPE, 2016a).
Assim, a transferência para a iniciativa privada ocorreu a partir de Março
daquele ano, quando o Consórcio Guaraniana assinou o contrato de concessão no
026/2000, firmado com a União, por meio da ANEEL. O consórcio vencedor era
composto pelo grupo espanhol Iberdrola Energia, Caixa de Previdência do Banco do
Brasil (Previ) e BB Banco de Investimentos SA. No entanto, a gestão da
concessionária esteve sob responsabilidade da Iberdrola Energia.
O consórcio Guarariana, que passaria a denominar-se Neoernergia a partir de
sua nova estratégia comercial implementada em 2004, já havia adquirido as
concessionárias de distribuição de energia do Rio Grande do Norte (Cosern) e da
Bahia (Coelba). Além disso, a empresa estava presente em todos os segmentos de
atividade do setor elétrico – geração, transmissão, comercialização – mediante
aquisições e projetos de investimentos, possuindo forte integração vertical e
praticando contratos de auto contratação de energia.
A situação quando da privatização na Celpe, diferentemente de outras
concessionárias estatais, não era ruim. Em 1999, a companhia fora eleita a melhor
distribuidora de eletricidade da região Nordeste, a partir de uma pesquisa do Instituto
Vox Populi (CELPE, 2006), e, à época da privatização, sua rede de distribuição
atendia mais de 90% dos domicílios pernambucanos.
No entanto, o ano de 2000 foi marcado por uma reestruturação da
concessionária, em cujo pano de fundo estava a redefinição do modelo de negócios
e gestão da companhia. Para isso, foram investidos R$ 105 milhões nos segmentos
de expansão, modernização e manutenção dos sistemas de geração, subtransmissão
e distribuição de energia e de telecomunicações, automação das instalações elétricas,
além de modernização das instalações dos prédios, da frota de veículos e do sistema
de informática (CELPE, 2016a).
Além disso, também parte do processo de busca pela excelência operacional
e melhoria da qualidade dos serviços, reduziu-se a base de empresas prestadoras de
serviço, de forma que as poucas que continuaram foram contratadas sob a condição
de empresas âncoras e passaram a responder por serviços técnicos e comerciais, em
uma mesma área de atuação. Esta foi uma medida que permitiu a Celpe comparar as
prestadoras de serviço e nivelá-las a partir do benchmarking desejado pela
companhia.
73
Mesmo diante do desafio do racionamento de energia em 2001 e da redução
de receitas que este impôs às distribuidoras no país, o ano de 2001 foi um marco para
a então privatizada Celpe, devido à inauguração e entrada em operação do Centro de
Operação Integrada, que permitiu o monitoramento de todo o sistema elétrico da
concessionária. O ano seguinte, por sua vez, foi importante para a expansão das
obras de eletrificação rural, a partir de financiamento de programas do governo federal
(CELPE, 2016a). Também em um esforço por melhoria da qualidade de atendimento,
a implantação do Sistema Comercial (SIC) foi concluída em 2003 e o sistema
OminiSAT foi implantado em 2004, o que facilitou a comunicação entre o COI e toda
a frota de veículos prestadores de serviço da companhia.
Como resultado dos investimentos realizados pela Celpe, em 2005 a empresa
recebeu o prêmio de Maior Evolução de Desempenho entre as distribuidoras
brasileiras, segundo resultado da edição 2005 do Prêmio da Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) (CELPE, 2016a). Contribuiu para a
escolha a melhoria nos níveis de dois principais indicadores de satisfação de clientes-
consumidores de energia elétrica, o Índice de Duração Equivalente de Interrupção por
Unidade Consumidora (DEC) e o índice de Frequência de Interrupção por Unidade
(FEC). Ambos indicadores são monitorados pela ANEEL para verificação da
continuidade do serviço prestado, representando respectivamente o tempo e o
número de vezes que uma unidade consumidora ficou sem energia elétrica durante o
período considerado, sendo níveis máximos exigidos para estes indicadores
condicionantes do contrato de concessão e revisados segundo resoluções normativas
do regulador (ANEEL, 2016).
Abaixo são apresentados dois gráficos com a evolução dos indicadores
coletivos de continuidade apurados pela concessionária, no período de 2000 a 2014,
segundo dados disponibilizados por ANEEL (2016) – vide Gráfico 4-1 e Gráfico 4-2.
Observa-se no período imediatamente pós-privatização melhorias nos níveis de DEC
e FEC da Celpe, juntamente com o avanço do número de unidades consumidoras
atendidas pelo seu sistema elétrico de potência, que opera com os referidos
indicadores muito abaixo dos níveis máximos exigidos pelo regulador. No entanto,
apesar de o índice FEC da concessionária apresentar relativa estabilidade após o ano
2006, pode-se constatar gradativa deterioração do indicador de duração equivalente
das interrupções de fornecimento (DEC), situação que é agravada pela atuação do
regulador no sentido de reduzir os níveis máximos para ambos indicadores.
74
Gráfico 4-1 - Evolução do indicador FEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014.
Fonte: ANEEL (2016).
Gráfico 4-2 - Evolução do indicador DEC apurado Celpe, período de 2000 a 2014.
Fonte: ANEEL (2016).
Apesar dos problemas expostos acima, o ano de 2005 representou um
importante marco para o grupo Neoenergia. Em outubro daquele ano foi assinado o
Acordo de Acionistas da companhia, documento que prevê a reformulação da
estrutura de governança do grupo e que aponta na direção de maior compartilhamento
de recursos corporativos entre as empresas controladas pelo grupo. As alterações
propostas pelo novo acordo seriam implementadas ao longo dos próximos anos e
teriam como resultado a estrutura de organizacional e de governança representada
na Figura 4-2.
75
Figura 4-2 - Estrutura organizacional do grupo Neoenergia.
Fonte: Neoenergia (2016).
Outro importante marco foi atingido no ano de 2006, quando a empresa
concluiu o número de ligações previstas nos contratos do Programa Luz para Todos,
com a Eletrobrás. A concessionária conseguira atingir índice global de universalização
do acesso à energia elétrica de 99,2% de sua área de concessão, atendendo um total
de 2,7 milhões de clientes ativos. Também neste ano, a empresa adota os conceitos
da Global Reporting Initiative (GRI) e passa a divulgar anualmente seu relatório de
sustentabilidade neste novo modelo (CELPE, 2016a).
Em 2007, apesar de ser eleita novamente a melhor prestadora de serviço
público no estado de Pernambuco (CELPE, 2016a), em junho deste ano foi instaurada
uma Comissão Parlamentar de Inquérito pela Assembleia Legislativa do Estado de
Pernambuco para investigar supostos abusos no preço da energia elétrica cobrada ao
consumidor. Entre as constatações dos parlamentares estaduais destaca-se a
atribuição dos valores cobrados pela concessionária às perdas energéticas em seu
sistema elétrico (PERNAMBUCO, 2007).
Diante deste cenário, visando à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
da companhia e a uma composição tarifaria mais justa, a Celpe passou a atuar
fortemente sobre o Programa de Redução de Perdas Comerciais. As principais ações
deste programa abrangeram o combate às ligações irregulares, regularização de
76
clandestinos, blindagem de medidores e também a promoção de programas sociais
de conscientização sobre uso adequado da energia elétrica. Também contribuiu nesta
época para a redução do índice de perdas as ações no âmbito do Programa de
Eficiência Energética, iniciativa existente desde 2001 que promoveu a
conscientização do uso da eletricidade e combate o desperdício de energia elétrica
em comunidades de baixa renda, instituições beneficentes, hospitais e órgãos
públicos (CELPE, 2016a).
Também a capacitação e qualificação de pessoal próprio e terceirizado foi
imperativo para a concessionária na segunda metade dos anos 2000. O Ministério do
Trabalho criara em 2004 a norma regulamentadora NR10 – Segurança em Instalações
e Serviços em Eletricidade e, a partir de sua regulamentação, empresas que
trabalhavam com serviços de eletricidade passaram a ter fiscalizações e sanções
rigorosas. Neste contexto, através do Departamento de Gestão de Contratos
Terceirizados, a concessionária implementou a partir do final de 2007 o projeto
Travessia, cuja necessidade fora identificada a partir de auditorias no nível de
capacitação do efetivo terceirizado atuante em seu sistema.
O objetivo deste projeto, desenvolvido em parceria com o Senai e as empresas
prestadoras de serviço, era qualificar cerca de 2.500 profissionais envolvidos nos
serviços de corte e religação, ligação nova, manutenção e construção. Para tal, foi
desenvolvido um curso modulado em treinamentos de eletrificação básica e
capacitações específicas nas áreas citadas. No plano de fundo da gestão deste
projeto, tinha-se a premissa de que os terceirizados seguiriam desempenhando suas
funções e participando dos treinamentos, de modo a não inviabilizar a prestação de
serviços para a continuidade de fornecimento aos consumidores da distribuidora. O
prazo para conclusão do projeto foi até o ano de 2010 (CELPE, 2008).
De acordo com a Celpe (2014), sua área total de concessão abrange 98.547
km2, atendendo 3,4 milhões de unidades consumidoras, divididas entre os grupos de
Alta e Baixa Tensão. Segundo a própria companhia, em 2014, 52,6% do total de
clientes eram classificados como clientes residenciais, dentre os quais 35,4%
poderiam ser segmentados como clientes de baixa renda, segundo critérios da
ANEEL.
Por trás do atendimento a toda esta base de clientes, a Celpe conta com uma
rede de mais de 4,2 mil quilômetros de linhas de transmissão, 131 mil quilômetros de
redes de distribuição e 136 subestações elétricas. Faz parte ainda da estrutura física
77
da companhia um laboratório de controle de qualidade, um outro de medição de
equipamentos, um centro de treinamento e sete escritórios regionais, onde estão
instaladas as unidades operacionais de cada distrito regional: Metropolitana Norte e
Sul, Carpina, Cabo, Caruaru, Garanhuns, Serra Talhada e Petrolina. Além do que a
empresa conta com aproximadamente 1,7 mil colaboradores próprios e 6,7 mil
terceirizados (CELPE, 2014).
A concessionária expõe ser um pilar de seu modelo de negócios o
compromisso na construção de parcerias de longo prazo com seus fornecedores.
Entre estes, a companhia indica haver dezesseis empresas prestadoras de serviços
consideradas estratégicas atuando em seu sistema elétrico de potência. Estes
fornecedores são contratados pela concessionária para terceirização de mão de obra
na execução de atividades comerciais e técnicas, tais como corte e religação, ligação
nova, operação, manutenção e construção da rede de distribuição de energia (CELPE,
2014).
Ainda de acordo com a companhia, há um sistema de acompanhamento dos
fornecedores estratégicos, cuja medição da performance é feita em base contínua, a
partir de indicadores ligados a aspectos econômico-financeiros, trabalhistas, de saúde
e segurança, de qualidade do serviço, meio ambiente e de controle de materiais,
componentes do Neocontrole e alvo das auditorias periódicas. Além disso, inspeções
de campo são realizadas nas prestadoras de serviço, tanto através de evidências
documentais, quanto inspeções às instalações físicas.
Estas são atribuições da área de Gestão de Contratos Terceirizados da
concessionária, criada em 2006. As auditorias nas prestadoras de serviço seguem
cronograma definido a cada início de ano e são divididas em etapas que incluem a
seleção do material a ser auditado, envio de listagem de documentação para
apresentação pela contratada, realização de auditoria nas instalações da prestadora
de serviço, divulgação de relatório final e acompanhamento de plano de ação. Além
disso, o processo de auditoria das terceirizadas envolve diversas áreas da companhia,
dentre as quais equipes de saúde e segurança, e as áreas jurídica e operacional.
Ainda relativo à estrutura sob a qual ocorre a gestão dos contratos de prestação
de serviço pela Superintendência de Operações (SOP), é interessante notar que
quatro departamentos são subordinados a esta área funcional: Departamento de
Serviços de Rede (OSR), Departamento de Gestão de Contratos (OGC),
Departamento de Gestão de Perdas (OGP) e Departamento de Expansão e Novas
78
Ligações (ONL). Destes, o OSR e o ONL são divididos, por sua vez, em unidades que
cobrem cada uma das sete unidades regionais (CELPE, 2016b).
Assim, a contratação das terceirizadas atuantes no sistema elétrico da Celpe
ocorre com o apoio do Departamento de Suprimentos (PRS), através da Unidade de
Contratação de Obras e Serviços (PROS), em atendimento às necessidades de seus
clientes internos, as unidades operacionais de cada distrito, sob as quais a gestão
efetiva dos contratos ocorre. Uma representação da estrutura organizacional,
incluindo as unidades contratantes, está disponível nos anexos deste trabalho.
Foi feito um levantamento dos indicadores referentes ao efetivo de
trabalhadores terceirizados atuando no sistema elétrico da Celpe, a partir dos
relatórios de sustentabilidade divulgados pela Companhia, ao longo do período de dez
anos – de 2005 a 2014. Como resultado, foram obtidos os gráficos abaixo
apresentados, que identificam tendência de ampliação do número de colaboradores
terceirizados e do custo total dos contratos de prestação de serviço com as empresas
terceirizadas (vide Gráfico 4-3 e Gráfico 4-4). Pode-se constatar também propensão
à expansão do número de trabalhadores terceirizados atuando no sistema elétrico da
concessionária, ao longo do período observado, sendo o percentual destes
trabalhadores inicialmente de 72,35% do efetivo total em 2005 e chegando a um nível
de 79,60% no ano de 2014. Paralelamente, vê-se relativa estabilidade no quantitativo
de mão de obra própria em atividade no sistema.
Gráfico 4-3 - Efetivo terceirizado e próprio, período 2005 a 2014.
Fonte: Relatórios de Sustentabilidade Celpe.
79
Gráfico 4-4 - Custo anual de trabalhadores terceirizados (R$ mi), período 2005 a 2014.
Fonte: Relatórios de Sustentabilidade Celpe.
Apesar dos custos crescentes dos contratos de prestação de serviços no
sistema elétrico da Celpe, o que se observa a partir de 2011 são níveis de DEC
superiores ao exigido pelo regulador. Diante deste cenário e do aumento do número
de acidentes na rede elétrica da concessionária ocorridos com consumidores, em
2015 a ANEEL notificou a Celpe e exigiu a apresentação de um plano de recuperação
e correção de falhas com medidas de aprimoramento do serviço para reverter os
níveis de qualidade abaixo dos limites regulatórios (ANEEL, 2016).
A resposta da companhia foi baseada no aumento do nível de investimento na
rede elétrica, sobretudo através da automação e manutenção da rede e construção
de novas subestações elétricas. Em meio à implementação do plano, recorreu-se à
antecipação do processo de contratação para alguns contratos de prestação de
serviços com os fornecedores estratégicos que estariam vigentes até 2016, segundo
a necessidade de expansão significativa dos serviços contratados, em especial em
áreas críticas para a operação da concessionária, a exemplo da
4.3 A organização
A organização selecionada como objeto de estudo deste trabalho foi um grupo
econômico familiar controlador de duas empresas de prestação de serviços em
engenharia e que carrega o nome da família em sua razão social. Embora tenham
surgido em contextos históricos distintos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia são
empresas coligadas, controladas e administradas por um mesmo grupo familiar e
atuam no mesmo segmento econômico, servindo a uma visão de negócio de uma
única família. Tal fato, aliado a observações acerca dos processos operacionais e da
trajetória de crescimento de ambas empresas, permite identifica-las como
pertencentes a uma organização única, cuja história abrange marcos e
acontecimentos de ambas as empresas, exercendo influência sobre o processo de
crescimento e formação de seu caráter organizacional. Por este motivo, a ABC
80
Engenharia e FF Engenharia serão aqui consideradas uma organização sobre a qual
este relato histórico discorre.
A organização tem origem pernambucana e sua sede está localizada na cidade
de Recife. Sua estrutura organizacional está dividida em um corpo técnico/operacional
e um corpo administrativo, ambos subordinados a uma diretoria composta por três
membros da família controladora. O Quadro 4-2 apresenta a distribuição da mão de
obra por firma, de acordo com dados de Janeiro de 2016, distribuída entre as equipes
operacionais e administrativas, ou de apoio.
ABC Engenharia FF Engenharia Geral
Administrativo 41 50 91
Operacional 421 153 574
Total 462 203 665
% Geral 69,5% 30,5% 100,0% Quadro 4-2 - Quantitativo de pessoal por firma.
A diretoria, por sua vez, é composta por um membro da primeira geração e
cofundador da organização, um membro da segunda geração da família e seu
cônjuge. Entre os três familiares são divididas as atribuições e funções diretivas da
empresa, sendo estas agrupadas nas diretorias financeira e tesouraria, administrativa
e comercial e diretoria de operações, respectivamente.
Dessa forma, as áreas administrativas e a diretoria da organização são
compartilhadas pelas duas empresas, enquanto suas estruturas operacionais são
organizadas por contrato, ou modalidade de serviço, e por localidade de execução
dos serviços. A estrutura atual é apresentada na seção de anexos deste trabalho.
Ambas empresas atuam na prestação de serviços em engenharia a clientes
públicos e privados, com destaque para concessionárias distribuidoras de energia
elétrica. Entre os serviços que compuseram seu portfolio ao longo de sua trajetória e
aos quais a organização está apta a executar destacam-se projeto e execução de
instalações elétricas, projeto, construção e montagem eletromecânica de subestações
de baixa e alta tensão, construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de
transmissão, manejo de vegetação e podação, engenharia consultiva e execução de
obras civis. A dinâmica de prestação de tais serviços e o mercado em que atua
demandam a utilização de métodos modernos de execução das atividades, o que se
traduz em necessidade de provisão de corpo técnico experiente e com o imperativo
de atualização frequente através de capacitações e treinamento, segundo
regulamentação pertinente a tal segmento de trabalho.
81
Suas atividades são realizadas em regime de contratação de serviços.
Entretanto, o modelo de contratação varia de acordo com a natureza do cliente.
Merecem destaque os contratos com seu principal cliente, a Companhia Energética
de Pernambuco (Celpe), com quem desenvolveu relacionamento comercial ao longo
de mais de quarenta anos, abrangendo períodos sob gestão estatal e, posteriormente,
privada. Atualmente, a organização possui contratos de prestação de serviços com
fornecimento de materiais por parte do cliente, o que a caracteriza na condição de
empresa terceirizada da concessionária de energia elétrica, e atua nas atividades de
projeto, construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de transmissão,
incluindo atividades em linhas energizadas, e manejo de vegetação e podação,
abrangendo as áreas da Região Metropolitana do Recife, bem como áreas da Zona
da Mata e Litoral pernambucanos
É visão da organização ser líder regional no segmento de manutenção e
construção de linhas, redes e subestações elétricas. Esta instituição enfatiza serem
seus valores fundamentais tradição, seriedade, ética, competência técnica e
compromisso com o cliente, o que tem contribuído para a construção e solidificação
da imagem e reputação das duas empresas no mercado local. Declara ser sua missão
servir a seus clientes na área de engenharia, através da oferta de mão de obra
qualificada a preços competitivos e preservação do meio ambiente, contribuindo para
que estes ofereçam à sociedade qualidade de vida.
4.3.1. Antecedentes (1974 a 1979)
A história do que viria a se tornar a organização objeto de estudo deste trabalho
tem origem na fundação da ABC Engenharia, em 1974. Fernando, fundador da
empresa, era engenheiro eletricista de formado pela Escola Politécnica da
Universidade de Pernambuco, com trajetória profissional que incluía empresas como
General Electric e Celpe. À época, ocupava o cargo de engenheiro responsável por
representar a empresa Sociedade Paulista de Instalações Gerais (SPIG) em
Pernambuco.
A SPIG era uma firma de engenharia de porte nacional, que atuava
principalmente na construção e montagem de subestações elétricas e instalações
industriais. Era atribuição de seu representante não apenas a representação
comercial e elaboração de propostas técnicas para participação de licitações públicas,
mas também o acompanhamento e gerenciamento das obras durante a execução dos
82
contratos firmados, atividade que comumente era exercida em paralelo com outro
profissional alocado como responsável técnico pelo projeto.
Enquanto representante da empresa em Pernambuco, cabia à Fernando
atender também outros estados do Nordeste, de acordo com ocorrência de licitações.
O foco maior de seu trabalho, entretanto, eram licitações para a CHESF, com sede
em Recife. Era também sua atribuição o gerenciamento dos contratos que a SPIG
mantinha com a empresa Rhodia, indústria química à qual a SPIG prestava serviços
de manutenção de subestações elétricas e mantinha equipes na planta desta empresa
situada no Cabo de Santo Agostinho, município integrante da Região Metropolitana
do Recife.
Durante o período em que Fernando esteve à frente da SPIG em Pernambuco,
a Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF) passava por uma fase em que
diversos projetos estavam sendo implantados, o que significava a ocorrência de
inúmeros processos licitatórios para a execução de obras na área em que atuava a
SPIG. Vivia-se a época de estruturação do sistema Eletrobrás e auge dos
investimentos no parque gerador e em expansão de rede do setor elétrico brasileiro
sob o modelo centralizado. Ademais, a referida companhia atuava como vetor de
desenvolvimento na região em que atua, sendo a subsidiária da Eletrobrás
responsável pela geração e transmissão de energia elétrica em alta tensão e
operando o sistema de transmissão que abrange os estados nordestinos de Alagoas,
Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, condição esta
que lhe garantia execução de grande número de projetos.
Ao participar das licitações que ocorriam na CHESF como representante da
SPIG e responsável pela elaboração das propostas técnico-comerciais apresentadas,
Fernando observava existir oportunidade para executar serviços de construção de
linhas de transmissão, que normalmente eram adicionais ao escopo de contratação
daquela firma. Tal observação era frequentemente comentada com sua esposa, Ana
Maria.
Concomitante ao exposto, Fernando passava por um problema de saúde, fato
que lhe causava receio quanto a sua aptidão para seguir trabalhando como
engenheiro representante da companhia. Entretanto, diferentemente de seu receio,
sua recuperação não comprometeu sua capacidade laboral. Ao contrário, ao assumir
o cargo na SPIG por meio de indicação de seu antecessor, Fernando conseguira
fechar novos contratos e aumentar o volume de serviços, o que o levou a identificar a
83
necessidade de mudar a localização da firma, uma vez que o endereço atual não mais
comportaria o desenvolvimento das atividades funcionais da SPIG em Pernambuco.
A mudança da Rua da Conceição para um imóvel maior situado à Avenida Visconde
de Suassuna, que na época era uma avenida importante na cidade, foi autorizada pela
diretoria da empresa.
Nesta mesma época, Ana Maria, estimulada pela oportunidade identificada
pelo seu marido, passou a incentivar a criação de uma firma de engenharia que
pudesse executar os serviços de menor porte não executados pela SPIG. Assim, em
quatro de dezembro de 1974, a ABC Engenharia foi registrada na Junta Comercial do
Estado de Pernambuco (JUCEPE).
Sua composição societária inicial demonstra seu caráter de organização
familiar desde a fundação da ABC Engenharia, sendo cotistas de participação
societária Ana Maria e Gustavo, irmão de Fernando. Embora sócio da firma, Gustavo
não exercia controle sobre a empresa e trabalhava como supervisor das obras
executadas pela firma. Sua participação na composição societária foi uma decisão de
Fernando apenas para compor a sociedade limitada.
Também reforça o caráter familiar da organização que surgia o envolvimento
esporádico de Jairo, engenheiro mecânico habilitado para execução de obras civis até
determinadas especificações e cunhado de Ana Maria, como será explicado mais à
frente. Assim, a Figura 4-3 indica qual o envolvimento de familiares e a firma.
Figura 4-3 - Envolvimento familiar na organização, década de 1970.
Durante este primeiro período de existência da firma, Fernando manteve-se
engenheiro da SPIG, ocupando este cargo até o ano de 1980, quando pediu demissão
da empresa. Apesar do aparente conflito de interesses, a fundação da ABC
Engenharia foi comunicada à diretoria da SPIG, que, baseada no bom relacionamento
e confiança que tinha em Fernando, não se opôs a tal fato. Acordou-se, então, que a
ABC Engenharia não disputaria obras com a SPIG, uma vez que estaria apta a
84
participar de licitações de obras de menor porte, fora do interesse daquela empresa.
Assim, Fernando seguia representando os interesses da SPIG perante seus clientes,
enquanto Ana Maria e Gustavo estariam integralmente dedicados às atividades da
recém fundada firma de engenharia. A responsabilidade técnica sobre os projetos e
obras executadas cabia a Fernando e Jairo, que prestavam assistência à ABC
Engenharia quando necessário.
Deve-se destacar que, recém fundada e com baixa disponibilidade de recursos,
a ABC Engenharia funcionava sem sede própria. Seu endereço oficial era a própria
residência da mãe de Fernando, situada à Rua Benfica, número 604. Entretanto, a
firma funcionava efetivamente em um espaço cedido pela SPIG no imóvel da Avenida
Visconde de Suassuna.
Ocorre que, durante a década de 1970, observou-se no Brasil o
desenvolvimento das cooperativas de infraestrutura, dentre as quais houve destaque
para as chamadas cooperativas de eletrificação (CEs) (MUNARETTO, 2015).
Segundo Munaretto (2015), essas cooperativas tinham por objetivo fornecer à
comunidade serviços de energia elétrica a partir da distribuição de energia elétrica das
concessionárias, criando sistemas de distribuição de energia elétrica principalmente
no meio rural. O principal motivador para a formação de tais cooperativas foi, segundo
o autor, a falta de interesse das companhias de eletricidade, que à época eram
estatais controladas pelos governos federal e/ou estaduais, na distribuição de energia
elétrica em áreas rurais distantes dos centros urbanos. Pasin (2013) explica ainda que
o Governo Federal, a partir da década de 1970, passou a disponibilizar financiamentos
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) exclusivos para as cooperativas
de eletrificação rural, o que viabilizava a expansão do sistema de distribuição por meio
destas entidades.
Ao longo do tempo, especialmente a partir da década de 1990, a maioria das
CEs foram gradualmente incorporadas às concessionárias, o que ocasionou a
diminuição do número de organizações deste tipo de organização, conforme se
constata no Quadro 4-3.
85
Quadro 4-3 -Quantidade de CE por estado.
Fonte: Munaretto (2015).
Acontece que, no caso do Nordeste brasileiro, a maioria das cooperativas de
eletrificação rural que surgiam eram estimuladas pelas próprias concessionárias
locais, com o intuito de servir como canalizadoras de recursos para os programas de
eletrificação rural (MUNARETTO, 2015). Em especial no caso de Pernambuco, a
própria Celpe passou a instalar e gerenciar cooperativas de eletrificação rural que, na
prática, atuavam como prestadoras de serviços à concessionária, executando os
planos por ela definidos.
Em Pernambuco havia uma grande quantidade de comunidades rurais aonde
não chegava energia elétrica, espalhadas por todo o estado. Especialmente nas
regiões do Litoral e Zona da Mata, onde estavam instaladas as grandes usinas de
cana de açúcar da região, essas comunidades eram chamadas “engenhos”.
Justamente na década de 1970, observou-se, junto ao surgimento das cooperativas
de eletrificação rural, um movimento das próprias usinas de execução de obras de
eletrificação rural nos engenhos localizados em suas terras, sendo estas geralmente
financiadas através de linhas de crédito do Banco do Brasil. Assim, diferentemente do
previsto quando de sua fundação, a ABC Engenharia passou a focar na execução de
obras de eletrificação rural.
Inicialmente, as obras executadas pela firma eram contratadas diretamente
pelas usinas, sendo o fator networking bastante relevante para as primeiras
contratações, que ocorreram por indicação de pessoas conhecidas ou ainda por
MUNARETTO, Lorimar Francisco 9
RGC, Santa Maria, v.2, n.3, Págs. 83-96, Jan./Jun. 2015
Tabela 3 - Quantidade de CE por estado nos anos de 1980, 2005 e 2012.
Unidade da
Federação da
Cooperativa
nº de cooperativas
em 1980 %
nº de
cooperativas em
2005 ( * )
%
nº de
cooperativas em
2012 (* * )
%
Ceará 13 5,00% 12 8,16%
Alagoas 5 1,92%
Goiás 22 8,46% 14 9,52%
Distrito Federal 1 0,38%
Bahia 14 5,38%
Maranhão 6 2,31% 7 4,76%
Mato Grosso 2 0,77% 1 0,68% 1 1,47%
Mato Grosso do Sul 5 1,92% 4 2,72% 4 5,88%
Minas Gerais 31 11,92% 4 2,72%
Paraíba 9 3,46% 8 5,44%
Pará 1 0,38% 1 0,68%
Paraná 21 8,08% 7 4,76% 7 10,29%
Pernambuco 19 7,31% 12 8,16%
Piaui 7 2,69% 8 5,44%
Rio de Janeiro 6 2,31% 5 3,40% 3 4,41%
Rio Grande do Norte 5 1,92% 8 5,44%
Rio Grande do Sul 20 7,69% 16 10,88% 15 22,06%
Rondônia 0 0,00% 1 0,68%
Santa Catarina 38 14,62% 21 14,29% 21 30,88%
São Paulo 33 12,69% 17 11,56% 16 23,53%
Sergipe 2 0,77% 1 0,68% 1 1,47%
SOM A 260 100,00% 147 100,00% 68 100,00%
Fonte: Adaptado de Avaliação do Cooperativismo no Brasil. (Pinho, 1981, p.75), (ANEEL, 2012) (*) Quadro
demonstrativo da Situação dos Processos de Regularização das Cooperativas - SCT/ANEEL e (**) Número de
cooperativas regularizadas e com processo em andamento de regularização como autorizadas ou permissioná-
rias junto a ANEEL – SCT/ANEEL (2012)
Quadro 3 - Situação dos Processos de Regularização das CE
Permissionárias Autorizadas Permissionárias Autorizadas
Rondônia 1
Para 1
Piaui 8
Maranhão 7
Ceará 12
Rio G. do Norte 8
Pernambuco12
Paraíba 8
Sergipe 1 1
Minas Gerais 4
Rio de Janeiro 5 1 2
São Paulo 17 10 3 2 1
Paraná 7 1 3 1 2
Santa Catarina 21 17 4
Rio G. do Sul 16 8 2 5
Mato Grosso 1 1
Mato G. Sul 4 4
Goiás 14
38 12 14 4
T otal por Situação
SITUAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE ELETRIFICAÇÃO EM 31/05/2012nº de
Cooperativas
no ano de
2005
Estado Região
N
NE12 - Em processo de Transf. para a
concessionária
8 - Ativos Transferidos
Processos em andamentoPleito Indeferido/Ativo Transferido à
Concessionária e em transferência
Regularizadas
1 - Indeferido
1 - Indeferido
7 - Indeferidos
8 - Indeferidos
12 - Indeferidos
8 - Indeferidos
4 - Indeferidos
2 - Atendimentos Transferidos
CO
S
SE
14 - Ativos Transferidos á
50
79
18
T OT AL
1 - CER incorporada pela CERVALE
1 - CER adquirida pela CPFL
14779
Fonte: Adaptado do quadro demonstrativo da situação dos processos de regularização das cooperativas. Supe-
rintendência de concessões e autorizações de transmissão e distribuição - SCT/ANEEL (2012).
86
indicação da própria Celpe. Fernando, enquanto funcionário da Celpe, supervisionara
a execução de projetos de eletrificação rural executados através da própria
concessionária, favorecendo a criação de contatos dentro da Celpe que indicavam a
ABC Engenharia para a realização dessas obras. Vale destacar a importância que o
networking e a característica pessoal de Fernando em cultivar relacionamento foi
importante para a criação de oportunidades que possibilitaram o surgimento a firma
e, posteriormente, seu desenvolvimento, como ressaltam Ana Maria e Erika,
pertencente à segunda geração da família e atualmente diretora administrativa e
comercial:
Como Fernando havia trabalhado na Celpe, as pessoas conheciam-no e confiavam nele. Quando a firma tinha aproximadamente dois anos de fundada, passaram a convidá-la para participar de licitações para obras de eletrificação rural de localidades, eram obras maiores que as obras de engenho. (Ana)
Ele [Fernando] tinha uma capacidade grande de cultivar relacionamentos. Ele tinha um bom relacionamento e penetração na Celpe e passava uma imagem de confiança. As pessoas gostavam dele e, assim, confiavam na empresa. (Erika)
Ainda durante a execução das primeiras obras de eletrificação rural dos
engenhos da Zona da Mata de Pernambuco, a equipe que compunha a firma em
tempo integral era apenas Ana Maria e Gustavo, além de outros dois colaboradores
que prestavam serviços administrativos sob demanda. As equipes de campo, para
execução das obras, eram formadas sempre que uma obra era contratada, poucos
funcionários eram fixos da firma.
Gustavo supervisionava a execução das obras, enquanto Ana Maria fazia as
atividades de escritório, auxiliada por uma única secretária. Estas atividades incluíam
rotinas de departamento pessoal, tesouraria e ainda levantamentos de quantitativos
de projeto para execução das obras, conforme ela destaca:
As linhas para os engenhos eram particulares. [...] A Celpe tinha um padrão técnico, a topografia passava as informações e tinha que levantar qual a estrutura a ser usada em cada poste. Ele [Fernando] recebia o projeto e eu fazia o levantamento. (Ana)
As condições nos locais de execução das obras favoreciam, em muitos casos,
a contratação de subempreiteiros locais, que tinham suas próprias equipes. Embora
a mão de obra fosse em geral de baixa qualificação, com o passar do tempo e
realização das obras, os melhores profissionais foram sendo contratados pela ABC
Engenharia, que, aos poucos, montava sua própria equipe.
Neste período, devido a restrição de recursos, os equipamentos necessários
eram alugados conforme a necessidade. Já em relação a capital de giro, Ana Maria
87
relata que uma parte do valor dessas obras geralmente era pago a título de
adiantamento, mas normalmente o dinheiro recebido pela execução de uma obra era
usado para a compra de material para a execução da próxima obra. Ela relata ainda
que, quando necessário, recorria-se a empréstimos bancários e destaca:
A maior dificuldade era o capital de giro, pois tinha muito serviço que englobava material e mão de obra. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. (Ana)
A partir de 1976, a ABC Engenharia passou a ser convidada pela Celpe para
participar de licitações para a execução de obras de eletrificação rural de localidades
do interior do estado de Pernambuco. A firma passou então a executar obras para a
concessionária sob a modalidade carta-convite. Segundo relata Ana Maria, esses
convites passaram a ocorrer em parte por meio do relacionamento de Fernando dentro
da Celpe, mas também pelo reconhecimento do trabalho que vinha sendo feito nos
engenhos.
A partir deste momento, a exigência maior do cliente com relação a
apresentação de corpo técnico no quadro funcional da empresa prestadora de serviço
e a execução de obras de maior porte motivaram a decisão da transferência das cotas
de participação societária de Ana Maria para Fernando. Neste período também, Jairo
passou a ser sócio da firma, embora seu relacionamento profissional com a mesma
não tenha sofrido alteração. Posteriormente, uma nova alteração societária foi
realizada, em 1978, quando Gustavo sai da sociedade devido a desentendimentos
entre ele e Fernando.
4.3.2. Infância (1980 a 1989)
Fernando, no entanto, permaneceu em seu cargo à frente da SPIG em
Pernambuco, até 1980, quando a ABC ganhava robustez e começava a provar sua
viabilidade. Neste mesmo ano, ocorreu a construção de sua sede própria, após a
aquisição de terreno na Rua Guaporanga, número 35, onde está localizado o escritório
central da firma até os dias presentes. Ana Maria destaca esta como uma das
primeiras conquistas com a utilização de recursos próprios:
Fernando saiu da SPIG quando percebemos que a firma já conseguia nos manter. [...] Compramos o terreno e construímos a sede com recursos próprios. Era uma casa simples, pequena, com uma área de galpão atrás. (Ana)
88
Ainda no início da década de 1980, a ABC Engenharia passou a funcionar em
um novo ritmo, sobretudo com a diversificação dos serviços prestados, o que
demandou alterações na forma como a firma estava estruturada. Com a saída de
Fernando da SPIG, este pôde dedicar-se de maneira integral às atividades da firma,
consolidando uma estrutura hierárquica em que ele assumiu responsabilidade pelas
partes técnica e comercial da ABC Engenharia. Com uma maior estrutura, Ana Maria
passou a dedicar-se às atividades relacionadas ao financeiro e tesouraria, enquanto
uma equipe de setor pessoal foi criada para tratar questões que diziam respeito à
contratação de funcionários. Ana Maria relata, inclusive, que neste período a firma
experimentou um crescimento no quadro funcional, principalmente devido a formação
de equipes para os novos serviços e obras que passaram a ser executados.
A experiência que Fernando tivera até então contribuiu para que a ABC
Engenharia pudesse participar cada vez mais de licitações em diversos órgãos
públicos, expandindo assim a área de atuação da empresa. Ana Maria relata que eles
perceberam as oportunidades que existiam em outros órgãos e começaram a ganhar
esses outros contratos, para os quais foi necessário montar equipes de acordo com a
especialidade do serviço contratado. Ela relata ainda ser de relativa facilidade a
formação das equipes, embora a mão de obra não fosse de grande qualificação à
época:
As exigências eram menores, não se exigia certificado de cursos de capacitação, como hoje. [...] Os próprios funcionários geralmente indicavam outras pessoas, quando a gente precisava. O relacionamento entre o patrão e o funcionário era mais facilitado, mais saudável, então, muitas vezes, trazíamos parentes e pessoas conhecidas dos funcionários, que vinham do interior. (Ana)
Assim, o esforço comercial da firma foi direcionado à participação de processos
licitatórios em órgãos públicos. Estes eram identificados quer pela leitura de jornais
de grande circulação, quer por relacionamento e contatos nos próprios órgãos. Como
resultado, a firma aumentava o volume de serviços, executando obras elétricas e civis
para clientes públicos, como a Companhia Pernambucana de Saneamento
(Compesa) e Prefeitura da Cidade do Recife (PCR). Além disso, também foram
executadas obras para clientes do setor privado, dentre os quais merece destaque o
Banco Itaú, para o qual a ABC Engenharia executou obras de reforma de agencias e
instalação de caixas eletrônicos em diversas cidades pelo Nordeste.
89
Ainda em relação a este primeiro período de crescimento mais acelerado da
firma, Ana Maria relata duas características de Fernando que se tornaram marcantes
neste período da trajetória da ABC Engenharia.
Primeiro, ela comenta sobre a proximidade que Fernando buscava ter com os
funcionários, apesar da hierarquia que se mantinha. Para ela, a firma conseguia
desenvolver um relacionamento de confiança com seus funcionários, o que teria
ajudado a empresa a consolidar sua imagem de firma séria e honesta perante seus
stakeholders. Ela lembra como o valor que seu marido punha nesta relação com o
pessoal de campo como fato causador de um receio pessoal quanto ao crescimento
da firma, o que dificultaria seu controle e prejudicaria esta relação, segundo sua visão.
Ela relata:
A gente conhecia quase todos eles pelo nome, inclusive eu também conhecia. Ainda hoje conheço alguns que ainda estão lá, que eram daquela época. A gente conhecia todo mundo por nome, encarregado de turma, supervisor, motorista. Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. (Ana)
Segundo, Ana Maria expõe a importância que Fernando dava à reputação da
empresa e ao legado que deixaria para sua família, em especial porque a firma levava
seu sobrenome. Conforme ela narra, muitas vezes isto causava-lhe preocupação
quanto ao futuro, o que gerava certa aversão a risco e receio de investir. Contudo,
Ana Maria tinha a visão de que era preciso continuar investindo para criar condições
para crescer e, enquanto responsável pelas finanças da firma, incentivava Fernando
a fechar novos contratos, ainda que estes demandassem novos investimentos em
equipamento e pessoal, muitas vezes provocando o reinvestimento do fluxo de caixa
gerado pela firma.
Foi sobre este plano de fundo que a ABC Engenharia se desenvolveu ao longo
desta primeira fase. Com o crescimento do número de equipes e volume de serviço,
a firma passou a demandar pessoal de confiança para ajudar na gestão e desenvolver
o negócio. Neste sentido, Ana Maria afirma que ela e Fernando viam com bons olhos
o envolvimento direto de parentes na firma, apesar da experiência não ter sido exitosa
com o irmão de Fernando, nos primeiros anos da empresa. Via-se nos parentes mais
próximos, um pool de pessoas de confiança que estariam dispostas a ajudar e que
viriam aquilo como uma oportunidade de desenvolvimento, como narra Ana Maria.
Éramos uma família muito unida [se refere a seu lado da família] [...] um ajudava muito o outro. Era todo mundo no mesmo nível financeiro, então um ia ajudando o outro quando estava precisando. (Ana)
90
Foi assim que dois de seus irmãos passaram a envolver-se diretamente com a
ABC Engenharia. Embora tenham tomado trajetórias distintas na organização, suas
passagens pela firma tiveram consequências importantes para a forma como esta se
organizou nas próximas décadas.
Por volta do ano de 1987 e por motivos de saúde na família, Ana Maria e
Fernando ausentaram-se do dia a dia da empresa. Inicialmente, o afastamento fora
previsto para um curto período de quinze dias, porém Fernando e Ana Maria ficaram
ausentes da direção da firma por aproximadamente nove meses.
Alguns anos antes, Erwin Luciano, irmão de Ana Maria, iniciara o curso de
graduação em Engenharia Mecânica. Em meados daquela de 1980, ele ingressou na
ABC Engenharia como estagiário, passando a acompanhar os serviços que vinham
sendo prestados pela firma. Com a ausência dos sócios da empresa conforme
mencionado, Erwin Luciano, então recém-formado engenheiro mecânico, precisou
assumir o controle da firma integralmente, sendo responsável tanto pelas atividades
de campo, quanto administrativas, para as quais recebeu apoio de seu pai.
Segundo relato de Ana Maria, este foi um período difícil para a firma, podendo
ser considerado o primeiro momento de crise da empresa. A ausência de dois dos
membros da diretoria, associada aos problemas enfrentados no âmbito da família
impuseram sérias restrições ao momento de expansão pelo qual passara a ABC
Engenharia.
Ana Maria narra que, durante este período, a contratação pelos clientes ocorria
em regime de empreitada por projeto, o que garantia volume de serviços prestados
apenas durante a realização daquela determinada obra. Era necessário, assim,
esforço constante para captação de novas obras, junto aos órgãos contratantes, de
modo a promover a operação da firma. No entanto, como reflexo da situação por que
passava a família, houve retração no volume de novos contratos, uma vez que Erwin
Luciano dedicou-se a executar obras já contratadas.
Dessa forma, Ana Maria conta que seu retorno e o de Fernando a suas
atribuições dentro da firma marcou um recomeço no sentido de captação de novos
contratos. Coube a Erwin Luciano e a Fernando a responsabilidade compartilhada
sobre as operações da firma e o reforço das atividades comerciais, quer de
prospecção de contratos, quer de relacionamento com os clientes, enquanto Ana
Maria retomou sua atribuição na área financeira.
91
Ainda durante esta mesma década, Erika, filha de Ana Maria e Fernando,
iniciara o curso de graduação em Engenharia Elétrica na Universidade Federal de
Pernambuco. Tal escolha ocorrera sob influência de seu pai Fernando, que desejava
passar a firma e seu legado para a segunda geração da família, criando condições
para que ela pudesse seguir seu desenvolvimento. Vale destacar mais uma vez a
visão que Fernando tinha da relação próxima entre a família e a empresa, à medida
que via Erika como sua sucessora e tentava estimular nela o desejo de perpetuar seu
negócio, conforme relatam Ana Maria e Erika:
Ele [Fernando] queria que Erika perpetuasse o nome da firma, que a firma continuasse. (Ana)
[...] Meu pai me estimulou a fazer engenharia elétrica e eu pensei: “Bom, já que ele tem uma empresa de engenharia elétrica, vou fazer”. (Erika)
Erika optou por ingressar na empresa da família em 1988, ano em que a
turbulência provocada pelo distanciamento de Ana Maria e Fernando de seus cargos
começava a ser controlada. Até então, sua trajetória profissional compreendia duas
experiências relativamente curtas de estágio, sendo a primeira, em uma empresa
pública de transporte de passageiros, a segunda, em um escritório de projetos
elétricos. Ambas não atenderam sua expectativa, o que contribui para sua decisão de
assumir um papel dentro da firma.
Ao longo do tempo, a estrutura organizacional da ABC Engenharia passara por
mudanças, o que provocou criação de novos cargos e o crescimento dos setores
administrativos. Houve nesse período inclusive a contratação de uma secretária geral,
que respondia diretamente a Ana Maria, responsável pelas áreas financeira e de
tesouraria.
À época, o acompanhamento das obras e o controle da área de operações
seguia sobre o comando de Erwin Luciano e Fernando, que também exercia o cargo
de presidente. Cada equipe de campo era liderada por um encarregado, que,
juntamente com suas equipes, respondia a dois supervisores, estes com formação
técnica. Os supervisores, por sua vez, respondiam diretamente à diretoria.
Ao ingressar na ABC Engenharia, a intenção de Erika, ainda estudante de
engenharia, era de aproximar-se da área técnica da empresa. No entanto, apesar de
cursar engenharia e ser da segunda geração da família, ela relata ter sentido
resistência por parte dos supervisores à época em lhe conceder autoridade, o que a
fez optar por seguir para a área comercial, envolvendo-se nos processos licitatórios
92
que a empresa participava, desenvolvendo propostas técnicas e comerciais e
efetivamente participando das licitações, que, naquele tempo, ocorriam
presencialmente.
Até então, o responsável pelas atividades ligadas à participação em licitações
e preparação de propostas era Fernando, que contava com o apoio de Erwin Luciano.
À medida que Erika foi assumindo estas atividades e ganhando experiência nos
processos, ela relata que seu pai foi deixando de participar diretamente de tais
atividades. Erika comenta seu interesse pelos processos que passou a participar:
Quando eu participava de licitação, eu gostava, eu tinha adrenalina. [...] Eu gostava principalmente de analisar a parte documental das propostas. Eu sentia que eu conseguia descobrir erros em outras propostas e já sabia o comportamento dos concorrentes. (Erika)
Dessa forma, segundo seu relato, seu trabalho contribuía para a captação de
novas obras e contratos. Ela cita como os principais clientes para os quais a ABC
Engenharia prestou serviço a Celpe, cujos contratos compreendiam obras de
eletrificação rural e iluminação pública, PCR e Compesa, que contratava a firma para
energização de subestações elétricas e instalação de quadros elétricos para operação
de estações de tratamento de água, incluindo o fornecimento dos quadros, conforme
mencionado anteriormente.
Uma vez que os serviços prestados eram muito concentrados em órgãos
públicos, o regime de contratação seguia a legislação vigente à época, que regulava
o procedimento licitatório para a Administração Pública. Deste modo, contratava-se
normalmente por preços unitários, quantitativos referentes a execução de obras
específicas.
Em 1989, Fernando e Ana Maria concordaram em incluir Erwin Luciano na
sociedade, dado seu importante papel na condução do negócio anos antes, durante
a fase em que estiveram ausente, e sua relevância para o modo como a organização
estava estruturada. Assim, neste ano, Jairo sai da sociedade, para a entrada de Erwin
Luciano. A Figura 4-4 representa o envolvimento de familiares na firma, no final da
década de 1980.
93
Figura 4-4 - Envolvimento familiar na organização, final da década de 1980.
O crescimento da organização impôs também a necessidade de ampliação de
seu espaço físico. Segundo conta Ana Maria, a firma adquirira um novo terreno
situado à frente de sua sede, num momento em que a empresa estava com dinheiro
em caixa e tendo em vista necessidade futura de expansão das instalações físicas da
firma. Nesta área, foi construída uma oficina de apoio aos veículos da empresa, além
de servir como local para estacionamento da frota. Além disso, muitos dos
trabalhadores que compunham as equipes de campo eram originários de cidades do
interior do estado, o que implicava a necessidade de áreas de alojamento de pessoal.
Estes trabalhadores eram então alojados em imóveis alugados nas localidades onde
executavam-se as obras.
Também por volta do ano de 1989, Carlos Roberto, irmão de Ana Maria,
trabalhava com seu pai e outros dois de seus irmãos. A Difermaq Máquinas e
Representações era a segunda empresa fundada e dirigida pelo pai de Ana Maria,
que comercializava e distribuía máquinas e ferramentas. Carlos Roberto, formado em
administração de empresas, era responsável pela área de vendas, juntamente com
seu irmão, Fernando Petrúcio, enquanto seu irmão mais velho, Ernst, e seu pai
lidavam com as atividades administrativas da firma.
As vendas desta empresa chegaram a abranger outros estados do Nordeste,
além de Pernambuco, como Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ocorre que, já
por volta deste referido ano, a empresa enfrentava um cenário de competição mais
intensa, sobretudo com a instalação de grandes lojas e redes do mesmo segmento.
Com isso, a empresa entrara num processo de declínio que a conduziria ao fim alguns
anos mais tarde. Neste contexto, Carlos Roberto passou a direcionar suas vendas
para clientes menores, localizados no interior do estado, o que o demandava menos
tempo de sua rotina diária.
94
Fernando tomou, então, a iniciativa de convidar seu cunhado Carlos Roberto
para gerenciar a compra de suprimentos e acompanhar o andamento de algumas
pequenas obras civis e de instalação de caixas eletrônicos que a ABC Engenharia
passara a executar no interior do estado. Fernando, enquanto responsável técnico
pelas obras, prestaria a assistência que fosse necessária para a atividade. Carlos
Roberto seguia desempenhando sua função na empresa de seu pai, mas iniciava,
assim, seu envolvimento com a ABC Engenharia. Esta condição só seria alterada
posteriormente, em 1991, quando Carlos Roberto decidiu deixar a Difermaq e passa
a ser funcionário da ABC Engenharia, assumindo o cargo de gerente administrativo.
4.3.3. Adolescência (1990 a 1999)
O ano de 1990 trouxe consigo marcos importantes na trajetória da ABC
Engenharia enquanto organização. Decisões estratégicas relevantes foram tomadas
e estas teriam grande impacto na forma como a firma estaria estruturada nos próximos
anos, refletindo, em muitas circunstâncias, os acontecimentos no ambiente de
competição e também no plano familiar.
O final da década de oitenta fora importante para a consolidação da posição da
ABC Engenharia perante seu principal cliente, a Celpe. Até então, poucos serviços
eram terceirizados pela concessionária, e as licitações por ela promovidas eram
basicamente referentes a obras de eletrificação rural e iluminação pública, apesar de
alguns outros serviços já serem terceirizados, em especial na área de construção de
redes e linhas elétricas.
A ABC Engenharia vinha aumentando sua participação na Celpe nas frentes
de serviço de eletrificação rural e iluminação pública, à medida que foi participando e
vencendo novos processos licitatórios. Além disso, começava a executar alguns
serviços também nas áreas de manutenção e construção, mas em menor escala. O
número de funcionários voltara a crescer para atender os novos contratos com a
Celpe, chegando em torno de 80 funcionários atuando diretamente nas obras da
concessionária, segundo estima Joaquim. No entanto, a parte mais significativa do
faturamento da firma provinha de obras civis.
Neste contexto, Fernando julgou oportuna a decisão de fundar uma nova firma,
que atuaria no mesmo segmento da ABC Engenharia e teria por objetivo disputar
processos de licitação e executar serviços pelos quais a ABC Engenharia não teria
interesse, quer fossem obras de menor porte, quer fossem tipos de obras diversos,
95
para clientes outros. Portanto, em 1990 nasceu a Livre Serviços Gerais Ltda, cuja
composição societária era dividida entre Ana Maria, detentora de 50% do capital
social, Erwin Luciano e Ana Filizola, sua esposa, que detinham juntos os outros 50%
do capital da empresa.
Por trás desta decisão, três fatores devem ser destacados, sob o ponto de vista
da estratégia de Fernando. Primeiro, seu objetivo era aumentar a participação da
organização familiar na Celpe, que já se apresentava como seu maior cliente no
segmento de obras elétricas. Segundo, ao estabelecer uma nova firma, que passaria
a executar seus próprios contratos, as novas contratações de pessoal seriam feitas
por meio desta nova empresa, não pela ABC Engenharia, evitando o inchaço da
estrutura organizacional desta última. Terceiro, a nova firma serviria o propósito de
apaziguar certos conflitos internos à organização que começavam a existir e os quais
serão detalhados mais à frente.
A Livre funcionaria dentro da própria estrutura da ABC Engenharia, com quem
compartilharia recursos nas áreas administrativas. Apesar de a firma ter seus próprios
contratos e, a princípio, executar suas obras com pessoal e equipamentos próprios,
na prática, havia completo intercâmbio de recursos produtivos, segundo necessidade
de uma ou outra firma, e os resultados apurados a partir dos serviços prestados eram
somados e repartidos entre os sócios de facto do grupo econômico que surgira. Ou
seja, fazia-se um apurado dos contratos das duas empresas e repartiam-se os
resultados entre Fernando, Ana Maria e Erwin Luciano.
Ao retirar-se da sociedade que compunha a ABC Engenharia, intensificou-se
em Erwin Luciano um sentimento de que ele vinha perdendo força perante a
organização. Na verdade, foi-se intensificando um conflito que havia começado
quando Erika, único membro da segunda geração da família a exercer algum tipo de
envolvimento na empresa, assumiu a área de licitações da ABC Engenharia.
Em meio a este contexto, no plano familiar, Erika havia casado alguns anos
antes e seu marido, Joaquim, residia em Salvador, onde atuava como engenheiro
mecânico, em uma indústria do setor petroquímico. Fernando temia que sua filha, em
sua primeira gravidez, mudasse para Salvador, afastando-se da firma e,
possivelmente, prejudicando seu convívio familiar. Então, após o nascimento de seu
primeiro neto, Fernando convidou Joaquim para trabalhar na ABC Engenharia. Esta
decisão ampliaria o número de familiares envolvidos diretamente na organização,
conforme consta na Figura 4-5.
96
Figura 4-5 - Envolvimento familiar na organização, início década de 1990.
De acordo com o relatado por Joaquim, ele buscava uma oportunidade
profissional para Recife por motivos pessoais e familiares. Além de sua esposa estar
grávida, sua cunhada passava por uma situação de saúde muito instável, que
demandava a presença de Erika no ambiente familiar. Diante desta situação, Joaquim
comenta ter sido a partir do final de 1989 o início de seu retorno, em especial após
uma temporada de férias em que ele desempenhou algumas pequenas tarefas na
ABC Engenharia, o que reforçou o interesse de Fernando em trazê-lo para a
organização.
Joaquim, que tinha um perfil compatível com a área técnica e de operações,
ingressou na firma em outubro de 1990, quando foi chamado pelo sogro para executar
uma obra de montagem eletromecânica de uma subestação elétrica para a Saelpa,
concessionária de distribuição de energia elétrica da Paraíba. Concluído este primeiro
desafio, outras obras seriam passadas para sua responsabilidade entre os anos de
1991 e 1992. Neste período, a ABC Engenharia foi contratada para executar obras
em regiões geográficas distantes de sua base e que representavam um volume
financeiro representativo. Joaquim assumiu, então, as obras de construção de
matadouro público em Araripina/PE e de um complexo esportivo em Petrolina/PE,
ambas no sertão do estado.
Quando de sua admissão, Joaquim conta que houve uma redução de seu
salário em comparação à remuneração de seu antigo emprego. Por isso, ele relata
que Fernando passou a incentivá-lo a assumir alguns dos contratos fechados pela
Livre ou pela ABC Engenharia no seguinte sistema: ele adquiriria os veículos para
execução dos serviços e faria a gestão das equipes, enquanto a firma forneceria a
mão de obra. Em contrapartida, dos recebimentos provenientes dos serviços
executados, um valor relativo aos custos incorridos pela firma seria deduzido, cabendo
a Joaquim e Erika o resultado apurado. Esta era uma forma que Fernando enxergava
de estimular o desenvolvimento profissional de sua filha e seu genro a partir da
97
construção de seus acervos técnicos, ao mesmo tempo em que oferecia uma
oportunidade de complementar sua renda.
Erika conta que, na época, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do
Recife (Emlurb) realizava muitas licitações para obras de iluminação pública, dentre
as quais alguns contratos surgiram para ser executados por Erika e Joaquim. Um
desses contratos assumidos por eles, conforme relata Erika, envolveu também a
participação de Albérico, sobrinho de Ana Maria que deixou a organização para
trabalhar na empresa de seus pais.
Fechamos um contrato de iluminação pública na Emlurb e Albérico também trabalhou neste contrato. Eu e Joaquim assinamos o contrato, mas Albérico também tinha uma participação. (Erika)
Em relação a este primeiro contrato de iluminação pública aludido por Erika, há
Joaquim comenta que envolveu, no princípio, três caminhonetes. As primeira e
segunda foram adquiridas por recursos próprios que Joaquim poupara ao longo de
sua trajetória profissional até aquele momento, enquanto a terceira fora comprada
após sua saída do antigo emprego, com o dinheiro de sua indenização. Joaquim
comenta, inclusive, que este foi um contrato de certa representatividade para a
organização em termos de efetivo de mão de obra, uma vez que, naquele momento,
as equipes alocadas aos contratos de obras elétricas pela ABC Engenharia utilizavam
uma frota de cerca de seis caminhonetes e três caminhões.
Em paralelo, a reputação da ABC Engenharia e o relacionamento que
Fernando mantinha com integrantes da Celpe seguia promovendo oportunidades de
expandir a atuação da firma perante o cliente. Foi neste contexto que a firma foi
convidada pela concessionária para participar de um projeto piloto de terceirização do
serviço de corte e religação de consumidores, a partir de 1991. Este projeto serviria
para testar um novo modelo de terceirização da execução de tal serviço, antes
realizado através de equipes próprias da Celpe, e começaria abrangendo a Região
Metropolitana de Recife. Ana Maria e Erika destacam este episódio como um marco
importante para a firma consolidar-se como player de relevância na competição pelos
contratos de prestação de serviços para a Celpe.
Ana Maria relata ainda que nesta época a firma passaria da marca de 100
funcionários e que executar esse contrato demandou investimentos também para a
ampliação da frota. Segundo conta, inicialmente, a demanda era de três veículos
alocados a este serviço, dentre os quais dois seriam próprios e um alugado. No
98
entanto, em pouco tempo a demanda da concessionária saltou para algo em torno de
vinte veículos destinados à prestação de tal serviço.
Erika expõe que a contratação deste serviço ocorria em regime de
disponibilidade, ou seja, o cliente contratava um quantitativo determinado de
equipe/dia, a um preço unitário correspondente a uma unidade de prestação de
serviço (UPS). Era assegurado em contrato uma remuneração mínima diária por
equipe à disposição. Durante o período em que a Celpe era controlada pelo governo
estadual, esta forma de contratação de serviço era muito frequente.
Devido à dinâmica da operação desta modalidade de serviço e do crescimento
da demanda por parte do cliente, havia a necessidade de um gestor dedicado a
acompanhar e monitorar o desempenho do contrato, liderando um supervisor de nível
técnico, que coordenava as equipes de campo. Conforme pode ser constatado em
contratos da época, uma equipe seria composta por dois profissionais devidamente
capacitados e equipados, que seguiriam uma programação de execução de corte e
religação de consumidores seguindo priorização sequência de atuação e
procedimentos da própria Celpe. Dado que tal serviço abrangia distâncias geográficas
razoáveis, com um número considerável de equipes e veículos envolvidos, fazia-se
necessário também um controle cauteloso da utilização da frota de veículos alocadas
a este contrato, com impacto direto sobre a rentabilidade dos serviços. Coube, então,
a Carlos Roberto, irmão de Ana Maria, o papel de gestor dos contratos de corte e
religação. Ele fora contratado como gerente responsável pelo gerenciamento da frota
da firma.
O bom desempenho obtido pela ABC Engenharia durante o início deste serviço
garantiu à organização continuidade na prestação desta modalidade de serviço à
concessionária por vinte anos. Ademais, este serviço era visto pelo próprio cliente
como problemático, uma vez que gerava contato com o consumidor que iria ter seu
fornecimento de energia contato, ou aquele consumidor que aguardava a
reestabelecimento de seu abastecimento.
Joaquim concorda com Erika e Ana quanto aos primeiros anos da década de
1990 representarem um marco para a relevância da organização perante a Celpe.
Após a conclusão das obras civis do interior do estado, Joaquim assumiu a supervisão
das equipes de construção e manutenção de redes, linhas e subestações elétricas
atuantes nas obras da Celpe. Segundo opina, sua nova atribuição, juntamente com o
papel assumido por Carlos Roberto no contrato de corte e religação, colocava a
99
organização numa posição mais estruturada. Para ele, isto contribuiu para a adoção
de uma postura comercial mais agressiva por parte de Fernando e Erwin Luciano no
tocante à aquisição de novos contratos com a Celpe.
Este reforço interno foi combinado com um momento em que a Celpe utilizava-
se de dispositivos legais para contratações com dispensa de licitação, dada a
essencialidade de seus serviços.
Apesar desse momento de expansão do faturamento da Livre e da ABC
Engenharia, conforme expõe Erika, o espaço aberto para que ela e Joaquim
realizassem sua empreitada potencializou o conflito que surgira com Erwin Luciano.
Como não havia uma estrutura de governança definida que garantisse a transparência
e o direito de cada um dos membros da família nos contratos executados pelas duas
empresas, Erwin Luciano percebia aquilo como prejudicial a seus interesses.
Consequência disto foi o acirramento do conflito com Erwin Luciano. O
resultado foi um início de 1994 em que se vivia, segundo relata Ana Maria, uma guerra
de poder interna à organização. Joaquim comenta que isto ocorria após um período
em que Erwin Luciano se afastara da empresa, por problemas de saúde. Ele comenta
ainda que, ao tentar reestabelecer sua rotina de trabalho, Erwin Luciano adotou uma
postura de desconfiança. Segundo conta, o clima foi deteriorando à medida que ele
verificava pessoalmente toda a movimentação de caixa realizada dia a dia, opondo-
se e questionando frequentemente certas transações.
Aparentemente, neste período, o clima conflituoso que se instalara impôs
entraves ao crescimento, fato que se observa na curva longitudinal de poder
econômico da organização. Há de se destacar, contudo, que nesta ocasião há
faturamento não contabilizado devido à indisponibilidade de dados relativos aos
serviços prestados pela Livre.
Naquele momento, segundo relata Joaquim, sob sua gestão e de Erika, a Livre
desenvolvia trabalhos na área de projeto e construção de linhas de transmissão
urbanas e rurais. Além disso, conforme relato dos diretores da empresa, dado o êxito
da ABC Engenharia no projeto piloto de corte e religação, a Celpe começara a
contratar outras empresas para a execução desses serviços, em outras áreas. A Livre
fora uma destas firmas, assumindo este serviço em parte da Região Metropolitana de
Recife.
Em razão da nova configuração da prestação de serviços pelas duas empresas
e da responsabilidade que Joaquim assumira na execução dos contratos da empresa
100
Livre, Ana havia transferido suas cotas de participação na firma para Joaquim alguns
anos antes. Erwin Luciano e Ana Filizola permaneciam com a metade das cotas de
sociedade da firma.
A situação de conflito potencializada pela atitude de desconfiança e
questionamento de Erwin Luciano evoluiu para a ruptura da sociedade, ocorrida ainda
no ano de 1994. Com isso, teve início um tumultuado processo de cisão das duas
empresas, com impactos não apenas no funcionamento da organização, mas também
do relacionamento entre os envolvidos, no plano familiar. Sobre isto, Joaquim
comenta:
Ele [Erwin Luciano] prevaleceu-se da cláusula do contrato social que permitia alterações serem implementadas por dois dos seus sócios. Não chegou a haver litígio, mas foi preciso instituir dois advogados como representantes das partes. Não havia uma forma de resolver a situação através do diálogo. Ainda assim, Dr. Fernando abriu mão de muita coisa [...] (Joaquim)
Em referência à postura adotada pelo presidente da empresa, Joaquim destaca
pesar a cisão envolver familiares, o que possivelmente teria levado Fernando a fechar
um acordo com prejuízos para a ABC Engenharia, mesmo diante da indignação
manifestada por Erika e Joaquim. Assim, conforme relato dos envolvidos, Erwin
Luciano levava a Livre Serviços Gerais e, com ela, todos os contratos em andamento,
funcionários e equipamentos, o que o permitiu seguir desenvolvendo esta firma, que
passaria a se chamar Vencer Engenharia e Serviços Ltda.
A partir daí, na posição de concorrente da ABC Engenharia, Erwin Luciano
passou a disputar diretamente os processos licitatórios nos quais a ABC Engenharia
participava. A Celpe, inclusive, passou a ser seu cliente alvo, fato que garantiria a sua
empresa novos contratos no desenvolver da década.
Diante do ocorrido, a ABC Engenharia passava por um segundo momento de
grande turbulência, o que provocou alterações em sua estrutura organizacional. Esta
foi adotando a forma que funcionaria até o início dos anos 2000, quando novos
acontecimentos provocariam a necessidade de ajustes estruturais. Assim, o nível mais
alto da organização era composto por seu presidente e fundador Fernando, uma
diretoria integralmente composta por membros da família – Ana Maria seria diretora
financeira, Erika assumira a diretoria administrativa e comercial e Joaquim tornara-se
responsável pelas áreas técnica e de operações. Compunha ainda o nível gerencial
da empresa um gerente administrativo, Carlos Roberto, que acumulava também a
função de gestor do contrato de corte e religação com a Celpe, uma secretária geral
101
e um gerente de departamento pessoal e financeiro, que respondia diretamente a Ana
Maria. Abaixo destes, estavam as equipes técnicas e administrativas de cada um dos
setores coordenados pela direção.
Merece destaque, entretanto, a estrutura operacional sobre a qual a firma
funcionava. Esta era dividida por contrato, que variava segundo a modalidade de
serviço executada e a região de atuação, além de uma equipe de saúde e segurança
no trabalho, responsável por apoiar todos os contratos. A equipe de cada contrato era
composta por supervisor e equipes de mão de obra direta, incluindo os encarregados
de turma.
Entretanto, a ABC Engenharia perdera sua empresa coligada que, ao exercer
papel de concorrente, permitia a execução de uma estratégia de diversificação das
operações da organização, seja em função das modalidades de serviços prestados,
seja no porte das obras executadas. Fernando acreditava haver espaço para crescer
e achava que a criação de uma terceira empresa seria um caminho para isso. Deste
modo, em 1994 surgiu a FF Engenharia e Serviços Ltda.
Analogamente ao que ocorrera quando da criação da Livre alguns anos antes,
a decisão de estabelecer a FF Engenharia também atendia a objetivos outros além da
diversificação dos serviços e ampliação da participação do grupo econômico dentro
da Celpe. Fernando via também na criação da FF Engenharia uma forma de
proporcionar novas oportunidades a Erika e Joaquim, que poderiam seguir
prospectando e executando contratos independente da ABC Engenharia. Agora, mais
do que por questão de portfolio técnico, Fernando via a oportunidade de construção
do patrimônio familiar do casal, que deteria 50% da composição societária da nova
firma, juntamente com Ana Maria, detentora dos demais 50%.
Ocorre que, apesar do início dos anos noventa ter sido marcado por
dificuldades no plano macroeconômico brasileiro e de deterioração do modelo
adotado para concessionárias públicas no país, do ponto de vista do prestador de
serviço, a Celpe oferecia oportunidades de crescimento. Por outro lado, conforme
conta Erika, o relacionamento comercial que a ABC Engenharia construíra ao longo
dos anos e a reputação de seus serviços abriam portas e propiciavam o
desenvolvimento de relação de parceria entre a prestadora de serviço e o cliente.
Sob a gestão de Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, houve um
fato relevante para a trajetória da ABC Engenharia e sua participação na Celpe.
Durante este período, foi lançado e implementado o projeto “Luz que Produz”,
102
programa de eletrificação rural de localidades que serviria de base para o programa
federal “Luz para Todos”. O projeto possuía metas ousadas para eletrificação de
comunidades rurais no estado de Pernambuco e representou volume significativo de
novas obras. Ao longo da duração do programa, a ABC Engenharia executou um
grande número de obras de eletrificação rural, em todas as regiões do estado.
Além disso, Erika conta também que, apesar de ser um órgão público vinculado
ao estado de Pernambuco, a Celpe era em geral adimplente com suas obrigações
relativas aos prestadores de serviço, e não eram comuns atrasos no recebimento
pelos serviços executados, situação diferente que a vivenciada em outros órgãos e
autarquias públicas. Este fato condiz com a informação exposta por Ferreira (2000),
que apresenta uma razão dívida/ativo da Celpe de 3,50%, em 1995, índice
consideravelmente inferior à média do setor elétrico de 13,98%, ambos valores em
dólares. Apesar disso, ela recorda que os programas e planos variavam muito em
função das diferentes gestões no nível político e a alternância de poder e politicagem
existente, inclusive, impunha dificuldades à gestão dos contratos:
Eu lembro de um período difícil que passamos durante o governo de Miguel Arraes [o último governo Miguel Arraes compreende o período de 1994 a 1998]. Houve períodos em que a Celpe retinha o faturamento e, para pagar às prestadoras de serviços, aplicavam deságio, mas foi algo pontual. (Erika)
Diante de um cenário em que seu principal cliente passava a adotar um modelo
operacional sustentado pela contratação de terceirizados e ampliava os projetos de
eletrificação rural a serem executados, a partir de 1994 a organização como um todo
passou a concentrar seus esforços comerciais nos processos licitatórios ocorridos
dentro da Celpe. Assim, foram surgindo contratos para execução de obras específicas
da Celpe, com destaque para as de eletrificação rural, e também para a prestação de
serviços de construção e manutenção de redes de distribuição e linhas de
transmissão, manutenção de iluminação pública, manejo de vegetação e podação. A
Figura 4-6 apresenta a cronologia dos os principais contratos da organização para o
período entre os anos 1995 e 2000.
103
Figura 4-6 - Cronologia dos principais contratos, período de 1995 a 2000.
Erika expõe que, dada a vigência da chamada Lei de Licitações (no 8.666/93),
enquanto empresa estatal, a contratação para a execução de obras pela Celpe ocorria
majoritariamente via processos licitatórios, que, em sua maioria, aconteciam na
modalidade de concorrência presencial. Já os contratos de prestação de serviços,
sobretudo até o início do governo de Miguel Arraes, em 1995, costumavam ocorrer
em regime emergencial, com dispensa de licitação. Para isso, a Celpe utilizava-se de
artifício legal que viabilizava a contratação em razão da essencialidade de seus
serviços.
Neste sentido, Joaquim comenta ser à época o maior volume de faturamento
relativo a Celpe proveniente dos contratos para execução de obras. Estas obras eram,
em sua maioria, realizadas no interior do estado e, no contexto da concessionária
estatal sob controle do governo estadual, frequentemente utilizadas como instrumento
político. O resultado disto era a forte dependência da liberação das obras em relação
ao cenário político, que muitas vezes travava ou liberava recursos em função de
alinhamento político com o governo federal, proximidade de processos eleitorais,
dentre outros fatores.
Ainda segundo Erika relata, as contratações eram feitas por preço unitário e
ocorriam segundo prazo e necessidade da contratante, sendo muitas vezes realizadas
contratações de determinados quantitativos de serviços que geravam um saldo a ser
consumido durante o período de vigência do contrato. Esta prática, em muitos casos,
levava a necessidade de celebração de termos aditivos, sendo muitos deles
retroativos, com objetivo de acrescentar quantitativos e/ou reajustar preços, ou
104
prorrogar prazos. Também em função do mecanismo de contratação com dispensa
de licitação, eram contratos com volume financeiro limitado e prazos curtos de
vigência, o que justificava a menor relevância destes contratos naquele momento
aludido por Joaquim.
Outro fato que merece destaque relativo às contratações para prestação de
serviço é que os contratos abrangiam áreas geográficas determinadas, organizadas
de acordo com a lógica das operações da concessionária, o Estado de Pernambuco.
Estas área administrativo-operacionais eram chamadas distritos regionais. Erika
comenta que, com o passar dos anos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia foram
concentrando sua atuação nos chamados distritos Metropolitano Sul e Cabo,
abrangendo áreas ao sul da Região Metropolitana de Recife, Litoral e Zona da Mata.
Em períodos alternados, ambas as firmas chegaram a atuar em regiões geográficas
outras; foi o caso, por exemplo, do contrato de podação executado pela FF
Engenharia na região de Garanhuns, Agreste do estado, em 1999, ou ainda das obras
de eletrificação rural, concentradas no interior de Pernambuco, à época.
Segundo comenta Erika, a concentração das operações das duas firmas nos
distritos regionais mencionados era vista com bons olhos pelo presidente da
organização. Fernando acreditava que esta área de atuação, além de maior
visibilidade das duas empresas perante o cliente e a sociedade, oferecia oportunidade
de desenvolvimento futuro, uma vez que o distrito Cabo envolvia uma área com
razoável quantidade de indústrias instaladas e com alto potencial de atração de novos
investimentos, uma vez que ali estava localizado o Complexo Portuário e Industrial de
Suape. Via-se, então, naquela área um pool de potenciais clientes para os quais as
duas empresas poderiam prestar serviços e executar obras elétricas.
Por razão do aumento das operações e das oportunidades visualizadas,
decidiu-se estabelecer um escritório na cidade do Cabo de Santo Agostinho.
Inicialmente, este escritório foi instalado em um imóvel alugado, próximo à sede do
Distrito Regional Cabo. No entanto, pouco tempo depois, o imóvel não mais oferecia
condições de acomodar a estrutura que as operações demandavam. A organização
decide, então, transferir sua base operacional para um outro galpão alugado, que
oferecia maior estrutura física. Ademais, para atender à demanda de serviços, a ABC
Engenharia e a FF Engenharia expandiam seu quadro funcional e investiam na
compra de novos equipamentos próprios. Uma nova transferência ocorreria em 2010,
com a finalização da construção de galpão próprio cujas instalações abrigam o
105
pessoal de supervisão e coordenação das equipes de campo, além da utilização de
áreas para armazenamento de material frota.
O processo de concentração da área de atuação nos distritos mencionados
teve início em 1995, quando são assinados os contratos para prestação de serviços
de corte e religação de unidades consumidoras em baixa tensão. Neste momento,
enquanto a FF Engenharia atendia a demanda pelo serviço no distrito Metropolitano
Sul, a ABC Engenharia fora contratada para a prestação destes serviços no distrito
Cabo. Na verdade, conforme mencionado anteriormente, a ABC Engenharia fora
pioneira na terceirização desta modalidade de serviço pela concessionária, mas os
novos contratos foram importantes para a consolidação da posição competitiva da
organização e ficaram vigentes de 1995 até 2000, período imediatamente anterior à
privatização da concessionária.
Foi também durante este período que a organização ampliou sua participação
na concessionária diversificando o portfolio de serviços prestados. Os principais
contratos vigentes neste período podem ser constatados no Quadro 4-4. Estes foram
demandando novas contratações, elevando gradativamente o quantitativo de pessoal
empregado nas duas empresas (vide Gráfico 4-5).
Os anos de 1996 e 1997 trouxeram novos contratos para a ABC Engenharia.
A firma executou obras para a Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos e
Compesa. O contrato com os Correios englobava a manutenção de subestações em
periodicidade contínua e trimestral. À Compesa, a empresa prestou serviços de
manutenção de poços da companhia.
Quadro 4-4 - Principais contratos com a Celpe no período de 1995 a 2000.
106
Gráfico 4-5 - Quantitativo de funcionários, período de 1995 a 1997.
Joaquim relata também neste período a alocação de equipes de prontidão para
atendimento da Região Metropolitana de Natal (RN), através de contrato firmado com
a Cosern, concessionária local, pouco tempo antes de sua privatização, ocorrida em
1997. Conforme conta, o contrato foi perdido quando um novo processo licitatório foi
realizado, para o qual um prestador de serviço local apresentou proposta com preço
inferior.
Ainda na segunda metade da década de 1990, o país promovia um processo
de enxugamento da máquina estatal através da privatização das empresas
concessionárias de serviços públicos. No contexto das telecomunicações ocorriam
transformações análogas às que se implementavam no setor elétrico, alterando o
modelo institucional centralizado que, até então, funcionava através da holding
Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), companhia de capital misto que
controlava as operadoras de telefonia de cada estado, através da gestão da
participação acionária do governo federal.
A privatização do sistema Telebrás e das empresas que o compunham este
ocorreu em 1998, sendo as operadoras estatais divididas entre suas operações de
telefonia fixa e móvel. As operadoras foram agrupadas em lotes e vendidas em leilão
internacional. Esta foi uma decisão do governo federal, que acreditava que as
operadoras de telefonia deveriam ter abrangência regional.
Especificamente as áreas de cobertura dos serviços de telefonia móvel foram
divididas em dez lotes de concessão a serem leiloados. A Telpe Celular, operadora
com cobertura em Pernambuco, integrou o lote 5, a Tele Nordeste Celular, que foi
107
vendida para o consórcio liderado pela Telecom Itália (Tim). Este sistema, passaria a
ser chamado banda A.
Em 1997, o governo federal promoveu uma sequência de licitações públicas
para novas concessões do que seria chamado de banda B, loteadas segundo a
divisão determinada para a privatização do sistema Telebrás. O objetivo era, através
do incentivo à competição, criar as condições necessárias para atingir a meta de
ampliação e universalização dos serviços de telecomunicação no país. A
concessionária vencedora do lote 10 da banda B foi a BCP Telecomunicações S.A.
Com isso, este período de reforço dos investimentos em telecomunicações
abriu a oportunidade de intensificar a atuação da organização na prestação de
serviços neste segmento da engenharia. Na verdade, as primeiras iniciativas de
diversificação do portfolio de serviços prestados na direção das telecomunicações
teviram início entre os anos de 1994 e 1995, a partir de serviços executados para a
Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). Posteriormente, através da FF
Engenharia, a organização começava a executar serviços no segmento de telefonia
móvel, sobretudo dentro dos projetos de investimento das novas concessionárias a
quem eram impostas grandes obrigações de investimento em infraestrutura, segundo
previsto nos contratos de concessão.
A oportunidade surgira através do relacionamento que a família possuía com o
engenheiro eletrônico Luís Cláudio, que mantinha boa rede de contatos entre tais
empresas e constituiu importante parceiro para a iniciativa relatada. A proposta era a
de que uma espécie de consórcio seria formada, de modo que Luís Cláudio, detentor
dos conhecimento e habilitação técnicos na área, seria responsável por coordenar e
monitorar a execução dos serviços, enquanto a FF Engenharia seria provedora da
mão de obra e responsável pela gestão dos contratos.
Assim, a FF Engenharia iniciou os serviços de instalação e testes de
equipamentos de estação rádio base e rádio digital SMF. Os primeiros serviços foram
prestados em regime de subcontratação através das empresas Ericsson
Telecomunicações S.A. e Alcatel Telecomunicações S.A. Estas empresas eram
fornecedoras de equipamentos de telecomunicação das operadoras de telefonia
móvel Tim e BCP – que se transformaria em Claro – com quem seus contratos de
fornecimento de equipamentos incluíam sua instalação e testes, estes
subcontratados. Joaquim comenta, inclusive, a relativa facilidade de captação destes
serviços, uma vez que eram atividades pouco atraentes para as grandes empresas
108
atuantes no segmento, enquanto representavam uma interessante forma de
diversificação de serviços para a FF Engenharia.
Em paralelo com a execução dos serviços, Erika relata que foram surgindo
conflitos com Luís Cláudio. Segundo conta, apesar de o acordo ter sido feito nos
moldes de um consórcio, Luís Cláudio não possuía firma, fato que colocava a FF
Engenharia como única contratada. Assim sendo, cabia à empresa não só o
recebimento dos valores contratados, mas também todos os pagamentos das
obrigações devidas. Por isso, na visão da firma, devia-se deduzir dos valores
recebidos o passivo referente aos serviços para então ocorrer a divisão dos resultados
entre a FF Engenharia e Luís Cláudio, após o efetivo recebimento dos valores
faturados para os clientes. Tal desentendimento provocou, então, a ruptura do acordo,
cabendo a partir daí à FF Engenharia também a supervisão técnica dos serviços
prestados. A partir da a saída de Luís Cláudio do acordo, Joaquim considera de
significativa relevância sua participação em congressos e feiras do setor de
telecomunicações para construção do networking que garantiu a FF Engenharia
novas contratações.
Conforme comenta Erika, os serviços prestados para estes dois clientes,
embora ocorressem em subcontratação, trouxeram alta rentabilidade para a empresa
durante o período em que foram executados, o que durou aproximadamente quatro
anos. Ela comenta ainda que, à medida que executavam os serviços, foram surgindo
oportunidades de contratação direta por ambas as operadoras.
Para atender à demanda dos contratos na área de telecomunicações, a FF
Engenharia precisou agregar a sua estrutura uma área operacional, que contava com
um supervisor dedicado a estes contratos. Dada a natureza dos serviços executados,
as equipes atuantes neste segmento não exigiam grande número de funcionários, o
que contribuía para a rentabilizar destas atividades. Durante este período de
prestação de serviços em telecomunicações, a firma chegou a ter em torno de vinte
funcionários alocados a esta área, que executaram serviços não apenas em
Pernambuco, mas também nos estados de Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Bahia. Dentre estes estados, Joaquim destaca como muito exitosa a
contribuição da firma para o processo de implementação do sistema BCP – atual Claro
– no estado da Bahia.
Porém, a prestação de serviços na área de telecomunicações foi perdendo
atratividade à medida em que as operadoras contratantes passaram a impor novas
109
condições comerciais que ampliariam a necessidade de capital de giro destes
contratos. Posto que os serviços executados pela FF Engenharia, ainda que através
de contratação direta pelas operadoras, compunham projetos maiores, que
englobavam contratos com outras empresas, tais contratos perdiam atratividade ao
condicionar parcela significativa do pagamento pelos serviços executados à
conclusão do projeto global. Assim, Erika relata que estes passaram a ser
desinteressantes para a empresa.
É interessante notar o crescimento do faturamento das empresas a partir de
1995, o que reflete os novos contratos de prestação de serviços que foram fechados
no período. Em particular, chama atenção o crescimento da FF Engenharia frente à
ABC Engenharia, o que pode ser atribuído às obras realizadas para o setor de
telecomunicações, em especial a partir do ano 1997.
As oportunidades continuavam a surgir no fim da década de noventa. As
distribuidoras de energia do estado de São Paulo estavam entre as pioneiras no
processo de privatização do setor. Sob o novo controle privado, estas companhias
estavam obrigadas a investir em infraestrutura e expansão de rede, em atendimento
às condições pactuadas no contrato de concessão. Além disso, durante o fim da
década de 1990, o Brasil voltava a apresentar melhores condições de crescimento
econômico. Este cenário, para as empresas prestadoras de serviço no setor elétrico,
significava oportunidade de alto volume de obras e serviços a serem executados.
Fernando acreditava haver uma boa oportunidade para a organização
ingressar no mercado de prestação de serviços e terceirização no interior dos estados
de São Paulo e Paraná, respectivamente nas áreas de atendimento das
concessionárias Bandeirante e Copel. Segundo Joaquim comenta, Fernando percebia
naquela área grande potencial de crescimento, com a existência de um parque
industrial avançado em relação à realidade de Pernambuco à época, o que abriria
oportunidades de terceirização e prestação de serviços em engenharia. Erika conta
ainda que Fernando passou a almejar contratos com as concessionárias da região,
cujas condições contratuais em muito diferiam do que se vivia nos contratos com a
Celpe ainda estatal. Além disso, conforme explica, Fernando via nessas
concessionárias oportunidades de contato com novas tecnologias e níveis de
qualificação mais elevados.
Ele via oportunidade de trabalhar com linha energizada. Na verdade, era um sonho pra ele trabalhar com linha energizada, ele achava que poucas empresas tinham condições técnicas de executar serviços em rede energizada. (Erika)
110
Impulsionado por este desejo e julgando o ingresso no mercado do interior
paulista como uma oportunidade importante para o crescimento da organização, a
ABC Engenharia chegou a realizar duas tentativas de inserção na região. A firma
chegou inclusive a participar de processo licitatório na concessionária Bandeirante.
No entanto, o processo foi posteriormente cancelado e a organização nunca obteve
êxito em suas tentativas de ingresso naquele mercado.
4.3.4. Maturidade (2000 a 2015)
O ano 2000 inaugurou uma nova fase na trajetória de crescimento da
organização. Sob a ótica do relacionamento comercial com a Celpe, as duas firmas
chegaram a um ponto de relevante participação nos serviços terceirizados pela
concessionária. Além disso, os contratos de prestação de serviços firmados no
período anterior, alguns deles ainda vigentes, representavam naquele momento
parcela significativa das receitas da organização. Por consequência, observa-se que
o crescimento da ABC Engenharia e FF Engenharia passou a depender fortemente
da demanda apresentada pelo contratante, que, em determinados momentos, seria
seu único cliente em atividade. A Figura 4-7 resume cronologicamente os principais
contratos do período em destaque.
No plano do ambiente, sob o mandato do governador Jarbas Vasconcellos, o
governo estadual inicia o processo de privatização da concessionária estadual de
eletricidade, cujo resultado seria a venda da companhia em 17 de Fevereiro de 2000,
por meio de leilão público, realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
O contrato de concessão foi assinado em Março do mesmo ano. Com a
privatização da Celpe e transferência de controle para o Grupo Iberdrola, que
aconteceria nos meses seguintes, não representou quebra dos contratos com as
empresas prestadoras de serviço. Ao contrário, o posicionamento adotado pela nova
gestão foi o de prorrogar os contratos vigentes por um período de quatro meses e
renegociar preços contratados. Os termos aditivos celebrados revisaram, assim, as
condições contratadas e, na prática, impuseram redução dos preços dos serviços, até
que fosse iniciado um novo processo de contratação, seguindo os novos
procedimentos da companhia.
111
Figura 4-7 - Cronologia dos principais contratos, período de 2000 a 2016.
112
Erika relata que, sob a nova gestão, a Celpe implementou uma política de
redução do número de empresas prestadoras de serviço. Ela comenta que, ainda
enquanto empresa estatal, o próprio processo de contratação de serviços regido pela
Lei de Licitações dificultava o controle da concessionária sobre suas empresas
fornecedoras. Isto ocorria devido ao fato de as contratações serem realizadas por
concorrência pública, em que participavam empresas qualificadas pelos critérios do
edital, sendo vencedora a proposta com menor preço.
A decisão pela redução das empresas terceirizadas foi operacionalizada
mediante novo modelo de contratação, implementado a partir do segundo semestre
daquele mesmo ano. Para tal, as empresas prestadoras de serviço foram avaliadas e
selecionadas de acordo com sua performance e região de atuação. Criou-se, então,
a categoria de empresa âncora, que passariam a ter papel estratégico no
relacionamento da Celpe com seus fornecedores.
As chamadas empresas âncoras eram inicialmente doze prestadoras de
serviço, dentre as quais a ABC Engenharia e FF Engenharia, que seriam contratadas
para a execução dos serviços comerciais e técnicos. Em resumo, cada uma das
empresas seria alocada a um distrito regional da companhia, onde a ela caberia a
execução de todos os serviços terceirizados pela Celpe. Tal medida alinhava-se à
reestruturação da lógica operacional da empresa que se desenhava naquele
momento e tinha por objetivo desenvolver um modelo de gestão mais eficiente da
cadeia de suprimentos da concessionária.
Não só a seleção das empresas prestadoras de serviço sofreu adequações à
lógica de busca por eficiência operacional e orientação a mercado. Também o regime
de contratação dos serviços sofreu modificações.
Durante o período estatal, conforme exposto anteriormente, a maior parte das
contratações ocorriam em regime de trabalho em disponibilidade, sendo, em geral,
contratados quantitativos referentes a unidades de prestação de serviço (UPS), em
outras palavras, quantidades de equipes disponíveis por dia. Segundo a visão da nova
gestão, esta forma de contratação onerava a concessionária, uma vez que garantia
uma remuneração mínima diária para as equipes da contratada, independente da
demanda para realização dos serviços. Assim, optou-se por celebrar os novos
contratos em regime de produtividade, segundo o qual eram definidos os preços
unitários para cada atividade, sobre o qual um fator multiplicador K de produtividade
incidiria, a depender do tipo de serviço executado. Desta forma, a contratante não
113
mais garantiria remuneração mínima por contrato e o faturamento da prestadora de
serviços passaria a depender apenas dos serviços efetivamente executados e
devidamente medidos, conforme condição contratual.
Neste contexto, a partir do ano 2000, a ABC Engenharia passa a ser
considerada empresa âncora da região sob atendimento das unidades operacionais
da Celpe no distrito Cabo. A FF Engenharia assumiu, por sua vez, assumiu a área do
distrito Metropolitano Sul. O resultado disto foi a assinatura dos contratos
apresentados no Quadro 4-5, que compreendem o período de 2000 a 2004. Neste
primeiro ciclo de contratação, os novos contratos foram assinados com prazo de dois
anos, estando sujeitos a renovação sob novos processos de negociação ao término
de cada período, até o ano 2008, quando o prazo padrão de contratação passa a ser
de três anos.
Os termos do processo de privatização e concessão da Celpe impuseram
pesados investimentos em eletrificação rural por parte da concessionária. Esta
exigência foi incluída no edital de privatização pelo governo do estado como uma
iniciativa para induzir a concessionaria a atingir a meta de 100% de cobertura de
distribuição de energia elétrica no território pernambucano. É interessante destacar
que, à época, Pernambuco despontava como um dos estados com maiores índices
de eletrificação rural no país, superando os 90% de atendimento em áreas rurais.
Também foi implementado um plano de investimentos para expansão e manutenção
da rede elétrica e subestações da Celpe, o que significou aumento do volume de
serviço das contratadas. Ainda neste contexto, a concessionária implementou um
programa de cadastramento das unidades consumidoras atendidas por sua rede de
distribuição. Sendo posteriormente executada em todo o estado, esta ação da Celpe
teve início na Região Metropolitana do Recife, o que resultou na contratação da FF
Engenharia para executar serviço de cadastramento de unidades consumidoras da
referida área, conforme apresenta o Quadro 4-5.
114
Quadro 4-5 - Principais contratos com a Celpe no período de 2000 a 2004.
Ainda nos primeiros anos do novo milênio, a organização passaria por um
processo de reestruturação, cujo objetivo seria a adequação à nova realidade da
Celpe privatizada. Na verdade, a condição da ABC Engenharia e da FF Engenharia
como empresas âncoras impunha a necessidade de expansão da estrutura
disponível, o que incluiu crescimento do número de equipes de campo e supervisores
técnicos. Com isso, também as áreas de apoio passaram por alterações, como relata
o gerente de recursos humanos da organização:
Só conseguimos deixar funcionando [refere-se à implementação de folhas de ponto e contracheque] quando implementamos um sistema aqui no departamento pessoal, a partir de 2000, mais ou menos durante o processo de privatização da
115
Celpe. Quando implantamos o contracheque e a folha aqui no nosso departamento, precisamos ampliar a equipe. [...] Por sinal, estes foram uns anos muito bons, porque foi na época daquele programa Luz para Todos, e a gente tinha muito trabalho para fazer. Então, de fato crescemos, faturamento, pessoal, [...] (Irineu)
Mudanças também ocorreram no posicionamento da organização com relação
a serviços externos à Celpe. Uma das medidas adotadas neste contexto de
reestruturação foi a contratação do engenheiro mecânico Carlos Viana. Sua atribuição
seria a de prospecção de novos clientes e contratos, a partir dos quais ficou
combinado um pagamento percentual sobre os faturamentos. Apesar de
desempenhar uma função de acompanhamento dos contratos firmados, sua
responsabilidade abrangia basicamente as relações comerciais com os clientes
prospectados.
A partir do trabalho desenvolvido, a ABC Engenharia celebrou contratos com
duas outras concessionárias de distribuição de energia elétrica, a Saelpa e a
Energipe. Ambas as distribuidoras já haviam sido privatizadas, sendo controladas pelo
Grupo Energisa, motivo pelo qual as duas concessionárias passaram a ser
denominadas respectivamente Energisa Paraíba e Energisa Sergipe, ainda durante a
vigência dos contratos com a ABC Engenharia.
O primeiro contrato com a Saelpa foi assinado em 2003, com prazo de 2 anos,
e compreendia a execução de serviços de corte e religação de unidades
consumidoras em áreas rurais e urbanas localizadas na região de cobertura do
Departamento de Serviços Comerciais Leste. A ABC Engenharia já possuía, à época,
expertise na prestação deste tipo de serviço, que, conforme exposto, já era objeto de
contrato com a Celpe desde o início da década de 1990.
Segundo relato dos entrevistados, o maior desafio associado a esta empreitada
foi, portanto, relacionado à provisão de mão de obra local, para a qual foi alocado um
supervisor já pertencente ao quadro funcional da firma, e estrutura física para
armazenamento dos equipamentos e materiais utilizados na prestação dos serviços.
Dentre outros motivos, estes foram também apontados como principais pontos que
levaram a uma certa dúvida quanto à viabilidade do contrato. Foi, então, montada uma
estrutura de apoio operacional em João Pessoa, instalada em uma sala comercial
alugada para o período de vigência do contrato, e novos veículos foram adquiridos
para compor a frota a ser utilizada pelas equipes naquele estado.
116
O desempenho positivo da firma rendeu a renovação deste contrato em 2005.
Entretanto, este teve um prazo de vigência de apenas um ano, quando a Energisa
decidiu alocar pessoal próprio à execução desta modalidade de serviço no estado da
Paraíba.
A execução de serviços para a Energipe, por sua vez, teve início no ano de
2005, através de contrato em regime de empreitada firmado naquele ano para
execução de projetos de redes e linhas de distribuição. A contratação foi feita através
do Departamento de Obras de Distribuição, sob a responsabilidade do qual, à época,
a Energipe realizava investimentos dentro do programa do governo federal de
universalização do acesso à eletricidade, o Luz para Todos. No entanto, não foram
apenas obras de eletrificação rural as realizadas pela ABC Engenharia, que também
executou obras de extensão de redes, substituição e instalação de equipamentos tais
como transformadores e capacitores.
Diante deste cenário, o contrato firmado apresentou um volume de serviços
que justificou a locação de um supervisor e três equipes de campo instalados na
cidade de Itabaiana, para atendimento do lote contratual 02, que compreendia as
regiões de Itabaiana e Lagarto, ambas no estado de Sergipe. Complementavam os
recursos alocados ao contrato três caminhões e dois veículos leves, de apoio às
atividades desenvolvidas pelas equipes.
A partir daí, outros contratos para execução de obras se seguiram no mesmo
modelo, sendo o último deles vigente até o ano de 2012, quando a ABC Engenharia
não renovou seu contrato com a distribuidora por não enquadramento da proposta de
preço. Além destes, durante o período em que a ABC Engenharia atuou no sistema
elétrico da Energisa Sergipe, duas importantes obras fora do escopo de contratação
foram também contratadas. Estas foram as linhas de transmissão de 69 kV entre as
localidades de Xingó e Curituba, em 2010, e entre Lagoa Rasa e Porto da Folha, em
2011. O destaque destas obras, segundo Joaquim conta, é em razão da complexidade
técnica exigida para sua execução e da extensão de ambas as obras, superiores a 15
km de linha de transmissão.
Fato interessante mencionar é o nível de exigências que os contratos com as
duas concessionárias do Grupo Energisa, desde as primeiras contratações, incluíam
já em suas cláusulas indicadores de desempenho que seriam monitorados
periodicamente pela contratante.
117
Diante do exposto, não teve natureza puramente orgânica, mas também de
crescimento por diversificação. Por sua vez, esta diversificação não se restringiu à
expansão geográfica para outros estados do Nordeste, representada pelos contratos
de prestação de serviços para a Saelpa e Energipe, mas também ocorreu através da
diversificação de serviços. Esta última ação implicou um novo contrato de com a
Emlurb, cujo objeto foi a prestação de serviços de manutenção, arborização e
produção de mudas, podação, compostagem, trituração de resíduos vegetais e
adubação, vigente entre os anos de 2003 e 2005.
Observa-se, entretanto, que o crescimento obtido neste período é fortemente
sustentado pela expansão do volume de serviços realizados pela ABC Engenharia,
também responsável pela execução dos principais contratos alheios ao
relacionamento com a Celpe. Também em relação aos contratos com a
concessionária, observou-se a partir de 2004 redução no volume de serviços
executados pela FF Engenharia, consequência dos contratos que esta empresa
maninha no período. Os contratos vigentes entre 2004 e 2008 são apresentados no
Quadro 4-6.
Vale destacar a partir do ano de 2003, a organização passa também a executar
atividades em rede energizada, sendo esta modalidade incluída no escopo dos
contratos de manutenção e construção resultantes do ciclo de contratação ocorrido
no ano de 2004. A execução de atividades em linha viva, como normalmente são
chamados estes serviços de manutenção em linha energizada, impunha a
necessidade de investimentos na aquisição de equipamentos específicos para a
execução destas atividades e também a contratação de pessoal especializado.
118
Quadro 4-6 - Principais contratos com a Celpe no período de 2004 a 2008.
Neste contexto, Joaquim aponta a empresa Hot Line Construções Elétricas
Lida como benchmarking para a prestação de serviços em rede energizada. Segundo
conta, a empresa foi pioneira na execução destes serviços no país, cujas primeiras
experiências ocorreram no sistema elétrico da concessionária mineira Cemig, no final
da década de 1980. Joaquim conta que a Hot Line prestou serviços para a Celpe por
muito tempo e dispunha de uma estrutura grande de suporte a suas operações, que
incluía centro de treinamento, equipamentos de modernos e equipe qualificada.
Joaquim acrescenta que muitos dos profissionais contratados para a nova área
operacional da firma eram provenientes do quadro funcional da Hot Line, destacando
inclusive os dois supervisores contratados.
Um acontecimento que teria forte impacto sobre a forma como as duas
empresas passariam a responder aos desafios do ambiente competitivo foi a morte
do seu fundador, em Novembro de 2004. Na verdade, Fernando estivera ausente do
comando da organização desde o início do ano de 2003, quando afastou-se de suas
funções após um tratamento médico e complicações em seu estado de saúde. Sem a
figura do presidente, naquele momento envolvido principalmente no direcionamento
estratégico-comercial do negócio, a ABC e a FF Engenharia passaram a ser
comandadas conjuntamente pelos demais familiares diretores, Ana Maria, Erika e
Joaquim. Apesar de jamais alguém ter assumido o cargo deixado vago pelo
falecimento do fundador, os anos seguintes foram marcados pela continuidade da fase
119
de expansão da organização, cujo marco inicial pode ser associado à privatização de
seu principal cliente.
Neste contexto, a maior representatividade do poder econômico da ABC
Engenharia quando comparado à FF Engenharia pode ser constatado a partir do
Gráfico 4-6. A evolução do quantitativo de pessoal nas duas firmas reforça este ponto,
ao mostrar o total de funcionários da ABC Engenharia superior à sua coligada até o
ano de 2006 (vide Gráfico 4-7). Este ano, aliás, representou o auge do indicador
analisado no período estudado, sob a ótica da organização.
Gráfico 4-6 - Curvas longitudinais de tamanho por firma, a partir de 1994.
Gráfico 4-7 - Evolução de quantitativo de pessoal, período 2003 a 2015.
O quantitativo de pessoal empregado nas duas empresas representa bem o
resultado dos ciclos de contratação da Celpe, que, para o período apresentado,
ocorreram nos anos 2004, 2006, 2008 e 2011. Neste sentido, percebe-se um período
entre 2006 e 2010 em que o quadro funcional da FF Engenharia praticamente se
iguala em número ao de sua firma coligada, reflexo principalmente do contrato de
corte e religação de unidades consumidoras na área do Distrito Metropolitano Sul.
120
Uma redução substancial no quadro funcional da firma ocorreu em 2011, a partir da
não renovação deste contrato, o que fez com que a FF Engenharia passasse a
executar apenas os serviços de podação e manejo de vegetação no sistema elétrico
da concessionária.
Do ponto de vista contratual, os ciclos de contratação a partir de 2006
imprimiram nova dinâmica à trajetória de crescimento da organização. Também o
modelo de contrato adotado pela concessionária impunha maiores exigências
contratuais e davam suporte ao novo modelo de gestão estratégica dos fornecedores
da companhia. Assim, os contratos passaram a incluir como anexos diretrizes de
saúde e segurança para prestadores de serviços, política ambiental e código de ética,
aos quais as contratadas eram obrigadas a seguir. Além disso, os novos contratos
definiram também o método de cálculo dos indicadores quantitativos e empresariais
que permitiam o monitoramento do desempenho das contratadas. Os indicadores
passaram a possuir também valores de referência contidos nos contratos, variando
de acordo com o distrito regional em que os serviços eram executados. Exemplos
destes índices são o Índice de Eficácia do Corte (IEC) e Percentual de Religações
Atendidas no Prazo (RAP), previstos no contrato de corte e religação de unidades
consumidoras.
Além disso, a partir de 2007, o Departamento de Gestão de Contratos da Celpe
passou a desenvolver auditorias às empresas prestadoras de serviço de integrar
questões relativas às relações trabalhistas e previdenciárias às auditorias do
Programa de Auditorias em Saúde e Segurança. Este era um programa desenvolvido
em 2004 pelo Departamento de Saúde e Segurança da companhia para auditar as
políticas e práticas das prestadoras de serviço relativas a estas questões. Os
resultados das auditorias, cuja programação passou a ser feita anualmente, eram
consolidados num plano de ação por parte da contratada para regularização das não
conformidades, as quais podiam envolver multas e sanções previstas em contrato.
Também no tocante ao atendimento às exigências contratuais, percebeu-se
por volta do ano de 2007 a dificuldade das contratadas na contratação de mão de obra
qualificada e competente tecnicamente. Esta situação motivou a Celpe a instalar o
Projeto Travessia, cujo objetivo principal era a qualificação de eletricistas das
empresas prestadoras de serviço e adequação às exigências normativas para a
função. O projeto ocorreu num contexto em que a Justiça do Trabalho ampliava sua
121
atividade de fiscalização e a norma regulamentadora NR-10 entrava em vigor para
regulamentação dos trabalhos em eletricidade.
Assim, o Projeto Travessia propunha a qualificação em módulos dos eletricistas
atuantes nas áreas de corte e religação, ligação nova, construção urbana,
manutenção e prontidão de todas as quinze prestadoras de serviço atuantes no
sistema elétrico da Celpe à época. O fluxo do processo modularizado de qualificação
previsto pelo projeto é apresentado na Figura 4-8.
Figura 4-8 - Fluxo do processo educacional do Projeto Travessia.
A participação no Projeto Travessia era obrigatória para todas as empresas
prestadoras de serviços. Acrescentou-se aos contratos vigentes exigências referentes
ao comprometimento das empresas em relação ao cumprimento do projeto, conforme
a alocação das responsabilidades pactuada. Além disso, estabeleceram-se
penalidades para o não atendimento às exigências previstas no âmbito do projeto.
Estas penalidades eram multas a serem descontadas diretamente das faturas
emitidas e os recursos arrecadados eram transferidos para uma conta da supervisão
de treinamentos para a promoção de novos treinamentos. Obrigava-se, a partir de
Outubro de 2007, também as prestadoras de serviço a exigir das novas contratações
de pessoal requisitos de qualificação mínimos definidos no perfil do cargo.
O planejamento e implantação do projeto era de responsabilidade de um comitê
composto por coordenadores do Senai, membros das áreas de auditoria, saúde e
segurança e supervisão de treinamentos da Celpe e representantes das prestadoras
de serviço. Também cabia ao comitê a definição do efetivo a ser treinado de cada uma
122
das empresas. A meta da ABC Engenharia era de treinar 220 pessoas, enquanto à
FF Engenharia coube uma meta de 265 funcionários, tornando o número de 480
pessoas o número total para a organização, o maior dentre todas as empresas.
Erika conta que cabia às empresas garantir a presença de todos os
funcionários inscritos no programa de treinamentos e que a liberação destes não podia
impedir a execução normal dos trabalhos das equipes. Isto exigiu um esforço grande
por parte das empresas. Ainda assim, ela conta que todo o quadro funcional de
eletricistas da organização foi capacitado.
A dificuldade existia também em relação à alfabetização do pessoal, uma vez
que muitos deles tinham níveis baixos de alfabetização. Tal condição impôs à
organização a instituição de um programa interno de alfabetização daqueles que não
atendiam a exigência de escolaridade mínima. Segundo conta, foi um programa longo,
pago pela própria empresa. No entanto, apesar do esforço envolvido no projeto, Erika
considera que o maior resultado do projeto, na verdade, foi o impacto social que este
teve sobre os profissionais envolvidos.
Um novo ciclo de contratação teve início no ano seguinte à implantação do
projeto. Os contratos firmados em 2008 tinham prazo de três anos, mas seguiam o
modelo de contratação que já se tinha no ciclo anterior. Os principais contratos da
organização no período de 2008 a 2011 podem ser constatados no Quadro 4-7.
Quadro 4-7 - Principais contratos com a Celpe no período de 2008 a 2011.
123
Neste período houve também uma nova iniciativa de diversificação dos
serviços através da FF Engenharia, que venceu licitação para contrato de instalação,
manutenção, montagem e desmontagem da iluminação decorativa natalina da cidade
do Recife em 2008. Este contrato marcou a volta à prestação de serviços para a
Prefeitura do Recife, por meio da Fundação de Cultura. A organização voltaria a
prestar este tipo de serviço em 2010, ao ser a ABC Engenharia contratada para a
montagem e instalação de iluminação decorativa dos ciclos natalino e de carnaval
daquele ano.
Os anos seguintes foram caracterizados por relativa estabilidade no ritmo de
crescimento das duas empresas. Conforme Joaquim aponta, desde a privatização da
Celpe, a situação mencionada anteriormente em que as obras – especialmente de
construção rural – tinham mais relevância perante o faturamento da organização havia
invertido. A maior parte do faturamento mensal da ABC Engenharia e da FF
Engenharia provinha dos contratos de prestação de serviços, em especial de
manutenção, prontidão e corte e religação. Se por um lado tal condição conferia maior
previsibilidade do volume de trabalho, sem grandes oscilações de tempos em tempos,
por outro a organização passava a depender cada vez mais da Celpe e dos
investimentos na manutenção de seu sistema elétrico de potência.
Em meio a este contexto, o ano de 2011 deu início a um novo ciclo de
contratações. Desta vez, as unidades operacionais regionais foram agrupadas em
serviços técnicos, abrangendo os contratos de construção e manutenção, e serviços
comerciais, correspondentes basicamente às atividades de ligação, corte e religação
de unidades consumidoras. Ao fim deste ciclo, uma perda importante para a
organização ocorreu; após vinte anos de execução de serviços de corte e religação,
a ABC Engenharia e a FF Engenharia não obtiveram renovação de seus contratos.
Em contrapartida, s ABC Engenharia permaneceu com os contratos relativos aos
serviços técnicos das unidades operacionais do Distrito Regional do Cabo, enquanto
coube à FF Engenharia a execução dos contratos de podação e manejo de vegetação,
cuja área de cobertura passou a ser não apenas a região dos Distritos Cabo e
Metropolitano Sul, mas incluía também a área de cobertura do Distrito Metropolitano
Norte.
Os contratos resultantes deste ciclo de contratações com a Celpe são
apresentados na Quadro 4-8. Apesar de uma aparente redução do número de
contratos, na prática o volume financeiro contratado com a organização cresceu,
124
enquanto os prazos contratuais foram estendidos para cinco anos. Em termos
geográficos também houve expansão da área de atuação das duas empresas. A ABC
Engenharia, entretanto, descolou da sua coligada em termos de faturamento e efetivo
de pessoal ao incorporar a sua área de cobertura também os serviços de manutenção
e construção da Unidade de Serviços de Rede do Distrito Metropolitano Sul, antes de
responsabilidade da FF Engenharia.
Quadro 4-8 - Principais contratos com a Celpe no período de 2011 a 2016.
Diante destas transformações, pode-se constatar no Gráfico 4-8 uma redução
no share geral da organização perante a Celpe, resultado da redução da participação
do volume de serviços contratado com a FF Engenharia, enquanto a ABC Engenharia
expande sua participação. O share referido foi obtido a partir da razão entre o
faturamento anual das duas empresas para o cliente Celpe e o custo total anual com
pessoal terceirizado, conforme divulgado pela concessionária em seus relatórios
anuais de sustentabilidade. Na ótica do contrária, o Gráfico 4-9 apresenta o share da
Celpe perante o faturamento anual total das duas empresas e da organização para o
mesmo período de 2011 a 2015.
Gráfico 4-8 - Share da organização perante o cliente Celpe.
125
Gráfico 4-9 - Share of wallet Celpe sobre faturamento anual por firma.
Em parte resultante do choque com a perda dos contratos de corte e religação
e dos desafios que a expansão do volume de serviços contratado impunha, o ano de
2011 marcou a história da organização com a saída do gerente administrativo e da
secretária geral. Sua saída impôs a organização a necessidade de ajuste na sua
estrutura organizacional, principalmente com a realocação das funções
desempenhadas pelos dois.
A saída do gerente administrativo Carlos Roberto da organização significava a
saída do último membro da família externo ao núcleo familiar principal, desde a cisão
com Erwin Luciano, ocorrida em 1994. Desta forma, os únicos membros da família
com envolvimento direto permaneciam os três diretores do núcleo principal da família,
Ana, Erika e Joaquim.
Além disto, no plano externo à Celpe, a ABC Engenharia encerrou seus
serviços no sistema elétrico da Energisa (SE), nova denominação da Energipe, em
2012. O contrato, de acordo com Erika, não foi renovado pela baixa atratividade do
nível de preços que a concessionária tinha como referência. Além disso, Joaquim
também comenta não ser, naquele momento, do interesse da direção da empresa
expandir sua participação naquele cliente, uma vez que o volume de serviços dos
novos contratos com a Celpe impôs desafios à expansão das operações da
organização. Apesar disso, houve ainda a execução de contrato com a Chesf entre
2010 e 2011, para realização da obra de construção de linha de transmissão em 230
kV, no trecho entre as localidades de Juazeiro (BA) e Senhor do Bonfim (BA).
Aspecto relevante ainda entre os anos de 2010 e 2011 foi a ocorrência da
associação da ABC Engenharia à Rede Petro PE e sua qualificação para o cadastro
126
de fornecedores da Petrobrás. A Rede Petro é um movimento de integração e
articulação de empresas brasileiras fornecedoras de bens e serviços para a cadeia
produtiva de petróleo, gás e energia, bem como instituições e empresas estratégicas
do setor. O objetivo da Rede Petro PE, à qual a firma associou-se é o de promover a
qualificação e ampliar a competitividade de suas associadas para potencializar
oportunidades de negócios naquela cadeia produtiva, através da cooperação
empresarial e interação com governos, instituições acadêmicas e empresas do setor.
À época, este foi um marco importante para os diretores da empresa, que, atraídos
pelas oportunidades criadas com os investimentos nos setores de petróleo e gás e
naval realizados em Pernambuco, percebiam a oportunidade de gerar valor para a
organização e crescer através da prestação de serviços nestes setores, tendo início
com a implantação de sinalização em redes energizadas no canteiro de obras da
Refinaria Abreu e Lima, contratada pela Petrobrás, em 2011.
Consequência de tal caminho que começava a ser trilhado pela organização foi
a captação de novos clientes, com execução de serviços sobretudo no período de
2011 a 2014. Destes, merecem destaque as usinas termelétricas TermoPernambuco
– controlada pelo Grupo Neoenergia – e Suape II, às quais foram prestados serviços
de identificação de falhas e correção em redes energizadas. Além destes, prestou-se
serviço ainda a empresas petroquímicas, como a Lanxess Elastômeros, e à
construtora responsável pela implementação da fábrica da Fiat em Pernambuco, cujo
escopo englobou a elaboração de projetos de linha de transmissão em 69 kV e
subestação elétrica.
Nesta perspectiva, houve um movimento de reestruturação de processos
internos liderado por Erika. Entre as medidas adotadas, merece destaque a
contratação de uma profissional para o cargo de gerente financeira da organização.
Esta teve papel importante na implementação de uma outra medida ligada ao objetivo
de reestruturação da empresa, o desenvolvimento e implantação de um novo sistema
de gestão empresarial.
Foi imersa neste contexto de reestruturação interna para potencializar os
possíveis ganhos identificados, a partir das oportunidades que surgiam em um
momento de forte crescimento econômico do estado de Pernambuco e de captação
de investimentos privados e públicos em sua área de atuação que a ABC Engenharia
passou a integrar o Projeto Vínculos Pernambuco, a partir de 2011. À época, este
projeto era fruto da parceria entre Sebrae e a Fiepe, em cooperação com a UNCTAD,
127
a Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ), a Fundação Dom Cabral e o Instituto
Ethos.
O Projeto Vínculos Pernambuco era um projeto de um programa internacional
cujo propósito era o de contribuir para a geração de vínculos de negócios sustentáveis
entre grandes empresas compradoras e micro, pequenos e médios fornecedores
locais. Assim, objetivava-se o fortalecimento econômico da região através da
exploração de potencialidades do setor privado para a promoção do desenvolvimento
sustentável, nas dimensões econômica, social e ambiental.
Neste panorama, o Projeto Vínculos Pernambuco era financiado pelas
empresas compradoras, tais como Gerdau, Alcoa, Philips, Estaleiro Atlântico Sul e a
Companhia Pernambucana de Gás (Copergás). A ideia por trás de tudo era habilitar
empresas locais de micro, pequeno e médio porte a realizar negócios com as
compradoras, incentivando o empreendedorismo para criação de uma cadeia
produtiva local capaz de suprir as necessidades daquelas empresas. Deste modo,
através de ciclos de palestras e cronograma de capacitação, as fornecedoras
poderiam promover toda uma reestruturação de processos internos e, ao final de todo
o processo, estar aptas a certificação destes processos, de acordo com as normas
ISO 9.001, ISO 14.001 e OHSAS 18.001, respectivamente nas áreas de qualidade,
meio-ambiente e saúde e segurança ocupacional. No entanto, apesar de muito ter
sido feito neste sentido e ter participado de todos os ciclos previstos, a ABC
Engenharia optou por, naquele momento não seguir adiante com o processo de
certificação.
Paralelamente às mudanças ocorridas internamente, surgiu uma oportunidade
de prestação de serviços para a Prefeitura da Cidade do Recife, através da Fundação
de Cultura Cidade do Recife. Na ocasião de abertura do processo licitatório para
contratação da instalação de iluminação decorativa do ciclo natalino 2008, um primo
de Joaquim, o Edmar, sugeriu a participação da FF Engenharia. Esta seria uma
oportunidade de nova diversificação para a organização. Edmar era dono de uma
empresa de engenharia, a Real Engenharia, mas não encontrava-se habilitado para
tomar parte do processo devido à inexistência de acervo técnico. A Processo
Engenharia havia sido a executante deste tipo de serviço nos anos anteriores e entrou
na disputa para os anos seguinte com a FF Engenharia. Ocorre que a Processo
Engenharia pertence a Leonardo, um amigo antigo da família.
128
Nesse contexto, julgou-se prejudicial aos interesses de todos a disputa
comercial direta pelos contratos de decoração e iluminação para os próximos ciclos
natalinos e carnavalescos licitados em modelo de concorrência pública pela Fundação
de Cultura. Assim, observou-se a oportunidade de formação de consórcio entre as
três empresas, evitando confronte direto entre elas e fortalecendo o grupo frente aos
demais concorrentes.
Desta forma, durante anos seguintes, o consórcio montou uma estrutura
coordenada pelas consorciadas, a princípio com a finalidade de executar a referida
modalidade de serviço. De tal sorte, a cada novo contrato celebrado, acordava-se a
disponibilização de equipamentos e pessoal por parte de cada uma das firmas. de um
modo geral, entretanto, caberiam à ABC Engenharia questões administrativas
relativas aos contratos, em especial os controles de gastos e gestão financeira. Em
contrapartida, caberia à Processo Engenharia e à Real Engenharia a coordenação e
supervisão operacional da execução dos serviços. Caberia também à Real
Engenharia o relacionamento comercial com a Fundação de Cultura, dada o
relacionamento de Edmar naquele órgão. Para a gestão do consórcio, foram alocados
dois profissionais, sendo um deles ligado à ABC Engenharia e responsável pelas
partes financeira e de controles dos contratos, enquanto o segundo profissional, um
engenheiro ligado à Real Engenharia, seria responsável pela efetiva execução dos
serviços.
Segundo relata Erika, apesar do envolvimento das três firmas, faltou o
sentimento de dono, o que, na visão dela, fez com que o funcionamento das
operações e o controle sobre os gastos não ocorresse de forma ótima, prejudicando
os retornos financeiros dos contratos. Além disso, ela concorda com a opinião de
Joaquim e comenta que contou também contra a manutenção do consórcio naquela
configuração a execução de contratos de obras civis, que trouxeram prejuízos às
empresas. Este foi o caso do contrato para execução de serviços para reforma de um
galpão na área portuária do Recife, cuja gestão ficou a cargo a Real Engenharia, entre
os anos de 2011 e 2012. Além disso, Erika considera ter contribuído para a extinção
do consórcio seu distanciamento da gestão e controle sobre os gastos, ocorrida
devido a problemas de saúde na família, ainda no ano de 2012. Logo, a configuração
inicial do consórcio não conseguiu entregar os retornos esperados e findou por levá-
lo a sua extinção naquele ano.
129
Vale destacar também que, no período em que se estabeleceu este consórcio,
entre 2009 e 2012, os contratos para a instalação e montagem das decoração e
iluminação dos ciclos natalinos e carnavalescos cresceram em escopo e volume
financeiro, passando a incluir também o fornecimento dos materiais a serem
instalados. Dessa forma, esses certames passaram a atrair mais a concorrência de
outras empreiteiras e acabou induzindo ao desmembramento do contrato de acordo
com as áreas da cidade onde seriam instalados os equipamentos.
Apesar da experiência negativa do consórcio que se extinguira, a aproximação
comercial entre a ABC Engenharia e a Processo Engenharia culminou, no ano de
2013, no contrato de execução dos serviços do Reluz Recife, ligado ao Programa
Procel Reluz. Este é um programa existente desde 2000, instituído pela Eletrobrás,
com apoio do Ministério de Minas e Energia, cujo objetivo é promover o
desenvolvimento de sistemas eficientes de iluminação pública e sinalização
semafórica. Neste sentido, o programa se propõe a financiar até 75% dos recursos
necessários para o projeto de melhoria e eficiência energética, através de recursos do
Reserva Global de Reversão da Eletrobrás, com contrapartida exigida de até 25% do
ente federativo participante, sendo concessionárias, ou governos estadual e
municipal.
No caso específico do projeto em Recife, foi estabelecida um convênio entre a
Prefeitura, a Chesf e a Eletrobrás, o que viabilizou o lançamento do edital e realização
da concorrência em 2013. O consórcio formado pela ABC Engenharia e Processo
Engenharia sagrou-se vencedor e formalizou o contrato com a Prefeitura do Recife,
através da Emlurb. Seguindo exigência do edital, o consórcio tinha como líder a
Processo Engenharia, que tinha uma cota de participação de 70%, enquanto a ABC
Engenharia detinha 30%. Contudo, na prática, o acordo entre as duas firmas
estabelecia a divisão igualitária das obrigações e recebimentos provenientes da
execução dos serviços.
Uma vez que o contrato envolvia também o fornecimento dos equipamentos e
materiais para a substituição das luminárias de iluminação pública, Erika conta que o
edital exigia a apresentação de documentações e certificados específicos, o que
restringia a formação do consórcio. Segundo relata, só foi possível a elaboração da
proposta após, por meio de contatos da própria Processo, a celebração de acordo
com a Lumetron, fabricante de luminárias em conformidade com as especificações e
os certificados exigidos. Desta forma, seria assinado um contrato de formação de
130
sociedade por cota de participação, o que daria à Lumetron direitos sobre os retornos
com o contrato. Ocorre que esta sociedade nunca chegou a ser formada tanto devido
à desentendimentos entre a Lumetron e as duas empresas quanto aos termos do
contrato e, posteriormente, devido ao desinteresse da participação, uma vez que, por
motivos de atrasos de pagamento por parte da contratante, eram necessários aportes
financeiros para capital de giro, aportes estes feitos apenas pela ABC Engenharia e
Processo Engenharia. Assim, a partir de meados de 2014, a Lumetron passou a ser
apenas fornecedora não exclusiva das luminárias.
O consórcio formado pelas duas empresas venceu o processo licitatório pelo
critério de menor preço global, o que resultou na contratação para executar serviços
de engenharia, consultoria, elaboração de projetos, substituição e instalação de
conjuntos de iluminação pública em 2013. Para a execução deste contrato, dada a
representatividade do volume financeiro para as duas empresas e num intuito de não
repetir os erros cometidos na experiência anterior, uma robusta estrutura foi montada
pelas duas empresas para a execução do projeto, cuja equipe contava com cerca de
cinquenta profissionais de campo e outros cinco profissionais administrativos. Outra
importante diferença foi a clara alocação de responsabilidades desde o início do
contrato, segundo a qual caberia à ABC Engenharia a gestão financeira e
administração contratual, enquanto a gestão operacional seria de responsabilidade da
Processo Engenharia. Neste sentido, áreas de apoio, tais como financeiro e compras,
das duas empresas dariam suporte à equipe do Projeto Reluz Recife.
Outras empresas já haviam executado contratos semelhantes para a Prefeitura
do Recife. Assim, desde o início, o objetivo do consórcio era o de prestar um serviço
de excelência, de modo a ser reconhecido como benchmarking para este tipo de
projeto, o que poderia favorecê-lo na execução de outras edições do Reluz, em outras
localidades.
Sob tal ponto de vista, a Processo propôs duas estratégias de execução. A
primeira abrangia o desenvolvimento de um sistema, uma plataforma on-line, que
permitiria, através de tablets utilizados pelas equipes de campo, a partir da qual
verificações e testes previstos em contrato poderiam ser feitas antes e depois da
execução dos serviços. A segunda proposta de estratégia de execução foi a parceria
com a PoliConsult, uma empresa de consultoria da Escola Politécnica da Universidade
de Pernambuco. Esta parceria teria o objetivo de imprimir maior credibilidade aos
projetos, que deveriam ser feitos para cada luminária substituída e de cuja aprovação
131
dependeria as medições e recebimentos, através do envolvimento de professores e
estudantes de engenharia. Erika ressalta que ambas as propostas trouxeram
resultados para o projeto, entretanto comenta que a PoliConsult não conseguiu manter
o ritmo demandado pelo consórcio, o que levou à contratação de equipe de projetistas
própria.
Um grande desafio relatado por Erika foi, conforme mencionado, os atrasos
nos recebimentos das notas fiscais emitidas. Este fato, inclusive, ocasionou o atraso
na conclusão dos serviços, cujo prazo inicial era de dez meses.
A Celpe, por sua vez, entrava num período de deterioração de seus indicadores
de qualidade monitorados pela Aneel, neste mesmo período. Consequência disto foi
a notificação e convocação a apresentar plano de recuperação e correção de falhas,
a fim de adequar seus índices operacionais às exigências regulatórias.
Frente ao risco que, em uma situação limite, poderia culminar até na suspensão
do contrato de concessão, a Celpe elaborou um plano interno de recuperação e
correção de falhas, de modo a realizar as adequações necessárias para a melhoria
dos indicadores de continuidade de fornecimento e segurança em seu sistema elétrico
de potência. Dentre as principais medidas necessárias para a implementação do
plano, uma teve impacto direto sobre a trajetória das empresas prestadoras de
serviço, a antecipação do novo ciclo de negociação de contratos, antes previsto para
2016.
Ao adotar esta medida, a Celpe iniciava um momento de muita incerteza para
suas prestadoras de serviço, em especial aquelas atuantes na Região Metropolitana
do Recife, onde há maior concentração de unidades consumidoras. Por isso, tanto a
ABC Engenharia, quanto a FF Engenharia sofreram grande impacto com esta decisão.
Assim, ainda durante o primeiro semestre de 2015, teve início um longo
processo de renegociação dos contratos. Esta situação exigiu da organização esforço
para a elaboração de uma proposta comercial abrangendo os contratos em
negociação, que, apesar da incerteza gerada, apresentava uma possibilidade real de
elevação dos fatores de produtividade dos contratos, cujos custos há muito
pressionavam a rentabilidade dos serviços executados.
Todavia, o resultado a que se chegou ao fim do antecipado ciclo de negociação
foi bastante negativo para a organização. A FF Engenharia conseguiu expandir sua
atuação através do novo contrato de prestação de serviços de manejo de vegetação,
que a partir daí passava a cobrir toda a área da Região Metropolitana de Recife –
132
Distritos Metropolitano Norte e Sul – e os Distritos Cabo e Carpina, o que representou
crescimento de cerca de 100% do volume contratado. A ABC Engenharia, por sua
vez, perdeu seus contratos, que, embora também tenham praticamente dobrado de
tamanho em termos financeiros, passariam à responsabilidade de uma empresa
cearense que atuava em nível nacional. Como consequência, os contratos seriam
rescindidos antecipadamente e um plano de desmobilização de pessoal e
equipamentos era urgente.
Diante da perspectiva de encerramento dos contratos, uma ampla
reestruturação da organização era necessária. Um primeiro prazo foi dado para a
ocorrência da rescisão do contrato, considerando o período necessário tanto para a
desmobilização de pessoal da ABC Engenharia, quanto o ramp up da operação local
da nova contratada.
Com isso, a organização iniciou a implementação das ações necessárias para
a travessia daquele que seria o momento mais turbulento de sua história de mais de
quarenta anos. Com o crescimento do contrato da FF Engenharia, uma primeira
medida adotada, tendo em vista a reduzir tanto quanto possível os problemas com
desmobilização das equipes, foi a transferência gradual de parte do efetivo da ABC
Engenharia para sua coligada. No entanto, esta opção não acomodaria todo o efetivo,
o que determinou a decisão de colocar a parte das equipes em aviso prévio. Diante
de tal medida e da clara insegurança que se instaurava nas equipes, coube a Joaquim,
no papel de direto de operações, levar a notícia para aqueles que seriam dispensados.
Joaquim, então, dirigiu-se a cada uma das bases operacionais e alojamentos de
pessoal para comunicar a situação e pedir a colaboração das equipes para
manutenção do nível de serviço até o encerramento dos contratos.
Esta situação incerta tanto atingia diretamente os trabalhadores de campo,
como também prejudicava o andamento das medidas planejadas para minimização
dos conflitos e problemas decorrentes da rescisão contratual. A saída foi, então, a
realização de um trabalho forte de cobrança de uma posição definitiva por parte do
contratante. Em Janeiro de 2016, então, uma nova decisão foi tomada pela Celpe, o
que mudaria radicalmente as perspectivas futuras da organização. Diante da
incapacidade da prestadora de serviços que substituiria a ABC Engenharia em
atender a demanda da contratante, a Superintendência de Operações da
concessionária decidiu pela não rescisão dos contratos com a firma, que deverá seguir
prestando serviços a que foi contratada até a conclusão do prazo estipulado em
133
contrato. Mais ainda uma solicitação de nova contratação será feita ao Grupo
Neoenergia para que novos contratos sejam celebrados com o prazo adicional de dois
anos.
134
5 ANÁLISE
O presente capítulo apresenta a avaliação produzida a partir dos dados obtidos
sobre a trajetória da ABC Engenharia e como esta organização respondeu aos
desafios do crescimento, conforme proposto por Fleck (2009). Para tal, partiu-se do
conceito de configurações de formulação estratégica (MILLER & FRIESEN, 1978) com
o objetivo de oferecer elementos complementares à perspectiva das condições
necessárias para a longevidade saudável, de modo a identificar mecanismos de
renovação e deterioração e seu impacto sobre o mecanismo central do crescimento
(FLECK, 2009). Esta abordagem permitiu a identificação dos diferentes estágios de
desenvolvimento vivenciados pela organização em estudo, ao longo do tempo, bem
como sua propensão à autoperpetuação em cada período.
Informações sobre grande parte das dimensões que compõem os desafios do
crescimento (FLECK, 2009) foram coletadas de modo a oferecer uma análise
adequada sobre esta trajetória. A avaliação dos fatos e dados da história da
organização segundo o arcabouço teórico proposto por este trabalho orientou a
análise dos aspectos ambientais e organizacionais e sua influência sobre o
mecanismo central do crescimento saudável (FLECK, 2009).
Em consonância com a divisão temporal narrada na seção correspondente ao
histórico da organização, a análise da trajetória da ABC Engenharia foi baseada em
três períodos, segundo os quais foram identificados indícios da ocorrência dos três
primeiros estágios de desenvolvimento do modelo proposto por Churchill e Lewis
(1983):
Estágio 01 – 1980 a 1989 (Infância);
Estágio 02 – 1990 a 1999 (Adolescência);
Estágio 03 – 2000 a 2015 (Maturidade).
Não foi possível incluir no processo de análise o período anterior à década de
1980, devido à baixa disponibilidade de dados. Por este motivo, os fatos e dados
relacionados a este primeiro momento foram considerados sob a perspectiva do
imprinting de traços organizacionais. Além disso, cabe ressaltar que a divisão
proposta foi definida com base em acontecimentos cruciais da história da organização,
do ambiente, e de acordo com as consistências das respostas identificadas durante o
processo de análise. Dessa forma, foi possível obter uma melhor compreensão da
135
evolução das respostas aos desafios do crescimento ao longo do tempo, bem como
da propensão da organização à trajetória de autoperpetuação ou autodestruição.
As evidências encontradas mostraram como as capacitações empreendedoras
desenvolvidas pela ABC Engenharia nos primeiros estágios de desenvolvimento
colaboraram para a consolidação de sua posição competitiva. Por outro lado, à
medida que transformações no ambiente o conduziram a um estado mais desafiador
e complexo, identificou-se incremento da dificuldade da organização em responder
aos desafios do crescimento de maneira saudável. No decorrer da análise, verificou-
se que muitas das respostas positivas desenvolvidas em estágios iniciais da
organização perderam força quando o escopo de atividades ganhou uma dimensão
maior e a exposição da organização a pressões institucionais e competitivas foi
ampliada, sobretudo a partir de meados dos anos 2000.
De maneira análoga, percebe-se certo grau de distanciamento entre os
sistemas organização e família, à medida que a organização se desenvolve. Este
processo natural pode provocar prejuízo ao propósito comum da organização,
representado pelos objetivos da família. Contudo, identificou-se ao longo de todos os
estágios o envolvimento familiar como elemento que dá coesão, provê recursos e
confere integridade à organização, ainda que dele tenham surgido conflitos pontuais
que desencadearam crises.
O Gráfico 5-1 apresenta a curva longitudinal de crescimento do indicador de
tamanho da organização relativo à economia brasileira, em linha com o que é proposto
por Fleck (2009), que representa uma proxy do poder econômico da firma em um
determinado ponto do tempo. Plotar o indicador de tamanho proposto pela autora ao
longo do tempo permitiu a visualização da trajetória de crescimento da firma por toda
sua existência e possibilitou a identificação de períodos de crescimento, contração e
estagnação da firma relativo a um sistema econômico relevante, entre as
configurações. O Gráfico 5-2 por sua vez, apresenta a performance da organização
ao longo do tempo, a partir do indicador obtido pela razão entre lucro líquido e PIB.
Ambos indicadores incluíram dados contábeis relativos às duas firmas em análise,
pelo produto interno bruto do Brasil, no período de 1983 a 2015, período em que foi
possível levantar os dados relevantes. Não estiveram disponíveis dados relativos ao
período anterior ao ano de 1983.
136
Gráfico 5-1 - Curva longitudinal do tamanho da organização.
Gráfico 5-2 - Curva longitudinal da performance da organização.
A seguir são resumidas as principais constatações relativas ao mecanismo
central do crescimento (FLECK, 2009).
5.1 Estágio 01
O setor elétrico brasileiro viveu na década de 1980 uma série de desafios que
provocaram consequências para a viabilidade de seu modelo institucional entre o fim
desta década e início da década seguinte. Apesar disso, a existência das cooperativas
de eletrificação favorecia a execução de obras de eletrificação rural no interior dos
estados brasileiros. Em Pernambuco, a Celpe vivia condição menos dramática que as
demais concessionárias estaduais e estabelecia-se como principal ativo público do
governo estadual, instrumento de implementação de decisões políticas.
Um ambiente institucional piedoso e uma arena competitiva de características
de não punição a ineficiências e baixas barreiras de entrada induziam à formação de
pequenas empresas para execução de obras e prestação de serviço para as
concessionárias de serviços públicos e demais órgãos da Administração Pública.
Ademais, a fragmentação deste segmento de prestadores de serviço em engenharia
137
era compensada pelo volume significativo de obras comparativamente ao porte da
maioria dos players, o que significava reduzida hostilidade na competição, ainda que
tenham sido relatados eventos de maior disputa durante processos licitatórios.
Isto posto, a fundação da ABC Engenharia ocorreu num contexto de
empreendedorismo de necessidade, o que reflete a forte interação entre os sistemas
organização, negócio e família durante o período compreendido pelo estágio 01. A
família, neste momento, oferece contexto para decisões da organização, ao mesmo
tempo que pode prover a organização com serviços gerenciais e recursos
financeiro que, em alguns momentos, significaram folga para explorar oportunidades
produtivas de crescimento lucrativo (PENROSE, 1959), até mesmo com a
diversificação relacionada das operações.
Conforme será abordado a seguir, condições ambientais favoráveis não
significaram ausência de dificuldades no processo de criação e captura de valor.
Contudo, uma situação favorável ao crescimento e à renovação foi alcançada a partir
de um alto nível de empreendedorismo, associado à atuação dos fundadores e
suportado especialmente por sua habilidade de levantar recursos e a versatilidade
empreendedora. A eficácia da resposta ao desafio da navegação do ambiente a partir
da gestão dos stakeholders contribuiu ainda para a captura de valor do ambiente e
consolidação das imagem e reputação organizacionais.
A antecipação e formação de recursos humanos gerenciais e técnicos não se
configuraram traço organizacional marcante. No entanto, foram observados indícios
da atuação da liderança no sentido de promover a coesão organizacional e a
supervisão direta como principal mecanismo de coordenação das partes da
organização. Há indícios de que se tinha fácil intercâmbio de recursos entre as áreas
operacionais.
Problemas decorrentes da complexidade advinda do crescimento, por sua vez,
foram tratados de maneira ad hoc sem que tenham sido coletadas evidências de
desenvolvimento de competências para resolução sistemática de situações
complexas. A não adequação das respostas relativas ao desafio da gestão da
complexidade contribuíram para problemas também nos demais desafios, afetando o
mecanismo central de crescimento saudável (FLECK, 2009).
Tais constatações convergem para aquilo que afirmam Churchill e Lewis (1983)
ser característica relevante do estágio de existência de um pequeno negócio, a
estrutura organizacional simples, fundamentalmente dependente da atuação dos
138
fundadores, cujo esforço esteve quase que integralmente voltado ao desenvolvimento
da técnica, inexistindo praticamente a atividade organizada de gestão. Este traço
organizacional foi alterado à medida que o ingresso de familiares à firma, seu próprio
crescimento e estabilização das operações promoviam a gradativa alocação de
responsabilidades aos diretores-familiares, embora o poder de tomada de decisão
permaneceu centralizado no presidente. O Quadro 5-1 apresenta as principais
constatações referentes às dimensões estruturais analisadas e indicam seu
alinhamento ao que consideram Churchill e Lewis (1983) serem características
associadas ao primeiro estágio de desenvolvimento de seu modelo.
Quadro 5-1 - Dimensões de análise estrutural x Estágio I (CHURCHILL & LEWIS, 1983).
Este é o estágio que Churchill e Lewis (1983) denominam existência. Segundo
os autores, a organização persegue a estratégia de simplesmente permanecer ativa
e a instabilidade de suas operações é uma constante, o que denota a importância do
desafio do empreendedorismo para a criação de valor e continuidade da existência da
firma. Ainda de acordo com eles, este é o período em que são críticos para a firma a
habilidade dos fundadores para levantar recursos e o alinhamento entre seus objetivos
pessoais e aqueles da organização.
139
5.1.1 Desafio do empreendedorismo
A coleta de dados procedida de acordo com a metodologia deste trabalho
encontrou limitação na disponibilidade de dados históricos do período de 1974 a 1982.
Faz-se relevante a análise dos indícios que apontam para as condições de formação
organizacional e também características pessoais dos fundadores, que exerceram
influência não apenas na estrutura da organização em seus primeiros estágios, mas
também podem dar pistas sobre o processo de infusão de valores.
Algumas evidências sobre o modus operandi da organização deste estágio a
que se chamou antecedentes foram obtidas através de relato de sua cofundadora,
aqui referidos como imprinting organizacional, que contribuiu para a determinação de
muitas das características da dinâmica dos processos de criação e captura de valor
pela firma. Assim, partiu-se do princípio de que o sensitive period a que se referem
Marquis e Tilcsik (2013) está compreendido pelo estágio de antecedentes, cujo efeito
sobre a organização reflete elementos do ambiente de maneira persistente na
trajetória organizacional, tal qual expõem os autores.
Um primeiro aspecto importante para que se analise o contexto deste período
está na configuração do próprio mercado em que a organização se inseriu. Conforme
apontam os fatos apresentados no histórico do ambiente, as décadas de 1960 e 1970
foram marcadas pelo movimento de conformação do primeiro modelo institucional do
setor elétrico, aquele baseado na centralização da autoridade sob a figura do Estado.
Por consequência da atuação estatal e seu papel indutor do desenvolvimento
nacional, há indícios da ocorrência de investimentos orientados à expansão do parque
produtivo e de infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica no país,
fato este reforçado pelo estabelecimento das chamadas cooperativas de eletrificação,
telefonia e desenvolvimento rural em todo o Brasil, para as quais havia disponibilidade
de crédito para investimento.
Diante deste contexto inicial, Fernando visualizou a oportunidade de atuar na
execução de serviços complementares àqueles prestados pela firma na qual
trabalhava. Sua ambição inicial era de montar uma empresa habilitada a executar
serviços de construção de redes para energização das subestações construídas pela
própria Spig. Cabe destacar aqui a ocorrência de problemas de saúde no contexto
familiar como gatilho para a decisão de fundar a ABC Engenharia, condição que
denota natureza de empreendedorismo de necessidade. Segundo relatos de Ana
140
Maria, entretanto, era fator restritivo da execução de sua visão empreendedora um
outro traço pessoal seu, a aversão ao risco.
Ele era um cara que veio de baixo, que não tinha tantas condições financeiras, então ele tinha muito medo, e tinha muito medo por conta do nome dele. Ele preocupava-se muito com o nome dele. (Ana Maria)
O Quadro 5-2 resume o comportamento da organização segundo as principais
dimensões referentes ao desafio do empreendedorismo durante a primeira fase de
sua trajetória.
Dimensão Comportamento Organizacional
Ambição Busca pela exploração das oportunidades de execução de obras, motivada por empreendedorismo de necessidade.
Versatilidade Atuação comercial na direção da ampliação do portfolio de serviços. Reduzida capacidade de viabilização de diversificação relacionada.
Habilidade em levantar fundos
Empréstimos bancários, reinvestimento de lucros e ‘jogo do dinheiro’. Captação de recursos de familiares para execução de novos contratos.
Julgamento
Preocupação do fundador com a reputação e imagem da firma atuava no sentido de aversão à risco, mas não foram identificados mecanismos formais quanto ao julgamento de risco.
Ambidestria
Exploitation – evidenciada pelo aprimoramento das atividades já existentes e desenvolvimento de mecanismos de controle gerencial. Exploration – evidenciada pelo esforço no sentido de ampliar o portfolio de serviços.
Motivações
Produtivas – aquisição de recursos produtivos que estimulam o esforço comercial por novos contratos, para ganhos em escala. Defensiva – diversificação iniciada como mecanismo de recuperação de volume financeiro, após afastamento temporário de fundadores.
Quadro 5-2 - Resumo do Desafio do Empreendedorismo, estágio 01.
A ambição empreendedora de Ana Maria foi fundamental para que a ideia
visualizada pelo seu marido pudesse ser implementada. Foram a sua atitude de
acreditar naquilo que propunha seu marido e a energia investida que impulsionaram
a constituição da firma, numa estrutura simples e muito característica do estágio de
existência proposto por Churchill e Lewis (1983), em que os próprios fundadores
estavam envolvidos na execução das tarefas técnicas e eram orientados à atividade
empreendedora. Neste aspecto, há evidências de estar a atuação da ABC Engenharia
orientada à captação de obras, de modo a prover recursos financeiros para a
manutenção da firma e continuidade de suas operações.
141
Segundo relato de Ana Maria, a grande dificuldade durante os primeiros anos
era a falta de capital de giro. Este era, pois, um período em que a capacidade técnica
da ABC Engenharia limitava sua atuação e as primeiras alianças e parcerias eram
formadas. Por outro lado, a instabilidade operacional de uma firma que buscava a
viabilidade de sua existência também implicava baixa disponibilidade de recursos para
investimento em ativos fixos e recursos organizacionais para expansão da
capacidade. Por este motivo, era prática comum a realização de obras no modelo de
subcontratação de pessoal e equipamentos.
A gente tinha uma caminhonete e um caminhão velho [...] e alugava, se precisasse, caminhão nas localidades, alugava trator para puxar poste, porque, na época, não era como a gente vê hoje, os engenhos eram muito precários, era por dentro das canas, era muito precário, precisava de trator para abrir estradas, [...] era tudo alugado, não tinha dinheiro. A gente começou a firma sem capital de giro. (Ana Maria)
Aspecto crítico para sua sobrevivência era, então, a habilidade de Ana Maria
em levantar recursos e gerir suas utilização e alocação, o que implicava a
necessidade do que ela chamou jogo do dinheiro, ou seja, o reinvestimento dos fluxos
financeiros de uma obra para execução de outras. Este mecanismo incluía, sempre
que disponível e necessário, aportes de capital próprio adicionais dos sócios,
conforme indicado em seu relato. Quando necessário, recorria-se a banco para
aquisição de empréstimos, motivados sobretudo por atrasos nos recebimentos,
associados à vulnerabilidade do ambiente a condições políticas dos órgãos
contratantes.
Como o dinheiro era pequeno, uma parte era paga em adiantamento [...], daí a gente ia fazendo o jogo do dinheiro, uma obra ia ajudando a financiar a outra. A maior dificuldade era o capital de giro, pois tinha muito serviço que englobava material e mão de obra. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. Nessa época, não era difícil receber dinheiro. As usinas não faziam as obras com recursos próprios, era financiado sempre através do Banco do Brasil. (Ana Maria)
Merece comentário a recorrência de relatos acerca da aversão a riscos que
Fernando apresentava. Alguns dos entrevistados associaram tal característica a sua
preocupação com a imagem e reputação da firma, que carregava seu nome. É
possível ainda que este também tenha sido um traço de sua própria personalidade.
Há indícios, entretanto, de tal atitude do fundador da organização atuar como fator
restritivo à tomada excessiva de riscos. Exemplo da influência deste traço sobre os
primeiros estágios de desenvolvimento da firma pode ser observado a partir de sua
142
decisão de permanência em seu cargo na Spig, até que a ABC Engenharia provasse
sua capacidade de geração de caixa.
Com isso, a contribuição financeira da firma neste primeiro momento teve
caráter complementar à renda da família, fato que inclusive estimulou, quando
disponível, o reinvestimento da folga de capital no negócio, o que contribuiu para as
primeiras aquisições do patrimônio imobilizado e ativos fixos da organização,
conforme indica o relato de Ana Maria. Assim ocorreu a aquisição e construção de
sua sede própria, marco importante para a consolidação da organização e que
representou a ambição de sua liderança em criar a estrutura necessária para que a
firma pudesse crescer.
Este traço, que contribui para o julgamento sobre os riscos inerentes ao
empreendedorismo, poderia ser apontado como fator limitante às motivações para
expansão. Contudo, a própria instabilidade operacional característica deste primeiro
estágio organizacional impunha a necessidade de arriscar e encontrava o contraponto
na atitude empreendedora de Ana Maria, que, tal qual apresenta em seu relato,
acreditava haver potencial de viabilidade para o crescimento da firma.
Na verdade, a gente estava com dinheiro para comprar [a sede própria], então compramos para investir o dinheiro na firma, pensando em expandir, crescer. Eu sempre pensei para frente, ainda hoje eu penso. Ele [Fernando] tinha medo de arriscar. [...] Começamos sem dinheiro. Em vários momentos ele ficava com medo de investir, perguntava se podíamos comprar um caminhão, eu sempre dizia para comprar três, mesmo sem ter o dinheiro. Ele ganhava confiança e encarava. Eu sempre cuidei do dinheiro e das dívidas. (Ana Maria)
Há indícios de a disposição a investir e expandir a firma estar associado à não
distinção, àquele momento, do que seria patrimônio pessoal, ou familiar, dos
fundadores e o que seria patrimônio da firma. Este fator, segundo relata Ana Maria,
era motivado pelo desejo de fazer a firma crescer.
[Fernando] não pensava muito nisso não [separação do patrimônio familiar], pois a preocupação maior dele era em fazer a firma crescer. [...] Tudo o que a gente ganhava, colocava de volta na própria firma. (Ana Maria)
Reforçava este desejo a existência de oportunidades de crescimento, à medida
que a firma executava as obras contratadas e participava de novos processos de
contratação. Neste sentido, foram observadas ações de captação de novas obras
rurais que exemplificam táticas de exploitation, onde o esforço organizacional focou
no aprimoramento das práticas existentes não apenas para aumento do volume de
obras, mas também para buscar melhores retornos daquelas em execução.
Consequência disto foi o crescimento inercial observado na organização durante o
143
início dos anos 1980, a partir de obras dos programas de eletrificação de localidades
rurais da Celpe e cooperativas de eletrificação com atuação em âmbito estadual.
Sua motivação para expansão aproxima-se de um caráter produtivo através
do modo de crescimento inercial (FLECK, 2016), à medida que se buscava o
crescimento a partir da replicação das operações tendo em vista possíveis ganhos de
escala. Exemplo disto pode ser a aquisição de frota de veículos e equipamentos em
substituição à alternativa de locação destes ativos, iniciativa comum durante a década
de 1980, enquanto o volume operacional não viabilizava tal investimento.
Em decorrência desta forma de expansão, a firma dotava-se de uma estrutura
que criava condições para que novas expansões ocorressem, a partir da formação de
mão de obra experiente e aquisição de equipamentos, que compunham pool de
recursos disponíveis para a organização. Uma vez que as contratações para
execução de obras ocorriam por projeto, a sazonalidade característica das obras era
fator de estímulo ao esforço para criação e captura de valor a partir das oportunidades
identificadas no ambiente, fato este que impulsionou a atividade empreendedora
observada na organização em busca de superar a instabilidade operacional, marcante
no estágio de existência (CHURCHILL E LEWIS,1983). Assim, a geração da folga
organizacional em termos de conhecimento, capacitação técnica e também de
recursos produtivos experientes e subutilizados ofereceu estímulo à busca por novas
contratações até mesmo nos movimentos de caráter defensivo e híbridos da
organização, o que configura mecanismo de crescimento contínuo (FLECK, 2003) e
favorece a renovação organizacional.
A versatilidade pode ser identificada a partir de movimentos característicos do
que Fleck (2016) chamou modo estrutural de crescimento. Estes foram observados
principalmente a partir da segunda metade da década de 1980, quando a organização,
impulsionada pela busca de sua estabilidade operacional, realiza movimento de
diversificação relacionada. Pode-se associar esta iniciativa ao modo de crescimento
estrutural, segundo o qual a organização buscou fazer uso de recursos ociosos para
promover a expansão, sendo operacionalizada por meio da captação de contratos
para execução de obras civis, para clientes públicos e privados.
Este movimento permitiu à ABC Engenharia ampliar seu portfolio de serviços,
o que configura alternativa de exploration, na busca de novas bases para seu
crescimento. Ao permitir a ampliação do leque de atuação da firma e da base de
144
clientes, atendendo ao objetivo de recuperação da estabilidade operacional, mas
também imprimindo à organização novo ritmo de trabalho.
Consequência direta deste processo foi a aquisição de capacidade técnica para
execução de modalidades de obras distintas, tanto do ponto de vista de acervo
técnico, quanto de recursos produtivos para tal. Deste período resultou a contratação
por clientes do segmento público, com destaque para Prefeitura do Recife, Compesa,
entre outros, mas também clientes privados.
Nessa época, a Celpe não era o forte da empresa não, o que sustentava mesmo a família eram as obras [...] A Celpe já era importante, mas mais representativas eram as obras civis, em termos de faturamento. (Joaquim)
Os fatos e dados observados indicam circunstâncias em que houve a iniciativa
da organização em criar valor, estimuladas por oportunidades visualizadas pelos
fundadores. Exemplo de uma iniciativa de diversificação através do desenvolvimento
de competências relacionadas ao core da organização foi um contrato com a
Compesa, para a montagem e instalação de quadros elétricos em subestações de
ETAs da companhia. Por outro lado, este também exemplifica o entrave à condição
de renovação e crescimento imposto pela falta financeira e reduzida capacidade de
investimento, conforme indica Ana Maria.
Quando a gente pegava obra na Compesa [montagem de subestação], a gente encomendava os quadros com Paulo Carneiro, que era especialista nisso. [...] Por mim, teria feito uma fábrica daquilo. No momento, não podíamos fazer muita coisa, o que dava dinheiro para a gente viver eram as subestações e as linhas de transmissão. (Ana)
A organização buscou ativamente criar valor para seus stakeholders foi a
gradual estabilização operacional. Esta condição foi resultado de níveis altos de
empreendedorismo durante o estágio em que a organização buscou a viabilidade de
sua existência. Desta atividade empreendedora, pode-se identificar duas vertentes
principais, o crescimento inercial através das contratações para execução de obras
em redes elétricas e a diversificação relacionada para as obras civis. Logo, o
comportamento adequado ao desafio do empreendedorismo contribuiu para que
a ABC Engenharia fosse conduzida a seu segundo estágio de desenvolvimento,
aquele de luta pela sobrevivência (CHURCHILL & LEWIS, 1983).
5.1.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico
Segundo Fleck (2009), o processo de captura de valor e a legitimidade
organizacional dependem da capacidade de a firma navegar no ambiente dinâmico
145
em que atua. Estes são requisitos para a condição de renovação e crescimento
necessária à propensão ao crescimento saudável. Os esforços para criação de valor
têm sua efetividade condicionada à capacidade de a organização capturar aquele
valor. Mesmo em um ambiente competitivo e institucional ditos piedosos, a gestão de
stakeholders ganha especial relevância no que diz respeito a respostas ao desafio da
navegação no ambiente, para que esta captura ocorra. Também o monitoramento do
ambiente se faz imprescindível a este processo.
A análise dos fatos e dados obtidos sobre o primeiro momento da trajetória
organizacional da ABC Engenharia permite constatar ter sido a firma capaz de
construir legitimidade organizacional frente a agentes externos e internos, inclusive
perante a família. Também foram encontradas evidências de que a firma conseguiu
capturar valor a partir de iniciativas de gestão de stakeholders com significativa
influência do networking profissional de seu fundador, o que contribuiu para a captura
de valor criado pela atividade empreendedora.
Em primeira análise, os dados obtidos levam à caracterização do ambiente
como piedoso. Conforme indicado no relato histórico, a década de 1970, durante o
período de formação e imprinting da firma, o modelo institucional do setor elétrico
centrado no papel do estado como controlador significou investimentos na expansão
do parque produtivo e, consequentemente, nos segmentos de transmissão e
distribuição. Somou-se a isto a abertura de linhas de crédito para eletrificação rural e
a instauração das chamadas companhias de eletrificação rural. Este cenário significou
abundância de obras, o que indica reduzida pressão competitiva entre os players do
segmento, em geral penas firmas com atuação local.
Contudo, condições favoráveis não significaram ausência de dificuldades no
processo de captura de valor. A instabilidade operacional identificada nos primeiros
anos da década de 1980 reflete dificuldades que a característica de baixa
previsibilidade das contratações para execução de obras impôs ao desafio de
navegação do ambiente, ainda que a natureza piedosa seja sobressalente no
ambiente.
Estão associados a esta condição indícios que sugerem ações de
monitoramento do ambiente para captura de oportunidades. Estas iniciativas incluem
a participação em licitações, mas também ações mais ativas no sentido de influenciar
clientes a executar determinados projetos. Este fato, aliás, remete ao poder que
elementos relacionais exerciam sobre a legitimidade e capacidade de captura de
146
valor. Reforça esta percepção a forma como muitos dos órgãos públicos, no período
anterior à chamada Lei de Licitações (8.666/93), contratavam, através de carta-convite
e dispensa de licitação, de modo que o relacionamento e a cadeia de contatos prévios
de Fernando representaram recurso valioso à organização.
Neste sentido, Ana Maria menciona características da personalidade de
Fernando como fatores críticos para o esforço comercial da firma e gradativa
construção da reputação da firma a partir de seu conhecimento técnico e sobretudo
de seu networking profissional, conforme comenta:
Ele era um homem de muitos amigos, era de muito bom relacionamento e comunicação. Ele era bom engenheiro, mas era mais de comunicação, era político. (Ana Maria)
Ele [Fernando] era muito mais um cara político, ele era muito mais de um carisma grande. Ele era o homem de arranjar a obra, de ir, de ser convidado, de participar, de elaborar custos [...] (Roberto)
Ele era muito bem quisto, não só pelos funcionários, mas também com o pessoal da Celpe. Ele fazia como se fosse um papel de relações públicas e marketing. Ele visitava quase que diariamente os setores com quem tínhamos interface na Celpe, os gestores, ele era muito bom nessa parte de relacionamento. Ele já tinha um bom conhecimento lá na Celpe desde muito tempo. [Irineu]
Por outro lado, a forte interface que o sistema organização teve com sistema
família condicionou também sua capacidade de captura de valor à legitimidade
daquele perante este. Afinal, o stakeholder família foi, naquele momento, a própria
razão de existir da firma, o que significa que a família oferece contexto para
decisões da organização.
Em suma, o comportamento da organização relativo ao desafio da navegação
no ambiente dinâmico oferece indícios de adequação aos requisitos necessários para
favorecer a condição de renovação e crescimento organizacional. Embora não tenha
sido identificado significativo efeito de moldar o ambiente em que atua, o esforço
organizacional desprendido para a construção de sua legitimidade perante seus
stakeholders oferecem indicativos de sua capacidade de capturar valor no ambiente,
aspecto complementar às iniciativas de criação de valor.
5.1.3 Desafio da provisão de recursos humanos
Penrose (1980) aponta como um dos principais fatores limitantes do
crescimento organizacional a disponibilidade de recursos humanos qualificados e
chama atenção para o fato que os serviços disponíveis destes recursos também
decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe. Em linha com o
que expõe a autora, Fleck (2009) identifica o desafio da provisão de recursos humanos
147
a partir da necessidade destes para suportar o crescimento. Segundo ela, é tarefa da
organização prover a firma com recursos humanos que atendam à demanda em
quantidade e qualidade de serviços disponíveis, de forma continua, planejada e
idealmente em antecipação à efetiva necessidade. A análise deste desafio à luz do
que propõe Fleck (2009) incorpora as dimensões de seleção, formação/capacitação,
renovação, retenção e sucessão do capital humano organizacional como forma de
preparar a organização para seu processo de expansão saudável.
Adicionalmente, Churchill e Lewis (1983) advogam que a necessidade de
pessoal é um dos fatores críticos de gestão proeminentemente ligados à propensão
ao sucesso ou declínio organizacional. A visão destes autores é importante para a
análise da organização em estudo sobretudo por abranger não apenas os recursos
gerenciais, mas também a mão de obra direta e staff técnico. Segundo apontam, a
questão de pessoal tem sua importância relativa aumentada à medida em que a firma
evolui entre os estágios de crescimento por eles apresentados.
O primeiro estágio organizacional oferece evidências do que os autores
afirmam ser característica do estágio inicial de existência de pequenos negócios,
durante o qual a necessidade de recursos gerenciais é quase que em sua totalidade
absorvida pelo envolvimento direto dos próprios fundadores. Por consequência,
há evidências de que a atividade gerencial nesta primeira fase evolutiva foi fortemente
limitada e dependente do esforço dos fundadores em dar vida ao próprio negócio. Não
obstante, pela distinta natureza de suas operações, a provisão de recursos humanos
qualificados para a execução dos serviços mostrou-se um importante desafio desde
os antecedentes da organização.
Há indícios da atuação de dois fatores sobre os mecanismos de provisão de
mão de obra técnica neste primeiro momento: a necessidade de corpo técnico
qualificado e a instabilidade operacional. A própria existência da firma era, pois,
dependente da execução eficiente e com qualidade dos serviços a que se prestava,
de modo a sustentar a imagem e reputação tão importantes para sua legitimidade
perante seus clientes. No entanto, o volume de serviços contratados durante seu
período inicial muitas vezes não comportava a efetiva contratação de pessoal, uma
vez que não havia garantia de que novas obras estariam disponíveis para as equipes
sempre que houvesse a conclusão de obra anterior.
Segundo apontado no relato histórico, a alternativa que se mostrou viável à
provisão de pessoal para execução dos serviços nos primeiros anos da década de
148
1980 foi a subcontratação de equipes nas localidades onde as obras eram realizadas.
Não havia, assim, preocupação com o gerenciamento de recursos humanos, sendo
priorizada a aquisição de novas contratações para manutenção do funcionamento da
organização. Consequentemente, tinha-se padrão reativo às necessidades de
pessoal, para as quais não se buscava agir antecipadamente.
À medida que a ABC Engenharia conseguia estabilizar suas operações através
da realização de obras de maior porte e, posteriormente, da diversificação de serviços,
a subcontratação de mão de obra mostrava-se ineficiente e expunha a necessidade
de formar equipes próprias. Implementou-se, então, um primeiro processo de seleção
direta de pessoal para a formação de equipes de campo próprias, que foi ocorrendo
a partir da identificação de pessoal experiente entre as equipes terceirizadas.
Há de se destacar também a prática de seleção e contratação de pessoal a
partir de equipes já formadas e disponíveis quando da contratação por determinados
órgão contratantes. Normalmente, este era o caso de contratos pontuais, quando se
buscava incorporar a mão de obra que já havia prestado aquele tipo de serviço
anteriormente. Isto era possível considerando ser prática comum aos demais players,
geralmente também de pequeno porte, a mobilização e desmobilização de pessoal
segundo necessidade de obra. Permanecia, entretanto, a atitude reativa à
necessidade de formação de equipes, sem que fosse considerada a antecipação à
necessidade aludida por Penrose (1980).
A gente procurava formar as equipes de acordo com o serviço que ia aparecendo. Às vezes, em determinados órgãos, já tinha equipe que tinha trabalhado para outra firma, prestando o mesmo tipo de serviço, daí migravam [para a ABC Engenharia]. (Ana Maria)
A formação das primeiras equipes de mão de obra direta ocorreu mediante
recrutamento dentre pessoal subcontratado. Ademais, há indícios de ser a indicação
de funcionários mecanismo importante para captação de recursos humanos,
ocorrendo, em geral, de maneira não antecipada à necessidade efetiva, dada a
sazonalidade das obras durante este estágio de desenvolvimento.
Ainda no que tange a formação de equipes, foi relatado baixo nível de
exigências relativas à qualificação e capacitação formal de pessoal. Em virtude da
reduzida disponibilidade de mão de obra experiente e das baixas exigências
institucionais sobre este aspecto, a formação técnica era resultado do aprendizado na
prática. Este fato, aliás, favorece a característica de compartilhamento de recursos
149
entre as áreas operacionais da firma, o que favoreceu a formação de equipes
experientes e versáteis.
Não foram encontradas evidências sobre adequação às respostas da
organização às dimensões de renovação e sucessão de pessoal. Contudo, há indícios
que apontam para a ação dos fundadores em promover a retenção de pessoal,
através do relacionamento transparente e direto com os recursos humanos.
Desta forma, há indicativos de adequações e inadequações das respostas ao
desafio da provisão de recursos humanos decorrente do processo de crescimento. De
maneira geral, respostas não antecipadas a este desafio não contribuem para a
produção de folga organizacional necessária para a propensão ao crescimento
saudável (FLECK, 2009).
5.1.4 Desafio da gestão da diversidade
Por definição, o desafio da gestão da diversidade ganha relevância à medida
em que a organização se expande, adquire novos recursos e altera sua estrutura em
decorrência do processo de crescimento. Tal ponto de vista sugere que a atuação
direta dos fundadores e a estrutura organizacional simplificada até o fim da década de
1980 atuam no sentido de atenuar a ocorrência da heterogeneidade e seus efeitos.
As principais constatações acerca da diversidade organizacional durante o estágio 01
são resumidas no Quadro 5-3.
Dimensão Comportamento Organizacional
Heterogeneidade Heterogeneidade de recursos produtivos foi ampliada a partir da diversificação para o segmento de construção civil.
Mecanismos de coesão e sinergia
O envolvimento direto dos fundadores é elemento de coordenação e coesão.
Conflitos e rivalidades
Não foram identificadas fontes potenciais de conflitos e rivalidades.
Quadro 5-3 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 01.
Conforme mencionado anteriormente, este período de análise foi caracterizado
pelo forte envolvimento dos fundadores nas atividades cotidianas. Desta forma, a
supervisão direta constituiu principal mecanismo de coordenação e sinergia entre as
partes, à medida que as equipes operacionais e supervisores técnicos respondiam
diretamente aos fundadores.
150
Segundo sugerem os relatos obtidos, este fato permitiu o desenvolvimento de
traço organizacional caracterizado no relacionamento transparente e aberto entre a
família e os funcionários. Tal traço contribuiu de maneira fundamental não só para
criar um clima positivo de trabalho e reter pessoal, mas também para promover a
unidade e coesão internas à organização. Neste sentido, observou-se ser um princípio
básico da organização a valorização de seus funcionários, o que induziu ao
desenvolvimento de características positivas para o ambiente de trabalho. Neste
aspecto, o papel de Fernando enquanto líder da organização se mostrou relevante,
sendo atrelada à sua imagem o posicionamento correto e honesto da firma perante
seus funcionários. Os relatos dos entrevistados indicam haver tal percepção tanto do
lado da família, quanto dos próprios funcionários.
O gabinete dele [Fernando] sempre foi aberto para receber qualquer empregado, do contínuo ao supervisor. Ele valorizava isso. Ele gostava muito de amizade, era carismático, apesar de ter um temperamento forte. A gente conhecia quase todos eles pelo nome, inclusive eu também conhecia. [...] Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. [...] A ABC Engenharia tem uma característica que poucas empresas têm. Essa cultura de ser honesto com os funcionários vem desde o início. [...] Ajudou a criar uma imagem de uma firma amiga, uma firma honesta, entendeu? Porque a gente tinha abertura com os funcionários. (Ana Maria)
Trabalhar na ABC sempre foi bom. Eu só tenho o que elogiar a ABC, porque é uma empresa que nunca atrasou um pagamento. [...] Outra coisa são os patrões, cada um melhor que o outro. Dr. Fernando para mim foi um pai que eu não tive, era muito compreensivo, sempre tinha uma solução para o problema e isso é bom demais para a relação entre o patrão e funcionário. (Antônio)
Além disso, o alinhamento de objetivos entre os sistemas organização e família
promovido pela inter-relação entre estes sistemas, posteriormente reforçado pelo
ingresso dos primeiros familiares não-fundadores à organização, reforça as forças
atuantes no sentido de promover e manter a integridade organizacional. Por isso, o
envolvimento familiar constitui elemento relevante para a coesão organizacional, uma
vez que a família oferece contexto para decisões e ações implementadas na
organização.
Em contrapartida à instância de renovação representada pelo movimento de
diversificação das atividades também para a realização de obras civis, a organização
experimentou aumento da heterogeneidade de seus recursos. Isto pode ser
observado a partir de elementos como a dispersão geográfica da atuação das equipes
em atendimento às obras de eletrificação rural, a diferença entre competências e
procedimentos técnicos entre profissionais envolvidos nas obras civis e de elétrica, na
dinâmica do relacionamento comercial com órgãos públicos e entes privados, ou até
151
mesmo na própria expansão do quadro de funcionários, conforme apontam os relatos
do período. Contudo, há evidências de ser prática comum o compartilhamento de
recursos produtivos entre as obras civis e elétricas, sem que tenham sido obtidos
indícios de pressões de fragmentação que dessem origem à conflitos ou rivalidades
internas.
Desta forma, pode-se constatar adequação no comportamento organizacional
frente ao desafio da gestão da diversidade. A baixa heterogeneidade, a inter-relação
com o sistema família e a coordenação direta das atividades pelos fundadores foram
os elementos base da promoção e manutenção da coesão organizacional.
Adicionalmente, a atuação da liderança institucional em relação ao desenvolvimento
do relacionamento família-funcionários lançou as bases para o processo de infusão
dos valores familiares à organização, conforme será tratado nos estágios posteriores.
5.1.5 Desafio da gestão da complexidade
Conforme destacado por Fleck (2009), à medida que uma organização cresce,
sua rede de interconexão com elementos externos aumenta e torna-a mais complexa,
o que exige a resolução de problemas de forma sistemática. Adicionalmente, Churchill
e Lewis (1983) comentam sobre a estrutura simples sobre a qual se inicia o
desenvolvimento do pequeno negócio, durante a fase em que o esforço dos
fundadores está orientado à atividade empreendedora, o que significa reduzido foco
em sistemas de controle e informação.
Não foram coletados dados suficientes para analisar em profundidade o
processo de solução de problemas e tomada de decisão na organização durante este
primeiro período de análise. Uma análise mais profunda sobre o desafio da
complexidade implica em pormenorizar as maneiras encontradas pela empresa para
solucionar os problemas relativos ao aumento de interdependência entre as suas
partes.
Sistemas de informação e controle eram primitivos e a baixa burocratização era
consequência de procedimentos formais e padronização praticamente inexistirem.
Tinha-se uma estrutura simples, em que os proprietários, além de desenvolver
atividades, supervisionavam diretamente a execução das tarefas. Além disso,
identificou-se elementos que indicam alta flexibilidade operacional, dada a baixa
especialização de pessoal. Neste aspecto, Ana Maria relata seu envolvimento com
atividades técnicas de apoio às obras durante os primeiros anos da configuração 01.
152
A empresa só era eu e Fernando basicamente [...], eu atendia, era secretária, fazia levantamento. A Celpe tinha um padrão técnico, a topografia passava as informações e tinha que levantar qual seria a estrutura a ser usada em cada poste. Ele [Fernando] recebia o projeto e eu ia fazendo este levantamento. Hoje em dia quem faz é o computador, mas, na época não tinha computador. (Ana)
Outro fator que evidencia a simplicidade da estrutura na qual operava a
organização é seu relato acerca da proximidade e informalidade de comunicação
com os funcionários, que aponta também para a inexistência de procedimentos
formais e sistemas de controle. Ademais, seu relacionamento com o cliente e sua
imagem no mercado são frequentemente apontados por Ana Maria ambos como
feedback para controle de atividades e fontes de oportunidades de expansão, tal qual
propõe Churchill e Lewis (1983) como elementos característicos deste estágio
evolutivo.
A gente conhecia quase todos eles [funcionários] pelo nome, inclusive eu também conhecia. Ainda hoje conheço alguns que ainda estão lá, que eram daquela época. A gente conhecia todo mundo por nome, encarregado de turma, supervisor, motorista. Isso criava um laço de amizade, um relacionamento mais saudável entre a firma e os funcionários. (Ana)
Em decorrência do exposto, há relatos de entrevistados dos quais se pode
desprender a resolução de problemas a partir de métodos de “apagar incêndio”, além
de que não se identificou mecanismos de disseminação do aprendizado
organizacional. Estes favorecem a resolução de problemas de forma pontual.
É possível identificar como soluções ad hoc as iniciativas para contornar a
situação de disponibilidade de caixa e capital de giro relatadas por Ana Maria. A
recorrência de situações de dificuldades financeiras ao longo de todo este primeiro
período analisado e a inexistência de planos definidos para resolução do problema
indicam não ter havido aprendizado organizacional capaz de promover mecanismos
que reduzissem a possibilidade de exposição a tal risco. As soluções identificadas,
embora permitissem a execução dos contratos e possibilitassem os movimentos de
expansão, denotam iniciativas ad hoc para contornar situações reincidentes.
Reforça também tal percepção a ausência de planejamento para o ingresso de
familiares na gestão da organização. A falta de definição sobre planos para mitigar
riscos decorrentes deste envolvimento contribuiu negativamente para a exposição
organizacional a ameaças e caracteriza ações de caráter “apagar incêndios”.
Ademais, há indícios de ser a consciência da complexidade inerente ao
crescimento elemento de desincentivo à expansão por parte da liderança, conforme
153
indica o relato de Ana Maria acerca da preocupação de Fernando sobre o potencial
de perda de controle sobre a organização à medida que esta pudesse crescer.
Mas ele [Fernando] não imaginava em fazer a firma chegar ao tamanho que é hoje.
Ele tinha medo de aumentar muito o número de funcionários. Ele achava que, se a
firma crescesse muito, ele podia perder o controle de tudo. (Ana Maria)
Contudo, a partir da análise dos efeitos do desafio da complexidade sobre os
demais desafios do crescimento, pode-se obter evidências que sugerem ausência de
processo sistemático de coleta de dados, análise e tomada de decisão. Ao contrário,
os indícios apontam para a tomada de decisão, cujo poder esteve centralizado nos
fundadores, fortemente baseada na percepção da liderança, com ações de natureza
intuitiva, o que não favorece o crescimento saudável (FLECK, 2009).
5.1.6 Gestão da folga organizacional
O processo de crescimento produtivo (CHANDLER, 1977) tem potencial de
geração de folga de recursos organizacionais transferíveis, que alimentam o
desequilíbrio produtivo (PENROSE, 1959) e incentivam novas expansões, podendo
ativar o que Fleck (2003) chamou de motor do crescimento contínuo. Este excesso de
recursos, se empregado eficientemente, cria vantagens para a firma e contribui para
a manutenção da capacidade de crescimento de uma organização. Caso contrário,
pode haver a geração de desperdício, o que pode implicar a ativação de mecanismos
de deterioração.
O início do primeiro estágio de desenvolvimento organizacional, conforme já
mencionado, foi um período de dificuldade em que a operação da firma apresentava
ainda significativa instabilidade. Isto posto, evidências apontadas anteriormente
indicam haver pouca, ou nenhuma, folga de recursos produtivos durante o início dos
anos 1980.
A dificuldade para a geração de folga de ativos fixos e pessoal, neste caso,
residia no modo de operação inicial que a organização adotava para a execução das
obras, frente à baixa capacidade de investimento e à instabilidade operacional. Ou
seja, o modelo de execução de obras rurais baseado no aluguel de equipamentos e
subcontratação de pessoal inibia a geração da folga produtiva, o que não contribuiu
para o incentivo a movimentos de expansão naquele momento que a organização
vivia o período chamado por Churchill e Lewis (1983) de existência.
154
Neste sentido, conforme indicam os relatos de Ana Maria, os primeiros
investimentos em equipamento próprio para a execução das obras foi possibilitado
pelo reinvestimento do fluxo proveniente das obras realizadas, o que passou a
representar certa folga financeira e resultou também na compra do terreno e posterior
construção da sede da organização em 1980.
Conforme apontado na seção que trata da provisão de recursos humanos, as
primeiras equipes de pessoal próprio foram formadas a partir da mão de obra
subcontratada. Essas pessoas, embora tenha sido comentado sobre as baixas
exigências quanto à qualificação formal, significavam mão de obra experiente para a
execução de obras elétricas. Este processo passou a ocorrer, à medida que a firma
captava contratações para obras maiores que aquelas inicialmente executadas para
os chamados engenhos.
Há indícios de que a disponibilidade de mão de obra experiente passou a atuar
como incentivo à movimentos de expansão a partir do fim dos anos 80 e início da
década de 1990, quando a organização realizou movimento de diversificação e
buscou captar contratos com outros clientes, tal qual abordado anteriormente. O relato
de Joaquim oferece indícios de que a sazonalidade das obras e seu estágio de
desenvolvimento induziam à busca por novos contratos, de modo a perseguir melhor
utilização daqueles recursos que iam sendo desmobilizados e consequentemente
tornavam-se subutilizados, o que remete à ideia do motor de crescimento contínuo
ativado pela folga de equipes experientes (FLECK, 2003).
A gente acabava uma obra, já tinha que pegar outra para poder garantir as equipes.
(Joaquim)
Vista sob outra perspectiva, a disponibilidade de pessoal experiente abria
também a possibilidade de a firma alocar equipes entre as áreas operacionais,
notadamente os contratos de prestação de serviços e execução de obras, segundo a
necessidade. Isto era possível dada a facilidade do intercâmbio de recursos
comentada na seção sobre provisão de recursos humanos. Entretanto, esta
característica da organização não pode ser entendida como plenamente positiva para
o ciclo virtuoso da geração de crescimento a partir da folga, uma vez que não
necessariamente o consumo desta folga de pessoal por outras áreas estimula o
crescimento produtivo que vai realimentar o processo.
155
Adicionalmente, o relato de Ana Maria remete a dificuldades financeiras
recorrentes e relacionadas à falta de capital de giro e o impacto que atrasos no
pagamento por parte do cliente principal provocava. Esta condição denota períodos
de falta financeira e baixa capacidade de investimento, o que pode ter provocado
restrições ao crescimento organizacional durante o período em discussão. Este fato,
aliás, indica a ocorrência de uma característica apontada por Churchill e Lewis (1983)
como característica de organizações em estágio inicial de desenvolvimento, que é a
importância reativa do fator gerencial da capacidade de gerar caixa para a firma.
Cabe destacar ainda a produção de folga de recursos intangíveis associados
ao conhecimento técnico, imagem e reputação da organização. Neste aspecto, os
dados analisados indicam a geração de folga como elemento sobre o qual a
organização conseguiu consolidar sua posição competitiva no segmento de prestação
de serviços no sistema elétrico.
Assim, pode-se observar que, a despeito das dificuldades para a produção de
folga de recursos, em especial sob o ponto de vista financeiro, a organização
conseguiu fazer uma gestão consistente da folga de recursos organizacionais, o que
contribuiu para a renovação organizacional e manutenção de sua integridade, sendo
elemento importante para a condução ao segundo estágio de desenvolvimento
organizacional.
5.2 Estágio 02
Embora tenha sido observado progresso modesto quanto ao tamanho da
organização, medido a partir do indicador proposto por Fleck (2009), os relatos
coletados indicam modificações na estrutura a partir do ano de 1990. Convém lembrar
que entre os anos de 1988 e 1990, conforme descrito no relato histórico, a firma
buscou crescer através da diversificação de suas atividades, com iniciativas para
captação de obras elétricas e civis não apenas na Celpe, mas também com outros
clientes públicos e privados, o que significou expandir a arena de competição.
Resultado deste processo foi o aumento da diversidade de recursos organizacionais
e, consequentemente, da complexidade para sua gestão.
Sob o ponto de vista proposto por Churchill e Lewis (1983), a estrutura da firma
permanecia simples, dispondo de equipes de campo para execução das obras e
supervisores técnicos em coordenação direta aos diretores-familiares. Contudo, a
expansão do portfolio de atuação, paralelamente à substituição gradual das
156
contratações por obras para contratos de prestação de serviço junto a Celpe e outros
clientes, assegurou à organização estabilidade operacional, tornando-a uma entidade
viável, com volume de serviços suficiente para sua manutenção (CHURCHILL;
LEWIS, 1983).
A ABC Engenharia caminhava para o estágio de sobrevivência, segundo o
modelo de Churchill e Lewis (1983), a partir do qual passa a haver uma demanda
maior pela atenção dos fundadores a aspectos administrativos e pelo foco na relação
entre receitas e custos. Ou seja, foram observados indícios de busca por eficiência de
operações, ora possibilitada por economias de escala, à medida que contratos de
prestação de serviço eram captados e as obras de maior porte eram executadas.
Diante do exposto, identificou-se no estágio 02 a correlação da atividade
empreendedora ao monitoramento ativo de mercado, em especial de processos
licitatórios em curso, o que levou à contratação para realização de obras civis e
elétricas. Não obstante, o crescimento da firma impulsionou a captação de recursos
para responder à necessidade de pessoal para as equipes de campo e até para
desenvolver atividades de supervisão e de gestão, de maneira não antecipada às
necessidades.
Neste momento, especificamente a partir do ano de 1990, pode-se identificar
um significativo rearranjo dos elementos estruturais cujo gatilho pode ser associado à
captação de recursos gerenciais disponíveis na família. Dentre os principais
efeitos, tal ajuste permitiu sobretudo o crescimento inercial através da replicação da
estrutura e de práticas organizacionais, com a fundação das empresas coligadas,
enquanto mantinha o envolvimento direto da família nas tarefas cotidianas da empresa
e atribuía responsabilidades definidas a seus membros, sob a liderança e
monitoramento de seu presidente. Este novo arranjo estrutural é resumido no Quadro
5-4, sob a ótica do que defendem Churchill e Lewis (1983) serem aspectos
característicos do estágio de sobrevivência do pequeno negócio.
157
Quadro 5-4 - Dimensões de análise estrutural x Estágio II (CHURCHILL & LEWIS, 1983).
A adequação da estrutura à expansão que se observara e ao ingresso de
novos familiares permitiu avanços graduais na divisão e especialização do trabalho,
a partir da alocação de responsabilidades aos membros da diretoria. Conforme
destacam os autores, este estágio de desenvolvimento ainda é caracterizado por
grande significância da habilidade de levantar recursos e pela supervisão direta –
neste caso representada pela alocação de responsabilidades a diretores-familiares –
ainda que a estrutura organizacional já inclua supervisores, cujas responsabilidades
limitam-se à supervisão técnico-funcional.
Por outro lado, pode-se constatar o incremento da diversidade organizacional,
efeito sobretudo de mecanismos de renovação e crescimento iniciados a partir do
envolvimento da segunda geração da família. A divergência entre interesses
societários provocou a instauração de uma arena política que levou à ruptura da
sociedade. Teve destaque o papel diretivo de Fernando, que o punha na posição do
gestor forte que trabalha para manter a unidade, conforme expõe Greiner (1972), e o
alinhamento dos objetivos organizacionais à visão da família, protegendo a
organização da ameaça de fragmentação.
Contudo, a informalidade da gestão permanecia característica, conforme relata
Irineu acerca da baixa especialização dos funcionários nas áreas administrativas. Este
158
elemento indica inadequações do padrão de resposta ao desafio da complexidade
(FLECK, 2009).
[...] tudo era muito informal, então a gente tinha que saber de tudo, fazer de tudo. (Irineu)
No entanto, os dados analisados indicam o êxito da organização na gestão
consistente dos desafios neste período, o que contribuiu para a produção de folga de
recursos organizacionais que favoreceram novos movimentos de expansão. Assim,
percebeu-se processo de consolidação da posição competitiva da organização,
conduzida ao terceiro estágio de seu desenvolvimento, segundo o modelo proposto
por Churchill e Lewis (1983).
5.2.1 Desafio do empreendedorismo
A oscilação identificada no Gráfico 5-1 nos primeiros anos da década de 1990
reflete dificuldades que a característica de baixa previsibilidade das contratações
do período final da década de 1980. Esta característica do ambiente indica a
necessidade de a organização responder de maneira eficaz ao desafio do
empreendedorismo, que atua como fator de estímulo à atividade empreendedora
observada a partir da participação em processos licitatórios sucessivos para novas
contratações, de modo a se buscar a continuidade das atividades e a utilização dos
recursos organizacionais subutilizados.
Nos primeiros anos da década de 1990, a ABC Engenharia vinha expandindo
a partir do que Fleck (2016) denomina modo de crescimento inercial, através da
aquisição de novos contratos de prestação de serviço com a Celpe. Pode ser
identificado também neste movimento de expansão uma componente externally-led,
à medida que o aumento relativo dos contratos de prestação de serviço também foi
decorrente da abertura de novos processos de contratação por parte daquele cliente.
Diante de um maior volume financeiro destas obras, a organização viu sua
estrutura crescer quantitativamente, o que significou o aumento da heterogeneidade
de recursos e consequentemente da complexidade. De acordo com o exposto
anteriormente, grande parte de seus concorrentes eram empresas de pequeno porte
Àquele momento, segundo relatos dos entrevistados, crescer ‘demais’ apresentava
dois riscos à ABC Engenharia: por um lado, riscos comerciais ligados à rivalidade nos
processos de contratação, e, por outro, riscos associados à complexidade de uma
organização que demandava uma estrutura da qual a firma não dispunha.
159
É oportuno destacar a existência de indícios que sugerem não haver incentivos
por parte da própria concessionária para desenvolver suas contratadas. Conforme
indica o relato de Joaquim, ao longo da década de 1990, os próprios pacotes de
serviços licitados, em geral, eram de pequeno a médio porte, o que favorecia a
contratação de grande número de prestadoras de serviço.
[...] , naquela época, essas firmas que trabalhavam para a Celpe eram muito pequenas [em comparação ao tamanho que elas tem hoje], além de haver muitas. A quantidade de serviço não era nem de perto a quantidade que se tem hoje. Até então, o grande volume de contratação na Celpe era de construção rural [obras de eletrificação rural], porque eram muito usadas como instrumento de política. [...] chegou-se a ter mais de 60 firmas trabalhando em eletrificação rural no estado, então o volume de faturamento por empresa não era grande, não se pode comparar com os níveis de hoje. [O volume de obras] Era divido, era repartido todo o volume entre essas empresas. (Joaquim)
Foi diante deste contexto que a liderança da firma optou por implementar uma
estratégia de crescimento baseada no compartilhamento de recursos e contratos,
através de uma estrutura de firmas coligadas. Estas permitiram à organização seguir
na direção da diversificação e potencializar seu crescimento inercial, tendo a firma
coligada atuação complementar à ABC Engenharia. Esta evidência aponta para o uso
desta estrutura como mecanismo de defesa da organização perante o ambiente, a
concorrência e os riscos a estes associados, de acordo com o que narra Joaquim.
A ideia era que as duas empresas caminhassem independentes, mas era como se fosse, digamos assim, um plano B; se a ABC falir, fica a FF com alguma coisa. A ideia da FF era muito nessa linha [...] o direcionamento real era ter um plano B, uma outra empresa que pudesse complementar com serviços que a ABC não quisesse ou ter uma válvula de escape, se alguma coisa acontecesse. Foi isso. A FF foi constituída em 1994 e já chegou a cumprir seu papel já em 1995, quando houve uma reviravolta na Celpe e a ABC perdeu muitos dos contratos que tinha. (Joaquim)
Ademais, este mecanismo proporcionou à organização explorar a folga de
serviços gerenciais representada pelo ingresso de novos familiares à organização.
Esta representava incentivos ao crescimento não apenas em termos capacidade
produtiva, mas também de disponibilidade financeira, à medida que permitiu a
captação de recursos de familiares para investimentos em ativos fixos, necessários
para responder às demandas por contratação de serviços.
Assim, a estrutura de firmas coligadas – incialmente através da Livre Serviços
Gerais e posteriormente da FF Engenharia – foi também a operacionalização de um
novo mecanismo de captação de recursos que fora, então, acionado por iniciativa
de Fernando. Diante da necessidade de realização de investimentos para a execução
de novos contratos de prestação de serviços, uma alternativa à limitação de recursos
160
disponíveis foi visualizada por Fernando, que propunha aos familiares envolvidos na
empresa o aporte de recursos para a aquisição dos recursos necessários para
execução de novos contratos, sendo os valores aportados por eles remunerados à
medida que os serviços fossem executados. Esta era uma prática que tinha como
objetivo viabilizar a expansão a partir dos recursos disponíveis na família, mas
também objetivava promover oportunidades para os envolvidos, conforme apontam
os relatos de Joaquim e Erika. Este foi o caso de alguns contratos para prestação de
serviços de manutenção de iluminação pública para a Emlurb, cujos recursos para
aquisição da frota foram provenientes de poupança pessoal de Joaquim, e até dos
primeiros veículos para execução dos contratos de corte e religação conforme
apontam os relatos dos entrevistados.
[Fernando] Ele era uma pessoa muito incentivadora para as pessoas que estavam próximas. [...] Então o que ele fazia era o seguinte: algumas vezes a Celpe, por exemplo, ofertava determinado tipo de serviço, que, por algum motivo, ele não tinha interesse em executar, aí ele passou a dizer para a gente: “Vocês não querem assumir esse serviço não? Vocês juntam-se ai e compram as camionetes – por exemplo, para trabalhar com iluminação pública para a Prefeitura da Cidade do Recife.” Então, a firma colocava duas camionetes e uma terceira seria comprada por a gente. Eu e Erika, que, na época, explorávamos a Livre, fazíamos projetos de linhas de transmissão, de linha rural, tínhamos equipes executando obras rurais, tínhamos algumas equipes fazendo corte e religação na cidade. (Joaquim)
Nessa época, estava tendo muita licitação na Emlurb para contrato de iluminação pública, então a ideia era que nós comprássemos as camionetes para executar os serviços, mas na verdade a própria firma pagava os veículos, como se fosse um financiamento, abatendo do resultado do contrato. (Erika)
[...] [Fernando] me ofereceu comprar alguns carros do corte com ele e a gente passar aqueles carros com o custo como se fosse de uma locadora, porque, antes, quando começamos, precisamos de dez carros. Dez carros eram muitos para comprarmos. Que segurança a gente teria, mesmo tendo um contrato? Então trabalhamos durante um ano e alguma coisa com os carros alugados. Depois, vamos dizer, eu tinha quatro carros, eu recebia o aluguel daqueles carros no mesmo valor que a gente pagava antes o aluguel à locadora. (Carlos Roberto)
Embora a fundação da empresa coligada tivesse motivação de caráter
defensivo, conforme apontado anteriormente, a aquisição destes contratos seguindo
o referido mecanismo de captação de recursos pode ser também observada como
uma iniciativa com efeitos positivos no que tange a renovação organizacional. Isto é,
à medida que também viabilizava a contratação de serviços por novos clientes e
possibilitava o crescimento a partir da folga organizacional que fora formada pela
disponibilidade de serviços gerenciais dos familiares ingressos, em especial Joaquim
e Erika. Ainda que oferecesse uma alternativa para a renovação organizacional, na
verdade, esta ação converteu-se em expansão pelo modo inercial, possivelmente
161
motivado pelos ganhos de escala e compartilhamento de recursos entre os contratos
das duas firmas.
Este mecanismo pode ser associado às iniciativas abordadas pela literatura de
empresa familiar, segundo o desejo de manter a firma sob controle da família e
perpetuá-la por gerações, o que pode invocar instâncias de renovação organizacional
(LE BRETON MILLER, MILLER, BARES, 2015). Tal tipo de iniciativa empreendedora
também é abordado por Miller, Steier e Le Breton-Miller (2003), que afirmam ser
vontade do dono da empresa familiar encontrar posições adequadas para membros
da família, seja a partir de novos empreendimentos, seja em divisões internas à
organização. Há indícios de que estes elementos estejam também associados ao
início de um emergente processo sucessório e transferência entre gerações,
ocasionado pelo envolvimento da segunda geração de familiares na organização.
Se por um lado o envolvimento familiar intergeracional produziu folga de
recursos e ofereceu estímulos a movimentos de expansão e renovação, este também
provocou efeitos negativos que conduziram a confrontos internos, conforme abordado
na seção do desafio da gestão da diversidade. A falha na resolução de conflitos
originados a partir deste mecanismo resultou em pressões de fragmentação e na crise
da organização, causando, segundo indicam os entrevistados, seu enfraquecimento.
A Figura 5-1 apresenta os efeitos positivos e negativos do envolvimento familiar
intergeracional, no indício da década de 1990.
Figura 5-1 - Efeitos do envolvimento familiar intergeracional.
Diante deste contexto, a ABC Engenharia passou a buscar oportunidades para
compensar as perdas resultantes do processo de cisão ocorrido entre as duas firmas.
Percebe-se, assim, orientação de caráter defensivo de busca por novas expansões,
que vieram a partir da replicação das operações e captação de novos contratos com
a Celpe, caracterizando movimento tipicamente inercial (FLECK, 2016).
Ocorre que a percepção daqueles riscos que motivaram a criação da Livre
permanecia e incentivava a fundação de uma nova firma, que, dentro da estrutura da
162
organização, veio a substituir a anterior. Optou-se, então, pela fundação de uma nova
firma, a FF Engenharia, tal qual expõe Joaquim. Esta decisão evidencia o mecanismo
de defesa ao qual a organização passou a recorrer a partir da nova empresa. Este
papel pode ser observado a partir da curva de crescimento das duas firmas,
apresentada no Gráfico 5-3.
A FF foi montada para substituir a lacuna deixada por uma outra firma que já existia, que era a Livre Serviços Gerais. Esta outra firma existia [...] foi fundada por Dr. Fernando com Erwin Luciano para fazer alguns tipos de serviços, [...] a ideia era a diversificação. Quando eu vim trabalhar na ABC, a título de incentivo acredito, Dr. Fernando optou por me colocar no contrato social da Livre [...] Quando teve o rompimento entre sócios na ABC [...] a Livre já tinha alguns serviços, que eram serviços de iluminação pública, por exemplo. Nós seguimos o mesmo modelo da Livre na FF, nós compramos os veículos, contratamos o pessoal e nos responsabilizávamos pelo serviço. Isso ocorreu quando houve o rompimento e o que era a ABC Engenharia foi partilhado no meio. (Joaquim)
Gráfico 5-3 - Curva de crescimento por firma.
Por outro lado, a iniciativa de fundar a FF Engenharia também pode ser
associada a iniciativa de exploração comercial complementar à ABC Engenharia, que
permitia a diversificação de clientes. A visão de Fernando, conforme aponta Ana
Maria, era a de permitir que a FF Engenharia conseguisse se desenvolver até um
ponto de viabilizar sua independência em relação à firma principal.
A gente começou a FF Engenharia depois que Erwinho saiu do grupo e ficou com a Livre. Desde que nasceu, a FF Engenharia já trabalhava pra Celpe, na verdade, ela foi criada para que a gente pudesse aumentar a participação nos serviços dentro da Celpe, pois a ABC Engenharia estava crescendo e os concorrentes passaram a olhar com maus olhos que sempre a gente ganhava as concorrências, além disso tinha também a questão do número de funcionários da ABC Engenharia, que estava crescendo muito. [...] Em 1995, já tínhamos um porte maior, a firma já tinha crescido e se recuperado da perda da Livre Engenharia. Ele [Fernando] queria que eles [Erika e Joaquim] ficassem independentes. [...] [A ideia] era para serem duas empresas ligadas, mas separadas, independentes. (Ana Maria)
A materialização da possibilidade de renovação através da diversificação
ocorreu a partir dos primeiros serviços no setor de telecomunicações, ainda no ano
163
de 1994, e configura tática de exploration, que gerou oportunidade de aprendizado
técnico inédito à firma, importante instância de renovação e de produção de folga
organizacional. Embora até então nunca explorada pela organização, há indícios de
que seu fundador já intencionava atuar no setor, considerando a similaridade das
características técnicas de obras de expansão de rede de telefonia fixa com aquelas
de linhas e redes elétricas, o que aponta para a intenção de diversificação relacionada.
Contudo, diferentemente do que Fernando visualizava, a atuação da FF Engenharia
no setor de telecomunicações ocorreu na telefonia móvel, que demandava
competências técnicas inéditas na organização.
A iniciativa de prestar serviços a empresas do setor de telecomunicações pode
ser observada como um movimento de expansão a partir do modo interacional
cooperativo. Esta oportunidade surgira, pois, a partir da cooperação e do
estabelecimento de parceria informal entre a firma e o agente detentor do
conhecimento técnico e do networking que possibilitou tal empreitada, responsável,
num primeiro momento, pela supervisão da prestação de serviços e transferência de
conhecimento às equipes, conforme relata Erika.
Ele precisava de uma empresa para fazer o serviço, então a proposta dele era juntar seu conhecimento com a estrutura que nós tínhamos. (Erika)
É interessante destacar neste ponto um aspecto abordado por James (2013),
quando se refere à networking capacity como um traço organizacional marcante no
contexto das empresas familiares. Evidências de movimentos de expansão a partir de
mecanismos de cooperação identificadas ao longo da trajetória da organização vão
ao encontro do que propõe o autor sobre a utilização da rede de contatos como
estímulo a parcerias, com objetivo de reduzir incertezas e riscos associados à
atividade empreendedora. À medida que se desenvolve nestas parcerias habilidades
que tragam vantagens sobre as oportunidades identificadas, o autor chega a
considerar o capital social um complemento ao capital financeiro deste tipo de
organização, sendo também fonte potencial de renovação.
Esta ação resultou na captação de contratos que significaram a ampliação do
portfolio de serviços para uma área relacionada ainda não explorada pela
organização. Assume, pois, natureza produtiva este movimento de expansão, do qual
se pode desprender importante instância de renovação organizacional com potencial
de geração de folga. O aprendizado depreendido não apenas se refere ao
conhecimento técnico ora incorporado pelas equipes de campo, mas também remete
164
àquele relacionado às dinâmicas próprias das dimensões do ambiente setorial de
telecomunicações.
O que aconteceu foi que montamos uma equipe e começamos a fazer [...] os serviços lá na Embratel, que também era rádio transmissão, mas só dados. Só que o serviço que nós executávamos para a Embratel era sem concorrência, porque era um tipo de serviço que poucas empresas se interessavam. Aquelas empresas que prestavam serviço para a Embratel eram empresas grandes, de porte, que não se interessavam por aquele serviço. (Joaquim)
Acho que a principal fase em que fomos empreendedores foi na época dos serviços de telecomunicações. Era uma área nova, em que a gente conseguiu trabalhar e ser reconhecido pelo trabalho. (Erika)
A folga representada por esta instância de aprendizado promoveu o
desequilíbrio produtivo aludido por Penrose (1980) que impulsiona as organizações a
crescerem, neste caso, por meio de sucessivas contratações para realização de
obras, através do modo inercial de crescimento (FLECK, 2016). A continuidade da
prestação de serviços neste segmento manteve-se possível mesmo depois do fim da
referida parceria, tendo sido promovida pela ambição da organização quanto a
manter-se atualizada tecnologicamente, o que representou a participação de Joaquim
por seguidos anos em congressos e feiras do setor. Por outro lado, as obras de
telecomunicações surgiam como solução quando da necessidade de alocação de
equipes das obras de elétrica que estavam paradas, situação que ocorria
normalmente entre o fim de uma obra e início de uma outra.
É que a gente reaproveitava muita gente que estava parada dos contratos com a Celpe. Então não tinha uma equipe grande específica para Telecom, mas teve um faturamento alto. (Joaquim)
Ainda que a FF Engenharia tenha executado serviços no âmbito das
telecomunicações até meados dos anos 2000, no contexto geral da organização, as
equipes atuantes no setor de telecomunicações jamais chegaram a representar
porção expressiva de seu faturamento, a despeito de indícios sobre sua boa
rentabilidade. Também a FF Engenharia, seguindo o que acontecia com a ABC
Engenharia, gradativamente, ampliava sua participação na Celpe e,
consequentemente, a dependência da organização em relação aos contratos de
prestação de serviços àquele cliente.
Em muitos casos, a ABC Engenharia e a FF Engenharia disputavam as mesmas concorrências por serviços dentro da Celpe. Em 1995, já tínhamos um porte maior, a firma já tinha crescido e se recuperado da perda da Livre. (Ana Maria)
Também a partir de 1995, com o início do governo Miguel Arraes em
Pernambuco, há indícios de modo de crescimento externally-led, determinado pelo
165
grande volume de obras de eletrificação rural, através da implantação de novo
programa de eletrificação do governo estadual. Pioneira neste tipo de obra no estado,
a ABC Engenharia executou grande volume de obras, o que resultou em expressivo
crescimento no período anterior ao ano 2000. Movimento semelhante ocorreu
posteriormente, no início do governo Lula, a partir do programa Luz para Todos.
A gente cresceu muito por conta da quantidade de serviços do Luz para Todos. Podia ter crescido mais, mas não estávamos estruturados para isso. (Irineu)
Paralelamente ao movimento de diversificação relacionada, a organização
passou também por um processo de mudança que refletiu o avanço das contratações
por parte de Celpe para a prestação de serviços. Segundo apontam os relatos dos
entrevistados, era visto com bons olhos o avanço da organização no sentido de
captação de contratos de prestação de serviço, que já a partir de meados da década
de 1990 superava as contratações por obras. A vantagem destes contratos, segundo
narra Joaquim era a de maior previsibilidade e continuidade dos serviços ao longo do
prazo contratado, enquanto as contratações para as obras eram muito vulneráveis ao
cenário político e ao uso da própria Celpe como instrumento de fazer política, o que
imprimia grande sazonalidade.
Esta mudança do ponto de vista comercial imprimiu maior previsibilidade às
operações, uma vez que se contratava volume definido, para um prazo estabelecido.
Além disso, o regime de contratação de serviços por disponibilidade de equipes
ampliava a atratividade dos contratos de serviços, uma vez que a remuneração era
garantida pela simples disponibilidade, conforme exigências contratuais.
É notável, portanto, que, à medida que avançaram os contratos de prestação
de serviços, a estrutura das duas firmas expandiu quantitativamente, em resposta à
demanda por serviços da Celpe. Progressivamente, reduziu-se o volume de obras –
civis e elétricas – executadas pela firma e expandiam-se os contratos de serviços, em
decorrência da mudança de foco da empresa frente às oportunidades identificadas no
ambiente, àquele momento. Com isso, iniciativas de diversificação passaram a ser
postas em segundo plano, resultando na ampliação da dependência comercial da
organização em relação à Celpe.
Antes, essa razão [representatividade dos contratos de serviços] era o contrário, um quarto dos funcionários eram ligados [aos contratos de] serviço, eram muito menos equipes de serviços. O serviço dá uma continuidade, ou pelo menos uma melhor distribuição, digo uma tendência de distribuição mais linear, ao longo do ano, enquanto que as obras não, elas acontecem. [...] Essas obras dependiam muito de questões políticas, por exemplo, durante ano eleitoral, apareciam muitas novas obras, tinha muita obra para fazermos. (Joaquim)
166
Ainda que de maneira singela, o fim da década de 1990 foi também marcado
por iniciativas pontuais que já evidenciavam a preocupação em empreender para
reduzir a exposição da organização a um único cliente. Exemplos destas evidências
são o interesse de Fernando em expandir sua atuação para o sudeste do país, a
participação frequente em eventos dos setores elétricos e de telecomunicações, para
desenvolvimento técnico e construção de rede de contatos.
Neste contexto, cabe destacar a ambição de Fernando em expandir sua
atuação para a região sudeste do país e sua versatilidade para vislumbrar as
oportunidades. Sua visão era a de que, ao instalar-se em regiões de maior grau de
industrialização, haveria maior demanda pela terceirização de serviços em sistemas
elétricos. Esta visão, aliás, também ia definindo a área de atuação da organização
dentro em Pernambuco, concentrando-se ao sul da Região Metropolitana de Recife e
em torno do complexo industrial e portuário de Suape, que, alguns anos mais tarde,
seria o motor propulsor do desenvolvimento econômico do estado.
Ele queria muito o interior de São Paulo, pois ele achava que era uma região rica, industrializada, em que a oscilação que havia naquela época de serviço não existiria. [...] Ele achava que aquela área seria uma área de grande desenvolvimento. [...] Era um lugar que já tinha muitas empresas, com uma população relativamente grande, então ele via potencial. Sempre dizia: “O lugar mesmo para a gente montar a ABC Engenharia no Sudeste é esse aí.” (Joaquim)
Pode-se constatar níveis adequados de empreendedorismo ao longo do
período delimitado pelo estágio 02 de desenvolvimento organizacional. Há indicativos
de iniciativas de criação de valor que contribuíram positivamente para a condição de
renovação e crescimento, à medida que produziram excedente de recursos
organizacionais, o que estimula a propensão ao crescimento organizacional saudável
(FLECK, 2009).
5.2.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico
Consoante ao constatado no estágio 01, o desafio da navegação no ambiente
dinâmico tem peso significativo sobre a trajetória da organização durante o estágio
02. A dinâmica do ambiente fornece diretrizes fundamentais à orientação da
organização e sua trajetória, uma vez que define o processo de captura de valor.
Neste sentido, a análise do estado ambiental contribui para verificar a adequação das
respostas organizacionais a tal desafio. O Quadro 5-5 apresenta um resumo do estado
de cada uma das dimensões ambientais durante este período de análise.
167
Dimensão Ambiental
Estado
Natural “O tabuleiro”
Piedoso Não existiam pressões ambientais fortes que demandassem respostas à questão da sustentabilidade na utilização de recursos.
Institucional “As regras do jogo”
Piedoso Baixos níveis de exigências de regulamentação; Alta vulnerabilidade ao cenário político, com modelo institucional estatal do setor elétrico.
Negócios “O jogo”
Piedoso Não foram observados indícios de rivalidade feroz entre as empresas do segmento, tampouco fortes pressões de mercado atuando sobre as operações da organização.
Quadro 5-5 - Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 02.
O ambiente natural, em que os recursos naturais e físicos estão disponíveis,
pode ser classificado como piedoso. Tal fato deve-se à falta de evidências que
apontem para restrições quanto à utilização de recursos naturais que limitassem a
atuação da organização em seu segmento. Neste sentido, observa-se, na verdade, a
falta de pressões ambientais quanto à sustentabilidade na utilização de recursos, cujo
conceito, apesar de já em discussão, ainda não se fazia tão presente na sociedade.
Esta característica fica evidenciada quando se comparam contratos daquela época
com aqueles mais recentes, em que usualmente se observam instrumentos
contratuais que impõem exigências quanto a diretrizes de política ambientais das
organizações, por exemplo.
Sob o plano de fundo das regras do jogo, o ambiente institucional também
apresentou características de ambiente piedoso, embora alterações nos
componentes não mercado (BARON, 1995) tenham ocorrido principalmente a partir
do período de transição entre as duas fases. Há indícios de que os níveis de
regulamentação e rigor sobre as exigências cobradas a agentes atuantes no setor
elétrico brasileiro não impunham pressões jurídicas de grande relevância a sua
atividade. Também as cobranças mais rígidas quanto a aspectos relativos à
capacitação de mão de obra e condições de saúde e segurança do trabalho só
entrariam em vigor ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000.
Também a dimensão de negócios apresentou características de caráter
piedoso. Embora haja evidências de um grande número de empreiteiros atuando no
mercado em que a organização estava inserida, segundo indicam os relatos, a maioria
dos players eram de pequeno porte, enquanto há indícios de ser grande o volume de
obras, com boa atratividade, o que indicam a inexistência de pressões por eficiência
de modo a conferir vantagem competitiva sobre a concorrência. Evidência para tal
168
constatação é o regime de contratação comumente utilizado para os contratos de
prestação de serviços, cuja remuneração ocorria em regime de disponibilidade, com
remuneração mínima garantida.
Tinha muita coisa que era contratada em regime de disponibilidade, por exemplo, de equipe-hora, que tinha um preço unitário. (Erika)
Era uma linha de crédito do Banco Mundial. Eu lembro que os projetos todos, as ordens de serviço, tinham o carimbo do BIRD. Esse era o grande faturamento das empresas de engenharia nessa época [obras rurais], agora chegou-se a ter mais de 60 firmas trabalhando em eletrificação rural no estado, então o volume de faturamento por empresa não era grande, não se pode comparar com os níveis de hoje. [...] [A rentabilidade] era muito boa, era a melhor coisa que tinha, por isso tinha tanta gente interessada nessas obras. E ainda tem mais; quanto mais longe [da capital] melhor. (Joaquim)
Este tipo de ambiente tende a favorecer o modo de crescimento inercial, tal
qual observado nesta fase da trajetória organizacional. Em geral, os processos de
contratação ocorriam em regime de concorrência presencial, momentos nos quais se
tinha o ápice da rivalidade entre os players, não favorecendo movimentos de
expansão baseados na cooperação. Há indícios também da relevância que
elementos relacionais exerceram sobre o relacionamento entre agentes
contratantes e contratados neste segmento e o processo de captura de valor, em
especial quando ocorriam contratações em regime emergencial. Este fato é reforçado
pela estabilidade do quadro de pessoal em níveis de supervisão e de gestão
operacional dos contratos, ocupados por profissionais de carreira na Celpe, sob
comando estatal, o que favoreceu o desenvolvimento de relacionamento de longo
prazo com gestores das prestadoras de serviço.
Não foram encontradas evidências que indiquem ameaças à legitimidade da
organização durante este primeiro período de análise, o que permitiu a captação de
contratos de prestação de serviço e execução de obras segundo a legislação vigente
para a contratação de serviços pela Administração Pública. Na verdade, o relato
histórico do setor indica a existência de práticas institucionalizadas para a contratação
de obras públicas antes mesmo do marco legal da Lei de Licitações, que deixavam
claras as regras do setor.
Em consonância com o ambiente característico do estágio 01, foram
observadas evidências de características mais desafiadoras no jogo competitivo, uma
vez que se tinha cenário de baixa previsibilidade dos instrumentos contratuais
celebrados durante este período. Neste modelo, contratações ocorriam geralmente
por projeto ou por pacotes de prestação de serviço, com prazos curtos de duração. O
169
dinamismo do ambiente estava ainda condicionado a variações no cenário político, às
quais ficavam sujeitos novos processos licitatórios, liberação de obras e até mesmo
condicionantes para efetivação de pagamentos por serviços executados.
No que tange o papel político exercido pela concessionária, sob controle
estatal, cabe destacar que este era o maior ativo público do estado de Pernambuco.
Em decorrência disto, suas operações eram bastante influenciadas por decisões
políticas, que definiam a alta gestão da companhia e consequentemente seus
objetivos, planos de investimento e desdobramentos em termos de necessidade de
contratação de obras e prestação de serviços.
Isto posto, em muitos casos a concessionária utilizava de brechas na legislação
que permitiam contratações emergenciais, em virtude da essencialidade do serviço
público. Deste artifício resultavam contratações não planejadas de pacotes de
serviços ditos emergenciais, o que implicava frequência alta de celebração de aditivos
contratuais, seja de prazo, seja de preço ou volume de serviços contratado. Quando
da ocorrência desta forma de contratação, geralmente a própria Celpe elegia o
prestador de serviço a executar aquele contrato de forma discricionária, daí a
importância de fatores relacionais e do bom relacionamento político-comercial dentro
da concessionária. Este ponto também reforça a importância de se buscar a
legitimidade a partir da capacidade técnica e do cumprimento dos contratos de
prestação de serviços e execução de obras de acordo com os padrões técnicos de
qualidade.
Apesar disso, não havia procedimentos formais para a gestão da cadeia de
suprimentos baseados na construção de relações estratégicas entre fornecedores e
concessionária. A inexistência de uma estrutura formal para a gestão de contratos
terceirizados, aliada aos volumes relativamente baixos de serviços para os quais
ocorriam as contratações, conforme mencionado anteriormente, favorecia a
proliferação de pequenas empresas que passavam a prestar serviço para a
concessionária, já que, àquele tempo, os investimentos iniciais e exigências de
capacitação técnica representavam reduzidas barreiras de entrada.
Para a Celpe, se você tivesse um caminhão munck, você poderia colocar uma firma individual e passava a ser um concorrente igual a mim [ABC Engenharia]. Tinha um cara que tinha dois caminhões lá em Igarassu, Tonho Tomé. Para a Celpe, ele era um prestador de serviços da mesma forma que a ABC Engenharia era, com toda sua estrutura, e ela tratava da mesma forma. (Carlos Roberto)
170
A análise dos instrumentos contratuais estabelecidos durante esta fase reforça
a percepção de ambiente piedoso na dimensão de negócios (FLECK, 2011). Os
contratos desta época apresentam indícios de maior flexibilidade no relacionamento
entre contratante e contratado e, embora exponham a superior força e poder de
barganha que o contratante exercia sobre o contratado, os próprios contratos a que
se teve acesso não dispunham de mecanismos de transferência de riscos para o
prestador de serviço, tampouco expressavam rigorosamente os níveis de exigência
comumente observados nos contratos mais recentes. Exemplo disto é a garantia de
remuneração mínima sobre os contratos de prestação de serviços em regime de
disponibilidade, prática comum durante o período da concessionária sob gestão
estatal que não oferecia incentivos à produtividade dos prestadores de serviço.
Possivelmente, estas características contratuais aludidas são também reflexo do
ambiente institucional ora classificado como piedoso.
Soma-se ainda ao contexto competitivo a fragmentação da indústria, composta
por diversas empresas de pequeno porte, com pouca diferenciação entre si e baixo
custo de mudança, o que favorece o poder do comprador, este, uma entidade pública
que concentra conhecimento técnico e informações. Por outro lado, há baixa
propensão por parte do cliente à ‘primarização’, termo que se refere à execução de
obras com pessoal próprio, e grande volume de obras, elemento este que indica
menor nível de hostilidade e ferocidade na competição entre os players. Isto pode ser
inclusive associado à importância do relacionamento entre os agentes e da relativa
força que este conferia às empreiteiras quando das contratações, conforme indícios
oferecidos pelo relato de Joaquim.
Nessa época [meados da década de 1990], a Celpe já era muito dependente de empreiteiras, [...] chegou a um ponto que os processos não avançavam, foi preciso fazer contratação emergencial, com dispensa de licitação, então ela chamou as empresas que trabalhavam para ela, eram aproximadamente umas trinta firmas. Esse encontro foi na própria Celpe, no edifício sede, oitavo andar. (Joaquim)
As características ora mencionadas passaram por gradativas alterações a
partir da segunda metade da década de 1990, conforme descrito no relato sobre o
setor elétrico brasileiro. As transformações no modelo institucional deste setor
trouxeram implicações para a arena competitiva. Estas serão discutidas mais à frente.
Quanto maior a base de clientes, menor a dependência relativa da firma em
relação à necessidade do cliente, entretanto, maior também será a complexidade
inerente ao negócio. Diante de tal fato, mesmo quando houve a iniciativa de
171
diversificação do portfolio de serviços não foram identificados elementos que
apontassem para a ambição da organização em verdadeiramente ampliar sua base
de clientes. Ao contrário, percebe-se relativo controle sobre os movimentos de
expansão de modo que estes não resultassem em uma complexa estrutura comercial.
O fato de gradativamente a organização concentrar sua atuação em poucos contratos
executados em paralelo, para um número reduzido de clientes, chegando até a um
cliente único por alguns períodos, denota sua forte dependência comercial, o que
impôs limites ao crescimento e oferece evidência para a necessidade de ser o cliente
o principal alvo de sua gestão de stakeholders.
Neste sentido, pode-se destacar dos relatos obtidos a partir da coleta de dados
o papel crucial que Fernando assumiu ao encabeçar o relacionamento comercial,
exercendo a ponte de contato direto entre o cliente e a organização. Não apenas seu
papel político foi importante neste aspecto, mas também seu conhecimento, formação
técnica e experiência profissional, que lhe rendera boa rede de contatos, foram
fundamentais para a construção da imagem e reputação da firma. Estas, de grande
valor para seu fundador, principalmente a partir de laços socioemocionais seus com
a organização que carregava seu nome e sobre a qual projetava seu legado, foram
importantes para a legitimidade da firma perante seus clientes, inclusive resultando
em oportunidades a ela direcionadas.
Este fora o caso das primeiras obras de eletrificação rural para a Celpe,
contratadas por meio de carta-convite. Posteriormente, situação semelhante voltou a
ocorrer quando dos primeiros contratos de prestação de serviços de corte e religação,
no ano de 1991, que possibilitaram também a ampliação da participação da
organização na prestação de serviços para a concessionária, ativando o modo de
expansão externally-led.
Foi a partir de 1991 que começamos a crescer dentro da Celpe, pois começamos a fazer serviços de corte e religação [de consumidores], mas ainda não era dividido por área de atuação e continuava sendo a contratação feita por carta-convite (Ana Maria)
A Celpe chamou a gente para participar desse piloto. Anteriormente, a Celpe não terceirizava esse serviço. [motivação para convite] Porque já estávamos trabalhando com eles há muito tempo, a ABC era uma empresa confiável. [Fernando] tinha bom relacionamento e penetração na Celpe, conhecia todo mundo e as pessoas gostavam dele, ai ofereceram. E as pessoas confiavam na empresa. (Erika)
Vale destacar dois dos mecanismos utilizados pela organização para
monitoramento de oportunidades no ambiente, o que inclusive possibilitou o
172
movimento de diversificação de portfolio no final da década de 1980. O primeiro e
mais comum era a leitura de jornais de grande circulação e assinatura de informativos
específicos onde os diversos órgãos da Administração Pública costumavam publicar
chamadas para os processos licitatórios. O segundo mecanismo, não menos comum,
era o de captação de oportunidades a partir do networking profissional, pessoal e
também proveniente da rede de contatos da família, quer em órgãos públicos, quer
em empresas do setor privado. Não foram encontradas, entretanto, evidências quanto
à participação em associações comerciais, congressos e eventos do segmento,
durante este período de análise.
Outra vertente para o monitoramento do ambiente igualmente baseada no
relacionamento e gestão de stakeholders que pode ser observada diz respeito ao
acompanhamento da atuação da concorrência. Embora apresente alcance limitado, a
observação de fatos relacionados à operação dos demais players, com os quais há
indícios de se manter relacionamento amistoso, forneceu indicativos para tomada de
decisão referente às respostas a pressões externas em momentos pontuais ao longo
da trajetória organizacional. Foi relatado, inclusive, em meados da década de 1990, a
instituição de uma associação dos prestadores de serviço da Celpe, cujo objetivo era
o de empoderamento destes frente à contratante, mas, por motivos que não ficaram
evidentes, não foi dada continuidade a esta entidade.
A capacidade de captura de valor da organização, à medida em que esta
expandiu e ampliou sua dependência em torno de contratos com um cliente principal,
a Celpe, ficou cada vez mais condicionada à maneira através da qual a organização
geriu seu relacionamento com o cliente, seu principal stakeholder.
Além disso, a legitimidade de sua atuação perante o cliente foi alcançada
através da comprovação de capacidade técnica, que resultou na construção
progressiva da imagem e reputação da empresa frente ao ambiente em que atuava.
Porém, dado o porte da organização e principalmente a condição de controle público
de seus principais clientes, há evidências de comportamento passivo da organização
quanto às respostas ao desafio da navegação no ambiente, embora haja indícios de
atuação com certo grau de atividade quanto ao monitoramento de oportunidades no
ambiente.
As evidências analisadas indicam comportamento adequado da organização
quanto às respostas ao desafio de navegação no ambiente dinâmico. Embora não
tenha sido identificado padrão de comportamento ativo no sentido de moldar o
173
ambiente, observou-se adequada capacidade de resposta a demandas e pressões
ambientais. Iniciativas de gestão de stakeholders e monitoramento do ambiente
contribuíram positivamente para o processo de captura de valor do ambiente e, dessa
maneira, para a promoção do crescimento e da renovação que a conduziram a um
novo patamar de desenvolvimento.
5.2.3 Desafio da provisão de recursos humanos
O Quadro 5-6 resume o comportamento da organização segundo as principais
dimensões referentes ao desafio da provisão de RH, durante seu segundo estágio de
desenvolvimento.
Dimensão Comportamento Organizacional
Seleção Seleção de pessoal fortemente baseada em indicação de funcionários. Atuação reativa às necessidades.
Formação e Capacitação
Baixo nível de exigências quanto à formação e capacitação de pessoal. Realização de treinamentos esporádicos e não sistemáticos. Capacitação de pessoal baseada na prática.
Renovação Não foram observados processos sistemáticos para antecipação à necessidade.
Retenção
Esforço no desenvolvimento de relacionamento de confiança e comprometimento entre funcionários e a organização, com forte atuação do líder na valorização do funcionário.
Sucessão
Observou-se atuação da primeira geração da família no sentido de influenciar trajetória profissional e envolver a segunda geração, mas não foram identificadas evidências de planos de sucessão.
Quadro 5-6 - Resumo do desafio de provisão de RH, estágio 02.
Não foram identificados indícios de antecipação à necessidade de equipes para
execução de obras e prestação de serviços, cuja seleção seguiu ocorrendo segundo
a identificação da efetiva necessidade. Com o passar do tempo, à medida que foi
crescendo a necessidade de mão de obra, a firma passou a recorrer também à
indicação dos próprios funcionários. Este mecanismo contribuía para o
desenvolvimento de relação de confiança entre a firma e seu pessoal, ao mesmo
tempo que disponibilizava mão de obra com referências para contratação. Além disso,
e principalmente para a seleção de cargos de supervisão funcional, tornou-se prática
comum a indicação de profissionais por outras partes envolvidas, a exemplo de
integrantes da própria Celpe, conforme relatam os entrevistados.
Os próprios funcionários geralmente indicavam outras pessoas, quando a gente precisava. O relacionamento entre o patrão e o funcionário era mais
174
facilitado, mais saudável, então, muitas vezes, trazíamos parentes e pessoas conhecidas dos funcionários, que vinham do interior. [...] Como a gente fazia muita obra rural, tinha muita gente do interior, tínhamos acampamentos [alojamentos próximos às localidades onde as obras eram executadas] para abrigar o pessoal que vinha do interior. (Ana Maria)
Eu cheguei aqui em 1993, quando um outro supervisor tinha saído, a empresa estava precisando. Meu cunhado trabalhava na Celpe, então tinha a ligação com a empresa. [...] (Alexandre)
Quanto à capacitação e formação profissional das equipes de campo,
conforme indicado na caracterização do ambiente, pressões institucionais quanto à
regulamentação das atividades impunham menores níveis de exigência em
comparação àquelas observadas em períodos mais recentes. Em decorrência disto,
não haviam restrições significativas à contratação de pessoal com baixo nível de
capacitação e muitas vezes até analfabetos. O conhecimento técnico era
desenvolvido e repassado basicamente através da prática. Não foram encontradas
evidências que indiquem esforços sistemáticos no sentido de promover treinamentos
e capacitações para qualificação de mão de obra.
Apesar disso, vale mencionar a observação que alguns dos funcionários de
destaque pela qualidade técnica no quadro funcional da organização até os dias
correntes ingressaram na empresa ainda durante os anos 1980. O encarregado
Antônio é um exemplo destes funcionários selecionados ainda a partir das equipes
subcontratadas.
Eu entrei na ABC Engenharia em 1988, mas era emprestado, pois eu trabalhava em uma prestadora [de serviços] para a ABC, era o Zé Tampa. Em 1989 eu comecei na ABC em obras [de expansão de redes] urbanas. Depois fizemos obras rurais pequenas e de grande porte. Minha carteira profissional foi assinada no dia 1o de Agosto de 1989 e fiquei até agora. (Antônio)
Ele oferece exemplo claro do que comenta Ana Maria sobre a característica
forte da mão de obra naquele período, que era o seu comprometimento com as
obrigações dentro da organização. Em parte, esta característica era muito valorizada
para a formação de boas equipes e retenção de funcionários, sob a ótica da
organização, sendo até mais importante do que a capacitação técnica em si. Este
elemento, aliás, fornece indícios sobre os valores que sustentam a estrutura social da
organização, conforme será discutido mais à frente.
A mão de obra não era tão capacitada, mas não se tinha tanta dificuldade, pois o pessoal se comprometia. [...] As exigências eram menores, não se exigiam certificados de cursos de capacitação, como hoje. [...] Eles eram mais entusiasmados com a firma, não achavam que a firma estava usando eles. Acho que eram mais puros e acreditavam mais no patrão. (Ana Maria)
175
Neste sentido, observou-se a preocupação com a construção de um
relacionamento de confiança e transparência entre a empresa e suas equipes, o que
favoreceu a retenção dos profissionais com bons níveis de comprometimento e
desempenho, ao longo do tempo.
As equipes de elétrica, com o avanço da contratação de serviços pela Celpe,
representavam menor sazonalidade, o que imprimia maior capacidade de retenção de
pessoal. Por outro lado, a natureza dos estágios das obras civis impunha maior
variação da necessidade de mão de obra, o que muitas vezes significava mobilizar e
desmobilizar pessoal segundo a necessidade efetiva da obra, além de ser comum a
contratação de profissionais autônomos para a execução de tarefas pontuais,
conforme indica o relato de Joaquim.
Com as obras civis, tinha uma quantidade de funcionários que dependia muito dos estágios das obras, muitos não eram funcionários fixos. Por exemplo, naquela minha primeira obra, a subestação na Paraíba, o topógrafo que locou a obra foi um cara que eu contratei através de uma indicação de uma outra pessoa de lá da região. (Joaquim)
Apesar do foco dado à relação com a mão de obra, não foram observados
mecanismos proativos de renovação de recursos humanos. Esta apenas acontecia
quando necessário e geralmente de forma tardia, não existindo processos capazes de
identificar antecipadamente a necessidade. Neste aspecto, fatores de renovação, em
geral, surgiram como resposta aos desafios de caráter técnico na execução de novas
modalidades de serviço ou na mudança de tecnologias. Neste último caso, há
evidências de que a organização buscava o auxílio do cliente para desenvolver
treinamentos, quando estes eram necessários, conforme indica Ana Maria.
Nós ainda chamávamos alguém da Celpe para treinar. Tinha área para treinamento, colocava-se um poste, que eles tinham para treinar, como um teste. (Ana Maria)
Em decorrência da crescente necessidade de provisão de mão de obra direta
para execução dos serviços, a organização viu também crescer a necessidade de
recursos gerenciais para desempenhar atividades de gestão. Esta é uma necessidade
natural apontada pela literatura que estuda os estágios de crescimento organizacional
(GREINER, 1972; CHURCHILL & LEWIS, 1983). Conforme indicam Churchill e Lewis
(1983), a identificação desta necessidade está relacionada à transformação da firma
em uma entidade viável, o que dá início ao estagio por eles denominado
sobrevivência. Contudo, persistiu o padrão reativo à necessidade de recursos
humanos em níveis de supervisão técnica e gerência. Também na perspectiva da
176
sucessão de pessoal em níveis médios da organização não foram identificados
mecanismos que impedissem a descontinuidade e possibilitassem transferência de
conhecimento para sucessores.
Enquanto a seleção de profissionais para os cargos de supervisão seguiu o
modelo de indicação comumente utilizado para a formação das equipes de campo, os
recursos gerenciais foram captados a partir da disponibilidade de membros da própria
família, o que levou à ampliação do envolvimento familiar direto na organização. É
pertinente destacar que o crescente envolvimento de familiares em cargos de
confiança ocorreu por incentivo dos fundadores da organização, que viam na família
um pool potencial de recursos gerenciais, apesar de não haver indícios de ações no
sentido de desenvolver estes recursos em antecipação às necessidades ou até como
parte de planos de sucessão e transferência entre gerações.
Esta visão pode estar associada ao que afirmam Guíllen e García-Canal (2013)
ser característica de organizações familiares o estilo de gestão baseado em relações
de confiança e reciprocidade. É possível também denotar deste processo de inclusão
de familiares à organização motivações ligadas a eventos que ocorriam no sistema
família, o que indica a possibilidade deste movimento ter sido estimulado não apenas
como resposta à provisão de recursos humanos em nível de gestão, num momento
de crescimento, mas também em atendimento à anseios de cunho familiar, o que, por
sua vez impactou o desafio da gestão da diversidade, conforme indica o relato de Ana
Maria acerca do ingresso de Carlos Roberto na organização.
A gente estava precisando de gente de confiança, dessa forma ajudava a gente e a ele também [Carlos Roberto, ao assumir o cargo de gerente administrativo]. (Ana Maria)
Isto, aliás, mostra-se forte no relato de Erika, da segunda geração da família,
sobre a influência de seu pai quanto a suas escolhas de carreira profissional. Tal
atitude vai em linha ao que a literatura propõe relativo ao contexto de
transgenerational sustainability e o papel potencial que o processo de sucessão
entre gerações tem sobre a sobrevivência de empresas familiares (CHRISMAN et al,
2010). Cabe também ressaltar o relato de Ana Maria acerca deste tema.
Ele [Fernando] dizia que queria que ela [Erika] fosse trabalhar, que ele queria passar a firma de pai pra filho. [...] Então ele queria que Erika perpetuasse o nome da firma, que a firma continuasse. (Ana Maria)
[...] Meu pai me estimulou a fazer engenharia elétrica e eu pensei: “Bom, já que ele tem uma empresa de engenharia elétrica, vou fazer (Erika)
177
O padrão identificado do ingresso dos familiares na organização, entretanto,
reforça a percepção quanto à não antecipação à necessidade de provisão de recursos
humanos. É possível, inclusive, destacar a inexistência de elementos de
planejamento de sucessão como fatores catalizadores de conflitos internos, sob
plano de fundo do envolvimento da segunda geração da família. Apesar disto, há
evidências que sugerem haver o interesse nos negócios pelos membros da família
ingressantes, o que é fator importante para favorecer o alinhamento da organização
aos objetivos da família e contribui para manter a coesão.
Há evidências da atuação de Fernando no sentido de influenciar a formação
profissional da segunda geração da família, especificamente sua filha Erika. Esta
atitude denota um senso de perpetuação de um legado com envolvimentos
socioemocionais com a organização, que carrega o nome de sua família. Contudo,
este elemento aparece mais como um desejo, ou um objetivo, para o qual não se
buscou desenvolver um planejamento de sucessão, por exemplo. Foi observado que
o efetivo envolvimento da herdeira e dos demais familiares ocorreu como alternativas
emergentes de atendimento a necessidades da organização, ao mesmo tempo que
também atendiam a circunstâncias específicas da família.
Em suma, a análise dos fatos e dados coletados indica padrão de não
antecipação às necessidades de provisão de recursos humanos por parte da
organização. Por outro lado, há evidências da capacidade organizacional em reter
pessoal, o que pode contribuir para a folga de pessoal experiente e comprometido
com os objetivos organizacionais. A despeito disso, e a exemplo da não existência de
planejamento para sucessão e renovação de recursos humanos em todos os níveis,
inadequações nas respostas a este desafio refletem dificuldades que podem
prejudicar a condição necessária ao crescimento saudável, a integridade
organizacional.
5.2.4 Desafio da gestão da diversidade
Resultado do próprio processo de crescimento e da necessidade de provisão
de recursos humanos, o desafio da diversidade está associado ao aumento da
heterogeneidade interna à firma, seja proveniente da própria força de trabalho,
estrutura organizacional ou do negócio. De acordo com Fleck (2009), a
heterogeneidade entre as partes constituintes da organização pode induzir conflitos e
potenciais rivalidades, podendo ameaçar a integridade organizacional. Assim, a
178
autora advoga para a importância de a liderança lançar mão de mecanismos de
fomento a relações integradoras, capazes de coordenar recursos, neutralizar as
pressões internas e promover coesão e sinergia para apaziguar conflitos e evitar
rivalidade. O Quadro 5-7, por outro lado, resume as respostas da organização ao
desafio de gestão da diversidade, segundo suas principais dimensões.
Dimensão Comportamento Organizacional
Heterogeneidade
Ampliação do portfolio de serviços prestados e clientes com os quais a organização estabeleceu relacionamento comercial refletiu maior heterogeneidade de recursos produtivos. A estrutura de firmas coligadas ampliou a heterogeneidade inerente à organização.
Mecanismos de coesão e sinergia
O envolvimento direto de familiares no negócio pode ser um elemento de coesão. Há evidências de compartilhamento de recursos e busca de sinergia entre as partes da organização.
Conflitos e rivalidades
Não foram identificadas fontes de conflitos entre áreas funcionais ou equipes na empresa. Houve forte ameaça à integridade organizacional, com a instauração de arena política, a partir de interesses divergentes entre familiares atuantes na gestão da organização, com questões de ordem sucessórias.
Quadro 5-7 - Resumo do desafio de gestão da diversidade, estágio 02.
Contudo, o sucesso na implementação de mecanismos de coordenação não
elimina a heterogeneidade. Deve-se buscar, então, explorá-la de maneira construtiva
e de modo a promover as condições necessárias ao crescimento saudável da firma
(FLECK, 2009). A organização é, pois, uma coalizão de recursos (CYERT; MARCH,
1963), composta por alianças instáveis, mas potencialmente capazes de gerar
vantagens competitivas ao partilhar de uma identidade, um propósito (BARNEY,
1997).
Há de se ressaltar, neste sentido, que a transição entre os estágios de
existência e sobrevivência da ABC Engenharia oferece indícios de que a
heterogeneidade de recursos resultante do processo de crescimento e os ajustes
estruturais dele decorrentes implicaram crescente complexidade à organização. O
modo de crescimento da firma a partir dos últimos anos da década de 1980 foi
inevitavelmente acompanhado do aumento da importância do desafio da gestão da
diversidade no período posterior.
Além disso, a criação da Livre Serviços Gerais, em 1990, posteriormente
substituída pela FF Engenharia, adicionou elemento extra de diversidade e tornou
mais desafiadora a tarefa de promover a sinergia entre as partes da organização. Este
179
movimento, aliás, pode ser associado a uma iniciativa empreendedora e de proteção
da ABC Engenharia aos riscos expostos na seção anterior. O objetivo era, afinal, que
uma empresa atuasse de maneira complementar à outra e estas operavam dentro de
uma estrutura integrada e com poder de decisão centralizado, de maneira a obter
ganhos de escala.
Embora não tenham sido coletados dados em profundidade suficiente para
uma investigação a fundo de mecanismos formais de promover a coesão e sinergia
entre as partes organizacionais, há evidências que apontam para a atuação direta dos
diretores na coordenação dos supervisores técnicos como mecanismo principal de
coordenação e integração. Um outro ponto levantado que ajuda a compreender os
mecanismos de coesão é a mencionada habilidade política de Fernando no sentido
de fazer uso de side payments para promover e manter a coalizão.
O pessoal [funcionários] gostava muito dele [Fernando], demais. Chegava um funcionário pedindo um dinheiro para comprar um leite, ele dava na hora, sem cobrar nada. Isso era uma coisa que Dr. Fernando fazia muito, por isso que, sempre que ele precisava pedir alguma coisa, todo mundo chegava junto para resolver. O pessoal não queria saber de hora extra, mas resolvia, porque eles gostavam muito dele. Quando era alguma coisa que ele não podia fazer, ele passava logo para o funcionário resolver com D. Ana. Ela exercia sempre um papel muito importante de dar um equilíbrio. (Irineu)
Qualquer problema que você tinha, ele [Fernando] tinha uma solução, um conselho. Muitas vezes ele chegava para mim e dizia que para qualquer coisa que eu precisasse em casa podia contar com ele. [...] Muitas vezes ele me dava conselhos, eu gostava muito dele. Ele chegava e falava com todo mundo, quem tivesse aí na frente [...] (Antônio)
Por outro lado, a natureza familiar da organização indicou também mecanismo
de reforço de integridade organizacional, que representa a identificação de integrantes
da família com os valores e visão diretrizes. Isto remonta aos primeiros períodos em
que ocorreu o ingresso de membros da família para ocupar cargos de gestão,
notadamente o período que vai de 1988 a 1991. Há indícios de que o envolvimento
destes familiares na gestão representou elemento de coesão, uma vez que
partilhavam de valores e visão em linha com os objetivos da firma e carregavam
consigo senso de identidade com a organização. Este elemento tende a promover
lealdade entre os membros da família, que agem em conformidade com padrões de
comportamento definidos (TAGURI & DAVIS, 1996), perspectiva esta contida no relato
de Carlos Roberto.
[...] existia uma lealdade muito grande de Fernando com Erwinho [Erwin Luciano], um entrosamento muito bom, uma harmonia. (Carlos Roberto)
180
Estes recursos gerenciais buscavam não apenas a coordenação das equipes
a eles subordinadas, mas também o desenvolvimento de sinergias através do
compartilhamento de recursos, segundo as necessidades. Esta atitude, aliás, pode
ser associada a táticas relacionadas à dimensão de retenção de recursos humanos,
como remanejamento de pessoal para áreas distintas, de acordo com a sazonalidade
de obras, fato este indicado como fator impulsionador da continuidade da atividade
empreendedora. O relato de Antônio oferece indícios, inclusive, de haver também este
tipo de intercâmbio entre as empresas coligadas, para a utilização de recursos e
retenção de pessoal qualificado, de maneira a se utilizar da ociosidade de mão de
obra.
Eu sempre trabalhei na área de construção [de redes e linhas de distribuição e transmissão], mas teve também Petrolina. [...] Construímos umas quadras de uma escola, tudo nessa época de 1990. O serviço aqui estava mais fraco [refere-se às obras de expansão de rede para a Celpe], Dr. Luciano ainda trabalhava aqui, daí perguntou se eu queria ir para Petrolina ou para casa. Eu preferi ir pra Petrolina. (Antônio)
Entretanto, conforme indica Mintzberg (1985), nenhuma ordem de poder está
livre de ser questionada e esta é uma questão crítica para a gestão da diversidade da
organização familiar, sobretudo ao se considerar a família como um stakeholder cuja
gestão é fundamental para a legitimidade e a interação com a organização. Conforme
discutido pelo autor, disputas internas surgem naturalmente, podendo repercutir em
conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o
potencial de gerar propensão à fragmentação organizacional, uma vez que a união
dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se
atingir. Neste sentido, cabe também destacar o papel da família enquanto contexto de
acontecimentos internos à organização, vulnerável à influência de agentes externos a
esta, como, por exemplo, familiares não envolvidos com a firma.
Há evidências da instauração de uma arena política na organização por volta
do ano de 1993, quando a implementação da estratégia de crescimento e práticas
organizacionais orientadas à expansão criaram pressões mais complexas, que
originaram conflitos internos à família. Observou-se não haver abordagem sistemática
na solução destes confrontos, o que significa um método ad hoc de solução de
conflitos e resgate da coesão. O tratamento pontual e a inobservância da causa
estrutural dos conflitos resultaram em forte ameaça à existência da organização, que
passou por grave crise institucional com o acirramento das disputas daí provenientes.
181
Não há indícios de haver acordos formais que disciplinariam a interação entre
os sistemas família e organização. Interesses divergentes quanto à sucessão e
envolvimento da segunda geração da família e uma estrutura de governança frágil
contribuíram para o surgimento da rivalidade e, até certo ponto, disputa pelo poder
que corroeu o clima organizacional entre os familiares, conforme relata Joaquim.
[A situação de conflito] começou a gerar um clima muito pesado, principalmente porque a única coisa que ele fazia quando ia era verificar as folhas de cheque, as cópias de cheque, para fiscalizar toda a movimentação de caixa, o que tinha entrado e o que tinha saído. (Joaquim)
Segundo relata Roberto, o confronto que se instalou entre Erwin Luciano e
Fernando começou a ser gerado por questões inerentes à própria dinâmica de
negócios da sociedade e apuração dos resultados das obras. Este fato está associado
a indícios da ocorrência de obras cujo resultado apurado não condiziam com o
esperado, demonstrando inobservância recorrente de fatores que possivelmente
seriam identificados por processos sistemáticos de análise e mecanismos de controle,
capazes de promover aprendizado.
Erwinho fazia reclamações, quer dizer, não sei até onde as reclamações dele tinham fundamento, que ele ficava sempre com muito dinheiro investido dentro [do negócio]. Pela própria forma do trabalho que ele desenvolvia com Fernando, ele tinha total liberdade, quando via que a obra não ia ser boa, que não ia dar resultado bom, positivo financeiramente, ele dizia “eu não quero essa obra, fique com ela!” e Fernando tinha que assumir a obra, no meio da obra, a qualquer momento. No momento em que sinalizasse essa situação, ele desistia e Fernando tinha que ficar, porque a empresa era a ABC. Então, quando Fernando ficava, ele ficava com esse prejuízo, enquanto Erwinho só queria ficar com obra que desse resultado positivo, então Fernando tinha que pegar do resultado positivo para cobrir o negativo da outra. Erwinho queria que aquela obra que deu o resultado positivo, que aquilo fosse entregue a ele logo, mas não tinha como. Isso começou a gerar o desgaste. (Roberto)
Ademais, o ingresso de Erika e Joaquim na organização e a decisão de
Fernando de incentivar seu trabalho para captação de contratos por fora da estrutura
regular de contratação e divisão de lucros entre os sócios parecem ter oferecido
razões à atitude insurgente de Erwin Luciano. Segundo Erika relata, há indícios de
que aquilo gerara um sentimento negativo que provocou a deterioração do clima de
confiança e lealdade que existia entre os familiares.
Quando eu e Joaquim começamos a pegar serviço, Tio Erwinho começou a criar um ciúme, ele começou a achar que a gente o estava enganando, passando para trás. Mas as coisas não eram muito bem definidas e separadas não. Juntava todo o resultado dos contratos e dividia entre todo mundo, foi aí que ele passou a achar que estava sendo enganado. (Erika)
Assim, há evidências de que, a partir dos primeiros anos da década de 1990,
algumas das práticas e iniciativas empreendedoras apresentadas no desafio do
182
empreendedorismo provocaram desequilíbrios na alocação de recursos entre os
familiares, o que caracteriza conjuntura típica do que Cyert e March (1963) indicam
ter potencial de ruptura das coalizões que suportam uma organização. Tal
perspectiva, potencializada por influência de agentes familiares externos à
organização e por outros eventos adversos, pode indicar uma disputa de poder com
raízes em temas de sucessão e transferência entre gerações, aqui enfatizados por
uma estrutura frágil de governança organizacional.
Os fatos sugerem ter sido este o caso não só da falha de mecanismos de
coordenação e coesão organizacionais, mas também do fracasso no alinhamento de
expectativas e clara definição quanto ao processo e objetivos sucessórios sob
o ponto de vista do stakeholder família, resultando na instauração da primeira crise
organizacional, conforme narrado no relato histórico. Este fato não só impulsionou a
organização na direção da fragmentação, mas também ameaçou sua própria
existência, dada a complexa conjuntura de envolvimento familiar na disputa.
O confronto resultou na ruptura de sociedade e divisão das duas empresas
coligadas. Consigo, após um processo de muito desgaste, ele levava a Livre Serviços
Gerais e todos os contratos e recursos produtivos da firma, inclusive mão de obra
formada a partir dos contratos executados pela ABC Engenharia. Isto representou
significativo prejuízo às operações da ABC Engenharia, conforme indicado no relato
de Ana Maria sobre a fase de recuperação.
O primeiro momento de crise familiar foi a saída de Erwinho. Tivemos que resolver, ele saiu e tivemos que começar tudo de novo. Recomeçamos praticamente do zero. Não foi do zero mesmo porque já tínhamos um nome, mas foi do zero financeiramente. Já tínhamos um trabalho prestado, todo mundo já sabia quem éramos. (Ana Maria)
A resolução do conflito entre os sócios oferece indícios que apontam para
decisões influenciadas pelo que Gomez-Mejia et al. (2011) chamam socialemotional
wealth. Estes indícios podem ser observados no relato de Joaquim sobre a postura
de Fernando quando da dissolução da sociedade e separação de patrimônio. Embora
não se possa afirmar que o motivou a optar por “abrir mão de muita coisa”, é
possível que dimensões deste conceito estejam associadas a tal decisão, sobretudo
quando se considera ser Erwin Luciano cunhado de Fernando.
[...] Ele [Erwin Luciano] simplesmente ficou com tudo isso, com todos os contratos de prestação de serviço que tínhamos [através da Livre Serviços Gerais]. Não chegou a haver litígio, mas foi preciso instituir dois advogados como representantes das partes. Não havia uma forma de resolver a situação através do diálogo e, ainda assim, Dr. Fernando optou por abrir mão de muita coisa, praticamente de metade do que era a empresa, em termos de patrimônio.
183
Então, a Livre seguiu com praticamente metade do que era a ABC e o que nos deixava indignado era que, enquanto a ABC tinha um passivo trabalhista e uma série de outros problemas, a Livre era uma empresa nova, com poucos problemas, enxuta. Isso a gente não conseguia entender o motivo de Dr. FERNANDO abrir mão disso. (Joaquim)
Sobre o período de recuperação após a saída de Erwin Luciano da sociedade,
notadamente a partir da fundação da segunda empresa coligada, a FF Engenharia,
Erika relata a coesão da alta gestão e da organização em si como elemento que
conferiu estabilidade e segurança para manter a integridade organizacional e
sustentar a continuidade dos processos de criação e captura de valor para seus
stakeholders. Mais do que a promoção de ajustes estruturais, a situação exigiu a
ativação de mecanismos de coordenação construtiva capazes de resgatar a unidade
e promover sinergia entre as partes. A partir do que ela expõe, pode-se identificar
como uma motivação defensiva para o crescimento e a preocupação em manter a
integridade da organização, embora importantes naquele momento, impunham limites
à capacidade de renovação também condição necessária para o crescimento
saudável da organização (FLECK, 2009).
Eu acho que a gente conseguiu [recuperar] pela união que a gente teve e também com muito trabalho. (Erika)
Neste sentido, cabe destacar o significado que a organização representava
para seus fundadores e o comprometimento que tal significado inspirava nos demais
familiares. Considerando o papel duplo que estes familiares exerciam
simultaneamente no sistema família e organização, observou-se uma divisão clara
das responsabilidades de cada membro da diretoria, em torno das necessidades da
organização. Coube à Fernando, na figura de dono-patriarca-presidente, as tarefas de
coordenação e liderança, ao centralizar o poder de tomada de decisão não rotineiras.
É interessante o fato de que a maior ameaça a sua integridade e coesão
decorreu justamente do elemento organizacional que fora fundamental para sustentar
seus movimentos de expansão, o envolvimento familiar. Contudo, há evidências de
que falha nos mecanismos de coordenação entre interesses e visões individuais de
todos os familiares envolvidos em sua gestão enfraqueceu a unidade que se tinha.
Não obstante, os fatos e dados obtidos indicam também a força da integridade
organizacional promovida a partir da liderança institucional e do alinhamento da
organização aos valores e objetivos da família, cuja supervisão direta constituiu
principal elemento de coordenação entre as partes organizacionais. Isto contribuiu
184
para a manutenção da organização como uma entidade coesa, a despeito da arena
política pela qual esta passou.
5.2.5 Desafio da gestão da complexidade
Conforme defende Fleck (2009) a complexidade organizacional aumenta à
medida que uma organização cresce, impactando os demais desafios e,
consequentemente, a renovação e a integridade. O crescimento provoca per si uma
heterogeneidade de recursos internos e amplia a exposição do negócio a agentes
externos. O modo como a organização soluciona problemas, capacita-se para
responde-los e promove mecanismos de aprendizado tem efeito direto na propensão
da organização à autoperpetuação (FLECK, 2009).
À semelhança do ocorrido no estágio 01, obtiveram-se dados escassos acerca
do padrão de comportamento da organização perante o desafio da complexidade.
Evidências sugerem avanços no sentido de promover o aprendizado organizacional,
contudo, persistiu o método ad hoc de tomada de decisão, fortemente baseado na
percepção e intuição da liderança organizacional. Por outro lado, foi observado
progresso modesto no que se refere à adoção de sistemas de informação e controle
gerencial.
A passagem entre os estágios de desenvolvimento de existência e
sobrevivência (CHURCHILL E LEWIS, 1983) remete à crise da liderança abordada
por Greiner (1972), quando os fundadores passam a assumir importantes
responsabilidades administrativas, tendo em vista ganhos de eficiência e a
formalização de processos.
Conforme aponta Chandler (1962), a concepção e execução de uma estratégia
gera pressão de adaptação da estrutura organizacional, de modo a não provocar
perda de eficiência econômica. Diante disto, cabe ressaltar a observação de que a
complexidade inerente à organização durante o início da década de 1990, sobretudo
considerando os movimentos de crescimentos a partir da diversificação relacionada e
na substituição da execução de obras por contratos de prestação de serviços,
pressionou a ABC Engenharia a promover ajustes em sua estrutura em expansão.
O gatilho que ativou os ajustes estruturais deste período foi a captação de
recursos gerenciais a partir do pool de recursos constituído por membros da família.
Tal processo de mudança, conforme indicado anteriormente, teve por base a
delegação de responsabilidades gerenciais aos diretores-familiares da organização e
185
iniciou um processo gradual de especialização das tarefas administrativas. Contudo,
há indícios de que o poder de decisão sobre assuntos críticos permanecia
concentrado na figura do presidente, Fernando, conforme indica o relato de Carlos
Roberto:
[...] passamos a ter uma organização hierárquica, uma escala hierárquica e estrutura organizacional da empresa, dando a cada um os poderes e as cobranças. [...] Ele sempre fazia as reuniões periódicas, onde ele levava-se para essa estrutura a opinião dos outros. Todos tinham direito a dar opinião, sendo que o peso da opinião dele era majoritário. [...] (Carlos Roberto)
A autonomia dada aos diretores-familiares, ao passo que manteve o
mecanismo de coordenação entre as partes pela supervisão direta, permitiu relativa
flexibilidade, o que contribuiu para que a organização conseguisse organizar seus
recursos para atender à demanda de contratos de prestação de modalidades de
serviços e obras distintos, reforçando a característica da versatilidade
empreendedora. Apesar de potencialmente positivo para o processo de criação e
captura de valor, tal traço organizacional, associado à baixa padronização de
processos e informalidade da gestão, também tem potencial de restringir mecanismos
de aprendizado e gestão do conhecimento, favorecendo a solução de problemas de
maneira pontual e não sistemática, dado que a agilidade requerida para adaptações
possivelmente impediu o estabelecimento de procedimentos e padrões
organizacionais potencialmente capazes de promover o aprendizado.
O próprio processo de ingresso de familiares à organização ressalta soluções
ad hoc e não planejadas perante circunstâncias específicas, como pode ser
exemplificado pelos casos do envolvimento de Carlos Roberto e Joaquim. Ademais,
cabe ressaltar que, apesar dos ajustes na estrutura identificados no referido período,
há evidências da manutenção de práticas organizacionais advindas do período
anterior, o que remete à resistência à mudança de práticas cristalizadas na
organização, que reduzem o aprendizado organizacional.
Por outro lado, a inexistência de abordagem sistemática para a análise de
dados e apoio à tomada de decisão indicam a dependência deste processo em
relação a percepção da liderança. O tempo de análise do problema ficava
comprometido à medida que a centralização das decisões entre os membros da
diretoria muitas vezes atua como barreira para que o conhecimento possa ser
distribuído por meio de mecanismos de aprendizado organizacional. Tal efeito é
reforçado pelo relato de Roberto acerca da centralização do poder e autoridade na
186
diretoria e, em última instância, na figura do seu presidente, que, conforme ele narra,
exercia estilo de liderança participativo e buscava a colaboração dos demais
familiares, que supervisionavam diretamente as tarefas alocadas a suas áreas.
De outra parte, o desenvolvimento de práticas organizacionais no sentido de
promover maior controle e, assim, conferir-lhe eficiência, conforme evidencia o relato
de Carlos Roberto acerca dos mapas de controle, denota aspectos que começavam
a ser incorporados pela organização antes mesmo daquele último período.
Identificam-se, pois, características que já remetem à fase da direção (GREINER,
1972), em que se introduz uma estrutura funcional e se mantém a centralização do
poder de decisão na figura do presidente da organização, conforme relata Carlos
Roberto.
[...] levava-se para Fernando o que a gente denominava mapas, que hoje são as planilhas, em que a gente mostrava os resultados já obtidos e as projeções dos resultados que gostaríamos de ter. A gente visualizava e Fernando perdia mais tempo olhando isso e fazendo o meio de campo, o relacionamento. (Carlos Roberto)
Apesar disso, observou-se evolução modesta quanto à implementação de
sistemas de informação e controle gerencial. Este fato pode ser atribuído também à
reduzida estrutura administrativa, sustentada pela baixa especialização e
padronização de processos, o que motivava inclusive o desenvolvimento de
atividades cruciais para o controle gerencial por estruturas externas à firma, conforme
relata Irineu:
A gente não podia criar uma estrutura grande, numa empresa pequena, que não podia suportar uma estrutura grande para poder fazer uma administração mais adequada. [...] dentro da experiência que cada um tinha, fomos contribuindo para chegar ao que é hoje. A própria folha de pagamento era feita fora daqui. A parte de contabilidade também sempre foi feita fora, continua sendo até hoje. [...] Na época, nem contracheque tinha. (Irineu)
Neste sentido, há indícios de efetividade da gestão da complexidade. Contudo,
o período em análise oferece também evidências de inadequações de respostas a
este desafio, uma vez que foram identificados traços organizacionais que restringem
mecanismos de aprendizado e não estimulam a sistematização da resolução de
problemas.
5.2.6 Gestão da folga organizacional
Conforme constatado no estágio 01, a organização apresentou respostas
consistentes à gestão da folga organizacional produzida a partir do processo de
187
crescimento, o que contribuiu para que novas expansões pudessem ocorrer. Contudo,
entraves à produção de folga persistiam, a despeito da estabilização operacional.
Neste ponto, vale destacar também a geração de folga de ativos a partir dos
movimentos de expansão identificados no início da década de 1990. Esta folga é
identifica nos relatos dos entrevistados sobre a aquisição de frota de veículos e
equipamentos para a execução daqueles contratos captados. A disponibilidade destes
ativos pode oferecer estímulos à melhor utilização dos mesmos, o que incentiva a
expansão para obtenção de ganhos de escala, promovendo o crescimento através de
motivação produtiva (CHANDLER, 1977).
Adicionalmente, à medida que a firma crescia, a própria família compunha um
pool de recursos do qual pode-se extrair folga de serviços gerenciais. Além dos efeitos
que o ingresso destes recursos à organização proporcionou sob o ponto de vista da
gestão do negócio, os serviços gerenciais deles extraídos abriram a possibilidade de
exploração de novas frentes de serviço, a partir da diversificação relacionada para o
setor de telecomunicações, e também de expansão em modo inercial (FLECK, 2016)
na prestação de serviços no sistema elétrico de potência.
Contudo, o relato de Ana Maria remete a dificuldades financeiras recorrentes e
relacionadas à falta de capital de giro e o impacto que atrasos no pagamento por parte
do cliente principal provocava. Esta condição denota períodos de falta financeira e
baixa capacidade de investimento e atua no sentido de restringir o potencial de
crescimento organizacional. Este fato, aliás, indica a ocorrência do que indicam por
Churchill e Lewis (1983) ser característica de organizações em estágio inicial de
desenvolvimento, que é a importância relativa do fator gerencial da capacidade de
gerar caixa para a firma.
O Gráfico 5-4 apresenta a evolução do indicador lucros acumulados/PIB,
proposto por Fleck (2016) como uma proxy da capacidade de investimento da firma.
Vale destacar a melhora da capacidade de investimento, o que indica folga financeira,
no início da década de 1990, notadamente os anos de 1993 e 1994.
188
Gráfico 5-4 - Evolução de proxy de capacidade de investimento, estágios 01 e 02.
A folga financeira é prejudicada com os atrasos recorrentes de pagamento dos
serviços prestados à Celpe, sob a administração do governo Arraes, a partir de 1995,
de acordo com o que narra Irineu. Diferentemente da curva de crescimento da
organização, representada no Gráfico 5-1, que indicava tendência de expansão de
seu poder econômico, queda na capacidade de investimento é percebida nos anos
posteriores a 1994.
Eu lembro que alguns anos antes [da privatização da Celpe] nós passamos uma crise aqui. Foi mais ou menos em 1997, 1998, 1999. Foi uma época que tínhamos muito dinheiro faturado, mas demorava muito para recebermos. (Irineu)
Tal circunstância, além de prejudicar a situação de caixa da organização e
consumir a folga financeira, também demandou, segundo relato de Ana Maria, sua
capacidade de levantar recursos através de empréstimos de curtíssimo prazo. Estes
empréstimos, obtidos muitas vezes a partir do relacionamento com bancos e até
mesmo de reservas da própria família, contribuíam para situações de necessidade de
caixa e investimentos. Consequência disto pode ser vista na escalada do indicador de
endividamento geral, que revela quanto a firma está usando de capital de terceiros,
neste caso através da contração de empréstimos, em proporção do ativo total
contabilizado. A evolução deste indicador contábil durante os estágios 01 e 02 é
apresentada no Gráfico 5-6.
Mas nessa época [a Celpe] atrasava muito pagamento. A gente faturava o mês e só recebida um mês depois. Eles não deixavam de pagar, mas a fatura era para receber com 15 dias, acabava o recebimento ocorrendo só depois de um mês. [o ciclo de pagamento] você trabalhava um mês, faturava e recebia depois de 15 dias de faturado. Então era de 45 dias o ciclo, ne? Para receber dinheiro era de 45 a 60 dias. Muitas vezes a gente precisava pegar dinheiro emprestado. [...] Se não tivesse dinheiro, a firma teria parado. (Ana Maria)
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
189
Gráfico 5-5 - Evolução do endividamento geral, estágios 01 e 02.
Em contrapartida ao consumo da folga financeira, o processo de crescimento
observado ao longo da década de 1990 permitiu a geração de folga de recursos
intangíveis associados à imagem e à reputação da organização. Indícios de
construção da reputação perante o cliente começaram a aparecer a partir das
contratações em regime de carta-convite, da execução do projeto piloto para o serviço
de corte e religação em 1991 e, posteriormente, da contratação das duas firmas sob
a condição de empresa-âncora, o que permitiu novo momento de expansão, conforme
discutido mais adiante.
Por outro lado, por se tratar de atividades em engenharia, pode-se considerar
também folga gerada pelo processo de crescimento o conhecimento técnico obtido a
partir da execução das obras e contratos, bem como os atestados de capacidade
técnica a partir da execução dos mesmos. A comprovação de capacidade técnica,
conforme exigência de muitos processos licitatórios no ramo da engenharia, é
requisito classificatório e, portanto, dispor de acervo técnico amplo pode ser percebido
como uma folga com potencial de induzir a movimentos de expansão. Um exemplo de
situação que tenha ocorrido tal mecanismo pode ser a captação de contratos de
prestação de serviços no setor de telecomunicações, após as primeiras obras nesta
área, ocorridas em 1994.
Desta forma, percebeu-se que, apesar das barreiras impostas por momentos
de falta financeira e baixa capacidade de investimentos, os movimentos de expansão
ocorridos durante o estágio 02 ativaram mecanismos de geração de excedente de
recursos humanos e intangíveis. A gestão da folga organizacional durante este
período ofereceu estímulos a novas expansões, conduziram a organização às novas
expansões e ao novo estágio de desenvolvimento, segundo o modelo proposto por
Churchill e Lewis (1983).
190
5.3 Estágio 03
Em meados da década de 1990 teve início um processo de transformação do
setor elétrico brasileiro através de nova reforma no seu modelo institucional, a qual
previa medidas de reestruturação sobre nova base de liberalização da economia. No
plano econômico, iniciara a abertura comercial e financeira do Brasil e deixava-se de
lado um modelo centrado na forte participação do estado para abrir espaço para
privatizações nos principais setores de infraestrutura do país, em especial energia
elétrica e telecomunicações.
Sob este plano de fundo, tais reformas trouxeram importantes mudanças na
competição entre as empresas do setor, à medida que as privatizações das
concessionárias sob domínio do estado ocorriam. A lógica diretriz de seus modelos
de negócio passou por importante processo de revisão, que provocou alterações
significativas em todo o ambiente. Assim, a terceirização de serviços no setor ganhou
relevância estratégica nos planos de redução de custos operacionais e execução dos
investimentos previstos nos contratos de privatização, afetando, assim, a arena de
competição deste setor.
O caso da Celpe não foi diferente do padrão identificado no país e impôs
mudanças profundas nas condições de contratação das empresas terceirizadas, ao
passo que também a terceirização estratégica (SOUZA & RADOS, 2011) constituía-
se pilar importante para as operações sob controle privado. Em decorrência destas
alterações, também o ambiente de negócios em que a organização em estudo estava
inserida teve sua dinâmica modificada. Os dados coletados apontam para mudanças
que levam a arena competitiva a uma condição mais desafiadora, que demandou
da organização capacidade de alterar seu status quo e adaptar-se às novas regras do
jogo.
Num primeiro momento, a expansão da estrutura física gerou folga de recursos
que estimulou novas expansões. Há indícios de orientação organizacional ao
crescimento, o que trouxe bons resultados para a firma, em meados dos anos 2000.
Neste sentido, percebeu-se significativa mudança na capacidade de investimento da
firma e seu perfil de risco. Ademais, a ampliação dos escopos contratuais ao longo
deste período possibilitou novas oportunidades de renovação e crescimento,
reforçadas pela versatilidade da organização, inclusive induzindo a iniciativas pontuais
de diversificação relacionada e expansão geográfica.
191
O crescimento quantitativo e também as novas condições ambientais elevaram
a complexidade e heterogeneidade internas, para as quais foi necessário adaptar a
organização e promover ajustes estruturais de adequação à nova lógica de criação e
captura de valor. Houve, então, mudanças no que se refere à especialização das
áreas administrativas, padronização e burocratização de processos, qualificação de
pessoal e alocação de responsabilidades administrativas ao nível de supervisão
funcional. Ademais, o monitoramento das tendências externas e a busca pela captura
de oportunidades induziram à realização de novos ajustes estruturais no sentido de
promover maior controle gerencial por meio da implantação de sistemas de
informação e apoio à decisão, em resposta a pressões externas por eficiência.
Há indícios de restrição à atividade do motor de crescimento contínuo
(FLECK, 2003) impostas por dificuldades relacionadas à gestão da complexidade, o
que implicou consumo excessivo de recursos gerenciais para solução de problemas,
reduzindo a folga de energia e tempo dos gestores para dedicar-se a iniciativas
empreendedoras (FLECK, 2016). A redução do nível de empreendedorismo fez surgir
o que se denominou surtos de empreendedorismo, que acontece de maneira pontual,
podendo comprometer a condição de renovação organizacional.
Consequentemente, observou-se aumento significativo da dependência da
continuidade de sua existência em relação à sua capacidade de criar e captura valor
para seu cliente principal, a Celpe. Esta condição induz o desenvolvimento de padrão
reativo de respostas à navegação no ambiente, do qual poderia ser considerada
refém. Assim, identificou-se também a tendência de a organização recorrer a padrões
de resposta às pressões do ambiente com aceitação e conformidade, que leva
frequentemente à adoção de práticas devido a forças coercitivas do ambiente (DI
MAGGIO; POWELL, 1983). Apesar disto, não pode ser ignorado o esforço
organizacional desprendido para o monitoramento do ambiente dinâmico.
Esta atitude organizacional, entretanto, não parece contribuir para o
crescimento saudável e, mesmo que estratégias de natureza passivas às pressões do
ambiente busquem conquistar legitimidade e estabilidade, é preciso que se atente
para o risco de esta impedir iniciativas de criação e captura de valor, o que em si pode
ativar mecanismos de deterioração.
Por outro lado, o contexto familiar também sofreu significativa alteração. O
falecimento de seu fundador conduziu a organização a um processo sucessório não
antecipado, o que representou pressões de fragmentação na gestão das áreas
192
operacionais e reforça efeito negativo de inadequações do comportamento relativo à
gestão da complexidade. Apesar disso, a análise dos dados coletados indica a infusão
de valores que contribuíram para a integridade e coesão organizacionais. Destaca-se,
por exemplo, o mito criado em torno da imagem de seu fundador, frequentemente
mencionado nos relatos como símbolo de identidade da firma.
Ademais, há indícios de reatividade à necessidade de provisão de recursos
humanos. Os relatos de entrevistados indicam dificuldades na seleção, formação e
sucessão de profissionais de níveis gerenciais comprometidos e qualificados. Tal fato
contribui para o reforço do consumo excessivo de energia da diretoria com respostas
à complexidade inerente ao negócio, dada a centralização da estrutura de poder.
Contudo, cabe destacar a mudança de padrão relativo à gestão da folga de
recursos organizacionais. Há indícios que apontam maior consistência na maneira
como a organização conseguiu fazer uso do excedente de recursos em benefício de
movimentos de expansão. Merece destaque a capacidade de investimento
substancialmente mais elevada e a disposição da gestão em fazê-lo, o que oferece
incentivo à renovação.
Em suma, as bases que conduziram a ABC Engenharia ao terceiro estágio de
desenvolvimento relacionam-se com o incremento de complexidade organizacional,
ambiente com características desafiadoras e o distinto contexto que a família imprimiu
à organização. Estas causas de mudança de estado induziram também a
transformações no padrão de respostas aos desafios do crescimento e, por
consequência, no mecanismo central da longevidade saudável (FLECK, 2009),
conforme se analisa a seguir.
5.3.1 Desafio do empreendedorismo
O Quadro 5-8 resume o comportamento da organização segundo as principais
dimensões referentes aos desafios do empreendedorismo relativas ao estágio 03.
Dimensão Comportamento Organizacional
Ambição A ambição está relacionada à visão da família, que envolve legado, reputação e objetivos enquanto entidade familiar.
Versatilidade Identificou-se a versatilidade para a ampliação de escopo dos contratos, prestação de serviços.
193
Habilidade em levantar fundos
Financiamento de expansões alavancadas por empréstimos bancários, além de capital próprio. Maior disponibilidade financeira e propensão à captação de recursos de terceiros para realização de investimentos.
Julgamento Há indícios de que a organização busca analisar previamente os riscos inerentes aos movimentos de expansão, de maneira informal.
Ambidestria
Exploitation – Modo de crescimento externally-led e inercial dos contratos com a Celpe. Replicação da operação por meio de expansão geográfica. Exploration – Modo de crescimento interacional e mecanismos de cooperação. Também estiveram associados à dimensão de monitoramento do ambiente.
Quadro 5-8 - Dimensões do desafio do empreendedorismo, estágio 03.
Apesar do crescimento, ainda persistia a característica de Fernando de aversão
a riscos. Alguns relatos sugerem associação desta característica à preocupação com
a perpetuação da organização e a preservação da imagem e reputação construída
pela firma, ao longo dos anos. Este traço, que também pode ter origem em
características pessoais do fundador, restringia iniciativas empreendedoras que
ofereciam maiores riscos. Há indícios de que a ambição empreendedora e a
habilidade em levantar recursos de Ana Maria atuava de modo complementar,
sendo em muitos casos o gatilho necessário para ativar um movimento de expansão.
[...] não pode ficar estacionado, tem que ter sempre um movimento de crescimento. O mundo está sempre evoluindo, então você tem que sempre tentar evoluir e crescer com o mundo. Eu acho que tem que estimular e dar meios às pessoas para crescer. Tem que ser otimista e acreditar naquilo que você está fazendo, ou que vai fazer. (Ana)
O relato de Ana Maria demonstra ser sua atitude empreendedora característica
importante para dar suporte às respostas organizacionais à demanda do cliente. Pela
natureza da prestação de serviço, ampliar a oferta de serviço para atendimento a
necessidades do cliente representa alto investimento, sobretudo com a aquisição e
renovação de ativos fixos.
[A ABC Engenharia] Não deixou de crescer por medo não. Ele não era afoito, mas não deixava de fazer nada não. Se a Celpe chamasse e pedisse para colocar mais três caminhões, ele colocava. Aquilo para ele era um problema seríssimo. Em vários momentos ele ficava com medo de investir, perguntava se podíamos comprar um caminhão, eu sempre dizia para comprar três, mesmo sem ter o dinheiro. Ele ganhava confiança e encarava. Eu sempre cuidei do dinheiro e das dívidas. Eu fazia tudo o que fosse preciso. (Ana)
O período imediatamente anterior à privatização da Celpe, especificamente
entre os anos de 1995 a 1999, foi identificado como um momento de pouca renovação
quanto às ações para criação de valor por parte da organização. Ambas as firmas
194
cresciam no modo inercial, puxado pela própria demanda de seu cliente majoritário,
a Celpe, que expandia os contratos de prestação de serviço em volume e realizava
significativos investimentos em eletrificação rural. Resultado desta condição era o
gradativo aumento da dependência em relação aos contratos de serviços com a
concessionária, que já representavam mais do faturamento total que as obras em si e
forneciam maior estabilidade.
Neste período, foram encontrados contratos e anotações de responsabilidade
técnica que atestam a atuação da organização para outros clientes, com destaque
para a continuidade da prestação de serviços no setor de telecomunicações pela FF
Engenharia. Contudo, estes contratos, segundo relata Erika, perderam atratividade.
Desta forma, expandir suas operações, naquele momento, significava expandir sua
estrutura para atendimento à demanda por serviços da própria Celpe, reafirmando a
preponderância de eventos externos sobre a trajetória de crescimento organizacional,
o que indica um período em que não há evidências de estar a organização não
orientada ao crescimento.
Fomos crescendo à medida que a gente ia sendo demandado pela Celpe. Nunca existiu planejamento para crescimento. Tinha demanda, a gente aumentava. (Erika)
Quando a Celpe foi privatizada, a Celpe chegou para Dr. Fernando e colocou a condição de seguir contratada como âncora. Na verdade, a ABC Engenharia em si não queria crescer muito não, porque era muito problema. De fato, quanto maior, maior o tamanho dos problemas. Mas foi uma exigência da Celpe. Sem a gente poder, naquela época, era investimento em pessoal, equipamento, [...] Era correr para conseguir atender e se manter no mercado. (Irineu)
Alterações no nível do ambiente institucional do setor elétrico, conforme relato
histórico apresentado neste trabalho, induziram à reconfiguração do setor por meio da
privatização das concessionárias. A privatização da Celpe, portanto, representou
evento externo determinante para a expansão da organização. Neste caso, pode-se
dizer que o modo externally-led fora ativado em sua mais pura forma e que, na
verdade, a organização não escolheu crescer, mas foi impelida a tanto, em resposta
a mudanças na arena competitiva, que são objeto de análise do desafio da navegação
no ambiente.
Dada a nova condição de contratação de serviços imposta a partir do novo
modelo de terceirização da Celpe privatizada, a realização de investimentos para
expansão da estrutura operacional através da aquisição de equipamentos,
contratação e treinamento de pessoal foi requerida. Isto demandou a capacidade de
levantar recursos da organização e representou significativa elevação de seu
195
indicador contábil de endividamento geral, conforme pode ser constatado no Gráfico
5-6, que apresenta a evolução deste índice e destaca os períodos dos ciclos de
contratação de serviços durante o período de Celpe privatizada.
Gráfico 5-6 - Evolução do endividamento geral, 1994 a 2014.
Sob a ótica da renovação organizacional através da criação de valor, o que se
observa é que a necessidade de resposta a esta nova condição induziu a mudanças
de padrão de comportamento também em relação ao desafio do empreendedorismo.
A capacidade da organização em responder a esta pressão externa contribuiu para o
fortalecimento de sua legitimidade perante o cliente e também alterou seu perfil de
risco, sendo uma das principais mudanças identificadas justamente a utilização de
capital de terceiros como principal fonte de financiamento da aquisição de
equipamentos e demais investimentos. O relato de Erika fornece evidências que
apontam para maior tolerância por parte da diretoria a níveis mais altos de
endividamento para financiar movimentos de expansão, uma vez que a dinâmica da
prestação de serviços no setor elétrico requer investimentos no sentido não apenas
de expandir, mas também de renovar os recursos.
São investimentos altos, você precisa de crédito para isso. Não é um investimento barato, o custo de entrada não é barato. Agora os estímulos, acho que são as oportunidades. Por ser uma área de investimento alto, há poucos entrantes. Uma outra observação que eu noto é que antigamente, quando a gente era menor, a gente tinha mais receio em investir. A partir do momento que você começa a crescer mais, você diminui o receio com investimento, você se torna mais ousado, topa investimentos maiores, toma mais risco, o risco se torna mais natural. (Erika)
Conforme aponta Erika, a imposição por parte da Celpe da condição de
empresa-âncora implicava elevados gastos com aquisição de equipamentos,
ampliação da frota de veículos e também contratação de mão de obra. A nova lógica
196
de relacionamento entre a Celpe e seus fornecedores impunha, pois, a necessidade
de as empresas contratadas oferecerem uma estrutura operacional apta à prestação
de serviços técnicos e comerciais em toda a área de cobertura na qual se estabeleceu
como âncora, segundo indicado no relato histórico. Assim, o redesenho do modelo de
negócios da Celpe e a nova política de contratação de serviços, ao colocar a
terceirização como elemento estratégico, induziu ao crescimento externally-led, que
impunha prazo curto para adequação, de modo a não haver interrupção na execução
dos serviços, o que elevava o grau de complexidade deste movimento de expansão.
O desequilíbrio de poder entre o cliente e as empresas terceirizadas, conforme
pode ser denotado da estrutura da rede de valor, torna ainda mais complexa a gestão
dos stakeholders. Neste sentido, fica evidente em grande parte dos relatos e dos
dados obtidos a forte relação de dependência que a organização tem em relação
à Celpe.
Visto por outro lado, é interessante destacar que o esforço reativo da
organização em capturar valor a partir das pressões externas exercidas pelo seu
principal cliente promoveu oportunidades de aprendizado organizacional e de
desenvolvimento de competências distintas, além de indicar versatilidade da
organização no processo de criação de valor. Estes efeitos podem ser observados ao
se analisar exemplos de ampliação de escopo contratual para prestação de serviços,
cujo exemplo pode ser a inclusão de serviços em linhas energizadas a partir de 2003,
conforme indica o relato de Joaquim. Este movimento promoveu a renovação de
ordem técnica e de pessoal, gerando folga necessária para a expansão inercial dos
contratos nos anos posteriores.
Em 2003 também houve um fato importante na ABC Engenharia que foi, a Celpe decidiu que as empresas âncoras locais fizessem também o serviço de manutenção e construção com rede energizada, que era um know-how que a gente não tinha. (Joaquim)
Foi neste contexto de mudança de atitude que a organização implementou a
medida de contratação de consultor comercial para atuar no esforço comercial de
prospecção de novos clientes. Esta era uma tentativa de reduzir sua forte
dependência em relação à Celpe e tinha motivação produtiva, conforme depreende-
se do discurso de Joaquim, fazendo uso da disponibilidade de recursos subutilizados
na organização e visando inclusive à expansão da área de trabalho para áreas de
outras concessionárias de distribuição de energia elétrica no Nordeste.
Com o racionamento, boa parte das nossas equipes de trabalho foram
197
dispensadas, então, uma vez que a gente já tinha feito alguns investimentos, a gente achou que poderia usar aqueles veículos, aquela estrutura que foi montada em 2000 para atender a nova realidade do contrato, a gente poderia disponibilizar para outros serviços. A gente se sentiu estruturado e decidiu retomar a participação nas licitações em órgãos estatais. Foi quando veio o Carlos Viana para trabalhar conosco. (Joaquim)
Pode-se dizer que seu trabalho operou em duas frentes de exploitation, uma
vez que lhe cabia a busca de novas oportunidades naquele contexto em que as duas
firmas já atuavam. Portanto, sua atuação visou à captação de contratos de prestação
de serviços nos segmentos de telecomunicações e também de distribuição de energia
elétrica, o que resulto na captação de contratos com as concessionárias Energisa/PB
e Energisa/SE, no setor elétrico, dentre outros contratos no segmento de telefonia
móvel.
Embora tenha-se ativado a partir destes contratos o modo de crescimento
inercial, em que basicamente as atividades de campo desempenhadas pouco se
diferenciavam daquilo que a organização já executava, este movimento de expansão
geográfica gerou importantes instâncias de aprendizado organizacional e renovação.
Dentre os principais pontos de aprendizado, vale destacar não só a adaptação
necessária para o atendimento ao cliente com outros níveis de exigência e modelo de
trabalho, mas cabe também ressaltar a necessidade de estabelecimento e adequação
de toda uma estrutura de suporte para a execução destes contratos em regiões
distantes da estrutura central.
Destas ações resultaram contratos de construção de linhas de transmissão e
prestação de serviços de manutenção para a Energisa/SE e ainda contratos para
construção de linhas de transmissão de 230 kV para a Chesf. Estes, por sua vez,
promoveram aprendizado técnico, à medida que resultaram nas primeiras
experiências de linhas de longa extensão. É importante pontuar aqui indicativos de
aprendizado organizacional disseminado entre o pessoal de supervisão atuante neste
movimento, o que representou folga de recursos que proporcionou inclusive a
execução de novos contratos e até a reestruturação que teria início anos mais tarde,
conforme discutido anteriormente.
Inicialmente a gente entrou com duas turmas de construção, depois a gente foi aumentando, ficava meio oscilante, dependendo da demanda, mas a gente chegou a ter 4 equipes. Posteriormente conseguimos contrato de fazer linhas de transmissão, aí Marcos Dias, que é outro supervisor, também foi para lá com outra turma. Daí, em função da obra, ia para 70, 80 pessoas, depois quando acaba a obra voltava para 4 turmas, 3 turmas, oscilava um pouco. (Roderick)
198
Contudo, cabe destacar aí a importante atuação da dimensão de julgamento
sobre os riscos inerentes a novos movimentos de expansão. Esta capacidade, que
esteve associada ao temperamento do presidente e a uma análise prévia informal de
riscos, conforme indicam os relatos dos entrevistados, é muito importante para a
avaliação das oportunidades de crescimento, de modo que estas criem valor sem que
haja superexposição a riscos que representem potenciais ameaças à continuidade da
existência da organização. Há evidências, inclusive, do julgamento de riscos atuar no
sentido de frear novas iniciativas empreendedoras, conforme indicado no relato de
Joaquim, que narra a decisão de não avançar sobre novas contratações em virtude
do tamanho considerado satisfatório àquele momento e da complexidade que o
crescimento implicaria.
Surgiram oportunidades até no Mato Grosso do Sul [...] Só que isso significaria praticamente duplicar aquilo que a gente já era, que a gente já se achava relativamente grande. O fundamento da ABC Engenharia nunca foi crescer muito, sempre foi, se crescer, crescer passo a passo e não inchar, crescer de uma vez. Essa é a cultura da empresa. Nós crescemos e achávamos que já era um bom tamanho. Na época, a gente pode falar em ter uns 500 funcionários. As oportunidades que apareciam eram oportunidades que eram muito grandes, porque eu acredito que a partir dali as concessionárias de energia, que é o mercado que a gente tem, passaram a achar que esse modelo de contratação de empresa âncora era o modelo ideal, então, quando apareciam as oportunidades, eram volumes no mesmo tamanho, na mesma proporção do que a gente já tinha e isso não era de interesse para a gente dobrar o tamanho. Nós preferimos parar e esperar o mercado se reorganizar. (Joaquim)
Por outro lado, o relato de Joaquim oferece evidências de ser esta atitude de
reduzir a atividade empreendedora uma resposta organizacional a riscos identificados
no ambiente de atuação.
A partir de 2009, a gente começou a perceber uma crescente demanda na justiça do trabalho [...] dando sentenças de terceirização ilícita. Isso fez com que, inicialmente, a gente se retraísse, então, nesse momento a gente passa a não mais querer trabalhar com concessionárias, na verdade a gente tenta não ampliar nossa atuação, [...] até que o cenário mudasse. A gente decidiu ficar mais em Pernambuco do que estar ampliando nossa atuação. [...] Fomos direcionando para uma reestruturação com a redução do número de funcionários, até que a gente pudesse ter um novo cenário. (Joaquim)
Tal resposta contribuiu, assim, para reduzir a vulnerabilidade da organização a
avaliações negativas de sua conduta, que podem trazer prejuízos não só de imagem
e reputação, mas sobretudo penalidades financeiras pela não conformidade.
Evidências da importância da conformidade estrutural neste caso são também
encontradas na existência de dispositivos contratuais que exigem da contratada
conformidade com as normas e com a própria política de segurança da contratante,
que prevê inclusive sanções em caso de não cumprimento.
199
O aumento da complexidade inerente aos contratos de prestação de serviço no
setor elétrico, a partir de meados de 2010 fornece também entrave à atividade
empreendedora. Alterações no modelo de contratação representaram transferência
de responsabilidades para as prestadoras de serviço, tal qual narra Joaquim.
De 2005 a 2010, ainda havia uma quantidade significativa de pessoas trabalhando na empresa [Celpe pós-privatização], de modo que nossas responsabilidades enquanto prestadoras de serviço eram mais limitadas em relação ao que são hoje. A partir de 2010 os contratos vieram com mais exigências, que demandavam mais gestão sobre tudo. [...] os contratos passaram a nos dar maiores responsabilidades, o que demandou mais trabalho, mais estrutura de supervisão, estrutura física, enfim, mais custos... é uma resposta ao ambiente. (Joaquim)
Este é um efeito relacionado ao que comenta Fleck (2016) acerca das
dificuldades que ambientes em estado inóspito e desafiadores podem impor ao
crescimento, principalmente à medida que este ambiente demandante exaure a folga
de recursos, consumida para a solução de problemas, muitas vezes no modo de
combate a incêndio, padrão não adequado de resposta ao desafio da gestão da
complexidade. Embora não se tenha indícios que sustentem a classificação do
ambiente de negócios como inóspito, há de se destacar características demandantes
deste, com significativas exigências contratuais no sentido de responder a tais
demandas impostas pela contratante.
Não por acaso, paulatinamente, a organização deixava de lado oportunidades
outras que não seu principal cliente. Na verdade, em decorrência da evolução do
volume de serviços, inclusive através da incorporação de novas modalidades de
serviço e ampliação de escopo e prazo dos contratos com a Celpe, a organização foi
limitando sua ação no sentido de promover novas expansões.
Esta perspectiva explica a recorrência do uso da estratégia de aceitar e
consentir (OLIVER, 1991) em resposta às pressões institucionais no que tange à
regulamentação e fiscalização de trabalho. A própria existência da organização, neste
caso, prescinde da conformidade com padrões e normas estabelecidos pelas
regulamentações, em especial o caso das exigências quanto à conformidade aos
requisitos técnicos de saúde e segurança no trabalho, ainda que exerçam força
contrária às pressões de mercado e à escassez de recursos associadas à busca por
eficiência operacional. Isto evidencia aquilo que Oliver (1991) relata sobre a
adequação da resposta de consentimento a situações em que o grau de legitimidade
obtida com a conformidade é alto.
200
Tal situação, que motivara, num primeiro momento, a retração do esforço
comercial para captação de novos contratos, posteriormente, ofereceu incentivos à
realizar movimento de diversificação relacionada, a partir dos primeiros contratos de
prestação de serviços em iluminação decorativa para a Prefeitura do Recife. Contudo,
há evidências de comportamento pendular relativo à atividade empreendedora, à
exceção dos contratos com a PCR em estrutura de consórcio, não foi identificada
continuidade do esforço para captação de contratos além dos contratos âncora com
a Celpe.
Assim, cabe destacar dos contratos celebrados com a PCR o fato de que eles
ativaram, a partir do ano de 2010, o modo de crescimento interacional através de
mecanismos de cooperação, ao ser estabelecido consórcio de empresas parceiras
para execução dos serviços. Em consonância com o que expõe Fleck (2016) acerca
deste modo de crescimento, a ABC Engenharia uniu-se a duas outras firmas
concorrentes de modo a desenvolver estratégias e procedimentos operacionais de
maneira a promover ganhos de sinergia entre elas. Assim, formava-se o consórcio
com a visão de complementariedade de competências entre as empresas envolvidas
e sua atuação não se restringiu à iluminação decorativa, mas englobou também obras
de construção civil, configurando novo movimento de diversificação relacionada.
Traduziu-se, pois, em importante oportunidade de renovação organizacional através
do aprendizado proporcionado por mecanismos de cooperação entre organizações.
Edmar [Real Engenharia] chamou para entrar na licitação de iluminação [decorativa], pois ele não tinha experiência. Participamos da licitação e vencemos em 2008, mas ficou, a cada ano, uma briga entre a gente e a Processo. Para não ficar aumentando essa disputa, achamos que seria mais interessante nos unirmos para a execução desse serviço. Então, resolvemos formar um consórcio. [...] a execução seria coordenada entre as empresas, sendo dividido o retorno igualmente entre as três. [...] Na verdade, esse consórcio não se restringiu aos contratos de iluminação decorativa. Teve obra de construção também. (Erika)
Foi a partir do aprendizado adquirido que, em 2013, o modo de crescimento
interacional através de mecanismos de cooperação serviu novamente de base para
um movimento de expansão. Através da parceria com a Processo Engenharia, a
organização lançou-se a uma nova iniciativa empreendedora, que possibilitou
novamente o desenvolvimento de competências inéditas à organização, à medida que
se tratava de um projeto que envolvia, mais do que a prestação de serviço, o
fornecimento de materiais.
Diante da complexa estrutura que se formou para a realização deste projeto,
há indícios de que o consórcio buscou desenvolver novos instrumentos de apoio à
201
realização das tarefas. Pode-se dizer, com isso, que também a complexidade do
projeto motivou a busca pela inovação. A ideia por trás desta decisão era a de
estabelecer um novo modelo operacional para contratos de eficientização de
iluminação pública, o que não só criaria valor, como também permitiria que as
organizações envolvidas trabalhassem o ambiente de modo a replicar este modelo
em outras localidades, o que exigiria a capacidade destas de moldar o ambiente para
captura de valor.
A experiência do consórcio anterior contribui e muito para o Reluz. Quando fomos começar a executar o serviço, Leonardo teve a ideia de que nós precisávamos fazer de forma diferente, para ter resultado. Então ele inventou que tínhamos que ter um sistema, uma plataforma, e fazer tudo on-line. Pelo edital, tínhamos que tirar foto antes e depois da substituição da luminária, tinha que fazer medição de luminescência antes e depois e tinha que apresentar todos os projetos, pois esse projeto era um convênio com a Chesf e Eletrobrás. Tudo isso devia constar nos boletins de medição. Então ele teve essa ideia de desenvolver esse sistema. (Erika)
Essa parceria entre os dois [refere-se a Erika e Leonardo, dono da Processo] foi fácil, porque eles dois se complementavam. Enquanto Dr. Leonardo tem uma forma de trabalhar muito de sonho, D. Erika é muito real [...] Eu percebi que, com isso, D. Erika passou a se envolver com um outro cliente que não a Celpe, então era um novo horizonte, um tipo de serviço específico, que não era o tipo de serviço que a empresa habitualmente realizava, e essa parceria fazia com que ela tivesse um sócio com um ponto de vista diferente, com uma energia diferente, com um estímulo diferente, com uma visão diferente. [...] Ela conseguia avaliar, o que era positivo a gente replicava, o que não era de positivo, a gente descartava. (Ana Ferreira)
Cabe destacar as evidências presentes no relato de Ana Ferreira quanto ao
aprendizado que a experiência da aliança estratégica para o Projeto Reluz ofereceu
à organização. Este aprendizado teve consequências inclusive nas ações
empreendidas para sistematização da coleta de dados e tomada de decisão, com a
implantação de novos sistemas de controle de produtividade, a partir de 2015. Foram
coletados dados que indicam a intenção de continuidade desta parceria que possibilita
o crescimento a partir da cooperação e combinação das competências entre parceiros
estratégicos, a partir do modo de crescimento interacional.
Durante o período compreendido pelo estágio 03, menor nível de atividade
empreendedora foi observado. A redução do empreendedorismo oferece ameaça à
longevidade saudável (FLECK, 2009), à medida que pode provocar processo de
erosão de sua vitalidade e conduzir à estagnação (WHETEN, 1980). Há evidências
de que inadequações quanto ao nível de empreendedorismo da organização durante
este período estiveram associadas ao aumento da complexidade organizacional e
202
esforço organizacional em responder às pressões ambientais de modo a assegurar
sua legitimidade e o processo de captura de valor.
5.3.2 Desafio da navegação no ambiente dinâmico
O ambiente foi seguramente um importante elemento causador de mudanças
organizacionais identificadas ao longo da trajetória da ABC Engenharia, em resposta
às transformações evidenciadas nas arenas competitiva e regulatória. A organização
viu aumentar a complexidade do processo de captura de valor, à medida que cresciam
as pressões de seus stakeholders, num ambiente que passava a exigir capacidade de
resposta e adaptação da organização para conciliar as demandas.
É fato relevante o processo de privatização da Celpe, ocorrido em 2000,
consequência de transformações no modelo institucional do setor elétrico e cujos
efeitos promoveram consideráveis alterações na arena competitiva. Paralelamente,
outros eventos externos ocorridos na dimensão institucional introduziram também
neste plano pressões adicionais a serem tratadas pela organização. Neste sentido, o
Quadro 5-9 resume o comportamento organizacional relativo às dimensões do desafio
da navegação no ambiente dinâmico, durante o estágio 03.
Dimensão Comportamento Organizacional
Captura de valor
A captura de valor está muito associada à preocupação com manutenção da legitimidade da organização frente a seu principal cliente, mas também está relacionada aos mecanismos de monitoramento do ambiente, que apontam oportunidades de negócios e de renovação.
Respostas a pressões institucionais
Passividade nas respostas às pressões institucionais é predominante. A característica demandante e a assimetria de poder entre contratada e contraente na arena competitiva impõe a necessidade de consentir com as pressões exercidas por aquela, como forma de reforçar sua legitimidade e capturar valor. A organização encontra dificuldade em como navegar de maneira mais ativa no ambiente.
Quadro 5-9 - Dimensões do desafio da navegação no ambiente dinâmico, estágio 03.
De forma geral, o ambiente tornou-se mais desafiador, o que reforça a
necessidade de a organização buscar a eficiência para sua própria sobrevivência. O
Quadro 5-10 apresenta o estado das três dimensões ambientais no período que vai
do ano 2000, até o ano de 2015.
203
Dimensão Ambiental
Estado
Natural Piedoso Não existem pressões ambientais fortes.
Institucional
Desafiador Do ponto de vista da regulação, tem-se evoluído os níveis de exigências relativas a questões de saúde e segurança no trabalho. Há pressões na dimensão institucional que ameaçam sua existência, devido à questionamentos sobre legitimidade da terceirização no setor elétrico.
Negócios
Desafiador A arena competitiva apresenta traços desafiadores, sendo um ambiente muito demandante e de alta rivalidade entre players, com significativa pressão sobre eficiência. Há indícios de assimetria de poder entre os agentes (contratante e contratada), o que induz à necessidade de a organização responder (comply) às pressões externas para viabilizar captura de valor (legitimidade).
Quadro 5-10 – Classificação dos estados das dimensões ambientais, estágio 03.
Embora no início dos anos 2000 as pressões de natureza ambientais já
exercessem significativa influência sobre regras institucionais, em resposta a
cobranças da sociedade em torno da sustentabilidade, não há evidências de efetiva
atuação de pressões relevantes sobre a dimensão natural do ambiente no qual está
inserida a organização. É possível identificar ações ainda em estágio iniciais por parte
de clientes que exigem dos agentes da cadeia de suprimentos definições de políticas
ambientais e de gestão de resíduos. Contudo, não há elementos que indiquem a
imposição de barreiras à criação e captura de valor pela organização, com base em
restrições impostas por esta dimensão ambiental.
Por outro lado, as reformas no modelo institucional do setor elétrico brasileiro
realizadas a partir da segunda metade da década de 1990 foram importantes
mudanças ocorridas no ambiente institucional. Outras questões desta ordem foram
surgindo principalmente no que diz respeito às exigências técnicas para realização de
obras e condições de saúde e segurança no trabalho. Neste sentido, a
regulamentação das práticas associadas ao desempenho das operações, a partir das
normas regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho, é um ponto importante
para a legitimidade da organização perante todos os seus stakeholders e para a qual
cabe apenas estratégia de aceitação. Assim, pode-se dizer que o nível institucional
tem apresentado características desafiadoras, que implicam regras rígidas de controle
sobre a dinâmica das atividades.
204
Outro aspecto também relacionado à questão da legitimidade no plano
institucional é a polêmica que existe em torno da regulamentação da terceirização.
Conforme apresentado no relato histórico do ambiente, a indefinição quanto ao
conceito de atividades meio e fim, em especial no setor elétrico, a despeito da Ação
Declaratória de Constitucionalidade impetrada pela ABRADEE e ainda em curso no
STF (ADC 26), representa risco à existência da organização e tem importantes
implicações de ordem jurídicas, inclusive com responsabilidade solidária da
concessionária contratante. Trata-se de uma resposta ativa da indústria, no caso das
concessionárias de distribuição de energia elétrica, à pressão institucional existente
sobre a legitimidade da terceirização em seus sistemas elétricos, ponto de
fundamental importância para a viabilidade de seu modelo de negócios. Desta forma,
pode-se associar esta ação ao que se refere Baron (1995) sobre estratégias ‘não
mercado’ serem utilizadas para influenciar as regras institucionais que controlam a
dinâmica do mercado, através de coalizões ou associações no nível da indústria.
Isso é porque temos um problema que, na minha opinião, só a própria Celpe conseguiria resolver. Todo funcionário que trabalha para a Celpe, principalmente de Prontidão, quando sai, coloca a gente e a Celpe na justiça pedindo isonomia salarial [aí entra a questão polêmica sobre a terceirização de atividade-fim, conforme detalho na parte “terceirização no setor elétrico” do relato histórico]. Entre nós empreiteiros não existe uma união. Se houvesse uma união, poderia haver um tipo de troca de informação. Infelizmente, está aí em Brasília parado um projeto [PL 4.330] para regulamentar a situação e acabar com essa coisa aí, mas infelizmente já perdemos muito dinheiro por conta de ação de funcionário pedindo isonomia. (Irineu)
Não cabe a este trabalho avaliar a legislação brasileira e os obstáculos que
esta impõe à competitividade das empresas. Contudo, os relatos sugerem a
dificuldade que as exigências normativas impõem à condução do negócio e até ao
relacionamento entre a organização e seus clientes, que, por instrumentos
contratuais, repassam à prestadora de serviços pressões sofridas por aqueles. Além
disto, há indícios de que a relevância dos questionamentos sobre a legitimidade da
terceirização no setor elétrico está associada ao processo de privatização das
concessionárias, em especial das atuantes na distribuição.
Foi, afinal, no contexto de transição entre modelos institucionais do setor
elétrico brasileiro e concessão ao setor privado que a prática de terceirização de
serviços se consolidou como lógica inerente ao modelo de negócio que se estabelecia.
Há evidências expostas na literatura que o grande objetivo da adoção deste modelo
era o de redução de custos operacionais das distribuidoras de energia elétrica
privatizadas (MAGALHÃES, CARVALHO NETO E GONÇALVES, 2010). Como
205
consequência, observa-se a ativação do que Fleck (2003) chama de motor de
coevolução, ligada ao processo de institucionalização que ocorre para o
estabelecimento de padrões, no nível da indústria. Evidências deste processo são
fornecidas por Instituto Acende Brasil (2012), dentre as quais se destaca a evolução
da força de trabalho atuante no setor, conforme exposto no Gráfico 5-7.
Gráfico 5-7 - Força de trabalho no setor elétrico.
Fonte: Instituto Acende Brasil (2012).
No caso da Celpe, este processo provocou alterações na arena competitiva e
nos fundamentos do relacionamento comercial existente entre empresas prestadoras
de serviços e as concessionárias tomadoras, o que abriu oportunidades para captura
de valor por organizações que se adequaram à reorientação da atividade em torno de
uma lógica de apropriação de valor a partir do que se chamou terceirização
estratégica. O acirramento da competição foi consequência de decisões da
concessionária acerca de seu modelo de negócios, que buscou a redução do número
de prestadores de serviço e consequentemente expansão do porte daqueles
remanescentes, através da concentração de volume de serviços em contratos de
maior duração e volume financeiro. Na prática, o novo modelo promovia a
institucionalização do que Souza e Rados (2011) denominam organização em rede
da cadeia de valor, composta por uma empresa central em torno da qual se
posicionam as empresas terceirizadas que compõem sua cadeia de suprimentos.
Os novos contratos de prestação de serviços passaram a ter prazo de vigência
inicialmente de dois anos, sendo posteriormente ampliados estes prazos, tendo as
contratações posteriores ocorreriam vigência de três a cinco anos. As contratações
eram resultado de ciclos de tomada de preços, a partir dos quais todos os serviços de
determinada área eram contratados, segundo modelo de empresas âncoras. Houve,
com isto, redução da sazonalidade de serviços durante o prazo de contrato, o que
206
representou maior previsibilidade para a prestação de serviços naquele horizonte de
tempo e, consequentemente, reduziu incertezas para associadas aos investimentos
requeridos pelos contratos.
Também o regime de contratação, que em muitos casos ocorria por
disponibilidade de equipes para prestação do serviço, inclusive com remuneração
mínima garantida, mudou para contratação por produtividade e preços unitários. Esta
foi uma alteração realizada tendo em vista o objetivo de redução de custos
operacionais das concessionárias, que também envolveu a inclusão de dispositivos
contratuais para transferência de riscos para as prestadoras de serviço e imposição
de obrigações à contratada, o que reforçam a observação de que se tinha um
ambiente mais desafiador do que aquele observado nos estágios anteriores.
Em um ambiente de negócios mais desafiador, a maior rivalidade entre players
representou pressões adicionais por eficiência, em especial nos ciclos de contratação,
à medida que a competição para captação dos contratos, em volumes
significativamente superiores aos anteriores, era elevada. Soma-se a este fato, ainda,
a mudança de orientação quanto ao relacionamento comercial, dado que sob
comando estatal, variáveis relacionais favoreciam o bom relacionamento e
contribuíam para captura de valor, enquanto o modelo privado gradativamente estava
orientado a indicadores de desempenho e capacitação técnica.
Gradativamente as pressões por desempenho foram transferidas às
terceirizadas, o que culminou com a criação de uma área responsável por centralizar
responsabilidades ligadas à gestão de contratos terceirizados, em 2006. Embora os
processos de contratação seguissem tocados pela área de suprimentos, dentre outras
funções, esta nova área respondia pelo acompanhamento dos contratos, fiscalização
e controle de todas as exigências neles estabelecidas, o que prevê rotinas contínuas
de troca de informações com as contratadas e também a realização de auditorias
periódicas.
Em termos de contratação, mudou muito da Celpe estatal para a privada. Depois da privatização começaram os contratos mais longos, enquanto durante a época estatal, [o prazo contratual] era de, no máximo, dois anos. Outra coisa que também mudou foi que os contratos antigos eram geralmente em regime de disponibilidade e passaram a ser em regime de produtividade. A Celpe privatizada não tem interesse em trabalho por disponibilidade, porque ela relaciona disponibilidade à ociosidade [das equipes]. Não existe garantia mínima, eles não garantem absolutamente nada [transferência de risco para o contratado]. A tendência é não se contratar por disponibilidade, por isso o fator K multiplicador é tão importante na negociação. (Erika)
207
Diante destas características e da redução de prestadoras de serviço
contratadas pela concessionária, observou-se o acirramento da competição entre
as empresas, em especial durante os períodos de renegociação dos contratos. Além
disso, a assimetria de poder entre a tomadora de serviços e as prestadoras impõe
características de natureza inóspita à arena competitiva, de modo que a contratante
exerce pressões que demandam respostas imediatas. Ao mesmo tempo, visando ao
objetivo de redução de custos, esta também induz o acirramento da competição entre
os players, tendo, em muitas situações, efeitos destrutivos.
Cabe ressaltar ainda que a legitimidade das prestadoras de serviços perante a
concessionária, antes fortemente baseada em relacionamento de longo prazo, passou
a ser função do desempenho operacional presente. Isto induziu à deterioração do
relacionamento de parceria entre estes agentes, conforme denota-se do relato de
Erika. O desgaste do relacionamento e as pressões sobre desempenho, embora
possam incentivar a busca por eficiência, não oferecem incentivos à cooperação e
renovação potencialmente positivas para prestadora e tomadora de serviços, no longo
prazo.
Hoje o clima é muito pesado, mas não no sentido da parceria, "se esforce que estamos do outro lado com vocês". Mas não existe isso, é mais um "se esforce, se você não tiver, tem quem faça”. A terceirização vai muito na parceria, mas não existe isso de parceria, eles não desenvolveram ao longo deste período um sentimento de parceria realmente. A gente sente que eles não gostam da nossa presença na sede, eles ficam incomodados [esta era uma prática comum, que fazia parte do relacionamento com a Celpe estatal], isso todos os outros prestadores de serviço também sentem. Eles gostam muito de colocar o erro na prestadora de serviço, transferir o erro [a responsabilidade sobre ele]. [...] Mas eu acho que não foi só a Celpe que mudou, o mundo também mudou, as exigências foram mudando. Os consumidores ficaram mais exigentes, os acionistas são mais exigentes, daí tudo vai mudando. [...] Mas, quando fazemos algum serviço pra Prefeitura, por exemplo, é diferente o tipo de cobrança. (Erika)
A gente percebe que são pessoas mais voltadas para números, avaliar números, e não relacionamento. Em uma empresa, realmente, tem-se que seguir números, índices, não relacionamentos. Às vezes, quando os índices não estão bem e existe um relacionamento, você pode conseguir contornar, conversar e melhorar, mas quando não existe esse relacionamento, por serem pessoas mais novas, mais recentes, que não conhecem bem a empresa, as pessoas da empresa, então a cobrança é diferente, é mais direta e não há muita flexibilidade. [...] Vem-se batendo muito, na verdade, o pessoal da Celpe, os gestores, a empresa Celpe vem sendo muito cobrada em relação a seus índices [principalmente índices de continuidade Aneel]. (Alexandre)
Tal percepção pode ser constatada a partir da forma como foram conduzidos
os processos mais recentes de contratação de serviços, ocorridos em 2015. Também
na direção de se perseguir a redução de custos operacionais, desde meados dos anos
2000, o acordo de acionistas do Grupo Neoenergia prevê o compartilhamento de
208
recursos corporativas entre as empresas controladas do grupo. Esta medida, na
prática, significa que algumas áreas, a exemplo da área de suprimentos, migraram da
estrutura das concessionárias e passaram a atende-las de maneira matricial, a nível
corporativo, segundo indica o relato de Erika.
Existe o diretor, que antes eram superintendentes ou gerentes de suprimentos ligados a cada uma das empresas do grupo, mas, quando viraram grupo Neoenergia [...] então, por exemplo, aqui em Pernambuco ficou um gerente de contratação de serviços, que é o responsável por Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco, mas em cada lugar desses tem um subordinado a ele. No caso essas são as áreas para contratação; a proposta é feita para estas áreas e as negociações ocorrem diretamente com esta área. Mas, por exemplo, agora estamos participando de uma cotação na Coelba e, hoje, tudo é pelo WebSupply, um sistema que eles têm, então você não tem contrato físico, você só tem o contato pelo WebSupply. (Erika)
O efeito desta decisão reforça maior distanciamento entre a gestão operacional
dos contratos de prestação de serviços e os processos de negociação e contratação
dos mesmos. Assim, esta medida evidencia menor relevância para questões de
relacionamento, ao passo que também oferece indícios de haver uma tendência de
as concessionárias promoverem o crescimento dos contratos de prestação de
serviços. Por isso, segundo relatos obtidos, estas empresas tendem a buscar
prestadoras de serviço de grande porte, que apresentem estruturas robustas para o
atendimento a suas necessidades, o que prejudica a legitimidade de empresas de
menor porte, conforme pode-se desprender do relato de Erika e vai em linha ao
observado a partir do relato de Joaquim sobre barreiras à atividade empreendedora,
abordada no desafio do empreendedorismo.
No nosso setor, eu vejo uma tendência de que os contratantes busquem empresas de porte. É como se mostrasse, é como se eles sentissem que uma empresa grande suportasse maiores oscilações e não dependessem deles (Erika)
Em resumo, o que se observa é que as reformas estruturais do setor
conduziram a uma nova lógica diretriz da dinâmica ambiental. Isto significou a
institucionalização da prática da terceirização como pilar estratégico para redução de
custos operacionais de concessionárias distribuidoras de energia elétrica, ao redor
das quais se estabeleceu cadeias de valore em rede (RADOS & SOUZA, 2011).
Desse modo, a assimetria de poder entre prestadoras de serviço e as empresas
centrais da rede, as tomadoras de serviço, implicaram pressões por eficiência
capacidade de responder às demandas e tendências impostas por estas às
prestadoras de serviço para efetiva criação e captura de valor, o que significa um
ambiente de negócios com características mais desafiadoras.
209
A consequência da situação descrita, quando há fortes pressões sobre a
negociação de preços e flexibilidade operacional para respostas imediatas à demanda
de serviços, tanto do ponto de vista de volume, quanto de escopo, a fluidez do
ambiente de negócios é prejudicada. À medida que os processos de criação e captura
de valor são restringidos por este tipo de pressão competitiva, o êxito é mais difícil de
ser alcançado, o que pode inviabilizar o negócio, tal qual são indicadas evidências de
players que entraram em declínio e, em alguns casos, encerraram suas atividades
devido ao padrão de resposta a tais demandas, segundo relato de entrevistados.
Outras empresas que não trabalhavam com leitura e pegaram esse contrato terminaram até quebrando, que foi o caso da Megaton. A Megaton saiu pegando todos os contratos e saiu de 400 funcionários, para 1600, do dia para a noite, terminou não tendo perna, porque a Celpe, a gente faz um serviço hoje, mas demora a receber. Se você não tiver um capital para segurar esse período e você triplicando a quantidade de funcionários e custo, de onde você vai tirar? (Luiz Leal)
Diante do estado restritivo do ambiente, a dimensão do monitoramento ativo
ganha especial relevância. Convém lembrar que Fleck (2009) comenta sobre a
necessidade de a organização fazer o mapeamento adequado da evolução do
ambiente, considerando aspectos econômicos, políticos, sociais e tecnológicos, de
modo que reações proativas e antecipadas possam ocorrer.
Desta forma, embora tenha sido identificado padrão passivo de respostas às
pressões ambientais, composto de estratégias de aceitação e táticas de consentir
com as demandas externas em antecipação ao benefício próprio da construção de
sua legitimidade e garantia de continuidade de operação, o que implique adequação
dos recursos aos requisitos e denota flexibilidade por parte da organização. É
significativo o impacto que este padrão de respostas impõe aos demais desafios do
crescimento, em particular àqueles da provisão de recursos humanos e da gestão da
complexidade, conforme discutido nas secções respectivas.
Contudo, isto não significou para a ABC Engenharia fechar suas vistas à
realidade e oportunidades que se apresentavam no ambiente. Embora existam
evidências deste tipo de atuação durante meados da década de 1990, quando foi
relatada participação em feiras do segmento de telecomunicação como uma iniciativa
de monitoramento tecnológico e também de prospecção de oportunidades, este
movimento ganhou forças a partir de meados dos anos 2000, quando houve
momentos em que a organização demonstrou certo nível de orientação ao
crescimento.
210
É possível que esta atitude esteja associada em parte à dependência de um
único cliente, mas sobretudo também às mudanças ambientais que impactaram a
atuação da organização neste período, de modo que a utilização de mecanismos de
monitoramento pode ser encarada como fontes de renovação organizacional.
Três são as principais linhas segundo as quais a organização buscou realizar
este mapeamento do ambiente. Primeiro, identificou-se ser a participação em eventos
setoriais não apenas um meio de busca pela atualização tecnológica, mas também de
captação de contatos e identificação de oportunidades de negócios, que inclusive
geram estímulos à inovação, conforme relato de Erika:
Inovar é através de capacitação, quando a gente participa de seminários, de congressos, eu acho que isso vai abrindo a mente para a inovação. O retorno é de longo prazo, mas acho muito importante, no sentido de que abre a mente, você volta empolgado, achando que as coisas podem dar certo, que pode ser feito diferente, é empolgação, você vive uma fase de empolgação. (Erika)
Por outro lado, pode-se identificar uma componente dos mecanismos de
monitoramento fortemente baseada na questão de relacionamento e gestão de
stakeholders. Neste sentido, há evidências de que a organização monitora o ambiente
a partir de sua rede de relacionamentos, sejam eles relacionados à questão do social
networking, já mencionado no desafio do empreendedorismo, ou a partir de contatos
estabelecidos por meio da filiação em associações e entidades setoriais, o que abre
espaço para a captura de valor a partir de mecanismos de cooperação, tal qual
discutido no desafio do empreendedorismo.
Há evidências de que, motivada sobretudo pelo momento de crescimento
econômico vivenciado pelo estado de Pernambuco, entre os anos de 2009 e 2010,
houve um esforço comercial no sentido de explorar novas áreas de atuação e clientes,
identificadas a partir desta modalidade de monitoramento do ambiente. Este
movimento esteve ligado a sua associação à Rede Petro, cujo objetivo também é o
de do empoderamento das prestadoras de serviço para negociações em bloco, no
setor de óleo e gás, conforme indica o relato de Joaquim. Um de seus principais frutos,
inclusive, foi o envolvimento no Projeto Vínculos, importante instância de renovação
organizacional e aprendizado.
É uma associação que tenta promover o cooperativismo entre empresas que prestam serviço. O objetivo dela é transmissão de conhecimento, associação para buscar treinamentos específicos, seja de liderança, treinamentos específicos para as empresas, negociações são feitas em bloco. (Joaquim)
Quanto à frente de atuação comercial na indústria de óleo e gás, a organização
seguiu um caminho tortuoso. Sua ambição era a prestação de serviços para a
211
Petrobrás, que oferecia grandes oportunidades de prestação de serviços no estado.
Ademais, existia a percepção de que a prestação de serviços para a Petrobrás abriria
portas em outras empresas do setor privado, dado os altos níveis de exigências
técnicas para tal.
O principal objetivo era trabalharmos para a Petrobras. O objetivo disso era diversificar, era inovar. A gente queria, era o sonho de consumo de toda empresa trabalhar para a Petrobras, porque os preços eram melhores. Quem trabalhava para a Petrobras poderia trabalhar para qualquer outro lugar, pois era uma empresa que exigia muito, então, se você estivesse preparado para trabalhar na Petrobras, você trabalharia em qualquer outro lugar. (Erika)
A organização desprendeu considerável tempo e energia ao atuar na busca
pelo cadastro de fornecedor da Petrobras, que a habilitaria para contratações de
serviços. Diferentemente do que se esperava, o cadastro da Petrobrás rendeu poucos
frutos efetivos. No entanto, as ações executadas até que o objetivo pudesse ser
alcançado, dentre as quais as principais relacionam-se com o desafio da navegação
no ambiente, a saber a participação no Projeto Vínculos e a associação à Rede Petro,
ofereceram importantes oportunidades de renovação organizacional, que tiveram
impacto significativo na estrutura da organização e, consequentemente, na sua
resposta ao desafio da gestão da complexidade.
O relato de Erika oferece evidências ainda de que se buscou estruturar a
organização de modo a se ter controles e sistemas de informação de suporte à tomada
de decisão. Esta importante instância de renovação e aprendizado não se limitou à
implantação de sistemas, conforme indicado anteriormente. A organização percebeu
também a necessidade de se buscar a melhoria de seus processos e isto esteve
associado à participação no chamado Projeto Vínculos, que forneceu importantes
contribuições para o aprendizado organizacional. Pode-se observar, inclusive, que
esta busca pela captura de valor a partir das oportunidades que se apresentavam no
ambiente em franco crescimento econômico atuou como gatilho para novos ajustes
nos elementos estruturais, sobretudo a partir do avanço na formalização de processos
e implantação de sistemas de controle.
Participando deste projeto Vínculos, eu comecei a focar em maior controle financeiro, de contas a pagar, contas a receber, que a gente não tinha. Só começamos a implantar porque eu estava participando do projeto. A vontade de implantar os sistemas veio do Projeto Vínculos. Tudo antes era feito manual, não se tinha histórico. (Erika)
Nós implantamos o módulo de faturamento e fomos avançando para adaptar o sistema de faturamento ao formato da empresa, porque o faturamento da ABC é muito específico, bem particular. Eu fiquei como líder dessa área, fazendo também a integração entre os setores de faturamento, contas a pagar e contas a receber.
212
(Ana Ferreira)
O exposto denota a relevância que a capacidade da organização em navegar
o ambiente é fator preponderante para a promoção do aprendizado. Isto se deve
em boa parte às mudanças ocorridas principalmente na dimensão ambiental de
negócios, que enfatizam a importância da busca constante pela eficiência como
mecanismo de sobrevivência no ambiente em que atua. Este fator, aliás, pode explicar
também o movimento de ajustes estruturais na direção da burocratização da
estrutura simples que se tinha anteriormente, o que pode ser observado como um
processo gradual de transformações estruturais em decorrência do crescimento,
segundo as linhas de estudo de Greiner (1972) e Churchill e Lewis (1983).
Uma outra vertente para o monitoramento do ambiente igualmente baseada no
relacionamento e gestão de stakeholders que pode ser observada diz respeito ao
acompanhamento da atuação da concorrência. Embora apresente alcance limitado, a
observação de fatos relacionados à operação dos demais players, com os quais um
relacionamento amistoso é mantido, forneceu indicativos para tomada de decisão
referente às respostas a pressões externas em momentos pontuais ao longo da
trajetória organizacional.
Por último, mas não menos importante, observou-se ser prática frequente o
monitoramento do ambiente a partir do mapeamento dos processos de licitação por
órgão públicos. Esta atitude envolveu também a efetiva participação em processos
deste tipo com intuito de identificar os movimentos e estratégias da concorrência.
Resultado disto foi a contratação pela Prefeitura da Cidade do Recife para execução
de iluminação decorativa nos ciclos natalino e carnavalesco, a partir do ano de 2008.
Este órgão, aliás, manteve-se como o principal foco da atuação comercial na frente
do setor público até os dias atuais.
As transformações do ambiente ao longo deste período demandaram da
organização capacidade de adaptação de seu status quo às novas regras do jogo.
Adicionalmente, o ambiente mais desafiador provocou aumento da complexidade
organizacional, ao passo que impõe à organização necessidade de flexibilidade
organizacional e táticas de consentir e adaptar às demandas ambientais. Logo, há
evidências de passividade no padrão de respostas ao desafio da navegação no
ambiente dinâmico, o que reduz o pode reduzir progressivamente a capacidade
organizacional de captura de valor no ambiente.
213
Contudo, observou-se que a organização conseguiu melhorar sua capacidade
adaptativa, à medida que foi capaz de responder a novos cenários e situações. Esta
está associada à renovação de rotinas organizacionais, cujo objetivo está muito
associado à gestão da complexidade advinda do crescimento e imposta pelo
ambiente. Cabe ainda destacar ser a flexibilidade um elemento importante para a
atuação da organização e seu padrão de navegação no ambiente.
5.3.3 Desafio da provisão de recursos humanos
O Quadro 5-11 resume o comportamento da organização segundo as principais
dimensões referentes aos desafios de provisão de recursos humanos e de gestão da
diversidade relativas ao estágio 03.
Dimensão Comportamento Organizacional
Seleção
Recorre-se majoritariamente à indicação dos próprios funcionários para preenchimento de vagas, o que contribui para reforçar senso de identidade. Não foram identificadas ações no sentido de antecipação às necessidades de contratação.
Formação e Capacitação
Elevação das exigências de capacitação e qualificação em resposta a pressões institucionais. Foco de treinamentos em aspectos ligados à saúde e segurança. Há evidências de estímulo não sistemático à formação técnica e superior de funcionários de bom desempenho e potencial. Identificou-se percepção da necessidade de desenvolver competências gerenciais no nível de supervisão.
Renovação
Foram observadas iniciativas de renovação de pessoal, com objetivo de reforçar a estrutura para suportar novos movimentos de expansão. Não foram observados processos sistemáticos para antecipação à necessidade.
Retenção
Baixa rotatividade e relativa estabilidade no quantitativo de pessoal. Ações de retenção de talentos buscam entender motivações de maneira pontual, incluindo oferta de benefícios indiretos.
Sucessão
Não foram identificadas evidências de planos de sucessão entre membros da família, tampouco ações no âmbito de sucessão em níveis mais baixos da estrutura organizacional.
Quadro 5-11 - Dimensões do desafio da provisão de recursos humanos, estágio 03.
Sendo uma empresa prestadora de serviços de engenharia, em que a utilização
de mão de obra é intensiva, o desafio de selecionar, formar, reter e renovar pessoal é
crucial. Notou-se ser preocupação contínua da liderança prover condições para que o
conhecimento e capacidade técnicos de suas equipes de trabalho oferecessem
suporte necessário para as iniciativas empreendedoras.
214
A preocupação de atrair e reter corpo técnico capacitado visa a manter a
qualidade técnica dos serviços prestados. Neste sentido, há evidências de que deter
um corpo técnico experiente e competente é um ponto de diferencial para
organizações deste segmento, que, além de contribuir para sua reputação perante o
mercado, também pode gerar ganhos em produtividade e favorecem o crescimento.
Tal qual observado nos primeiros períodos de análise, durante todo o terceiro
estágio, a organização demonstrou preferência pela seleção de pessoal com base em
indicações, embora não seja incomum a ocorrência de seleção de profissionais a partir
da incorporação de equipes provenientes de outras prestadoras de serviço. Este
segundo mecanismo ocorre, em geral, quando da contratação da organização para
substituição de um outro player na execução de determinado serviço. Exemplo deste
tipo de situação foi a seleção do pessoal para compor as equipes de corte e religação
a serviço da Energisa/PB, em 2003, conforme relato do supervisor à época:
O pessoal a gente pegou de duas prestadoras de serviço que detinham o contrato anteriormente, mas até a gente encerrar o contrato houve muita modificação, até se adaptar àquilo que a ABC Engenharia necessitava, porque o pessoal tinha o padrão de trabalho das empresas anteriores e nós precisávamos de pessoas que atendiam ao nosso padrão de trabalho. (Luiz Leal)
Os entrevistados relatam ser este o padrão de seleção de pessoal para as
equipes de campo devido à carência por mão de obra capacitada que o mercado em
si apresenta e da inexistência de cursos específicos de formação para este tipo de
mão de obra, conforme indica o relato de Alexandre:
Em relação à mão de obra no mercado, não é fácil encontrar. Por que não é fácil? Porque o que você encontra de pessoas que não tem vícios de trabalho, o que a gente pode destacar como vício de trabalho são pontos negativos, então, quando você encontra uma pessoa sem vícios de trabalho, vícios negativos em termos de procedimentos, são pessoas menos experientes. Os que tem experiência no mercado geralmente tem um histórico que não é favorável para a empresa. (Alexandre)
Ademais, a dependência da organização em relação a seu principal cliente e a
necessidade de responder a suas demandas impõe ainda restrições quanto à
capacidade da organização em planejar contratações e antecipar-se à necessidade
de contratação de pessoal, que ocorre muitas vezes em função da necessidade
imediata da concessionária.
Quanto à dimensão de capacitação e formação da mão de obra direta, foi
relatada significativa evolução da atitude ativa da organização. Há indícios de que esta
foi uma consequência da evolução de pressões externas, sobretudo em nível
institucional, quanto à formalização da qualificação de mão de obra e provisão de
215
condições seguras de trabalho em sistemas e redes elétricos. Os entrevistados
relataram ser a questão da saúde e segurança no trabalho uma das prioridades
máximas não só no que diz respeito a treinamentos de capacitação para suas equipes,
mas também de suas operações efetivamente. Este dado remete ao Projeto
Travessia, que, conforme descrito no relato histórico, foi uma iniciativa da Celpe para
trabalhar em conjunto com as prestadoras de serviço na provisão e formação de mão
de obra apta às atividades de prestação de serviços, em resposta à pressão
institucional que representou a vigência da NR-10, em 2004, bem como demais
normas regulamentadoras pertinentes.
Foi uma evolução das exigências do próprio governo [...] Com as exigências novas, tivemos que fazer esse pessoal estudar para poder continuar trabalhando nas atividades que estavam. [...] Senão íamos perder a maior parte dos profissionais. Era uma forma de dar oportunidade a essas pessoas de adaptação à nova realidade do mercado. Hoje as exigências são cada vez maiores. O pessoal de campo tem que ter formação em eletricidade básica e complementar, NR-10, NR-35, para trabalho em altura. Para a linha viva, os cursos são mais aprimorados, exige-se mais conhecimento. (Irineu)
Ainda quanto à capacitação das equipes de campo, o líder da área de recursos
humanos e departamento pessoal reconhece o avanço na provisão de mão de obra
treinada e qualificada. Há indícios de que a organização tem atuado na realização de
treinamentos e atualização dos certificados exigidos pelas normas regulamentadoras.
Contudo, o relato de Irineu enfatizou a carência que se tem em promover outras
modalidades de treinamento com benefícios potenciais sobre a produtividade da força
de trabalho.
Agora, o que eu acho que falta, que poderia ser implementado, mas que eu sei que é custo, é em relação a nossos encarregados. Eles são pessoas que vieram das funções mais baixas, eram serventes, ajudantes, que foram sendo classificados [...] mas nunca tiveram qualquer curso além desses que se exigem para todos. Não tiveram curso, por exemplo, de liderança. Mas isso é um tipo de treinamento que não dá para ser dado por gente da empresa não. Isso é curso que tem que ser dado por gente de fora, para que eles valorizem isso. [...] O objetivo seria aprimorar o conhecimento deles e até a questão de liderança desse pessoal, para eles conseguirem mais dos seus subordinados. (Irineu)
Já a dimensão de retenção de talentos foi evidenciada como uma prática
baseada no bom relacionamento e ambiente de trabalho que se busca desenvolver.
As ações têm caráter reativo e vão na linha de procurar compreender os fatores que
levam ao interesse do funcionário em deixar a organização. Vale destacar ainda a
ocorrência de incentivos a iniciativas individuais de profissionais com desejo de buscar
formação em nível técnico ou superior, muitas vezes sendo utilizado como instrumento
216
de retenção de profissionais de bom desempenho. Porém, não há critérios bem
estabelecidos ou um sistema formal para que este mecanismo ocorra.
Contudo, busca-se trabalhar fatores motivadores de tal situação tendo em vista
a dificuldade que a organização apresenta em transferir conhecimento quando da
substituição de pessoal, como é apresentado no relato de Erika. Consequências
diretas são a baixa taxa de rotatividade de funcionários relatada – o levantamento de
dados históricos para o cálculo efetivo do turn-over não foi possível – e a frequência
com que ocorrem retorno de ex-funcionários para o quadro funcional das duas firmas.
A gente tenta reter as pessoas. Geralmente tentamos através de aumento de salário, com conversas para ver o que está despertando o interesse em sair da empresa, mas transferência [de conhecimento] é muito difícil, é quase impossível, porque, quando acontece isso é de forma muito rápida. [...] [o retorno de ex-funcionários] Acontece com uma certa frequência. Eu penso que mostra que a empresa tem bom relacionamento com os funcionários. (Erika)
Quando se olha para o tempo de casa de supervisores e encarregados de
turma, observa-se uma concentração de mais de 60% deste pessoal com 10 anos ou
mais de casa, conforme pode ser constatado no Gráfico 5-8, o que indica capacidade
de retenção de pessoal. Este gráfico chama atenção para a necessidade de a
organização estimular a renovação de práticas organizacionais, de modo a evitar a
estagnação.
Gráfico 5-8 - Distribuição de pessoal por tempo de casa.
Não obstante os pontos acima citados, foi reportado pelos gestores
entrevistados o reconhecimento da necessidade de desenvolver recursos gerenciais
em níveis médios de gestão. Esta percepção constitui parte da visão da família em
desenvolver um modelo de gestão mais profissional que suporte novas expansões e
está associado às mudanças no ambiente que impulsionaram transformações na
217
organização no sentido da busca por eficiência operacional, de acordo com discussão
prévia. Exemplos de novas contratações neste sentido foram a criação do cargo de
coordenação de recursos humanos e de coordenação técnica do contrato da FF
Engenharia para manejo de vegetação, ambas ocorridas em 2015.
Eu acho que hoje nós somos mais profissionais do que fomos no passado. A gente criou uma estrutura maior, por exemplo, antigamente, se Sr. Irineu estivesse doente, a gente ia fazer com que outras pessoas do setor absorvessem o que ele fazia. Por a gente ter crescido, a gente começa a enxergar que a gente não pode fazer isso, então a gente foi atrás de uma outra pessoa. (Erika)
Este ponto reforça, aliás, a percepção identificada pela direção da necessidade
de desenvolver competências gerenciais nos supervisores, cujas atribuições sofreram
alterações ao longo desta fase. O cargo de supervisão, também em decorrência das
adaptações da organização às condições do ambiente, deixou de ter caráter
puramente técnico e incorporou responsabilidades administrativas, a saber o
relacionamento comercial com o cliente, acompanhamento de despesas e
faturamento, dentre outras. Não foram encontrados dados que demonstrassem,
entretanto, ação efetiva da organização no sentido de capacitar e formar seus
supervisores para as novas atribuições.
Neste sentido, foi apontado pela diretoria como obstáculo a dificuldade em
selecionar profissionais qualificados e de confiança que forneçam os serviços
gerenciais de que a organização necessita. Esta evidência corrobora a importância da
supervisão direta como mecanismo de coordenação e integração entre às partes, o
que também atua como fator restritivo do crescimento, conforme já mencionada a
dificuldade de delegar autoridade na organização. Vale lembrar que em momentos
anteriores de tal necessidade, a saber o período de diversificação do início dos anos
1990, recorreu-se a membros da própria família, o que pode não ter favorecido
iniciativas para que este tipo de recurso fosse formado internamente à organização.
Tal qual observado nos primeiros períodos de análise, não foram identificados
elementos que apontassem para a existência de planos de sucessão, quer em níveis
organizacionais mais baixos, quer no próprio ciclo familiar de comando. Neste período,
aliás, não foi observado o ingresso de novos membros da família à organização.
Diante do que se observou nas evidências relativas à provisão de recursos
humanos, pode-se constatar padrão reativo à necessidade efetiva organização, o
que não favorece a utilização ótima dos serviços deles extraídos, segundo Penrose
(1980). Além disso, foi observado impacto da baixa sistematização das ações
218
organizacionais sobre este desafio, à medida que não foram identificados políticas ou
planos relacionados às dimensões da provisão de recursos humanos, em especial
seleção, formação e sucessão. Por outro lado, as dificuldades relacionadas à
disponibilidade de serviços gerenciais comprometidos e de qualidade em níveis
médios da organização reforça o mecanismo de consumo do excessivo de energia e
tempo da alta gestão para solução de problemas, impactando negativamente na
gestão da folga organizacional e nos processos relacionados à condição de
crescimento e renovação organizacionais.
5.3.4 Desafio da gestão da diversidade
O Quadro 5-12 resume as principais observações quanto ao comportamento
organizacional perante o desafio da gestão da diversidade, durante o estágio 03.
Dimensão Comportamento Organizacional
Heterogeneidade
Expansão quantitativa de recursos produtivos. Principais fontes de herogeneidade: expansão geográfica, ampliação de portfolio e escopo de contratos, tecnologia envolvida nos serviços.
Mecanismos de coesão e sinergia
Foi observado baixo nível de coordenação entre os supervisores de bases operacionais/áreas geográficas distintas, o que impossibilita potenciais ganhos de sinergia. O compartilhamento de recursos e transferência de pessoal entre áreas e firmas depende de decisão da diretoria.
Conflitos e rivalidades
Rivalidades entre áreas da organização foram encontradas, mas não resultaram em conflito. Houve conflitos internos à família motivadas por questões de ordem sucessória e de transferência entre gerações. Há indícios de que atributos bivalentes de natureza familiar aturaram no sentido de promover estabilidade e manter a coesão.
Quadro 5-12 - Dimensões de do desafio da gestão da diversidade, estágio 03.
Observou-se significativa expansão quantitativa de recursos produtivos em
decorrência dos modos de crescimento ativados a partir da privatização da Celpe, no
ano 2000, o que implicou elevação da diversidade interna à organização. O Gráfico
5-9 mostra comparativo entre o número total de funcionários na organização no ano
de 1997, durante o estágio 02, e no ano de 2015, o que ilustra a expansão quantitativa
do quadro funcional. Deste modo, as principais fontes de heterogeneidade
identificadas foram a expansão geográfica, ampliação do escopo de atuação,
heterogeneidade de funcionários e tecnologia envolvida para a prestação de serviços,
219
sobretudo com os serviços em linha energizada, cujos equipamentos requerem
pessoal com capacitação específica.
Gráfico 5-9 - Número de funcionários estágio 02 x estágio 03.
A própria coexistência de duas firmas sob uma única organização fornece
fontes adicionais de diversidade organizacional. Até meados dos anos 2000, há
evidencias de não haver uma separação clara dos limites de cada uma das firmas, a
despeito da contratação para prestação de serviços ocorrer de maneira independente.
Há relatos de diversas situações de completa indistinção entre equipamentos ou
mesmo pessoal para execução de serviços. Um dos entrevistados inclusive comenta
ter atuado simultaneamente como supervisor de turmas tanto da FF Engenharia,
quanto da ABC Engenharia.
Embora o compartilhamento de recursos seja a princípio um mecanismo de
sinergia, não foram encontradas evidências que apontem para sua ocorrência
planejada, o que sugere baixo controle sobre a eficiência na utilização dos recursos.
Tal situação, favorecida pelo fácil intercâmbio, adaptabilidade dos recursos produtivos
disponíveis e complementariedade das operações das duas firmas, passou a deixar
de ocorrer por pressões do cliente, ao implementar o sistema CadTerceiros, cujo
objetivo era o de reunir toda a documentação referente aos quadros funcionais das
empresas prestadoras de serviço. Esta foi uma mudança que impactou apenas a área
operacional, não houve, portanto, impacto nas áreas administrativas, organizadas em
estrutura única que atende às duas empresas.
A organização viu seu quadro de supervisão ser ampliado como consequência
do crescimento e, concomitantemente, foi delegando relativa autonomia operacional
aos supervisores. Também por força do modelo de contratação após a privatização
da Celpe, estes tiveram seu escopo de trabalho ampliado, envolvendo além da
supervisão técnica, tarefas de controle, gestão e relacionamento com o cliente.
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Contudo, tal qual acima mencionado, também no nível de supervisão não se buscou
o estabelecimento de padrões de procedimento e unificação de processos.
Se por um lado pode-se argumentar que este é o resultado da necessidade de
se ter agilidade e flexibilidade no atendimento às distintas demandas por parte do
cliente, por outro, pode-se identificar barreiras à atuação sistemática e coordenada
dos componentes organizacionais, resultando em pressões adicionais na gestão da
complexidade. Consequência disto é a dificuldade que a organização tem de
promover a unidade em todas as suas equipes de trabalho, dispersas por ampla área
de cobertura. Entretanto, poucas foram as ações identificadas com o objetivo de
nivelar a forma de trabalho, apesar desta ser uma necessidade reconhecida pela
direção, conforme indica o relato de Erika.
Eu acho que o funcionário vê muito a empresa de acordo com supervisor dele. Depende muito da pessoa do supervisor, do seu superior hierárquico. Temos procedimentos definidos, por exemplo, para contratação de mão de obra, ou para as exigências de treinamentos para iniciar as atividades, mas eu acho que a gente precisa capacitar melhor e unificar mais os supervisores. (Erika)
Não foram encontrados mecanismos sistemáticos de integração e estímulo à
troca de experiências e compartilhamento de informações entre as supervisões
operacionais, o que teria o potencial de promover ganhos de sinergia e aprendizado.
Reuniões de integração entre as áreas operacionais, ainda que percebidas como
positivas, ocorrem de maneira muito pontual, o que não favorece a integração das
equipes.
Nós temos o contrato na área da Metropolitana [Região Metropolitana de Recife] e na área do Cabo. Apesar de ser a mesma empresa, a ABC, devido à quantidade [de equipes] e à distância das localidades, lá [no Cabo] tem um outro grupo de trabalho. [...] Existe um regime de trabalho da Celpe, mas muda de gestor para gestor a maneira de interpretar e de lidar com aquilo. Então, como a gente trabalha com vários estores, em localidades diferentes, tipo Cabo, Recife, a gente percebe que a posição de inspetores, de coordenadores, não é que mude radicalmente, mas são coisas no comportamento, nas atitudes, no lidar com situações adversas, é diferente. [...] não há unificação realmente em todos os procedimentos da Celpe. (Alexandre)
Há indícios de falha na captação de potenciais sinergias através da integração
e comunicação entre as equipes de supervisão das duas bases operacionais – Recife
e Cabo de Santo Agostinho. Isto provoca dificuldades adicionais a uma abordagem
sistemática para resolução de problemas. Neste caso, evidencia-se como a carência
de mecanismos de coordenação e integração entre as equipes impede que sejam
explorados ganhos de sinergia e aprendizado a partir da troca de informações e
221
compartilhamento de experiências entre as equipes das duas bases operacionais, de
acordo com o que narra Alexandre.
Às vezes, nós nos comunicamos [entre supervisores de áreas geográficas diferentes], quando há uma necessidade em comum, mas são coisas muito superficiais. Só quando a gente se encontra, ou tem uma necessidade, que precisa esclarecer alguma coisa, a gente procura saber como é que o outro resolve, para poder facilitar, mas não tem uma interação muito profunda. Talvez o canal [de comunicação] exista, mas a gente não tem, a gente nunca praticou isso, pode ser que esteja faltando apenas um direcionamento para que a gente tenha essa troca de informação. (Alexandre)
O relato do supervisor de oficina oferece exemplo claro das dificuldades
provocadas por falhas na comunicação entre supervisores e de como estas restringem
uma atuação sistemática e planejada desta área de apoio às operações.
Minha rotina chama-se emergência. [...] A maior dificuldade que eu sinto é comunicação, o método de comunicação. As informações não chegam para a gente, é difícil você organizar e gerenciar as coisas sem informação. As coisas acontecem e você não fica sabendo, quando você fica sabendo, já aconteceu. [...] Eu entendo que a iniciativa deles [supervisores] é importante por causa do tempo. Problema que eu sinto é eles reportarem a necessidade. Se tem uma pessoa responsável por um setor, essa pessoa tem que ser o responsável pelo setor. As outras pessoas não podem tomar decisões. (Roderick)
Os relatos sugerem que a comunicação flui de maneira mais contínua quando
se observa o relacionamento entre as equipes de supervisão de uma mesma base
operacional e também entre as áreas de operações e as equipes administrativas do
financeiro e recursos humanos. Há evidências de iniciativas de cooperação entre
supervisores e áreas administrativas que visam a solução de problemas de maneira
sistemática e que geram melhorias e aprendizado. Exemplo de tal ação foi o
procedimento de controle de multas de trânsito, implementado como uma ação
conjunta do setor financeiro com os supervisores e com respaldo da diretoria.
Então, esse controle de multa de frota é uma demanda de comunicação e de relacionamento constante com todos os supervisores e há uma forma de fazer isso pacificamente, sem autoridade, mas com parceria. Eles me ajudam muito nesse sentido e o resultado é sempre positivo. A gente está tentando aprimorar o controle de frota agora, passando para o consumo de combustível, que também está sendo feito pelo setor. (Ana Ferreira)
Os dados coletados indicam a percepção da diretoria sobre a necessidade de
desenvolver canais de comunicação mais efetivos entre as equipes de supervisão.
Evidência que sustenta esta constatação foi a decisão de formar os comitês de
patrimônio e de pessoas em 2015, cujo objetivo era o de promover o esforço conjunto
e o diálogo aberto entre os supervisores e a diretoria com vistas às melhores soluções
para o plano de desmobilização dos contratos da ABC Engenharia, que ocorreriam no
final daquele ano. Contudo, com a decisão do contratante pela renovação dos
222
contratos, esta foi uma prática que não teve continuidade, a despeito dos resultados
positivos identificados pelos envolvidos, e as reuniões entre supervisores e a diretoria
voltaram a ocorrer de maneira esporádica, quando da necessidade de solução de
problemas pontuais.
Acho que precisamos fazer de forma sistemática, ter um planejamento de reuniões quinzenais, reuniões... de treinamentos mensais, para supervisores, enfim, uma série de coisas que eu acho que poderíamos fazer e não fazemos. (Erika)
A baixa hierarquização e a centralização da tomada de decisão na diretoria
indicam a supervisão direta como mecanismo de coordenação. Ademais, a existência
de estrutura administrativa única facilita o compartilhamento de recursos. Esta é uma
característica que pode ser evidenciada pelo fácil intercâmbio de pessoal e
equipamentos entre as equipes operacionais e entre as duas firmas, observadas, por
exemplo, quando de mudanças contratuais e necessidade de transferência de mão
de obra.
Tal constatação fornece indicativos de efeitos negativos sobre a sistematização
de decisões e a promoção do aprendizado organizacional, uma vez que os
mecanismos de coordenação e integração seguem efetivamente dependentes da
supervisão direta da diretoria sobre as rotinas operacionais dos subordinados.
Entretanto, proporciona certa flexibilidade na tomada de decisões estratégicas do
negócio, que tem efeito sobre os serviços empreendedores e a capacidade de
captação de recursos, por exemplo, quando da decisão de transferência de pessoal,
segundo necessidade de mobilização de contratos, conforme indica o relato de Ana
Ferreira.
Por exemplo, agora mesmo compramos 20 caminhões, todos para a FF, mas não existia cadastro que nos desse limite de crédito para a FF, então compramos todos esses caminhões pela ABC. É um patrimônio que deveria ser da FF, mas quem vai pagar é a ABC. (Ana Ferreira)
Ocorre que a questão sucessória se fez presente a partir de 2003, com o
afastamento de Fernando da organização e posterior falecimento, em 2004. Há
evidências de que a falta de um plano de sucessão e a própria interface entre as
estruturas da organização e da família resultaram na falta de um líder para assumir a
presidência da organização. Neste ponto vale mencionar o atributo bivalente dos
papeis simultâneos a que Taguri e Davis (1996) se referem, quando parentes
desempenham distintos papeis simultaneamente nos sistemas família e organização,
o que traz implicações quanto à distribuição de autoridade e poder, conforme indica o
relato de Erika
223
Isso aconteceu de não ter ninguém no lugar dele porque minha mãe não aceitaria essa sucessão, é como se ela pensasse que não iria ser mandada por ninguém. Eu acho que toda empresa precisa ter essa liderança, esse presidente, porque é ele quem dá a característica da empresa, o perfil da própria empresa. Como não tem, perde um pouco a identidade. (Erika)
Há indicativos de que a falta de uma liderança única à frente da organização,
após a morte de Fernando, abriu espaço para forças de fragmentação da unidade
organizacional. Estas forças, por motivos diversos e tratados a seguir, fomentaram as
condições de instabilidade interna à diretoria que levaram a instauração de uma nova
arena política entre os anos de 2010 e 2011. Corrobora com o que foi indicado por
Erika o relato de Roberto acerca do efeito negativo que a ausência de Fernando
representou.
[...] sentimos demais a ausência de Fernando, pela responsabilidade que tinha Fernando, e ao mesmo tempo, sacudia um para o outro o poder de decisão. Faltou a liderança que Fernando representava para manter a unidade. A partir daí, passou-se a ter um conflito, em que ficava sempre dois a dois. Não se falava em um dono, perdeu-se a figura de quem estava à frente. (Roberto)
Uma primeira consequência das relatadas forças de fragmentação
identificadas no período de transição sucessória a partir de 2004 esteve relacionada
à gestão operacional dos contratos das duas firmas. Desde o rearranjo estrutural
realizado quando da privatização da Celpe, a gestão dos contratos era de
responsabilidade compartilhada entre Joaquim e Carlos Roberto. A própria atuação
de Fernando e sua participação ativa na gestão da organização até o ano de 2002
contribuíam para a unidade entre a coordenação e integração entre as áreas.
Contudo, a partir de seu afastamento, não foram identificados mecanismos de
coordenação no sentido de padronizar práticas de gestão, o que significou que cada
um dos gestores imprimiu à sua área de atuação – normalmente dividida de acordo
com os contratos – estilos próprios de gestão. Há indícios de que, ao longo do tempo,
isto produziu certo grau de fragmentação da força de trabalho sob a gestão de Carlos
Roberto e de Joaquim, o que inclusive dificultava a interação entre elas, para a qual
não se observou iniciativas de combate ao potencial de conflito.
Eram duas formas de gerir. Era a forma de gerir de Dr. Joaquim, que vinha para dentro, e a forma de gerir de Dr. Roberto. Teve uma época que o pessoal dizia que existiam duas ABCs no Cabo [de Santo Agostinho]. Existia a ABC de Dr. Roberto e a ABC gerida por Dr. Joaquim. O pessoal que trabalhava com o corte não tinha um bom relacionamento com o restante do pessoal, os funcionários mesmos. Não sei dizer porque, mas havia uma divisão internamente. (Luiz Leal)
É importante destacar não terem sido identificados indícios de efetiva disputa
sucessória entre gerações da família. Contudo, distintas visões de negócio implicaram
224
atitudes que quebraram a alocação de poder, e consequentemente de recursos, entre
estas, o que resultou na divisão da coalizão dominante em duas subcoalizões. Esta
questão fica clara nos discursos de Erika e Ana acerca do processo de ajuste na
estrutura iniciado por Erika para a implementação de sistemas de controle, a partir do
ano de 2011.
Eu sou da primeira geração, mas a segunda geração é totalmente diferente de mim. [...] Acho que era o choque de gerações, a diferença era grande na forma de ver o mundo. Ainda hoje eu penso diferente deles, mas hoje eu amadureci e também não estou tão presente nas decisões. Naquela época, eu me metia em tudo, participava de todas as decisões. (Ana)
Acho que foi um pouco a falta de visão, resistência [à mudança] [...] Eu tive muito problema com minha mãe por conta do sistema financeiro, muito. Na cabeça dela, eu estava querendo descobrir o que ela fazia, tirar o poder dela, porque tudo era na cabeça dela. (Erika)
Neste sentido, é possível fazer um paralelo com o outro momento em que se
identificaram características de arena política envolvendo também questões de cunho
sucessório, quando houve a quebra da sociedade com Erwin Luciano. Diferentemente
daquele momento, não há indícios que indiquem a instauração do que Mintzberg
(1986) chamou de confronto. As evidências coletadas a partir dos relatos dos
familiares envolvidos indicam um ambiente conflituoso que se assemelha às
características do que o autor chamou de ‘alianças instáveis’, ou seja, conflitos
emergentes, moderados e relativamente estável em que os dois centros de poder,
representados pelas duas subcoalizões, coexistiam em certo grau de balanço.
Também o conflito entre gerações pode ser considerado fator motivador de tal
situação, uma vez que a organização tentava implementar ajustes na sua estrutura,
de forma a responder a necessidades identificadas de maior controle, renovação de
procedimentos e padronização de processos. Contudo, não existia unanimidade entre
a diretoria quanto aos benefícios que tais ajustes teriam, o que mexeu com o equilíbrio
de poder entre a primeira e a segunda geração da família, tendo impacto sobre a
coesão organizacional, de acordo com os relatos dos entrevistados.
Quem a gente trazia aqui para dentro para conversar, traçar algum plano, ou alguma outra coisa, criava um certo conflito, sempre teve esse negócio de que não prestava. A gente tinha sempre que chamar os dois... Era como se eles não tivessem direcionando, ou dando as diretrizes da empresa. Não sei exatamente o que eles pensavam. Foi um conflito de gerações que aconteceu, na verdade foi isso. (Joaquim)
Então começaram a surgir alguns conflitos entre Erika e Ana, conflitos entre mãe e filha e de poderes dentro da empresa. A partir daí, passou-se a ter um conflito, em que ficava sempre dois a dois. [...] Era também um choque de gerações, só que, numa empresa familiar, existe muito choque de gerações [...] (Roberto)
225
Estas disputas, que inclusive resultaram na saída de Carlos Roberto em 2011,
foram cessando à medida que acontecimentos no sistema família induziram o
reestabelecimento da unidade, em especial entre os anos de 2012 e 2013. Também
por força dos acontecimentos no sistema família, gradativamente, Ana reduziu sua
participação direta nas rotinas administrativas da organização, enquanto coube a
Joaquim assumir o comando e exercer a última instancia de decisão.
Sob a perspectiva da interface entre a família e a organização, é interessante
contrapor as distintas percepções entre gerações. O relato de Ana denota o papel que
a organização familiar tem quanto à provisão de recursos financeiros para a família e,
por este motivo, não haveria, segundo seu ponto de vista, distinção entre o patrimônio
familiar e da firma. Diferente visão demonstra ter Erika, que indica evolução quanto a
este aspecto, apesar de reconhecer a dificuldade em delimitar cada um destes
sistemas, afirma notar evolução do ponto de vista da separação do que compõem o
patrimônio familiar daquilo que é patrimônio da firma.
Acho que é muito importante isso [separação entre sistemas família e organização]. Eu acho que a gente sempre teve muita dificuldade em separar isso, principalmente na geração de meu pai e minha mãe, eu acho que a gente evoluiu nesse sentido, mas ainda se mistura. Hoje eu, por exemplo, penso assim “o que é meu é meu, o que é da firma é da firma.” [...] Isso impacta na nossa maior aceitação a tomar risco, é como se fosse assim, a firma é quem deve, eu não devo. Mas ainda existe muita mistura. (Erika)
O que eu direcionei ultimamente foi o seguinte: enquanto a ABC Engenharia existir, o que eu precisar, eu vou tirar da ABC Engenharia, de um jeito ou de outro. Eu acho que, a essa altura, não existe mais não separação entre o que é da família e o que é da firma, nem pode. [...] Eu, por exemplo, raciocino assim: o que eu precisar, quem tem que me dar é a firma, se eu tiver acabado minha reserva. Lógico que não vou tirar por um motivo banal, mas a firma é que tem que me sustentar, o único meio de vida que eu tive foi ela! (Ana)
Esta visão da segunda geração, apesar do choque com aquela da primeira,
pode indicar um amadurecimento do papel que a organização exerce para a família,
oferecendo indícios de que aquela pode seguir vida independente desta última.
Apesar disso, é também interessante destacar a convergência da relevância que a
organização familiar tem para ambas as gerações, o que indica elementos que
remetem à temática de socialemotional wealth, discutida por Gomez-Mejia et al.
(2011). Fica evidente nos relatos de Ana e Erika o simbolismo que a organização tem
para elas, ao ponto de considerá-la parte da própria família, o que ajuda, segundo
Taguri e Davis (1996) a definir um senso de missão e comprometimento raro em
organizações não-familiares, além de influenciar as próprias relações de trabalho
estabelecidas.
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O que ela significa para mim, assim... Para mim, não conseguir que ela tenha sucesso me causa uma frustração. [...] Sucesso é respeito do cliente, respeito do funcionário e rentabilidade. É ela não deixar de existir, o meu sentimento, o meu desejo é que ela não deixe de existir. Se ela deixar de existir, enquanto eu for viva, é prova de uma incapacidade minha. (Erika)
Para mim, a FF não representa muito não, quem representa muita coisa é a ABC Engenharia. Porque foi uma coisa que eu fiz. [...] Eu sou consciente que a ABC Engenharia chegou onde chegou, deve muito a mim. Não no momento atual, mas para chegar no momento atual, ele deve muito a mim, a minha luta, ao meu otimismo [...], então a ABC Engenharia representa para mim uma filha, uma criação. Eu olho para a ABC e vejo que a gente venceu, foi um filho bem-sucedido. (Ana)
Neste sentido da separação entre a organização e a família, cabe analisar o o
processo de institucionalização proposto por Selznick (1957) como aquele a partir do
qual uma organização se transforma em instituição, ao incorporar valores e transmitir
um propósito comum a seus membros. Diz-se que a organização passa a ter um
caráter organizacional próprio, que a caracteriza enquanto instituição e une seus
componentes na busca pelo objetivo comum (BARNARD, 1938).
Chua et al. (1999), em linha com o que afirma Ward (2011) sobre o papel
direcionador dos princípios fundamentais da família para a formulação de estratégias,
acrescentam que, por necessidade, a firma familiar é operada em conformidade com
seus valores e preferências. Em consequência, é de se esperar que a própria
dinâmica familiar afetará decisões e ações, impactando em seu comportamento, uma
vez que o sistema família oferece contexto de decisão aos gestores da organização
familiar.
Adicionalmente, Taguri e Davis (1996) discutem o que seriam os atributos
bivalentes de firmas familiares. Dentre tais atributos aludidos pelos autores, converge
para uma mesma temática a questão da identidade compartilhada entre membros da
família que também atuam na firma. Segundo eles, laços familiares definem vínculos
e normas de comportamento que são associados a traços da família e
comportamentos esperados para estes indivíduos.
Diante do que se expõe, é de se esperar que a própria natureza de interligação
entre sistemas família e organização favoreça a eficácia de mecanismos de infusão
de valores na organização, o que contribui, no longo prazo, para o processo de
institucionalização. Este processo estaria relacionado à autopreservação da
organização enquanto entidade familiar, ao infundi-la com valores que servem a uma
visão de negócio da coalizão familiar dominante, para a qual a liderança é
fundamental.
227
O caso em análise oferece elementos de infusão de valores na organização,
centrada no papel de liderança desenvolvido pelo seu fundador. Referências
espontâneas feitas a Fernando indicam a formação de um mito em torno dele e
simbolizam a identidade da organização, cuja cultura se desenvolveu em torno de sua
personalidade, observação reforçada pela manutenção de seu papel integrador anos
após seu falecimento.
Fernando era aquilo realmente que um presidente de uma empresa, foi quando a gente realmente passou a se sentir empresa. (Roberto)
Eu acho que a liderança da firma era totalmente baseada nele e, talvez em respeito à memória dele, eu sempre senti muito lá na firma essa coisa das pessoas fazerem as coisas e, eu pessoalmente, em vários momentos de decisão, eu parava e pensava “se Dr. Fernando estivesse aqui hoje, como ele se portaria, qual a lógica do pensamento dele?” É como se fosse um mito pra a gente. Eu me percebia fazendo isso. E o bom da empresa familiar é que o respeito continuou, cada um no seu lugar, sem um querer tomar o lugar do outro, mas houve muito... lógico isso não foi com toda a harmonia e tranquilidade do mundo, mas o que sempre se sobressaia era isso né? Eu percebo que ele conseguiu deixar o legado dele, a marca dele na firma. (Joaquim)
Ademais, destacam-se evidências da infusão de valores morais e éticos
disseminados pela família e fundamentais para a construção da imagem e reputação
institucional da firma. Pode-se observar a partir dos relatos a assunção de normas
implícitas de comportamento que doutrinaram ao longo do tempo a atitude de
membros da organização, em especial de familiares, conforme indicam relatos de
funcionários externos à família. Esta preocupação com a imagem e seu consequente
monitoramento de atitudes da organização induziram a conformação aos padrões da
família e um senso de missão que une e gera fidelidade.
O que não deve mudar nunca é a valorização que é dada aos funcionários, a fórmula da ABC Engenharia de tratar o funcionário, de valorizar desde o servente até o supervisor, o gerente, o engenheiro da empresa. Eu acho que Dr. Joaquim adquiriu essa forma com Dr. Fernando. (Luiz Leal)
Ao longo de sua trajetória, a organização buscou desenvolver um
relacionamento de compromisso recíproco com seus funcionários. É neste sentido
que, conforme apontam os dados coletados, caminha o processo de formação do
caráter organizacional, ao redor de princípios de valorização do profissional, a partir
da proximidade da família com as partes componentes do sistema organização, o
acesso aberto e a autonomia, referidos pelos entrevistados. Esta conduta fica evidente
na forma como a liderança conduz as decisões críticas da organização, tendo em vista
o desenvolvimento de ambiente transparente para promoção do comprometimento e
colaboração. Os relatos dos entrevistados oferecem evidências de que a atitude
228
colaborativa predominou nas ações empreendidas e demonstram o
comprometimento dos componentes organizacionais em prol do propósito
comum de preservação da organização.
Tivemos uma experiência há pouco, quando fomos aplicar o aviso prévio para o pessoal que seria desmobilizado, que vimos que muitos deles gostam de trabalhar aqui, principalmente o pessoal do Cabo, Cabo e outros interiores. Muitos diziam: “Quero sair da ABC não.” Um outro disse: “Trabalho aqui há 14 anos, não quero sair não.” Então percebemos esse sentimento por parte deles de gostarem de trabalhar para firma e não quererem sair. [...] A empresa nunca atrasou pagamento. Pode haver o que for, não atrasamos. E, além disso, o acesso que eles têm à gente também conta. Um empregado quer se sentir valorizado, então, se chegar pra ele parabenizando pelo trabalho, ou fazendo um elogio, eles ganham o dia. (Irineu)
[...] a gente via que o pessoal não queria que a ABC Engenharia saísse. Os funcionários, naquele momento, empenharam-se e ficavam sempre dizendo “Não, doutor, o senhor vai ver que isso vai mudar, o senhor vai ver! Vamos trabalhar que a ABC Engenharia não vai sair não.” Então começaram os próprios funcionários a se empenhar até um pouco mais do que o normal para levantar o nome da empresa. “Estamos com a ABC, vamos ficar com a ABC. Enquanto a ABC tiver, vamos ficar na ABC.” Então, a sensação que a gente tem é que o pessoal vestiu [a camisa], que o pessoal gosta de trabalhar na ABC, porque a ABC é uma empresa que paga certo, que paga em dia, como eles já rodaram por várias empresas por aí, nesse ramo, é o que eles sempre dizem “Existem várias empreiteiras, mas nenhuma como a ABC Engenharia não. É a mais organizada nesse ramo.” [Luiz Leal]
A equipe em si, até quem estava na zona de conforto, eu percebi que mudou. Supervisores mesmo que eu julgava antes, eu vi que foram impactados mesmo e voltaram. Pelo menos a gente sente essa unidade de todos querendo a mesma coisa. (Ana Ferreira)
Neste sentido, também merece destaque a atuação da liderança institucional
em preservar a integridade organizacional lançando mão de mecanismos de
valorização do funcionário e transparência no relacionamento e comunicação.
Segundo relatos, o posicionamento da diretoria para enfrentar a crise sem gerar
conflitos entre as áreas da firma foi muito importante para que a organização como
um todo fosse mobilizada pela necessidade de renovação durante o processo de
transição que se vivia com a eminente desmobilização dos contratos da ABC
Engenharia, ao fim de 2015.
É muito importante salientar [...] a serenidade da empresa, da diretoria, foi muito importante, e o pé no chão. Mesmo que fosse perder, estávamos com o pé no chão, lutando no processo de desmobilização com o pé no chão. A gente observa isso, para a gente que está de fora da diretoria, [...] A gente tentava passar isso também para os funcionários de campo. Nós reunimos o pessoal para passar as informações, quando eles tinham também a oportunidade de perguntar, dar opinião. (Alexandre)
Quando a gente teve esse susto de perder o contrato da ABC, veio uma boa energia, porque a gente precisava, a gente foi impactado com essa mudança, “opa, então precisamos nos reinventar”. A palavra foi exatamente essa, “vamos
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nos reinventar, vamos fazer mais e melhor, porque agora, mais do que nunca, a gente precisa se renovar enquanto instituição e fazer mais e melhor”. Essa palavra ‘reinventar’ veio várias vezes nas reuniões, nos encontros que a gente teve e realmente essa disponibilidade, essa energia veio deles [liderança] para a gente de uma forma que todo mundo sentiu. Então passamos a ter reuniões periódicas. [...] Como a gente, em contrapartida, sabia do contrato da FF, pensamos em aproveitar que estávamos começando um contrato novo e vamos fazer diferente, vamos fazer melhor para que a gente possa realmente ter melhor resultado nesse novo contrato. (Ana Ferreira)
Há de se destacar ainda a eficácia na construção de senso de identidade entre
a organização e seus funcionários. Este pode ser evidenciado inclusive pelo valor do
senso de dono, que se reflete no comprometimento de supervisores e gerentes em
servir à visão da liderança. Ademais, há indícios de ser resultado do próprio caráter
organizacional a capacidade de responder com agilidade e flexibilidade às mudanças
que o ambiente impõe à organização. Este aspecto, aliás, é mencionado por Ana
como um legado da organização, conforme indica seu relato.
O relacionamento que a diretoria da ABC, que dá esse tom de família na empresa, eu acho que é o ponto diferencial, de estar sempre chamando, conversando, não colocando intermediários para resolver as situações. Eu acho que esse jeito que a ABC tem, ela é tão familiar que até no tratamento com seus funcionários ela é familiar. Isso faz com que seu quadro de supervisão se sinta tão prestigiada dentro da empresa que procura sempre dar um pouco mais para resolver uma dificuldade. É aquele ar de dono, eu sei que a empresa não é minha, mas eu tenho que tomar conta como se ela fosse minha. Essa é a sensação que eu tenho dentro da empresa, que eles [diretores] passam para mim isso: “Tome conta como se fosse sua.” Dra. Erika tem uma coisa que ela sempre me diz “Luiz, eu não estou lá, mas vocês são os meus olhos. Você está vendo por mim.” (Luiz Leal)
[O maior legado é] ter o nome honrado e nunca ter sido citada em nada ilegal, [...] nunca ter deixado de pagar nada aos empregados. Em primeiro lugar está os empregados para a gente. Muitas vezes eu tirei do que era meu para poder pagar aos empregados, para a firma não ficar mal-vista. (Ana)
Embora possa ser prematuro afirmar haver um processo de institucionalização
em curso, há elementos que indicam haver forças organizacionais que promovem a
coesão e integridade, a despeito do aumento da diversidade de seus recursos. Neste
sentido, coube à família e liderança exercer a coordenação das áreas operacionais,
contribuindo para a flexibilidade operacional, fator importante para a captura de valor
de seu ambiente.
5.3.5 Desafio da gestão da complexidade
Miller e Friesen (1978) defendem a ideia de que a estratégia de uma
organização compreende o repertório de reações organizacionais aos estímulos
provenientes do ambiente. A estrutura, segundo a linha defendida por estes autores,
230
seria o mecanismo mediador entre estes dois elementos, a partir do qual uma
organização pode ser direcionada a uma configuração comum que viabiliza estado de
harmonia entre os elementos estratégia, estrutura e ambiente (MILLER, 1986). Sob
tal perspectiva, pode-se analisar as implicações que a mudança de estado do
ambiente representou para a ABC Engenharia, cujas consequências diretas foram o
aumento da exposição organizacional a pressões ambientais e, consequentemente,
da complexidade e diversidade interna.
Os últimos anos da década de 1990 trouxeram algumas alterações à estrutura
da organização, à medida que esta crescia quantitativamente, no que pode
assemelhar-se ao que Fleck (2003) denomina tipo de motor inercial. Churchill e Lewis
(1983) enfatizam em seu trabalho a capacidade de a organização promover
renovação e alteração do status quo, sendo para eles chave a capacidade da
organização em responder às mudanças do ambiente, ou até mesmo que estas não
ocorram de forma destrutiva do mercado ou nicho de atuação da organização. Neste
sentido, há evidências de que a complexidade advinda do crescimento do número de
funcionários ensejou atitude restritiva quanto à capacidade da organização de seguir
crescendo, exercendo força contrária à necessidade de captação de contratos para
sua própria sobrevivência.
Por outro lado, há elementos que fornecem indicativos para uma atitude de
resposta da organização às mudanças ocorridas no ambiente de negócios, no sentido
de adaptar-se à dinâmica competitiva e explorar as oportunidades a partir das quais
o ambiente lhe impeliu a crescer. Embora tenham sido identificadas iniciativas
positivas no que tange às respostas ao desafio empreendedor, durante este estágio
fica claro a forte dependência que a trajetória de crescimento organizacional
apresenta em relação às condições do ambiente, que também exerceu significativa
influência sobre o padrão organizacional de resolução de problemas.
Tendo isto em vista, é importante destacar que a condição de contratação como
empresas-âncoras a partir de 2000 demandou da organização a expansão de sua
estrutura física e de recursos produtivos para atendimento de toda a área de cobertura
das duas firmas, o que representou significou mudanças representativas na estrutura
organizacional. O Quadro 5-13 resume as principais dimensões estruturais
identificadas no estágio 03, à luz do que analisam Churchill e Lewis (1983) em seu
modelo de estágios de desenvolvimento.
231
Quadro 5-13 - Dimensões de análise estrutural x Estágio III (CHURCHILL & LEWIS, 1983).
A estrutura organizacional reflete aquilo que fora comentado ter sido parte de
seu processo de infusão de valores, conforme discutido na seção relativa à integridade
organizacional, sendo caracterizada por um baixo grau de hierarquização. Esta seria
também uma consequência do fato de terem sido mantidos centralizados o comando
e a tomada de decisão pela família, envolvida diretamente nas rotinas operacionais e
administrativas. Tal fato pode ainda ser associado ao que expõem Guíllen e García-
Canal (2013), sobre a simplificação da estrutura organizacional em virtude da
alocação de membros da família em posições de comando.
Observou-se alto grau de informalidade nos processos de gestão e controle,
que foram mantidos durante os primeiros momentos deste novo estágio. Os controles
internos e sistemas de informação para apoio a decisão eram basicamente compostos
por mapas e planilhas de controle que não permitiam a sistematização da análise de
dados. Em decorrência disto, há evidências de que a tomada de decisões críticas,
centralizada no presidente e fundador da organização, dependia mais da sua
experiência, julgamento e frequentemente da opinião dos diretores. Isto caracterizava,
àquele momento, situação típica de resolução de problemas de maneira não
sistemática, que prejudica mecanismos de aprendizado e indica pouca alteração à
condição percebida anteriormente.
232
Cabe ainda destacar a forte resistência a mudanças e a cristalização de
rotinas e práticas constatada na organização durante este período. A baixa taxa de
renovação das rotinas organizacionais teve origem não só nos funcionários mais
antigos, mas também nos próprios membros da direção. Tal observação indica
entraves ao processo de mudança pelo qual passava a organização, o que provocou
contribuiu para o surgimento de conflitos internos e dificultaram a sistematização do
controle organizacional, conforme indica Ana Maria.
Precisava fazer a implantação de processos, a gente tinha que desengessar, sair da
rotina, para fazer o diferente. Eu lembro que a gente tinha umas atividades, uns
direcionamentos que era, por exemplo, no setor de departamento pessoal, a gente
tinha que ter as fichas assim, o processo teria que ser esse, tem que se usar
determinado modelo. A gente não conseguia, travava. [...] Tivemos dificuldades na
hora de amarrar esses processos, na hora de integrar, mas a gente nunca desistiu de
avançar, ne? D. Erika sempre orientou assim: podemos não fazer tudo, mas vamos
tentar, a gente tem que fazer o melhor que a gente pode. (Ana Ferreira)
É justamente neste ponto que se pode perceber a forte influência resultante de
decisões quanto a gestão da complexidade sobre a gestão da diversidade, o que
impacta também a alocação de recursos que mantém a unidade da coalizão de
pessoas que formam a organização, conforme expõem Cyert e March (1963). Isto
reforça o papel da liderança institucional em promover um equilíbrio entre estabilidade
e mudança (SELZNICK, 1967), como pode-se perceber no que comenta Ana Maria
acerca da resistência a mudança por parte de integrantes da organização.
A gente tentou implementar o [sistema de] contas a pagar com Meire, a gente encontrou resistência, porque ela não sabia lidar com a tecnologia do sistema, com a rotina que precisava, nem estava aberta a entender. Na liderança do departamento pessoal, Sr. Irineu também impõe algumas resistências, tem um conhecimento incrível, detém algumas peculiaridades da experiência dele, mas não quer ser absorvido por isso, então eu acho que essa coisa da liderança estar aberta a sair dessa rotina, desses processos que a gente pode considerar já inadequados, isso dificulta. (Ana Ferreira)
A expansão dos contratos e consequentemente a diversidade dos recursos
produtivos trouxeram a necessidade de se buscar a formalização e a burocratização
de alguns processos. A organização precisou adaptar sua estrutura para tal, uma vez
que certos procedimentos operacionais e documentações passaram a ser exigidos
por instrumentos contratuais.
233
Foi em decorrência deste fato que ocorreu processo de ampliação das
atribuições dos supervisores, que passaram também a responder por tarefas
administrativas relacionadas a suas equipes, enquanto avançou também a
especialização funcional das estruturas administrativas.
É possível associar este fato ao processo de ajuste estrutural, principalmente
a partir da expansão geográfica e, posteriormente, dos contratos de prazos mais
longos e maiores volumes financeiros, assinados nos ciclos de contratação de 2008
e 2011, conforme indica Alexandre em seu relato. Neste período, houve um
crescimento do número de supervisores na organização, o que permitiu melhor divisão
destes por contrato e área de atuação. Em outra perspectiva, é possível associar
também esta especialização do trabalho e a atribuição de tarefas administrativas a
este pessoal à busca da organização por responder a pressões por eficiência
operacional, frente a um ambiente competitivo em que a prestação de serviços tornou-
se uma commodity.
[...] Você foca mais especificamente, porque, na época, éramos poucos na supervisão, para ver mais coisas. Hoje, isso é mais direcionado, [...] mais especializado, mais especifico, cada um em uma área. O faturamento, na época, eu não tinha tanto acesso, porque a gente era apenas preocupado com o operacional. A responsabilidade... você hoje toma mais conhecimento de tudo o que engloba, ou que envolve o seu serviço e você passa a ter uma visão mais ampla do serviço. (Alexandre)
Lá [na Paraíba, durante vigência de contrato de prestação de serviços para a Saelpa] era uma coisa que basicamente o pessoal olhava para mim e via a ABC Engenharia, porque lá o departamento pessoal, técnico de segurança, tudo era comigo. Eu era responsável por tudo. [...] [A comunicação com o escritório central] era através de e-mail e de telefone. Funcionava bem, não tínhamos grandes dificuldades não. Aos sábados, sempre peguei muita orientação com Sr. Irineu [departamento pessoal], ele é quem passava todas as orientações, o que podia, o que não podia, documentação [...] (Luiz Leal)
Avanços em termos de sistematização da informação e da implantação de
novas tecnologias de apoio ocorreram a partir de meados dos anos 2000, como
resposta da organização ao aumento da complexidade, a exemplo da implementação
de sistemas de gestão de departamento pessoal e documentação de terceiros, ou
ainda a implantação de rotinas de controle de material em estoque, conforme
exemplifica o relato de Joaquim.
A gente não precisava ter um almoxarifado para o suprimento de materiais para execução de obras ou de serviços, por exemplo. Não havia necessidade. A gente precisava ter apenas um local de distribuição, que atuava só para o transbordo entre o almoxarifado da concessionária e o local da instalação, então os itens de materiais que vinham para serem instalados nas obras e nos serviços praticamente passavam uma semana, dez dias, não precisava ter uma gestão sobre isso aí, não precisava de almoxarife, não precisava de muito espaço.
234
(Joaquim)
Estas ações não foram exclusivas da organização, mas compunham plano de
ação das auditorias que passaram a ser realizadas pela concessionária contratante,
que transferia às prestadoras de serviço tarefas antes sob sua responsabilidade Estas
tiveram início em 2004 com escopo de auditoria na área de saúde e segurança e, a
partir de 2007, passaram a abranger também questões relacionadas a demandas
trabalhistas e previdenciárias, sendo coordenadas pelo Departamento de Gestão de
Contratos da Celpe, criado em 2006.
Pode-se constatar que a percepção por parte da diretoria quanto à necessidade
de se desenvolver ferramentas de controle gerencial e implantar sistemas formais de
informação e suporte à decisão iniciou um processo sempre referido nas entrevistas
pelo termo informatização. Na verdade, esta era uma das linhas de atuação de uma
iniciativa de profissionalização da gestão iniciada com o intuito de preparar a
organização para a captura de valor de novas oportunidades que se identificavam no
ambiente, entre os anos de 2009 e 2011, quando a organização iniciou sua
participação no Projeto Vínculos, conforme indicado no relato histórico.
Há indícios de que a organização conseguiu adotar e implantar os sistemas
gerenciais, cujos benefícios foram percebidos por toda a organização, tal qual
evidencia o relato de Ana Maria.
Para mim, assim, foi um abalo para aceitar a parte de informática. Eu não sou da era da informatização, então foi um choque para acostumar. Ainda hoje, tem coisas que eu não faço por meios informatizados, faço à minha maneira. Muitas outras coisas eu já faço e aceito. [...] na época eu achei que não deveria ser feito, mas hoje não tem como você ter uma firma que não seja informatizada. [...] Acho que há espaço para melhorar os sistemas, mas reconheço que de jeito nenhum poderia funcionar sem ser informatizado. (Ana Maria)
Gradativamente, a ABC Engenharia buscou ferramentas de apoio à decisão e
controle gerencial. Cabe destacar a implantação do sistema de compras e estoque e
de controle de produtividade das equipes do contrato de manejo de vegetação, no ano
de 2015, ambas medidas fortemente associadas à busca pela renovação
organizacional para eficientização da gestão e captura de valor no ambiente. Neste
ponto, embora haja indícios de esgotamento da centralização da tomada de decisão
na diretoria e consequente necessidade de delegação, também foram encontradas
evidências de avanço no sentido de prover a direção com informações confiáveis e
com agilidade.
Agora mesmo, nós estamos avançando nesta área, porque a gente quer fazer a implantação agora do sistema de compras e estoque. Se a gente quer fazer esse
235
sistema acontecer, e eles [diretoria] estão abertos a fazer essa implantação, algumas coisas vão mudar e o apoio deles é fundamental para que isso aconteça. (Ana Ferreira)
Eu acho que vale a pena, acho que facilita muito a questão de ter a informação para controle gerencial, acho que é fundamental, tanto é que nós desenvolvemos um sistema para a podação, para controle de produtividade. Eram informações que a gente ficava dependendo o tempo todo dos supervisores passarem informação, hoje a gente consegue, porque, para gerar os boletins [de medição], eles só conseguem através do sistema. (Erika)
Contudo, há indícios de que a característica demandante do ambiente induziu
barreira também à consecução do objetivo do Projeto Vínculos de certificação dos
sistemas de gestão de qualidade, meio-ambiente e segurança no trabalho por parte
da organização. Dada a necessidade de se ter uma estrutura ágil e flexível para
atendimento das demandas do cliente, a organização optou em não continuar com
o processo de certificação, uma vez que entendeu que a burocracia envolvida poderia
implicar rigidez à sua operação, conforme indica relato de Erika.
Como era muita burocracia, a gente não estava preparado para isso [certificação ISO 9001]. Porque isso iria alterar muito a forma como a gente trabalhava, daí a gente foi se desinteressando. [...] A gente ainda tinha aquela visão de que isso iria acabar engessando a empresa, que esses procedimentos padrão para tudo iriam engessar a empresa. Eu vejo que as empresas precisam de agilidade e muita burocracia dificulta essa agilidade. (Erika)
Também tem que ter a mudança na liderança, tinha-se que fazer algumas implantações, mas a gente não conseguia porque tinha que envolver a diretoria, então eles também tinham que mudar e seguir algumas normas e procedimentos que talvez naquele momento engessasse um pouco a forma de trabalho. (Ana Ferreira)
Além disso, a inexistência de abordagem sistemática, segundo relatos da
diretoria, acaba sendo resultado da priorização de ações que ocorre em decorrência
da necessidade de a organização responder às demandas da contratante, o que
consome significativamente tempo e energia. Esta constatação, indicada pelo que
narra Erika, vai em linha ao que foi apontado no desafio do empreendedorismo relativo
a limitações impostas aos serviços empreendedores em um ambiente desafiador e
demandante, à medida que os recursos gerenciais da direção são consumidos pela
resolução de problemas ad hoc.
Eu acho que a gente peca muito por não fazer nada de forma sistemática. Acho que precisamos fazer de forma sistemática, ter um planejamento de reuniões quinzenais, reuniões... de treinamentos mensais, para supervisores, enfim, uma série de coisas que eu acho que poderíamos fazer e não fazemos. [...] Eu acho que o problema é que temos boas intenções, mas a gente tem dificuldade de dar continuidade, pois sempre vão aparecendo dificuldades e a gente vai dando prioridade a outras coisas. (Erika)
236
Vale destacar ainda que a tomada de decisão seguiu ocorrendo de forma
centralizada na diretoria. Esta característica, embora não hajam indicativos de conferir
rigidez ao processo, gera concentração do aprendizado na alta gestão e não contribui
para a renovação organizacional. Além disto, não favorece o desenvolvimento de
competências gerenciais que permitam a delegação de autoridade, fator que pode
atuar como limitante do crescimento da organização, de acordo com o que foi
discutido no desafio da provisão de recursos humanos.
Embora os profissionais envolvidos nas decisões a nível de supervisão tenham
oferecido sinais de aumento de sua autonomia funcional, por vezes destacada nas
entrevistas por meio da expectativa da organização de agilidade na resolução de
problemas operacionais, esta carência de recursos humanos com competências
gerenciais e de confiança pode ser apontada como fator que induz à centralização
da tomada de decisão na diretoria. Embora haja evidências de delegação funcional
aos supervisores, os relatos das entrevistas com membros da diretoria indicam serem
aqueles vistos pela liderança como especialistas funcionais, com reduzida capacidade
para tomadas de decisão críticas. Tal percepção pode ser desprendida de trechos
narrados pelos entrevistados.
Por mais que a gente atribuísse poderes aos nossos supervisores, eles não eram homens de solução. (Roberto)
É procedimento nosso tudo que ocorrer passar para a diretoria, compartilha, porque a gente também não vai ficar sujeito a estar levando uma carga que as vezes a gente não pode suportar. Então compartilhamos com a diretoria, para que possamos analisar juntos e ter o direcionamento da diretoria. (Alexandre)
Os dados sugerem, sob tal ponto de vista, viver a organização durante sua fase
mais recente no limite do que poderia ser a crise de autonomia proposta por Greiner
(1972). Contudo, percebeu-se ser fator de contenção de possível crise decorrente
deste fato a agilidade com que se consegue tomar decisões devido à relativa
simplicidade organizacional que se mantém e o baixo grau de hierarquização de sua
estrutura, o que pode ser evidenciado pelo próprio envolvimento da família na direção
da empresa, conforme relata Erika. Este fato favorece a busca pela firma em atender
aos objetivos da coalizão dominante, a família.
Eu acho que é uma vantagem o fato de a gente ter agilidade. Os diretores envolvem-se, eu acho que a gente não deixa que as coisas demorem a acontecer, a gente tem resposta rápida. (Erika)
Neste estágio, não só decisões críticas são levadas ao comando central, mas
também dependem dele frequentemente decisões acerca de casos operacionais, o
237
que consome tempo e energia da diretoria para tomada de decisão ad hoc. Portanto,
observou-se ser a capacitação em gestão um ponto de estrangulamento, que resulta
em entraves à atuação da liderança nos esforços para criação e captura de valor, tão
importantes para a renovação organizacional e, em última instância, para o
crescimento saudável (FLECK, 2009). Há evidências nos relatos dos entrevistados
que tratam deste tema, conforme exposto por Erika e Ana.
Eu sei que a gente precisa encontrar uma pessoa para buscar novos clientes, a gente tem que tentar outros clientes. Eu fico pensando quem é essa pessoa, quem é essa pessoa e não consigo enxergar quem seria. [...] se a gente pegar [outros contratos], Joaquim vai coordenar, quem a gente coloca para fazer isso? Ache para mim no mercado essa pessoa! Então o obstáculo é primeiro de tudo encontrar pessoas de confiança e capacitadas para você descentralizar e crescer. (Erika)
[A ABC Engenharia] Não é mais uma firma pequena, já é uma firma que tem um tamanho que requer, que já tem condições de ter um quadro funcional de pessoas com preparo [...] que saibam resolver. O diretor técnico Joaquim ter pessoas de nível, que prestassem conta a ele uma vez por semana, mas que pudessem decidir coisas que hoje vem para ele decidir. Enquanto ele perde tempo de decidir, ele não cresce, perde tempo que poderia crescer e inovar mais. (Ana)
Pode-se dizer, então, que, sob contratação da Celpe privatizada, a organização
viu substancial aumento da complexidade intrínseca a sua gestão. Este fato deveu-se
não apenas a fatores intra-organizacionais, mas principalmente a elementos externos
com impacto nos fundamentos de sua estrutura e para os quais ajustes estruturais
foram implementados. Entretanto, apesar de progressos descritos na direção da
sistematização da informação e autonomia funcional de pessoal em níveis médios,
persistiu o padrão não sistemático de resolução de problemas e resposta ao desafio
de gestão da complexidade.
A centralização da tomada de decisão no topo organizacional reforça um ciclo
vicioso que restringiu o aprendizado organizacional e consumiu o excedente de
recursos para resolução de problemas. Embora não se tenha observado evidência de
prejuízos de curto prazo, isto implica consumo de energia e tempo para resposta a
situações que não contribuíram para criação e captura de valor, além de impedir a
disseminação do aprendizado organizacional, efeitos estes que prejudicam a
propensão organizacional à longevidade saudável (FLECK, 2009). Desta maneira,
inadequações no padrão com que a organização lida com a complexidade provocou
durante o estágio 03.
238
5.3.6 Gestão da folga organizacional
No que diz respeito aos recursos financeiros, a expansão que deu início ao
novo estágio de desenvolvimento demandou, conforme abordado no desafio do
empreendedorismo, a realização de investimentos para aquisição e renovação de
equipamentos, ampliação da estrutura física e gradativa capacitação e qualificação de
pessoal. Também de acordo com o exposto sobre a temática financeira no final da
década de 1990, a organização passava por um período que consumia sua folga
financeira, impactando negativamente sua capacidade de investimento.
Diante deste contexto, percebeu-se a partir do ano 2000 elevação significativa
do endividamento geral da organização, o que significa dizer que foi necessário
recorrer à captação recursos de terceiros, através de empréstimos e financiamentos,
para financiar o movimento de expansão que se iniciava. Em decorrência disto, é
possível constatar no Gráfico 5-10 a mudança de patamar deste indicador entre os
anos de 1996 e 1999. Tal constatação converge para as evidências colhidas no relato
de Erika e já discutidas sob a ótica da dimensão de julgamento para tomada de risco,
segundo as quais a entrevistada alega estar a organização mais propensa à
realização de investimentos pais altos, a partir da captação de financiamentos de
maior volume, durante o estágio 03.
Gráfico 5-10 - Evolução do endividamento geral, de 1996 a 2015.
Por outro lado, o Gráfico 5-11 apresenta a evolução da relação lucros
acumulados da organização e o PIB do brasileiro, uma proxy para a capacidade de
investimento (FLECK, 2016). Este indicador, à medida que quantifica a disponibilidade
de recursos para investimentos, representa o nível de folga de recursos financeiros
que podem suportar novas iniciativas de criação de valor e expansão.
239
Gráfico 5-11 - Evolução de proxy para capacidade de investimento, estágio 03.
A análise comparativa do Gráfico 5-11 com o Gráfico 5-1 permite a
identificação de similaridades do padrão de crescimento enquanto aumento de
tamanho – medido pelo indicador de poder econômico (FLECK, 2009) – e a folga
financeira, em especial quando se observa o período de baixa nas duas curvas entre
2009 e 2013, seguido de recuperação nos anos de 2014 e 2015.
Embora não tenham sido usadas ferramentas quantitativas para a análise da
correlação entre estas variáveis, além do fato de que outros fatores também
influenciam o comportamento de ambas as curvas, os gráficos indicam que o
crescimento recente da organização tem sido capaz de produzir folga financeira.
Contudo, o Gráfico 5-10 mostra a manutenção do nível de endividamento geral em
torno dos 50% também nos anos de 2014 e 2015, o que indica a manutenção do
financiamento dos investimentos em capacidade produtiva a partir da captação de
empréstimos.
Quando comparado à curva de capacidade de investimento nos períodos
anteriores, apresentada pelo Gráfico 5-4, observa-se significativo avanço ao longo dos
anos. Isto corrobora com a ideia de que o processo de crescimento observado a partir
dos anos 2000 promoveu a geração de folga financeira. Ademais, foram colhidas
evidências de que esta folga permitiu também a execução de investimentos de
ampliação da estrutura física da organização, incluindo a aquisição de terrenos e
construção de galpões para armazenagem de materiais, equipamentos, além da
ampliação das instalações físicas, em especial a partir do ano 2010.
No que diz respeito à folga de recursos produtivos, esta dimensão manteve-se
associada a investimentos para a aquisição de veículos e equipamentos de acordo
240
com as necessidades de contrato. Não foram encontrados dados históricos que
permitissem avaliar como se deu a evolução da disponibilidade destes recursos,
tampouco como indícios que permitam avaliação de como a folga ou a falta destes
impediu ou favoreceu os movimentos de expansão.
Diferentemente do contexto identificado nos estágios mais iniciais da
organização, as principais contratações no período do estágio 03 estão menos
relacionadas a esforços comerciais que busquem melhor utilização de recursos em
base contínua, uma vez que os contratos mais longos oferecem maior previsibilidade.
Contudo, algumas das iniciativas empreendedoras tratadas na seção sobre
crescimento e renovação, notadamente a expansão geográfica para a Paraíba e
Sergipe e também a prestação de serviços para a PCR, oferecem indícios de
subutilização de recursos produtivos como incentivo adicional à expansão.
Por outro lado, os relatos dos entrevistados sobre o intercâmbio de pessoal
entre as áreas operacionais indicam a gestão da folga destes recursos no sentido de
prover mão de obra experiente e interna à organização às áreas cujas demandas
crescem. Este é o caso, por exemplo, da migração de pessoal, incluindo supervisores,
da FF Engenharia para a ABC Engenharia, quando da desmobilização de contrato
ocorrida em 2011.
Apesar disso, os relatos fornecem evidências indicadas na seção de provisão
de recursos humanos que sugerem que a formação dos serviços gerenciais da
organização ocorre abaixo da sua efetiva necessidade, o que indica falta. É possível
perceber a convergência da falta destes recursos com a constatação de que a
estrutura organizacional mantem o poder de decisão centralizado na diretoria, de
acordo com o que foi exposto na análise sobre a estrutura organizacional. Neste
sentido, há evidências de que problemas organizacionais advindos do crescimento e
da complexidade da organização atuam como fatores restritivos às expansões, uma
vez que demandam mais dos recursos gerenciais que poderiam ser empregados com
assuntos relacionados ao crescimento e impedem o ciclo virtuoso de consumo e
produção de folga de serviços empreendedores e gerenciais.
Alguns dos entrevistados relataram ser característica valorizada pela alta
gestão a capacidade de agregar atribuições a suas rotinas, à medida que são
demandados. Este traço tem consequências positivas para a utilização da folga de
recursos humanos, à medida que esta pode ser usada ora para movimentos de
expansão, ora para renovação de práticas organizacionais e ajustes na estrutura.
241
A ABC Engenharia aqui gosta das pessoas que não se prendem a um único serviço, ela está sempre lhe atribuindo atividades, quando você vai desenvolvendo [...] Dr. Joaquim me deu a tarefa de coordenação. Ele disse “Você agora vai ser o coordenador. Você não vai mais ter um setor, você é responsável por tudo. Então, hoje, na regional Cabo, eu flutuo por todas as áreas, eu tenho acesso livre para intervir na área de construção, de manutenção, de linha viva, plantão. (Luiz Leal)
Este atributo da organização, visto por outro ângulo, pode provocar também
barreiras adicionais à sistematização de rotinas de controle gerencial e
consequentemente prejudicar a capacidade de promoção do aprendizado. O risco é
de que componentes organizacionais sobrecarregados ativem um modo de operação
do tipo ‘combate a incêndios’, dada a não especialização de setores que incorporam
novas alocações de demandas, como indica o relato de Ana Ferreira.
Na minha rotina, também tenho que atender tudo o que é direcionado pela diretoria. Enquanto não existe esse controle de frota, a gente vai dividindo as atribuições, quando, na verdade, deveriam ser direcionadas para outras áreas. Então, no dia a dia, a gente se distribui para várias áreas da empresa, não só para o financeiro. A gente atende todas as demandas de compras, de controle de veículos, de pagamentos, de recebimentos, de pendencias, de contabilidade. (Ana Ferreira)
Diante do exposto, pode-se constatar avanços expressivos na maneira como a
organização passou a lidar com o excedente de recursos financeiros e os estímulos a
movimentos de crescimento a partir da ampliação da capacidade de investimento.
Contudo, o modo ad hoc de resolução de problemas persiste consumindo a folga de
recursos gerenciais, o que representa entrave para a utilização dos serviços
empreendedores potencialmente extraídos destes recursos. Tais constatações
indicam a ocorrência de adequações e inadequações da maneira com que a
organização geriu a folga de recursos ao longo do estágio 03.
5.4 Síntese da análise sobre a ABC Engenharia
Foram encontradas evidências de que a ABC Engenharia respondeu de forma
consistente aos desafios inerentes ao crescimento no decorrer do primeiro estágio de
desenvolvimento. Apesar de restrições observadas quanto à geração de folga, a
organização apresentou condições que contribuíram para seu crescimento e
renovação, sem prejuízo da integridade, conforme indicado na Figura 5-2.
242
Figura 5-2 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 01.
A ABC Engenharia nasceu em uma conjuntura favorável sob a ótica da
demanda, afinal as décadas de 1970 e 1980, conforme indicado no relato histórico,
representaram um período de significativo investimento no sistema elétrico de
potência, em especial do Estado de Pernambuco. Embora não tenha sido responsável
por moldar o ambiente, beneficiou-se de tal condição favorável, diante do reduzido
grau de competição entre concorrentes e da eficácia de sua gestão do relacionamento
com stakeholders. Este foi, conforme indicam os dados levantados, fator determinante
para a legitimidade perante os clientes e a consequente captura de valor do ambiente,
construção e consolidação da imagem e reputação da firma.
A demanda por obras de eletrificação não significou, contudo, inexistência de
barreiras ao crescimento. A reduzida capacidade de investimento da organização, a
sazonalidade de obras, totalmente vulnerável à conjuntura política, e o contexto
familiar turbulento do final da década de 1980 representaram ameaças à continuidade
de existência da organização, que ainda buscava a estabilidade de suas operações.
Contudo, a versatilidade empreendedora e a habilidade de levantar recursos
asseguraram à firma o crescimento e a renovação através de movimento de
diversificação relacionada, por meio da captação de contratos para execução de obras
civis.
243
Ao longo do período caracterizado pelo estágio 01, foi possível identificar
indícios que apontam para evolução incremental de uma estrutura simples,
fundamentada na centralização de poder e supervisão direta dos fundadores, que
efetivamente estiveram envolvidos diretamente na execução de tarefas rotineiras,
incluindo a supervisão técnica de obras. Tal característica guarda significativa relação
com o estágio de existência (CHURCHILL & LEWIS, 1983), durante o qual os
fundadores tem orientação técnica e seu esforço está voltado à captação de clientes
e entrega dos serviços contratados. Este traço organizacional foi gradualmente
alterado à medida que o ingresso de familiares à firma, seu próprio crescimento e
estabilização das operações promoviam a gradativa delegação de autoridade e
alocação de funções aos diretores, todos membros da família. O poder de tomada de
decisão, contudo, permanece centralizado no topo.
É forte a interação entre os sistemas organização, negócio e família durante o
período compreendido pelo estágio 01, sendo, inclusive, a própria raison d’être da
organização servir às necessidades da família. Esta, ao mesmo tempo que oferece
contexto para decisões da organização, também pode prover a organização com
serviços gerenciais e recursos financeiro que, em alguns momentos, significaram
folga para explorar oportunidades produtivas de crescimento lucrativo (PENROSE,
1959), através da captação de contratos de serviços e até mesmo da diversificação
relacionada das operações, com a realização de obras civis e fornecimento de mão
de obra para prestação de serviços gerais.
Condições ambientais favoráveis não significaram ausência de dificuldades no
processo de criação e captura de valor. Contudo, uma situação propícia ao
crescimento e à renovação foi alcançada a partir de um alto nível de
empreendedorismo. A resposta adequada ao desafio do empreendedorismo foi
suportada especialmente pelas habilidade de a organização levantar recursos e
versatilidade. Estas, por sua vez, contribuíram para a ativação do motor de
crescimento contínuo (FLECK, 2003), segundo o qual a própria instabilidade
operacional e o modelo de contratação em vigor induziam ao esforço constante para
captação de contratos, para utilização de mão de obra disponível e garantia da
continuidade de existência da firma.
A despeito de características piedosas do ambiente em níveis institucional e
competitivo, a satisfatória resposta aos desafios do empreendedorismo e da
navegação no ambiente, segundo evidências coletadas, está associada à atuação de
244
seus fundadores, tendo a eficácia da resposta ao desafio da navegação do ambiente
a partir da gestão dos stakeholders contribuído para a captura de valor do ambiente
e consolidação das imagem e reputação organizacionais, à medida que a rede de
relacionamentos dos fundadores abriu espaço para a captação de contratos. Estas
constatações reforçam a caracterização do referido período enquanto estágio inicial
de existência (CHURCHILL & LEWIS, 1983).
A antecipação e formação de recursos humanos gerenciais e técnicos não se
configuraram traço organizacional marcante, dadas as restrições à formação e
retenção de equipes imposta pela baixa previsibilidade de obras e instabilidade das
operações. A dinâmica de execução das obras e a sazonalidade de contratações
induziam à utilização de mão de obra subcontratada, o que dificulta a construção da
unidade entre as equipes e reforça a ocorrência de elementos característicos da
primeira fase de crescimento proposta por Churchill e Lewis (1983). Este fato oferece
evidência da baixa disponibilidade de recursos operacionais característica deste
primeiro período, sejam ativos fixos, seja recursos humanos.
Dado o pequeno porte da organização à época, a diversidade não constituía
desafio preponderante. A coesão organizacional era assegurada pela supervisão
direta dos fundadores, que estavam efetivamente envolvidos nas tarefas cotidianas e
desenvolviam um relacionamento transparente e comprometido com os funcionários,
o que contribuiu para o alinhamento de valores organizacionais àqueles da própria
família. Ademais, o ingresso de familiares à organização reforçou o alinhamento de
objetivos entre os sistemas família e organização.
Problemas decorrentes da complexidade advinda do crescimento, por sua vez,
foram tratados de maneira ad hoc sem que tenham sido coletadas evidências de
desenvolvimento de competências para resolução sistemática de situações
complexas. Os sistemas de controle e informação eram mínimos ou inexistentes, não
contribuindo para o aprendizado e a sistematização da tomada de decisão.
Além disto, há uma série de restrições que criavam barreiras à geração de folga
de recursos organizacionais e limitavam a capacidade de crescimento da firma.
Contudo, à medida que a organização conseguia estabilizar suas operações e provar
sua viabilidade, dois mecanismos alimentaram o processo de renovação e
crescimento organizacional: o envolvimento familiar intergeracional e a estrutura de
empresas coligadas. Ambos forneceram bases para a transição do estágio de
existência para aquele de sobrevivência (CHURCHILL & LEWIS,1983).
245
A Figura 5-3 apresenta a análise das respostas organizacionais aos desafios
do crescimento durante o estágio 02 de desenvolvimento organizacional. As
evidências encontradas indicam a ocorrência de inconsistências nas respostas à
condição de integridade organizacional, o que pode comprometer a longevidade de
longo prazo da organização.
Figura 5-3 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 02.
O início da década de 1990 significou período de expansão das operações da
ABC Engenharia e sua coligada, Livre Serviços Gerais. A diversificação para obras
civis e o próprio crescimento inercial a partir da consolidação de sua posição
competitiva como prestadora de serviços demandaram da organização modificações
em sua estrutura, operacionalizados por meio da ampliação do envolvimento familiar
intergeracional na empresa. Estes ajustes ocorreram principalmente a partir de uma
primeira alocação de responsabilidades funcionais entre os familiares integrantes da
organização e posteriormente a expansão das áreas administrativas. Contudo, a
informalidade de processos e sua baixa padronização permanecia, enquanto sistemas
de controle seguiam mínimos.
A firma expandira sua arena de competição, o que aumentava sua exposição
ao ambiente. Resultado deste processo foi o aumento da diversidade de recursos
organizacionais e, consequentemente, da complexidade para sua gestão. Desta
maneira, a decisão de buscar na família gestores para a organização servia a
246
objetivos familiares, mas também necessidades organizacionais, que demandavam
serviços gerenciais para gestão das operações e folga de recursos para promover
novas expansões.
Tal folga de recursos representou combustível adicional à atividade
empreendedora, uma vez que a segunda geração ativou mecanismos de
monitoramento do ambiente para a captação de novos contratos, fazendo uso da
estrutura da firma coligada, de maneira complementar às atividades desenvolvidas
pela ABC Engenharia. Esta estrutura atuou não só como mecanismo de renovação e
ampliação de portfolio, mas também como estratégia de proteção da organização
frente a concorrência.
Logo, materializava-se a primeira consequência do movimento inicial de
crescimento, o aumento da complexidade organizacional de uma entidade viável, com
volume de serviços suficiente para sua manutenção (CHURCHILL; LEWIS, 1983).
Segundo estes autores, o foco estratégico da organização deixa de ser sua existência
e passa a ser a sobrevivência.
No período que compreende o segundo estágio de desenvolvimento, o
ambiente mantém a predominância de características piedosas de não punição às
ineficiências. Há baixa diferenciação e amplo número de players de pequeno porte
que, em detrimento da rentabilidade e da demanda por obras e serviços no setor
elétrico, não representam competição feroz. Apesar disso, devido à natureza estatal
das concessionárias de serviços públicos, tem-se um ambiente bastante politizado,
no qual o relacionamento é elemento central no desafio da navegação no ambiente.
Neste sentido, há evidências de que a organização tenha respondido adequadamente
às pressões institucionais e competitivas através de eficaz gestão de stakeholders,
que contribuiu para condição favorável à renovação e ao nível de empreendedorismo
acima destacado.
Todavia, um maior portfolio de serviços possibilitou a estabilização operacional
da firma e impulsionou a captação de recursos para responder à necessidade de
pessoal para as equipes de campo e até para desenvolver atividades de supervisão
e de gestão. O crescimento quantitativo de recursos produtivos das duas firmas
coligadas, bem como a expansão da área geográfica de atuação representaram
acréscimo do grau de heterogeneidade, para o qual a supervisão direta dos familiares
e o relacionamento de proximidade entre a família e funcionários permanecia principal
mecanismo de coordenação e coesão. Além disso, a estrutura de firmas coligadas
247
permitia o compartilhamento de recursos organizacionais, não sendo a formação de
equipes qualificadas um desafio significativo para a organização, que recrutava e
retinha mão de obra com relativa facilidade.
O envolvimento da segunda geração da família, ao passo que acomodou a
disponibilidade de recursos gerenciais comprometidos às necessidades da
organização, também ativou mecanismos que provocaram conflitos internos, o que
representou forte ameaça de fragmentação organizacional. O conflito entre familiares
definiu um confronto político que resultou em crise institucional. A impossibilidade de
manter a coalizão entre os sócios frente a questões de caráter sucessório advindas
de tais mecanismos conduziu à cisão da sociedade existente e ao estabelecimento de
uma nova firma coligada, o que permitiu à organização continuidade dos mecanismos
acima descritos.
Não se identificou o desenvolvimento de competências para lidar com
problemas de maneira sistemática. O padrão ad hoc de solução de problemas pode
ser percebido nos fatos que deram origem à arena política que se estabeleceu na
organização e os conflitos deles decorrentes.
Merece destaque a dificuldade de produção de folga financeira durante este
período, o que esteve atrelado ao gradativo aumento da dependência organizacional
em relação ao seu cliente principal e os atrasos de pagamento. Esta condição denota
períodos de falta financeira e baixa capacidade de investimento, o que pode ter
provocado restrições ao crescimento organizacional. Este fato, aliás, indica a
ocorrência de uma característica apontada por Churchill e Lewis (1983) como
característica de organizações em estágio inicial de desenvolvimento, que é a
importância reativa do fator gerencial da capacidade de gerar caixa para a firma.
Em contrapartida ao consumo da folga financeira, o processo de crescimento
permitiu a geração de folga de recursos intangíveis associados à imagem e à
reputação da organização, bem como a produção de conhecimento técnico. Além
disso, a disponibilidade de pessoal experiente abria também a possibilidade de a firma
alocar equipes entre as áreas operacionais, notadamente os contratos de prestação
de serviços e execução de obras, segundo a necessidade, dado o fácil intercâmbio de
recursos, sendo a disponibilidade de tais recursos um mecanismo de estímulo a novas
expansões, a exemplo da diversificação para o segmento de telecomunicações.
A avaliação das repostas identificadas no terceiro estágio de desenvolvimento
organizacional é apresentada na Figura 5-4. Neste estágio, foram observados indícios
248
de que, embora alterações nas dimensões ambientais tenham contribuído para o
crescimento organizacional, a ABC Engenharia não apresentou consistência no
padrão de resposta no processo de criação e captura de valor, o que prejudicou sua
capacidade de crescimento e renovação.
Figura 5-4 - Respostas organizacionais aos desafios do crescimento, estágio 03.
O fim da década de 1990 e início dos anos 2000 trouxeram profundas
transformações na dinâmica ambiental do setor elétrico. Se por um lado as reformas
no modelo institucional ampliavam oportunidades de negócios no setor e
impulsionavam o crescimento das prestadoras de serviço, à medida que as
privatizações das concessionárias estatais ocorriam, por outro o ambiente tornou-se
significativamente mais desafiador, em todas suas dimensões. Regulamentações de
ordem técnica representaram significativa pressão sobre os players, enquanto
também a arena competitiva passava a ter maior ferocidade da competição,
fomentada sobretudo pela maior atratividade dos contratos sob modelo privatizado,
que impulsionaram o crescimento dos players locais e atraíram outros de porte
regional e nacional.
O acirramento da competição foi consequência de decisões da concessionária
acerca de seu modelo de negócios, que buscou a redução do número de prestadores
de serviço e consequentemente expansão do porte daqueles remanescentes, através
da concentração de volume de serviços em contratos de maior duração e volume
249
financeiro. Este processo instituiu novas diretrizes ao relacionamento comercial e
dinâmica operacional entre empresas prestadoras de serviços e a Celpe, o que abriu
oportunidades para captura de valor pela ABC Engenharia.
A disposição da organização em responder às alterações ocorridas no
ambiente de negócios criou condições favoráveis ao crescimento, sobretudo a partir
de sua capacidade de captar recursos para investimento na renovação e ampliação
da capacidade produtiva. A condição de empresa-âncora representou importante
instância de renovação e conduziu a organização ao subestágio de sucesso-
crescimento denominado por Churchill e Lewis (1983), quando há a orientação de
buscar crescer através da potencialização de investimentos e da capacidade de captar
recursos, o que provocou significativa mudança no perfil de risco da organização.
Estas ações representaram movimentos de expansão geográfica, que contribuiu para
a ativação do processo de geração de excedente de recursos organizacionais
importantes para a ocorrência de crescimento em períodos subsequentes, tal qual
defende Fleck (2009) ser um processo de crescimento saudável.
Não apenas a mudança no ambiente demandou da organização capacidade
de alterar seu status quo e adaptar-se às novas regras do jogo, como também a
expansão quantitativa e as novas condições de prestação de serviço para a Celpe
privatizada elevaram a complexidade e heterogeneidade internas. Diante disto, teve
início um processo de ajustes na estrutura organizacional aqui denominado de
burocratização da estrutura simples, através do qual buscou-se promover maior
controle gerencial e padronização, em resposta a pressões externas por eficiência
operacional, com o cuidado de evitar o enrijecimento da burocracia excessiva.
Houve, então, mudanças no que se refere à especialização das áreas
administrativas, padronização e burocratização de processos, qualificação de pessoal
e realocação de responsabilidades administrativas aos profissionais de supervisão
funcional. Paralelamente, a organização passa a ter gerentes médios, que respondem
por áreas funcionais diretamente à diretoria-família, que mantém centralizado o poder
de decisão. Ademais, também em resposta às tendências externas, ocorre a
implementação dos sistemas gerenciais de controle. Entretanto, a centralização do
poder de decisão é característica mantida.
A complexidade advinda do crescimento, pressões institucionais sobre a
legitimidade do modelo de prestação de serviços característico da fase privatizada
das concessionárias elétricas e a complexa dinâmica operacional representaram
250
fatores limitantes à atividade empreendedora. Resultado disto é o que pode ser
chamado de surtos de empreendedorismo, caracterizados por uma atividade
empreendedora de natureza pendular e intermitente, ou seja, acontecendo de
maneira pontual, não em base contínua.
Tal comportamento é resultado da pressão sobre a gestão em agir para
sustentar a existência continuada da organização, o que não configura prática
saudável e pode provocar períodos de estagnação (WEITZEL & JONSSON, 1989;
FLECK, 2009). Diferentemente da situação anterior, em que a orientação ao
crescimento induziu a renovação organizacional, a intermitência do processo de
criação e captura de valor pode comprometer a capacidade de crescimento e
renovação.
Restrições à ativação do motor de crescimento contínuo (FLECK, 2003) foram
impostas por dificuldades relacionadas à gestão da complexidade, o que implica em
um consumo excessivo de recursos gerenciais para solução de problemas e captura
de valor, reduzindo a folga de energia e tempo dos gestores para dedicar-se a
iniciativas empreendedoras, de modo que se observa maior inatividade quanto à
captação de novos contratos. Esta mudança representa aquilo que Churchill e Lewis
(1983) consideram ser um subestágio de desenvolvimento em que a gestão considera
ter a organização alcançado tamanho suficiente para garantir o sucesso e o
crescimento deixa de ser o foco estratégico, mas a estratégia principal da firma passa
a ser a de manutenção do status-quo.
Em decorrência disto, observou-se menor nível de empreendedorismo na
organização, com evidências de respostas adequadas e inadequadas à propensão de
crescimento saudável, tendo em vista o risco de sua capacidade de criar e capturar
valor fica condicionada à habilidade organizacional em adaptar-se a mudanças
ambientais sem prejudicar sua competitividade. Apesar disto, não pode ser ignorado
o esforço organizacional desprendido para o monitoramento do ambiente dinâmico.
Este empenho pode ser constatado principalmente por meio de mecanismos de
acompanhamento da ação da concorrência, participação em tomadas de preço e
licitações, e principalmente através da associação a entidades setoriais.
O crescimento ampliou a exposição da firma ao ambiente. Se antes a firma era
contratada por períodos mais curtos ou para a realização de projetos específicos, no
período mais recente ela passou a integrar a cadeia de valor segundo a nova lógica
de apropriação de valor do modelo de terceirização estratégica do setor elétrico. Isto
251
significou importantes mudanças no relacionamento com o cliente, nas barreiras
competitivas, na dinâmica operacional e também nas exigências técnicas e legais a
nível institucional, impactando negativamente na resposta ao desafio da navegação
no ambiente dinâmico.
Naturalmente, a organização viu crescer a diversidade de seus recursos, quer
decorrente da ampliação de seu escopo de atuação ou mesmo da pluralidade de
recursos humanos atuando em suas atividades. Apesar de concentrar as atividades
em uma mesma área de atuação, durante este período, menor grau de coordenação
entre as empresas coligadas e suas áreas operacionais foi identificado, o que refletiu
restrições ao compartilhamento de recursos. Cabe à diretoria-família a coordenação
entre as áreas, contribuindo para a flexibilidade operacional, fator importante para a
captura de valor de seu ambiente.
Contudo, foi possível identificar indícios da infusão de valores que contribui
para manter coesa a estrutura social da organização, fruto principalmente do padrão
de relacionamento construído entre a diretoria-família e os funcionários. Há a
indicação de ser a memória de seu presidente um mito integrador fundamentado em
sua atitude de líder institucional, que inspira posicionamentos e decisões adotados
pela diretoria-família, bem como simboliza a identidade à organização, na visão de
funcionários entrevistados.
O contexto familiar também sofreu significativa alteração, com impacto sobre a
integridade organizacional. O falecimento de seu fundador conduziu a organização a
um processo sucessório emergente, em que a segunda geração da família assumiu
a condução do negócio. Esta condição reforça o método apagar incêndios com que
questões complexas são tratadas pela organização e indica a inexistência de planos
sucessórios em todos os níveis organizacionais. Embora não se tenha obtido dados
que indiquem a ocorrência de uma crise institucional, tal qual ocorrida em meados da
década de 1990, este processo esteve associado também à instauração de uma arena
política ativada por divergências quanto às estratégias para conduzir a organização e
reformas em sua estrutura.
A comparação das necessidades relativas à provisão de recursos humanos
entre o estágio presente e os anteriores indica a dificuldade de a organização
responder a este desafio de maneira antecipada. Um dos grandes desafios que se
constitui no período recente é o de prover a organização com serviços gerenciais,
252
condição esta tolhida pela estrutura centralizada de poder, que atua como entrave à
formação de equipes gerenciais capacitadas.
Conforme mencionado anteriormente, o estágio atual veio acompanhado do
aumento do grau de complexidade inerente aos desafios impostos pelo crescimento
da organização: pêndulo do empreendedorismo, navegação no ambiente desafiador,
gerenciamento de recursos heterogêneos e planos de capacitação de pessoal.
Ademais, a conexão entre as áreas permanece uma tarefa desafiadora, enquanto o
ambiente demandante reforça as barreiras organizacionais à sistematização da
solução de problemas, o que prejudica o aprendizado, a despeito do esforço
desprendido para implantação de sistemas de controle gerencial.
Este estágio representou significativa mudança no padrão de gestão sobre a
folga de recursos organizacionais, em especial no que se refere à folga de recursos
financeiros e capacidade de investimento. A organização beneficiou-se do acesso ao
crédito, que viabilizou a expansão da estrutura física e gerou folga de recursos, fator
de estímulo às novas expansões. Neste sentido, percebeu-se significativa mudança
na capacidade de investimento da firma e sua aversão a risco. A maior disposição da
gestão e capacidade organizacional de investir contribuíram, assim, com mecanismos
de renovação de recursos organizacionais e ampliação da disponibilidade de ativos
fixos, tais quais frota e equipamentos, o que em si oferecem incentivos a novas
expansões.
253
6 CONCLUSÃO
O sucesso e o fracasso são questões chave para acadêmicos e gestores
profissionais. Pouco consenso existe, entretanto, sobre quais fatores distinguem uma
empresa de sucesso de uma outra que trilhou seu caminho rumo ao declínio e,
possivelmente, à extinção.
Um único roteiro para o sucesso simplesmente parece não existir; ao contrário,
o modelo proposto por Fleck (2009) sugere que a combinação de práticas construtivas
e sustentáveis de respostas aos desafios do crescimento deve ser constantemente
promovida. Nesta perspectiva, gestores responsáveis devem perseguir as condições
necessárias, porém não suficientes, para a trajetória de autoperpetuação: a
renovação e a integridade organizacionais, associadas a processos que geram folga
suficiente para alimentar aqueles mecanismos. Tal noção está associada ao conceito
de sucesso organizacional de longo prazo, o que não equivale necessariamente à
ideia de prosperidade e crescimento imediatos.
Neste sentido, o presente estudo buscou desenvolver análise sobre como
aspectos envolvendo a tríade organização-negócio-família influenciaram o caminho
percorrido pela ABC Engenharia. Utilizou-se de metodologia baseada na abordagem
panorâmica (FLECK, 2014), que parte do resgate histórico da organização e busca
incorporar dimensões múltiplas de estudo, para responder à pergunta de pesquisa:
De que maneira a inter-relação família-organização pode impactar os requisitos
para a renovação e continuidade de existência em empresas familiares?
Diante deste propósito, a abordagem panorâmica e o estudo longitudinal da
organização ofereceram um panorama de como a organização respondeu aos
desafios do crescimento ao longo de seus estágios de desenvolvimento. A partir deste
panorama, e sob a ótica dos temas debatidos pela literatura acerca das empresas
familiares, foi possível analisar a influência mútua entre organização e família. Isto
tornou possível a abordagem de temas como sustentabilidade entre gerações,
socialemotional wealth e sucessão e os efeitos provocados sobre as respostas
organizacionais aos desafios do crescimento.
A trajetória organizacional da ABC Engenharia permitiu a identificação de três
diferentes períodos cujas características e traços organizacionais guardam
similaridade com os três primeiros estágios de desenvolvimento, segundo o modelo
proposto por Churchill e Lewis (1983). O paralelo desenhado entre tal modelo teórico
254
e os desafios do crescimento permitiu associar mudanças organizacionais observadas
entre os períodos a ajustes estruturais que buscaram o alinhamento entre estratégia,
estrutura e ambiente, conforme conceito proposto por Miller e Friesen (1978). Assim,
pode-se identificar fontes de mudanças internas e os efeitos destas sobre a propensão
à longevidade saudável da organização.
O estudo apontou ser a natureza familiar da ABC Engenharia origem
importante de seus principais traços organizacionais. Há evidências que indicam a
íntima associação entre aspectos familiares e organizacionais relacionados aos fatos
e dados analisados. Observou-se que ofereceu contexto de decisão, ao passo que
também constituiu stakeholder fundamental para manutenção da integridade
organizacional, embora tenha sido percebida certa variação no nível de interação
direta entre a família e a firma ao longo dos anos, sobretudo à medida em que esta
começa a apresentar indícios de formação de seu caráter organizacional, a partir da
infusão dos valores da família na organização. Notou-se, contudo, ser aquela
característica especialmente relevante no que diz respeito à interação entre os
sistemas família e organização quando da ocorrência de acontecimentos importantes
no contexto interno familiar, ou mesmo eventos de transição, tal qual sugerem
RANDERSON et al. (2015).
Mudanças observadas no ambiente em si também imprimiram pressões à
organização e sua trajetória. Transformações significativas ocorreram em nível
institucional e exerceram influência sobre a arena competitiva e sua dinâmica, desde
o período de fundação da firma, quando se tinha um ambiente de características
piedosas, até o período mais recente, em que, a partir do modelo de terceirização
estratégica (SOUZA & RADOS, 2011), o ambiente passou a exercer pressões mais
desafiadoras sobre a condução do negócio. As transformações ambientais impuseram
à ABC Engenharia necessidade de adaptar suas estratégia e estrutura, de modo que
ineficiências econômicas não comprometessem seu desenvolvimento, fato que
corrobora a visão de Chandler (1962) e Miller e Friesen (1978).
A curva longitudinal de crescimento (Gráfico 5-1) apresenta o crescimento da
organização e destaca a expressividade deste a partir do final da década de 1990 e
início dos anos 2000. Neste período, foram encontradas evidências de estar a
organização orientada ao crescimento. Porém, o sucesso de longo prazo exige a
continuidade das respostas consistentes aos desafios oriundos do processo de
crescimento. O sucesso passado, ou mesmo presente, não é uma previsão do futuro,
255
sob a perspectiva de longo prazo utilizada neste estudo. Além disso, os desafios do
crescimento fazem com que quanto mais uma firma cresça, mais complexas se
tornem as dimensões a este processo associadas.
Neste sentido, os resultados deste trabalho apontam para o fato de que alguns
aspectos organizacionais perderam fôlego ao longo do tempo, o que implicou maiores
dificuldades de resposta aos desafios advindos do crescimento, quer em razão da
evolução de estágio de desenvolvimento, quer pelas próprias transformações
ambientais e a complexidade delas resultantes. Isto posto, a Figura 6-1 resume o
diagnóstico do comportamento organizacional relativo a cada um dos elementos do
mecanismo central do crescimento saudável, segundo o modelo dos arquétipos de
sucesso e fracasso organizacional (FLECK, 2009), ao longo dos estágios de
desenvolvimento (CHURCHILL & LEWIS, 1983) identificados. O Quadro 6-1, por outro
lado, apresenta as principais constatações e resultados do processo de análise.
Figura 6-1 - Mapa visual da trajetória organizacional.
256
Quadro 6-1 - Resumo das respostas aos desafios do crescimento, ao longo dos estágios de
desenvolvimento organizacional.
257
A análise sobre como a ABC Engenharia lidou com as questões ambientais e
organizacionais, em cada um dos três estágios de desenvolvimento, indica
deterioração da propensão organizacional à longevidade saudável, conforme pode-se
constatar no mapa visual da Figura 6-1. Enquanto aspectos institucionais ligados à
estrutura social da organização parecem receber relativa atenção, aspectos técnicos
associados aos processos de criação e captura de valor parecem ter ficado em
segundo plano.
Respostas menos efetivas durante o período mais recente fizeram com que a
empresa reduzisse sua propensão à autoperpetuação, gerando um sinal de alerta
sobre a ameaça do processo de declínio organizacional. Tal constatação reflete a
redução da taxa de renovação organizacional, o que compromete a capacidade de
criação e captura de valor. Há evidencias de que falhas na adaptação a pressões
internas ou externas decorrentes de mudanças da dinâmica ambiental prejudicaram
a orientação da organização ao crescimento e, consequentemente, comprometeram
iniciativas empreendedoras observadas na primeira metade do estágio 03.
Entretanto, a observação sob a ótica da inter-relação família-organização e da
condição de integridade organizacional permitiu identificar a continuidade como fator
marcante da trajetória organizacional a despeito de eventos externos e mesmo
confrontos internos. Este aspecto indica o êxito da organização em se manter coesa
e preservar sua integridade, o que converge com o que defendem Taguri e Davis
(1996) acerca da propensão de firmas familiares à constituição de senso de propósito
e de identidade, a partir do que estes autores chamaram de atributos bivalentes,
aqueles decorrentes precisamente da intersecção entre família e organização.
Apesar de não haver indícios suficientes para se afirmar a instauração de um
processo de institucionalização, constatou-se haver traços organizacionais relevantes
que indicam a formação do caráter organizacional, cuja constituição remete aos
valores fundamentais da própria família e ao imprinting deixado pela geração
fundadora. Não houve ruptura em decorrência de transferência entre gerações e
sucessão, embora conflitos pontuais tenham tido origem relacionadas a elementos
advindos deste processo. Ademais, há indicativos de que a disponibilidade de
recursos humanos comprometidos e com energia na terceira geração conjuntamente
a continuidade do envolvimento de gerações anteriores favorecem a transição entre
gerações e amplia as perspectivas para o futuro.
258
Deste modo, pode-se constatar que o fato de ser a ABC Engenharia uma
empresa familiar não traz per se maior ou menor propensão ao crescimento saudável.
Seu sucesso é condicionado à capacidade de a família transmitir às gerações
posteriores a capacidade de renovar e manter íntegra a organização. Este esforço
torna-se ainda mais relevante frente ao risco de afastar-se do polo positivo da
autoperpetuação.
259
APÊNDICES
APÊNDICE I - O setor elétrico brasileiro
O setor elétrico brasileiro é composto basicamente por três grandes
segmentos: geração, transmissão e distribuição. O segmento de geração de energia
elétrica compreende agentes geradores públicos, produtores independentes e
autoprodutores. Por sua vez, o segmento de transmissão é composto por agentes
detentores das linhas de transmissão, responsáveis pelo transporte de grandes
quantidades de energia provenientes das unidades geradoras e que podem fornecer
energia elétrica diretamente para consumidores livres e especiais, a partir de
negociações no Ambiente de Contratação Livre (ACL), ou para os distribuidores, que
compõem o segmento de distribuição, estes responsáveis por distribuir energia
elétrica aos consumidores livres, especiais ou cativos, cuja fornecimento ocorre no
Ambiente de Contratação Regulada (ACR).
O modelo institucional tal qual se apresenta na atualidade é o resultado de um
longo processo de evolução em que agentes econômicos e instituições respondem a
forças atuantes sobre o cenário competitivo da indústria por razões tecnológicas,
regulatórias e econômicas. Por isso, para que se entenda os desafios e oportunidades
presentes no ambiente competitivo em que a organização objeto de estudo está
inserida, faz-se necessário compreender a dinâmica de seu ambiente, abrangendo a
evolução do funcionamento do mercado e a lógica institucional da regulação estatal.
Com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor quanto aos principais
eventos apresentados no texto referente ao processo de evolução e
institucionalização do setor elétrico brasileiro, foram montadas algumas figuras: uma
linha do tempo que resume os principais marcos acontecidos de 1900 até 1975 (vide
Figura I-1); uma linha do tempo que resume os principais marcos acontecidos de 1975
até 2015 (vide Figura I-2)
260
Figura I-1 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1900 a 1975.
261
Figura I-2 - Linha do tempo do setor elétrico brasileiro, período de 1975 a 2015.
262
O modelo estatal centralizado (até 1995)
Conforme expõe Cuberos (2008), a história da eletricidade no Brasil tem início
com a iluminação da Estação Central de Ferro D. Pedro II, ainda durante o período
final do Império. À época, a organização do setor elétrico sofria pouca interferência do
Estado, que se limitava a impor medidas isoladas de regulamentação e de concessão
de aproveitamentos hidrelétricos e fornecimento de serviços. Por conseguinte, a
criação e expansão do sistema aconteceram de forma descentralizada, sendo as
experiências pioneiras voltadas para a iluminação e o transporte públicos, através de
capital privado (SILVA, 2011).
A partir da instauração da República Velha e da promulgação da Constituição
de 1891, estabeleceu-se que as concessões para prestação de serviços de
eletricidade no tocante ao segmento distribuição seriam outorgadas pelo executivo
municipal, enquanto caberiam aos governos estaduais o poder relativo ao
aproveitamento e utilização de quedas d’água, segundo explica Silva (2011). O autor
aponta ainda que este período seria marcado por grande parte das usinas geradoras
de eletricidade pertencerem a concessionários e autoprodutores distintos, que, sem
regulação federal existente naquele momento, atendiam diversas regiões segundo
acordos de prestação de serviço em níveis regional ou contratos bilaterais. Naquele
momento, tinha-se no país um setor elétrico fortemente descentralizado, no qual os
agentes pioneiros de distribuição eram resultado de investimento de capital privado –
estrangeiro, em muitos casos – que detinha também ativos geradores e de
transmissão locais.
A tendência de consolidação da presença do capital estrangeiro no setor
elétrico brasileiro transformou a organização da indústria de energia elétrica no Brasil.
Tal constatação, segundo destacam Gomes et al. (2002), é evidenciada pelo fato de,
a partir de 1930, que a maior parte das atividades ligadas à energia elétrica
concentrava-se nas mãos dos grupos estrangeiros Light e Amforp, ocupando um
espaço até então detido por capital nacional (SILVA, 2011). Enquanto o grupo Light
abrangia regiões dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a Amforp incorporava
concessionárias do interior paulista, além dos estados de Bahia, Pernambuco, Rio
Grande do Sul e Minas Gerais, o que acelerou o processo de concentração e
centralização das empresas concessionárias de energia elétrica.
263
Diante deste contexto que, sob o governo Getúlio Vargas, o Código das Águas
foi promulgado em 1934, episódio que exerceu suma importância sobre a evolução
do setor elétrico e o novo modelo institucional que seria instaurado nas próximas
décadas. Cuberos (2008) destaca que este foi o primeiro ato do governo federal com
efetivo poder de regulamentação dos serviços e da indústria de energia elétrica no
Brasil, através do qual a União teria poder de concessão dos serviços de utilidade
pública derivados do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro.
Ao mudar a relação do Estado com o setor elétrico e conferir maior rigidez aos
princípios regulatórios, Gomes et al. (2002) relata uma conjuntura de incerteza
regulatória e desestímulo a investimento por parte dos grupos estrangeiros instalados
no país tanto no que diz respeito a capacidade de geração, quanto de distribuição.
Era urgente a expansão da capacidade instalada no país sob a premissa de que, caso
novos investimentos não fossem realizados, a capacidade de industrialização do
Brasil e crescimento dos centros urbanos estariam ameaçados (SILVA, 2011).
O Estado brasileiro respondeu a partir de 1945, quando, por meio de decreto,
amplia seu papel além das atribuições reguladoras e fiscalizadoras. O governo federal
passa a investir diretamente na produção de energia hidrelétrica com o surgimento da
Companhia Hidro Elétrica do São Francisco naquele mesmo ano, empresa que seria
responsável pelo suprimento de energia elétrica às concessionárias de serviços
públicos e distribuidoras de energia no Nordeste, atuando nas atividades de geração
e transmissão (GOMES ET AL, 2002). Além disso, estes autores destacam o Plano
Nacional de Eletrificação como desdobramento de ações na direção de um
planejamento econômico estatal centralizado. Lançavam-se as bases para atender
um modelo de crescimento impulsionado pelo Estado e, para isso, mudanças
institucionais no setor elétrico faziam-se necessárias para combater as características
monopolistas e a presença majoritária do capital estrangeiro numa atividade que
assumia importância para o desenvolvimento econômico do país (GOMES ET AL,
2002).
Assim, tem início um período em que ao Estado coube a autoridade sobre
concessão para novos investimentos em geração e transmissão, o que significou, na
prática, concentração sob seu comando dos principais ativos nestes segmentos do
setor elétrico. Neste sentido, tem-se como evidência os investimentos realizados pelo
governo federal para construção das grandes hidrelétricas, sobretudo a partir da
criação do sistema Eletrobrás e de suas subsidiárias, que, em níveis regionais,
264
controlariam os segmentos de geração e transmissão segundo o modelo centralizado
do setor elétrico.
Os próximos passos na direção deste projeto de desenvolvimento que trouxe
impacto sobre o modelo institucional do setor elétrico foi a constituição do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) – que passou a se chamar BNDES,
a partir de 1982 – o que permitiu compor o funding dos projetos de reaparelhamento
da infraestrutura e da instalação da indústria de base (GOMES ET AL, 2002). A
estratégia desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek impulsionou ainda a
criação da maior parte das companhias estaduais de energia elétrica e de mais uma
geradora, a Central Elétrica Furnas, controlada pelo governo federal e pelo estado de
Minas Gerais. Posteriormente, o surgimento da Centrais Elétricas Brasileiras SA
(Eletrobrás), em 1962, contribuiu para criar as condições institucionais e os
instrumentos financeiros necessário para a mudança de escala e de complexidade no
setor (GOMES ET AL, 2002). Além disso, houve a criação da Comissão de
Nacionalização de Empresas de Serviços Públicos, para nacionalização das
empresas do grupo Amforp, que deixou o Brasil no início da década de 1960. As
empresas da Amforp integraram o quadro de subsidiárias da Eletrobrás entre 1965 e
1968, quando foram incorporadas, em sua maioria, às concessionárias públicas
estaduais.
Todas estas medidas foram viabilizadas através da criação do Ministério de
Minas e Energia (MME), como desdobramento do chamado Plano de Metas do
governo Juscelino. O MME incorporou o Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica (Cnaee) e a Divisão de Águas do Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) do Ministério da Agricultura, incluindo na sua jurisdição a Chesf.
Segundo Ferreira (2000), a criação da Eletrobrás permitiu a implementação do
sistema centralizado, à medida que, vinculada ao ministério de Minas e Energia, tinha
como atribuições planejar e coordenar o setor elétrico, desempenhar funções de
holding de concessionárias locais sob controle federal e administrar recursos
financeiros destinados a obras de expansão da base produtiva do setor, papel antes
desempenhado pelo BNDES (GOMES ET AL, 2002). A holding federal tinha ainda o
controle acionário da maioria dos ativos de transmissão e geração através de quatro
subsidiárias: Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas.
Além disso, a Eletrobrás detinha 50% do capital acionário da Itaipu Binacional
e exercia ainda os papeis de ‘banco setorial’, ao gerir os recursos setoriais
265
arrecadados, e coordenadora técnica setorial, ao coordenar o planejamento da
expansão do sistema. Como resultado, entre o fim da década de 1970 e início da
década de 1980, observou-se a estatização quase que completa do setor elétrico
brasileiro, em que a Eletrobrás exercia papel dominante, o que estava alinhado aos
objetivos estratégicos do Estado brasileiro.
Também em termos técnicos e econômicos, tal sistema era considerado o
modelo mais eficiente. A decisão ocorrera sob consideração das dimensões
continentais do país e seu enorme potencial hidrelétrico (FERREIRA, 2000). Segundo
o autor, as significativas economias de escala resultantes da implementação das
grandes usinas elétricas apontavam para os benefícios da criação de um sistema
interligado de transmissão de energia no qual empresas de serviço público dividiam
custos relativos às linhas de transmissão. Ferreira (2000) aponta ainda que o grande
dispêndio com ativos fixos favoreceu a cooperação entre as empresas envolvidas,
sendo a criação de monopólios regionais de distribuição o primeiro passo para
implementar o modelo centralizado.
No que tange o segmento de transmissão, o novo modelo institucional criara
dois sistemas principais, que eram interligados (FERREIRA, 2000). O primeiro
atenderia as regiões Norte/Nordeste, enquanto o segundo abrangeria as regiões
Sul/Sudeste. Cabia ao operador do sistema, o Grupo Coordenador da Operação do
Operação Interligada (GCOI), sob a direção da Eletrobrás, coordenar e otimizar a
operação do parque gerador, dada a complexidade operacional dos sistemas
interligados.
Já o segmento de distribuição de energia elétrica representava o mais elevado
grau de descentralização do modelo de propriedade estatal que regia o setor elétrico.
Foi deixado a cargo dos governos estaduais a propriedade sobre os ativos de
distribuição. Estes atendiam consumidores finais através das empresas monopolistas
que operavam em nível estadual, em sua maioria criadas entre os anos de 1943 e
1966. Havia estados que tinham seus territórios divididos por mais de uma
concessionária estatal, além de alguns locais onde as concessionárias estavam sob
controle direto da Eletrobrás (FERREIRA, 2000).
O autor relata que os governos dos estados mais ricos das regiões Sul e
Sudeste também implementaram programas de investimento em ativos de geração e
transmissão, promovendo integração vertical na cadeia, de forma a melhor acomodar
sua base industrial e economia de crescimento acelerado, o que chegou a representar
266
parte relevante do serviço público, conforme apresenta o Quadro I-1. Tal fato gerava
frequentemente conflitos entre as concessionárias verticalizadas estaduais e as
empresas do grupo Eletrobrás, especialmente quanto aos recursos disponíveis para
financiamento da expansão do sistema (WALVIS, 2014).
Quadro I-1 - Capacidade instalada das usinas elétricas (MW) – 1995.
Fonte: Oliveira (1997, p. 12) apud Ferreira (2000, p. 187).
Cuberos (2008) aponta o fim da década de 1960 e início da década de 1970
como o período em que o modelo centralizado do setor elétrico consolidou-se e atingiu
seu ápice, principalmente entre 1968 e 1973, fase conhecida como milagre
econômico. Silva (2011), inclusive, destaca a expansão das linhas de financiamento
externas como fator fundamental para o desenvolvimento econômico, com forte
impacto sobre os investimentos no setor. Ademais, sob o ponto de vista de receita dos
agentes estatais atuantes no sistema, alterações normativas permitiram geração de
recursos suficientes não apenas para funcionamento adequado do sistema, como
também para autofinanciar sua expansão (GOMES ET AL, 2002).
As bases financeiras sólidas e condições econômico-financeiras saudáveis do
setor permitiram que programas destinados à expansão da rede e da capacidade
geradora fossem implantados. Foi neste período que grandes programas de
267
eletrificação rural surgiram e relevantes investimentos hidrelétricos foram realizados
pelas empresas estatais para ampliação da base produtiva.
No entanto, Cuberos (2008) comenta que alguns de seus maiores problemas
também foram originados ao longo do período imediatamente subsequente. O
exposto por este autor vai em linha com o que relata Ferreira (2000) ao afirmar que o
modelo centralizado começou a mostrar sinais de fraqueza econômica e financeira a
partir dos anos 1980. Estas foram evidenciadas a partir da decisão do governo federal
de fixação de níveis tarifários como instrumento de combate à inflação, frente ao
comprometimento da trajetória de crescimento econômico equilibrado no final da
década de 1970, o que dá início a um gradativo processo de desgaste econômico-
financeira das concessionárias, que assistiam à deterioração real dos preços de
serviços públicos. Silva (2011) ressalta que, com a limitação de recursos próprios para
investimento no sistema, ganha espaço o endividamento externo do setor, que seguia
com metas ambiciosas de expansão da oferta.
Além da regulação restritiva imposta pelo agente regulador, as concessionárias
passaram a padecer de males ocasionados pelo seu próprio modus operandi. Ferreira
(2000) aponta a inexistência de incentivos ao aumento da eficiência operacional dos
ativos do setor elétrico, uma vez que um retorno confortável sobre o ativo era garantido
via tarifa. Também é apontado pelo como fator importante para a deterioração da
situação das concessionárias a ausência de restrições de financiamento nos anos 70
priorizar a economia de escala na decisão de investimento, o que resultou em
enormes dispêndios e longos períodos de maturação.
Ferreira (2000) destaca a queda significativa nos investimentos e necessidade
negativa de capital de giro por parte das empresas do setor, em especial aquelas sob
controle dos governos estaduais, o que agravou a situação de caixa destas empresas.
Em decorrência da crise, as concessionárias estaduais iniciaram um processo de
inadimplência em suas contas de energia comprada às empresas geradoras,
controladas pela Eletrobrás (GOMES ET AL, 2002), como estratégia de financiamento
e rolagem da dívida neste período, em especial por parte das distribuidoras dos
estados do Sul e Sudeste, tal qual afirma Silva (2011). Isto fez disparar o alarme para
a necessidade de revisão da organização do setor de energia elétrica e mudanças
nas suas regras de funcionamento.
Segundo o autor, duas tentativas de reversão da crise no setor elétrico ainda
na década de 1980 não obtiveram êxito, estas foram o Plano de Recuperação Setorial
268
e a Revisão Institucional do Setor Elétrico (REVISE). Apesar da não implementação,
Silva (2011) considera que as propostas deste último plano lançariam as bases para
as reformas ocorridas na década seguinte. Ferreira (2000) aponta a constatação no
início dos anos 90 de que o modelo centralizado se tornara ineficiente
economicamente e vulnerável financeiramente, o que iniciou o processo de redesenho
do setor elétrico.
O Modelo de Livre Mercado (1995 a 2003)
As medidas de reestruturação do setor começaram a ser adotadas a partir do
início da década de 1990, sobre uma nova base econômica que se desenhava, tendo
em vista a estabilização da economia. O modelo de crescimento impulsionado pelo
Estado esgotara-se e, a partir do governo Collor, introduzia-se uma ruptura com o
modelo existente de elevada participação estatal e proteção tarifária.
Na verdade, iniciou-se processo de abertura comercial e financeira do país, o
que abriu espaço para as privatizações. Silva (2011) expõe o fato de que, apoiado
pelo contexto internacional e insatisfação popular com alguns serviços estatais, o
governo federal deu início ao processo de privatização de empresas estatais a partir
do Programa Nacional de Desestatização (PND), em 1990, através da Lei 8.031/90.
O PND fora criado tendo em vista objetivos fiscais e de estabilização do balanço de
pagamentos através da captação de recursos internacionais, sendo os fundos
originados deste processo geridos pelo BNDES. Apesar de Gomes et al. (2002)
colocarem esta lei como importante marco para o novo modelo do setor, as
privatizações no setor elétrico só vieram a ocorrer a partir de 1995.
Também alterações significativas ocorriam diretamente no setor elétrico.
Gomes et al. (2002) destacam como condição prévia para que se implementasse o
novo modelo do setor a desverticalização da cadeia produtiva, separando as
atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia
elétrica, que passaram a ser tratadas como segmentos de negócio independentes.
Com o funcionamento de mercado baseado em empresas altamente verticalizadas,
chamadas empresas de ciclo completo, seria difícil promover transparência e
regulação eficientes (SILVA, 2011). O novo modelo iria, então, na direção da
desregulação da geração e comercialização, enquanto transmissão e distribuição
seguiriam tratadas como serviço público regulado, dada a natureza de monopólio
natural.
269
O primeiro passo para atender a condição prévia indicada por Gomes et al.
(2002) foi dado com a aprovação da Lei 8.631/93, que, ao estabelecer duas tarifas de
energia elétrica, permitiu o início do processo de desverticalização. Ferreira (2000)
afirma que a nova fórmula para fixação das tarifas seria baseada na estrutura de
custos das empresas e os reajustes tarifários seriam de responsabilidade de cada
concessionária. Este autor distingue ainda as tarifas de suprimento e de fornecimento.
Enquanto a primeira seria o índice cobrado pelas geradoras às empresas de
distribuição, incluindo a utilização das linhas de transmissão, a segunda trataria da
cobrança das distribuidoras ao consumidor final, sendo diferente para cada setor e
quantidade de energia consumida. Foi, aliás, a partir de tal distinção que se
possibilitou a criação dos dois ambientes de comercialização de energia elétrica que
se tem na atualidade, como será tratado mais à frente.
O processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro esteve baseado no
princípio de que a eficiência no setor seria assegurada pela competição, onde
possível, e regulamentação, onde necessária (SILVA, 2011). Fica evidente a grande
transformação de direcionamento do modelo institucional, antes baseado na
cooperação entre os agentes, conforme mencionado anteriormente.
No entanto, a efetiva reestruturação do modelo foi iniciada apenas a partir da
segunda metade da década de 1990, quando um complexo arcabouço regulatório
começou a ser desenhado para sustentar o funcionamento do novo padrão de
concorrência no setor (SILVA, 2011). O novo modelo institucional do setor elétrico
brasileiro seria estabelecido pelo projeto RE-SEB, a partir de 1996, e tinha, conforme
afirma Cuberos (2008), como premissas básicas assegurar a eficiência econômica do
setor e a expansão da oferta de energia.
A segregação das atividades do setor abriu espaço para a introdução de um
novo agente, o comercializador de energia. Este poderia comprar e vender energia
sem necessariamente possuir empreendimento de geração ou consumo, apenas
representando agentes de mercado. De modo a viabilizar a comercialização, agentes
de transmissão e distribuição deviam permitir livre acesso aos demais agentes,
considerando exigências e níveis mínimos de qualidade segundo regulamentação
vigente. O principal papel do agente comercializador no novo modelo passou a ser o
de fomentar transações entre os agentes, proporcionar liquidez ao mercado e atuar
como facilitador das transações (SILVA, 2011).
270
Além disso, o novo modelo quebrou as reservas geográficas de mercado ao
permitir que agentes interagissem com outros agentes de quaisquer lugares atendidos
pelo sistema integrado nacional. Nesse contexto, distribuidoras passaram a poder
comprar energia de geradores em regiões geográficas distintas e grandes
consumidores também passariam a poder comprar energia em mercado não regulado,
o que significa que poderiam comprar energia diretamente de gerados. Era o
surgimento do chamado mercado livre de energia, regulamentado pela Lei 9.074/95,
que criara o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) – posteriormente chamado
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A criação do MAE ocorreu
com o intuito de promover a concorrência ao instituir um ambiente propício à formação
de preços e para sinalização de oportunidades de investimentos (CORREIA ET AL,
2006). Neste ambiente de negociação, as tarifas de energia elétrica passaram a ser
estabelecidas por meio de negociações bilaterais entre agente, enquanto as tarifas
continuaram a ser reguladas para os chamados consumidores cativos. A estrutura
padrão do setor após as reformas implementadas é representado na Figura I-.
Figura I-3 - Estrutura padrão do setor pós-reformas.
Fonte: Esposito (2010)
Cuberos (2008) comenta ainda a criação do Operador Nacional do Sistema
(ONS), responsável pela programação, operação e despacho da geração elétrica no
Sistema Interligado nacional, absorvendo as atividades sob coordenação do GCOI.
Segundo Ferreira (2000), este órgão foi projetado para manter os benefícios técnicos
do sistema centralizado de despacho, ao mesmo tempo que permitiria a
descentralização da propriedade dos ativos. Atuando como órgão independente, o
ONS teria neutralidade sob a supervisão do órgão regulamentador. O autor destaca
ainda o surgimento do produtor independente de energia elétrica, autorizado a vender
energia a consumidores livres, à época definidos como aqueles com carga superior a
10 MW e voltagem utilizada de pelo menos 69 KV.
271
Ademais, o novo modelo institucional do setor demandou mudanças no
ambiente regulatório. Então, em 1996, a Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) é criada em substituição ao Departamento Nacional de Aguas e Energia
Elétrica, estando vinculado ao MME. Este órgão autônomo tem como principais
atribuições regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização
de energia elétrica, além de responsabilizar-se por outorga de concessões e por
estimular a competição e uso eficiente de energia elétrica pelos agentes.
O maior dinamismo e competição no mercado foi promovido a partir da inserção
desses novos agentes. O objetivo era que o modelo institucional deveria promover o
equilíbrio de um sistema capaz de possibilitar ganhos de mercado para os
consumidores através da competição entre os agentes, enquanto a regulação atuaria
para coibir abusos nos segmentos em que os monopólios regionais seriam mantidos
(transmissão e distribuição). A Figura I-4 apresenta o modelo de comercialização de
energia no RE-SEB, enquanto a Figura I-5 apresenta os três pilares do modelo
proposto.
Figura I-4 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB.
Fonte: Silva (2011, p. 85).
85
Figura 3 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB
Fonte: Elaboração própria, adaptada de Ramos (2011).
Com todas essas alterações, o mercado ficou mais dinâmico e competitivo. Silva (2008) apud
Ramos (2008) aponta que o processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro estava
baseado no princípio de que “a eficiência no setor elétrico será assegurada através da
competição, onde possível, e da regulamentação, onde necessária”.
Nesse processo, o modelo proposto, mais aberto e competitivo, tinha seu funcionamento
apoiado em três pilares principais:
Figura 4 - Os três pilares do modelo RE-SEB
Fonte: Ramos (2011).
O novo modelo institucional deveria promover o equilíbrio de um sistema no qual, sempre
que possível, a competição entre agentes permitisse ganhos de mercado para o consumidor
272
Figura I-5 - Pilares do modelo RE-SEB.
Fonte: Silva (2011, p. 85).
Em paralelo às transformações diretas no setor elétrico, o governo federal
criava também o arcabouço legal que regulamentava as concessões, através da
aprovação da Lei Geral de Concessões, a Lei 8.987/95, e da Lei 9.074/95, que
versava especificamente sobre concessões no setor elétrico. Esta teve caráter
complementar aos critérios da lei geral para licitação e concessão relativas às
atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Ao estabelecer
o regime de concessão e permissão da prestação de todos os serviços públicos nos
três níveis da federação, a nova legislação criara a estrutura necessária para que os
processos de privatização das estatais elétricas ocorressem (SILVA, 2011). No
entanto, este mesmo autor comenta sobre a criação de dificuldades técnicas e
políticas ao avanço do processo, em especial pela oposição congressista à cessão
das empresas estatais para o setor privado.
É interessante observar que as primeiras privatizações do setor elétrico pelo
governo federal ocorreram no segmento de distribuição. Tais inciativas foram os
leilões de privatização da Light e da Escelsa, ambas estatais controladas pelo governo
federal, sendo seguidas pela privatização da Cerj, concessionária de distribuição de
energia do estado do Rio de Janeiro (FERREIRA, 2000).
Em consonância com o movimento em âmbito federal, os estados passaram a
enxergar a privatização como saída viável para as concessionárias em dificuldades
financeiras. A crônica falta de caixa dos governos estaduais configurou ímpeto
adicional para a privatização em nível estadual (FERREIRA, 2000). Para tal, os
85
Figura 3 - Modelo de comercialização de energia no RE-SEB
Fonte: Elaboração própria, adaptada de Ramos (2011).
Com todas essas alterações, o mercado ficou mais dinâmico e competitivo. Silva (2008) apud
Ramos (2008) aponta que o processo de reestruturação do sistema elétrico brasileiro estava
baseado no princípio de que “a eficiência no setor elétrico será assegurada através da
competição, onde possível, e da regulamentação, onde necessária”.
Nesse processo, o modelo proposto, mais aberto e competitivo, tinha seu funcionamento
apoiado em três pilares principais:
Figura 4 - Os três pilares do modelo RE-SEB
Fonte: Ramos (2011).
O novo modelo institucional deveria promover o equilíbrio de um sistema no qual, sempre
que possível, a competição entre agentes permitisse ganhos de mercado para o consumidor
273
governos estaduais iniciaram seus próprios programas de privatização, cujos leilões
foram realizados entre 1995 e 2000 são apresentados no Quadro I-2.
Quadro I-2 - Privatizações de distribuidoras de energia elétrica entre 1995 e 2000.
Fonte: BNDES (2001) apud Silva (2011).
Ferreira (2000) afirma ainda que privatizar as empresas de distribuição foi um
passo crucial para destravar o processo de privatização das geradoras e viabilizar
projetos de produtores independentes, uma vez que existia no mercado uma
percepção de inadimplência das distribuidoras estatais, o que desencorajava
83
Tabela 14 - Privatizações realizadas de concessionárias de energia elétrica a partir de 1995
Fonte: Rego (2007) apud BNDES (2001).
Com as privatizações e desverticalização de empresas, foram intensificados os mecanismos de
competição no mercado de energia elétrica.
Edital Leilão
1 Escelsa ES 11/07/1995 77 320 358 12 Iven (52,5%), GTD (25%)
2 Light RJ 21/05/1996 50 2.217 2.217AES (11,35%), Houston (11,35%), BNDESPar (9,14%),
CSN (7,25%), EDF (11,35%)
3 Ampla (CERJ) RJ 20/11/1996 70 465 605 30Enersis (21,5%), Chilectra (20,66%), Endesa (7,03%),
EDP (21,08%)
4 Coelba BA 31/07/1997 71 976 1.731 77 Guaraniana (65,64%), Coelbinvest (5,5%)
5 CDSA GO 05/09/1997 79 543 780 43 Endesa (60%), Edgel (20%), Fundos (20%)
6 RGE (CEEE) RS 21/10/1997 91 895 1.635 83VBC (30,25%), Community Energy Alternatives
(30,25%), Previ e Fundos do BB (30,25%)
7 AES Sul RS 21/10/1997 91 780 1.510 94 AES (90,91%)
8 CPFL SP 05/11/1997 58 1.772 3.015 70VBC (26,16%), Previ (21,89%), Bonaire Participações
(9,61%)
9 Enersul MS 19/11/1997 84 340 626 84Magistra Particip. (Escelsa) (76,53%), Empregados e
Fundo de Pensão (7,68%)
10 Cemat MT 27/11/1997 96 321 392 22 Vale do Paranapanema (55,76%), Inepar (30,03%)
11 Energipe SE 03/12/1997 82 294 577 96 Cataguazes-Leoppoldina (85,7%)
12 Cosern RN 12/12/1997 80 390 676 74Coelba (50,3%), Guaraniana (Previ, Iberdrola, BBI,
Fundo Price BB e Brasil Cap.) (25,16%), Uptik SA
(4 74%)
13 Coelce CE 02/04/1998 85 776 987 27Distri luz Ltda (Por Ensesa AS, CERJ, Interocean
Developments Inc. e Esteimar Holding AS.) (84,59%)
14Eletropaulo
(Metropolitana)SP 15/04/1998 75 2.027 2.027 Lightgás (Empresa pertencente à Light) (74,88%)
15 Celpa PA 09/07/1998 55 450 450QMRA - Participações SA. (composta pelos Grupos
Rede e Inepar) (54,98%)
16 Elektro SP 16/07/1998 90 744 1.479 99Terrapo Partic. (Enron Brazil Power Holdings V. Ltd e
Enron Brazil Power Investments V Ltda) (90%)
17 Geresul SC 15/09/1998 77 998 998 Tractebel (50%), BNDESPar (15%), União (12%)
18 Bandeirante SP 17/09/1998 75 1.015 1.015Enerpaulo Ltda (EDP - Electric. de Portugal SA) e
Draft Particip. SA (CPFL, contr. p/ VBC Energia)
19CESP
ParanapanemaSP 28/07/1999 71 652 1.239 90 Duke Energy (100%)
20 CESP Tietê SP 27/10/1999 61 722 938 30 AES (100%)
21 CELB PB 30/11/1999 87 87 87PB Part LTDA (Controlada pela Energipe que é
controlada pela Cataguazes-Leopoldina)
22 Celpe PE 17/02/2000 80 1.781 1.781Guaraniana (Iberdrola 60,93%, Previ 17,92% e BB
Investimentos 10,75%)
23 Cemar MA 15/06/2000 86 553 553 Pensylvania Power Light (PP%L)
24 Saelpa PB 30/11/2000 75 363 363 Cataguazes-Leopoldina (100%)
ARRECADAÇÃO TOTAL 19.481 26.038 34
Ágio (%) Controladores na data do leilãoN Empresa UF Data Venda% Ações
Ordinárias
Valores de Referência
em R$ milhões
274
investimento privado nos segmentos a montante. O autor chama atenção ainda para
a grande participação de capital estrangeiro entre os vencedores dos leilões, bem
como para a participação de fundos de pensão em consórcios vencedores.
Novas medidas de aprimoramento da estrutura legal do setor elétrico foram
tomadas durante os anos de 1999 e 2000, no sentido de reforçar os objetivos
idealizados pelo RE-SEB, sobretudo de promoção da modicidade tarifária, expansão
do parque gerador e transferência à iniciativa privada da responsabilidade por novos
investimentos (CUBEROS, 2008). Gomes et al. (2002) destacam algumas destas
medidas, dentre as quais merecem destaque o estabelecimento de limites à
concentração econômica dos agentes privados, a regulamentação do livre acesso aos
sistemas de transmissão e distribuição para agentes de geração e consumidores livres
e o estabelecimento de valores normativos para celebração de contratos de longo
prazo (power purchase agreements - PPA).
Silva (2011) destaca ainda que, em paralelo, reformas no campo econômico
durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso traziam o país
de volta a uma trajetória de crescimento. Ocorre que o ano de 2001 foi marcado por
fator exógeno às premissas adotadas no processo de reestruturação que se
empreendera, o que prejudicou o funcionamento do sistema (CUBEROS, 2008). O
racionamento de energia elétrica foi a primeira medida implementada como resposta
à crise no fornecimento de energia elétrica pela qual passava o país. Segundo este
autor, a maior parte das causas relativas à crise estavam relacionadas às
transformações estruturais implementadas. Cuberos (2008) acrescenta a ineficácia
dos mecanismos de incentivo ao investimento privado no setor, a situação deficitária
em que os agentes privados assumiram as concessionárias e ainda o papel
secundário assumido pelo planejamento do sistema de transmissão por parte do
governo.
Correia et al. (2006) comentam que a situação financeira crítica das
concessionárias estatais e problemas fiscais do Estado brasileiro haviam demandado
uma reforma radical e rápida transição entre o modelo centralizado e a liberalização
da indústria elétrica. Segundo os autores, a condução de toda esta transformação
contribuiu para o colapso da oferta de eletricidade, uma vez que teria sido
subestimada a complexidade da transição e negligenciada peculiaridades do sistema
elétrico nacional que aumenta consideravelmente o poder dos agentes de mercado e
restringem o grau de competição real.
275
Esposito (2012) ressalta ainda a inversão da sequência natural da privatização
no Brasil como um fator contribuinte para os modestos investimentos. O autor expõe
o fato de que as privatizações no setor elétrico tiveram início antes mesmo das
transformações institucionais que o novo modelo previa, iniciadas apenas em 1996,
com a criação da ANEEL, e que perdurariam até o início dos anos 2000.
Sob a ótica das distribuidoras, o racionamento de energia impôs novas
restrições. A obrigatoriedade de reduzir o consumo de energia modificara
significativamente o padrão e os hábitos de consumo dos brasileiros, o que implicou
redução de receita para as concessionárias. As empresas passaram, então, por uma
crise de liquidez e prejuízos operacionais, dado que não tinham liberdade de ajuste
de tarifa, tampouco de redução de custos em razão da obrigação de continuar a
prestação de serviços previstos na concessão. O reequilíbrio econômico-financeiro foi
buscado através do Acordo Geral do Setor Elétrico, em 2002, ao estabelecer a
Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE).
Em tal contexto, o Brasil iniciou, a partir de 2002, o que Correia et al. (2006)
chamaram de contrarreforma do setor elétrico brasileiro. Buscou-se, com isso, a
estruturação de um modelo institucional capaz de equilibrar a convivência dos capitais
público e privado em um ambiente competitivo, o que, de certa forma, representou um
recuo em alguns pontos.
O Novo Modelo (a partir de 2004)
Um novo arcabouço legal foi, então, estruturado para que as alterações no
modelo institucional pudessem ser implementadas, sendo as Leis 10.847/04 e
10.848/04 responsáveis pela consolidação regulatória do novo paradigma institucional
(CORREIA ET AL, 2006). O principal ponto do novo modelo foi a maximização da
segurança do suprimento e a universalização do acesso, em harmonia com as
premissas da eficiência econômica expressa pelo princípio de modicidade tarifária. O
foco principal das alterações no novo marco regulatório era o chamado ambiente de
contratação regulada.
Segundo a nova segmentação do mercado atacadista, implementada pelo
novo marco legal, a comercialização de energia elétrica passou a contar com dois
ambientes de negociação: o Ambiente de Contratação Regulada - ACR, com agentes
de geração e de distribuição de energia; e o Ambiente de Contratação Livre - ACL,
276
com geradores, distribuidores, comercializadores, importadores e exportadores, além
dos consumidores livres e especiais (CCEE, 2016), conforme pode ser observado na
Figura I-6, que apresenta a nova segmentação do mercado atacadista de energia
elétrica. Além disso, o mercado de curto prazo passou a ser conhecido como mercado
de diferenças, em que ajustes entre volumes contratados e demandados são
realizados para fechamento do balanço energético dos agentes.
Figura I-6 - Organização do mercado varejista de energia elétrica.
Fonte: Esposito (2010).
Objetivando atender à premissa de universalização do acesso à energia
elétrica que dava base ao novo modelo, institui-se em 2003 o Programa Nacional de
Universalização do Acesso e Uso da Energia Luz para Todos – Programa Luz para
Todos. O programa, coordenado pelo MME, com a participação da Eletrobrás e suas
controladas e gestão compartilhada entre estados, municípios, agentes do setor
elétrico, objetiva levar, até 2008, energia elétrica a 12 milhões de brasileiros não
atendidos pelo serviço, dos quais 10 milhões residentes na área rural.
Correia et al. (2006) afirmam que o novo modelo perseguiu a modicidade
tarifária por mecanismos mais eficientes de negociação, dentre os quais os autores
chamam atenção para a formação de um pool entre distribuidores que atuariam como
comprador único nos leilões públicos de energia. A ideia, conforme comentam os
autores, seria de obter ganhos de escala e de barganha para favorecer consumidores
cativos, ao mesmo tempo em que se reduzia o risco individual dos geradores.
Neste contexto, tem destaque a criação da Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEE) em substituição ao MAE (SILVA, 2011). Ficara determinado
que todos os contratos de energia elétrica deveriam ser registrados e contabilizados
e, assim, houve a necessidade de criação de um ambiente onde a contabilização e
277
liquidação financeira dos contratos de curto prazo pudessem ocorrer. Esta passou a
ser a atribuição da CCEE, composta pelos agentes de mercado do setor.
Para a efetiva operacionalização das mudanças propostas, Cuberos (2008)
apresenta a necessidade de criação de novas instituições e redefinição de funções
entre órgãos já existentes. Dentre as principais mudanças, merece destaque a criação
da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com o intuito de retomar o planejamento
setorial integrado e centralizado pelo Estado, e do Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico, cuja função abrange os mecanismos de acompanhamento das condições de
oferta e demanda do sistema (CORREIA ET AL, 2006). A nova organização
institucional do setor elétrico é apresentada pela Figura I-7.
Figura I-7 - Instituições no novo modelo do setor elétrico.
Fonte: CCEE (2016).
A partir das mudanças implementadas, Walvis (2014) argumenta que o modelo
institucional que se observa no Brasil desde 2004 é uma aproximação do modelo de
competição monopsônio, ou de single buyer. A autora comenta que, no ambiente
regulado, a concorrência na geração se dá por meio da atuação de uma única agência
compradora, a partir do pool de compradores participantes dos leilões de compra de
energia, que estabelece um preço máximo para a compra. Pradini (2014) destaca que
cabe à agência comercializadora, no caso brasileiro a CCEE, aplicar às distribuidoras
uma tarifa que reflita os custos marginais de curto prazo para a remuneração da carga
contratada, gerando o chamado PLD, ou preço de liquidação das diferenças, utilizado
pela CCEE para contabilização e liquidação das contratações de energia.
Walvis (2014) comentam ainda que, ao instituir o ACL, as reformas do setor
elétrico incorporam neste ambiente de contratação características do modelo de
competição no atacado. A principal diferença em relação ao modelo anterior é que a
competição na geração é obtida através de um mercado onde vários compradores
podem atuar, uma vez que a ideia do modelo está baseada na existência de
278
produtores independentes que podem acessar a rede de transmissão e oferecer,
através de contratos de longo, ou a preços de curto prazo, energia aos grandes
consumidores e distribuidoras reguladas. Estas ultimas tem o monopólio de venda
para pequenos consumidores, chamados cativos.
Esposito (2010) aponta a retomada do papel de investidor para a Eletrobrás,
enquanto o BNDES se consolidou como financiador dos investimentos em expansão
do setor, em especial dada as modificações no marco regulatório com uma melhor
alocação de riscos na modalidade project finance. O autor comenta ainda que a
inflexão na trajetória da Eletrobrás perante o setor pode ser observada também a partir
das parcerias que suas subsidiárias e demais empresas estatais estaduais passaram
a construir com agentes privados, principalmente no tocante à projetos de geração.
Assim, em 2008, a Lei 11.651/08 ampliou o campo de atuação da holding federal,
permitindo participações majoritárias em novos empreendimentos no setor elétrico e
flexibilizando sua atuação em negócios no exterior.
Novos ajustes setoriais foram realizados ao longo dos anos subsequentes, a
partir de mudanças conjunturais do setor. Merece destaque a instituição do Fundo de
Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica, e a regulamentação das regras para
a integração dos sistemas isolados ao Sistema Interligado Nacional.
Para consolidar a narrativa do processo de evolução e institucionalização do
setor elétrico brasileiro tal qual exposto até o momento, o leitor pode observar o
Quadro I-3, que apresenta comparativo entre os modelos institucionais que se
estabeleceram no Brasil ao longo a evolução do setor.
279
Quadro I-3 - Comparativo dos modelos institucionais do setor elétrico brasileiro.
Fonte: CCEE (2016).
280
ANEXOS
ANEXO I – Estrutura organizacional Celpe e operações
281
282
ANEXO II – Estrutura Organizacional ABC Engenharia e FF Engenharia
283
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