Post on 30-Jul-2020
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA - CEFT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS DA RELIGIÃO
BENEDITO CARLOS ALVES DOS SANTOS
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA NA DIOCESE DE SANTO AMARO: UMA
EXPERIÊNCIA DE REAVIVAÇÃO EM TEMPOS DE MODERNIDADE
São Paulo
2017
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA - CEFT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS DA RELIGIÃO
BENEDITO CARLOS ALVES DOS SANTOS
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA NA DIOCESE DE SANTO AMARO: UMA
EXPERIÊNCIA DE REAVIVAÇÃO EM TEMPOS DE MODERNIDADE
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como parte das
exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para
a obtenção do título de Mestre.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
São Paulo
2017
S237r Santos, Benedito Carlos Alves dos A Renovação Carismática na Diocese de Santo Amaro: uma experiência de reavivação em tempos de modernidade / Benedito Carlos Alves dos Santos – 2017. 248 f.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Bibliografia: f. 234-248
1. Renovação Carismática 2. Modernidade 3. Comunidades emocionais I. Igreja Católica Apostólica Romana II. Título LC BX2350.57
BENEDITO CARLOS ALVES DOS SANTOS
Aos meus genitores que sempre
apostaram em mim; a todos os leitores que
como eu apreciam esse assunto e
acreditam que esse trabalho possa agregar
algo ao meio acadêmico.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me criar e me capacitar criar “imitando” um pouco seu “modo de fazer
sempre novas todas as coisas”.
À todos os Professores Doutores do Curso de Mestrado em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie que ajudaram a despertar em mim o gosto pelos
estudos das Ciências da Religião, colaborando com seus conhecimentos.
À todos os Professores Doutores componentes da Banca examinadora que desde o
processo de Qualificação do Projeto se colocaram sensíveis ao tema, dando-me pistas para a
produção de uma seria Dissertação de Mestrado.
Ao CAPES (Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior), por ter me
concedido bolsa para que pudesse concluir esse curso de Mestrado em Ciências da Religião.
Ao meu Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos, que se empenhou na orientação desta
Dissertação, ajudando no discernimento da escolha e definição do tema, bem como
acompanhando cada etapa desse trabalho, sempre dando pistas que possibilitaram para que o
mesmo chegasse à sua conclusão.
Eu não sei, quem deixou no varal todo céu, pendurado no azul. Eu não sei quantas
formas tem Deus, quantos véus, quantos anjos são seus. Quantos andam nus? Quantas luzes
são? Pra fazer São João do Carneirinho? Tecem suas lãs, nascem seus natais, brincam nos
quintais os passarinhos, dentro dos olhos teus, dentro dos olhos meus, dentro dos olhos teus,
dentro dos olhos (Almerio).
RESUMO
“A Renovação Carismática na Diocese de Santo Amaro: Uma experiência de
reavivação em tempos de modernidade” é a proposta de um estudo sobre o fenômeno
pentecostal católico que se desponta a partir da segunda metade do século XX na Igreja
Católica Apostólica Romana como uma proposta de reencantamento religioso. Hoje não é
possível ignorar o fato de que o referido movimento tem se destacado, juntamente com os
neopentecostais, no campo religioso brasileiro, vindo a aumentar sua expansão nas últimos
três décadas. Nascido em 1967, em Pittsburg, Estados Unidos, a partir de uma experiência de
um grupo de leigos da Universidade Duquesne, a Renovação Carismática chega ao Brasil dois
anos mais tarde (1969), trazendo em suas bases fundacionais grande similaridade com os
movimentos pentecostais de origem protestante. Com o surgimento desse movimento a Igreja
Católica tem conseguido arrebanhar grande número de fiéis, com seus grupos de oração,
louvores, missas para cura e libertação e megaeventos. Neles destacam-se ainda os padres
cantores e cantores leigos que seguem a linha gospel. Na visão de alguns especialistas no
estudo da religião, esse movimento surge com a intenção de segurar fieis dentro da próprio
Igreja Católica, não os perdendo assim para o concorrente. Para outros esse movimento nasce
de uma necessidade da própria Igreja Católica em se adequar a um projeto novo de
evangelização já idealizado no Concílio Vaticano II, com o Papa João XXIII que propõe um
aggiornamento. Este trabalho é feito com base em levantamento de dados bibliográficos, bem
como de uma observação a partir de como a Renovação Carismática Católica atua na Diocese
de Santo Amaro, São Paulo. Foi possível observar que a Diocese de Santo Amaro vem se
apresentado como um forte polo carismático no século XXI, conquistando forte espaço na
mídia. Em grande parte isso se deve ao seu grande expoente midiático padre Marcelo Rossi,
seguido de outros padre cantores, com as famosas missas para louvor e cura, conseguindo
arrebanhar multidões. Na Igreja Católica Apostólica Romana, paralelo à Renovação
Carismática Católica vimos que surgiram outros movimentos católicos, mas nenhum
conseguiu se fixar e ganhar tamanho campo de atuação e reencantamento como ela. Isso leva-
nos a acreditar que isso possa ser resultar de sua tendência de uma religião de comunidades
emocionais.
Palavras-chave: Renovação Carismática Católica, modernidade, comunidades emocionais.
ABSTRACT
"The Charismatic Renewal in the Diocese of Santo Amaro: An Experience of Revival
in Times of Modernity" is the proposal of a study on the Catholic Pentecostal phenomenon
that emerges from the second half of the twentieth century in the Roman Catholic Church as a
proposal of Religious re-enchantment. Today it is not possible to ignore the fact that this
movement has stood out, together with the neopentecostais, in the Brazilian religious field,
increasing its expansion in the last three decades. Born in 1967, in Pittsburg, United States,
from an experience of a group of laypeople from the Duquesne University, the Charismatic
Renewal arrives in Brazil two years later (1969), bringing in its foundational bases a great
similarity with the Pentecostal movements of Protestant origin. With the emergence of this
movement the Catholic Church has managed to gather large numbers of faithful, with their
prayer groups, praises, masses for healing and liberation and mega events. In them, the
singers and singers who follow the gospel line stand out. In the view of some specialists in the
study of religion, this movement arises with the intention of holding believers within the
Catholic Church itself, not losing them thus to the competitor. For others this movement is
born of a need of the Catholic Church itself to adapt to a new project of evangelization
already idealized in the Second Vatican Council, with Pope John XXIII proposing an
aggiornamento. This work is based on a survey of bibliographic data, as well as an
observation based on how the Catholic Charismatic Renewal operates in the Diocese of Santo
Amaro, São Paulo. It was possible to observe that the diocese of Santo Amaro has been
presented as a strong charismatic pole in the XXI century, gaining strong space in the media.
To a great extent this is due to his great media exponent, Marcelo Rossi, followed by other
priest singers, with the famous Masses for praise and healing, managing to gather crowds. In
the Roman Catholic Church, parallel to the Catholic Charismatic Renewal, we have seen that
other Catholic movements have emerged, but none have been able to establish themselves and
gain the same field of action and re-enchantment as she does. This leads us to believe that this
may be the result of their tendency to a religion of emotional communities.
Keywords: Catholic Charismatic Renewal, modernity, emotional communities.
LISTA DE ABREVIATURAS
AA Alcoólicos Anônimos
ASETT/EATWOT Associação Ecumênica dos Teólogos de Terceiro Mundo
CEB’s Comunidades Eclesiais de Bases
CELAN Conselho Episcopal Latino-Americano
CENPLA Centro de Planejamento Familiar
CNBB Conferência Nacional do Bispos do brasil
COESPOES Curso de Oração e Estudo sobre o Espírito Santo
COMIDI Conselho Missionário Diocesano
CONCCLAT Conselho Latino-americano
CRB Conferência dos Religiosos do Brasil
EC Encontro com Cristo
ECC Encontro de Casais com Cristo
GOU Grupo de Oração Universitário
IAM Infância e Adolescência Missionária
ICAR Igreja Católica Apostólica Romana
ICCRO Internatinal Catholic Charismatic Office
ITD Instituto Tecnológico Diocesano
IURD Igreja Universal do Reino Deus
MJ Ministério Jovem
MURs Ministério Universidades Renovadas
NN Narcóticos Anônimos
PASCOM Pastoral da Comunicação
PHN Por Hoje Não
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RCC Renovação Carismática Católica
TLC Treinamento de Lideranças Cristãs
TL Teologia da Libertação
TVCN TV Canção Nova
UNE União Nacional de Estudantes
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11
Capítulo I
COMPREENDENDO AS MOTIVAÇÕES DO NASCIMENTO
DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (DA REFORMA
PROTESTANTE AO CONCÍLIO VATICANO II) ............................. 30
1.1 – Antecedentes históricos ................................................................ 31
1.1.1 - A Reforma Protestante (1517) .................................................... 31
1.1.2 - A Contra-Reforma: O Concílio de Trento (1545-1563) ................ 32
1.1.3 - O Concílio Vaticano I (1846-1878) .................................................... 33
1.2 – Uma nova teologia e um novo “jeito de ser Igreja” ................ 36
1.2.1 - Definição de Teologia da Libertação: origens e limites ................ 36
1.2.2 - Comunidades Eclesiais de Bases (CEB’s): origens e limites .............. 39
1.3 - O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) ........................... 42
1.3.1 - A demanda por mudanças ............................................................... 43
1.3.2 - A Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil ........................... 45
1.3.3 - A surpresa de um novo Concílio ................................................... 51
1.4 - Inovações trazidas pelo Concílio Vaticano II ........................... 52
1.4.1 – Movimentos de renovação .............................................................. 53
1.4.2 – Documentos do Concílio: Constituições, Decretos e Declarações ... 54
1.4.3 - A revitalização do catolicismo: Aggiornamento ................................ 56
Capítulo II
O MOVIMENTO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA
CATÓLICA ................................................................................................. 60
2.1 – Movimentos Novos: cenário pós-Vaticano II ................................ 61
2.1.1 – A RCC: um movimento revivacionista ............................................ 61
2.1.2 – O Espírito Santo: unidade na diversidade ..................................... 67
2.2 – Fundamentação de alguns elementos estruturais da RCC ........... 72
2.2.1 – Os dons carismáticos na RCC ................................................ 72
2.2.2 – A “Teodiceia” na RCC ............................................................ 81
2.2.3 – A Virgem Maria na RCC ............................................................ 84
2.3 – Católicos renovados e pentecostais no campo brasileiro ............... 89
2.3.1 – A hegemonia católica no Brasil (1500-1900) ........................ 89
2.3.2. - Pentecostais no Brasil (a partir de 1910) .................................... 93
2.3.3 – A chegada da RCC no Brasil (a partir de 1969) ....................... . 97
2.4 – RCC, carisma versus instituição ............................................ 102
2.4.1 - Estrutura organizacional da RCC ............................................ 103
2.4.2 – Secretarias, projetos e a padronização do ensino ..................... 107
2.4.3 - A RCC, sociedade e política ........................................................ 114
2.4.4 – A RCC, Juventude e mídia ........................................................ 120
Capítulo III
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NA DIOCESE
DE SANTO AMARO ................................................................... 126
3.1 - Diocese de Santo Amaro .................................................................. 127
3.1.1 A terra das “botinas amarelas” ......................................................... 127
3.1.2 Arquidiocese de São Paulo ....................................................... 130
3.1.3 - Os desafios de um começo ....................................................... 134
3.1.4 - Padre Marcelo Rossi, um modelo que atrai ................................ 139
3.2 – O rosto carismático da Diocese de Santo Amaro .................... 143
3.2.1 – A formação do clero ................................................................... 143
3.2.2 - Os novos movimentos na Diocese de Santo Amaro .................... 147
3.2.3 - Missionários leigos com espiritualidade carismática .................... 152
3.3 – A organização da RCC na Diocese de Santo Amaro ......... 159
3.3.1 – Um modelo laico carismático de ser Igreja ................................ 159
3.3.2 – Os Grupos de Oração ................................................................... 162
3.3.3 – Ministérios da RCC na Diocese de Santo Amaro .................... 164
3.3.4 – Projetos da RCC na Diocese de Santo Amaro .................... 167
Capítulo IV
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NA DIOCESE
DE SANTO AMARO: UMA AVALIAÇÃO .................................. 171
4.1 – A RCC como um constructo religioso do homem do século XXI 172
4.1.1 - Religião e coletividade em Durkheim (1858-1917) .................... 172
4.1.2 - A religião como arquétipo em Jung (1875-1961) .................... 176
4.1.3 – O homem na pós modernidade: seus encantos e desencantos...... 177
4.2 – A RCC: uma religião em tempos de modernidade ...................... 187
4.2.1 - Modernidade, secularização e desencantamento .................... 197
4.2.2 – Autonomia, heteronomia e teonomia na compreensão da religião 197
4.2.3 – Integrismo, fundamentalismo e tendências católicas ........ 200
4.3 - RCC na Diocese de Santo Amaro: à guisa de avaliação .......... 203
4.3.1 - A religião de comunidades emocionais ................................ 203
4.3.2. – RCC, TL e CEBs no século XXI ............................................ 213
4.3.3 – A RCC e o pentecostalismo: convergências e divergências ........ 218
4.3.4 – RCC na Diocese de Santo Amaro: uma avaliação ...................... 222
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 227
BIBLIOGRAFIA ............................................................................... 234
DOCUMENTOS ............................................................................... 247
INTRODUÇÃO
A perda de força da observância, o desenvolvimento de uma religião
“a la carte”, a proliferação das crenças combinadas a partir de várias fontes, a
diversificação das trajetórias de identificação religiosa, o desdobramento de
uma religiosidade peregrina: todos esses fenômenos são indicadores de uma
tendência geral à erosão do crer religioso institucionalmente validado
(HERVIEU-LÉGER – 1999).
Esse trabalho dissertativo consiste em uma observação da trajetória da Renovação
Carismática Católica desde seu nascimento até os dias atuais, fazendo um recorte específico
de sua atuação na Diocese de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, apontando-a como um
movimento que nasce no século XX, com forte manifestação nas últimas 4 décadas. A RCC
parece responder ao que define Hervieu-Léger (1999), como uma “religiosidade peregrina:
uma metáfora do religioso em movimento”. O tema que engloba a RCC é bastante pertinente
aos olhos da Ciência das Religiões em tempos atuais, pois proporciona grande abertura para o
campo de pesquisa.
Desta feita, segue como objetivo da dissertação investigar, a partir da Diocese de
Santo Amaro, se há relação entre o movimento da RCC e o esforço de recatolicizar e fidelizar
os católicos (especialmente os nominais) no âmbito da ICAR; investigar como nasceu a RCC
e quais são as características similares existentes entre ela e os movimentos pentecostais e
neopentecostais; tentar entender, a partir da observação da RCC na Diocese de Santo, como o
movimento conseguiu sua expansão, diferente de outros movimentos que acabaram se
diluindo no processo histórico; importante ainda aqui entender como o movimento atua na
Diocese de Santo e, por fim, analisar o perfil das motivações da RCC da Diocese de Santo
Amaro em termos do reavivar religioso.
O tema/problema foi delimitado em pensar a RCC como parte do fenômeno
relacionado ao crescimento dos novos movimentos, apresentando grande similaridade com os
movimentos pentecostais e/ou neopentecostais. Com o Concílio Vaticano II (1962-1965), a
Igreja Católica intuiu a necessidade de uma renovação da Igreja e em 1967, na Universidade
de Duquesne (Pittsburgh, Pensylvania, EUA), nasce a Renovação Carismática Católica.
Procura-se, então, uma resposta para a seguinte indagação: O Movimento da Renovação
Carismática Católica é um mero revidar da Igreja Católica à perda de fieis para os
movimentos pentecostais e neopentecostais ou ele têm sua originalidade? Seria possível, já
que os carismáticos se apresentam como tradicionalistas, entender o rumo para onde caminha
a religiosidade no mundo contemporâneo? Seria viável analisar estas tendências do
catolicismo na Diocese de Santo Amaro e aplicá-las em âmbito não só nacional, mas também
internacional? Seria viável fazer uma compreensão da RCC como um movimento de
reavivação dentro da ICAR que ao mesmo tempo em que vêm ganhando vários adeptos,
despertou algumas críticas dentro da própria Igreja? Seria viável concentrar-se em identificar
as diferenças de pensamentos dentro da ICAR, isto é, como a Igreja Católica lida com o
novo?
Assim podemos dizer de nossas hipóteses: O fenômeno RCC, um movimento
internacional que teve início nos EUA em 1967, tem sua originalidade e razão de ser e, não é
mera estratégia para segurar fieis dentro da ICAR; a RCC responde a uma necessidade
histórica social da ICAR e, por isso consegue se expandir; a RCC enfrentou algumas rejeições
no início, vindo assim a ganhar afeição a partir do momento em que se adequa às normas da
hierarquia; a RCC, como pentecostalismo católico, se adequa ao conceito da religião de
comunidades emocionais e das religiões a la carte.
Além do levantamento bibliográfico, a pesquisa tem como suporte o recorte temporal,
analisando a RCC na Diocese de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Assim sendo, esse
projeto se delimita a um espaço específico da atuação do RCC no Brasil.
São vários os referenciais teóricos que puderam contribuir para a construção desse
projeto de dissertação que tem como tema a Renovação Carismática na Diocese de Santo
Amaro: uma experiência de reavivação em tempos de modernidade. Primeiramente podemos
falar de Jean-Paul Willaime (2012), quando em seu livro Sociologia das Religiões, refere-se à
modernidade e seus efeitos dissolventes sobre a cultura religiosa. Nesse perspectiva Willaime,
leva-nos a pensar o quanto a Renovação Carismática Católica, analisada na Diocese de Santo
Amaro, pode ser uma forma de resgate do sentido do sagrado perdido. Na olhar de Willaime,
a secularização contribui para uma reespiritualização do religioso.
Segundo Hervieu-Léger (2008), no livro O peregrino e o convertido, toda religião
implica uma mobilização da memória coletiva, constituindo-se num dispositivo prático,
simbólico e ideológico a partir do qual a consciência individual e coletiva de pertença a uma
linha de crença é constituída, estabelecida e controlada. Com isso, pode-se dizer que os
processos secularizantes enfraquecem os controles institucionais, fazendo com que novos
processos de crer e pertencer se efetivem: crer sem tradição e pertencer sem crença. Seguindo
a linha de pensamento ainda de Hervieu-Léger, temos Barrozo (2014), com Modernidade
religiosa – Memória, transmissão e emoção no pensamento de Daniéle Hervieu-Lêger.
Barrozo, retomado Hervieu-Léger, contribui para a compreensão de temas como “religião e
modernidade”, “secularização e religião”.
Contribui ainda em muito o autor Tank-Storper (2011), no livro Sociologia das
Religiões, quando afirma que a secularização designa a transferência de uma propriedade
eclesial para mãos seculares ou a passagem do religioso para a vida secular (secular remete a
“no século”, por oposição ao sagrado, intemporal). Segundo Tank-Storper (2011), o principal
fator da secularização é a passagem da comunidade para a sociedade. Em uma comunidade
baseada em princípios comunitários a religião tem papel primordial, com vínculos afetivos
fortes. Nesse sistema os bens da salvação se apresentam ligados à força de controle social,
integração social, legitimação das finalidades do grupo, de canalização das emoções e da
interpretação do mundo e outros. Do contrário, em uma sociedade onde reina a técnica e o
cientificismo, começam a reinar o individualismo racionalizado e com isso resulta na perda do
poder religioso.
Pode-se ainda olhar o sentido de carisma e instituição na compreensão do tema da
RCC como uma abertura ao espírito em tempos em que o mundo se seculariza. A
institucionalização em grande parte tem favorecido a perda do encantamento religioso e o
carisma sempre tem lutado para se submergir. Pode-se buscar em Bourdieu um referencial
teórico bastante rico que nos justifique esse pensamento.
Produto da institucionalização e da burocratização da
seita profética (com todos os efeitos correlatos de
“banalização”), a Igreja apresenta inúmeras características de
uma burocracia (delimitação explicita das áreas de competência
e hierarquização regulamentada das funções, com a
racionalização correlata das remunerações, das “nomeações”,
das “promoções” e das “carreiras”, codificação das regras que
regem a atividade profissional e a vida extraprofissional,
racionalização dos instrumentos de trabalho, como o dogma e a
liturgia, e da formação profissional etc.) opõe-se objetivamente à
seita assim como a organização ordinária (banal e banalizante)
opõe-se à ação extraordinária de contestação da ordem ordinária
(BOURDIEU, 2011, p. 59-60).
Peter Berger (2011), também apresenta esse mesmo conceito de secularização e pode
em muito embasar o tema da Renovação Carismática Católica como uma nova proposta de
reencantamento. Para Peter Berger o fenômeno do “pluralismo” é uma consequência
socioestrutual de secularização da consciência. Fator esse fortemente relacionado ainda à crise
de credibilidade na religião. Assim sendo, Peter Berger ajuda numa possível compreensão de
como acontece a disputa religiosa em relação aos novos movimentos na sociedade brasileira.
Entre RCC e demais movimentos pentecostais.
Um outro autor que em muito pode ajudar no aprofundamento dessa dissertação como
abordagem teórica é João Batista Libanio com a obra Cenários da Igreja (1999), quando
identifica quatro cenários factíveis de percepção dentro da ICAR: a Igreja da instituição, a
Igreja da pregação, a Igreja da práxis libertadora e a Igreja carismática. Leonardo Boff,
Igreja: Carisma e poder (1994), na mesma linha de Libanio, apresenta quatro modelos de
Igreja: Igreja como totalidade, Igreja moderna, Igreja a partir dos pobres e Igreja mãe e
mestra. Assim sendo, podemos buscar nesses autores e outros, boas referências para essa
pesquisa de dissertação de mestrado.
A religião de comunidades emocionais é uma temática muito comum entre os
pesquisadores das Ciências da Religião das últimas décadas. Trata-se de um tema atrelado
ainda a outras referências contemporâneas, como secularização e desecularização,
encantamento e desencantamento, profano e sagrado, expressando uma linguagem
representativa do mundo religioso na modernidade. Como visto acima, Jean-Paul Willaime
(2012, p. 101) e Bobineau e Tank-Storper (2007, p. 101), falam de uma religião à la carte,
onde o que importa é o do it yourself, como um mercado religioso que expressa o campo atual
da crença moderna. Percebe-se que não existe mais uma religião com poder hegemônico e
com isso pode-se falar de pluralismo religioso.
Fala-se ainda das religiões que têm enfatizado o emocionalismo em suas práticas de
culto. Daí o consenso entre os estudiosos da religião de que o século XXI apresenta novos
desafios para os estudos da religião. Inclusive para o estudo de fenômenos como o
pentecostalismo protestante e a renovação carismática católica. Nesse contexto a RCC na
Diocese de Santo Amaro se tornou um atraente e ainda inexplorado tema para se pesquisar.
A pesquisa buscou compreender a Renovação Carismática Católica (RCC), como um
fenômeno religioso que nasce a partir do século XX como forte expressão pentecostal e que
no século XXI tem respondido aos anseios religiosos do catolicismo mundial e em especifico
brasileiro. Sendo assim, não seria possível fazer a compreensão do movimento da RCC sem
antes fazer uma compreensão histórica sobre o mesmo. De acordo com Harold Rahm(1974), o
chamado “Movimento Pentecostal” foi considerado um fenômeno do mundo não católico, e
que nestes últimos tempos tem tido sua explosão entre os católicos de muitos países.
Robert C. Walton (1986, p. 78), faz uma apresentação da história da Igreja a partir do
segundo século da era cristã até o século XXI. Sua apresentação denota um efeito pêndulo,
hora enfatizada por movimentos de características marcadamente emocionais e hora
enfatizada por movimentos de cunho radicalmente intelectual. Assim sendo, no II século
vemos destacar o Montanismo (emocional), seguido pelo Gnosticismo (racional) que perpassa
o II e III séculos. Do II ao X século evidencia-se o Monasticismo (emocional). Do XI ao XIV
séculos prevalece Escolasticismo (racional). Do XIV ao XV século vemos despontar o
Misticismo (emocional), substituído pela Reforma Ortodoxa(racional) nos séculos XVI e
XVII. Os dois séculos seguintes VII e VIII são marcados pelo Pietismo e Metodismo
(emocional). Os séculos XIX e XX são representados pelo Liberalismo (racional). No século
XXI vemos que se destacam o Pentecostalismo, neopentecostalismo e Movimentos
carismáticos (emocional). Essa classificação de Walton (1986) faz sentido e nos ajuda a fazer
uma compreensão sobre o atual período em que estamos transitando no século XXI, em que
entra em evidência o pentecostalismo, incluindo a RCC, como movimentos que resgatam o
emocionalismo.
Que relação há entre o RCC e os vários movimentos de avivamento ocorridos ao longo
dos séculos? Percebe-se que não foram poucos os movimentos que se mostraram insatisfeitos
no processo histórico da Igreja. Quem é a Renovação Carismática Católica? A palavra
renovação diz muito. Renovar é trazer algo de novo, deixar de lado aquilo que não faz mais
sentido. O modelo que a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) apresentava aos seus
adeptos não mais respondia aos anseios religiosos. O Papa João XXIII (1881-1963), teve o
discernimento do tão famoso aggiornamento, anunciando o Concílio Vaticano II (1962-1965).
Para se renovar era preciso abrir-se ao carisma. Surgiu então a percepção de que a hierarquia
estava inibindo as forças do Espírito Santo e, com isso, engessando o carisma. Com intenção
de manter os fiéis católicos abertos à ação do Espírito Santo, nasceu a RCC, dando origem
assim a um significativo movimento de renovação, um movimento aberto à moção do Espírito
Santo, contribuindo para uma suposta renovação dentro da ICAR no século XXI.
Isso denota, afirmam estudiosos como Oro (1996), Carranza (2000), Gonzalez (2006)
e outros, que a RCC, um movimento pentecostal, nasce a partir da demanda do campo
religioso moderno que precisava ser reencantado pelo sagrado, uma vez que as antigas formas
institucionais não mais conseguiam responder aos seus anseios religiosos.
No dia 13 de março de 1989, o Papa João Paulo II (hoje Santo João Paulo II), criava a
Diocese de Santo Amaro, tendo como seu primeiro bispo Dom Fernando Figueiredo. A recém
criada Diocese de Santo Amaro pertencia até então à Região Central, hoje o conhecido
“marco zero” da capital, onde está localizada a Catedral da Sé. Nesse período ainda eram
fortes as expressões de uma Igreja comprometida com as estruturas sociais, marcadas pelas
Comunidades Eclesiais de Bases (CEB’s) e a Teologia da Libertação (TL). Este era o assim
chamado rosto de Igreja. Falava-se muito das Conferências de Medellín (1968) e Puebla
(1979), com a famosa expressão “opção preferencial pelos pobres”. Portanto, a nova diocese
trazia os fortes traços da uma “igreja libertadora”, comprometida com os pobres. Esta
realidade foi o enfretamento que o novo bispo teve que fazer, com a incumbência de segurar
essas frentes, resgatando a linha conservadora da então política do Papa João Paulo II.
O novo bispo Fernando Antônio Figueiredo, à frente da administração diocesana, vê-
se com a missão de conciliar, e talvez até frear os movimentos taxados como revolucionários,
ou ainda, marxistas, com a linha conservadora a que retornou a ICAR. Para isso pôde contar
com as propostas da RCC que já marcava forte presença na região. Desta feita, na Diocese de
Santo Amaro desponta o padre Marcelo Rossi, como afirma Veiga (2015), que já tendo
passado pela experiência dos grupos de oração da RCC, traz a proposta de uma evangelização
através da música. Proposta esta que foi bem aceita nos meios católicos. Em pouco tempo o
padre se tornava famoso. Os espaços para as celebrações de suas missas começam a ficar
pequenos. O aumento de pessoas em caravanas vindas para suas missas, com as aeróbicas de
Jesus, chamou a atenção da mídia e não tardou para que o fenômeno estourasse em redes
nacionais. Juntando o útil ao agradável, no dizer popular, aproveitando-se desse efeito, não
tardou ainda para que a nova Diocese tomasse um rosto além de conservador, também
carismático.
Os gráficos 1, 2 e três nos dão uma visão geral sobre as mudanças na Diocese de Santo
Amaro desde a posse de Dom Fernando Figueiredo em 1989 até o ano da celebração do seu
jubileu de prata em 2014.
Graf. 1 – População total e de católicos na diocese de Santo Amaro.
Fonte: Erguendo Altares, vidas e comunidades: 201
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
POPULAÇÃO CATÓLICOS
1989 2014
Graf. 2 – Crescimento de paróquias aos cuidados de padres diocesanos, sacerdotes,
diocesanos, sacerdotes religiosos, seminaristas e centros sociais na Diocese de Santo Amaro.
Fonte: Erguendo Altares, vidas e comunidades: 2014
Graf. 3 – Batismo, Crisma e 1ª Eucaristia e matrimônios na Diocese de Santo Amaro.
Fonte: Erguendo Altares, vidas e comunidades: 2014
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BATISMOS (ANO) CRISMAS ( ANO )
1 ª EUCARISTIA MATRIMÔNIOS
1989 2014
Observando o crescimento da Diocese de Santo e a expansão a RCC, podemos
perguntar: quais foram os medos e incômodos apresentados pela Renovação Carismática
Católica para a ICAR enquanto instituição? Toda instituição, por mais segura que seja,
sempre tem uma preocupação em relação à uma perda de controle sobre os movimentos que
dela possam surgir. O nascimento do RCC também trouxe para a ICAR suas preocupações.
Mas aos poucos, em nome da prudência, a ICAR conseguiu, a seu modo, institucionalizar o
movimento RCC, trazendo-o para debaixo de seu controle. A renovação que a RCC pretendia
era para todos os membros da ICAR e portanto, não tinha a pretensão de se tornar mais um
movimento. Para que conseguisse ficar, precisou estruturar-se, de forma que sua proposta de
renovação ficasse sob a égide da instituição. Em 1994 víamos nascer o Documento 53 da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que em sua 32ªAssembleia Geral
discutiram as questões da RCC no Brasil e delimitaram suas ordens. Ali os bispos
representantes da CNBB compuseram as Orientações Pastorais sobre a Renovação
Carismática Católica. De alguma forma, o movimento da RCC conseguiu se colocar
observante à doutrina. Pelo que tudo indica, seguiram na obediência à Igreja Católica e com
isso puderam manter um padrão de comportamento que não viesse a provocar heresias e
desconforto à antiga instituição. Alguns grupos se desvirtuam um pouco gerando certo
desconforto, mas são logo rechaçados.
Há uma expectativa que os membros da RCC tenham uma experiência especial com o
Espírito Santo que os pentecostais chamam de “batismo com o Espírito. Nos grupos de oração
são estimulados momentos emocionais com grande espontaneidade, glossolalia, orações
espontâneas e outras manifestações muito similares aos movimentos pentecostais clássicos e
muitas vezes até mais próximo aos neopentecostais, diferenciando-se, no entanto, pela
obediência ao Papa, devoção a Eucaristia e a Virgem Maria. Entre os membros da RCC é
comum que haja ainda uma mistura a outros grupos conservadores no resgate ao uso do véu
para as mulheres. Um outro ponto que os aproxima dos pentecostais está na questão da
atribuição do mal a demônios ou espíritos malignos. Servem-se para isso de momentos de
oração de cura com imposição das mãos. É comum assistirmos relatos de revelações pelos
membros dos grupos, estimulando o indivíduo a buscar a conversão.
O Batismo no Espírito, efusão do Espírito Santo ou ainda derramamento do Espírito
Santo é a palavra de ordem na RCC. Dessa experiência deve nascer o homem novo
carismático, membro do movimento. Dessa efusão o indivíduo deve fazer a experiência de um
nascer de novo, uma vida nova, recebendo os dons e carismas. Esses dons e carismas são
usados dentro da experiência dos grupos. Pode-se falar do dom da cura, muito prometido
entre os membros da RCC. A este respeito, a CNBB, no Documento 53, faz uma alerta para
que entre os membros da RCC não se “adote qualquer atitude que possa resvalar para um
espírito milagreiro e mágico, estranho à prática da Igreja Católica”. Orar e falar em línguas é
outra prática entre os membros da RCC, seguido do dom da profecia. Pede ainda a CNBB,
Documento 53, que “haja grande discernimento quanto ao dom da profecia, eliminando
qualquer dependência mágica e até supersticiosa”. Assim sendo, aos poucos, a ICAR cerceia a
RCC numa forma de controle.
Em seus encontros de orações, os membros da RCC, numa tentativa de supervalorizar
o espiritual, as orações, os dons e carismas, servem-se das música como aparato
sensibilizador. Dificilmente vamos encontrar um momento de oração de membros da RCC
que não tenha a música como mobilizador de sensibilidade emocional. Por isso, grande é o
número de bandas de músicas católicas que nascem nas paróquias em que existe grupo da
RCC. Na Diocese de Santo Amaro, percebemos o grande número de bandas religiosas,
compostos por jovens. Dos trabalhos paroquiais surgem os megaeventos, com participação de
bandas carismáticas. Esse trabalho tem atraído muitos jovens.
Os trabalhos da Canção Nova, Cachoeira Paulista, SP, evidenciam também o quanto a
música é um forte fator de evangelização da RCC. Canção Nova, um trabalho iniciado pelo
padre Jonas Abib que tem por objetivo, segundo os seus organizadores, atrair os jovens para a
pessoa de Jesus Cristo. Segundo Oliveira (2014, p. 123), “periodicamente, nos fins de
semana, católicos carismáticos simpatizantes, entre outros, reúnem-se para grandes eventos de
massa (encontro/retiro com palestras, shows, missas), a maioria deles conhecidos como
acampamento”. Criaram ali uma técnica chamada PHN (Por hoje não), com bastante sucesso
na evangelização dos jovens. Em linhas gerais, convocam o jovem para uma santidade
radical. Os temas namoro e sexualidade são apresentados de forma conservadora, ou seja,
reproduzindo os padrões morais e éticos religiosos. Termos como “ficar, preservativos e sexo
antes do casamento”, são apresentados de forma a seguir os modelos impostos da Igreja
Católica.
Outros trabalhos ainda são percebidos emergir dentro das universidades, os chamados
MURs (Movimentos Universidades Renovadas). A partir dos MURs surgem os GOUs
(Grupos de Oração Universitários). Os GOUs existem com a finalidade de promover dentro
das universidades encontros de oração, louvor e anúncio da Palavra. Os adeptos da RCC
acreditam que ali acontecem experiências de derramento dos dons carismáticos, como
aconteceu em Duquesne em 1962, provocando entre os jovens a acolhida, a vivência do
perdão, sem deixar de enfatizar a promessa de curas. Enfatizam aos jovens que a “salvação
vem de Jesus e o consolo do Espírito Santo”.
Sendo a música uma estratégia para atrair a juventude, não ficam de lado os meios de
comunicação social usados pela RCC. Conforme Barret (2009, p. 507), a força dos
movimentos pentecostais/carismáticos está no fato de fazerem uso dos meios de comunicação.
Os carismáticos costuma aproveitar bem as oportunidade globais do rádio, da televisão, de
filmes” e outros. O bispo da Diocese de Santo Amaro, juntamente com padre Marcelo,
souberam explorar os meios eletrônicos. O padre Marcelo Rossi, estudado por Carranza
(2000), tendo sempre ao seu lado o bispo diocesano, foi disputado pelas grandes emissoras de
rádio e televisão. O sucesso midiático foi tão grande que com a venda de suas produções
musicais, Marcelo Rossi, pôde ajudar nas obras das cassas de formação da Diocese de Santo
Amaro.
Segundo tudo indica, como aponta Valle (2004), a RCC veio para ficar. Levando em
consideração a pertinência e importância da RCC no século XXI e de como ela serviu de
alavanca para Dom Fernando Figueiredo, bispo de Santo Amaro, na reestruturação da nova
diocese (1989-2016), é que veio o estímulo para essa pesquisa. Buscou-se, com base na
literatura identificar o que vem a ser fenômeno pentecostal presente na RCC, e como ela
responde à demanda do mercado religioso pluralista.
Trazer esse tema como uma dissertação de Mestrado em Ciências da Religião é
favorecer o campo científico com um olhar novo para uma tentativa de entendimento de como
a história, por um período denominada de fase do “desencantamento” faz uma reviravolta
para a fase do “reencantamento”, usando-se da “religião de comunidades emocionais”. Com
isso pode-se trazer uma proposta nova de que a estrutura social se adapta e cria novas formas
numa tentativa de resposta às demandas de sua época. A RCC na Diocese de Santo Amaro
como objeto de estudo, pode ajudar na comprovação de que um movimento, em um dado
momento histórico, representa uma proposta nova, e com isso não deve ser ignorado.
Observa-se que muitas vezes o senso de instituição pode manter engessada estruturas que se
tornam milenares. O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas contribuir
para uma possível compreensão do mesmo.
A religião pode ser vista como “memória coletiva”, no conceito de arquétipos
apresenta por Jung, ou como uma construção do social como expressa Durkheim. Retomando
o sentido a que trabalha Danièle Hervieu –Léger, tratado em especial por Barrozo (2014), os
movimentos pentecostais e neopentecostais, e carismáticos para o catolicismo, respondem à
busca do sentido religioso moderno. A religião passa então, conforme Barrozo (2014, p. 129),
por quatro dimensões: dimensão comunitária, ética, cultural e emocional. Assim sendo, hoje
vemos despontar fortemente a dimensão emocional nesses movimentos modernos. Estamos
no tempo do imediatismo, do descartável, do utilitarismo e a religião teve que se adaptar e
essa realidade. A modernidade não perdoa, ela atropela. A religião tornou-se a religião do
self-service, ou ainda a religião à la carte. O homem moderno não quer mais pensar, não quer
mais esperar. Ele quer respostas rápidas, pois para esperar não tem mais tolerância. Uma
chave de leitura bastante importante para nosso tempo moderno pode assim ser entendido:
excesso de passado pode nos levar à “depressão”; excesso de presente gera “estresse” e
excesso de futuro nos leva à “ansiedade”. São nossas doenças modernas. Sendo assim, na
concepção do homem moderno, a religião que não ajuda a despontar a sensibilidade
emocional interna não contribui.
Este trabalho está composto por quatro capítulos, tentando trazer uma panorâmica
histórica que possibilite compreender o nascimento, desenvolvimento e atualidade da RCC no
campo religioso brasileiro, especificamente na Diocese de Santo Amaro, São Paulo.
O primeiro capítulo, Alguns expoentes que antecedem o surgimento da Renovação
Carismática Católica, faz um resgate da história, na tentativa de sensibilizar o leitor para a
consciência do descontentamentos que os adeptos da religião hegemônica, ICAR, estavam
trazendo há muito tempo. A Reforma-Protestante (1517) passou a ser a mais conhecida marca
desse descontentamento. Com Matinho Lutero (1483-1546) temos um termômetro desse
descontentamento. Lutero deve ser interpretado como uma faísca em barris de pólvoras,
prestes a explodir. Logo após os acontecimentos da Reforma-Protestante, houve uma tentativa
da ICAR em se reestruturar da queda. Mas pelo que tudo indica, forma tentativas que não
apresentaram mudanças na ICAR. Foi a conhecida Contra-Reforma, o Concílio de Trento
(1545-1563), convocado pelo Papa Paulo III (1468-1549), expressando um fechamento da
Igreja Católica às demandas da Reforma-Protestante. Ao invés de se abrir, a ICAR se
defendeu e firmou mais ainda seu instinto de poder, fechando-se numa atitude de prepotência.
Ao término desse concílio já não estavam mais vivos Martinho Lutero e Paulo III. Tempos
depois vemos acontecer o Concílio Vaticano I (1869-1870). Esse Concílio também não
representou mudanças significativas no que tange à abertura da Igreja Católica às demandas
de uma renovação religiosa significativa. Pelo contrário, declara o dogma da Infalibilidade
Papal, na tentativa de defender os fundamentos da fé católica. Com isso passa a condenar os
erros das três correntes modernas da época: racionalismo, materialismo e ateísmo.
Pode-se perceber que entre o Concílio Vaticano I e o Vaticano II, a humanidade vê
nascer o processo da modernidade. Emerge no campo religioso o “fantasma do progresso” e a
Igreja Católica não quer lidar com essa questão. Pio X escreveu a encíclica Pascendi dominici
gregis (1907), contra as doutrinas modernistas. As lutas contra o Estado iluminista foram
inspiradas ainda na Reforma Tridentina. Lutas essas que não forma das mais fáceis. Contra os
erros modernos, a ICAR se posicionou criando conhecida “Nova Teologia”, ou ainda a
conhecida “nouvelle théologie”. Não foram poucas as críticas que a ICAR recebeu nessa
época em relação às suas questões dogmáticas.
Depois de passados praticamente 445 anos é que se vislumbra uma nova esperança
para a ICAR, quando o Papa João XXIII, na tentativa de responder aos anseios da
modernidade, convoca um novo Concílio, o Vaticano II (1962-1965). Um concílio que causa
espanta, apesar de fazer parte de esperança de muitos. Não se pensava que depois do Dogma
da Infalibilidade um papa precisasse ainda convocar um concílio. Mas João XXIII pensava
em um aggiornamento dentro da ICAR. Mudanças que já eram esperadas por tanto tempo.
Algumas questões já estavam tão fossilizadas que até pareciam impossíveis de serem
mudadas. Novos movimentos puderam emergir dessa abertura da Igreja Católica, mas,
aparentemente só prevaleceram os que se colocaram na obediência às normas conservadoras.
O grande mentor dessa transição foi o Papa João Paulo II (1920-2005). A revitalização da
ICAR ficou reduzida a alguns movimentos de cunho conservador.
O Concílio Vaticano II apresentou uma continuidade ou uma descontinuidade com o
que a ICAR era antes? Essa foi a interrogação de muitos estudiosos da religião quando olhado
para a questão do Concílio Vaticano II. Concomitante aos acontecimentos do Concílio vemos
que a Igreja Católica no Brasil já se organizava nas bases movimentos de luta social. Vemos
ai surgir as CEB’s na Amarica Latina. Logo depois do Concílio vemos surgir a TL, numa
proposta de uma teologia sensível aos pobres, ao sofredor. Portanto, existe um desconforto
entre a Teologia europeia e a Teologia Latino-americana. Já não queriam os teólogos viver
uma única teologia, construir uma nova teologia com base na realidade do povo. Nesse
primeiro capítulo pergunta-se ainda quem era o crente da modernidade. O Concílio tinha uma
preocupação em responder às questões do sujeito enquanto fiel que se apresentava perdido no
mundo da modernidade secularizada.
Em 1952 é constituída a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e logo depois, em
1954 nascia a Conferência dos Religiosos do Brasil. São dois órgãos expressivos dos
trabalhos da ICAR no Brasil. A Ação Católica esteve organizada em “setores especializados”
da ICAR no Brasil e com isso pôde influenciar mais diretamente sobre o nascimento da
CNBB. Todos esses acontecimentos denotam uma grande possibilidade de renovação dentro
da ICAR, onde vislumbra-se a descentralização do poder em Roma. O esperado
aggiornamento de João XXIII teria acontecido se as propostas de Concílio não fossem aos
poucos sendo fechadas pelos sucessores de João XXIII, culminado em João Paulo II como o
papa mais contribuiu para levar a ICAR ao conservadorismo. Acolheu a nova primavera, com
os novos movimentos, mas fez com que se institucionalizassem aos moldes conservadores da
Igreja do século XX.
No segundo capítulo, O Movimento da Renovação Carismática Católica (RCC),
podemos ver o surgimento dos novos movimentos dentro da ICAR. Eles nascem das
demandas de mudanças da modernidade. Para se compreender os movimentos da RCC é
preciso ainda fazer a compreensão do que seja um movimento. Por isso, nesse capítulo é
dedicado uma atenção para autores que ajudam a compreender os Novos Movimentos
Religiosos (NMR). Entre eles vemos despontas, como um sopro de renovação, a RCC no ano
de 1967, logo após o evento Concílio Vaticano II. Por isso a RCC é vista como uma resposta
ao pedido de João XXIII ao aggiornamento. Esse movimento surge das experiências
pentecostais entre os jovens na Universidade de Duquesne (EUA). Um movimento que esteve
paralelo a outros movimentos dentro da ICAR, a saber, Comunidades Eclesiais de Bases
(CEB’s) e Teologia da Libertação (TL). Esses últimos movimentos para não terem
conseguido se emplacar devido à sua forma laica de se colocar frente ao social, condenados
por alguns, como movimentos de pouco oração.
Diferentemente dos grupos que fazem frente mais social, a RCC tem características de
grupos que rezam muito, deixando-se mobilizar pela presenta do Espírito Santo. A
experiência do Batismo no Espírito, ao estilo das primeiras comunidades cristãs, é o convite
especial para o ingresso nos Grupos de oração da RCC espalhados por todo o mundo. Com
isso enfatizam os dons carismáticos, como cura, falar em línguas e outros. A definição de mal
para os carismáticos é muito similar aos costumes pentecostais, enfatizando a necessidade de
negar as obras do maligno. A figura da Virgem Maria tem sido muito forte expoente de
espiritualidade carismática, apresentando o diferencial com as igrejas pentecostais e em
específico as neopentecostais.
A RCC surge como um movimento revivacionista que adentra o século XXI, trazendo
para dentro da ICAR uma experiência tipicamente pentecostal, pois ela é traduzida por seus
membros como um sopro de renovação provocado pelo Espírito Santo. Conforme Hocken
(2009, p. 291), falando do acontecimento de Duquesne no ano de 1967, “poucos católicos
haviam sido batizados com o Espírito Santo até 1967. (...) o fim de semana na casa de retiro A
Arca e a Pomba, representou oficialmente o início do movimento de renovação carismática
entre os católicos”. Essa fala de Hocken deixa subentendido que a RCC é uma herança direta
dos pentecostais. Em Duquesne há uma transmissão do Espírito Santo para os católicos e a
renovação começa a acontecer dentro da ICAR. Os dons carismáticos passam a ser
valorizados como experiência de conversão. Começam os católicos também a falar em
línguas, a profetizar, a curar, ou seja, a fazer como os pentecostais.
Desde a colonização (século XVI) até a instalação da República (1889) a ICAR esteve
ligada ao Estado brasileiro. Porém, na segunda metade do século XX começou a haver queda
crescente no número de católicos. O Brasil tornou-se um campo fértil para acolher os
movimentos pentecostais. As batalhas enfrentadas pelos missionários protestantes não foram
poucas. No ano de 1910, já vislumbramos os primeiros pentecostais no Brasil. Alguns autores
vão dizer das três ondas dos pentecostais no Brasil. A RCC chega no Brasil, trazida pelos
jesuítas Eduardo Dougherty e Harold Joseph Rahm nos anos 1969-70.
Nesse segundo capítulo ainda é possível ver como que um movimento que atribui a si
mesmo a unção do Espírito Santo teve que se institucionalizar para não perder seu espaço
dentro da ICAR. Talvez esse tenha sido também a causa de separação entre os padres Eduardo
Dougherty e Harold Joseph Rahm. O que era para ser apenas um avivamento acabou se
transformando um mais um movimento, padronizando o seu método de ensino e formando
suas diversos ministérios em projetos organizados em diversas secretarias de trabalho. Para
uma melhor estrutura organizacional da RCC vemos nascer o documento “Ofensiva
Nacional” do ano de 1993. Este documento “via o crescimento qualitativo da RCC, frente à
linha de Evangelização à luz da “Conferência de Santo Domingo”1 e das orientações da
Igreja.
A RCC, com a preocupação de se adequar às exigências da ICAR, na tentativa de não
criar nenhum celeuma, buscou se estruturar cada vez mais. Com o intuito de realizar as
“diversas expressões de serviços, criou, junto ao projeto de Ofensiva Nacional as diversas
Secretarias de Projetos. Ao tratar do tema sociedade e política, vemos que seguem as
Doutrinas Sociais da Igreja. Na política, coloca-se bastante conservadora e seu envolvimento
com algum político se faz na busca de algum favoritismo. Nas últimas eleições houve uma
melhor tentativa de um impulso para candidatos cristão católicos lançados pela própria RCC.
Acreditam seus membros que o papel da Igreja é o de conscientizar o cristão e não apontar
para ele esse ou aquele candidato.
A juventude e os meios de comunicação são ainda dois elementos fundamentais para a
RCC. Através da música buscam atrair a juventude para um caminho da santidade radical. “ou
santo ou nada” é a palavra de ordem. O projeto Canção Nova, com expoentes como Jonas
Abib e o cantor Dunga, passou a ser o ponto regencial da juventude. Os meios eletrônicos
servem de impacto em disputa com frente aos meios de evangelização de outras
denominações religiosas.
No terceiro capítulo temos A Renovação Carismática Católica na Diocese de Santo
Amaro, onde é feito um recorte do trabalho, olhando como a RCC se coloca em um Igreja
Particular. Em 1552 era erigida a capela em honra a Santo Amaro, quando o “casal português
João Paes e Suzana Rodrigues”, procuraram José de Anchieta para que pudessem doar a
imagem para o intento.
Para compreender a Diocese de Santo Amaro é preciso antes compreender sua ligação
e desmembramento da atual Arquidiocese de São Paulo. Em 1745, tempos remotos, a Diocese
de São Paulo foi desmembrada da Diocese do Rio de Janeiro pelo Papa Bento XIV, com a
Bula Candor lucis aeternae, e no ano de 1908, (163 anos depois), o Papa Pio X eleva a
1 A Quarta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo Domingo, na República
Dominicana, no período de 12 a 28 de outubro de 1992. João Paulo II a convocou oficialmente no dia 12 de
dezembro de 1990, estabelecendo como tema: "Nova evangelização, Promoção humana, Cultura cristã", sob o
lema: "Jesus Cristo ontem, hoje e sempre" (Hb 13,8). Disponível in:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Quarta_Confer%C3%AAncia_Geral_do_Episcopado_Latino-Americano. Acesso
em 16/06/2017.
Diocese de São Paulo à Arquidiocese, com a Bula Dioecesium Nimiam Amplitudinem. A
partir de 1967 as regiões episcopais começaram a ser organizadas na Arquidiocese de São
Paulo. Em 1989 Santo Amaro foi erigida diocese, tendo como seu primeiro Bispo Dom
Fernando Antônio Figueiredo. Na visão conservadora de alguns, a Diocese de Santo Amaro
nasce em um contexto sócio-político bastante crítico, em que os movimentos sociais faziam
frente emergindo entre o clero e bases leigas.
As novas dioceses fundadas nessa época herdavam as marcas deixadas pelo trabalho
do Cardeal Evaristo Arns, como um líder religioso envolvido com o lado social. Isso não
deixou de influenciar a região santamarense, o que seria o futuro território onde se instalaria a
nova Diocese. As CEB’s eram bastante representativas e o campo de ação da Igreja católica,
envolvida com o social, fazia parte da realidade da qual o novo bispo diocesano deveria fazer
sua atuação.
No início de seu ministério pastoral na nova diocese, Dom Fernando Antonio
Figueiredo teve que enfrentar o que chamavam de uma “igreja inserida no meio dos pobres e
comprometida com o social, Igreja militante ou progressista”. Devido a resistir a esse “jeito
de ser igreja”, o novo bispo foi taxado de conservador. Seu enfrentamento foi o de se colocar
seguro da missão de quebrar esse esquema de igreja onde emergiam os leigos e imprimir um
caráter mais clerical. Seu intento deu certo. Pôde contar com o apoiou do que veio a ser o
fenômeno carismático padre cantor Marcelo Rossi. Em pouco tempo, como modelo midiático
o padre começou a arrastar multidões e a atrair muitos jovens vocacionados à vida consagrada
para a nova diocese. Em pouco tempo cresceram em números consideráveis os números de
formandos na Diocese de Santo Amaro. Com isso foi possível também criar novas paróquias
na diocese.
Atualmente a Diocese de Santo Amaro conta aproximadamente 2.800.000 habitantes,
sendo aproximadamente 1.900.000 católicos. Possui 112 paróquias distribuídas em 11 setores
diocesanos, aproximadamente 200 padres, 170 religiosos e 190 religiosas2. Em pouco tempo a
nova Diocese, que antes era voltada ao social, aos moldes do seu antigo Cardeal Evaristo
Arns, se transformando no mais famoso “polo carismático”. A Diocese criou um rosto
carismático e esteve, juntamente com seu maior representante Marcelo Rossi, em ibope na
mídia. A partir de 1995, de “12 seminaristas a Diocese de Santo Amaro passou para 45 em
2004”. Isso significa um crescimento de 375% que se deve à ação da RCC com grupos de
2 Disponível in: https://pt.wikipedia.org/wiki/Diocese_de_Santo_Amaro. Acesso em 19/6/2017.
oração de jovens, com seu incentivo às bandas juvenis, sobretudo através de festivais
diocesanos de músicas carismáticas, afirma Souza (2005, p. 91). Pode-se dizer ainda, segundo
as pesquisas de Souza (2005, p. 92), que em quanto a arquidiocese de São Paulo, de 1996 a
2000 ordenava 60 presbíteros, a Diocese de Santo Amaro formava 15 somente em 2001. São
dados bastante relevantes para entender como Marcelo Rossi e RCC serviram de alavanca
para impulsionar o avanço da Diocese. Junto a tudo isso a RCC também ganhou seu espaço e
alçou voo. São várias as paróquias procuradas pelos fiéis por causa de suas missas para louvor
e cura. Sem contar com as diversas comunidades de vida carismáticas ali formados ou vindas
de fora recebidas por Dom Fernando.
Interessante é que os leigos conseguiram se adequar a esse jeito de ser igreja que se
deu em consequência das manobras tomadas. São muitos os grupos nas paróquias em que as
mulheres fizeram uma volta ao uso do véu. Os seminaristas desde cedo aderem ao uso da
batina. Em algumas paróquias até mesmo os croinhas passaram a usar a batina para os
serviços do atar, de forma que essa função foi proibida para as meninas.
No quarto capítulo procura-se fazer Uma avaliação do reavivamento da Renovação
Carismática Católica na Diocese de Santo Amaro, trazendo primeiramente os conceitos de
religião e coletividade apresentadas por Durkheim (1858-1917), numa tentativa de entender o
sentido social da RCC na Diocese de Santo Amaro. Também a compreensão de religião como
arquétipo de Jung (1875-1961), vem ajudar no entendimento da busca de sentido religioso que
o humano tem.
O homem, no percurso da história sempre deixou marcas de que é um ser religioso e
que sempre buscou o sentido da religião com seu próprio sentido. Por mais que a história seja
marcada entre afirmar e negação de Deus, as evidências é que só o homem social pode dar
sentido ao religioso uma vez que ele marca sua própria história com os rituais. O mito é a
tentativa de explicar aquilo que não tem como ser explicado, o “sagrado”. Nem tudo o homem
explica, penas vivencia. A religião dá o sentido aquilo que não se pode explicar. Por isso, o
sentido de religião não pode ser reducionista. “Qualquer análise do campo religioso” tem que
ser “plural: história, sociologia, etnologia, filosofia, ciências políticas, etc., onde cada um
possa fazer um olhar específico”. A ICAR interpretou o processo de secularização como
“ateísmo” ou tentativas de uma “cosmovisão não-religiosa”. Interpreta, por exemplo, que
“Buda tenta resolver o problema da dor sem apelar para Deus” e que Marx e Comte teriam
feito a mesma coisa. Um outro expoente do ateísmo foi Freud, quando. Como para Marx a
religião seria “ópio do povo”, um meio de acalmar e de controlar, para Freud a religião seria
poderia ser uma ilusão, expressão de uma neurose e imaturidade psíquica (regressão),
segundo Küng (2010, p. 66).
Ainda nesse capítulo é possível fazer uma compreensão dos termos secularização e
desencantamento, sagrado e profano apresentados em estudos das Ciências da Religião.
Segundo alguns autores, a secularização tem tudo a ver com o processo de emancipação do
homem moderno. É um processo em que homem fica adulto e não mais precisa de algum que
lhe segure as mãos. Essa independência pode fazer bem e outras vezes pode também
maltratar. É como a adolescente. Ao mesmo tempo que quer se auto afirmar, não consegue se
distanciar dos pais. Sendo assim, traz suas consequências. Ganhos e perdas estão envolvidos
no processo de maturação, seja ela qual for. A secularização é o processo laico do Estado, ou
como vão dizer Olivier Bobineau e Sébastien Tank-Storper (2011, p. 11), “portadora de duma
fé na onipotência, as luzes do século XVIII abrem a possibilidade de uma história humana
emancipada da tutela divina”. Assim a secularização possibilitou o pluralismo religioso, por
mais que ainda tenhamos os integristas e os fundamentalistas.
O trabalho de burocratização das instituições tendem a fazer uma busca pelo
marketing como necessidade de manutenção de seu capital. O pluralismo religioso demanda
de um trabalho de Marketing. O mercado simbólico precisa ser perpetuado. Na composição
desse trabalho pudemos avaliar o que escreve Bitun no seu livro Mochileiros da fé (2011), a
respeito do “peregrino” da sociedade de hoje que busca os diversos mercados religiosos. A
esse visão apresentada por Bitun, faz-nos ainda pensar Bourdieu (2015, p. 59), quando
escreve sobre o tema “autonomia relativa do campo religioso como mercado de bens de
salvação”. Para Bourdieu não seria possível hoje negar a necessidade de uma “gestão do
depósito de capital religioso (ou sagrado) produto do trabalho acumulado” nas instituições
religiosas.
A RCC se estruturou com seus diversos ministérios (serviços), fazendo assim com que
toda a Diocese de Santo Amaro recebe-se um rosto carismático. A pesquisa aponta que ao
todo são 68 paróquias que na Diocese têm seu grupo de oração. Não se pensa o clero sem a
dinâmica carismática. Poderíamos então nos perguntar: que condicionamentos isso traz para a
Diocese? Ou seja, uma atuação tão marcadamente carismática, poderia ser limitante para a
atuação global da Diocese de Santo Amaro? Poderíamos perguntar ainda: como ficam os
outros movimentos ou frentes de trabalhos pastorais da Diocese? São questões que merecem
um olhar crítico.
Por fim, buscou-se fazer um breve olhar para o conceito de religião de comunidades
emocionais, características marcantes dos pentecostais e do movimento da RCC. São grupos
fortemente marcados por uma religião voltada para o despertar emocional do indivíduo,
fazendo com que ele não precisa pensar seus problemas, mas deixar apenas se levar pelas
momentos de louvor e adoração proporcionado pelos atuais grupos de oração. A música tem
sido o forte aliado para esse dinâmica de oração e modo de ser religioso. Pode-se ainda pensar
sobre as religiões à la carte que respondem ao desejo religioso do homem moderno
imediatista que quer tudo para ontem, sem querer sofrer as demoras do curso natural da vida.
Assim gerou-se mercado religioso de oferta e de procura.
Cap. I
COMPREENDENDO AS MOTIVAÇÕES DO NASCIMENTO DA
RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (DA REFORMA
PROTESTANTE AO CONCÍLIO VATICANO II)
Varinha mágica que faz as coisas aparecerem por encanto só em contos de fada. A vida
reage ao “estímulo” de uma ação. Antes de colher é necessário plantar. Para fazer é preciso
tentar. Tentar é ter espírito aberto e criativo, isto é, disposto a não perder oportunidade.
Desta forma nunca fica na espera de algo, antecipa sua realização por estar atento, ou seja,
provoca a situação para fazer a coisa acontecer. Quem age assim prefere fazer a encontrar
pronto. Quem nunca tenta, nunca vai saber se é capaz.
(Nenevê – 2007).
Introdução
Esse primeiro capítulo tem como fundamento buscar compreender que sinais
históricos dentro da ICAR apontaram para um descontentamento religioso capaz de receber a
proposta da RCC, possibilitando sua atuação a ponto de ocupar significativo campo religioso
no século XXI como uma proposta de reavivação. Entre eles podemos citar a Reforma
Protestante, a Contra Reforma, também compreendida como Concílio de Trento e o Concílio
Vaticano I. O Concílio Vaticanos II foi o principal expoente na ajuda de compreensão de um
cenário do mundo religioso católico capaz de acolher o movimento da RCC, quando João
XXIII interpreta o momento histórico como a necessidade de um aggiornamento para a ICAR
do século XX. Nesse período vemos ainda se destacar a Teologia da Libertação (TL) e as
CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base) como um jeito de ser Igreja na Amarica Latina.
Esses movimentos, no Brasil, significavam uma Igreja militante, de base. Em um mundo em
evolução, vemos emergir a modernidade, provocando mudanças no campo religioso.
1.1 – Antecedentes históricos
1.1.1 - A Reforma Protestante (1517)
Quando a Reforma Protestante teve início (1517), havia um antigo descontentamento
dentro da Igreja. Por isso a Reforma se tornou um acontecimento histórico marcante,
demostrando sinal de descontentamento e, por sua vez, uma necessidade de mudança na
Igreja. Sendo assim, não há como negar que a Reforma Protestante foi um divisor de águas na
história da Igreja. A ele segue ligado um nome bastante forte, Martinho Lutero (1483-1546).
Isso não significa que não possamos citar ainda outros fortes expoentes que aparecem ligados
aos gritos de necessidade de reforma da Igreja. Na literatura, segundo Jaime de Barros
Câmara (1957, p. 11), John Wycliff (1328-1384)3 e Jan Huss (1369-1415)4, são dois fortes
expoentes dessa afirmação. Mais ou menos 200 anos antes de Martinho Lutero, Wycliff e
Huss agitavam a ideia de uma reforma religiosa. Eles ansiavam por mudanças religiosas e,
3John Wycliff (1328-1384), aluno brilhante de Oxford, filósofo e teólogo, era muito mais um intelectual do que
condutor de homens. Entre outras ideias, colocava-se fortemente desfavorável aos abusos da Igreja e à
depravação do clero. Na sua visão, o clero estava muito apegado às coisas materiais. Por tocar em assuntos tão
polêmicos, teria facilmente admiradores (DANIEL-ROPS – 1996: 151). 4Jan Huss (1369-1415), abreviado para João Huss, órfão de pai e mãe, sempre fora muito bem nos estudos. Foi
confessor da rainha Sofia (Boêmia). Como bom orador começou a propagar as ideias de Wycliff, colocando-se
contra as riquezas do clero que causavam escândalo. Chegou a denunciar o fisco pontifício. Por último, dizia que
a fé deveria ter como única base a Sagrada Escritura, criticando a Tradição como Anticristo. Rejeitou a
confissão, confirmação e unção dos enfermos. Não admitia as indulgências e ensinava a predestinação
(DANIEL-ROPS – 1996: 154-156).
como as mudanças não aconteciam nunca, interpretaram que seriam eles os obrigados a
realizá-las.
Já no limiar do século XIV, Guilerme le Maire, de Angers, bradava:
“A Igreja tem de ser inteiramente reformada, tanto na cabeça como nos
membros”, e o bispo Guilherme Durand, de Mende: “Se não se fizer a reforma
com urgência, as coisas irão de mal a pior”. Ao longo de todo o período que
vimos considerando, grandes vozes se erguem incansavelmente e gritam as
mesmas advertências (DANIEL-ROPS – 1996, p. 129).
É certo que o desejo de uma reforma pairava pelo ar e que a mesma se fazia premente,
e não eram poucos os que estariam dispostos a provocá-la. Só lhes faltava, como diz Daniel-
Rops (1996, p. 136), uma personalidade revestida de um prestígio universal.
No entender de Jonathan Hill (2007, p. 249), a ICAR nesse período enfrentava uma
das maiores crise de sua história, pois o “Vaticano se tornara simplesmente nada mais que
outra corte”. Mesmo que Lutero não tivesse a pretensão de provocar tamanha avalanche, o
fato aconteceu. Sua verdadeira intenção era a de reformar a ICAR a partir de dentro. Mas
perdeu o controle das coisas e as divisões aconteceram. Assim sendo, relata Daniel-Rops
(1996, p. 304), os partidários de Lutero sentiam-se subitamente reanimados com a situação
em que chegara a ICAR. O campo ficou praticamente livre para o luteranismo e os
acontecimentos favoreceram sua expansão.
Refazendo este percurso, pode-se afirmar que a Reforma Protestante
sinaliza o rompimento interno da cristandade medieval. Ocupando a primeira
metade do século XVI, este acontecimento provocou um grande desgaste na
vida interna da Igreja e o desfecho final, com a ruptura definitiva, significou o
marco histórico da quebra na unidade católica. Por sua vez, este fato já é, por
si mesmo, a confluência de múltiplos fatores sociais que em situação anterior,
dado aos movimentos que se faziam presentes na vida cultural, pressionavam
a Igreja na urgência de realizar mudanças e reformas (VICTOR HUGO
MENDES – 2012, p. 142).
Coube a Lutero personificar o movimento de grande marco na história da Igreja,
chamado de Reforma Protestante, e diante do acontecido a ICAR, não ficou inerte. Buscou
dar suas respostas aos anseios de reforma e não tinha outra coisa a fazer senão dar início a
Contra-Reforma.
1.1.2 – A Contra-Reforma: O Concílio de Trento (1545-1563)
A Reforma Protestante, juntamente com outras mudanças, trouxe, apesar de grande
sofrimento, um impulso para tomadas de posição da ICAR. Denominou-se de Contra-
Reforma a sua reação. Mas não foram poucos os sinais de mudanças e segundo Agenor
Brighenti (1995, p. 200), a Contra-Reforma não foi o único movimento responsável pelo
rompimento interno da cristandade.
Como uma Contra-Reforma aconteceu o Concílio Ecumênico5 de Trento com o
intento de Paulo III (1468-1549) em 1545. De acordo com Giuseppe Alberigo (1999, p. 202-
201), esse Concílio não trouxe grandes inovações. Não apresentou nenhuma novidade no que
diz respeito às questões eclesiológicas6. Se os problemas que levaram à Reforma Protestante
foram questões marcadamente ligadas aos abusos hierárquicos, era esperado que o Concílio
de Trento trabalhasse as matérias relacionadas e trouxesse propostas novas de mudanças
eclesiológicas. Mas isso não aconteceu. De certa forma Trento não passou de um resumo dos
Concílios anteriores.
No espírito de Contra-Reforma ou Reforma Católica, o Concílio de
Trento, apresentava-se como um lento despertar em meio aos assombros de
um terremoto. Em sua forma reativa, o que parecia de início a busca de
proteção, logo se transformou em defesa e intento explícito de “frear” a
sublevação que se havia constituído, em visível pretensão de reforma-
restauração (MENDES – 2012, p. 144).
De fato, o Concílio de Trento encerrava-se num contexto bem
diferente daquele em que fora aberto em dezembro de 1545. O cristianismo
ocidental já havia perdido a sua unidade e as esperanças que o concílio
pudesse lha restituir haviam se evaporado drasticamente. Se a Igreja fiel a
Roma havia encontrado no concílio uma referência decisiva para frear o
processo de desagregação disparado pela Reforma, grandes e antigas áreas
cristãs já tinham consolidado uma agregação eclesial autônoma e alternativa.
Igualmente havia mudado a situação geral política e cultural, econômica e
geográfica (ALBERIGO – 1999, p. 245-246).
Hill (2007, p. 259), nos diz que as várias sessões do Concílio duraram cerca de 18
anos, com longas tréguas. Fato bastante interessante, pois denota a morosidade das
5O vocábulo ecumênico, neste contexto, não deve ser entendido como ecumenismo no sentido amplo de “diálogo
entre as Igrejas”, mas como uma colegialidade da própria ICAR. No Código de Direito Canônico da ICAR
encontra-se assim definido: “O Colégio dos Bispos exerce seu poder sobre toda a Igreja, de modo solene, no
Concílio Ecumênico (cf. cânon 337 - § 1). Em nota de roda pé em explicação a esse Cânon, encontramos que
concílio significa uma “reunião” ou “assembleia” para dirimir diferenças”. Ainda, “a palavra ecumênica é usada
como sinônimo de universal”. A ICAR reconhece como ecumênicos 21 concílios, o primeiro dos quais foi o de
Niceia (325) e o último o Vaticano II (1962-1965) (Código de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 1983). 6 Existem controvérsias sobre esse concílio ter sido profícuo. Para Sarpi apud Alberigo (1999, p. 2000): “Este
Concílio, desejado e buscado pelos homens piedosos para reunir a Igreja [...]; e manipulado pelos príncipes para
a reforma da ordem eclesiástica, causou a maior deformação que poderia haver depois que se ouviu o nome de
cristão; usado pelos bispos para reconquistar a autoridade episcopal, em grande parte passada somente para o
pontífice romano, fez que eles a perdessem toda e inteiramente...”
transformações. Quando o Concílio terminou o Papa Paulo III e Martinho Lutero já haviam
morrido. Sendo assim, a sua aplicabilidade já não surtiria o efeito esperado. Haviam se
passado quase 20 anos desde sua abertura. Conclui-se com isso que Concílio de Trento
apresenta dois sinais negativos: além de não trazer novidades eclesiológicas, ainda apresenta
grande morosidade no seu desenvolvimento.
1.1.3 - O Concílio Vaticano I (1846-1878)
Ao olhar de A. Galli (1964, p. 264), os dois séculos entre a Reforma Tridentina (1545-
1563) e a revolução francesa (1789-1799) são assinalados por uma cisão lenta entre Igreja e
Estado. Foi um período marcado pelo surgimento de doutrinas filosóficas que, de certa forma,
segundo a visão da ICAR, vinham para impugnar algumas de suas verdades e em especial as
substâncias do Cristianismo. Para Rosino Gibellini (2012, p. 157), o que se sabe é que a crise
modernista estava desencadeada, fazendo com que despontassem os seus críticos.
Mesmo que inspirada pela Reforma Tridentina, as lutas da ICAR contra o Estado
iluminista, não foram das mais fáceis. Contra os erros modernos, a ICAR se posicionou
criando a conhecida “nouvelle théologie” (Nova Teologia). Uma “alternativa real à teologia
tradicional”, segundo Carlos Palacio (2001, p. 27). São muitas as críticas colocadas nessa
época em relação às questões dogmáticas da ICAR. Não se pode deixar de mencionar aqui a
encíclica de Pio X, contra as doutrinas modernistas: Pascendi dominici gregis (1907), um
documento preciso e muito impiedoso contra a modernidade. Todas essas questões criou um
clima de tensão diante das ideias teológicas da época, tendo a ICAR que se preocupar com
isso. Tanto que em 1950, Pio XII promulgou a encíclica Humani Generis, contendo uma forte
crítica “às novas tendências que conturbavam as ciências sagradas”, dispersando assim o
grupo de teólogos que fomentavam uma teologia da renovação, segundo Gibellini (2011, p.
173).
Aos poucos, com o iluminismo, foram brotando as ideias democráticas de liberdade,
igualdade e fraternidade, vistas de forma desfavoráveis pela ICAR. Em Hill (2007, p. 314),
temos que René Descartes (1596-1650), um dos principais expoentes do racionalismo, traz a
guerra marcada pela disputa entre fé e razão. O racionalismo provocou um rompimento
violento com a tradição cristã à procura de caminhos espirituais totalmente humanos e
racionais, independentes de qualquer autoridade religiosa (PUCRS – 1997, p. 207). O
Concílio Vaticano I surge como uma resposta a essa nova etapa da história. Quando alguns
impasses pareciam terem sido superados, surge uma nova crise para a ICAR. Crises essas
também já sentidas pelos protestantes que emergiam.
Por um lado temos os intelectuais, que segundo Hill (2007, p. 354), tinham desistido
do cristianismo. Diziam que ele estava “fora de moda, irracional e supersticioso”. Por outro
lado, desponta um grupo, com uma nova maneira de pensar que tentava a todo custo fugir da
tirania da razão. A essa nova abordagem vão chamar de romantismo, de onde origina a
“teologia romântica”. Essa nova teologia tem sua base de culto na emoção é na natureza7.
Para Galli (1963, p. 294), o romantismo veio acentuar a espiritualidade numa visão religiosa e
idealista do mundo. Tudo era visto à luz da Divindade criadora e vivificadora. Essa visão
religiosa idealista do mundo vai dar grande vasão para a doutrina do imanentismo8 e o
modernismo.
Mendes (2012, p. 146), vai dizer que não foram poucas as perturbações sociais e
políticas do período em que a ICAR se vê obrigada a buscar um novo concílio. Já se haviam
passados 80 anos do acontecimento Revolução Francesa. O fantasma do progresso das
ciências naturais não tinha deixado de rondar os sistemas religiosos e com isso fez com que
eclodisse a crise da fé, desencadeando o cristianismo liberal. Em resposta a tudo isso, a ICAR
acreditou ser necessário um novo concílio. Em Hill (2007, p. 364), encontramos que em 1869,
Pio IX, convocou o Concílio Vaticano I9 com a incumbência de enfatizar a autoridade da
ICAR endossada na autoridade do papa, declarando assim a “Doutrina da Infalibilidade
Papal”10. Não bastando a declaração da infalibilidade papal, houve também a publicação do
7Destaca-se nesse movimento Friedrich Schleiermacher (1768-1834). As ideias de Kant de que Deus estava além
da possibilidade da razão causa-lhe bastante impacto (HILL – 2007, p. 355). 8 Segundo um dicionário online, Imanentismo significa: Doutrina metafísica segundo a qual a presença do divino
é pressentida pelo homem, mas não pode ser objeto de qualquer conhecimento claro. Disponível in:
https://www.dicio.com.br/imanentismo/. Acesso em: 02/03/2017. 9Para Alberigo (1999, p. 278), as duas constituições aprovadas pelo Vaticano I estão baseadas numa comum
concepção da autoridade. A Pastor aeternus é expressamente dedicada à autoridade pessoal do papa. Juntamente
vem a Dei filius, com finalidade doutrinal que trata da fé, não para professá-la, mas para descrevê-la
teologicamente e para condenar uma série de erros. Tem um sentido técnico. 10 No entendimento da ICAR, “o Papa é infalível quando fala nas condições "Ex Cathedra" - (do latim) significa,
literalmente, "da Cadeira" ou "do Trono". Quer dizer que o Papa é infalível quando se pronuncia a partir do
Trono de Pedro, isto é, como Sumo Pontífice, como o sucessor daquele que recebeu as Chaves do Reino dos
Céus, líder e condutor terreno de toda a Igreja, exclusivamente nas seguintes condições: 1) Quando se pronuncia
como sucessor de Pedro, usando o poder das Chaves concedidas ao Apóstolo pelo próprio Cristo Jesus (Mt
16,19); 2) Quando o objeto do seu ensinamento é a moral, fé ou os costumes; 3) Quando ensina à Igreja inteira;
4) Quando é manifesta a intenção de dar decisão dogmática (e não alguma simples advertência), declarando
anátema que se ensine tese oposta”. Disponível in: http://www.ofielcatolico.com.br/2001/04/a-infalibilidade-
papal-o-papa-e.html. Acesso em: 11/03/2017.
Syllabus errorum modernorum11. Diante das tomadas de decisões a que a ICAR teve nesse
concílio, houve uma reação protestante com intuito de enfatizar ainda mais a autoridade da
Bíblia (Sola Scriptura). Tornaram-se ainda mais radicais a tudo que desagradava à autoridade
da Bíblia.
De acordo com Ney de Souza (2013, p. 65), o Concílio Vaticano I não conseguiu
chegar ao seu fim “devido à guerra franco-prussiana” (1870-1871), mas deixou claro em seu
posicionamento a oficialidade da ICAR, fortalecendo-a como Instituição. A modernidade a
cada dia emergia e fazia-se necessário algo novo. Novas janelas no Vaticano precisavam ser
abertas. Algumas ideias já estavam mofas. Pode-se dizer que o Concílio Vaticano I foi
retomado no Concílio Vaticano II.
1.2 – Uma nova teologia e um novo “jeito de ser Igreja” 12
No percurso histórico da Igreja Católica vamos perceber que emergem dois grandes
movimentos, as Comunidades Eclesiais de Bases (CEB’s) e Teologia da Libertação (TL). Eles
podem ser vistos como um fenômeno da transformação na igreja da América Latina, sendo
entendidos como uma “nova subestrutura política organizacional”, tendo a proteção das
paróquias. Haight (2012, p. 470), escreve que enquanto as CEB’s se identificavam como um
novo jeito de ser Igreja, surgia a TL. A partir da compreensão do que seja TL e CEB’s
podemos compreender melhor porquê a RCC, melhor consegue conquistar o campo religioso
brasileiro, ganhando significativa expansão, enquanto que aqueles aos poucos vão ficando
esquecidas.
1.2.1 – Definição da Teologia da Libertação: origens e limites13
11Aos 8/12/1864 o Papa Pio IX promulgou o Sílabo ou uma coletânea de erros filosófico-religiosos modernos
condenados pela fé católica. Entre eles havia, como erro rejeitado, a afirmação de que o Papa se deve reconciliar
com a civilização e o progresso. Este gesto condenatório se explica pelo contexto do século XIX e não se
repetiria em nossos dias. É o que as páginas subsequentes procuram demonstrar. Revista: PERGUNTE E
RESPONDEREMOS - D. Estevão Bettencourt, osb. Nº 534 – Ano: 2006 – p. 537. Disponível in:
https://pt.scribd.com/document/59323377/Revista-Pergunte-e-Responderemos-Ano-XLVII-No-534-Dezembro-
de-2006. Acesso em: 2/3/2017. 12Refrão da música de Ofertório das comunidades (Zé Vicente): Novo jeito de sermos igreja, nós buscamos,
Senhor, na tua mesa. Muito cantado nas celebrações de grupos de CEB’s nos anos 80-90. 13Para Castanho (1998, p. 186), Richard Schaull, Joseph Comblin e Rubem Alves são vistos como precursores da
TL. Gustavo Gutierrez (peruano) e Hugo Assmann (brasileiro), são vistos como fundadores. Depois podemos
Falar de Teologia da Libertação (TL), é entrar em um campo bastante amplo e ao
mesmo tempo melindroso, polêmico. Amplo porque o material produzido é bastante vasto,
com ampla produção literária, tanto favoráveis como desfavoráveis. É um tema que gerou
muito desconforto para aqueles que a idealizaram, por isso bastante polêmico. Muitos de seus
expoentes, quando ela perde a sua “euforia inicial”, vieram a fazer a experiência do
“cativeiro”, ou seja, foram perseguidos e tiveram até mesmo silenciar.
O que vem a ser a TL? Segundo um dos principais expoentes da TL, Leonardo Boff
(1998, p. 170), a teologia pressupõe algo “prévio”, e esse algo prévio é a “fé”. Fé é crer em
algo. O cristão católico afirma crer em Deus, e que esse “Deus não é abismo, mas um mistério
de amor”, concretizado em Jesus Cristo. Para Boff (1998, p. 171), a teologia começa sobre a
matéria-prima fé e tenta aplicar sobre ela toda a potência da razão na tentativa de entendê-la o
máximo possível. A teologia, grosso modo, seria uma forma de criar um discurso a partir da
fé. Segundo Boff, para Santo Anselmo (+-1109), “a teologia seria definida como a fé que
procura compreender”.
- Por detrás de cada teologia verdadeira existe uma mística, isto é, um
encontro com Deus. Sem esta experiência (fé), a teologia não passa de
tagarelice inócua; - A teologia possui por objeto Deus (é o sentido etimológico
de teo-logia = discurso sobre Deus), seja enquanto é buscado pela razão em
sua procura de uma última racionalidade e sentido (teologia natural), seja
enquanto Ele mesmo se revela aos homens e se encarna em Jesus Cristo e é
acolhido pela fé (teologia propriamente dita); - O objeto da teologia não é
somente Deus revelado, mas também todas as coisas enquanto contempladas à
luz de Deus.[...]; - Nascida da fé a teologia deve regressar à fé, alimentá-la e
não liquidá-la, torná-la mais lúcida e não mais confusa (BOFF – 1988, pp.
171-172).
Sendo assim, a teologia pode ser feita a partir de minha ótica pessoal de fé.
Essa fé muitas vezes pode depender do lugar social que o indivíduo ocupa. Na ótica de Boff
(1988, p. 191), a teologia europeia tem uma preocupação de como “compaginar fé e ciência
moderna, Igreja e mundo industrializado, piedade e secularização”. Para a teologia latino-
americana, as preocupações são outros, a saber: “como articular fé e justiça social?
Evangelização e libertação? Mística e política, luta de classe e amor cristão?”. Esse é o fazer
teologia para a mente da TL.
Tentando entender o que seja libertação para a TL, Ronald Blank (2008, pp. 3-11), vai
dizer que é na “opção preferencial pelos pobres, que se encontra o sentido da teologia
dizer que o Cardeal Eduardo Pironio, Dom Helder Câmara, Frei Leonardo Boff, Juan L. Segundo e José Migues
Bonino como expoentes da TL.
tipicamente latino-americana, conhecida geralmente sob o nome de teologia da libertação”.
Essa realidade está, segundo o autor acima mencionado, “profundamente enraizado na
tradição bíblica de um Deus que se revela como o Deus dos oprimidos”. Segundo Boff (1998,
p. 193), a originalidade da TL está na “prática de transformação social inspirada pela fé
bíblica”. Entende-se ainda que “a excelência da vida humana se define a partir da liberdade”.
Sendo assim, não seria possível fazer teologia negando a realidade de opressão do povo
latino-americano.
O que significa então libertação para a TL? Segundo Gibellini (2012, p. 351), “a
palavra-chave libertação é o correlativo da palavra dependência”. Para se chegar à definição
de dependência na teologia, antes passou-se pela teoria “sociopolítico da dependência” como
um dos “instrumentos interpretativos da realidade social da América Latina”. A temática
dependência não fica só no campo sócio-político. Vai mais além e chega ao campo da
pedagogia no país, com as contribuições de Paulo Freire14, nas obras: A educação como
prática da libertação (1967) e A pedagogia do oprimido (1971). Segundo Boff (1988, p. 198),
a reflexão latino-americana da libertação traz experiência bíblica do Êxodo como eixo central.
É no êxodo que o Povo de Israel faz a experiência de ser libertado da escravidão do Egito.
Moisés aceitou ser um instrumento de conscientização desse povo dependente.
Então o que dizer que seja a TL? Não se pode negar, como diz André Corten (1996, p.
21), que a palavra libertação pertence ao “léxico político da época: movimento de libertação
nacional”. Em um segundo momento ela busca a tendência do “léxico econômico
dependência/libertação”, chegando mais tarde ao “léxico pedagógico”. Nessa perspectiva é
possível perceber que o movimento TL está situado num contexto histórico e vem como
resposta às demandas de uma sociedade que busca por justiça social, refletindo nas bases
bíblicas a sua sustentação. Propaga o forte apelo pela “opção preferencial pelo pobres”.
Sofreu pressões do “relatório Rockefeller” (1969)15, como se fosse uma estratégia comunista
14Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro. É considerado um
dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado
pedagogia crítica. É também o Patrono da Educação Brasileira. Disponível in:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire. Acesso em: 11/3/2017. 15Em 1967 o Presidente norteamericano Nixon designou o Senador Nelson Rockfeller para visitar os países da
América Latina e estudar os posicionamentos da Igreja Católica quanto à oposição ao comunismo, e à ascensão
de governos filo ou pró-comunismo. A viagem resultou no volumoso “Relatório Rockfeller”, que, sob aquele
aspecto concluiu que a Igreja Católica não era mais um aliado confiável dos Estados Unidos na luta contra o
comunismo. Disponível in: https://blogdopaulinho.com.br/2009/08/19/relatorio-rockfeller-%E2%80%93-
lavagem-cerebral-religiosa/. Acesso em: 18/3/2017.
para buscar novos adeptos. Tem forte característica de questionar a hierarquia, e por isso gera
nas autoridade certa desconfiança.
A TL nasce da linha da teologia profética da ICAR na América latina, e dependendo
do olhar que se faz a ele, pode-se dizer que ela vem desde os tempos da “Conquista”, a partir
de 1511. Quem faz essa leitura é Gibellini (2012, p. 347), quando interpreta o ato de Antonio
de Montesinos (†1545) de estar do lado dos índios, contra exploradores coloniais como um
estar do lado dos oprimidos e a favor da libertação. Gibellini (2012), aponta ainda para outros
missionários teólogos como: Bartolomé de las Casas, José de Acosta, Bernardino de Sahagún.
Todos eles se colocaram na defesa do lado mais fraco. Segundo Baraúna apud Beozzo (1993,
149), a ICAR dos anos “1950-60 já vivia no Brasil e na América Latina uma sociedade pré-
revolucionária”. Nesse período ela já se colocava bastante engajada nas lutas populares de
libertação social e política (reforma agrária, lutas dos camponeses, lutas sindicais,
envolvimento da Ação Católica nas suas várias formas – JAC, JUC, JEC etc.).
Como primeiro forte expoente da TL, destaca-se Gustavo Gutiérrez, quando apresenta
em 1968, Chimbo (Peru), uma conferência intitulada Teologia da Libertação. Segundo Corten
(1996, p. 21), a morte de Camilo Torres na guerrilha colombiana (1966) serviu de inspiração
para seus trabalhos. De acordo com Gibellini (2012, p. 348), “a Teologia da Libertação
apresentou uma teologia de reviravolta da história como uma prévia opção política, ética e
evangélica.
Na III Conferência do Episcopado Latino-Americano em Puebla (27 de janeiro – 13 de
fevereiro de 1970), acontece um compromisso da ICAR com a “opção pelos pobres”: No
Documento de Puebla podemos ler: “Afirmamos a necessidade de conversão de toda a Igreja
a uma opção preferencial pelos pobres, a fim de alcançar sua libertação integral” (n. 1134).
Sendo assim, conforme Gibellini (2012, p. 354), “o teólogo da libertação fez a opção de
avaliar a realidade social a partir dos pobres, refletir teologicamente a partir da causa dos
pobres e agir para a libertação dos pobres”.
1.2.2 – Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s): origens e limites16
16Para Boff (1981, p. 179), “as comunidades eclesiais de base, disseram-nos os bispos em Puebla, constituem
“motivo de alegria” (nº 96; 262; 1309), são verdadeiros “focos de evangelização e motores de libertação” (nº
96)”.
Na visão de Corten (1996, p. 28), as CEB’s17 “representam uma das “mudanças mais
importante da Igreja brasileira”, junto com a TL. Haight (2012, p. 471), define as CEB’s
como grupos “intencionais”, com a participação de poucos membros, o que possibilita que
todos possam se conhecer. Os grupos possuem “tipos e estilos diferentes”, conforme as
regiões do país. Pode-se dizer que as CEB’s se confundem com a TL por terem bases muito
parecidas, pois “florescem nos meios pobres, no interior ou na periferia das cidades”. Elas têm
características de proatividade nascida nas bases das comunidades, com os ministérios leigos
(“lideranças laicas”). Sendo assim, elas trazem ainda a característica positiva de conseguirem
superar a “escassez de clérigos”. De acordo com Corten (1996), são três os elementos
utilizados pelas CEB’s:
“A difusão maciça da Bíblia, a penúria dramática de padres resultando
da sua deserção em massa e da sua busca de outras formas de ação e de
lugares de encontro neste período de ditadura militar, e a visibilidade
crescente da pobreza com a aceleração do processo de urbanização (CORTEN
– 1996, p. 28).
Segundo Boff (1981, p. 179), faz parte da sociedade moderna o espírito comunitário e
esta característica é bem marcante nas CEB’s. São “pequenos grupos que buscam viver
relações mais imediatas e fraternas”. A falta de “ministros ordenados no sacramento da
ordem”, é um fator de peso que de certa forma fez brotar, nos leigos, a tarefa de não deixar
que a fé se apagasse. Boff (1981, p. 180), concorda com Haight (2012), de que os grupos são
sempre pequenos, “15-20 famílias”.
Essas comunidades podem ser análogas às comunidades cristãs
primitivas onde as funções ministeriais de base estão ressurgindo das
comunidades enquanto tais antes da absorção do ministério em ofícios de
controle. Mas elas estão em solidariedade com a paróquia e com a diocese, e,
em florescendo, gozam do apoio da hierarquia (HAIGHT - 2012, p. 471).
Percebe-se que as CEB’s têm forte expressão de valorização dos trabalhos leigos, pois
mesmo na ausência do padre os leigos atuam, fazendo com que as celebrações e reflexões
bíblicas aconteçam. Na época do crescimento das CEB’s, muitos sacerdotes começaram, em
sinal de um serviço com o povo, deixar de lado o uso de vestes clericais e algumas outros
17Para Corten (1999, p. 28), “três aspirações suscitaram na era cristã os grandes movimentos religiosos. A
primeira é a procura de um contato direto com Deus sem mediação do clero. Encontramo-la por exemplo nos
apostolici e nos flagelantes nos séculos XIII e XIV. Frequentemente é associado a ela o segundo elemento típico
dos grandes movimentos: a reivindicação de um acesso direto à Bíblia. É o caso dos Valdenses no século XII
que se juntaram ao protestantismo quatro séculos mais tarde. Ou ainda dos lollards ou dos hussitas. A terceira
aspiração é a valorização da pobreza à imagem de Cristo. Ela está na origem das ordens mendicantes. Mas o
princípio da pobreza absoluta de Cristo sendo declarada anátema por João XXII, surge um movimento
‘herético’: o movimento dos fraticelli”.
pompas. De acordo com Boff (1981, p. 189), ao ato do sacerdote abandonar todos os símbolos
de que se revestia, vão chamar de secularização, mas ele não via assim. Para ele esse era um
novo “signo de secularização, onde o “padre mergulhou dentro do povo”. Todos agora
participavam do serviço, todos eram responsáveis pela unidade da comunidade, todos deviam
santificar-se, sem que houvesse apenas uma única mediação. Mas essa maneira de pensar de
Boff lhe rendeu sérias repreensões vindas da hierarquia.
Dizer de um momento específico do surgimento das CEB’s é meio complexo. Foi um
movimento que aos poucos se despontou, originado primeiramente de grupos de reflexão de
“Novenas de Natal”. Com o passar do tempo foram se estruturando18. De acordo com Corten:
As CEB’s nascem em 1956 na Barra do Piauí, no Nordeste do Brasil.
uma mulher se queixa ao bispo: ‘No Natal, diz ela, as três igrejas protestantes
estavam iluminadas e cheias, nós podíamos ouvir os seus hinos. Mas a nossa
igreja católica estava fechada e escura. Por que não nos enviam padres? E o
bispo decidiu formar catequistas populares (CORTEM - 1999, p. 28).
De acordo com Hermilo E. Pretto (1983), inicialmente eram “pequenos grupos que se
reuniam em círculos bíblicos”. Com isso começaram a fazer analogia das histórias bíblicas
com suas próprias histórias de vida. “Começaram a perceber que a Bíblia não é um
documento que testemunha uma experiência estranha e definitivamente sepultada no
passado”. Para Pretto (1983), esses grupos conseguem “compreender que a experiência
relatada pelos textos bíblicos”, podiam ser comparadas com suas próprias histórias. Os
membros das CEB’s começaram a partir de então a perceber que Deus está presente com eles
e quer que eles vivam numa sociedade sem opressões, que biblicamente é chamada “terra
prometida, onde correm leite e mel”.
As CEBs surgiram no Brasil como um meio de evangelização que
respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico
dos anos da ditadura militar e, ao mesmo tempo, como uma forma de adequar
as estruturas da Igreja às resoluções pastorais do Concílio Vaticano II,
realizado de 1962 a 1965. Encontraram sua cidadania eclesial na feliz
expressão do Cardeal Aloísio Lorscheider: “A CEB no Brasil é Igreja — um
novo modo de ser Igreja” (NELITO NONATO DORNELAS – 2006, pp. 3-5).
18O nascimento das CEB’s traz um assunto bastante polêmico da ICAR em voga, o fato da escassez de pastores
(padres), para atender às comunidades. Esse tema mexe ainda com questões sobre o padre ser casado ou não.
Acreditava-se que se os padres pudessem se casar haveria mais padres que pudessem atender os trabalhos das
comunidades. São temas polêmicos que não daríamos conta deles aqui, mas que estão muito relacionados às
questões da instituição hierárquica da ICAR.
Depois do Vaticano II, com a criação do CELAM (Conselho Episcopal Latino-
Americano), aconteceram outras conferências19, e entre elas podemos destacar a de Puebla
(1979). Reunidos em Puebla, os bispos latino-americanos firmaram o seguinte compromisso:
Como pastores, queremos resolutamente promover, orientar e
acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo com o espírito de
Medellín e os critérios da Evangelii Nuntiandi; favorecer o descobrimento e a
formação gradual de animadores para elas. Em especial, é preciso procurar
como podem as pequenas comunidades, que se multiplicam nas periferias e
zonas rurais, adaptar-se também à pastoral das grandes cidades do nosso
continente (Pb 648).
Conforme Dornelas (2006, p. 3-5), desde 1966 os bispos do Brasil já haviam feito a
opção pelas “comunidades de base”. As CEB’s eram, nesse período, consideradas atividade
“urgente” pelos bispos, para renovar as paróquias. Plano esse “sistematizado e lançado em
1968, pela Editora Vozes, na obra do Pe. Raimundo Caramuru “Comunidades eclesiais de
base: uma opção decisiva”. Já se haviam passados 10 anos desde o evento de 1956 na Barra
do Piauí, no Nordeste do Brasil. Veja como que um simples desejo pode se tornar uma
realidade. De um simples pedido de uma senhora, nos rincões do Brasil, nasce um movimento
de base da ICAR que por muito tempo foi forte expressão de evangelização. Aqui atualiza-se
Ester. “A rainha Ester respondeu: - Majestade, se quiseres fazer-me um favor, se te agradar,
concede-me a vida – é o meu pedido – e a vida de meu povo – é o meu desejo” (Cf. Est 7, 3).
Nascida antes do Concilio Vaticano II, mas ganhando reconhecimento depois de seu término,
as CEB’s respondem aos apelos de mudanças da ICAR.
Terminado esse item, pode-se dizer que foi possível fazer uma apresentação
panorâmica sobre pontos fortes que sustentam a emergência de mudanças na ICAR. Isso nos
possiblidade compreender um pouco melhor o nascimento de alguns movimentos na história
(CEB’s e TL). Por um lado a ICAR, como instituição, busca manter seu status quo e por outro
lado o “povo de Deus” busca se organizar em forma de movimentos. Algumas vezes resiste e
19Santiago (2012), escreve um artigo que pode nos referenciar de forma simples sobre as Conferências na
América Latina e Caribe: Do 25 de Julho a 04 de Agosto do ano de 1955, logo após o Congresso Eucarístico
Internacional, sob as bênçãos do Papa Pio XII, nascia, no Rio de Janeiro, o CELAM - Conselho Episcopal
Latino-Americano. Tida como a primeira Conferência Episcopal Latino-Americana, cujo principal feito foi a
criação do CELAM. A II Conferência, a Conferência de Medellín (1968); A III Conferência Episcopal em
Puebla, no México no ano de 1979; A IV Conferência Episcopal Latino – Americana em Santo Domingo, 1992;
A V Conferência Episcopal Latino – Americana. A Conferência de Aparecida (13- 31 de Maio de 2007)
(SANTIAGO, J. As Conferências Episcopais Latino-Americanas têm o mesmo DNA do Concílio Vaticano II.
Artigo livre: 2012). Disponível in:
http://www.irmaspastorinhas.com.br/downloads//d_25/AsConferenciasEpiscopaisLatino.pdf. Acesso em:
10/03/2017.
outras vezes é sucumbido, mas continua sempre na dinâmica de buscar seu espaço ao sol. A
história não se apresenta retilínea, mas em altos e baixos.
1.3 - O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965)20
Não seria possível fazer uma compreensão do nascimento e desenvolvimento da RCC
sem uma compreensão do evento Concílio Vaticano II (1962-1965). O Concílio termina em
1965 e a RCC nasce em 1967. O Concílio Vaticano II, proposto por João XXIII, pede um
novo aggiornamento e a RCC traz esse novo ardor justificado pela ação do Espírito Santo.
Nesse ínterim vamos ver ainda despontar, no Brasil, a CNBB, a CRB, juntamente com os
trabalhos da Ação Católica.
1.3.1 – A demanda por mudanças
Quase 100 anos já se haviam passado desde o Vaticano I (1869-1870). “O Papa João
XXIII teria dito, abrindo as janelas de sua sala de trabalho, que era necessário deixar entrar
um ar novo na Igreja...” Assim escreveu Dom Odilo Pedro, Cardeal Scheder, em apresentação
do livro As janelas do Vaticano II de João Carlos Almeida et al. (2013, p. 13)21. Esse dito do
Papa João XXIII ficou muito famoso e repercutiu como eco na memória de muitos dos fiéis
da ICAR.
Para Souza (2013, p. 65), “o período que antecede o Concílio Vaticano II revela uma
sociedade repleta de mudanças. Em pouco tempo diversos acontecimentos trouxeram grandes
transformações que afetaram a humanidade”. Vê-se que a história continuou, e os desafios
religiosos persistiram. Passados 92 anos desde o Concílio Vaticano I, a ICAR já não
conseguia mais se manter sem dar uma nova resposta aos seus fiéis em tempos de mudanças
20“O concílio ecumênico é um órgão privilegiado do exercício solene da corresponsabilidade, em seu mais alto
grau, quanto ao magistério e regime da Igreja universal. Não que o exercício supremo do magistério (inclusive
infalível) e governo não seja possível aos bispos, dispersos, mas conservando o vínculo da comunhão com o
papa e entre si. No concílio, porém, a comunhão e corresponsabilidade se tornam concretas, visíveis, permitindo
um alto grau de interação e vivência, que a dispersão geográfica dificulta ou impede” (QUEIROGA – 1977, p.
126). Para Fischer-Wollpert (1997, p. 211), “o termo ecumênico não possui aqui o sentido em que é hoje, muitas
vezes, empregado (como reforço pela unidade das diferentes igrejas cristãs). Tem antes o significado de “geral”.
Usa-se a palavra grega oikumene no sentido sobre todo o “orbe terrestre”, ou seja, que nele os bispos de toda a
terra se reúnem. 21 “Após João XXIII anunciar oficialmente o Vaticano II, em 1959, alguém questionou por que convocar um
Concílio Ecumênico. O Papa pensou, sorriu, calmamente abriu as janelas de seu gabinete e disse: - ‘Eis aqui: é
por isto!’” (ALMEIDA et al. – 2013, p. 2).
na modernidade. Certos conceitos precisavam ser redefinidos. De acordo com Alberigo (1999,
p. 292), no “final do decênio de 1960” é que as questões da autoridade papal delimitada no
Vaticano I começam a apresentar uma densa crise. Como diz Palácio (2001, p. 13), “os
tempos eram outros e a inserção da Igreja no mundo exigia uma renovada postura teológica”.
Mesmo sendo necessário na época uma revisão da ação da Igreja, o anúncio do
Vaticano II foi inesperado, uma vez que os concílios anteriores pareciam deixar claras as
posturas antimodernas da ICAR. Para melhor caracterizar essa questão, Gonzalez (2006, p.
22), assinala que o Vaticano II “representou o fim do Vaticano I, em que todo poder se
concentra na mão do papa, e também marcou uma revisão da visão Tridentina, na medida em
que colocou uma discussão sobre o ecumenismo”. Segue em mesma vertente de pensamento
João Batista Libanio (2005, p. 23), quando diz “que se tivermos o olhar focado apenas no
pontificado de Pio XII, a convocação de um concílio seria quase que improvável e mesmo
imprevisível”. Segundo o mesmo autor, “a teologia romana dominante, depois das definições
do Primado e do magistério infalível do Romano Pontífice, promulgadas pelo Vaticano I,
julgava que o Papa poderia resolver, com seus auxiliares imediatos, os problemas da Igreja
universal”.
São duas as vertentes que podem nos ajudar a fazer uma análise do Concílio Vaticano
II: uma primeira vertente é de “continuidade” e a segunda vertente é a de “novidade”. No
sentido de continuidade, Libanio (2005, p. 9), refere-se ao fato desse concílio ter dado
continuidade a dois concílios anteriores: Trento e Vaticano I. Por isso significaria um fator
inibidor de mudanças. Em se tratando de novidade, entende Libanio (2005), o Vaticano II
significaria uma ruptura com o que veio antes. A ruptura gera a novidade. Essa novidade
estaria ligada ao fato de entender que houve um percurso histórico na humanidade a partir dos
outros concílios, capaz de provocar uma virada “antropocêntrica da modernidade”. A ruptura
significa abrir-se à dimensão criativa e crítico-profética. A primeira vertente deixa a
impressão de segurança, a segunda dá a impressão de insegurança e em consequência tende a
não ser aceita pela instituição.
No entendimento de Palácio (2001, p. 36), o Concílio traz novidades e essas novidades
estão bastante visíveis na reviravolta teológica apresentada nos documentos do Vaticano II.
Por isso tem a força de um divisor de águas bem definido num antes e num depois. Na
afirmativa de Gonçalves e Bombonatto (2005, p. 5), a intenção do Concílio Vaticano II era
“iminentemente pastoral, com uma proposta nova, um estilo novo, um modo novo de ser”.
Não tinha intenção de deletar o passado com seus outros concílios. Queria unicamente abrir-
se ao novo.
A intenção de João XXIII poderia ser qualificada como
voluntariamente moderna. Com a intuição e a simplicidade que o
caracterizavam, João XXIII deixou bem claro que o objetivo do Concílio era
pensar a fé de tal forma que ela pudesse se tornar significativa para o homem
de hoje. A volta à autêntica tradição não podia ser confundida com a obsessão
pelo passado, assim como a vontade de atualização em nada se opunha à
seriedade doutrinal do Concílio (PALACIO – 2001, p. 35).
Alberigo (1993, p. 20), compreende que “o Concílio, como fato, pode ser
compreendido a partir de diversas perspectivas”, e em linhas gerais era a de não se tornar um
concílio de “luta, como foi o Tridentino”. Também não tinha a pretensão de ser “um concílio
de resistência e de contraposição à sociedade moderna como foi o Vaticano I”. Para Libanio
(2005, p. 11), é a partir de uma “análise descritiva e informativa do contexto histórico” que
melhor podemos chegar ao uma verdadeira compreensão do que realmente tenha influenciado
o Concílio Vaticano II, ou ainda, a cabeça de João XXIII.
De acordo com Palacio (2001, p. 55), a “Ação Católica e a teologia do laicato
desembocaram na nova eclesiologia do Vaticano II”. Isso não aconteceu sem que se gerasse
tensões. Segundo Alberigo (1993, p. 15), ainda que eurocêntrico e dogmatizante, o Vaticano
II teria encerrado uma época, já superada pelos fatos, e significaria a legitimação de uma
transformação radical com respeito à tradição precedente.
O sujeito social pré-moderno é um objeto de estudo bastante importante para a
compreensão das demandas do Concílio Vaticano II. Em muito contribui a visão de Libanio
(2005, p. 15), quando diz que o sujeito social que prevalecia na ICAR até às vésperas do
Vaticano II era “denominado de pré-moderno, tradicional”. O sujeito pré-conciliar era
“teocêntrico, tendo Jesus como evidência. Os sacramentos e devoções formavam o conjunto
da piedade desse sujeito”. Frequentar a igreja era a certeza da salvação e por isso, segundo o
autor acima citado, a imagem da “arca de Noé” servia como símbolo para significar que fora
dela não havia salvação. O sujeito social22 teve sua influência tanto “dentro” (através dos
interesses e questões do peritos e padres conciliares) como “fora” (enquanto esse sujeito é o
destinatário, interessado nas questões a que se queria resolver) do Concílio, como afirma
Libanio (2005, p. 13). O Concílio tinha uma preocupação em responder às questões do sujeito
22Não são indivíduos em sua singularidade. O termo sujeito quer expressar a dimensão de consciência, de auto
identidade, de ação (LIBANIO – 2005, p. 12).
enquanto fiel que se apresentava perdido no mundo da modernidade secularizada23. Segundo
Souza (2012, p. 67), os leigos da Ação Católica estavam na base da preparação do Vaticano
II. Isso devido ao fato de o papa Pio XI (1917-1939), ter dado grande abertura ao trabalho dos
leigos na missão de evangelizar.
1.3.2 – A Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil
Até muito recentemente, muitos católicos se diziam católicos pelo fato de terem sido
batizados na ICAR por tradição da família. Como que uma religião que vinha de berço. Isso
se dava ao fato de que existia um catolicismo imposto, num passado distante, em que a
religião era obrigatória no Brasil (PUCRS – 1997, p. 76). Desde o Brasil colonial, passando
pelo Brasil Império, até o Brasil República, tivemos um domínio português e portanto, o que
prevalecia era a hegemonia do catolicismo24. Os países latino-americanos tiveram algo muito
semelhante, a Lei do Padroado25, controle estatal e sacerdotes patriotas. Os atritos entre Igreja
e Estado foram provocados pelos bispos reformistas na “Questão religiosa” em 1874/75, onde
lutavam por uma liberdade maior da Igreja em assuntos eclesiásticos (PUCRS – 1997, p.
208). Segundo Câmara (1957, pp. 305-306), a religião católica perdeu o privilégio de religião
oficial do Estado no Brasil República. Antes disso as demais religiões eram apenas toleradas
oficialmente. O sentido positivo desse fato é que a Igreja ficou livre do padroado e o Papa
recuperou suas legítimas faculdades na escolha de seus Bispos.
Para Riolando Azzi e Klaus Van der Grijp (2008, p.11), houve uma ideia de sacralizar
a sociedade brasileira com o projeto pastoral da hierarquia, conhecido sob o nome de
“restauração católica”. Isso aconteceu com a organização do Estado leigo no regime
republicano. Era verdadeira intenção transformar o Estado republicano num Estado religioso.
Segundo ainda Maria Regina Santo Rosario (1962, p.53), mais que sacralização da sociedade,
23Em Peter L. Berger (2011, p. 139), temos que a “crise de credibilidade” na religião é uma das formas mais
videntes do efeito da secularização para o homem comum. Dito de outro modo, a secularização acarretou um
amplo colapso da plausibilidade das definições religiosas tradicionais da realidade. 24O Estado, favorecido, com o privilégio do Padroado, levou a sério a tarefa missionária, mas o cristianismo foi
imposto sem qualquer chance de adaptação e respeito pela cultura local. Os missionários estavam duplamente
amarrados: pelo integrismo do catolicismo rígido e uniforme, nascido do Concílio de Trento e pela censura
política na qualidade de funcionários de Estado (PUCRS – 1997, p. 208). 25Para Amaury Castanho (1998, p. 39), “padroado”, portanto, ou “patronato”, era o direito concedido a certas
pessoas físicas ou jurídicas – no caso do Brasil à Coroa portuguesa, os Reis de Portugal e, posteriormente, ao
Império, os Imperadores -, entre eles o direito de nomear clérigos presumivelmente idôneos, para ocuparem
cargos eclesiásticos. Pouco a pouco, o “padroado” foi ampliando os direitos dos seus beneficiários e limitando os
direitos e autonomia da Igreja.
era intenção ainda que o Brasil fosse regido por uma “ordem cristã”. Em carta dirigida a
Carlos de Laet, Dom Leme26 declarava em tom categórico: “A nós, homens de fé e de Igreja,
cabe impor ao mundo a ordem cristã”.
A ICAR no Brasil tinha, nesse período, uma grande preocupação com o “desafio
protestante”, e para limitar as influências liberais, protestantes, socialistas, etc., Dom
Sebastião Leme achava lógico implantar um Estado católico. Segundo Azzi e Grijp (2008, p.
16), os protestantes eram considerados intrusos, e deveriam deixar o território brasileiro. Por
isso em 1923, tratando sobre fé popular, o mesmo Dom Leme fazia alertas sobre o que
chamava de “heresia protestante, que milionários norte-americanos juraram implantar no
Brasil”. É possível perceber que o processo de evangelização da ICAR no Brasil teve por
intenção: sacralizar, cristianizar, catolicizar e romanizar27 a sociedade brasileira.
Praticamente esse é o panorama histórico do campo brasileiro no século XIX e XX,
uma realidade bastante marcada por uma história que remonta aos primórdios da Igreja Cristã,
que com base na teologia agostiniana, fazia um paralelo entre cidade de Deus e cidade dos
homens. A ICAR teve a intenção de sacralizar a sociedade e com isso entrou em confronto
com o Estado, que se descobre cada vez mais laico.
Os trabalhos da Ação Católica serviram de grande base para fomentar subsídios aos
documentos do Concílio Vaticano II. Os trabalhos da Ação Católica tiveram seu início a partir
do Papa Pio XI28 (1939-1958), segundo Castanho (1998, p. 64) e Almeida et al. (2013, p. 67).
O Papa Pio XI passou a ser reconhecido na história da ICAR como o “Papa da Ação
Católica”, ou de igual, “Papa das Missões Católicas”. Segundo Galli (1964, p. 371), Pio XI
“exortou os leigos, como membros da ICAR, ao apostolado, não só dentro da Ação Católica,
mas também independentemente dela (Discurso aos Congressos de leigos em Roma em 1951
e 1957)”. Pio XI teve sua missão na ICAR no “período entre guerras: uma humanidade
oprimida pelo totalitarismo imposto pela dura guerra civil”. Entende-se com isso que os
valores da Igreja foram fortemente hostilizados e perseguidos. Pode-se ainda nomear outros
26Carta Pastoral de Dom Sebastião Leme, arcebispo metropolitano de Olinda, saudando os seus diocesanos.
Petrópolis: Vozes, 1916, p. XVIII. 27A fidelidade a Roma era apresentada como a expressão mais visível da verdadeira fé. O hino composto por
Amélia Rodrigues é bem expressivo dessa perspectiva teológica, ao declarar solenemente a “Santa Igreja,
Romana, Católica” como a única detentora da “fé apostólica” e das “promessas” celestes, acrescentando: “nós te
amamos, nós somos teus filhos, e em teu seio queremos viver” (AZZI e GRIJP – 2008, p. 17). 28Encíclicas do Papa Pio XI: Non abbiamo bisogno (1931), Quadragesimo anno (1931), Mit brennender Sorge
(1937) e como condenação ao comunismo ateu, Divini Redemptoris (1937).
grandes acontecimentos que assolavam o mundo contemporâneo nesse período: fascismo,
nazismo e totalitarismo stalinista (AMEIDA et al. - 2013, p. 67).
Para Dali (1985) e Almeida et al. (2013, p. 67), D. Sebastião Leme recebe de Pio XI o
apelo para que iniciasse o movimento da Ação Católica no Brasil com a carta Quamvis Nostra
De actione catholica aptius promevenda. Durante duas décadas (1922-1942), a ICAR, no
Brasil, esteve organizada com o cardeal Sebastião Leme29. O argumento para iniciar a Ação
Católica no Brasil seria devido à insuficiência de clero. Por isso o cardeal Leme teve duas
grandes e bem definidas tarefas, segundo Azzi e Grijp, 2008):
Num primeiro momento, o maior esforço era direcionado no
sentido do fortalecimento da própria instituição católica, mediante uma
ampliação mais expressiva e uma melhor organização dos seus quadros,
mantendo sempre o caráter clerical e a direção hierárquica; em segundo
lugar, não menos importante, a preocupação em impor à sociedade
brasileira, mediante a colaboração do poder político, os valores éticos e
religiosos que tradicionalmente haviam orientado a atuação católica
dentro dos regimes de cristandade (AZZI e GRIJP – 2008, p. 620).
Na perspectiva de Almeida et al. (2013, p. 67), o Papa Pio XI consegue trazer um
governo da ICAR de modo que a participação dos leigos fosse quase que um carro chefe, mas
sob a égide hierárquica. Essa passa a ser uma forte base para as demandas do Concílio
Vaticano II. É algo novo e uma abertura que não tem mais volta. De todas as partes, esses
grupos: Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Universitária Católica (JUC),
Juventude Operária Católica e da Ação Católica (JOC, ACO), Juventude Agrária Católica
(JAC), Juventude Independente Católica (JIC), inseridas em seus ambientes específicos, vão
contribuir para levantamento das problemáticas específicas do mundo moderno. Conseguem
assim apresentar a panorâmica do mundo moderno, sem deixar de trazer o compromisso
espiritual e teológico30.
Muitos bispos, vindos da prática de assistentes da Ação Católica junto
a camponeses, operários e de universitários, juntaram-se a outros bispos da
África, Europa e Ásia, num dos movimentos mais fecundos do Concílio, pela
força de sua espiritualidade e pela radicalidade das questões que levantavam e
dos gestos concretos que assumiram para suas vidas. Trata-se do grupo que se
formou ao longo das sessões, buscando que a Igreja tivesse presentes os
29O Cardeal Leme (1882-1942), foi o segundo cardeal brasileiro. Foi Arcebispo de Olinda e Recife e Arcebispo
do Rio de Janeiro. Disponível in:https://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_Leme_da_Silveira_Cintra.
Acesso em: 9/3/2017. 30 “Destacam-se aqui os grandes expoentes: Congar, Maritain e Mounier, que desenvolveram reflexões
teológicas e teóricas sobre a presença do leigo cristão na ICAR e no mundo” (ALMEIDA et al - 2013, p.
68).
pobres31 como um dos temas centrais do Concílio (LUIZ J. BARAÚNA–
1993, p. 26).
Assim sendo, também a ICAR do Brasil trouxe para o Vaticano II grandes
contribuições de fiéis e de membros hierárquicos. Baraúna (1993, pp. 25-26), diz que no
Concílio de Trento (1545-1563), “não houve participação de nenhum bispo brasileiro”. Já no
Concílio Vaticano I (1869-1970), houve a participação de “quatro bispos dos onze aqui
existentes na época. Em contra partida, no Concílio Vaticano II (1962-1965), “o episcopado
brasileiro, participou com uma média entre 150 e 200 membros”. O Brasil conseguiu levar
para o Vaticano II um “acréscimo de qualidade”. Consegue contribuir muito com sua rica
experiência pastoral. No Brasil a ICAR já era bastante comprometida com a luta contra o
subdesenvolvimento, era envolvida com programas de educação de base e de sindicalização e
ainda já era atuante em meios populares mais pobres.
Nesse cenário histórico, marcado por altos e baixos dentro da ICAR, destaca-se no
Brasil a CNBB (Conferência32 Nacional dos Bispos do Brasil). Para Castanho (1998, p. 137),
a CNBB pode ser compreendida como uma “institucionalização da ação pastoral da Igreja em
nível nacional”. Em 05 de maio de 1952 chegava a todos os bispos do Brasil uma carta de
convocação para a Assembleia de fundação e instalação da CNBB. O nascimento oficial da
CNBB aconteceu em 14 de outubro de 1952, no Rio de Janeiro, estando presente 20
Arcebispos com a presença do Núncio Apostólico33. O nascimento da CNBB era um sonho de
Dom Helder Câmara, Bispo auxiliar do Rio de Janeiro34, que tinha a clara convicção,
31 “A partir dos anos 1930, há uma alteração significativa na postura católica com relação à pobreza, pelo menos
em centros urbanos mais influenciados pelos conceitos da Modernidade. Embora o discurso eclesiástico continue
pregando o amparo à população desvalida, em função do princípio caritativo, existe também a insistência para
que essa prática assistencial seja conduzida de forma mais racionaliza, mediante a utilização de técnicas
adequadas [...] nesse contexto surge o Serviço Social” (AZZI & GRIJP – 2008, p. 21). 32(Cân. 448), A Conferência dos Bispos, organismo permanente, é a reunião dos Bispos de uma nação ou de um
determinado território, que exercem conjuntamente certas funções pastorais em favor dos fiéis do seu território, a
fim de promover o maior bem que a Igreja proporciona aos homens, principalmente em formas e modalidades de
apostolado devidamente adaptadas às circunstâncias de tempo e lugar, de acordo com o direito (LOURENCO –
2001, p. 60). 33Núncio é o legado do Romano Pontífice a quem esse confia, de modo estável, a sua representação pessoal
simultaneamente perante as Igrejas e perante os Estados e governos civis, nas diversas nações ou regiões do
orbe. Etimologicamente significa – nuntius – aquele que leva as novas – emissários (SALVADOR, C. C. (Dir.)
& EMBIL, J. U. – 1993, pp. 513-514). 34Dom Helder Câmara, nasceu em Fortaleza, no dia 7 de fevereiro de 1909, em uma família pobre, de treze
filhos, dos quais ele era o décimo primeiro e faleceu no dia 28 de agosto de 1999, em Recife, aos 90 anos, depois
de ser indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, e de receber pelo menos 600 condecorações, entre
placas, diplomas, medalhas, certificados, troféus e comendas. Em fevereiro de 2008 a Congregação para a Causa
dos Santos recebeu o pedido de beatificação de Dom Hélder, enviado pela Comissão Nacional de Presbíteros
(CNP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Por Ana Lucia Santana. Disponível in:
http://www.infoescola.com/biografias/dom-helder-camara/. Acesso em: 9/3/2017.
... que a união se fazia cada vez mais necessária, pois a complexidade
dos problemas exigia um esforço conjunto... Num pais tão extenso como o
Brasil, era necessário um órgão que tratasse de coordenar a ação da Igreja,
ajudando a enfrentar os problemas a cada dia mais complexo (CASTANHO –
1998, p. 137).
Para Azzi & Grijp (2008, p. 622), a presença dos leigos assessorando os bispos no
Brasil foi de suma importância para uma melhor abertura de mentalidade no processo
formativo da CNBB. Papel esse também fundamental para que a ICAR se abrisse mais às
questões sociais. Como já foi observado, a Ação Católica esteve organizada em “setores
especializados” e com isso pôde influenciar mais diretamente sobre a CNBB. Muitas barreiras
foram superadas com essa ação entre leigos e hierarquia, tendo assim uma maior aproximação
entre ambos. Contribuíram para isso também as “semanas nacionais de ação católica”.
Portanto, para Azzi & Grijp (2008, p. 624), “na reforma dos estatutos da Ação
Católica de 1950, ficou decidido que todos os cardeais e metropolitas eram membros da
Comissão Episcopal da Ação Católica. É exatamente esta a composição primeira da CNBB”.
Até mesmo as divisão da Ação Católica em regionais deu o modelo para a CNBB na sua
também divisão em regionais, facilitando assim os trabalhos pastorais. Para Gervásio
Fernandes de Queiroga (1997, pp.196-197), a CNBB nasceu sob a égide da Santa Sé.
Acreditava-se que os temas propostos para suas assembleias fossem anteriormente enviados
para eventuais orientações e observações da Santa sé. Desse modo a CNBB seria dependente
da Santa Sé até na escolha dos temas a serem debatidos. Mas isso não foi aceito e consta no
último estatuto da CNBB (1965), em resposta a essa decisão, que o núncio apostólico seria
apenas convidado a comparecer às reuniões da assembleia geral”.
Foi, portanto preciosa a contribuição da Ação Católica Brasileira,
criando uma mentalidade favorável e estruturando quadros que facilitaram e
anteciparam a fundação e organização da CNBB. É significativo que Dom
Helder Câmara, na mesma ocasião em que era escolhido secretário-geral da
CNBB, era também eleito assistente geral da ACB. Nos primeiros anos da
CNBB, era uma ligação muito estreita a existente entre ambas as instituições
(QUEIROGA – 1997, pp. 176-177).
Os trabalhos da CNBB no Brasil sempre foram em “defesa da fé” da ICAR, aberta aos
novos rumos das demandas da “mentalidade de neocristandade”. Por algum tempo, “primeiro
quinquênio”, teve preocupações com as “heresias modernas” (espiritismo, umbanda e
maçonaria), onde destaca-se a luta contra o “espiritismo” (AZZI - 2008, p. 627). Foi até
criado um departamento denominado de Secretariado Nacional de Defesa da Fé e da Moral.
As ideias comunistas também foi uma outra frente de preocupação da CNBB. Como todo
instituto, também a CNBB tem seu estatuto próprio que define e rege sua atuação.
Diante do nascimento oficial da CNBB, vai surgir um outro órgão que vem somar aos
trabalhos da ICAR no Brasil. Conforme os autores Azzi (2008, p. 630), “por ocasião do
Congresso Internacional dos Religiosos em Roma em 1951, Pio XII” manifestou o desejo de
iniciar um processo de atualização da vida religiosa. De 07 a 13 de janeiro de 1954 aconteceu,
no Rio de Janeiro o primeiro congresso de religiosos do Brasil e ali foi fundada a Conferência
dos Religiosos do Brasil (CRB)35.
CNBB e CRB, tiveram algumas tensões à princípio, mas com o tempo se ajustaram e
hoje são duas forças de trabalho bastante importantes da ICAR no Brasil. As duas forças
foram responsáveis ainda pela “elaboração do plano de emergência (1962)”, que buscava
atender ao desejo do Papa João XXIII, de que os bispos não se limitassem apenas a combater
o comunismo, mas que procurassem ir além disso. Foi proposto que buscassem se preocupar
com questões relacionadas às condições religiosas e sociais do povo. O plano de emergência citado
acima não foi muito bem organizado e focava três pontos: paróquias, educandários católicos e
ministério sacerdotal. Como diz José Oscar Beozzo (1994, p. 41), a afirmação do Plano de
Emergência permitiu que “a Igreja do Brasil procurasse um caminho próprio, deixando de
lado a contínua importação de receitas pastorais da Europa”. Na visão de Azzi (2008, p. 634),
“isso só foi possível porque a hierarquia começava a reconhecer seus limites e falhas,
percebendo a necessidade de uma renovação a partir das próprias estruturas eclesiais”.
Os bispos comprometidos com a renovação pastoral não tinham,
evidentemente, estruturas mentais para assumir posições mais radicais, pelo
próprio aspecto da romanidade que perpassava todo o período. Não obstante,
foi essa Igreja, designada como “progressista”, que ofereceu as condições
favoráveis para que, na etapa seguinte, diversos setores da instituição católica
pudessem avançar, numa etapa posterior, em direção às classes populares
(AZZI - 2008, p. 635).
Para Beozzo (1994, p. 79-81), o secretariado da CNBB ficou encarregado de oferecer
material necessário (palestras e conferências), aos pastores e teólogos para que assim
pudessem estar sintonizados com o clima renovador pela qual estava passando a ICAR nesse
momento. Isso deve ser visto com bons olhos, pois assim o Vaticano II pode ser subsidiado
com material brasileiro.
35Em 1955 foi publicada o primeiro número da Revista dos Religiosos do Brasil (AZZI - 2008, p. 630).
1.3.3 – A surpresa de um novo Concílio
“Três meses depois de ocupar a Cátedra de São Pedro, em janeiro de 1959”, segundo
Souza (2012, p. 71), João XXIII “revelou sua intenção de iniciar uma reforma da Igreja”, com
um novo concílio. A impressão é que João XXIII, como que num ato insano e imprudente,
chegou a anunciou um novo concílio36. Como quem acorda em uma manhã e simplesmente
anuncia que irá fazer algo que seria um marco divisor na Igreja. As motivações foram muitas.
Para Alberigo (1999, p. 291), mesmo com “dificuldades, pululavam movimentos de
renovação que envolviam fieis e teólogos, clérigos e leigos, bispos e cristãos comuns”. A
convocação do Vaticano II não foi um ato irracional ou caprichoso de João XXIII, mas daria,
uma resposta a um anseio fermentado historicamente. João XXIII fez uma leitura de anseios
gerais.
Em várias ocasiões o papa explicou suas motivações de convocar um
Concílio. Era necessário limpar a atmosfera de mal-entendidos, de
desconfiança e de inimizade, que durante séculos tinham obscurecido o
diálogo entre a Igreja Católica e outras Igrejas cristãs. A mais importante
contribuição para a unidade, por parte da Igreja e tarefa essencial do concílio,
seria o programa mencionado por João XXIII, aggiornamento. Uma
atualização da Igreja, de inserção no mundo moderno, onde o cristianismo
deveria fazer-se presente e atuante. O ponto fundamental de seus discursos
estava no fato de explicar com clareza as falhas da Igreja e insistir na
necessidade de profundas mudanças (SOUZA - 2012, p. 72).
Mas, mesmo dentro de uma necessidade de renovação, o anúncio de um novo concílio
pegou muitos de surpresa. O aparentemente “inesperado anúncio de um novo concílio, na
celebração conclusiva da semana de orações pela unidade dos cristãos, em 25 de janeiro de
1959, foi uma surpresa para a Igreja e para o mundo”, segundo Francisco Catão (2005, p. 95).
Aparentemente devido ao fato de que, olhando historicamente, não foi assim tão inesperado
como se parece. Que causou susto isso sim, mas as mudanças eram desejo de muitos. Ainda
nos diz Catão (2005, p. 98), que o Concílio proclamado por João XXIII não tem uma
preocupação como os concílios anteriores de fazer defesas da fé, em “combater cismas e
heresias”, e menos ainda de combater contra a modernidade, mas sim de apresentar um “novo
Pentecostes”. Esse novo Pentecostes acontece para “renovar a Igreja”, capacitando-a para
“cumprir a sua missão e serviço”.
36Para Hill (2007, p. 437), o Papa João XXIII estava com 77 anos e isso era motivo para não se acreditar em
muitas mudanças feitas por ele na ICAR. Um outro fator, devido ao fato do dogma da infalibilidade papal, no
Concílio Vaticano I, acreditava-se ter sido o fim do conciliarismo e que por isso um novo concílio não existiria.
Foi surpresa para muitos o seu anúncio. O Concílio Vaticano II foi aberto em 1962 com o objetivo de atualizar a
estrutura e as práticas da Igreja. O mesmo foi encerrado em 1965. Foi o maior concílio da história com 3 mil
participantes. A maior novidade foi a abertura às crenças não católicas.
João XXIII, sucessor de Pio XII em 28 de outubro de 1958, com 77
anos, assumia a condição de “papa de transição”. Na verdade foi uma
transição diferente da que se esperava, pois ele faz uma (“mudança de
paradigma”). Desfez a rigidez interior que paralisava a Igreja e lhe conferiu
novo sopro de vida. Foi o papa mais importante do século XX (o parecer não é
apenas desde que vos escreve), e seu pontificado, que nem chegou a cinco
anos, provou ser um verdadeiro ofício de Pedro, no sentido bíblico do termo.
Ele quis abrir as janelas da Igreja. Para uma Igreja adoentada e aprisionada no
paradigma medieval, antirreformatório e antimoderno, e por isso mesmo em
choque com a maciça oposição curial, João XXIII apontou o caminho para a
renovação (aggiornamento): tendo em vista uma anunciação do Evangelho
retraduzida à luz dos novos tempos, um entendimento com outras igrejas
cristãs e uma abertura de ânimos para com o judaísmo e outras religiões do
mundo (HANS KÜNG – 2012, p. 171).
O acontecimento do Concílio Vaticano II (1962-1965), renova a esperança para muitos
membros da ICAR. Por um lado vai assustar a alguns e por outro lado reanimar a outros. Algo
novo parece se apresentar para uma igreja que estava fechada em uma estrutura hierárquica
fadada a perder seus fiéis para as novas ondas do pentecostalismo que emergia com a onda da
modernidade. Uma séria renovação era necessária.
1.4 - Inovações trazidas pelo Concílio Vaticano II
As demandas antecedentes ao Concílio Vaticano II eram muitas. Concomitante ao
Concílio Vaticano II, pululavam movimentos populares que vislumbravam a abertura da
ICAR para um mundo moderno que já não se continha dentro dos parâmetros institucionais
arcaicos. Esses movimentos almejavam uma abertura da Igreja Católica para o protagonismo
do leigo em uma ação pastoral e litúrgica. A retomada do conceito de “povo de Deus” pelo
Concílio Vaticano II abre portas de esperança para uma igreja renovada e participativa. Essa
foi também a abertura encontrada pelo Movimento da Renovação Carismática Católica
(RCC), no Brasil.
1.4.1 – Movimentos de renovação
Ainda antes do evento Concílio Vaticano II o movimento bíblico já suscitava as
necessidades de mudanças na eclesiologia da Igreja Católica. De acordo com Alberigo (1999,
p. 363), todos os movimentos “eram vistos com desconfiança por Roma”. Contra os governos
ditatoriais, esses movimentos vão aos poucos se “articulando em pequenos grupos
espontâneos”. Ali procuram desenvolver o “senso comunitário, que reúne fraternalmente
clérigos e leigos”. Na concepção de Libanio (2005, p. 21-48), “o sujeito moderno entrou
lentamente na Igreja por várias portas abertas pelos movimentos de renovação” pré-
conciliares. Esses movimentos foram:
Movimento bíblico: de certa forma a Reforma traumatizou a ICAR no manuseio da
Bíblia. Pelo contrário, a modernidade entrou no mundo bíblico católico, numa abertura às
ciências modernas da história, da linguagem e da hermenêutica;
Movimento Litúrgico: a liturgia da missa na ICAR era feita num único Missal romano
ainda em latim. A modernidade trouxe aberturas em relação ao mistério que a ICAR celebrava
e os movimentos litúrgicos começaram a fazer fortes exigências como: vivência e
participação subjetiva pessoal e comunitária, compreensão e acessibilidade dos significados
dos ritos, simplificação de ritos e superação do rubricismos, entre outros. Os cristãos passam a
ser mais conscientes e engajados;
Movimento ecumênico: no século XVI o cristianismo foi cindido pela Reforma
Protestante e em contra partida ouve uma resposta da ICAR com a Contra-reforma. Nos
preparativos para o Vaticano II, João XXIII, em 1960, cria o Secretariado para a União dos
Cristãos. Esse secretariado preparou para o Concílio Vaticano II um decreto sobre
ecumenismo. O movimento ecumênico nasce no mundo protestante e anglicano por razões de
evangelização e assume a relevância na Igreja católica à medida que teólogos católicos
desposam tal projeto.
Movimento missionário: os missionários iam para missão com mensagens prontas.
Agora cria-se uma visão nova, não mais de colonização, mas de respeito às culturas locais.
Movimento leigo: o leigo era inferior em relação ao clero. Havia uma tônica de
desigualdade em vista de uma humildade passiva dos leigos. As forças da Ação Católica
impulsionaram para uma mudança desse quadro e os leigos passaram a ter uma participação
mais ativa na liturgia e na pastoral da ICAR.
Movimento teológico: Pio XII deixou pesada herança teológica, até mesmo com
vigilância ortodoxa. Na modernidade o que mais vai impulsionar o movimento teológico é a
chamada “nouvelle théologie”. Considera a expressão madura do novo sujeito moderno do
Vaticano II.
Movimento social: A ICAR vivia no absolutismo eclesiástico e político. O marco de
uma mudança se deu com a encíclica de Leão XII (1891), Rerum novarum.
1.4.2 – Documentos do Concílio: Constituições, Decretos e Declarações37
Prefaciando o Compêndio do Vaticano II, Boaventura Kloppenburg, O.F.M., dizia: “A
vida da Igreja está dominada pelo Concílio Ecumênico”. Esta frase foi escrita pouco tempo
depois de terminado o Concílio Vaticano II. Continua Boaventura: “O Concílio é como um
manancial que dá nascimento a um rio. Pode a fonte estar situada ao longe, a corrente do rio
nos sugue. O que o Concílio deixa à Igreja que o celebrou, pode-se dizer, é ele mesmo”
(Documentos do Concílio II - 1966, p. 7).
Dos documentos produzidos pelo Concílio Vaticano II temos em primeiro lugar as
chamadas quatro Constituições Dogmáticas: Lumen Gentium, Dei Verbum, Gaudium et Spes e
Sacrosanctum Concilium. Em segundo lugar vêm os nove Decretos: Unitatis Redintegratio,
Orientalium Ecclesiaum, Ad Gentes, Christus Dominus, Presbyterorum Ordinis, Perfectae
Caritatis, Optatam Totius, Apostolicam Actuositatem e Inter Mirifica. Em terceiro lugar vêm
as três Declarações: Gravissimum Educationis, Dignitatis Humanae e Nostra Aetate. Assim
se compõe o chamado Compendio do Vaticano II, um documento produzido a partir da
necessidade de renovação da ICAR. Documento esse que muitos católicos ainda não
chegaram a tomar consciência de sua existência.
Entre outras coisas, esses documentos em muito vieram colaborar para o surgimento e
expansão da RCC. De todos, podemos destacar alguns que mais deram margem de abertura
para que o movimento ganhasse campo dentro da ICAR. A Constituição Dogmática Lumen
Gentium, pode ser interpretada de grande valia no fortalecimento da chegada da RCC quando
trata da categoria eclesiológica Povo de Deus. Esse documento dá ênfase àquilo que forma a
essência da Igreja, a saber todos os batizados. Para Osmar Cavaca (2013, p. 124), “com o
conceito Povo de Deus, os padres conciliares tinham a intenção de mudar a imagem piramidal
37 Comblin escreveu um artigo na revista Vida Pastoral com o título “As sete palavras-chaves do Concílio
Vaticano II”. Sendo assim apresentado: 1 – Homem, significando varão e mulher; 2 – Liberdade, sendo
apresentada na GS 17 e muito significativa ainda Dignitatis Humanae, expressando a liberdade religiosa; 3 –
Povo de Deus, trazendo o papel ativo dos fiéis batizados na missão da ICAR; 4 – Colégio Episcopal; 5 –
Diálogo; 6 – Serviço; 7 – Missão (COMBLIN. J. As sete palavras-chave do Concílio Vaticano II. São Paulo:
Vida Pastoral, Publicado em Julho-Agosto de 2005 (pp. 17-22). Disponível in:
http://www.vidapastoral.com.br/artigos/documentos-e-concilios/as-sete-palavras-chave-do-concilio-vaticano-ii/.
Acesso em: 10/3/2017.
tradicional da Igreja para uma forma circular, em que todos pudessem participar ativamente”.
Seguindo essa mentalidade, a diferença deveria se fazer “apenas à ordem do serviço” (cf. LG
18). Fora disso “todos são iguais quanto à dignidade” (cf. LG 32).
A Constituição Dogmática Gaudium et Spes também é outro documento do Concílio
Vaticano II muito relevante para a acolhida da RCC, pois como diz Rosana Manzini (2013, p.
214), com essa constituição, busca-se fazer a “superação do eclesiocentrismo para viver o
programa do Mestre”, que é o serviço. Aqui, na visão de Manzini, está o coração pulsante dos
anseios de tantos que esperavam para ver a face da igreja voltada para o mundo.
A Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, está ligada às questões da
renovação litúrgica na ICAR. Em Márcio Leitão (2013, p. 275), temos uma citação de Dom
Clemente Isnard dizendo: que “esse foi o documento que abriu portas e horizontes, somando
com os demais documentos conciliares, para uma nova primavera da Igreja. Bendito seja
Deus por este grande acontecimento”. Assim sendo, a RCC encontra nele respaldo para suas
liturgias bastante polêmicas com louvores e outras manifestações que fogem em muito da
antiga tradição litúrgica.
Quanto aos Decretos, pode-se citar a Apostolicam Actuositatem como um decreto que
trata sobre o apostolado dos fiéis leigos. Esse decreto trata de questões sobre a teologia
batismal. Segundo Eduardo Dalabeneta (2013, p. 446), na teologia batismal é possível
compreender, a partir da “condição laical, a situação antológica (identidade) daquele que foi
batizado: membro do povo de Deus”. Temas relacionados com carismas, ministérios e
apostolado são colocados em evidência neste decreto. Trata ainda sobre o apostolado dos fiéis
leigos no ensino teológico.
O Decreto Inter Mirifica: também vem contribuir com a RCC no sentido de seus
trabalhos de comunicação em massa. Com os tempos modernos e os meios de comunicação
tão avançados, não poderia ficar de fora tal tema, sobre os meios de comunicação social e sua
implicância na evangelização. Conforme Tarcísio J. Loro (2013, p. 385), “a comunicação dos
conteúdos evangélicos precisou buscar novos canais de comunicação”. Campo explorado
amplamente pela RCC hoje.
Quanto às Declarações, pode-se falar da Dignitatis Humanae. A liberdade religiosa
como um direito humano é o tema desta declaração. Para Edelcio Ottaviani (2013, p. 500),
esse documento “supera séculos de intolerância”, que vinham marcado desde Leão XIII, que
condenou as liberdades modernas”. Foi um dos “documentos mais discutido e revisado” do
Concilio Vaticano II. Não temos dúvidas de que essa declaração teve muito a oferecer aos
trabalhos da RCC no Brasil.
1.4.3- A revitalização do catolicismo: Aggiornamento
Depois da morte de João XXIII, o Papa Paulo VI, reabrindo o concílio retoma a
iniciativa de João XXIII. De acordo com Gonzalez (2006, p. 21), o Concílio do Vaticano II38
teve ampla repercussão no interior da Igreja, já que foi a partir daí que a instituição passou a
dialogar com o mundo moderno e a aceitar seus desafios. Segundo Roger Haight (2012, p.
439), João XXIII, pensava o Concílio como uma possibilidade de iluminação, edificação e
júbilo de todo o povo cristão. É quase que um convite aos fiéis das igrejas separadas a
participarem da festa da graça e da fraternidade. Nisso está visível o caráter ecumênico do
Concílio, uma discussão acerca da unidade entre todos os cristãos.
No Documento Lumen Gentium, nº 30, o Vaticano II proferiu um extenso e
progressivo ensinamento acerca do laicato, falando a respeito do “povo de Deus”39. Enfatiza a
realidade de que todos os membros da Igreja “cooperem na tarefa comum” da missão salvífica
com seus carismas dons e serviços (LG, 30). Essa é uma boa nova para o “povo de Deus”.
Aqui são abertas as portas para os ministérios leigos dentro da ICAR que se propõe a não
mais ficar centralizada nos Ministérios Ordenados: Papas, bispos, sacerdotes e diáconos. O
Concílio enfatiza a participação responsável, ativa, no desempenho da missão da ICAR, onde
os fundamentos de autoridade desse compromisso encontram-se no batismo, na confirmação e
na participação na eucaristia (LG, 11).
38O Concílio Vaticano II se desenvolveu em quatro sessões, sendo a primeira aberta ainda por João XXIII e as
outras três sessões foram dirigidas por Paulo VI. Um Concílio de cunho praticamente pastoral, com ênfase na
vida cristã e na disciplina eclesial. Não teve uma preocupação voltada para a definição de fé ou moral.
Preocupou-se ainda com a vida litúrgica, enfatizando assim um estilo mais comunitário das celebrações com os
fiéis. Reafirmou a Igreja como sacramento estruturada por Pedro e a hierarquia. Deu ênfase ainda ao
ecumenismo e à liberdade religiosa. Mostrou-se aberto às questões do mundo moderno como família, política,
economia, cultura, paz e guerra (GOZALEZ – 2006, p. 21). 39Para Gibellini (1998, p.207), o Concílio Vaticano II recuperou, pelo menos em parte, no cap. 2 da constituição
Conciliar Lumen Gentium, a categoria bíblica de povo de Deus, que a teologia católica descobriu em 1937-1942,
graças sobretudo a Congar, com o estudo “A Igreja e sua unidade”, de maio de 1937 (inserido mais tarde em seu
livro Esboços do mistério da Igreja, de 1941); ao teólogo alemão M. D. Koster, com o “livro pequeno mais
incisivo”, A eclesiologia em devir (1940), ao biblista louvainiense L. Cerfaux, com A teologia da Igreja segundo
Paulo (1942), ganhando cada vez mais espaço na elaboração da eclesiologia, sobretudo de língua alemã.
Como diz Haight (2012, p. 452), o Concílio faz entender que a Igreja existe para o
mundo. Em consequência disso, sua missão e objetivo é tornar a mensagem evangélica, os
valores e a graça de Deus revelada em Jesus Cristo relevantes para o projeto humano. Por isso
deve entrar em contato com os diversos modos culturais (GS, 58). Fator também de bastante
relevância do Concílio foi a doutrina da liberdade religiosa sem a coerção da sociedade civil
(DH, 1). Percebe ainda a necessidade dos trabalhos ecumênicos (UR, 4). Desta forma o
movimento ecumênico passa a ser visto como obra de Deus.
Para Alberigo (1993, p. 19), um ponto forte a se destacar no Vaticano II é o sentido do
“aggiornamento”40. Ele é visto como a indicação sintética da direção na qual a Igreja deveria
se abrir. É um termo interpretado como “reforma”. Não deve ser visto com a intenção de uma
reforma institucional e nem de uma mudança da doutrina. O que melhor o define é a palavra
rejuvenescimento da vida cristã e da Igreja.
Talvez possa estranhar que se fale de reforma. O termo
aggiornamento fora escolhido prudentemente por João XXIII para evitar
outros dois: “modernização”, que acenderia de imediato a polêmica da crise
modernista, e “reforma”, que pareceria fecundar – com quatro séculos de
atraso – o protesto de Lutero (GOPEGUI – 2005, p. 12).
O Concílio foi colocado sob o signo pastoral, ecumênico, do diálogo e
do aggiornamento, numa profunda unidade. João XXIII não somente fechou o
Concílio Vaticano I, até então interrompido e à espera de continuação, como
também decretou o fim de uma longa era de cristandade (LIBANIO - 2005, p.
84).
Muito oportuno aqui o que diz José Comblin (1985 pp. 2-10) de que a “palavra
aggiornamento ficou em italiano, ninguém procurou traduzi-la. O autor segue fazendo
menção de que a “melhor explicação dessa palavra foi dada por Paulo VI na sua Encíclica
Ecclesiam suam, tão estreitamente ligada ao destino do Concílio”:
Sempre teremos presente como verdadeira pauta programática aquela
palavra, já famosa, do nosso venerado antecessor João XXIII, de feliz
memória: ‘aggiornamento’. Já a confiamos como critério diretivo do Concílio
ecumênico, e continuaremos recordando-o assim, como se fosse um estímulo
contínuo para a crescente vitalidade da Igreja, para a sua capacidade sempre
desperta de escutar os sinais dos tempos, e para a sua agilidade juvenil de
‘provar tudo e ficar com o que é bom’ (cf. 1Ts 5,21)”.
No entender de Libanio (2005, pp. 70-72), João XXIII, acreditava que as mudanças
provocadas pelo Concílio pudessem contagiar outras comunidades (separadas). Quando João
40O significado de Aggiornamento: Atualização, modernização, adiamento e demora. POLITO, A. G. Michaelis
– Pequeno Dicionário Italiano-Português/Português-Italiano. São Paulo: Melhoramentos, 1993.
XXIII usou a palavra aggiornamento41, de acordo com Libanio (2005), “quis pensar uma
Igreja inserida na atualidade, na contemporaneidade, na modernidade”. Não deve ser
entendido aqui como “modernização”. Tem um sentido amplo que perpassa a maneira de
pensar um “diálogo com o mundo moderno com o objetivo de superar a distância, o atraso, a
desatualização da Igreja”. Por mais que os ideais de João XXIII tenham se perdido a partir da
segunda parte do Concílio Vaticano II, percebe-se que ele era um homem de grande intuição
que conseguiu intuir as reais necessidades de mudanças de sua época. João XXIII não
entendia essas mudanças como mero sentido de modernização, mas de uma renovação dentro
da ICAR.
Conclusão
Assim podemos perceber nesse capítulo que a ICAR, por muito tempo se fez resistente
aos movimentos de mudança na história (modernidade). Esses medo era muito mais com a
parda de autoridade, pois questões modernas colocavam em cheque valores por ela
delimitados. Como as mudanças eram necessárias, vemos acontecer um dos eventos mais
marcantes da história da igreja que celebra seus 500 anos (1517-2017), a Reforma Protestante.
Em resposta à Reforma, a ICAR contra ataca com a Contra-Reforma, não melhorando em
nada seu o cenário interno. Ficou famoso o Concílio de Trento, mais como uma forma de
ostracismo do que abertura. O Concilio Vaticano I foi outra manifestação que em pouco
contribuiu. Enquanto isso, no Brasil, vemos despontar as CEB’s, a TL, a CNBB, CRB, até
que em meio a tudo isso João XXIII vislumbra a necessidade de abrir as janelas do Vaticano,
e anuncia um novo Concílio, o Vaticano II (1962-1965). Em 1967, de uma experiência
pentecostal vemos nascer a RCC, o que veremos contemplado no capítulo a seguir. Será
possível perceber quais são os elementos fundamentais da RCC e como que ela pauta o
41D. Aloísio Lorscheider, em 2005 escreve para a revista Vida Pastoral um artigo “Linhas mestras do Concílio
Ecumênico Vaticano II” e apresenta a seguinte definição de aggiornamento: - “Não é sujeição, nivelamento,
pacto ou compromisso com o mundo de hoje. Nada de acomodação do cristianismo ao mundo moderno, nem
absorção do mundo moderno pela Igreja-instituição — uma espécie de “eclesiastização” do mundo, uma nova
cristandade. (...) Sim, aggiornamento é escutar, ir ao encontro, abrir-se às justas (legítimas) exigências do mundo
de hoje, em suas profundas mudanças de estruturas, de modos de ser (culturas), inserindo-se nele para ajudá-lo,
sempre no respeito à sua autonomia relativa (secularização), num espírito de doação, de caridade total, de
diaconia, a serviço dos anawim, os pobres de Javé. Considerar a maneira de pensar do ser humano de hoje, a sua
linguagem, o seu modo de ser, para apresentar o Evangelho como única mensagem capaz de salvar (a boa notícia
da salus, da saúde do corpo e da alma). Aggiornamento exprime o aspecto encarnacionista do mistério da Igreja,
a sua historicidade, acentuando a necessidade de atenção aos sinais dos tempos. Trata-se de uma abertura crítica
ao mundo de hoje (o critério é o Evangelho) (Lorscheider. D. A. Linhas mestras do Concílio Ecumênico
Vaticano II. São Paulo: Vida Pastoral, Julho-Agosto de 2005 (pp. 13-16). Disponível in:
http://www.vidapastoral.com.br/artigos/documentos-e-concilios/linhas-mestras-do-concilio-ecumenico-vaticano-
ii/. Acesso em: 10/3/2017.
despertar de seus membros a partir de uma experiência intimista com o Espírito Santo. Isso
faz dela (RCC), um movimento de atuação dentro da ICAR com características bastante
similares aos movimentos pentecostais e neopentecostais de nossa época.
Cap. II
O MOVIMENTO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA
Não só a experiência pessoal de cada fiel como indivíduo, mas também, e sobretudo, a
experiência que a Igreja fez do Espírito no decorrer dos séculos, chamada Tradição. Se “a
lei estava grávida de Cristo”, no dizer dos Padres, a Igreja está grávida do Espírito Santo! É
preciso então ter mãos delicadas, como a parteira, para trazer à luz os frutos do Espírito que
nela vão amadurecendo.
(Raniero Cantalamessa - 1998)
Introdução
A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), depois do Concílio Vaticano II esteve
aberta à possibilidade de receber novos movimentos que pudessem ser expressão de um novo
jeito de ser igreja. Nesse capítulo será tratado sobre o surgimentos dos Novos Movimentos
Religiosos (NMR). A RCC, como fazendo partes desses movimentos, na interpretação de
alguns expoentes da ICAR, acolhe a proposta de aggiornamento intuído por João XXIII,
justificando sua razão de ser. A RCC é uma movimento que nasce da experiência dos
estudantes universitários nos EUA (Duquesne), no ano de 1967) e passa a ser, no século XX e
XXI, uma grande expressão pentecostal dentro do catolicismo. Muitos são os membros da
ICAR que a este movimento têm feito adesão, a partir do que chamam de “batismo no
Espírito”, depois de receber os dons carismáticos. A fidelidade de seus membros a alguns
elementos católicos, como a devoção à Virgem Maria, faz com que a RCC ganhe créditos
diante da hierarquia. É o poderemos conferir a seguir.
2.1 – Movimentos Novos: cenário pós-Vaticano II
2.1.1 – O Movimento da RCC: um sopro de renovação
É visível o fenômeno do surgimento de Novos Movimentos Religiosos (NMR)42 em
nosso século, e isso tem chamado a atenção de estudiosos em Ciências da Religião, como
42Para Borriello e Curuana (2003, p. 954), antigamente se usava o vocábulo “seita cristãs” ou “fato místico” para
indicação dos todos os movimentos religiosos entendidos como desviantes das tradições majoritárias. Em 1991,
o Magistério Católico, particularmente por ocasião do Consistório Extraordinário, mostrou preferência por
“novos movimentos religiosos”.
afirma José Moraleda (1992, p. 5). Segundo ainda Moraleda (1992, p. 30-34), os NMR
apesentam características importantes que respondem aos anseios da modernidade, como
podemos ver: a) – “A recuperação das origens”: buscam a renovação, mas uma renovação que
faz um resgate das origens. Isso pode se traduzir, muitas vezes, como um comportamento
puritano e radical; b) – “A espera milenarista”: esperam a “harmonia da situação final”; c) –
“O despertar religioso”: traz um despertar religioso como uma volta ao sagrado; d) – “O
deslocamento do sagrado”: liga-se ao fato do desinteresse institucional que facilita a
segregação das organizações religiosas tradicionais e a incorporação aos novos movimentos;
e) – “O consumismo religioso”: cada consumidor elabora uma “religião” a sua medida e com
isso gera-se o “supermercado espiritual”.
Esses movimentos também apresentam organizações e ações em nível
internacional; caracterizam-se por uma absoluta fidelidade ao papado; por uma
espiritualidade intimista; rejeitam a secularização; estão afinados com o
restabelecimento da ordem e da ortodoxia e posicionam-se contra qualquer
tipo de marxismo (GONZALEZ – 2006, p. 25).
Para Caldeira (2008), “há quatro décadas da conclusão do Concílio Vaticano II, nós,
no enredamento do temporal, lançamos olhares e construímos a sua história. Definimos o
tempo e o ritmo da Igreja”. Em 2016 foi celebrado os 50 anos do Concílio Vaticano II, e a
impressão que fica é que nada mudou de lá para cá na Igreja. Para Comblin (1985, pp. 2-10),
“alguns acham que o Concílio Vaticano II foi um acontecimento acidental e pouco feliz: não
lhe reconhecem nenhum efeito positivo e atribuem-lhe muitos efeitos negativos”. Mas
pensemos no “efeito borboleta”43. É preciso reconhecer que algum efeito causou.
O Concílio Vaticano II deu larga abertura para uma Igreja mais preocupada com a
realidade social a partir da Constituição Apostólica Gaudium et Spes. O citado documento
traz possibilidades que antes não se pensava, como: abertura para o diálogo e serviço que
abrange toda a família humana. Essa proposta vai ao encontro das demandas da época.
Conforme Haight (2012), pode-se destacar três importantes movimentos abertos para a
modernidade:
Um diz respeito à preocupação com a justiça social que subjaz às
teologias da libertação; um segundo movimento é uma assoladora
preocupação com a inculturação; e o terceiro é a da relação da Igreja com as
outras religiões - diálogo inter-religioso (HAIGHT - 2012, p. 460).
43 Sobre efeito borboleta: “o facto de uma pequena alteração das condições iniciais de um problema poder
provocar uma catastrófica diferença no resultado final foi apelidado de Efeito Borboleta – Uma borboleta bate as
asas no Porto e origina uma tempestade em Hanoi”. Disponível in: http://revistastudiobox.com/?p=653. Acesso
em: 10/3/2017.
Pierucci e Prandi (1998, p. 61), falam do processo de “aggiornamento”, como um
processo de adaptação na década de 60, onde a Igreja encontra-se em um caminho de mão
dupla. De um lado se depara com a ação de esquerda, que em grande parte contribui para
mudanças com base do Concílio Vaticano II, trazendo a proposta de uma teologia mais
voltada para questões sociais (CEB’s e TL), e por outro lado se depara com uma linha
conservadora que mais tarde vem dar abertura à RCC. Se por um lado temos os movimentos
de luta social, como analisado no primeiro capítulo, por outro lado vamos ter também
movimentos mais “conservadores (Opus Dei, RCC e outros)”. Sobre esse tema há
controvérsias e necessita ser melhor analisado. Cabe-nos aqui pensar um pouco mais sobre
essas vertentes. Para alguns teóricos das ciências da religião, os movimentos pentecostais, a
saber na ICAR, movimento da RCC, podem ser uma expressão de continuidade da TL ou
CEB’s. Não se trata apenas de dizer que são linhas apenas conservadoras ou não. Eles têm
uma razão de ser no campo religioso da ICAR, em especial no Brasil.
Mas, se consideramos igrejas e seitas como fazendo parte de
movimentos religiosos, poderemos ver entre teologia da libertação e
pentecostalismo uma continuidade. Mesmo que seja apenas pelo fato de haver
um deslocamento de um em direção ao outro. Não que os membros das CEBs
passem em grande número para as Igrejas pentecostais. Mas realmente como
fenômeno coletivo. Antes, o movimento eram as CEBs, hoje são os
pentecostais. Rubem César Fernandes diz de outra forma: “o movimento
evangélico hoje tem um peso simbólico equivalente ao que tinha a teologia da
libertação nos anos 70”. O que reúne os dois é a “moral da salvação”
característica do romantismo teológico. Não é, no entanto, a mesma moral.
Enquanto a categoria central da teologia da libertação era a libertação da
opressão, a do pentecostalismo é em primeiro lugar a “louvação” (CORTEN -
1996, p. 44).
De acordo com Küng (2012, p. 174), o Vaticano II apresenta duas bem sucedidas
mudanças de paradigma, a saber: a) – “integração do paradigma reformatório” – onde há o
“reconhecimento da parcela de culpa dos católicos da cisão da igreja e a necessidade de uma
contínua reforma”. Isso está evidente no conceito “povo de Deus”, abordado nos documentos
do Vaticano II, valorizando o protagonismo do povo na igreja. Adequação da ICAR a
circunstâncias nacionais e locais. Ainda outras preocupações como a em responder às
questões da Bíblia na liturgia, na teologia e na vida do fiéis. b) - “integração do paradigma
moderno” – aqui entraram “aspiração do mundo iluminista”, enfatizando as questões de
“liberdade religiosa, liberdade de consciência e direitos humanos. Reconhece-se ainda as
possibilidades de salvação universal, sendo ela também fora do cristianismo.
Nesse contexto, entre contradições, no pós Concílio, vemos nascer ainda a RCC.
Conforme Hill (2007, p. 452), o pentecostalismo espalhou-se para além das Igrejas
evangélicas e chegou até mesmo a atingir as Igreja católica. Fenômeno que colaborou,
segundo Hill, “para fomentar o que ficou conhecido como Movimento Carismático”, dando
grande ênfase às manifestações do Espírito Santo. Para Catão (1995, p. 7), a RCC é uma
corrente religiosa relativamente recente, mas que tem ganhado importância cada vez maior na
ICAR, inclusive no Brasil.
“De que vive a Igreja? A pergunta é dirigida àquilo que é o princípio
interno de sua vida; o princípio que distingue a Igreja de qualquer sociedade;
um princípio indispensável, tal como a respiração é para a vida física do
homem; um princípio divino que transforma um filho da terra em filho do céu
e confere à Igreja personalidade mística: o Espírito Santo. A Igreja vive do
Espírito Santo. Pode-se dizer que a Igreja nasceu, verdadeiramente, no dia de
Pentecostes e sua primeira necessidade é a de viver sempre esse dia” (Paulo
VI – Do discurso “Fate Attenzione”, pronunciado numa Audiência Geral e
publicada e, L’Osservatore Romano, de 15/10/1966).
Conforme os autores Vera I. Jurkevics (2004, p. 122), Carranza (2000, p. 24) e Daniel
Ange (1999, p. 15), o nascimento da RCC se dá em fevereiro de 1967, após um retiro
espiritual na Universidade de Duquesne, Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), como um
“movimento leigo que vai se consolidar em justaposição com a hierarquia eclesiástica”.
Sofiati (2011, p. 125), diz que os documentos do movimento afirmam que nesse no ano de
1967, entre 17 e 19 de fevereiro, um grupo de professores e estudantes católicos passou por
uma “renovação espiritual”. Para André R. Souza (2014, p. 156), “alguns participantes desse
retiro espiritual tinham contato com grupos evangélicos, nascidos no chamado avivamento
protestante”. Reforçando essa afirmação de Souza, Patti G. Mansfield (2016), diz que em
1967, o Rev. Don Basham, relatava em seu livro Face up with a Miracle (“Enfrente um
milagre”), sua experiência com o Batismo no Espírito Santo e que a partir de pequenas
reuniões de oração em casas de famílias, novas ações do Espírito Santo iam acontecendo.
Mansfield estava presente no retiro de 17 a 19 de fevereiro de 1967, retiro no qual aconteceu
o nascimento da RCC. Como testemunho desse evento e em ocasião da comemoração aos 50
anos do nascimento da RCC, Mansfield escreveu o livro “Como um novo Pentecostes”, que
reúne o relato de testemunho de todos os jovens que estavam presentes nos três dias do
evento. Mansfield traz relatos importantes que em muito contribuem para a compreensão no
nascimento da RCC.
Naquele Grupo de Oração em particular, estavam presentes dois
instrutores da Universidade de Duquesne, e antes que a reunião encerrasse,
estes homens pediram para receber o Batismo no Espírito Santo. Na semana
anterior, outro professor da Universidade de Duquesne já havia pedido para
ser batizado no Espírito. Estes dois encontros são os eventos que levaram ao
Fim de Semana de Duquesne, no mês seguinte, e que marcou o início da
Renovação Carismática na Igreja Católica. Don Basham estava certo. Uma
nova e grande ação do Espírito Santo surgiu através de um grupo de oração
em uma pequena casa (MANSFIELD – 2016, pp. 34-35).
Sendo ainda mais específico, Gonzalez (2006, p. 65), diz que a partir do encontro
referido acima, “Ralph Martin e Steve Clarck fundaram a comunidade de Deus em Ann Arbor
de maioria católica, embora houvesse alguns protestantes, todos tinham o objetivo de partilhar
as bênçãos do espírito Santo”. Depois disso, muito tranquilamente, começaram a se infiltrar
nas “estruturas eclesiásticas”. Isso aconteceu primeiramente na “paróquia Saint Patrick, em
Providence”. Nas afirmações de Prandi, André G. Campos e Rogério A. Pretti (1998, p. 33),
em 1971, o bispo de Rhode Island, Estados Unidos, “confiou a paróquia Saint Patrick aos
leigos carismáticos, e com isso consolidava a fundação da RCC, em justaposição com a
organização eclesiástica”.
Em 1974, aconteceu o II Congresso Internacional da RCC em South Bend e puderam
contar com a participação de 30 mil pessoas vindas de 35 países. Segundo Flávio M. Sofiati
(2011, p. 125), a RCC nasce em um ambiente universitário, secular mais elevado, no sentido
de bens culturais e intelectuais. Havia ali uma busca de renovação espiritual como tentativa de
respostas aos anseios de mudanças da ICAR, em especial com as aberturas propostas pelo
Concílio Vaticano II. No conceito de Edênio do Valle (2004, p. 100), os citados universitários
“inventaram o pentecostalismo católico”, copiado das então ondas de “reavivamento”.
Constituídas por pessoas com participações anteriores em cursilhos e
por membros atuantes de agremiações católicas, esse movimento reforçou o
biblicismo, levando às vezes a uma leitura fundamentalista das escrituras;
revalorizou a glossolalia, a profecia, as orações de intercessão e outros dons
carismáticos colocados há muito tempo em segundo plano na tradição católica
(MARIA DAS DORES C. MACHADO – 1996, p. 47).
A experiência feita nesse encontro espiritual não ficou estagnada. De acordo com
Jurkevics (2004, p. 122-123), “alguns resolveram intensificar suas práticas religiosas” e
nascido como “pentecostalismo católico”, formaram-se os “grupos de oração” e aos poucos se
“denominaram de Renovação Carismática Católica”. Para Dorothy Ranaghan (1972, p. 33),
“o fim de semana de Duquesne, como viria a ser chamado, foi certamente um dos mais
notáveis acontecimentos na história do movimento pentecostal no mundo”. O livro “A Cruz e
o Punhal”44, de David Wilkerson serviu de grande base para o nascimento da RCC. O citado
livro faz relatos da experiência do batismo com o Espírito Santo feita por jovens drogados das
periferias de Nova Iorque.
Em um momento de efervescência religiosa, percebe-se que rapidamente a experiência
de Duquesne se espalha entre os norte-americanos, ganhando forte visibilidade. Em 1971 foi
realizado o I Congresso Nacional dos pentecostais católicos norte-americanos e no ano
seguinte já conseguiam visibilidade internacional. Segundo Jurkevics (2004, p. 122), os
teólogos Yves Congar e o Cardeal Leon Suenens ficaram como assessores do novo
movimento. Conforme Hill (2007, p. 454), Suenens, um dos quatro moderadores do Vaticano
II, ajudou na sua difusão. Segue um testemunho dado por Léon-Joseph Cardeal Suenens:
Quando entrei em contato com essas primeiras comunidades
Carismáticas Católicas, em círculos Universitários, compreendi que a graça
Pentecostal estava operando e que não era uma questão de um movimento –
não havia nenhum fundador, nenhuma regra, nenhuma estrutura precisa –
apenas o sopro do Espírito, que foi fundamental para muitos aspectos da vida
e para todos os movimentos, fossem quais fossem (CARDEAL SUENENS -
2016, p. 295).
Conforme os autores Harold Rahm e Maria J. R. Lamego (1974, p. 11), em um
discurso do Cardeal Leon Suenens45 na 2º sessão do Vaticano II em 22 de outubro de 1963,
dizia da “importância vital dos dons carismáticos do Espírito Santo na formação do Corpo
Místico da ICAR”. O mesmo cardeal enfatizou ainda, no mesmo discurso a “era do Espírito
Santo na Igreja” e que esse Espírito Santo “não é concedido apenas a pastores mas a cada
Cristão”. Em linhas gerais ainda foi dito que não se deveria “reprimir o Espírito Santo que se
manifestava aos Cristãos leigos que não possuem qualquer posição ou autoridade”.
Na perspectiva do Cardeal Suenens, João XXIII estava consciente de
que a Igreja necessitava de um novo pentecostes e acrescenta: “Agora,
olhando para trás, podemos dizer que o concílio, indicando a sua fé no
carisma, fez um gesto profético e preparou os cristãos para acolher a
Renovação Carismática que está se espalhando por todos os cinco
continentes” (SUENENS, apud C. ALDUNATE – 1986, p. 40).
Importante salientar que a RCC nasce no mesmo ambiente em que nasceu o
pentecostalismo no ano de 1906. Para Maria da Conceição Silva (2000, p. 282), o fato da
RCC nascer nos EUA está relacionado à questão de que o catolicismo norte-americano, se deu
44Em leituras para composição de material para esse trabalho de dissertação pude ler o livro a Cruz e o Punhal e
posso afirmar que na leitura desse livro é possível ver “a experiência de um homem que que lutou sozinho contra
a violência, as drogas e o crime usando a arma mais poderosa que existe – o amor de Deus”. 45 “Quando eu fui consagrado Bispo, escolhi como lema “In Spiritu Sancto” (no Espírito Santo) simbolizado por
uma pomba prata decolando de um chão azul, símbolo de Maria” (CARDEAL SUENENS - 2016, p. 294).
através de imigrantes católicos e judaicos, num população onde o domínio religioso era
protestante. O domínio protestante era forte e com isso, pode-se interpretar que facilmente
tenha servido de tendência para o nascimento de um catolicismo de característica pentecostal.
Esses grupos não criaram uma cisão com o catolicismo tradicional, mas conseguiram manter a
característica “dogmática da fé”. Entre os membros desses grupos desencadeou-se uma
religiosidade carismática, com cultos fervorosos, sem que se se perdesse o dogmatismo.
Hoje vemos a RCC, como um movimento de leigos, como diz Souza (2014, p. 157),
com assessoria de bispos e padres, ou seja, “tutela do clero”. Para Jurkevics (2004, p. 126), a
RCC tem um núcleo especificamente laico, que sempre se mostrou aberta à orientação da
hierarquia. Segundo Carranza (2000, p. 16), a RCC tem uma forte característica de se
apresentar como um processo de “reação católica para dentro da própria ICAR, contrário da
TL, CEBs e demais pastorais”. Ainda segundo Carranza (2000), pode-se afirmar que a RCC
“foi emergindo como um movimento contrário à TL, chegando até mesmo a provocar
resistência no setor progressista” da ICAR. Com isso conseguem um enfrentamento com a
concorrência religiosa provocado em especial pelo pentecostalismo.
Segundo Sofiati (2011, p. 126), “no início dos anos 2000 a RCC havia atingido perto
de 40 milhões de adeptos no mundo, com 270 mil grupos de oração em mais de 140 países,
dos quais 30% na América Latina”. A dizer ainda, segundo Sofiati, que só no Brasil essas
cifras alcançaram cerca de oito milhões de membros cadastrados em 61 mil grupos de oração,
dos quais 400 se encontram no Estado de São Paulo. Lançado como Ofensiva Nacional, o
livro “E sereis minhas testemunhas” (1993, p. 11), define que a RCC, “depois do Concílio
Vaticano II foi um dom especial do Espírito Santo à Igreja (Discurso do papa João Paulo II ao
ICCRO em março de 1992)”.
Segundo Carranza (2000, p. 85), em menos de um ano depois do Vaticano II, “verão-
outubro de 1966”, o fenômeno RCC já começou a se destacar, firmando o conceito de que ela
aparece como um “acontecimento pós-conciliar”. Para seus precursores a RCC foi sempre
vista como um “novo Pentecostes almejado pelo Papa João XXIII” (Hahm e Lamego – 1974,
p. 26). Para Gonzalez (2006, p. 30), as “características do pontificado do Papa João Paulo II46
46De acordo com Gonzalez (2006, p. 30-31), a RRC em âmbito transnacional ajudou a divulgar a imagem do
papa peregrino e devoto dos santos e Maria. Simultaneamente a devoção dos carismáticos católicos ao papa
ajudou a reforçar a centralização da ICAR na figura papal. Por outro lado, o movimento compartilha das práticas
papais de devoção aos santos e a Maria, divulgando-as pela mídia. A postura espiritualista da RCC também
coaduna com João Paulo II nos quesitos morais como: ao aborto, à homossexualidade, à eutanásia, ao uso de
métodos anticoncepcionais e à utilização de preservativos.
vão ao encontro dessas propostas” de renovação, “indicando convergência entre a política
papal e as posturas assumidas por esse movimento”. E ainda mais, para esse movimento, “o
divino irrompe no universo do homem”. Esse conceito vai ainda ao encontro da visão de que
tinha João Paulo II da necessidade de algo que pudesse “preencher o vazio deixado no homem
contemporâneo pelo “efeito da secularização”.
[...] Os cristãos, aqui chamados de carismáticos, caracterizam-se por
um grande desejo de libertação, neles, das forças espirituais, por meio de uma
espera do Espírito e pelo emprego agradecido de seus dons. Tais cristãos
acham normal que Deus realize por meio deles coisas que superem suas
próprias capacidades (SMET – 1987, p. 36).
Rahm e Lamego (1974, p. 35), grandes expoentes da RCC, não aceitam se referir à
RCC como um movimento. Os referidos autores veem a RCC como “uma força e um
dinamismo que se apodera dos homens e se comunica facilmente, mesmo aos cépticos e
rebeldes”. Segundo ainda Rahm e Lamego (1974), a RCC tem como proposta ser uma
“possibilidade de transformação para a própria Igreja: ser uma nova Igreja”. Isso significa que
não tem a intenção de competir com outros movimentos dentro da ICAR. Sendo assim, a
RCC ainda não está bem definida dentro da ICAR e aos poucos vai se assentando,
caracterizando sua forma de ser. A isso é que alguns pensadores das ciências da religião vão
fazer a indagação de qual será o futuro da RCC no campo religioso católico.
2.1.2 – O Espírito Santo: unidade na diversidade47
Para os carismáticos, a novidade é o renascer no Espírito. Para ser carismático é
preciso passar pela experiência nova da vida no Espírito, um “despertar para a plenitude da
vida cristã, como a compreenderam e viveram os primeiros cristãos”. Para Gonzalez (2006, p.
66), os participantes da RCC, depois de passarem pela experiência do batismo do Espírito,
tornam divulgadores do movimento, numa espécie de proselitismo pessoal. Há uma
necessidade interna de propagar a graça recebida de Deus. O fator “testemunho” é bastante
47 O vocábulo “espirito” recebe várias significados, mudando até de gênero. Segundo Rocha 2008, p. 23), a
“palavra hebraica ruah é do gênero feminino, significando de modo geral hálito, vento, sopro, potência criadora,
respiração de Deus ou do homem”. Depois o mesmo espírito pode ser encontrado como o pneuma, pertencendo
ao gênero neutro, significando ainda hálito, vento, sopro, suspiro, princípio vital. Traduzindo para a língua latina,
vamos encontrar o spiritus, masculino, que no português vai originar o espírito”. Segundo Cantalamessa (1998,
p. 16), “Ruah significa duas coisas estreitamente ligadas entre si: o vento e a respiração. Isto é verdade também
para o substantivo grego Pneuma e para o latino Spiritus. Também o nosso termo em português, Espírito,
conservou este parentesco originário com o vento e a respiração: espírito e respirar (inspirar e respirar) vêm da
mesma raiz. (Mesma associação nas línguas anglo-saxônicas: o alemão Geist e o inglês Ghost provêm, com
efeito, ambos de uma raiz comum, gast, que significa respiração)”.
forte nos grupos da RCC. É preciso acontecer um novo Pentecostes. Sem a força do Espírito
não há nascimento da Igreja. Essa base é a mesma das Igrejas Pentecostais, como está claro
em Rocha (2008, p. 49) quando diz “que a vida cristã só é possível no Espírito: presença de
Deus que habita toda realidade”.
Quem bem sintetiza esse modo de pensar e agir da RCC na vida de Espírito é o Pe.
Eduardo Rahm:
A RCC não é um movimento mas é uma movimentação do Espírito
Santo, há aí uma grande diferença. [...] O Pentecostes é a graça fundamental
da Igreja. E vai dizer que não é dos leigos? Não, não é só dos leigos. Porque é
dos padres, é dos bispos, é do papa. É um ministério? Não, é mais que
ministério. Pentecostes é a graça essencial da nossa Igreja (CARRANZA,
2000, p. 38).
No entender de Prandi, Glauber P. Gonçalves e Roberto M. Silva (1998, p. 44), a RCC
“é um sopro do Espírito Santo” e isso é possível averiguar na sua própria doutrina e, ainda
“caracterizado na valorização da oração individual e comunitária a partir da vida e da palavra
de Deus”. Todos esses elementos estão expressos nas “orações de louvores variados”. Não
seria possível conceber um carismático sem que esse não tenha uma “crença nos dons do
Espírito Santo”. Esses dons são ainda entendidos como “carismas”, que por sua vez se traduz
como “graças especiais” dadas por Deus. Podem ainda ser compreendidos como “dons
naturais e dons carismáticos”.
Com características tão pentecostais, não há dúvidas de que para se tornar um membro
da RCC é preciso fazer a experiência no batismo no Espírito48. Isso não significa negar o
primeiro batismo sacramental que torna o indivíduo membro da ICAR. Para Ange (1999, p.
34), o batismo no Espírito é visto como uma “reativação” do primeiro batismo. Esse batismo
que muitas vezes foi visto de forma “angustiante pelos pastores”, pois muitos o receberam
como recém-convertidos, ou ainda quando crianças, mas muitas vezes ainda não vivido.
Permaneciam como que estivessem “estéreis”. De acordo com Sofiati (2011, p. 136),
podemos entender o significado de “Batismo no Espírito Santo” em dois “sentidos ou
momentos”: primeiro é “teológico”, que está ligado aos sacramento da iniciação cristã na
ICAR, a saber batismo e crisma e um segundo que o “experiencial”. Esse segundo acontece
48De acordo com Gonzalez (2006, p. 89), o ritual do batismo no Espírito Santo, tem seu início perguntando ao
indivíduo a ser batizado, se ele quer receber o Espírito Santo. Se a resposta for sim, o fiel terá que renunciar aos
perigos da Umbanda, Candomblé, Seicho-no-iê, figas entre outros. Contrariamente ao sacramento do batismo,
único e definitivo, o batismo no espírito requer uma vivência constante. Tem grande semelhança ao batismo no
Espírito pentecostal.
num processo de crescimento do indivíduo que toma consciência pessoal da ação do Espírito
em sua vida. Sendo assim essa experiência nova do batismo no Espírito não substitui e nem
deve entrar em contradição com batismo Sacramental da ICAR. Para Carranza (2000, p. 86),
na concepção dos membros da RCC, o batismo no Espírito faz com que o indivíduo passe da
vida doutrinal para “uma libertação carismática”. O que significa abrir-se a todas as
possibilidades de graças que esse mesmo Espírito possa suscitar na pessoa.
Conforme Carranza (2000, p. 85), a “fundamentação teológica” da RCC é o “batismo
no Espírito”. No livro “E sereis minhas testemunhas” (1993, p. 11), a expressão “ser batizado
no Espírito Santo” designa a experiência vinda do poder do Espírito sobre uma pessoa. Essa
expressão foi usada pela primeira vez por Haroldo Hahm no livro “Sereis batizados no
Espirito”. Por sua vez essa expressão é uma tradução do inglês, Baptized in the Spirit, usada
por Stephen B. Clark. Para Hahm e Lamego (1974, p. 33), “esse batismo não é apenas uma
experiência individual, mas um dom recebido na Igreja, para a Igreja, e, geralmente, em uma
comunidade de oração”. Sendo assim, o batismo não pode ser visto como uma experiência
“privada”, mas deve fomentar no indivíduo uma necessidade de participação no corpo de
Cristo – Igreja.
Graças a essa efusão em que o próprio Espírito vem atualizar a vida
divina que constitui nosso dom batismal original, fazer florescer e frutificar
todas as sementes até então cobertas por uma terra endurecida pela seca ou
pelo gelo. Tudo quanto há de mais tradicional em teologia: de Simeão, o Novo
Teólogo, a Bernardo de Claraval (a infusão do Espírito Santo), de Tomás de
Aquino (as missões invisíveis) a João da Cruz (os despertares de Deus)
(ANGE – 1999, p. 33).
De acordo com os autores Prandi, Gonçalves e Silva (1998, p. 45), o “sentido de ser
carismático” passa a ser percebido só a parir da crença dos dons do Espírito Santo. Não é um
esforço pessoal do indivíduo, mas um Dom de Deus. Para Carranza (2000, p. 87), o manual
oficial da RCC afirma claramente que o batismo no Espírito “é uma reativação da força divina
recebida no batismo”. O que levaria a uma “metanóia”, ou seja “mudança de mentalidade”, ou
ainda conversão pessoal do indivíduo. Seria ainda o batismo no Espírito como que uma
tomada de posse com a vivência do batismo sacramental. É comum perceber que, em linhas
gerais, os pentecostais católicos ou não, pouco se prendem ao batismo nas águas, mas dão
forte ênfase ao batismo no Espírito. No livro de ofensiva as RCC (1993, p. 46), temos que:
“os pentecostais clássicos e os protestantes neopentecostais, em geral, usam a frase para
designar uma segunda efusão, posterior à conversão, uma nova participação do Espírito”.
Segundo Hahm e Lamego (1974, p. 100), a RCC não vê o batismo no Espírito como
uma “conversão”, mas como uma forma de “receber, beber”. Conversão significa voltar.
Batismo no Espírito não significa “uma compreensão” e sim uma “mudança de
relacionamento”. Batismo no Espírito não significa “uma devoção” ao Espírito Santo, mas
“uma recepção”. O batismo no Espírito “não é sinal de maturidade espiritual ou de santidade”,
pois essas “querem tempo”. O batismo no Espírito “não é tudo que necessitamos”, mas uma
parte para o início de uma vida nova.
A CNBB lançou o Documento 53 – “Orientações Pastorais sobre a Renovação
Carismática Católica” (1994). Ao número 11 e 13 do Documento 53 são apresentados os
pontos que reforçam a necessidade de unidade, dentro da ICAR:
11 - O cristão, pela graça batismal, é introduzido na intimidade da
vida trinitária, partilhando da sua riqueza na comunidade eclesial. A plena
comunhão da Trindade manifesta-se na Comunidade-Igreja e oferece vida
nova (cf. 2Pd1,4; Ef 4,24; Cl 3,10) de relacionamento de filhos com o Pai (Gl
4,6).
13 – O Espírito Santo ensina, santifica e conduz o povo de Deus
através da pregação e acolhida da Palavra, da celebração dos sacramentos e da
orientação dos pastores. Distribui também a graça ou os dons especiais “a
cada um como lhe apraz” (1Cor 12,11), sempre “para a utilidade comum”. Por
essas graças, Ele “os torna aptos e prontos a tomarem sobre si os vários
trabalhos e ofícios, que contribuem para a renovação e maior incremento da
Igreja (cf. 1Cor 12,2; LG 12b).
A partir dessa perspectiva pode-se ainda entender como que a ICAR conseguiu fazer
com que a RCC se mantivesse fiel à hierarquia. As instruções são bem claras: que os Dons do
Espírito Santo não podem ser usados de forma que não sejam para o bem comum de todos e
em especial da ICAR. De acordo com Catão (1995, p. 47), unidade não deve ser entendida
como” unicidade”, e nem mesmo como “uniformidade”. Essas duas seriam expressões de
falta de “liberdade humana”. Busca-se a “unidade de comunhão”, entre pessoas, tendências,
movimentos ou partidos diferentes”. Esse é o verdadeiro sentido da unidade que o Espírito
deve provocar na vida das pessoas. Tem uma frase de Santo Agostinho que em muito pode
ainda elucidar o que aqui se tem dito: in necessaris unitas, in dubiis, libertas, in omnibus
caritas, ou seja, unidade no que é necessário, liberdade no que é duvidoso e em tudo, caridade
(CATÃO - 1995, p. 13).
Como já foi dito acima, a imersão no Espírito, ou batismo no Espírito é uma
experiência original e segundo Catão (1995, p. 66), o “imerso passa a fazer da docilidade ao
dom do Espírito sua regra de vida”. O termo docilidade é bastante empregado pelos
carismáticos ao se tratar dessa abertura, disponibilidade da vida no Espírito. Dessa
disponibilidade vão nascer os “grupos de oração, ou reuniões” para orar no Espírito Santo.
Essas reuniões apresentam verdadeira “atmosfera de fé”. Hahm e Lamego (1974, p. 36),
dizem que são encontros de verdadeiras aulas de oração. É possível ver que as orações
nascem do íntimo de cada membro. Muda-se por completo o esquema de orações formuladas,
recitações de orações já pré-formuladas, costume na ICAR desde há muito tempo. Abre-se a
uma experiência nova feita a partir das orações de moções no Espírito. Não existe uma regra,
mas uma emoção natural. Enfatiza-se muito o sentido das emoções. São “práticas, naturais e
espontâneas”. Segundo Hahm e Lamego (1974, p. 36), “aquilo que milhões de homens
dedicaram a sua vida, desde os primeiros ensaios de comunidades monásticas, o século III: a
oração de louvor”. Segundo Sofiati (2011, p. 137), fica evidente a existência de uma
“valorização do sentimento, do emocional na oração de louvor”. O elemento emocional aqui
inserido está relacionado ao âmbito da fé.
Para Ange (1997, p. 34), um dos primeiros frutos do batismo no Espírito para os
carismáticos é a dimensão da espontaneidade na oração. Ange a chama de “oração de
criança”. Vem de uma experiência pela “oração do coração”, culminando no “livre louvor”.
Juntamente com a Bíblia, um outro elemento que acompanham os grupos de louvores, são a
reza do terço e as músicas. Todo o sentido emocional das orações são precedidos de música
de louvor que tocam o coração dos que frequentam esses grupos de oração.
Na oportunidade de participar de um grupo de oração da RCC foi possível perceber
que se tornam “verdadeiras cerimônias de euforia semanais com duração de duas ou três
horas” e apresentam uma fortíssima carga emocional, com louvores e orações em línguas, de
maneira mais ou menos estruturada. Ou seja, as reuniões seguem uma sequência. O ambiente
tem característica bastante “festivo”, inicia-se com um rito de contrição, interiorização, o que
pode ser feito com a reza do terço, uma reflexão do porquê estar ali presente seguido de um
agradecimento, ou louvor, orar em línguas. O fator calor humano está presente nos grupos e
na ação do “abraço da paz”. Juntado a tudo isso, valorizam ainda o fator do testemunho de
indivíduos que receberam graça. O fator cura49 é muito propagado nas reuniões dos grupos de
49Sobre o tema “cura, a Congregação para Doutrina da Fé, no ano de 2000 lançou pelas Paulinas o documento
“Instruções sobre as orações para alcançar de Deus a cura”. Nesse documento é possível ver as Disposições
disciplinares para os grupos de se reúnem para esses fins, de oração e cura. No art. 1 temos que: “Todo fiel pode
elevar preces a Deus para alcançar a cura. Quando estas se fazem numa Igreja ou em outro lugar sagrado,
convém que seja um ministro ordenado a presidi-las”.
oração, onde entendem que Deus faz novas todas as coisas. Como diz Prandi, Campos, Silva e
Miranda (1998, p. 63), “o milagre é sempre prometido e sempre iminente”.
Pesquisando sobre o tema batismo no Espírito foi possível localizar um vídeo no You
Tube50, de Tácito José Coutinho, grande expoente da RCC, conhecido nos meios carismáticos
como Tatá, afirma que o essencial da RCC não são os grupos de oração, mas a ação de
promover a fraternidade. Ou seja, gerar nas pessoas uma fé madura, a partir do Kerigma
(primeiro anúncio). Esse primeiro anúncio deve despertar no indivíduo o desejo de fazer uma
experiência do batismo no Espírito. Essa experiência deve levar em consequência o desejo de
se fazer uma comunidade de cristãos maduros. Foi a partir das primeiras comunidades de fé
maduras que os primeiros cristãos, colocando tudo em comum, venceram o Império Romano.
Uma instituição sem amor, segue Tácito, é “insuficiente”. Sem o amor, um grupo de oração
não consegue gerar fraternidade e por isso pode ser apenas só um grupo carismático.
2.2 – Fundamentação de alguns elementos estruturais da RCC
O movimento da RCC traz em seu bojo a base do pentecostalismo como forma de
dinamizar a fé cristã católica. Para isso enfatiza a ação do Espírito Santo na vida de seus
membros. O indivíduo deve fazer experiência de vida no Espírito. Através dessa experiência
acontece o afervoramento na oração pessoal, bem como a manifestação dos carismas. Aqui
vamos poder analisar um pouco alguns elementos estruturais que dão a base de sustentação da
RCC, como os dons carismáticos, o repouso no Espírito, a Virgem Maria e outros. Vamos
ainda poder ver que a RCC tem uma teodiceia própria na interpretação da ação do mal dentro
da sociedade. Visão essa muito similar aos neopentecostais.
2.2.1 –Os dons carismáticos na RCC
Nas promessas bíblicas, são “sete dons recebidos no Espírito Santo”. De acordo com
Raniero Cantalamessa (1998, p. 183), esses dons situam-se na linha dos carismas que
habilitam a pessoa para tarefas específicas no seio da comunidade. Esses carismas, segundo
Cantalamessa, são “redescobertos no Vaticano II e da periferia, voltam agora ao centro da
50Fernando Nascimento entrevista Tácito José Coutinho (Tatá) sobre as origens da Renovação Carismática
Católica no Brasil, suas características principais e seus desafios. Publicado em 1 de jun de 2016. Disponível in:
https://www.youtube.com/watch?v=VaCjVwqwgbg. Acesso em: 17/3/2017.
Igreja”. Prandi, Campos e Pretti (1998, p. 36), apresentam uma classificação dos nove dons
divinos, divididos em três grupos. Essa divisão foi feita por Robert Degrandis e Linda
Schubert (1990): “1) – os dons das palavras: dom das línguas estranhas, das interpretações e
das profecias; 2) – dons do poder: fé, cura e milagres; 3) – dons das revelações: sabedoria,
ciência e discernimento”. Alguns dons são notados como mais populares. Esses carismas são
distribuídos conforme o querer do Espírito. Não é poder do indivíduo. “É preciso “aprender” a
ter o dom, e deixá-lo manifestar-se”. Para Ricardo Mariano (1995, p. 23), a glossolalia
constitui um dom do Espírito, característico da primeira onda pentecostal, os pentecostais
clássicos.
Nas palavras de Tácito José Coutinho51, como citado acima, em um vídeo no You
Tube52, falando sobre questões da RCC afirma que os sinais do Espírito estão visíveis, ou se
manifestam nos carismas. Os dons pertencem ao Espírito Santo e podem se manifestar em
quem ele quiser. Por isso são, os carismas ou dons, provisórios, ocasionais e nunca uma
propriedade de alguém. Não existe alguém que seja proprietário dos dons do Espírito Santo.
Sendo assim, pode-se ainda entender que uma pessoa não deveria dizer que tem o dom de
cura, mas que ela reza pedindo a cura e o Espírito vai agir se quiser. Também não seria certo
dizer vamos orar em línguas, em um grupo de oração, pois quem deve manifestar isso é o
mesmo Espírito. Em mesma entrevista Tácito diz que o batismo no Espírito não é necessário
para a salvação, pois deve ser visto como uma experiência existencial. A ICAR tem muitos
santos que não passaram pela experiência do batismo no Espírito e nem por isso deixaram de
ser santos.
Para melhor entendermos essa questão dos dons ou carismas, buscamos em
Cantalamessa (1998, p. 180), uma classificação que em muito contribui na sua definição: a
primeira é de que o “carisma é um dom em vista do bem comum (1Cor 12,7); a segunda é de
que “o dom é um carisma dado a um ou a alguns em particular, não a todos ao mesmo
tempo”. Portanto, carisma é diferente da graça santificante, das virtudes teologais e dos
sacramentos. Esses três últimos, na ICAR são idênticos e comum a todos os fiéis. Dentre os
dons citados, temos quatro que mais se destacam na RCC que são os dons de língua, fé, cura e
51Para Sousa (2005, p. 55), Tácito José de Andrade Coutinho, conhecido como Tatá, um dos mais antigos
membros da RCC e que exerceu papel fundamental no processo de institucionalização do movimento no país.
Foi presidente da Comissão Nacional durante vários anos e reside em Itajubá, diocese de Pouso Alegre - MG. 52Fernando Nascimento entrevista Tácito José Coutinho (Tatá) sobre as origens da Renovação Carismática
Católica no Brasil, suas características principais e seus desafios. Publicado em 1 de jun de 2016. Disponível in:
https://www.youtube.com/watch?v=VaCjVwqwgbg. Acesso em: 17/3/2017.
discernimento. Ficando esse último (discernimento), como papel mais específico para as
lideranças, que em nome desse dom conseguem “manter o controle do movimento”. Ficando
ainda em primeiro lugar o dom da língua, segundo Prandi, Gonçalves e Silva (1998, p. 45).
Não desvalorizando os demais dons apontados anteriormente, mas só como forma de
pontuar alguns questões muitas vezes polêmicas nos grupos de oração, serão destacados três
dons, pois como afirma Sofiati (2011, p. 136), a RCC, de certa forma, “enfatiza alguns
carismas”, como “profecia, curas, línguas e interpretação”.
Dom de falar em línguas: Existe uma sutil diferença entre o dom de falar em línguas e
o orar em línguas. Hoje é um dom que “chama muito a atenção e provoca discussões”. Para
Cantalamessa (1998, p. 229), quem fala em línguas “não sabe o que está dizendo: só sabe que
está falando, isto é, está cônscio do seu falar. Sendo assim espontaneamente o indivíduo pode
começar a falar, e da mesma forma pode parar, pois não é automaticamente arrastado”. Por
isso é dom que deve vir acompanhado da interpretação das línguas. Nas Orientações da
CNBB - 53, encontramos a definição da oração em línguas e o falar em línguas:
62 - O destinatário da oração em línguas é o próprio Deus, por ser uma
atitude da pessoa absorvida em conversa particular com Deus. O destinatário
do falar em línguas é a comunidade. [...] Como é difícil discernir, na prática,
entre inspiração do Espírito Santo e os apelos do animador do grupo reunido,
não se incentive a chamada oração em línguas e nunca se fale em línguas sem
que haja intérprete (CNBB- 53 - 2013, p. 29).
Corten (1996, p. 56), escreve que “falar em línguas”, ou glossolalia53, “é o traço
comum de todas as Igrejas pentecostais”. Entende-se aqui ao o falar em línguas estrangeiras,
algo “como que um tipo de discurso das crianças, dos poetas, dos esquizofrênicos, dos
espíritas, dos possuídas, dos carismáticos”. Os sons que se apresentam ficam
incompreensíveis. Sendo a RCC uma experiência pentecostal, não deveria ser de outra forma.
Enfatizam então o dom de orar em línguas. Muito ligado ao fato das orações de louvores, que
são espontâneas. Continua Corten (1996, p. 56), dizendo que o orar em línguas no contexto
pentecostal está intimamente ligado ao fato de ser “uma prece que não obedece a nenhum tipo
preestabelecido de prece”. Esta ação está ligada ao das “fenômeno de emoções” ou seja, “uma
53 Para Corten (1996, p. 56), deve ser distinguida da xenoglossia, que significa falar uma língua estrangeira que
nunca se aprendeu. Esse dom depende de um outro, ou de um interprete dentro do grupo (CARRANZA – 2000,
p. 89). Para Baptista (1998, p. 11-40), a glossolalia “é uma manifestação linguístico-religiosa na qual o
falante/crente, no contexto da oração, é tomado por êxtase, produz uma linguagem emocional, ritmada, silábica,
quase melódica, cuja característica fundamental é ser expressiva, e não intelectiva. Assenta na expressividade
dos sons e gestos, não tem a intenção de ser doutrinária em si, pois não tendo sentido semântico-linguístico, não
instrui”.
euforia emocional, que não pede autorização. Acontece dentro do “corpus religioso” e “passa
a ser uma relação muito pessoal entre Deus e o indivíduo”. Muito comum entre “mulheres e
homens de meios mais simples” (pobres), chegando a atingir “um quinto dos crentes”. O falar
e o orar em línguas não são vistos como ato individual, mas com suporte no coletivo.
Dom de cura: Em se tratando do dom de cura, entende-se que a cura é sempre uma
promessa na realidade pentecostal e assim também o é na RCC. Elas são prometidas e
esperadas nos grupos de oração. Existem reuniões específicas para essa prática dentro da
RCC. Hoje é muito comum as chamadas “missas para cura e libertação”. Antes eram
chamadas missas de cura e libertação, mas devido a sérios questionamentos sobre o valor ou
não das demais missas dentro da ICAR, a hierarquia achou por bem delimitar o nome, sendo
assim chamada de missas para louvor e cura. Denotando que todas curam54, mas que esta é
específica para tal fim. Como diz Gonzalez (2006, p. 92), a RCC, “em relação ao dom de
curas, recupera elementos do catolicismo popular, assim como o pentecostalismo, colocando-
a numa dimensão física, psicológica e espiritual”. Falando de “curas físicas”, Ange (1999),
nos dá uma visão geral do que a mesma representa para a RCC:
“Sendo atualização evangélica, elas (cura), têm, por causa disso, um
sentido antropológico, uma significação teológica, um impacto querigmático,
um valor litúrgico, uma repercussão eucarística, uma dimensão profética, por
fim, um alcance escatológico” (ANGE - 1999, p. 91).
Para Kelsey apud Degrandes e Schubert (1997, p. 27), em Psychology, Medicine
Christian Healing, somos reanimados a esperar a “cura pelos sacramentos”. Na ICAR os atos
sacramentais são apenas mensageiros aparentes do Espírito que deseja curar. Não
encontramos nos documentos oficiais da RCC um material específico sobre a cura física a não
ser quando se trata da formação dos servos, na apostila Paulo Apostolo, segundo nos aponta
Gonzalez:
[...] doenças do Espírito, causadas pelo pecado pessoal; doenças
oriundas de problemas emocionais, causados pelos traumas emocionais do
nosso passado; doenças físicas em nossos corpos, causados pelas suas próprias
fragilidades ou acidentes. Qualquer uma dessas doenças pode ser causada pela
opressão demoníaca e a aração neste sentido deve ser de libertação ou mesmo
de Exorcismo (GONZALEZ - 2006, p. 92).
54 “Ao iniciar, receber e aplicar os benefícios desse ato perfeito de amor, nos transformamos, convertemos e
curamos” (DEGRANDES e SCHUBERT – 1997, p. 9).
Segundo Tácito José Coutinho, na entrevista Reflexões sobre a RCC55, deixa bem
claro que o Dom de cura é um dom como manifestação do Espírito Santo no doente. Muitos
membros de grupos de oração atuais, confundem essa realidade, transferindo o poder de cura
à pessoa que impõe as mãos sobre o doente e reza. Reza-se pelo doente, mas a ação de curar é
Dom do Espírito Santo. Recebe esse dom quem é curado. O dom pertence à pessoa que foi
curada. Essa ideia contraria a ideia de alguns autores como Carranza (2000, p. 89) que afirma
que o dom de cura “consiste na capacidade que a pessoa tem de curar a si mesma ou a outros
alicerçada na certeza de que Deus tem o poder para restaurar a saúde do homem, seja essa
espiritual, física ou interior”. Deus sim tem a capacidade e curar, mas não o homem de curar a
si mesmo nem a outro, segundo Tácito Coutinho na mencionada entrevista.
Nas Orientações da CNBB – 53 (2013, p. 28), encontramos que “ao implorar a cura,
não se adote atitude que possa resvalar para um espírito milagreiro e mágico, estranho à
prática da Igreja Católica (Cf. Eclo 38, 11-12)”. De acordo com Cantalamessa (1998, p. 205),
a cura é justificada teologicamente, quando a entendemos no “plano divido” onde o milagre
serve para “quebrar a rotina”, ou seja tirar o homem de uma religiosidade ritualista e
repetitiva. Com a cura gera-se como que o espanto diante da ação divina. Sendo assim, o
“milagre atual ajuda a compreender o milagre habitual”. Através do milagre atual resgata-se
o encanto perdido e banalizado no corriqueiro da vida. Podemos ainda aqui citar o documento
da Congregação para a Doutrina da Fé: Instruções sobre as orações para alcançar de Deus a
cura, editado em 2001. Esse documento traz, em 10 artigos, orientações a respeito da oração
com o fim de cura. Aqui são citados artigos que podem contribuir na observação dessa
matéria:
Art. 1 – Todo fiel pode elevar preces a Deus para alcançar a cura.
Quando estas se fazem numa igreja ou em outro lugar sagado, convém que
seja um ministro ordenado a presidi-la. Art. 3 – As orações de cura litúrgicas
celebrem-se segundo o rito prescrito e com as vestes sagradas indicadas no
Ordo benedictiones informorum do Rituale Romanun. Art. 5 - § 2. Evite-se
cuidadosamente confundir estas orações livres não litúrgicas propriamente
ditas (Congregação para a Doutrina da Fé: Instruções sobre as orações para
alcançar de Deus a cura – 2001, pp. 21-12).
O que se pode observar a partir do documento referenciado, é que a ICAR busca fazer
o controle de como deve acontecer o manuseio da prática da cura nas assembleias para que
55 Fernando Nascimento entrevista Tácito José Coutinho (Tatá) sobre as origens da Renovação Carismática
Católica no Brasil, suas características principais e seus desafios. Publicado em 1 de jun de 2016. Disponível in:
https://www.youtube.com/watch?v=VaCjVwqwgbg. Acesso em: 17/3/2017.
não lhe escape ao domínio. De uma certa forma isso vem engessar a ação do Espírito Santo,
problema esse encontrado nas pentecostais e neopentecostais.
Dom de profecia: na experiência bíblica, Antigo e Novo Testamento, o profeta é
aquele que fala em nome de Deus. Era diferente dos magos e mágicos de outras religiões.
Conforme Hahm e Lamego (1974, p. 146), o dom da profecia “não é apenas aquilo que
comumente se entende pela palavra profecia, isto é, a visão ou prenúncio de algo a acontecer
no futuro”. É antes uma “mensagem, uma palavra inspirada”. O Documento da CNBB-53,
(2013, p. 29), ao número 63 assim declara: “é a comunicação de assuntos espirituais aos
participantes de reuniões comunitárias... [...] é um dom para o bem da comunidade e não tem
em vista adivinhações futuras”. É preciso fugir de intenções “magicas e supersticiosas”.
Segundo Jurkevics (2004, p. 128), esse dom da profecia, acontece quando “alguém proclama
uma mensagem, que quase sempre, reafirma verdades já conhecidas”. Isso significar
confirmar a necessidade de uma melhor atenção para o fato com “reflexão e debate”.
De modo geral, vamos percebendo que o batismo no Espírito é uma experiência
pessoal do indivíduo dentro da ICAR, que provoca uma tomada de consciência sensível ao
Espírito Santo. Essa experiência, segundo Hahm e Lamego (1974), vai trazer um crescimento
qualitativo para a vida da pessoa, despertando:
1- para uma oração de louvor;2 - um melhor conhecimento de Cristo; 3- nova
apreciação da Igreja, da Liturgia, da Eucaristia e de Maria; 4 - ajuda numa melhor
penetração e estima das Escrituras; 5 - ajuda no estímulo e encorajamento mútuo para
a edificação do corpo de Cristo; 6 – abertura ecumênica; 7 - impacto sobre a
juventude; 8 - revivência na vida sacerdotal e religiosa; 9- reabilitação de vício e
delinquentes56; 10 - valor para o apostolado sacerdotal e paroquial e 10 - ação social
(HAHM e LAMEGO – 1974, p. 37-54),
Na Teologia do Espírito Santo (pneumatologia), seja da ICAR como do
pentecostalismo em geral, é comum conceber a ideia de que “a ação terna do Espírito de Deus
pode ser percebida no coração humano, no mais íntimo de cada pessoa”, segundo Rocha
(2008, p. 44). E quem possibilita o amor de Deus no coração humano é o Espírito Santo. Falar
de “frutos do Espírito Santo” é retomar o tema batismo no Espírito, pois do Espírito se recebe
os dons e na vivência dos dons se colhe os frutos.
56 De acordo com Hahm e Lamego (1974, p. 51), “os grupos de oração tem sido um grande meio de recuperação
para jovens que, sozinhos, não encontram força para resistir às exigências da natureza viciada. O hábito e os
apetites imperiosos dominam a natureza e o Divino Espírito é o mestre soberano em todas as circunstâncias”.
“O fruto57 do Espírito é: caridade (amor), alegria, paz, longanimidade, afabilidade,
bondade, fidelidade, mansidão, continência (Cf. Gl 5,22). De acordo com Horton (2010, p.
193), o primeiro fruto do Espírito é o “amor. Esse fruto não brota diretamente em terreno
humano, mas do Espírito. Hahm e Lamego (1974, p. 159), definem que os “frutos são as
colheita do Espírito Santo”. Só se pode colher frutos de um terreno que seja fértil. Dar frutos
ainda está ligado ao fato generosidade, “dar o melhor”. A esse dar o melhor, com
generosidade Hahm e Lamego (1974, p. 159), fazem menção à história bíblica de Caim e
Abel. Caim oferecia a pior parte para Deus, enquanto que Abel, ao contrário, oferecia o seu
melhor. Abel com suas ações conseguiu agradar a Deus. No olhar dos membros da RCC, para
se produzir frutos é preciso duas condições essenciais: uma é o “despojamento de si mesmo” e
outra é “estar em Cristo”. A primeira está ligado à capacidade de se dar e a segunda a
necessidade de estar ligado ao tronco que é Jesus. Desligado um galho não produz frutos.
(...) o fruto do Espírito consiste em qualidades de disposição e
temperamento que existem no cristão porque é cristão, e com docilidade
deixou o Espírito agir. A alegria desta colheita não é a de fazer, mas de ser.
Isso é melhor que o sucesso. Nas verdade, essa alegria pode florescer no
fracasso aparente. Há uma alegria distinta e peculiar quando a colheita
Espírito se realiza numa vida. E a alegria de conhecer o trunfo onde antes
havia a derrota, a força interior onde havia fraqueza, e paz onde havia apenas
ansiosa preocupação (HAHM e LAMEGO - 1974, p. 163).
De modo geral, em se tratando dos frutos do Espírito, com embasamento bíblico,
podemos perceber que existe uma luta entre a carne e o Espírito e esses frutos são uma
armadura. Os batizados no Espírito devem deixar para traz o “homem velho” e olhar para
frente, agora “homem novo”, na construção de uma nova sociedade onde a base é o amor. É
um convite a vencer a concupiscência da carne. Se frutos do Espírito servem, grosso modo,
para regular as ações do crente na comunidade, eles podem ser iguais às virtudes? Para Tomás
de Aquino apud Cantalamessa (1998, p. 317), os frutos não podem ser confundidos com as
virtudes porque eles “são atos e não hábitos”. E mais ainda, eles não vêm da razão, mas do
próprio Espírito.
Cabe-nos fazer aqui uma distinção entre os carismas e os frutos. Ambos estão
diretamente ligados à ação do Espírito na pessoa. A diferença é que os carismas são “obra
exclusiva do Espírito, que os dá a quem quer e quando quer” e os frutos, por sua vez, “são os
resultados de uma colaboração entre a graça e liberdade”. É o que o terreno pode produzir
57A palavra furto aqui, da tradução grega, está no singular, segundo Cantalamessa (1998, p. 316). Tem um
sentido intencional de atitude unitária e coerente, onde tudo procede da mesma raiz que é a caridade. O fruto, na
ordem natural, indica o produto da planta que chegou à perfeição e ganhou suave sabor.
dentro de sua liberdade quando recebem a “irrigação do Espírito”. Uma outra diferença entre
carismas e frutos é que aqueles são diferentes para cada pessoa, enquanto esses são idênticos
para todos. Para a ICAR e em consequência para os membros da RCC os frutos também estão
intimamente ligados a Cristo, e por isso “cristológicos”. Algumas referências bíblicas
reforçam essa afirmativa: “Aquele que permanece em mim, e eu nele, dá muito fruto” (Cf. Jo
15,5); “Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto” (Cf. Jo 15,8); produzir bons frutos
é, “ter o mesmo sentir e pensar que no Cristo” (Cf. Fl 2,5) e “revestir-se de Cristo” (Cf. Rm
13,14). Em alguns passagens bíblicas ainda o próprio Cristo se denomina videira, o Pai é o
agricultor, e os discípulos são os ramos, que devem dar frutos.
Estes frutos do Espírito Santo na vida do indivíduo devem ser favoráveis, segundo
Hahm e Lamego (1974, p. 163-188): 1) - para o relacionamento com Deus. Amor é fidelidade
são o carro chefe dos frutos. O vocábulo amor pode ser traduzido também como caridade, que
é a própria essência de Deus. “Quem não ama não aprendeu a conhecer a Deus, porque Deus é
amor” (Cf. 1Jo 4,8). Assim sendo, esse amor deve gerar fraternidade pois interpela para um
amor a Deus, do indivíduo para consigo e do indivíduo com o seu próximo. “Do fruto do
amor deve-se gerar todos os outros frutos”; Quem ama é fiel. Portanto o fruto do amor exige
fidelidade; 2) - para o relacionamento interior. Quem não se conhece não saberá reconhecer o
outro. Quem não sabe amar a si mesmo, não saberá amar o próximo. Os frutos são paz,
alegria, autodomínio (temperança) e mansidão. A alegria acompanha a paz. O autodomínio
passa pela mortificação e a mansidão é a virtude dos fortes; 3) - para o relacionamento
exterior. São frutos que vão facilitar os relacionamentos com o próximo. São bondade,
paciência (longanimidade) e delicadeza (benignidade, afabilidade). A bondade é a qualidade
de quem só pensa o bem e por isso deve ter um coração bom. Quem é bom tem paciência,
pois tem o ânimo longo para suportar as adversidades da vida. Tem a capacidade de suportar,
resignar-se e frear a ira. Assim a delicadeza deve ser um fruto a ser praticado no dia a dia dos
membros da RCC à semelhança de Jesus, sendo afáveis com todos. Em especial com os
fracos. “A delicadeza acalma, conserva a amizade, afasta a amargura, leva consigo a paz e a
serenidade”.
Um dom discutível na RCC é o repouso no Espírito. Nem toda literatura sobre RCC
aborda a temática repouso no Espírito, mas é um tema bastante intrigante entre os próprios
membros da RCC e em especial para aqueles que não são frequentadores assíduos do
movimento. Conforme Degrandis58 (1993, p. 24), “é surpreendente e polêmico” e “é uma
prática em que consiste em cair de costas no chão durante uma oração, chamada algumas
vezes de: dormição no Espírito, cair sob o poder, experiência de êxtase, ou experiência de
concentração no Senhor”. Se olharmos a vida de alguns santos, percebemos que alguns deles
tiveram experiências místicas. A psicologia abre-nos hoje amplo campo de estudos sobre
esses fenômenos místicos, retratando-os como “experiências religiosa”.
No entender de Ávila (2007, p. 98), repouso no Espírito é uma experiência religiosa
“como a experiência imediata e intuitiva de algo ou de alguém que me transcende, que pode
ser uma experiência meramente pontual ou uma vivência estável ao longo da vida do
indivíduo”. Pode ainda ser classificada como uma “cosmovisão”, um “corpo de crença
estável” ou de “forma sincrética”. Nessa experiência religiosa pode-se ter vivências de
iluminação ou emoções. A ICAR tem um catálogo de grandes místicos – homens e mulheres
– que relataram essas experiências místicas. Muito comum nas experiências de São João da
Cruz (1542-1591), Tereza de Ávila (1515-1582), Francisco de Assis (1182-1226) e outros.
Nas orientações da CNBB-53, ao número 65, (2013, p. 30), diz que “em assembleia,
grupos de oração, retiros e outras reuniões evite-se a prática do assim chamado “repouso no
Espirito”. Essa prática exige maior aprofundamento, estudo e discernimento”. Mas pelo que
tudo indica essa regra não é muito bem seguida, pois é comum, em grupos de oração abertos
acontecer essa prática. São vistos ainda em missa para Louvor e Cura, onde o sacerdote
passeia com o Santíssimo e aproximando o mesmo das pessoas que ali então, o ato de caírem
em repouso no Espírito é muito comum.
Fazendo uma análise comparada do repouso no Espirito, Ioan Lewis (1997, p. 17-19),
“caracteriza-o como uma experiência fora do cotidiano”. Essa experiência faz parte do
“mundo transcendente”. Quem o reconhece é a comunidade que o pratica, no caso aqui quem
o valida é a ICAR dentro dos grupos da RCC. Uma vez que ali está reconhecido, passa ser um
canal de comunicação entre os seus membros e a divindade. Segundo ainda o autor referido,
esse êxtase religioso “revitaliza e reafirma a presença de Deus com o fiel”.
Muito oportuno ainda a posição de Lewis (1997), quando diz que “quanto mais
estabelecida a religião, maior os mecanismos de controle que desenvolve sobre a casualidade
do êxtase, pois o entusiasmo do conhecimento divino, coloca em risco a própria ordem
58Orador internacional da RCC, segundo Carranza (2000, p. 90).
hierárquica”. É comum que os grupos que praticam o repouso no Espírito “sejam
marginalizados pelas organizações religiosa oficiais”. Isso talvez justifique o que foi afirmado
no início de que essa prática não tem sido relevante em estudos da RCC. No entendimento de
Carranza (2000, p. 92), embora valorizado pela RCC, não aflora como uma prática nas
grandes concentrações (Cenáculos e Rebanhões).
Além das orientações da CNBB-53, outros autores fazem recomendações sobre essa
prática dentro dos grupos. Não proíbem, mas restringem. Isso reforça a teoria de Lewis visto
acima. A primeira é a referência de uma entrevista feita por Carranza (2000), e o segundo
vem de DeGrandis (1997):
O repouso no Espírito é algo muito íntimo da comunidade. O comum
das pessoas não entendem (...) Com o Padre Jonas, exercemos o repouso no
Espírito, mas imagina fazer isso com 15 mil pessoas? Também, não podemos
porque é muito confundido com a libertação. Por prudência nós não fazemos
isso de jeito nenhum (Entrevista, L. S., Cachoeira Paulista, SP, 2/6/1997)
(CARRANZA – 2000, p. 92).
Como católicos precisamos ter muito cuidado para não chocar e
escandalizar os irmãos. Temos obrigação de fazer (repouso no Espírito) dentro
da ordem e ser extremamente cautelosos procurando agir com muita calma
nessa área (DEGRANDIS – 1997, p. 73).
Assim sendo, o repouso no Espírito, gera suas controvérsias e por via de dúvidas ou
até mesmo de medo de perda de controle, recomenda-se que sua prática seja ponderada. No
entendimento de Prandi, Gonçalves e Silva (1998, p. 59), a preocupação da ICAR com essas
chamadas “praticas estranhas”, faz com que ela delimite o controle pelo menos em território
nacional. Os documentos pedem discernimento para que não haja exageros ou excessos.
Assim consegue colocar o controle naquilo que parece ano consegue ter explicação mais
concreta.
2.2.2– A “teodiceia” na RCC
O termo “teodiceia dualista” aqui é tirado da compreensão que Berger (1985, p. 83)
nos apresenta quando fala das “duas poderosas forças do bem e do mal”. O universo pode ser
entendido como uma arena em que duelam essas duas forças, bem e mal. No entender do
pentecostalismo deve haver uma batalha espiritual do crente contra o mal. Espírito e matéria
duas realidades diferentes, como interpretações advindas do gnosticismo. A material não tem
significado positivo, mas sim negativo. Berger (1985, p.84) escreve que “a divindade não
criou esse mundo, e portanto não pode ser considerada responsável pelas suas imperfeições”.
O homem deve então fazer uma batalha contra as forças do mal.
Por ter características pentecostais, a RCC acaba adaptando conceitos também
similares no que se trata do sentido de mal. Como afirma Leonildo S. Campos (2012, p. 161),
“o pentecostalismo extravasou as fronteiras religiosas em que começou, atingindo inclusiva o
catolicismo, dando origem ao Movimento de Renovação Carismática (1967)”. O que mais
pode expressar o significado do mal para o pentecostalismo é a figura do “diabo”. E como
para os demais pentecostais, também para a RCC o diabo passou a ser a personificação do
mal. De acordo com Gonzalez (2006, p. 94), o pentecostalismo, no seu universo simbólico,
apresenta para o significado de “bem” a dimensão “monoteísmo absoluto, onde é Deus que
reina, e para o “mal” o policentrismo, onde se concebe o diabo, a saber exus e pombagiras.
Ferrari ((2007, p. 122), escreve que na concepção pentecostal e por sua vez para os
carismáticos, o “corpo é o lugar de referência central”. Para Ferrari ((2007, p. 122), é no corpo
que “o exorcismo, a cura e a prosperidade manifestam e revelam a força. No organismo
humano, ocorre a complexa interação das forças físicas e espirituais”.
Céu, morada de Deus e de seus anjos: Terra, uma criação divina
entregue aos seres humanos; inferno, regiões inferiores destinadas a acolher as
almas dos mortos e demônios. O mundo é a arena, onde se dá a luta entre
Deus, satanás e seus exércitos de anjos. O objetivo dessa guerra é o ser
humano, cuja adesão é a disputa em renhidas batalhas espirituais (CAMPOS –
1999, p. 336).
Conforme Kasper (1992, p. 45), “a teologia tradicional aceitou, com maior ou menor
naturalidade, os enunciados as Sagrada escritura e da Tradição eclesiástica que falam do
diabo, de satã, dos demônios e dos “principados e potestades” do mal”. O problema do mal é
uma temática bastante atual e não temos como negá-la. Por isso passou a ser bastante
explorado pelos pentecostais e certamente pelos carismáticos. Tratando-se de exorcismo das
forças do mal, a diferença na ICAR é que o bem traz uma dimensão relacionado à “comunhão
dos santos”, vistos como as proteções celestes. Por isso recorrem à intercessão dos santos nas
forças contra o mal. A figura de Maria e dos anjos acabam sendo expressivas para os
carismáticos. Mas os carismáticos, similar aos pentecostais, não deixam de avançar com um
discurso também contra os demônios e uma guerra contra o diabo. Essa luta tem como
fundamento a conquista pelo campo religioso. Coloca-se em demasia certos poderes às
entidades malignas.
O neopentecostal enxerga a sociedade atual como um espaço de
atuação dos poderes diabólicos, em luta contra o reino de Deus. Para ele,
desde a introdução do pecado original por Adão, faz parte da condição
humana decaída, a presença de uma desordem interiorizada e experimentada
na forma de doença, mal-estar, sofrimento, pobreza e morte (CAMPOS –
1999, p. 356).
Para Gustavo A. Solimeo e Luiz S. Solimeo (2003, p. 59), o mal é a consequência do
pecado. Tudo o que Deus fez é bom, e pecado passa a ser um ato de desobediência do homem
diante de Deus. Assim sendo, existe o pecado de soberba, de orgulho, etc.. Segundo a
doutrina da ICAR os demônios59 são os anjos decaídos, por isso, considerados puros espíritos,
como anjos, mas com a diferença de terem a vontade pervertida. Os membros da RCC,
segundo pesquisas de Carranza, apresentadas por Gonzalez (2006, p. 95), “desafiam séculos
de tradição exegética e de hermenêutica oficial para se lançar à identificação dos disfarces do
demônio, desvendando onde se encontra, oferecendo ainda recursos aos fiéis para combatê-
los”.
As doenças e os erros na vida ocorrem não por culpa do indivíduo ter
se afastado de Deus, mas por ter deixado satanás aproximar-se e o possuir,
tornando-o a vítima dos encostos e derrotas. A pessoa pode ficar doente física,
financeira e espiritualmente. A pessoa possuída por entidades malignas precisa
ser libertada, por ser vítima (FERRARI - 2007, p. 132).
Assim como no pentecostalismo e neopentecostalismo em especial, as disputas atuais
no campo religioso, acabam sendo contra os “espiritismo Kardecista, religiões afro-brasileiras
e movimentos da Nova Era. As “missas para cura e libertação” apresentam características
muito forte de ação de exorcismo60contra as forças demoníacas. Não é comum usar aqui o
termo exorcismo para as missas para cura e libertação, mas sim oração para libertação. De
acordo com Corrado Balducci (1990, p. 261), as orações de libertação “são aquelas com as
quais se pede a Deus, à Virgem Maria, a São Miguel, aos Anjos e aos Santos sermos libertos
59“Os judeus não tinham uma palavra específica para indicar os espíritos malignos; a designação geral de
demônio para os decaídos vem da versão grega do Antigo Testamento. A palavra daimon, entre os gregos,
designava os seres com forças sobre-humanas, especialmente os maléficos. A palavra hebraica sâtân significa
adversário, acusador; Satanás, o chefe dos demônios, é também conhecido nas Escrituras como o Diabo (do
grego diabolôs, que quer dizer caluniador). Nas Sagradas Escrituras aparecem os nomes de vários demônios:
Azazel, demônio que habita o deserto (Lev 16, 8-10, 26); Asmodeu, que matou os sete maridos de Sara (Tob 3,8);
o nome Belzebu ( ou Beelzebul, cuja o significado parece ser “deus do esterco”, nome com que os rabinos
indicariam os sacrifícios oferecidos aos ídolos) é apresentado como sinônimo para Satanás ou príncipe dos
demônios (Mt 12, 14; Mc 3,22-26); Lúcifer foi a palavra escolhida na Vulgata para traduzir para o latim a
expressão “astro brilhante” ou “estrela brilhante”, da profecia de Isaías (Is 14,12), que costuma ser interpretada
como uma referência à queda do Demônio; em geral esse apelativo é utilizado igualmente como sinônimo de
Satanás” (SOLIMEO e SOLIMEO – 2003, p. 71). 60O exorcismo é uma disciplina estabelecida desde o século V, e tornou-se oficial no Código de Direito
Canônico de 1917 (cânon 1151) e atualizado no Código de Direito Canônico de 1983 (cânon 1172) (SOLIMEO
e SOLIMEO – 2003, p. 123).
das influências maléficas de Satanás”. São orações diferentes das orações de exorcismo, que
são dirigidas ao diabo.
É ainda comum na RCC as lutas contra as superstições, encaradas também como
forças do mal. No entendimento de Solimeo e Solimeo (2003, p. 149), “superstição é a
veneração de caráter religioso tributada a forças reais ou imaginárias, em lugar de Deus”.
Aqui entra toda espécie de magia, mágicas, adivinhações, astrologia, quiromancia, amuletos,
mascotes, simpatias, sabás, missas negras, cartomancia, figas, mandingas, magia negra – hoje
feitiçaria, espiritismo, Macumba, Candomblé, Umbanda, sacrifícios humanos, Rock Satânico
e outros forças misteriosas obscuras. Serve a base bíblica: “os que se apegam às superstições
enganosas abandonam a graça que lhes era destinada” (Jon 2, 9).
Nas orientações da CNBB – 53 (2013, p. 30), encontramos que “nem tudo se pode
atribuir ao demônio, esquecendo-se o jogo das causas segundas e outros fatores psicológicos e
até patológicos”. Quanto ao poder do mal, continua a advertência, “não se exagere a sua
importância. E não se presuma ter o poder se “expulsar” demônios. O exorcismo só pode ser
exercido de acordo com o que estabelece o Código de Direito Canônico (Cân. 1172)”. Essa
orientação nem sempre é seguida por alguns membros da RCC, pois é muito comum perceber
um certo exagero, colocando forças em demasia às manifestações demoníacas. A impressão é
que para alguns tudo é força do demônio. Há uma supervalorização das forças do mal.
2.2.3 – A Virgem Maria na RCC
O culto a Maria é uma devoção que se destaca com muita veemência no movimento da
RCC. A devoção tem forte ligação com as rezas do terço. Alguns grupos mais devotos
buscam base em fenômenos que chamam de “revelações61 de Nossa Senhora”, como é o caso
de “Medjugorje”, com as mensagens de “Nossa Senhora Rainha da Paz”. A devoção a “Nossa
Senhora” tem origem bastante remota e nas diversas etapas históricas foram declarados os
61A Congregação para a Doutrina da Fé, no ano 2000, lançou o documento “A Mensagem de Fátima”, vindo a
publicar oficialmente o Terceiro Segredo de Fátima. Nesse comento foi feito um esclarecimento sobre as
revelações públicas e privadas. Diz o documento, à página 43: “A Doutrina da Igreja distingue “revelação
pública” e “revelação privada”; entre as duas realidades existe uma diferente essencial, e não apenas de grau. A
noção “revelação pública” designa a ação reveladora de Deus que se destina à humanidade inteira e está expressa
literariamente nas duas partes da Bíblia: o Antigo e Novo Testamento”. [...] As revelações privadas, se aplica a
todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento. Dessa revelação é que se pode
dizer de todas as revelações que a ICAR apresenta de Maria.
quatro dogmas62 marianos. De acordo com Gonzalez (2006, p. 101), “nos cinco primeiros
séculos do cristianismo não se ouvia falar de Maria”. Sabia-se que ela estava presente no dia
do Pentecostes, reunida no cenáculo.
Conforme Ariel A. Valdés (2001, p. 49), “ao lermos com cuidado os livros do Novo
Testamento teremos uma surpresa: nem todos lhe dão um papel destacado, nem
transcendente”. Até mesmo para os autores do Novo Testamento não foi tão fácil perceber o
papel de Maria e só aos poucos foram construindo sua identidade nos Evangelhos. Para Nova
(1978, p. 1068), esse fato do esquecimento de Maria nesse início do cristianismo talvez se
deva às questões “relacionadas à presença ainda intensa do culto às deusas-mãe”. Em contra
partida, Prandi, Góes e Justo (1998, p. 139), “no século II e início do século V já vai aparecer
a primeira oração dirigida expressamente à Mãe de Deus”: a invocação Sub Tuun Praesidium
(“Sob a Tua Proteção”). O título Mãe de Deus já era utilizada no início do III século, tanto na
Igreja romana como na bizantina.
De acordo com Gonzalez (2006, p. 101), a ICAR, por ser a instituição que é, com seu
amplo sistema organizacional, tem “uma imensa capacidade de adaptação às diversas
situações”. Um exemplo disso é a devoção a Maria, como um elemento dos diferentes
símbolos de fé do catolicismo popular que se transforma num elemento oficial. No entender
de muitos membros da ICAR, até mesmo na hierarquia, antes de um dogma ser declarado, a
devoção já era propagada entre o povo. Ou seja, o dogma passa a ser uma forma de oficializar
e controlar a devoção. Dessa forma já a partir do século XII vamos encontrar uma realidade
sócio-cultura com características de devocionais que fosse capaz de acolher a devoção a
Maria. A partir dos atributos de Cristo, criou-se também atributos à Maria. Foram muitos os
fundadores de Congregações religiosas na ICAR que enfatizaram a figura de Maria como
protetora de seus institutos e suas devoções foram criando algumas definições fortes sobre
Maria. Para Mario Sgarbossa (2003, p. 9), desde os “primórdios” da ICAR, “muitos padres
meditaram e escreveram sobre as razões que fazem da Virgem uma criatura de tal modo
excelsa, e que é digna de um culto especial”. É o caso de São Luiz Maria Grignion de
62 “Desde o século XVIII entende-se dogma como um imposição doutrinal “a priori” sem base crítica dos
princípios e apenas fundamentado na autoridade. Como tendência chama-se dogmatismo” (SANTIDRIÁN –
1996, p. 144). Os quatro dogmas marianos são: 1) – Maria Mãe de Deus (Concílio de Éfeso - 431); 2) – Maria
sempre Virgem (Concílio de Trento - 1555); Maria a Imaculada Conceição (Papa Pio IX – 1854) e Maria
Assunta ao Céu (papa Pio XII – 1950). Disponível in: http://www.cursilhoanapolis.com.br/?p=1375. Acesso em:
20/3/2017.
Montfort (1973-1716), que fundou a instituição Filhas da Divina Sabedoria e os Missionários
da Companhia de Maria e a partir disso escreveu vários livros de mariologia.
A devoção a Maria não vai ser igual para todos os membros da ICAR. Uns têm mais e
outros têm menos devoção e isso não é incorrer em pegado. Prova disso, para Gonzalez
(2006, p. 102), é que mesmo entre os papas houveram aqueles que mais deram atenção aos
dogmas e títulos de Maria e em contrapartida também houveram aqueles que não deram tanta
importância assim. Foi o caso especifico de João XXIII. Esse papa não deu tanta ênfase ao
“marianismo”, pois no seu entender essa mateira trazia uma limitação ao ecumenismo. João
XXIII acreditava que os excessos do marianismo não era bem visto no processo de trabalhos
ecumênicos, “uma vez que os protestantes eram contra a veneração a Maria”. Por outro lado
vamos ter João Paulo II que “reatualiza os mistérios da fé na Rainha do Céu”. O seu brasão63
e lema enfatiza Nossa Senhora: Totus Tuus, Maria (“Totalmente Teu, Maria”). João Paulo II
foi o papa que faz peregrinações à diversos santuários marianos, escreveu uma encíclica sobre
Maria, a Redemptoris Mater (“Mãe do Redentor” – 1987) e declarou a Ano Mariano de junho
de 1987 a agosto de 1988. No dia 16 de outubro de 2002, foi divulgada uma Carta Apostólica
do Papa João Paulo II “Rosarium Virginis Mariae” (“sobre o Rosário da Virgem Maria”),
onde o Santo Pontífice presenteou a Igreja com cinco64 novos mistérios cheios de luz: os
mistérios luminosos.
63A letra "M" no brasão representa a Virgem Maria, [68] que segundo a doutrina católica seria a principal
intercessora do gênero humano, e esteve todo o tempo junto à cruz de seu Filho (Jo 19,25), [69] sendo de jalde
(ouro), tem o significado já descrito deste metal. Disponível in:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_Paulo_II. Acesso em: 20/3/2017. 64A difusão e posterior expansão do Rosário a Igreja atribui à São Domingos de Gusmão (século XII), conhecido
como o "Apóstolo do Rosário", cuja devoção propagou aos católicos como arma contra o pecado e contra a
heresia albigense, que assolava Toulose (França). O terço que consiste em 50 Ave-Marias intercaladas por 10
Padre-Nossos se mantém desde o pontificado do Papa Pio V (1566-1572), que deu a forma definitiva ao terço
que conhecemos hoje (O Papa era religioso da Ordem de São Domingos). Quanto às meditações, ressaltamos,
porém, que até o ano de 2002, cada Rosário, que era composto de três terços (150 ave-marias) passou a ser
composto de quatro terços (portanto, 200 ave-marias no total). Foi quando o Papa João Paulo II inseriu aos
mistérios existentes (gozosos, dolorosos e gloriosos), os mistérios "luminosos" que retratam a vida pública de
Jesus. O Papa João Paulo II, devotíssimo de Nossa Senhora e talvez um dos maiores Papas marianos da história,
inaugurou uma nova era de devoção a Maria, dando especial atenção à forma física e contemplativa do Rosário
ao inserir a meditação desta importante fase da vida de Jesus, ou seja, a contemplação dos mistérios luminosos. 1
- GOZOSOS - Anunciação do Anjo à Nossa Senhora até Jesus, entre os doutores da lei; 2 - LUMINOSOS -
Batismo de Jesus no Jordão até a Instituição da Eucaristia; 3 - DOLOROSOS - Agonia de Jesus no Horto até a
sua crucificação e Morte; 4 - GLORIOSOS - Ressurreição de Jesus até a Coroação de Nossa Senhora como
Rainha dos Céus e da Terra. Disponível in:
http://www.derradeirasgracas.com/2.%20segunda%20p%C3%A1gina/As%20Devo%C3%A7%C3%B5es/3.%20
ORA%C3%87%C3%95ES%20GERAIS/O%20Ros%C3%A1rio%20do%20papa%20Jo%C3%A3o%20Paulo%2
0II.htm. Acesso em: 20/3/2017.
Desta feita, Maria passa a ocupar um lugar central na vida da ICAR e na RCC ela é
essencialmente uma referência a ser seguida. É um modelo de vocação e santidade. É a
mulher do “sim” e da fidelidade ao projeto de Deus. Ela é a grande intercessora como nas
Bodas de Canã. De acordo com os autores Hahm e Lamego (1974, p. 189), “Maria foi a
resposta perfeita, o sim sem restrição ao plano e sonho eterno de Deus para a sua criatura. Por
isso é a glória da humanidade. Ainda segundo Hahm e Lamego (1974, p. 189-190), “Adão e
Eva são nada em comparação com Jesus e Maria. A única mãe que dá a vida divina a todos os
vivos é a Santa Virgem. Só ela é verdadeiramente a mulher e a mãe de toda a criação
humana”. Maria está acima do pecado, pois ela consegue esmagar a cabeça da serpente.
A RCC e pentecostalismo têm grande similaridade. O ponto que vai divergir e que
mais vai fazer o distanciamento entre as duas tendências é a devoção à Virgem. Esse ponto
ainda causa grande divergência. Em especial os ataques são feitos à imagem de Nossa
Senhora Aparecida, a imagem negra que apareceu no Vale do Paraíba para pescadores no ano
de 171765. Está ainda na memória de muitos brasileiros, a data de 12/10/1995, quando a mídia
mostrou o episódio do pastor que chutou a santa. Era um bispo da Universal do Reino de
Deus, a igreja de maior fenômeno pentecostal dos últimos tempos. Esse acontecimento foi de
grande afronta para os membros da ICAR. “Foi uma onda de comoção nacional”.
O fato citado chegou até mesmo a chocar quem não era membro da ICAR. Iniciou-se
uma “guerra santa” entre as duas igrejas. Rendeu um pedido de desculpas publica da IURD à
ICAR.A “imagem negra” é vitimizada. Seria pelo motivo de ser “negra” e fazer também parte
do sincretismo afro? Uma disputa, como diz Bourdieu (2015), pelo “bem simbólico”. Até
mesmo recentemente vimos esses fatos se repetirem com os ataques de membros de outros
“tendências” religiosas à mesma imagem de Aparecida.
Proliferam na mídia os “depoimentos” de pessoas que se converteram
ou foram curadas milagrosamente após recorrerem à mãe de Jesus. Aumentam
as comunidades de vida de aliança, de inspiração carismática, relacionadas
com a devoção mariana. Movimentos aparicionistas, no Brasil ou no exterior,
alimentam a chama da devoção mariana, com mensagens e sinais
extraordinários (AFONSO MURAD – 2015, p. 4).
Poderíamos arriscar em dizer que Maria representa o catolicismo numa concorrência
com os pentecostais da “segunda onda” que se fundamentam no evangelismo e na cura divina.
Sobre as ondas pentecostais no Brasil trataremos mais adiante. Maria, na RCC estaria
65A ICAR celebra os 300 anos das aparições de Aparecida, juntamente com os 100 anos das aparições de Fatima
desse ano de 2017.
fortalecendo os atos de cura. Por isso ajuda fortalecer o católico dentro da ICAR. Prandi,
Góes e Justo (1998, p. 137), o culto a Maria pode ser uma das armas da ICAR contra o
protestantismo. Muitos membros da ICAR não a deixam porque têm forte devoção à Nossa
Senhora. Mudar de igreja seria trair a “Grande Mãe”. Ela é uma figura “arquetípica” e um
filho não abandona a mãe. Alguns até deixam a ICAR, mas não deixam sua devoção. De uma
forma escondida continuam sua devoção. Por isso, para a concepção de alguns estudiosos da
religião, se não fosse pela devoção mariana, a ICAR teria perdido muito mais adeptos.
Segundo os citados autores, em pesquisa feita com membros da RCC, eles dizem se
“identificar com o movimento pela possibilidade de se ter ao mesmo tempo, o Espírito Santo
e Nossa Senhora: pentecostes sim, mas com Maria”. É certo então que não há nenhum
consenso entre católicos e protestantes no assunto de Maria.
Maria é referência de espiritualidade na RCC. Dificilmente uma reunião ou grupo de
oração são iniciados sem que antes não se faça uma invocação à Virgem em seus diversos
títulos. São diversas as procissões feitas com imagens da Virgem. O que de certa forma vai
fazer render as críticas ainda dos protestantes de que os católicos adoram imagens. Mas na
explicação da ICAR e também dos membros da RCC é que se busca venerar aquela que foi a
mãe de Jesus. Explicam ainda que não se adoram as imagens, pois elas servem para lembrar e
indicar para as virtudes dos santos, e aqui em especial, para as virtudes de Maria.
Portanto, para os católicos e assim também para os membros da RCC, não se pode
dizer “não à imagem mítica” da Virgem Maria que desde o início da vida de seus filhos, por
ocasião do Sacramento do Batismo, já são a ela consagrados. É costume entre os seus
membros, na ICAR, no dia em que se batiza a criança, fazer a oração ou cântico de
consagração à Nossa Senhora. Maria está presente desde o nascimento até à morte. A
chamada oração da “Ave Maria, composta de uma parte bíblica e outra de junção popular,
pede a proteção na Virgem na hora da morte:Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós
pecadores, agora e na hora de nossa morte, Amém!
Para Gonzalez (2006, p. 29), Maria continuou fazendo aparições visíveis, como relato
de muitos católicos. É possível que muitos católicos até não sigam à risca toda a doutrina, os
sacramentos e sacramentais, podem até não gostar do papa e demais membros de hierarquia,
podem até mesmo não frequentar a igreja, mas jamais deixam aquela que se revela como Mãe
de Jesus. Pode não crer na doutrina, mas crê na intercessão da “Madona”. Essa mesma
intercessora é “Cenáculo de amor”, nos melhores momentos do povo cristão católico e em
consequência dos carismáticos. Ela que é “esposa do Espírito Santo”, e por isso pode, melhor
que qualquer outro santo, interceder como cantam nos grupos de oração da RCC: Reunidos
aqui, num Cenáculo de amor, Pedimos forças pelas mãos de Maria, Ela conhece bem todos
seus queridos filhos, E não deixará faltar para nós seu auxílio. Ref.: Vinde, Espírito Santo!
Vinde por meio da poderosa intercessão, Do Imaculado Coração de Maria, Vossa
amadíssima Esposa, Vinde, Espírito Santo! Vinde por meio da poderosa intercessão, Do
Imaculado Coração de Maria, Vossa amadíssima Esposa, Vossa amadíssima Esposa”66.
2.3 – Católicos renovados e pentecostais em campo brasileiro
A RCC em terras brasileiras encontra terreno fértil assim como os movimentos
pentecostais. Poderíamos ainda aqui falar dos protestantes, mas vamos nos ater à linha
pentecostal, como fundamento dessa dissertação. Diferentemente dos movimentos TL e
CEB’s, a RCC rapidamente se expande por seguir as orientações da ICAR. Para isso esteve
representada por dois fortes expoentes jesuítas, Harold Rahm e Eduardo Dougherty. O que era
para ser apenas uma renovação de membros da ICAR acabou se institucionalizando,
assumindo as características de um grande movimento fortemente estruturado.
2.3.1 – A hegemonia católica no Brasil (1500-1900)
O Brasil, depois dos anos 70, abria-se num grande leque de movimentos religiosos.
Carranza (2000, p. 26) fala dos born again (renascidos), eles trazem em comum a experiência
do nascimento no Espírito Santo. De acordo com Carranza (2000, p. 26), esse born again
pode ser dividido em três grupos: integrado por membros “provenientes do pentecostalismo
tradicional ou clássico, de origem social pobre, berço sociocultural mais simples, poder
econômico baixo e rigidez de costumes”; o segundo é composto por “carismáticos que
enfatizam os dons, carismas e o batismo no Espírito Santo”; o terceiro grupo, década de 80,
assumem caraterísticas dos dois grupos anteriores, mas “enfatizam o ardor missionário” e o
arrependimento” como proposta para “converter cidades inteiras.
66 Cântico Cenáculo de Amor; Walmir Alencar. Disponível in: https://www.cifraclub.com.br/walmir-
alencar/cenaculo-de-amor/. Acesso em: 20/3/2017.
No Brasil, podemos falar de um campo religioso vasto que vai além dos pentecostais.
Nesse campo religioso vasto, segundo Campos (1996, p. 96), vemos despontar as religiões
afro-brasileiras (candomblé, umbanda, macumba), o espiritismo Kardecista, novas seitas
sincréticas, como a Legião da Boa Vontade, sem contar o amplo campo das pentecostais. A
concorrência nesse vasto “mercado religioso”, fortaleceu o próprio campo, fazendo com que o
catolicismo e o protestantismo histórico ficassem desgastados, produzindo um
“enfraquecimento das fronteiras tradicionais”.
No campo religioso brasileiro, os fiéis oscilavam entre católicos –
75% (divididos entre tradicionais e progressistas); evangélicos – 12,5%
subdivididos entre históricos, - pentecostais e neopentecostais – 8%; espíritas
Kardecistas – 3%; e o restante que se situa entre as religiões com menor
expressão numérica, tais como as de origem, judaica e muçulmana
(CARRANZA – 2000, p. 17).
Vemos então o forte avanço do pentecostais que apresentam uma nova forma de ser
igreja na experiência de Deus sem nenhuma mediação hierárquica. Como forma de fazer
frente ao avanço pentecostal e a todos os problemas “associados aos Estados liberais ou
revolucionários, a ICAR foi tentada a reafirmar suas práticas ortodoxas e tradicionais. Fator
esse que se intensificou na figura do papa João Paulo II. Todo esse contexto vai acolher o
Movimento da RCC no Brasil. De acordo com Graciano Junior:
A hegemonia católica está ameaçada; isto parece certo. [...] Por outro
lado, pululam formas de organização institucional que visam a atender aos
interesses específicos de grupos pontuais. Várias denominações pentecostais -
com destaque para a Assembleia de Deus, maior igreja pentecostal do Brasil -
têm sido capazes de arrebanhar uma boa parte dessa miríade de símbolos e
interesses. Mas nada impede que a própria Igreja Católica ocupe esses
espaços, como já vem fazendo através da diversificação do seu discurso por
meio das comunidades leigas, sejam as Comunidades Eclesiais de Base ou a
própria Renovação Carismática Católica (PAULO GRACIANO JUNIOR –
2016, p. 35).
Diante desta questão do mundo moderno que sofre com o processo de secularização,
Gilles Kepel (1991, p. 15), diz que os “novos movimentos acham que a modernidade
produzida por uma inteligência sem Deus não soube engendrar valores definitivos e a crise
atual só revela a vacuidade da utopia secular liberal ou marxista”. Para sanar esse vácuo a
religião teve que buscar um despertar que, segundo Kepel, no cristianismo isso se dá em três
fortes momentos: “o Concílio Vaticano II, a eleição de Karol Wojtyla ao pontificado e o
desenvolvimento dos grupos carismáticos americanos e sua rápida expansão pela Europa”. Os
movimentos, como por exemplo a RCC, vêm como resposta de renovação religiosa ao mundo
moderno e com isso pode-se dizer que a revitalização religiosa vai desafiar a teoria da
secularização, segundo Ronald J. Sousa (2005, p. 22.
O catolicismo sempre lutou para manter sua hegemonia no campo67 religioso, e em
terras brasileiras isso não foi diferente. Depois de Lutero, não foram poucos os movimentos
que pulularam, trazendo propostas de um reformismo evangélico, que vêm desde os tempos
das ações de violências anabatistas chegando aos dias atuais com a destruição de imagens
católicas, como afronta religiosa. As Igrejas Protestantes e depois as pentecostais não se
deixaram vencer pela dita hegemonia católica e aos poucos foram ganhando campo em
território brasileiro. Fazendo um olhar sobre a história desde a “Reforma Protestante à
pentecostalidade”68, Bernardo Campos (2002, p. 29), afirma que no sentido histórico e social,
o pentecostalismo é uma parte do protestantismo herdado da mesma reforma.
As igrejas pentecostais, grosso modo, são filhas e netas da reforma. Segundo Bitun
(2011, p. 39), “sociologicamente, o pentecostalismo dá continuidade ao protestantismo – é de
fato filho do protestantismo – embora sua contestação não tenha a mesma base legitimadora
que o protestantismo histórico teve”. Mesmo que, como diz Campos (1996, p.77), “a tática
inicial do protestantismo histórico foi ignorar ou desprezar o pentecostalismo”. Não tardou e
começaram ainda tratá-los com hostilidade, verdadeiros inimigos. Toda essa disputa no
campo religioso entre protestantes, católicos e pentecostais significa um processo de
homeostase. Essas lutas vão dar sentido à adaptação desses movimentos ou tendências dentro
do campo social religioso.
Ora, o pentecostalismo moderno surgiu e se desenvolveu ao lado do
fundamentalismo protestante. Ambos vingaram em terreno semelhante, um ao
lado do outro, sem contudo, se misturarem. O primeiro atrai pelo aspecto
“irracional” da mística religiosa. O outro, pela sua capacidade de oferecer
certezas. Tanto que, um século depois em todas as partes do mundo, entre
protestantes ou católicos, o estilo pentecostal na prática religiosa continua
atraindo milhões de pessoas (CAMPOS – 2012, p. 151).
67Segundo Bourdieu apud Bitun (2011, p. 39), “um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições definidas objetivamente em sua existência e nas determinações
que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições”. 68A grande base para o surgimento dos movimentos pentecostais foi o cristianismo negro americano que no
século XX tiveram suas raízes no Movimento Holines, alastrando-se pelas Igrejas dos EUA. Um dos pregadores
metodistas Holines, Charles Parhan (1872-1929), dirigiu uma escola bíblica em Topeka, Kansas. Lá, em 1º de
janeiro de 1901, seu aluno Agnes Ozman começou a “falar em línguas”, verbalizando idiomas estranhos sem
sentido nenhum. Isso começou quando Parhan ensinou a seus alunos o que o Novo Testamento dizia sobre as
bênçãos do Espírito Santo, e Parhan estava convencido de que aquelas bênçãos estavam sendo repentinamente
concedidas a seu grupo. Ele acreditava que a vinda do Espírito representava um “segundo batismo” no Espírito
Santo, e que “falar em línguas” era uma “evidência bíblica” desse fato (HILL – 2007, p. 452).
No Brasil, por muito tempo a hegemonia religiosa foi do catolicismo e isso se deu
devido à imposição de um Estado que nem sempre foi laico. Nos Estados Unidos, por sua vez,
segundo Hill (2007, p. 442), a hegemonia foi do protestantismo. No ano 1840,
especificamente em Nova York, fundou-se a Sociedade Americana de Promoção dos
Princípios da Reforma Protestante. Os membros desta associação diziam que o catolicismo
era incompatível com o bom americano. Outras associações ainda surgiram como a Know
Nothings69 (1950), contra a imigração da fé católica. Isso se explica em parte o grande
domínio protestante e depois pentecostal nos EUA e posterior surgimento ali também do
pentecostalismo católico – RCC.
Destaca-se aqui ainda a chegada dos protestantes no Brasil. Um referencial de suma
importância para a compreensão dessa capítulo.
Para Mendonça (2012, p. 73), protestantismo é um dos três principais
ramos do cristianismo, ao lado do catolicismo romano e das igrejas orientais
ou ortodoxas. Segundo ainda o mesmo autor, denomina-se protestantes as
igrejas vindas da reforma propriamente dita: anglicanismo, luterano e
calvinista, embora surgidas posteriormente, que é o caso, presbiteriana,
metodista, congregacionais e batistas. Embora também os batistas resistam ao
conceito protestantes.
Nascidos com o forte desejo de resgatar a pureza do Evangelho, os protestantes
acabam por receber também o título de evangélicos. Proclamam a Bíblia como única regra de
fé e sua doutrina central passa a ser a “teologia da justificação pela fé sem a necessidade das
obras”. Para uma melhor compreensão dos períodos de implantação do protestantismo no
Brasil temos a classificação apresentada por Mendonça:
Propomos a seguinte periodização: de 1824 a 1916, período de
implantação do protestantismo no Brasil; de 1916 a 1952, desenvolvimento do
projeto de cooperação ou pan-protestantismo e a chegada de “um bando de
teologias novas”; de 1952 a 1962, crise política e religiosa, ensaio de
politização do protestantismo e impacto do pentecostalismo; de 1962 a 1983,
período de repressão no interior do protestantismo, da revolução
neopentecostal, do fortalecimento do denominacionismo e do isolacionismo
das igrejas (ANTONIO G. MENDONÇA - 2012, p. 76).
O que fortaleceu a expansão do protestantismo no Brasil foi a abertura é a separação
entre Igreja e Estado. A partir desse acontecimento uma porta se abre para o pluralismo
religioso no Brasil. Essa abertura foi possibilitada em função das mudanças políticas, sociais e
religiosas. Foi num período em que no Brasil se podia ver um cenário de conflitos
69Esse nome se dá devido ao fato de que quando eram indagados sobre as atividades do grupo eles respondiam:
“não sei de nada”.
ideológicos. O comunismo, depois de Getúlio Vargas, havia ganhado seus simpatizantes.
Com o intuito de estreitar os laços entre o Estado e a Igreja majoritária, se despontam os
integralistas. Esses agitam-se contra o protestantismo, obrigando os evangélicos a se
organizarem de algum forma. Devida a essa pressão vai nascer a Confederação Evangélica
Brasileira. Em contra partida ainda, a hierarquia católica, de acordo com elementos católicos
norte-americanos, fez aliança política com os EUA. Isso acarretou em grande prejuízo para o
protestantismo. Percebemos que a hegemonia do catolicismo no Brasil não impediu que a
partir dos anos 1824 os protestantes já ocupassem terras brasileiras e que já no ano de 1910
víssemos ainda despontar também protestantes ocupando espaços no campo religioso
brasileiro.
2.3.2 -Pentecostais no Brasil (a partir de 1910)
A partir da literatura é possível ver que o pentecostalismo se remonta a algumas
manifestações já datadas do século II da era cristã com Montano. Nesse período já se podia
falar de “experiências carismáticas”. Conforme Campos (2012, p. 146), Montano70, um dito
cristão do século II, tem anseios de provocar uma “recarismatização da cristandade”. Para
Montano os cristãos não mais praticavam os dons carismáticos recebidos do Espírito Santo, a
saber: “falar em línguas, receber revelações divinas” e as demais manifestações que seriam
provocados pela abertura da vida no Espírito. Montano teria conseguido motivar essas
comunidades a ponto de provocar ações bem parecidas ao que acontece com as do
pentecostalismo atual.
“Os velhos crentes” pedem uma reforma do cristianismo. Novos movimentos vão
surgir como proposta de renovação, como exemplo o “pietismo”. Os novos movimentos vão
provocar o primeiro “Grande Despertar”71. Todo esse “Despertar” vai culminar no conhecido
hoje pentecostalismo. Para Corten (1999, p. 48), considera-se que o pentecostalismo seja
70Montano ou Montanus (em latim) (século II — século III) foi um religioso e profeta da Ásia Menor. Foi
fundador da doutrina religiosa chamada montanismo. Segundo a História Eclesiástica de Eusébio, Montano teria
surgido na cidade de Ardabau, na antiga Frígia, onde, em transe, passou a praticar a religião sob o domínio de
um espírito. Montano fundou um movimento fanático que vivia segundo as revelações proféticas sem
fundamentação bíblica, não havia uma exegese e interpretação sólida. Suas preleções deixavam apreensivas e
oprimidas as pessoas que ouviam suas mensagens fantasiosas sobre a vinda gloriosa do Espírito Santo e do fim
do mundo. Disponível in: https://pt.wikipedia.org/wiki/Montano. Acesso em: 21/3/2017. 71 Para Hill (2007, p. 332), “o Grande Despertar parecia quase um fenômeno espontâneo em uma grande área,
em diferentes Igrejas e mesmo em diversos países. Jonathan Edwards (1703-1758) foi o cérebro das renovações
e George Whitefield (1714-1770) foi o coração”.
“proveniente do metodismo”, segunda metade do século XVIII entre os “dissidentes ingleses,
ganhando logo a América do Norte”. Para Hill (2007, p. 336), John Wesley72 (1703-1791), foi
um evangelista responsável pelo surgimento da Igrejas Metodistas nas Ilhas Britânicas
América do Norte.
De acordo com Campos (2012, p. 146), na história dos movimentos de “reavivamento
espiritual” é possível encontrar relatos de “manifestações físicas e psíquicas”, classificadas
como “êxtases, visões de vultos e glossolalia”. Essas manifestações são justificadas como
experiências divinas. Mas essas experiências não podem ser denominadas exclusividade dos
grupos pentecostais. Podemos ver relatos parecidos nas “possessões e xamanismos em povos
primitivos e entre os Kaquers (quacres73), os shakers74, mórmons, sufismo islâmico e outros
que tinham a prática do êxtase, falas em línguas e até mesmo curas pela fé”.
O segundo Grande Despertar acontece no início do século XIX, com novos
reavivamentos. Os movimentos mais significativos foram os juvenis, destacando-se o
Movimento Estudantil Universitário (SVM)75. Para Iain MacRobert apud Corten (1999, p.
49), em seu livro “As raízes negras e o racismo branco do primeiro pentecostalismo nos
Estados Unidos”, “o verdadeiro fundador do pentecostalismo é um pastor negro e que o
movimento se propagou rapidamente nos meios norte-americanos”. O cristianismo negro
americano teve suas raízes no Movimento Holines, alastrando-se pelas Igrejas dos EUA.
72 De acordo com Corten (1999, p. 52), a contribuição de Wesley não é doutrinal, mas uma experiência religiosa
de encontro com Deus. Wesley falava da religião do coração que significa ‘justiça e paz e alegria no Espírito
Santo’. Essas coisas precisavam ser sentidas. Com isso ele reabre aos sentimentos um espaço dentro da fé,
reatando com a tradição do pietismo. 73Quaker (também denominado quacre em português) é o nome dado a vários grupos religiosos, com origem
comum num movimento protestante britânico do século XVII. A denominação quaker é chamada de quakerismo,
Sociedade Religiosa dos Amigos (em inglês: Religious Society of Friends), ou simplesmente Sociedade dos
Amigos ou Amigos. Eles são conhecidos pela defesa do pacifismo e da simplicidade, rejeitando qualquer
organização clerical, para viver no recolhimento, na pureza moral e na prática ativa do pacifismo, da
solidariedade e da filantropia. Estima-se que haja 360.000 quakers no mundo, sendo o Quênia na África o local
que possui a maior comunidade quaker. Disponível in:https://pt.wikipedia.org/wiki/Quaker. Acesso em:
22/03/2017. 74Conforme os autores Borriello e Curuana (2003, p. 955), shakers comunidade fundada na Inglaterra por
AnnLee (†1784), e transferida para os Estados Unidos em 1774. As raízes dos shakers (“trêmulos”) se situam no
âmbito da corrente espiritualista da reforma Radical, sendo, por isso, evidente a influência Quaker.
Pejorativamente eram chamados de shaking Quakers (“quakers trêmulos”). Eram de notável entusiasmo
religioso – experiências extáticas, desmaios, contorções convulsivas do corpo, dons de línguas, visões e
profecias. 75Destaca-se aqui a renovação do evangelismo Inter-Varsity Christian Fellowiship, que se originou na
Universidade de Cambridge em 1877
Com o segundo Grande Despertar o pentecostalismo vai se manifestar
“simultaneamente nos meios brancos com Charles F. Parhan76 (1901) e nos meios negros com
Willian J. Seymour (1906). É famosa a referência de Seymour como Azusa Street–312,
chamado de “The Apostolic Faith”. De acordo com Campos (1996, p. 81), de grande
colaboração para a explosão dos movimentos pentecostais foi Reuben Archer Torrey (1856-
1928) que publicou o livro “Baptism with the Holy Spirit”, ligando teologicamente a doutrina
da santificação metodista com o batismo com o Espírito Santo.
De forma bastante sutil, discreta, segundo Campos (1996, p. 78), a partir de 1910 o
pentecostalismo começou a entrar na América Latina. Eles vêm de “experiências
carismáticas” em comunidades do primeiro e segundo século da era cristã. Seguindo a
proposta metodológica de Freston e Mariano, Bitun (2011, p. 56), nos mostra uma divisão do
pentecostalismo em três ondas: 1) – Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembleia de
Deus (1911); 2) – com início a partir de 1950 – Igreja do Evangelho Quadrangular (1953),
Deus é Amor (1962) e outras; 3) – década de 1970, Universal do Reino de Deus (1977),
Comunidade Sara Nossa Terra (1976) Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja
Apostólica Renascer (1986), Igreja mundial do Poder de Deus (1998) e outras. Alguns autores
colocam a terceira fase como a fase do neopentecostalismo77.
As igrejas pentecostais, com raras exceções, têm se destacado pelo seu
crescimento acelerado. De uma parcela que não ultrapassa muito os 10% em
1930, passaram a representar mais de dois terços do protestantismo brasileiro
em 1964. Conforme os cálculos de Read, os pentecostais perfaziam 36% do
protestantismo brasileiro em 1950, aumentando para 68,5% em 1965. Neste
período aumentaram nove vezes o seu número (de 244.800 para 2.239.000); as
outras denominações só conseguiram multiplicar-se por 2,5 (de 428.000 para
1.170.000) (AZZI e GRIJP – 2008, p. 660).
As igrejas da terceira onda, vão se destacar a partir dos anos 70, em uma realidade que
alguns autores vão denominar de “pós moderna”, urbana. Para sua expansão vão usar dos
meios modernos de comunicação de massa. Essas igrejas, como afirma Campos (1996, p.
76Um dos pregadores metodistas Holines, Charles Parhan (1872-1929), dirigiu uma escola bíblica em Topeka,
Kansas. Lá, em 1º de janeiro de 1901, seu aluno Agnes Ozman começou a “falar em línguas”, verbalizando
idiomas estranhos sem sentido nenhum. Isso começou quando Parhan ensinou a seus alunos o que o Novo
Testamento dizia sobre as bênçãos do Espírito Santo, e Parhan estava convencido de que aquelas bênçãos
estavam sendo repentinamente concedidas a seu grupo. Ele acreditava que a vinda do Espírito representava um
“segundo batismo” no Espírito Santo, e que “falar em línguas” era uma “evidência bíblica” desse fato (HILL –
2007, p. 452). 77Para Ferrari (2007, p. 86), os novos pentecostais (‘neo’) têm uma configuração institucional própria,
independente das igrejas pentecostais ou protestantes já estabelecidas, quer sejam nacionais ou estrangeiras. As
lideranças religiosas deste novo Pentecostalismo têm perfil carismático e empreendedor. Inicialmente, esse
movimento foi também chamado de ‘Pentecostalismo Autônomo’ ou de Pós-Pentecostalismo.
91), “disputam o mercado religioso entre as demais denominações, com as estratégias do
marketing”. Na visão de Ferrari (2007, p. 85), “o movimento pentecostal passou por fortes
mudanças gerando novas denominações com características marcadas pelas demandas do
“liberalismo”, da sociedade pós moderna”. Com isso “rompa com isolamento social, com o
dogmatismo religioso e com a espiritualidade da cruz”. As novas tendências têm
configurações institucionais próprias e por isso são denominadas ainda de “autônomas”. Têm
um “perfil carismático e empreendedor”. Elas não têm preocupações com o tema do
ecumenismo, com características proselitista, atacam pontos fracos de outras denominações.
Barret (2009, p. 503), compreende que pode-se falar do início da renovação
carismática, ou “avivamento mundial do espírito Santo em três ondas”: primeira onda,
conhecida é conhecida como pentecostalismo ou avivamento pentecostal; segunda onda,
conhecida como movimento carismático ou renovação carismática e terceira onda, nem
pentecostal e nem carismática, mas neocarismática. Conforme Barret (2009, p. 504), os três
grupos, até o ano 2000, representavam 27,7% do cristianismo global organizado. Entende
Barret que as três ondas são “simultâneas”, ou seja, as três ondas se formam e seguem juntas.
“A nova onda faz a última parecer menor
As três ondas surgem no cenário cristão mundial com força explosiva.
A primeira onda se difunde rapidamente por todo o mundo missionário,
resultando em 65 milhões de pentecostais hoje, dos quais 63 milhões são
pentecostais clássicos. A segunda onda arrastou as grandes denominações não
pentecostais, alcançando 175 milhões de carismáticos hoje. Já a terceira onda,
maior que as duas anteriores juntas, alcançou até o momento da publicação
desde livro 295 milhões de neopentecostais (BARRET – 2009, p. 504-505).
Os neopentecostais, como fazendo parte da terceira onda, tem como especificidade o
ataque às religiões afro-brasileiras. Os “cultos e tradições afro-brasileiras, indígenas e
católicos” passaram a ser seus principais alvos de ataque e utilmente algumas práticas do
catolicismo. Usam do exorcismo com prática de libertação para afugentar entidades, em geral
do “panteão afro-brasileiro”. A mídia é um forte aliado dessas igrejas, com redes de TV e
rádio com suas programações de cultos e bênçãos. Tem uma linguagem organizacional aos
moldes empresarial. Falam abertamente da “teologia da prosperidade” e técnica de marketing.
Fazem “militância político-partidária” elegendo líderes na política. É muito comum fazer uso
de “lavagem cerebral” em seus séquitos com posturas “ritualísticas agressivas, incitando a
guerra santa ou espiritual”. A Bíblia é colocada em um segundo plano, “não existe ensino
dogmático e nem espiritualidade individualizada e utilitarista”. O “maniqueísmo”, na
concepção de Ferrari (2007, p. 87), faz parte de suas práticas discursivas, onde propagam com
veemência o combate contra as forças do mal e a luta contra o Diabo. Qualquer divergência
deve ser vista como “manifestação do espírito demoníaco” e para isso devem usar o poder do
exorcismo.
Dentro da terceira onda, destaca-se, em primeiro lugar, a Igreja Universal do Reino de
Deus, antes Igreja da Bênção, tendo como principal fundador Edir Macedo (1977). Em
segundo lugar vem a Igreja Internacional da Graça, fundada por R. R. Soares (1980), quando
deixa a IURD. Em terceiro lugar destaca-se a Igreja mundial do Poder de Deus, fundada por
Valdemiro Santiago (1998), também oriundo da IURD. As igrejas na primeira onda
enfatizavam as “línguas”, as da segunda onda a “cura” e, as igrejas da terceira onda enfatizam
a libertação da possessão maligna pelo exorcismo, segundo Freston (1993, p. 100). Campos
(1999, p. 52), ao falar da IURD, a define como um “pentecostalismo tardio”:
(...) cuja especificidade está justamente em adequar a sua mensagem
às necessidades e desejos de um quadro de pluralismo religioso, cuja
estratégia é localizar nichos de pessoas insatisfeitas, provocando nelas
estímulos diferentes, a fim de atraí-las para novas experiências religiosas
(CAMPOS – 1999, p. 52).
Essas denominações, de forma geral não dão valor ao ecumenismo e com isso atacam
as “tradições afrodescendentes, indígenas e católicas, como escreve Ferrari (2007, p. 86).
Acabam gerando uma “guerra santa ou espiritual”. Ultimamente, segundo noticiários da
imprensa, membros da IURD são acirrados à atacar a ICAR atacando a Eucaristia,
denominando-a de “pão do mal”78. Essa afronta religiosa causou grande revolta aos membros
da ICAR, fazendo assim com que o desconforto entre IURD e ICAR aumente.
2.3.3 – A chegada da RCC no Brasil (a partir de 1969)
Diante de conflitos entre religião e Estado, vê-se que a sociedade precisava se adaptar
ao mundo secularizado nas décadas de 1960 e 1970. Autores como Dietrich Bonhoeffer
(1940), desponta-se trazendo uma proposta de um “Cristianismo sem religião”. Como diz Hill
(2007, p. 433), era necessário que as religiões se perguntassem “o que Deus significava para
as pessoas daquela época, e como a Igreja poderia reinventar-se para ser relevante? O
78Folhetos para a celebração de uma igreja evangélica em Taquaritinga (SP) têm causado polêmica entre os
católicos: embalagens contendo hóstias foram distribuídas aos moradores com uma mensagem que associa o
símbolo da eucaristia à expressão “pão do mal”. Disponível in: http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-
franca/noticia/folheto-diz-que-hostia-e-pao-do-mal-e-causa-polemica-entre-catolicos-no-interior-de-sp.ghtml.
Acesso em 5/6/2017.
cristianismo era convidado a pensar sobre essa realidade e aceitar que o mundo estava
atingindo sua maturidade.
Os primeiros membros da RCC tinham contato com pessoas de grupos evangélicos
nascidos no chamado avivamento protestante, como o afirma Souza (2014, p. 156). Fizeram a
experiência do Espírito Santo, que significa falar em línguas, dons de profecia e outros como
retratamos nas características dos grupos pentecostais, e no livro bíblico do Atos dos
Apóstolos. Dois anos depois da experiência relatada em Duquesne (1967), as experiências
pentecostais católicas chegam no Brasil. Segundo fontes históricas, o pentecostalismo católico
chega no Brasil entre os anos 1969 e 1970, trazido pelos padres jesuítas estadunidenses,
Harold Joseph Rahm e Edward John Dougherty. Sua primeira sede foi a cidade de Campinas,
no interior de São Paulo.
O jesuíta Harold Joseph Rahm: Nascido no Texas, cidade de Tyler - Estados Unidos
em 22 de fevereiro de 1919, segundo Carranza (2000, p. 30), era filho de pais divorciados. O
pai era médico alcoólatra e a mãe era fazendeira. Harold participou da II Guerra Mundial e
depois disso resolveu ser padre, entrando para a comunidade dos jesuítas, onde
posteriormente foi ordenado padre. Homem de grande reconhecimento por sua capacidade
empreendedora, fundou o movimento de Treinamento de Lideranças Cristãs (TLC),
movimento esse que fez grande frente junto à ICAR na época da ditadura militar no Brasil.
Harold, muito contribuiu para que a RCC se fixasse definitivamente no Brasil e em
especial para sua expansão.79 Com todo seu dinamismo missionário é que em 1969, na Vila
Brandina, Campinas, SP, segundo Carranza (2000, p. 30) que o Pe. Harold dá início ao
movimento que posteriormente seria conhecido por RCC80. Em entrevista ele responde:
Como uma salada na qual tentei juntar elementos da espiritualidade
jesuíta, da juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Operária
Católica (JOC), da Legião de Maria, com tudo isso, pretendia formar
lideranças cristãs, durante a ditadura militar. Dos grupos formados a partir
79Disponível in: (http://www.padreharoldo.org.br/?navega=paginas&id_pag=25&menu=3. Acesso em:
24/3/2017. 80Em 1973 Pe. Eduardo Dougherty organiza o primeiro congresso nacional, juntamente com Pe. Haroldo Rahm e
Irmã Juliette Schuckenbrock. Em 1974 realizou-se o segundo congresso nacional, sob a coordenação do Padre
Silvestre Scandian. Desde então, retiros e encontros aconteciam em todos os estados levando a experiência de
pentecostes a mais pessoas, surgindo dessa forma as primeiras instancias de coordenação no Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Brasília, Mato Grosso entre outros estados. Um marco no início do Renovamento Carismático no
Brasil foi a publicação do livro "Sereis Batizados no Espírito", em 1972, do Padre Haroldo Rahm, uma vez que
pouco se conhecia sobre esse "pentecostalismo católico", o livro colaborou com a expansão e formação de novos
líderes. Disponível in: http://berakash.blogspot.com.br/2016/08/faleceu-em-30072016-pe-schuster-um-dos.html.
Acesso em: 24/3/2017.
desses grupos, alguns passaram logo a ser grupos de oração no Espírito Santo
(CARRANZA - 2000, p. 31).
Esses vão ser os grupos que posteriormente gestam a RCC no Brasil, como escrevem
Pierucci e Prandi (1998, p. 32). Com isso, em 1994 o número de seguidores da RCC atingia
três milhões e oitocentos mil. Reconhecido entre diversos autores da literatura de ciências da
religião (Ranaghan e Ranaghan, 1972; Barros Jr., 1973; CNBB, 1994), como um movimento
pentecostal dentro da própria ICAR.
O jesuíta Eduardo Dougherty: De acordo com Prandi, Campos e Pretti (1998, p. 34), a
RCC chegou ao Brasil através do Pe. Eduardo Dougherty e imediatamente transmitida ao Pe.
Harold, citado acima. Pe. Eduardo, também sacerdote jesuíta, natural de New Orlens - Estado
Americano da Luisiana – 1941. De acordo com Carranza (2000, p. 32), Pe. Eduardo veio ao
Brasil em 1966 e depois foi para o Canadá – Toronto - onde realizou seus estudos teológicos.
Foi nesse período que Pe. Eduardo teve sua experiência de batismo no Espírito em Michigan,
EUA, em 1969. Faz então sua adesão à RCC. Volta ao Brasil em 1969, passa a colaborar com
Pe. Harold no Centro Kennedy em Campinas. Torna-se ele também, como Pe. Harold, um
homem empreendedor81 e funda a comunidade de Aliança Jesus te Ama, da Associação do
Senhor Jesus (1980), com o intuito de evangelizar através dos meios de comunicação e por
isso, em consequência funda o Centro de Produção Televisiva Século XXI.
O livro Sereis Batizados no Espírito ajudou a alavancar a RCC no Brasil da mesma
forma que nos Estados Unidos fez o livro A cruz e o Punhal82. A CNBB aprovou o livro do
Pe. Harold em parceria com Maria J. R. Lamego. O próprio Pe. Harold vê na “escrita desse
prefácio o ponto-chave para a expansão da RCC no Brasil”. O Bispo Dom Antônio Maria
Alves de Siqueira, bispo de Campinas nessa ocasião, prefaciou o livro do Pe. Harold.
Segundo Carranza (2000, p. 33), Harold Rahm entrevista (28/04/1997), disse que o fato do
81Na década de 80, Pe. Eduardo Dougherty funda a Associação do Senhor Jesus (ASJ) e o movimento
carismático começa a chamar a atenção da mídia brasileira com o surgimento das Comunidades de Vida, rádios,
TVs e revistas. Muitos, dos grandes expoentes da RCC, surgem também nessa época: Zé Pretinho, Irmã Floriza e
Tia Laura de Piquete (São Paulo), arrebanhando mais aptos. Em 1990, podemos dizer que aconteceu o "boom"
da RCC, no Brasil, devido ao surgimento dos padres cantores, por exemplo: Padre Marcelo Rossi, Padre Zéca,
bem como o fortalecimento do movimento nos meios de comunicação impresso, fonográfico e televisivo: TV
Século XXI, TV e Rádio Canção Nova, Revista Brasil Cristão, Revista Jesus Vive. Disponível in:
http://berakash.blogspot.com.br/2016/08/faleceu-em-30072016-pe-schuster-um-dos.html. Acesso em: 24/3/2017. 82Segundo Mansfield (2016, p. 62), foram dois os livros que ajudaram a conduzir Ralph, Steve e sua rede de
amigos, de Notre Dame, Duquesne e o Cursilho, para uma experiência do Batismo do Espírito. Um foi A cruz e o
punhal, de David Wilkerson, com John e Elizabeth Sherrill, originalmente publicado em 1963 pela Pyramid
Publications para Fleming H. Revell. O outro livro Eles falam em outras línguas, de John Sherrill, originalmente
publicado pela McGraw, em 1964. Sem deixar de contar como leitura ainda condicional o livro do Atos dos
Apóstolos 1-4.
bispo de Campinas na época ser conservador e ter aprovado o livro oficial do movimento
contribuiu para outros setores da ICAR não se colocassem resistentes ao movimento. Não
eram poucos os que achavam que a RCC era “protestante demais”. Seria como que a obra
Sereis batizados no Espírito desse a legitimação para a RCC no Brasil poder transitar
tranquilamente e assim ganhar sua expansão. Em 1971 Pe. Eduardo iniciou um grupo de
oração que pode ser considerado como o primeiro do movimento em Campinas. Ainda não se
via rezar em línguas, dando ênfase apenas ao louvor, segundo Sousa (2005, p. 55). Quem
dava mais ênfase ao Espírito Santo era o Pe. Harold que nas reuniões da RCC, nesse começa,
falava do batismo no Espírito.
Conforme Edênio do Valle (2004, p. 97), a RCC hoje faz parte do cenário do
catolicismo neste início do século, e veio, ao que tudo indica, para ficar. Percebe-se que a
RCC tem sua expansão marcada fortemente pelos padres jesuítas norte-americanos83. Para
Valle (2004), a RCC tem “progenitores ianques de ambos os lados, pelo pai (o
pentecostalismo) e pela mãe (o catolicismo americano)”.
O movimento rapidamente se espalhou por todo o mundo. Em 1975, já
estava presente em cinquenta e quatro países. “Pode-se justificar sua rápida
expansão se levarmos em conta que aquele era um momento de efervescência
religiosa, em que se destacaram várias modalidades de associações católicas
internacionais”. Assessorado por importantes teólogos, como Yves Congar e o
Cardeal Leon Suenens, “logo conquistou a aprovação do Papa Paulo VI, o que
garantia, por si só, sua legitimidade” (MATEUS A. OLIVEIRA – 2007, p.
13).
Vemos que a presença jesuítica está na referência da RCC no Brasil. Há autores, como
Monique Hérbrad apud Carranza (2000, p. 33), que chegaram a questionar “se essa presença é
planejada com o fim de vigiar o movimento” ou é um mero acaso, “espontânea”, ou ambas?
Mas é um indagação que fica quase que sem resposta. O que se sabe é que em alguns
momentos os dois fortes expoentes da RCC no Brasil se separam. De acordo com Sousa
(2005, p. 58), Pe. Harold tinha uma característica de ser mais “técnico”, diferentemente de Pe.
Eduardo, que tinha uma “pregação simples, centrada em alguns fundamentos e sem muita
elaboração teológica”. Em uma reunião com algumas pessoas do TLC, Pe. Eduardo, segundo
testemunhas, tenha falado de umas coisas que mexeu com todo mundo: “(...) que era preciso
levar as pessoas a buscarem fazer uma experiência. Isso aí é que é renovação espiritual,
83Pe. Bernardo Alwisius Schuster, nascido em 14 de julho de 1924, na cidade de Santa Cruz do Sul (RS),
ingressou na Companhia de Jesus em 28 de fevereiro de 1943, recendo a ordenação presbiteral em 12 de
dezembro de 1955. Padre Bernardo Schuster é um destes primeiros missionários carismáticos do Brasil, e veio a
falecer em 30/07/2016. Disponível in: http://berakash.blogspot.com.br/2016/08/faleceu-em-30072016-pe-
schuster-um-dos.html. Acesso em: 24/3/2017.
pentecostal, tem de levar mais do que o estudo, tem que levar as pessoas a experimentar e
exercitar os carismas” (SOUSA – 2005, p. 58-59).
Segundo tudo indica, o “primado da experiência”, enfatizado pelo Pe. Eduardo, “fez o
movimento afastar-se daquele perfil original impresso pelo Pe. Harold. Com Pe. Eduardo a
RCC toma caminho com uma tendência mais racional e demasiadamente vinculado à
hierarquia”. Isso provocou um certo desconforto entre os membros da comissão. Em uma
reunião da Comissão Executiva e Consultiva da Comissão Nacional de Serviços da RCC
(1975), tratou-se sobre as crises que ali estavam emergindo. Fala-se até de que ali havia se
gerado uma celeuma, pois “existiam duas linhas contraditórias”. De um lado estaria o
apostolado de Pe. Eduardo e de outro lado o apostolado de Pe. Harold. Na época tentaram
camuflar esse conflito. No fim, segundo Sousa (2005, p. 60 e Carranza, 2000, p. 41), a linha
do Pe. Eduardo acabou prevalecendo. Por isso a suspeita de que o movimento iniciado pelo
Pe. Harold tenha diferenças em relação ao que o Pe. Eduardo deu continuidade. Isso gera
dúvidas a respeito de quem seria na realidade o fundador da RCC no Brasil. E se seguirmos
essa linha apresentada, percebe-se que o seu verdadeiro fundador foi o Pe. Harold.
Segundo Carranza (2000, p. 40), no Congresso Nacional, Itaici - SP (1973), estava Pe.
Eduardo e Pe. Harold e puderam contar com a presença 50 membros. Já no II Congresso
contavam com 200 pessoas e o III com 300. Em 1976 o número de grupo de oração em todo
Brasil era de 200 e assim se chegou ao dilema do “carisma institucionalizado”. Precisou criar
uma estrutura e essa estrutura é o forte argumento pelo qual o Pe. Harold tenha se afastado.
Eu vi que eles (a comissão nacional da RCC) não precisavam mais de
mim e também começaram a se organizar (...), tinham reuniões (...) mas eu
notei que sentado em reuniões, planejando, não era o meu jeito. Devagar fui
saindo (...) logo abri a fazenda para recuperação de toxicômanos, assim,
comecei a dedicar minha vida aos drogados e afastei-me da RCC (Entrevista,
H. R., 28/4/1997 - CARRANZA – 2000, p. 41).
Em Sofiati (2011, p. 128), podemos ler um depoimento do Pe. Haroldo falando dos
motivos de sua saída enfatizando três aspectos: “não era muito favorável às orações em
línguas e sessões de cura, criticava os colegas do movimento por não se envolverem em obras
sociais, defendia um ecumenismo que não foi bem aceito pela RCC”.
Então, a minha filosofia de vida era diferente da deles: eles não
queriam dialogar com a Teologia da Libertação, eles não gostavam de yoga.
Eu gosto muito, pratico diariamente e estou escrevendo um livro chamado
“Yoga Cristã” para católicos e cristãos que praticam. Mas eles acham que é
pecado, porém é apenas outra filosofia. De todo jeito eu voltei para o meu tipo
de vida porque depois de cinco anos [da fundação do movimento] já tinha
muitos padres, freiras e leigos na Renovação (Entrevista Pe. Haroldo Rahm,
Campinas, 2006, - SOFIATI - 2011, p. 129).
Com a saída de Pe. Harold da RCC, dá-se por finalizada, de uma forma simbólica,
segundo Carranza (2000, p. 41), a etapa fundacional da RCC no Brasil. Pe. Harold tem um
continuum em sua proposta de trabalho pastoral, ou seja, ele não para com seus projetos. Mas
fica-se a dúvida de que o que existe de RCC hoje no Brasil seja o original importando dos
Estados Unidos ou uma adaptação dos dois jesuítas. A resposta mais plausível, na visão de
Carranza (2000, p. 42), é que existe uma bifurcação no meio do caminho, que vai desembocar
nos dois seguimentos, primeiro “APOT – Associação Promocional Oração e Trabalho - 1978,
Fazenda do Senhor Jesus, Amor Exigente (Pe. Harold) e por segundo a RCC (Pe. Eduardo).
De acordo com Valle (2004, p. 101), o “prestígio” da RCC em Roma foi grande e
muitas “vocações laicas, sacerdotais e religiosas vieram de grupos carismáticos”. Muitas
formas de vida consagrada foram reinventadas com elementos “novos e arcaicos”. Muitos
retiros aconteceram marcados pela presença de sacerdotes norte-americanos, a saber: Daniel
Kiakarski; Robert DeGrandis; George Kosicki e Clemente Krug. No Peru, Bolívia, República
Dominicana, México, Guatemala, Colômbia e Chile. O Pe. Francis MacNutt, norte-
americano, foi quem se destacou pela trabalho de expansão da RCC. Assim a RCC se espalha
como que num “sistema de difusão espontânea”, onde o convite pessoal passa a ser o melhor
marketing. De “pentecostalismo católico” passa a ser agora a Renovação Carismática
Católica, pois como disse Pe. Harold (em 5/6/1973 em Comunicado Mensal, CNBB) apud
Carranza (2000, p. 35): essa “expressão poderia dar azo a interpretações errôneas, pois
designar os grupos católicos de oração com o nome de pentecostalismo representava um
incômodo”.
Assim sendo, em 31 de maio de 1973, Pe. Harold com outros dois padres, em reunião
na CNBB – Brasília – definiu-se, em solo brasileiro, a RCC como um “novo modo de ser
Igreja”. Ou ainda como vai dizer Cipriano Chagas apud Carranza (2000, p. 37): “corrente
espiritual, um florescimento da Igreja; uma oportunidade de transformação no Espírito Santo
de toda a Igreja”. Pe. Harold associa o nascimento da RCC mais a uma corrente espiritual do
que um movimento, pois nasce das inspirações do Vaticano II.
2.4 –RCC, carisma versus instituição
A RCC nasce sem a pretensão de ser um movimento, e por mais que alguns de seus
membros neguem, ela hoje está fortemente institucionaliza. Para responder aos critérios
exigidos pela hierarquia da Igreja Católica precisou se organizar. Com isso criou as bases
estruturais que possibilitam sua manutenção no campo religioso católico internacional e
internacionalmente. Seguindo as doutrinas da ICAR e o discernimento do Espírito Santo, o
movimento da RCC organizou suas secretarias de projetos e implantou um seu ensino
unificado. Essa questão tem levado ao questionamento de como é possível conciliar carisma e
instituição, uma vez que o movimento nasce com base pentecostal.
2.4.1 - Estrutura organizacional da RCC
A RCC no Brasil, pelo menos inicialmente, como escreve Sousa (2005, p. 61), segue
as tendências americanas. Principalmente no que tange à literatura, pois os escritos católicos
sobre tais experiências no Espírito eram escassas. A necessidade fez com que se buscasse na
literatura americana fundamentos pra a RCC. Em parte essa literatura pode ser encontrada
ainda entre os pentecostais. Em 1975, a Comissão de Nacional de Serviço da RCC promove
um encontro ecumênico com várias denominações evangélicas. Em 1979 chegou mesmo até a
acontecer grupos de oração ecumênicos. Na concepção de Sousa (2005, 61), esse material
sobre trabalhos ecumênicos da RCC só é possível ser visto nos boletins mais antigos do
movimento. O autor cita ainda um fala do pastor Clifford Biel84, testemunhando o lado
positivo desses encontros ecumênicos: “Agora que vi o movimento carismático como
experiência de comunidade (...) tenho coragem para promover um lugar em nossa Igreja
Luterana para o movimento”. Tentou-se a todo custo, dentro dessa experiência, manter um
certo diálogo ecumênico, segundo os autores consultados.
84Clifford Biel (1936-2015), foi um dos pastores americanos que serviram a IECLB na Missão Americana, que
foi responsável a partir da década de 1960 pela criação de diversas comunidades no interior paulista e no norte
paranaense, entre elas Loanda, Maringá, Cianorte, Marília, Presidente Prudente, Londrina e diversas outras. No
final dos anos 1970, ele atuava em Maringá/PR, onde foi pastor por 12 anos. Antes disso, atuou por quatro anos
em Loanda, um pequeno município do norte paranaense. Disponível in:
http://www.jornalocaminho.com.br/noticia.php?edicaoId=145&cadernoId=9¬iciaId=6701. Acesso em
11/5/2017.
Vê-se então que o perfil pentecostal da RCC é herdado dos Estados Unidos. Para Dom
Eduardo Koaik85 apud Sousa (2005, p. 64), “a Renovação do Brasil inspirou-se na americana
e lá a coisa nasceu mais na mão dos pentecostais”. Conforme Valle (2004, p. 99), na época da
implantação da RCC no Brasil, já existia uma tendência nacional brasileira de deixar-se
envolver com tudo que fosse americano.Essa era ainda uma crítica da TL em seus tempos de
militância. Para Valle “o way of life dos americanos tinha já atingido praticamente todos os
aspectos e estilos de nosso modo de viver, comer, trabalhar e usar o tempo livre”. Com isso
não tardou para que também o “cristianismo se tornasse uma cópia do que estava acontecendo
no norte do continente”. Valle (2004, p. 99), é categórico em afirmar que a “RCC é um
lídimo produto norte-americano”.
Nem tudo foi sempre tranquilo para a RCC dentro da ICAR. Se por um lado era vista
com bons olhos por alguns, por outro lado, era vista com desconfiança por outros. O primeiro
diálogo da RCC com a estrutura hierárquica da ICAR se deu especificamente no ano 1973,
quando Pe. Eduardo e Pe. Antônio Abreu puderam expor à presidência da CNBB o que
significava o movimento e em 1974 a mesma CNBB iniciou uma pesquisa sociológica a
respeito da RCC, segundo Carranza (2000, p. 130). No ano de 1975 a Sagrada Congregação
Para a Doutrina da Fé pediu à CNBB informações sobre a RCC no Brasil e o relatório
apresentado pela CNBB “consistiu numa enumeração dos estudos realizados sobre o
pentecostalismo católico”, ou seja, sobre tudo que a RCC tinha produzido até então. Aos
poucos a RCC foi tomando campo na ICAR e passou a ser significativa. No ano de 1977,
Dom Aloísio Lorscheider, presidente da CNBB, pede à CRB que faça sua XI Assembleia com
o tema: Renovação Carismática. A CRB deu resposta negativa ao pedido, mas comprometeu-
se a solicitar um estudo à sua equipe teológica. Ainda em 1982 os bispos manifestaram uma
preocupação sobre alguns aspectos da RCC, a saber, segundo Carranza:
A confusão com o pentecostalismo, o exagero no uso do dom de
línguas e curas, a interpretação livre da Bíblia, a penetração nas dioceses sem
licença, a fraca formação doutrinária, a tendência a privatizar a atuação do
Espírito Santo, a presença de padres estrangeiros pregando pelo país... Nessa
mesma reunião os bispos mostraram seu desejo de normatizar e impor um
maior controle ao movimento, acordando-se que era necessário um maior
estudo sobre a RCC. NO ano de 1984 foi negado ao Pe. Eduardo o aval de
aprovação para solicitar recursos no exterior e poder assim expandir sua
incipiente Associação do Senhor Jesus (CARRANZA – 2000, p. 131).
85Bispo emérito de Piracicaba – SP.
Carranza (2000, p. 133), entende que “as relações entre Igreja Católica e a RCC foram
sempre marcadas por tensões”, por mais que pareça que não. Não eram poucas as
desconfianças, os questionamentos e rejeições. Ainda em 1993 tiveram os impasses em com
RCC e autoridades eclesiásticas em algumas dioceses como: “a falta de respeito de algumas
lideranças desequilibradas (leigas, padres ou religiosos), que não observavam os limites das
igrejas locais”. Um fator ainda que causava “temor” nos líderes hierárquicos era fato da falta
de “controle por parte dos padres e bispos”.
Em setembro de 1987 – Colômbia – os bispos compuseram o Documento La Ceja
(Documento del Encuentro Episcopal Latinoamericano efectuado en La Ceja)86. Esse
documento, como escreve Sousa (2005, p. 71), não teve a força de um Medellín ou de um
Puebla, mas colocava suas preocupações a respeito da RCC. O texto chamava a atenção para
certos “exageros e desvios”. Segundo Sousa (20050, foi o documento do “mas”, pois alterna
elogios e exortações. A RCC tinha diretrizes próprias (nacionais e internacionais). Esse fato
lhe proporcionava autonomia87, e essa “autonomia leiga” assustava, ou assusta.
É certo que a RCC teve que se institucionalizar, e para Sofiati (2011, p. 128), “a RCC
sucumbiu inexoravelmente à organização do próprio carisma; portanto, não escapou ao
dilema do carisma institucionalizado, pois junto a sua proposta de renovação espiritual
manifestou-se sua tendência à estruturação”. É o que Carranza (2000, p. 135), vai chamar do
“paradoxo da RCC”, onde a mesma tem uma força interna que consegue mobilizar massas
independente da instituição hierárquica e por outro lado está “sempre adaptando e
submetendo-se à instituição (ICAR). Isso se dá talvez, como diz Rahm e Lamego (1972, p.
38), porque “o pentecostalismo não é uma seita, uma ramificação, uma agremiação dentro da
Igreja. Os seus adeptos são bons católicos, que se puseram sob a orientação especial do
Divino Espírito Santo”.
As origens do movimento católico diferem em aspectos significativos
das origens do movimento nas igrejas protestantes. Os primeiros líderes
carismáticos eram quase todos jovens universitários que não adotavam
86Disponível in: https://pt.scribd.com/document/150490679/Documento-sobre-la-R-C-C-de-La-Ceja-Colombia.
Acesso em: 28/03/2017. 87 Para Carranza (2000, p. 134), o fato da autonomia leiga fez com que, em Campinas, 120 pessoas, todas da
RCC, fundassem a Igreja Verbo Vivo, depois de passarem por um processo de enfrentamento com a hierarquia
local. Segundo Carranza (2000, p. 135), “os membros da RCC têm uma estrutura leiga, na qual qualquer pessoa
pode ter autoridade, a partir do momento que recebe o Espírito Santo (...) os carismáticos guiam-se como o nome
o diz pelo carisma e não pela hierarquia, (embora) existam pessoas que acreditam que os carismáticos são dóceis
e obedecem cegamente à hierarquia da Igreja, podem estar enganados” (O Estado de São Paulo, 20/7/1997, A-
26).
nenhum postura anti-intelectual, como às vezes ocorria nos círculos
pentecostais carismáticos. Eram jovens profundamente comprometidos com a
fé católica e já embalados pelo espírito do Concílio do Vaticano II para a
renovação da Igreja Católica Romana. Por essa razão, eles compreenderam
imediatamente que a experiência carismática seria benéfica para toda a igreja e
enxergaram no novo movimento uma resposta à oração do papa João XXIII
por um novo Pentecostes (HOCKEN – 2009, p. 291-292).
Desde o seu início a RCC teve uma preocupação com a hierarquia e portanto, segundo
Ange (1999, p. 115), hoje existe “harmonia e complementaridade entre a Renovação e a
hierarquia”. Do lado daquela existe desejo de transparência e de docilidade e do lado desta,
abertura, acolhida e simpatia. Mas não significa que por muito tempo pode-se falar que houve
desconfiança por parte de alguns, se não de uma maioria. A institucionalização da RCC
confirma o conceito comungado por muitos de que todas as comunidades devem estar
referidas e submetidas ao ordinário (bispos e padres) local. Todos os grupos de oração devem
ter um representante que os assistam com autorização do ordinário local. Nenhum trabalho
das escolas de formação devem ser feitos sem antes terem o aval dos ordinários locais e o
movimento no mundo todo não faz nenhuma reunião regional, nacional ou internacional sem
que antes não seja convidado um representante legal (cardeal ou bispo) para participar.
Com base no documento de Ofensiva Nacional, “a RCC no Brasil tem uma estrutura
simples, onde o Grupo de Oração é a base e a Equipe Diocesana a principal
responsabilidade”. Uma estrutura que se baseia no serviço e não na autoridade segundo o
documento. (Ofensiva Nacional - 1, p. 73). Mas não é bem o que pode-se concluir ao
olharmos mais de perto, pois existe uma “imensa teia de projetos, atividades, estruturas
burocráticas, de ligações nacionais e internacionais”, segundo Carranza (2000, p. 62), o
organismo responsável pela coordenação entre os diferentes comitês de serviços
internacionais é o ICCRO (International Catholic Charismatic Office). Esse órgão cuida ainda
da “publicação de boletins; promove a realização dos retiros para dirigentes; oferece auxílio a
países com menos recursos econômicos e fomenta a unidade da RCC”. O ICCRO está sediado
em Roma e não possui lista de membros nem poder judiciário sobre cada organização
mundial. Na América Latina a RCC conta com o Conselho Carismático Latino-americano
(CONCCLAT), sediado em Bogotá, órgão que nasceu em 1972, com os objetivos de:
Proporcionar um intercâmbio de opiniões sobre a construção de
Comunidades Cristãs nos bairros pobres das cidades mediante os dons do
Espírito Santo e refletir sobre como poderia se expressar a experiência
Pentecostal nos ambientes culturais católicos da América Latina (Diego
Jaramillo, Jesus é o Senhor, 05/1997, p. 11, - CARRANZA – 2000, p. 59).
A RCC no Brasil, apresenta um Conselho Nacional, com a intenção de refletir e
avaliar as ações em nível nacional. Segundo o Projeto de Ofensiva Nacional (1993, p. 74), o
“Conselho Nacional é o guardião da RCC e responsável pela unidade”. Para execução e
acompanhamento dos projetos discernidos no Conselho Nacional existe a Comissão Nacional,
sediada em Itajubá (MG). No Projeto de Ofensiva Nacional (1993, p. 74), temos registrado
que a “Comissão Nacional é o órgão executivo do Conselho Nacional”. A esses dois
organismos somam-se 15 secretarias ou projetos que se responsabilizam pela motivação e
formação dos membros as RCC, conforme Carranza (2000). Todos os programas e atividades
da RCC estão articulados no projeto denominado Ofensiva Nacional. Um das propostas desse
projeto é de expandir e atrair membros afastados da Igreja Católica. Os Coordenadores
Estaduais, são escolhidos pelos Coordenadores Diocesanos. Esses assistem de perto a Equipe
Diocesana. Para as Equipes Diocesanas as Coordenadorias Estaduais dão amplo
assessoramento. O Projeto de Ofensiva Nacional aponta quais são os objetivos das
Coordenadorias Estaduais:
Acompanhar e orientar a caminhada da RCC no âmbito de seu Estado;
Representar seu Estado no Conselho Nacional; Estimular para que as Equipes
Diocesanas vivam a identidade, a Missão e os Objetivos da RCC, respeitando
a Pastoral de Conjunto das Dioceses; Facilitar o intercâmbio entre as diversas
Dioceses, na troca de experiência, de vivência e da prática da Missão
(Ofensiva Nacional – 1993, p. 75).
As Equipes Diocesanas por sua vez devem assistir e fortalecer os Grupos de Oração
que estão distribuídos nas diversas paróquias nas diversas dioceses por onde estão espalhados
esses grupos. As equipes diocesanas têm a responsabilidade direta pela RCC na Diocese.
Sendo assim, elas têm “submissão ao bispo diocesano, inserindo-se no Plano Pastoral
Diocesano”. Recomenda-se que o bispo “indique um sacerdote diocesano para que
acompanhe a RCC na diocese como Direito Espiritual”. Em consonância com a pastoral
orgânica da diocese a RCC deve elaborar também seu planejamento diocesano. Pede-se
verdadeira comunhão da RCC com as demais “Comunidades e Associações” existentes na
diocese.
Por último, não menos importante, estão os Grupos de Oração. Os líderes dos Grupos
de Oração das paroquias devem ser assistidos por essa equipe diocesana em sua formação,
promovendo o crescimento e engajamento na diocese. Segundo consta na Ofensiva Nacional
(1993, p. 76), esses grupos “são a principal expressão” da RCC e o” meio mais eficaz de
crescimento” do movimento. Ali os seus participantes devem fazer a experiência de
renovação de vida a partir de sua experiência pessoal na ação do Espírito Santo. Não existe
um padrão fixo para os grupos de oração. Eles seguem as realidades locais com a ajuda do
dirigente que deve se esforçar para crescer sempre e possibilitar que os demais façam a sua
experiência de vida. Pede-se ainda que ele leve aos demais membros a consciência de que
devem se engajar na paróquia e diocese.
2.4.2 –Secretarias, projetos e a padronização do ensino
Existe uma preocupação da RCC em “promover a unidade de suas equipes para evitar
“distorções”. Para isso existe um “Conteúdo Doutrinário básico”. É uma coleção chamada de
“Paulo Apóstolo”. Essa coleção tem uma base marcada pelos fundamentos a que propõe a
“Magistério da Igreja”. Acreditam seus líderes que assim não ficam nas “jogadas das ondas
agitadas pelo vento”, mas têm um porto seguro. Essa coleção tem o seguinte conteúdo
programático: Batismo no Espírito Santo; Seminário de Vida no Espírito; Experiência de
Oração; Ministérios e Carismas; Grupos de Oração; Vida de Oração (Santidade); Liderança
Espiritual e Promoção Humana e Renovação Carismática (Ofensiva Nacional – 1993, p. 78).
A partir desse conteúdo programático são formadas as apostilas com um amplo
material formativo abordando os diversos conteúdos relacionados. Essa é a forte tentativa da
RCC em “unificar” suas ações, gerando uma identidade que nasce da experiência de vida no
Espírito. A RCC no projeto de Ofensiva Nacional deixa bem claro sua preocupação com uma
identidade exposto em um “conteúdo doutrinário, abrangendo os seus principais fundamentos
teológicos (Ofensiva Nacional – 1993, p. 8).
Com o intuito de realizar as “diversas expressões de serviços, a RCC criou, junto ao
projeto de Ofensiva Nacional as diversas Secretarias de Projetos. Essas secretarias são
coordenadas pela Comissão Nacional e coordenam os diversos projetos envolvidos nas
diversas expressões da RCC. Essas secretarias dão “assessoria às Coordenações Estaduais e
Diocesanas desenvolvendo atividades (encontros, cursos, seminários, etc.)” e, estão ligadas à
Secretaria Paulo Apóstolo, responsáveis pela conteúdo programático de formação.
1 - Projeto Ágape: Como umas das principais preocupações da ICAR é com a família,
esse projeto está voltado para trabalhos com a família: pais e filhos, viúvas e viúvos,
desquitados e divorciados;
2– Projeto Atos 2: Preocupa-se com a vida de comunidade, na função de definir o
que seja “uma comunidade e agilizar a partilha e o conhecimento” entre elas;
3 - Projeto Rafael: Um projeto ligado à cura interior e a libertação, “serviço
importante e delicado” da RCC, pois tenta regular os possíveis excessos, com uma formação
adequada através da orientação pelos meios de “encontros, literatura, boletins, etc.”;
4 - Projeto Moisés: Tem a função de formar a “rede nacional dos intercessores, com
núcleo em cada diocese”;
5 - Projeto Marcos: Tem como foco reunir o Conselho Nacional de Jovens à
Secretaria Marcos, buscando fazer um trabalho que traduza a linguagem da juventude no
fortalecimento da fé;
6 – Projeto Davi: Uma vez que a música é um forte instrumento de evangelização para
a RCC, essa secretaria nasce com a intenção de orientar os músicos que fazem parte do
movimento. Além da promoção de eventos que congreguem os músicos;
7 – Projeto Lumen: Integra todos os projetos voltados às questões de comunicação da
RCC, a saber, rádios, programas de TV e outros;
8 – Projeto Marta: Projeto ligado a questões da “promoção humana, como creches,
menores abandonados, marginalizados” e outros que precisem de apoia. Esses projetos
seguem as perspectivas da “Doutrina Social da Igreja”;
9 – Projeto Pedro: Tem a incumbência de fazer a formação dos pregadores e
cadastramento dos mesmos;
10 – Projeto Magnificat: Tem o papel de dar “formação às religiosas”. Para isso usam
de meios como, “retiros, grupos de oração, seminários e grupos de intercessão”;
11 – projeto Renascem: Estão voltados para a “formação de novos padres”. Promovem
para isso encontros em nível “nacional e estadual”;
12 – Projeto Cristo Sacerdote: Reúne e apoia sacerdotes através de retiros, nacionais,
regionais e diocesanos;
13 – Projeto Jornal Jesus é o Senhor: Em linhas gerais responde pelo jornal oficial da
RCC; Projeto Matias: Tem uma preocupação em articular todas as iniciativas de ação político-
partidária da RCC.
Essas diversas secretarias viabilizam a comunicação ainda com as “diversas pastorais
da diocese” que acolhe a RCC. De forma geral, escreve Carranza (2000, p. 45), a RCC se
organiza em torno de a) - grupos de oração; b) - dos Seminários de Vida no Espírito (SVE) e
c) – Os Cenáculos, rebanhões, encontrões e festivais.
a) – Grupos de oração: os grupos de oração constituem a base estrutural do
movimento. Hoje pode-se dizer de mais ou menos 61 mil grupos de oração. Segundo propõe a
RCC, “as atividades dos grupos de oração, seja ela de louvor, ação de graças, em línguas,
contemplativa, de libertação e de cura”, seguem uma certa ordem. Têm um padrão a ser
seguido. As variantes existentes são mínimas. De modo geral fazem leituras bíblicas e
cânticos. Os cânticos ajudam a aflorar junto com as orações, tipos diversos de emoções. Essas
emoções são experiências pessoais que podem ou não serem seguidos de depoimentos. A
duração em média dessas reuniões são de duas a três horas semanais. Uma outra
característica, comum aos diversos pentecostais, são seus discursos inflamados, com gestos e
expressões verbais. Todos os participantes podem ter suas manifestantes pessoais,
espontâneas e simultâneas: rezar, louvar, chorar, rir. Isso possibilita um ambiente de
emotividade, culminando na fraternidade entre os participantes.
Ao se referir aos grupos de oração, Sofiati (2011, p. 131), assim os define: “espaços
religiosos que permitem ao fiel procurar uma satisfação espiritual, desligando-se do mundo
material”. Nesses grupos os fiéis encontram respostas para suas aflições. Nesses encontros os
fiéis também buscam uma complementação da vida sacramental. Conforme Sousa (2005, p.
62), são verdadeiras cerimônias da “euforia semanais, marcados por intensa carga
emocional”, na tentativa de que de uma “vivência de transcendência individual com a
experiência do transe Espírito Santo e sua glossolalia”. Não deixa de ser um ambiente festivo
que leva ao louvor numa abertura do coração em gratidão a Deus. Valoriza-se muito a
experiência extática. Esses momentos de grupos de oração, com dias da semana já
prefixados, não são aleatórios, e como já mencionado, seguem uma ordem, onde se inicia com
um momento penitencial, um ato de contrição, precedido pela reza do terço. Essa ato de
contrição tem o função de levar o fiel a pensar por que está ali. Em seguida vem o louvor no
Espirito, como uma oração de gratidão. A música sempre vai ser o grande suporte
sensibilizador, pois ela mexe com a emoção das pessoas. O tempo de silêncio é pouco
enfatizado nesses momentos de oração.
De acordo com Sousa (2005, p. 62), esse método de oração da RCC se distancia em
muito dos métodos das CEBs. Nos grupos de oração não existe discurso racional
significativo, mas grande ênfase ao louvor com fortes afloramentos emocionais. O indivíduo
não precisa criar nenhuma reflexão crítica sobre a realidade, apenas fazer-se entrega para que
o Espírito Santo possa agir. Há uma valorização da transcendência fundada na relação entre o
indivíduo e o Espírito Santa. O fiel se entrega à vontade de Deus pelo Espírito Santo, num
longo período de efusiva adoração. Em algum momento enfatiza-se “o forte abraço e o aberto
sorriso é sempre acompanhado da expressão a paz do Senhor”. A promessa do milagre, da
cura também faz parte das atividades dos grupos de oração. Terminado o momento da oração,
cada um volta gratificado para suas casas e aguarda a próxima semana. Muito comum que
alguns não voltem, pois seus pedidos são pontuais. Uma vez tendo recebido o que buscavam,
não voltam mais até que necessitem de nova oração.
b) – Os Seminários de Vida no Espírito: Conforme Carranza (2000, p. 51), os
Seminários de Vida no Espírito são organizados para os iniciantes na RCC que aos poucos
vão sendo formados. Ao término da formação recebem o título de servos. Os SVES
acontecem a pedido dos párocos ou dos coordenadores de grupos de oração quando percebem
a necessidade de formar novos servos. São encontros que seguem uma metodologia própria,
preestabelecida pelo Conselho Nacional da RCC. A identidade da RCC é conservada
especificamente em função dos trabalhos dos SVES que conseguem transmitir seu estilo com
fidelidade. Através deles as lideranças são capacitadas, tendo em vista o treinamento dos
membros no desenvolvimento dos diversos dons e carismas. Esses SVES acabam ainda sendo
“oportunidades de experiência de oração para seus participantes”.
Conforme Sofiati (2011, p. 134), a “teologia carismática não foi pensada e
desenvolvida por biblistas”. Ela brota espontaneamente de uma “pratica carismática”, onde a
base são os pentecostais norte-americanos, como já visto. Assim sendo, todo trabalho de
formação a que deve se ocupar os SVES é o de trazer a “noção de vida nova”. Essa
experiência acontece quando o indivíduo se abandona numa profunda experiência na ação do
Espírito Santo. Em um segundo momento, o indivíduo deve fazer a experiência do “senhorio
de Jesus Cristo”. Jesus Cristo deve ser o direcionar da vida do indivíduo. Tudo está
praticamente centrado no batismo no Espírito com um dimensão de um “antes e um depois da
conversão”. Tudo muito simples, pois na realidade concreta, a teologia da RCC é mais
“coração e menos razão, onde as “emoções dominam as ações”. A preocupação maior do
movimento é o de “favorecer a renovação da Igreja (ICAR) local e universal, pela
redescoberta da plenitude de vida em Cristo pelo Espírito, o que inclui a gama plena de dons”.
c) – Os Cenáculos, rebanhões, encontrões e festivais: Como uma forma de estratégia
para atingir as grandes massas, a RCC promove as grandes reuniões. A primeira delas é
chamada de Cenáculo. Os Cenáculos têm sua justificativa no Pentecostes do Novo
Testamento. Fundamentam os Cenáculos no episódio do Pentecostes, quando estavam
reunidos no Cenáculo, Maria e os Apóstolos, e ali receberam o Espírito Santo, prometido por
Jesus (Cf. At 2, 1-13). Esses Cenáculos de experiência de oração geralmente têm a duração de
um dia. Para Carranza (2000, p. 52), são “verdadeiros megaeventos” que acontecem em
ginásios de esportes, sambódromos ou em locais descampados. Exemplo de um deles foi o
que aconteceu “em 1987 no estádio do Morumbi – SP. Ali reuniram mais de 150 mil
pessoas”. Em “Campinas em 1999 conseguiram reunir 20 mil pessoas vindas da região”.
Esses megaeventos da RCC são organizados com a intenção de atrair fiéis católicos afastados.
Com tais intentos procuram apresentar um “catolicismo vigoroso capaz de aglutinar
maiorias”.
No pacote de intenções querem ainda mostrar o poder e a hegemonia da ICAR.
Convidam sempre artistas e cantões famosos que ajudam a atrair grande pública. São vários
os serviços religiosos oferecidos nesses momentos em massa. Isso tudo acaba “favorecendo o
transito religioso”, segundo Carranza (2000, p. 53). Não faltam nesses eventos as promessas
de “curas físicas e interiores”. As promessas de milagres acabam sendo chamariz diante de
um público carente e sedento de espiritualidade buscando o conforto espiritual. Nesses
Cenáculos os pregadores são oficiais da RCC e as bandas e músicas acabam sendo as de mais
peso dentro do próprio movimento. Nesses eventos também acontecem as feirinhas religiosas,
com vendas de terços, livros, camisetas, imagens e outros. Não encontros não falta ainda as
celebrações eucarísticas”, de forma que se reforce a presença da ICAR.
Outros eventos são ainda oferecidos pela RCC, muito similares aos eventos das igrejas
pentecostais: Rebanhão, Encontrão ou simples retiro. Muito comum os retiros de Carnal,
como alternativas para o tempo de Carnaval. Segundo dizem seus membros, não basta criticar
o carnaval como tempo de pecado, é preciso oferecer algo proporcional. Geralmente são
quatro dias de louvor jovem com “orações, pregações, eucaristia e muita animação musical”
cristã. Esses eventos “atingem bastante os jovens da periferia”. Na mesma linha ainda é
bastante comum entre os jovens, católicos e demais pentecostais, os “barzinhos de Jesus”. São
animados em ritmo de rock, samba e heavy metal. O estilo principal é o gospel. Nesses
barzinhos pode-se, além de rezar e louvar, comer, beber, cantar e dançar. Geralmente são aos
domingos e tem como espaço os salões paroquiais da igrejas da ICAR. Segundo Pe. Eduard
apud Carranza (2000, p. 54), são uma forma de “resgatar o aprofundamento espiritual e atrair
jovens através da música, pois todos os meios são válidos para fazer evangelização, TV,
rádio, vigílias e barzinhos”. Esses barzinhos ajudam ainda no incentivo do surgimento de
muitas bandas religiosas. Algumas perseveram outras não.
Falando sobre a importância dessas bandas para a juventude cristã, Carranza (2000, p.
55), diz que elas “constituem, num elemento de coesão do grupo e reforçam sua identidade
carismática”. Por conta da atração que a música provoca na juventude outros trabalhos com
música ainda são promovidos, como os “encontros e festivais de bandas”. Esses eventos são
uma das prioridades do organismo nacional de ministérios de música do movimento da RCC.
Para um melhor aprofundamento sobre o tema RCC e juventude, pode-se buscar os trabalhos
de Sofiati (2014, p. 59). O citado autor escreve o artigo, Renovação Carismática e Teologia da
Libertação: elementos para uma sociologia da Juventude Católica. A proposta desse trabalho
é, grosso modo, apresentar que a juventude é constituída conforme a sociedade em que ela
existe. Sendo assim, “o ativismo dos jovens da RCC e da TL é bem diferente da ação dos
jovens que participaram do movimento estudantil”. A juventude da RCC segue a tendência da
RCC, como afirma Sofiati (2014). O autor trata em seu trabalho temas relacionados à
“namoro santo”. Um termo muito usados entre membros da juventude carismática, onde
entendem o “namoro sem relações sexuais. O jovem é fortemente orientado ao “não ficar”,
mas namorar sério. O tema sexualidade dentro da formação da RCC tem o intuito de
“moralizar e disciplinar os impulsos sexuais de seus membros e por isso, nos trabalhos com a
juventude isso acaba sendo ponto referencial. Os jovens que frequentam a Canção Nova
aprendem com o cantor “Dunga a proposta do movimento jovem, Por Hoje Não (PHN) vou
mais pecar”. É bastante famoso ainda dentro da juventude carismática o Instituto de vida
religiosa Toca de Assis, que faz um resgate ao ideal da pobreza franciscana para os dias
atuais. Assim podíamos falar ainda de comunidade Shalom, e outras que apresentam aos
jovens de hoje propostas que vão ao encontro de suas realidades.
Além da gama de projetos e secretarias que compõem os movimento da RCC, vemos
ainda as Comunidades de Aliança e Comunidades de Vida. De acordo com Carranza (2000, p.
62), “são herdeiros da proposta organizativa dos movimentos de revivência pós-conciliar”.
Para alguns autores, como Comblin (1983, p. 24), o papel dos leigos em movimentos diversos
denota um “rompimento” com o que antes era chamado, nas categorias tradicionais, de
“estados de perfeição”. Esses estados de perfeição era possível apenas para os religiosos
dentro de suas escolhas de vida seguindo os votos evangélicos: pobreza, obediência e
castidade. Era quase que um monopólio da vida religiosa consagrada. A RCC consegue trazer
essa realidade para dentro de suas comunidades.
Comunidade de Aliança: “agrupam pessoas entre casados, solteiros e solteiras, entre
diversos profissionais que que fazem os votos dos conselhos evangélicos de pobreza,
castidade e obediência”. Podem ainda constituir-se em grupos mistos;
Comunidades de Vida: “têm vínculo forte, autocontrole e comunhão de bens”. Isso
representa algo novo dentro da ICAR. Essas comunidades, segue Carranza (2000, p. 63),
facilitam a criação de fundações e associações que contribuem na capacitação de recursos
financeiros, nacionais e internacionais da RCC. Com elas fica possível o movimento adquirir
bens imóveis. Assim podemos falar de algumas comunidades em específico: Comunidade
Emanuel, fundada em 1974 por Dom Cipriano Chagas, monge Benedito. É uma das mais
antigas; Comunidade Shalom, fundada em 1980,forte força no Nordeste; Comunidade Canção
Nova, nasceu em 1978 (Lorena), sendo a primeira comunidade de vida no Brasil;
Comunidade Jesus Te Ama, nasceu em 1973, e entre seus fundadores está Pe. Eduardo;
Comunidade Filhos de Jesus e Maria, nasceu em 1990 (Campinas); Comunidade Maria Porta
do Céu, 1990 (Campinas); Comunidade Aliança Rainha da Paz (Campinas); Toca de Assis,
um grupo que opta pela vivência da pobreza absoluta com uma vestimenta bem inusitada com
inspiração franciscana.
2.4.3 - A RCC, sociedade e política
O Concílio Vaticano II (1962-1965), sofre as influências dos movimentos sociais que
aconteciam no Brasil e, juntamente com as demais manifestações sincréticas entre índios,
europeus e negros, nasce no Brasil e, América Latina como um todo, os movimentos sociais
de conscientização e luta. Com o tempo os movimentos sociais foram se enfraquecendo, pois
foram colocados sob suspeita por parte de membros da hierarquia. Com isso a RCC passou a
ocupar largo espaço, trazendo uma proposta que se dizia mais próxima aos anseios da
hierarquia. Os discursos da RCC para o social, segundo Gonzalez (2006, p. 36), são apenas
“mantenedores do status quo”. São discursos que estão “além das condições materiais e
estruturais da sociedade. A motivação social encontra-se fundamentada no espiritual, que
deve mobilizar a transformação do âmago de cada indivíduo.
A RCC, para seus trabalhos sociais criou a Cartilha do Ministério Fé e Política da
RCC. Sua principal inspiração vem da leitura do livro de I Macabeus: “Levantemos nossa
pátria de seu abatimento e lutemos por nosso povo e nossa religião” (Cf. I Mb 3,43). A RCC,
segundo Gonzalez (2006, p. 37), apresenta um olhar para o social com base no modelo
europeu com sua linha de abertura para um “mundo da técnica da ciência, das democracias e
das liberdades modernas”. Sendo assim, a RCC, com sua interpretação de conversão,
distanciou-se da proposta de lutas sociais da TL e das CEBs. O trabalho de base das CEB’s
fundamenta-se numa teologia que faz a “relação entre fé e vida” que tem seu espelho no
tempo de ditadura, por isso “identificada com a justiça social, a falta de respeito aos direitos
humanos, a censura, a perseguição política, a tortura, a prisão e a morte”, segundo Prandi e
Souza (1998, p. 98-99). A RCC não segue este mesmo padrão. No Módulo Básico Apostila 8
do Ministério de Formação de Fé e Política a RCC é feito uma síntese da Doutrina Social da
Igreja. Com isso ela segue ao pé da letra o que diz a ICAR em assunto de Doutrina Social.
Podemos ainda falar de um outro material que é seguido pela RCC na formação do Ministério
Fé e Política, a Apostila Fé e Política, conceitos e abordagens. Essa apostila contém palestras
de Dom Roberto Francisco Ferreira Paz. É um material que foi produzido no ano de 2016.
Assim a RCC acredita não incorrer em erro. Com o aval das autoridades eclesiásticas ela se
sente mais confortável para poder nortear seu projeto social.
Uma vez que a RCC se distancia da proposta do social, ela passa a ser vista até como
uma contra proposta aos demais movimentos que tinham como critério a transformação das
bases sociais na sociedade. Há até quem diga que ela consegue preencher vazios que a TL e
CEB’s teriam deixado em aberto. Esses vazios seriam a falta de uma espiritualidade que desse
sentido existencial ao indivíduo. Ao ver de alguns membros da ICAR, leigos ou clérigos, os
movimentos – CEB’s e TL – davam atenção demasiada para as questões de lutas sociais e
teriam se esquecido de orar. Como que preenchendo essas lacunas, diz Gonzalez (2006, p.
37), a RCC “assume a própria missão de evangelizar e recristianizar o mundo, com a
valorização da figura do Espírito Santo e a meta de transformar as estruturas da Igreja,
cedendo massivamente a distribuição dos dons ou carismas impostos pelo Espírito”.
Valle (2004, p. 102), registra a esse respeito que “a relação da RCC com o mundo
político e os problemas sociais é freada pelo seu objetivo principal, que é o de renovar
“interiormente” as pessoas e a comunidade cristã”. Acreditam que a mudança social deve
antes passar pela transformação espiritual do indivíduo e, em seguida pela mudança familiar e
profissional. Isso significa uma “re-tomada das práticas de piedade, o abandono do que é
mundano, o controle sexual, etc.”. O modo “Novo de ser Igreja” da RCC, com uma base
moral fortemente marcada pelo conservadorismo, acalma a hierarquia da ICAR e como afirma
Carranza (2000, p. 143), para os bispos, “o fato da RCC pregar com insistência sobre a
necessidade de renovar a devoção mariana88, frequentar os sacramentos e acolher
incondicionalmente as normas da Igreja é um consolo pastoral”. O projeto social, como diz
Valle (2004, p. 103), é de “moralização, e isto sob o prisma de um catolicismo voltado para si
mesmo”.
Assim, se por um lado a ICAR teve no movimento da TL e CEBs uma forte acusação
feita por membros da hierarquia conservadora de que “não rezavam”, por outro lado, a RCC
vai encontrar críticas por “rezar demais”89. Como escreve Carranza (2000, p. 157), “ambos os
setores trocam acusações mútuas sobre a compreensão das suas práticas religiosas”. Talvez
não percebam que cada uma responde a uma demanda de sua época. De acordo com Rubem
César Fernandes (1993, p. 15-17), os movimentos de seguimento pentecostal “têm um peso
simbólico equivalente ao que tinha a TL nos anos 70”. Pode-se dizer que antes eram aqueles
que faziam sentido e hoje são esses. Antes a preocupação parecia estar mais centrada na ação
social e hoje na experiência pessoal do indivíduo, suas emoções e bem estar pessoal. Com
uma base pentecostal, a RCC tem como um de seus princípios a “louvação”, marcando sua
característica de emocionalismo. Uma tem um discurso de racionalização e outra enfatiza o
emocionalismo, com base nos cultos pentecostais, como escreve Corten (1999, p. 38).
88A devoção mariana é um dos meios mais criativos da RCC, segundo Carranza (2000, p. 144-145). Com isso
criou-se um mercado mariano que se divulga de várias maneiras. Pe. Marcelo Rossi criou o terço Bizantino. São
muitas as comunidades de aliança que trabalham a evangelização através de Maria. Incentiva-se ainda as
peregrinações para santuários marianos em todo o mundo e com isso acentua-se o crescimento do mercado
turístico. A sociologia da Religião tem feito estudos sobre o tema “mercado de bens religiosos”, onde entra em
voga a realidade desse potencial mercadológico que é gerado através da devoção mariana. Essa é uma identidade
da RCC. 89Em Corten (1996, p. 39), temos que o “antigo secretário da Conferência Episcopal espanhola, D. Fernando
Sebastian, afirmava que os teólogos da libertação não são teólogos de reza”.
Sofiati (2011, p. 142), registra que a RCC “consegue manter a radicalidade em sua
proposta de evangelização sem romper com os princípios básicos que orientam as dioceses e
paróquias em todo país”. Essa mesma radicalidade vai se estender também no âmbito das
ações sociais. Suas ações, como visto acima, estão pautadas em documentos sociais tratados
pelos diversos papas na ICAR e com isso não entram em excessos, como outros movimentos,
entre eles a TL. Sobre essa questão Carranza (2000, p. 171), afirma que “diferentemente da
TL a RCC encara as problemáticas sociais como fruto do egoísmo humano, conflitos que
devem primeiro ser resolvidos na esfera privada para depois serem solucionados na esfera
pública”. Até mesmo quando se trata das CEB’s, percebe-se um “clichê”, por um lado estão
aqueles que cuidam do social (CEB’s), e do outro lado aqueles que se ocupam das coisas
espirituais (RCC). Como que se pudesse comparar Maria e Marta do Evangelho, uma ora e a
outra trabalha. Uma se coloca aos pés de Jesus e a outra se coloca nos afazeres da casa.
Sobre social e espiritual, é nítido que a RCC se volta mais para o espiritual. Isso
podemos ver ainda nos momentos em que o movimento se coloca a serviço de combater
projetos sociais contrários aos ideais da ICAR, como por exemplo a “descriminalização do
aborto e o casamento entre homossexuais”. Coloca-se em uma ação de combate contra o
aborto e na defesa de que a homossexualidade não está de acordo com a Doutrina da Igreja.
Assim sendo, assumem a posição de que a homossexualidade é um doença90. Segundo Sofiati
(2011, p. 149), não é visível no movimento “um programa de combate à fome e em defesa dos
excluídos”. Mesmo que a CNBB faça uma orientação de que se “animem a assumir projetos
de promoção humana e social, especialmente projetos que se voltem mais para os pobres e
marginalizados”. Uma de suas maiores ações está na “ênfase do programa de combate ao
aborto”. Ainda segundo Carranza (2000, p. 157), desenvolvem um “controle moral e do
comportamento na família”, e “desinteressa-se aparentemente por problemas coletivos e de
militância política”.
No campo da política, aos poucos a RCC tem se colocado a apoiar alguns candidatos,
mas sempre com muita cautela. Em entrevista, o atual Coordenador do Ministério Fé e
Política da RCC de Santo Amaro, José Maria Trindade Brandão91 dizia:
90Carranza (2000, p. 151), cita uma frase de Jonas Abib dizendo que: “os casos de homossexualismo e
lesbianismo biológico são muito poucos – e, escarrando-os como desvios, deve-se resolvê-los...”. 91José Maria Trindade Brandão tem 42 anos e está na coordenação do Ministério Política e Fé da RCC de Santo
Amaro há 2 anos. É casado e graduado em Administração hospitalar.
“O foco é a formação integral do cristão católico, numa visão crítica
em relação à política, economia e sociedade a partir da Doutrina Social da
Igreja. O grande despertar é fazer com que o cristão coloque em prática a
caridade. O cristão precisa sair do conhecimento e colocar na prática a
caridade, onde seu comportamento expresse o seu ser cristão. Sempre com
senso crítico” (José Maria, entrevista em 9/5/2017).
Os membros da RCC têm a preocupação em deixar bem claro que não querem fazer
uma política partidária. Querem levar o cristão católico a ter senso crítico diante das propostas
partidárias ou políticos dos candidatos. O que tem que existir é o senso crítico. De acordo com
Carranza (2000, p. 157), Reinaldo Bezerra (coordenador Estadual da RCC), disse que “desde
os fins de 70, a RCC começou a articular-se para ter cargos parlamentares e ocupar um espaço
na política nacional e local”. Lançaram “Osmar Pereira, a deputado federal por Minas
Gerais”. Aqui é possível falar de uma ação explicitamente partidária. Para Sousa (2014, p.
162), “originalmente, o movimento carismático católico foi muito identificado com o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB). Conforme Carranza (2000, p. 160), nas eleições de
1994 para Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) recebeu 45% dos
votos de membros da RCC e Luiz Inácio Lula (PT), 22,1%. Os petistas não são bem vistos
pelos carismáticos. Seria esperado que a RCC não tivesse grande simpatia pelo PT. O PT,
bem ou mal, a dizer dos últimos envolvimentos em escândalos, nasceu das bases da ICAR,
com propostas sociais. O PT foi fomentado nas bases das linhas progressistas da ICAR.
Do partido saído das lutas operárias de 1978 e 1979, do partido
próximo das CEBs e marcado pelo método de conscientização de Paulo Freire,
do partido ao qual aderem muitos intelectuais provenientes da extrema-
esquerda e de retorno do exílio, do partido sensível às preocupações
ecológicas das camadas médias, já foi tentada a elaboração de uma genealogia
(CORTEM - 1996, p. 89).
Em Campinas, no ano de 1982, “Salvador Zimbaldi teve o apoio da ASJ do Pe.
Eduardo”. Não obteve nesse ano sucesso, mas veio a tê-lo nos anos 1988 e 1994. Esse mesmo
candidato se reelegeu outros vezes com o “apoio de Jonas Abib e Canção Nova, e em Brasília
se torna o principal representante dessas duas organizações”. Para Carranza (2000, p. 158),
em 1995, a RCC cria a “secretaria Matias”, órgão que recebeu a incumbência de “cuidar dos
aspectos relacionados à fé e política”. Através do Pe. Eduardo foi criado “uma plataforma
eleitoral” que “através dos grupos de oração” laçou “os carismáticos Jorge Schneider e Regina
Célia, para vereadores na cidade de Campinas”. Pode-se ainda falar que emergiu na RCC uma
“organização partidária: o Partido Solidarista Nacional (PSN)”.
Nos últimos tempos o político que mais se expôs como candidato da RCC foi Gabriel
Chalita. Um ex-seminarista salesiano da ICAR que despertou para o mundo da política. Em
2012 Chalita foi o terceiro candidato mais votado à prefeitura de São Paulo, servindo de apoio
para a vitória do prefeito petista Fernando Haddad. Nas eleições de 2016 o posicionamento da
RCC no campo político foi bem mais explícito92.
A Renovação Carismática Católica do Brasil, com base na
ministerialidade orgânica e através de seus ministérios MFP, MOCL e MI
(Ministério de Fé e Política, Ministério de Oração por Cura e Libertação e
Ministério de Intercessão), convida o povo de Deus para, juntos, realizarmos a
novena pelas eleições, em continuidade da vigília de súplica pela Nação
Brasileira, como preparação para as eleições gerais do Brasil em 02 de outubro
de 2016. Com o tema "Para que impere o Senhorio de Jesus sobre a nação
brasileira" (Conf. Salmo 21, 29), a novena começa no dia 24/09 (sábado) e
dura até o dia 02/10 (domingo). Todos os membros da RCC do Brasil são
convidados a unirem-se em oração pela nação brasileira, especialmente neste
tempo. Disponível in: http://www.rccbrasil.org.br/espiritualidade-e-
formacao/index.php/artigos/1662-novena-pelas-eleicoes-2016. Acesso em:
25/3/2017.
O envolvimento de padres midiáticos com políticos rendeu muito pano pra manga nas
últimas eleições. Devido às questões de propinas envolvidas nas campanhas eleitorais,
fechou-se o cerco. Também as campanhas de “ficha limpa” ajudaram numa luta contra a
corrupção na venda de votos. Alguns padres midiáticos foram acusados de envolvimento em
campanhas e com isso a ICAR teve que tomar suas devidas providências. Nas eleições de
2016, devido às questões de “ficha limpa”, apoio a candidatos e vendas de votos foi bastante
sondada. As dioceses, com seus respectivos bispos, tiveram a orientação de compor um
cartilha onde pudessem esclarecer o que se podia ou não ser feito no âmbito da política. Nesse
cartilha foram dadas orientações para uma consciência eleitoral adequada, bem como uma
apresentação sobre as mudanças recentes acontecidas na legislação eleitoral93.
92Em 2014, já com o sistema de indicações em andamento, os carismáticos da Diocese de Jacarezinho indicaram
o próprio coordenador diocesano do movimento, que era Diego Garcia, na época com 29 anos. Orientado pelo
Ministério Fé e Política, que abria as portas em comunidades católicas de vários municípios, Garcia passou a
visitar todos os grupos de oração que podia, fazendo pregações e tornando-se mais conhecido. Disponível in:
http://www.semprefamilia.com.br/renovacao-carismatica-catolica-se-organiza-conquista-cargos-e-quer-mais-
espaco-na-politica/. Acesso em: 25/3/2017. 93Segue um exemplo da cartilha apresentada pela Diocese de Santo André – SP. Cartilha de Orientação Política -
A Igreja e as Eleições 2016 - O cidadão consciente participa da política. Disponível in:
http://www.diocesesa.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Cartilha-de-orientacao-politica-Diocese-de-Santo-
Andre.pdf-1-1.pdf. Acesso em: 25/3/2017.
Segundo Sofiati (2011, p. 151), a RCC serve-se de três expoentes na construção de sua
posição política conservadora94. A primeira é a do cantor Dunga, um expoente forte no mundo
da música cristã. Ele apresenta uma visão política empresarial e pragmática, que dá uma visão
parcial do cenário político brasileiro. O segundo expoente, Claudinei Grelha, defende os
“sem-Deus”. Faz um discurso de que é preciso, mais que dar coisas matérias é preciso
oferecer Deus e “acredita que só o Espírito Santo pode mudar a realidade de miséria das
pessoas”. O terceiro expoente, Tiba, tem uma visão que tendencia uma imagem distorcida de
professores universitários, dizendo que são de “base socialista comunista”. Com isso acaba
prejudicando a visão mais aberta do movimento para o compromisso social.
São três as características da ação política da RCC em plano
internacional: 1 – tem uma ligação com a política conservadora dos Estados
Unidos, herdado do contexto fundamentalista que configurou seus
televangelistas, como é o caso de Bobby Cavnar, televangelista católico que se
propôs acabar com a imoralidade e o consumismo na América Latina; 2 – tem
uma concepção profética baseada no amor e não numa análise social que leva
a RCC a ter uma atuação ingênua, não situada politicamente, e ater tendências
simplistas e dualistas na análise da realidade; 3 – tem uma concepção de que
para atuar politicamente é necessário um tempo de amadurecimento pessoal e
depois uma participação política. Assim sendo, “após a efusão do Espírito
Santo o carismático não corre para o sindicato, mas para o sacrário”
(HÉBRARD – 1992, p. 75-80).
Quem arcou com o evento virada radical em de 1998, ação que aconteceu próximo
das eleições para Presidente da República, foi, de acordo com Carranza (2000, p. 57),
“Salvador Zimbaldi. Marcando sua presença entre os jovens num discurso pró-candidatura, o
candidato defendeu o projeto lei para impedir a despenalização do aborto. Como diz o ditado
popular: “une-se o útil ao agradável”. Há um troca de favores nessa relação, reforçando os
elementos acima apontados. Promove-se o evento, conta-se com a organização do candidato,
o candidato ganha com isso, pois faz uma defesa a favor da linha da ICAR e ao mesmo tempo
a RCC consegue arrebanhar um grande público de jovens. Além de ter ocupando um lugar
público com um político aliado.
2.4.4 – A RCC, Juventude e mídia
94Para Sousa (2005, p. 101), Leonardo Boff receava que as RCC chegasse às comunidades de base, “pois isso
significaria um esvaziamento, uma convocação ao intimismo, ao abandono do combate pela justiça e uma fuga
ao campo do religioso estrito”. Um dos fortes expoentes da TL, segundo Sousa (2005), chegou a acreditar que a
RCC poderia significar “um instrumento inibidor e um frio à missão libertadora da Igreja em termos de
transformação as sociedade”. O autor não cita o nome do referido expoente.
Cabe aqui uma atenção ainda aos trabalhos da RCC em relação à juventude e à mídia.
De acordo com Ange (1999, p. 84), “os jovens são os primeiros alvos” e para reforçar ainda
mais sua afirmação, faz uso de uma frase do Papa João Paulo II que diz: “Os jovens são os
primeiros apóstolos dos outros jovens”. Através desse olhar para o jovem como alvo de
evangelização e como aquele que também evangeliza é que os membros da RCC abriram
grande leque de investimento de evangelização envolvendo a juventude. Para isso buscaram
os apoio da música e mídia em geral. No Brasil esse estratégia foi bem acolhida, uma vez que
temos uma nação bastante jovem. Ao tratar sobre o tema Religião e juventude, os novos
carismáticos, Sofiati (2011, p. 31), reproduz um dado estatístico bastante significativo, (IBGE
de 2002), de que o Brasil é um “continente jovem, de idade entre 15 a 24 anos,
correspondente a 20,13% da população”. É certo que pesquisas revelam ainda que em países
europeus não vemos crianças e nem jovens como no Brasil.
Olhando para a história do Brasil, em vários de seus momentos de lutas sociais, o
percebemos que o rosto jovem se destacava. Foram muitas as conquistas onde valeu o
protagonismo da juventude. Podemos aqui citar o movimento a Juventude Integralista (1932),
o movimento religioso em torno da Ação Católica (1935) e o início do movimento estudantil
com a fundação UNE (1937). Destaca-se ainda nos anos 70 atuação jovem com lutas contra a
“Ditadura Militar”. A partir dos anos 80, segundo Sofiati (2011, p. 33), vamos ver surgir as
“tribos urbanas até o Movimento Cultural Hip-Hop e a militância das Pastorais da Juventude
do Brasil”. A partir dos anos 90 temos, de acordo com Sofiati (2011, p. 34), “uma juventude
mais individualista que não abre mão de seus desejos”, mesmo que tenham se destacado os
“caraspintadas” contra Fernando Collor de Mello e a juventude do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra). Percebe-se que “os jovens do segundo milênio são
socializados predominantemente nos movimentos religiosos”, conforme Sofiati (2011, p. 35).
Suas características são pentecostais e uma vez sendo da ICAR, seguem a linha carismática.
Apenas uma pequena parcela da juventude brasileira (15%) está
organizada em alguma associação ou entidade. Mas quando são estimulados a
escolher entre uma variedade de possibilidades, 17%, diz que “faz parte” de
“grupo religioso”. A confiança na “Igreja e padres católicos” e na Igreja e
pastores evangélicos” somam um percentual de 48% das respostas. Há de se
destacar que os jovens evangélicos estão predominantemente entre os mais
pobres e os jovens católicos, apesar de estarem em todas as classes sociais,
também são mais numerosos entre os empobrecidos SOFIATI – 2011, p. 37).
Conforme Hocken (2009, p. 287), a RCC teve sua origem marcadamente de
movimentos da juventude universitária. Pode-se dizer com isso que a RCC tem um rosto
jovem. As lideranças carismáticas tem rosto marcadamente jovem. Seu ponto forte tem sido a
juventude. Segundo os autores Rahm e Lamego (1972, p. 47), a RCC diferente de outros
grupos, não nasce de meios insatisfeitos, mas de intelectuais que incendiados pelo Espírito
Santo, leva essa chama a outros jovens.
Num mundo de ideologias confusas, em que muitos jovens
abandonaram o cristianismo, para buscar novas dimensões de religião no
ascetismo e misticismo orientais, milhares de jovens se voltam para Cristo e se
juntam para cantar e louvar o seu nome (RAHM e LAMEGO - 1972, p. 48).
A RCC tem dois pontos de estratégia pelos quais consegue atrair a juventude. Uma
estratégia são as diversas comunidades de vida, trazendo uma proposta de acolhida que tem
encantado muitos jovens. Nestas comunidades os jovens encontram calor humano. A segunda
estratégia passa pelas opções dos jovens em participar de bandas, onde a música é o chamariz.
Assim promovem os grandes encontros com louvores e danças. Nesses diversos momentos a
RCC trabalha com alguns artistas que servem como ídolos musicais, a saber: Marcelo Rossi,
Fábio de Melo, Dunga, Valmir Alencar, Ziza, Eliana, entra outros.
Pode-se ainda falar de outras duas as propostas de trabalho da RCC, com o Ministério
Jovem (MJ) e o Ministério Universidade Renovadas (MUR). A esses dois ministérios junta-se
o Ministério de Música da RCC. Esses três ministérios formam três fortes frentes no trabalho
de evangelização na busca de atrair a juventude da Igreja Católica. Esses três instrumentos
não eram tão evidentes nos outros movimentos da ICAR, com TL e CEBs. Com coordenações
nacionais, estaduais e diocesanas, a RCC consegue abranger como um todo a juventude da
Igreja Católica no Brasil. Não se esquecendo que a RCC conta a seu favor com uma ampla
rede midiática, além de grande arsenal de produções de livros religiosos que vão desde
devocionários até vida de santos famosos.
Enquanto ser social, o ser humano sempre conviveu em um ambiente
de comunicação e colaboração, utilizando as tecnologias disponíveis em cada
fase histórica para esse contato. As redes sociais precedem a existência da
internet. Estar em rede significa poder fazer uso da capacidade de ser sujeito
(ativo e responsável), sugerir mudanças, administrar complexidades e
incentivar a articulação, o fortalecimento e, se necessário, a (re)construção
contínua das redes (GUEDES – 2013, p. 19).
Assim a RCC, com seus ministérios diversos, consegue articular meios que envolvam
os jovens em variados eventos. A “Virada Radical” busca lugares públicos para fazer sua ação
de evangelização. São ainda comuns as “cristotecas” e as “raves católicas”, que proporcionam
um agrupamento jovem com propostas de músicas cristãs. Algumas paróquias promovem os
“Barzinhos de Jesus”, um espaço artístico com músicas e alimentação, onde os jovens passam
o tempo numa “diversão santa”. Conforme ainda Sofiati (2011, p. 163), esse momentos são
chamados pelo MJ (Ministério Jovem) de “Lazer no Espírito”. Não podemos deixar de
mencionar aqui os Ministérios Universidades Renovadas (MURs), que são trabalhos feitos
com a intenção de proporcionar à juventude universitária a possibilidade de um encontro com
Deus e que a partir dessa experiência religiosa, o futuro profissional que tenha passado por
essa experiência, possa “exercer sua vocação profissional com dignidade, ética, respeito ao
homem” e a certeza de que “se eu não mudar, nada vai mudar”, de acordo com Sofiati (2011,
p. 165). Para os trabalhos do MUR existem os GOU (Grupos de Oração Universitário). Esses
trabalhos foram iniciados no “ano de 1994 na UFV – Universidade Federal de Viçosa (MG)”.
De acordo com Sofiati (2011, p. 161), a Canção Nova (Cachoeira Paulista – SP) é uma
grande referência jovem. Ela apresenta o movimento PHN – Por Hoje Não vou mais pecar.
Um trabalho com uma proposta jovem. No ano de 2009, o “Acampamento PHN conseguiu
juntar 138 mil fiéis nos seus três dias de atividade”. É uma proposta de renovação diária como
suporte “pós conversão”, pois ele alimenta retroalimenta a cada dia a tomada de decisão do
jovem convertido. Uma outra intenção desse projeto é fazer com que o jovem, voltando para a
igreja, consiga ligar com sua espiritualidade sem “perder o direito de ser jovem”. Para Sofiati
(2011, p. 183), um dos grandes expoentes do PHN, o cantor Dunga, vê que “o jovem de hoje
não tem conteúdo porque a instituição familiar está em ruínas e perdeu seus valores sólidos”.
O líderes da Canção Nova acreditam que só a religião dá esse suporte para a juventude. A
base desse projeto está em dois livros: - Jovens, o caminho se faz caminhando e PNH:
sementes de uma nova geração, Dunga e Geração PNH, Monsenhor Jonas Abib.
Os discursos são sempre contra o pecado, grande vilão dos trabalhos pentecostais. “O
pecado é o tema central”, e só poderá ser vencido a partir da um encontro pessoal do jovem
com Jesus. Críticas bastante fortes são feitas contra a homossexualidade, sexualidade, drogas
e outros.
O pecado traz sofrimento. Homossexualismo, uso de drogas,
traições... ou doenças físicas, espirituais, psíquicas, talvez somatizados por
causa de rancor, ódio, brigas, rixas. Até alergia de pele, dores na coluna,
pressão na cabeça e na nuca, as decepções, os mal-entendidos, as quedas,
enfim (DUNGA – 2005, p. 21).
Nas questões de sexualidade priva por santidade que segue o norte da castidade. Sendo
assim, não se pode pensar “em sexo fora do casamento, masturbação, prostituição, traição,
ficar”, etc.. Esse tema sobre sexualidade como expressão de santidade foi por muito vezes
tratado por especialistas e conforme Lourenço Kearns (2004, p. 14), falando do voto de
castidade para os consagrados da ICAR, “qualquer manifestação de sexualidade foi
considerada um pecado numa linha puritana e jansenista”. Quando esses movimentos seguem
essa linha, mesmo que seja para jovens seculares, corre-se o grande risco de “eliminar
sistematicamente quaisquer manifestação de nossa sexualidade como se fossem uma ofensa
moral contra Deus”. O cantor Dunga acaba tendo forte influência para a geração jovem da
RCC no campo da sexualidade, pois para o citado cantor, “o sexo é considerado o principal
desvio de rota do jovem, um verdadeiro descaminho para a santidade, o primeiro passo para
fora do projeto de Deus”, segundo Sofiati (2011, p. 185).
A proposta do PHN tem uma base, por mais que isso não seja dito diretamente, dos
grupos de AA e NA, pois eles foram os primeiros a usar o termo “Só por hoje” como arma
contra as recaídas no vício. Sendo assim, o idealizador do PHN olha o pecado como uma
realidade viciosa que precisa ser enfrentado a cada dia. Para Sofiati (2011, p. 192), o
fundamento “teológico do PHN está na Bíblia, Epístola aos Hebreus (capítulo 3, versículo
13): ‘[...] mas encorajai-vos uns aos outros, dia após dia, enquanto durar a proclamação do
hoje, a fim de que ninguém dentre vós se endureça, enganado pelo pecado’”. Veja que o
sentido de pecado é sempre o vilão dessa batalha a que se propõe o PHN e seus líderes o
explora fortemente para “controle dos fiéis”.
Como os demais pentecostais, também a RCC faz seus avanços e entra no rol das
chamadas igrejas eletrônicos. Segundo Carranza (2000, p. 230), no ano de 1998 o SBT
(Sistema Brasileiro de Televisão), realizou uma reportagem intitulada: Mercado Eletrônico da
fé. Nesse período começa a despontar na mídia o famoso expoente católico padre Marcelo
Rossi. Vemos ainda se destacar como grande pregador católico, mas com características
pentecostais, o padre Alberto Gambarini. Ainda dos trabalhos midiáticos da RCC, pode-se
dizer da Canção Nova, que conforme Sofiati (2011, p. 25), “foi fundada, em 1978, pelo
sacerdote brasileiro Jonas Abib, sob inspiração do Espírito Santo e que hoje representa o
maior complexo midiático católico, com mais de 450 mil metros quadrados”. Em 1979 vimos
nascer a Associação do senhor Jesus (ASJ) com padre Eduardo Dougherty. Seu programa
“Anunciamos Jesus” ficou bastante conhecido nas emissora católica. Suas atividades
televisivas foram apoiadas pelo Videocentro dos Salesianos de Belo Horizonte, pela Junta de
Rádio e TV dos batistas e da local TV Princesa. Mais tarde o programa veio a ser transmitido
pelas TVs Gazeta, Bandeirantes e Record, até chegar nas telinhas da tão conhecida Rede Vida
de Televisão em 1995. Segundo Sofiati (2014, p. 160), mais tarde padre Eduardo montou o
Centro de Produção Século 21 em Valinhos – SP. Em 1989 vai se constituir a TVCN (TV
Canção Nova), atingindo em 2003 além do Brasil outros países da América Latina, Europa e
África.
Com isso temos que a RCC ganhou também os espaços da mídia, trazendo a oferta de
seus produtos religiosos, criando assim um “mercado eletrônico da fé”, que de acordo com
alguns autores, usam de uma linguagem específica na intenção de persuadir adeptos para a fé
católica. Com isso acabam entrando no famoso esquema de proselitismo na tentativa de levar
à “conversão da massa”. O marketing passa a ser um instrumento de estratégia dentro de
campo religioso que tem que se preocupar em atrair o fiel. Para a atrair o fiel faz-se necessário
conhecer seus desejos no intuito de poder oferecer o produto que melhor o agrade. Não fica de
fora nesse quadro a sugestão para o crente do que para ele seja necessário e bom, ou seja, a
solução para seus problemas. Para adquirir seu produto de fé nada melhor do buscar pertencer
a esse espaço religioso. Assim desenvolve-se o proselitismo religiosos, num campo de oferta
e procura. Os programas televisivos carismáticos acabaram por seguir desse esquema os
demais mecanismos pentecostais do século XXI.
Conclusão
Assim podemos concluir com este capítulo que a RCC, depois de seu nascimento em
1967, chega logo em seguida ao Brasil em 1969, encontrando um amplo espeço de atuação.
Similar aos movimentos pentecostais protestantes, a RCC traz um proposta de evangelização
que se apodera as forças do Espírito Santo. São enfatizados o batismo no Espírito como
recepção do indivíduo no movimento. Deste momento em diante o indivíduo fala da
experiência de reavivamento, sendo ele um dos principais propagador do movimento. Os dons
carismáticos são ainda valorizados, destacando entre eles, dom de cura, de línguas, entre
outros. O repouso no Espírito ainda é uma característica bem marcante de suas experiências.
Dentro dessa dinâmica pentecostal, diferenciando do pentecostalismo e neopentecostalismo,
vemos destacado nos movimentos da RCC a devoção à Virgem Maria. Quanto ao
compromisso da RCC com questões sociais, vemos que não tem expressões de lutas sociais
tão marcadas como TL e CEB’s. A mídia e juventude são fortes alvos da RCC. No próximo
capítulo vamos poder ver mais de perto a atuação dessas estruturas organizadas da RCC
dentro da Diocese de Santo Amaro. Vamos poder observar mais de perto como cada um de
seus ministérios atuam dentro da referida diocese dando a ela uma forte base organizacional
carismática.
Cap. III
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NA DIOCESE DE
SANTO AMARO
Um sistema religioso produz um vínculo social não somente ao suscitar redes e
agrupamentos particulares (instituições, comunidades), mas também ao definir um universo
mental por meio do qual os indivíduos e as coletividades expressam e vivem certa concepção
do homem e do mundo em uma determinada sociedade.
(Jean-Paul Willaime – 2012).
Introdução
Em 1989 foi formada a Diocese de Santo Amaro, por meio do desmembramento da
Arquidiocese de São Paulo. O seu primeiro bispo, Dom Fernando Figueiredo, encontrou os
desafios de uma Igreja voltada ao social. Dentro de sua dinâmica de trabalho, recebendo as
críticas de bispo conservador, usou como estratégia as forças emergentes da RCC,
conseguindo assim fazer da nova Diocese um forte “polo carismático”. No bojo de sua
atuação surgiu um novo ator que veio impactar a Igreja naquela e em outras regiões. Para
demonstrar como aconteceu essa trajetória iremos verificar o histórico da Diocese de Santo
Amaro, apontando para a formação de um novo rosto diocesano que se faz através da RCC
que se estrutura dentro dessa Diocese. Assim sendo, ela assume novas formas de prática
católica, chegando a exportar para outras partes do mundo a sua visão missionária.
3.1 – Diocese de Santo
A Diocese de Santo nasce ligada à Arquidiocese de São Paulo. Conhecida como a
terra das “botinas amarelas”, a região foi colonizada na hegemonia católica. Seguiu seu curso
recebendo as influências de Dom Evaristo Arns, um bispo comprometido com os trabalhos de
bases da época. Os padres, religiosos e religiosas que na região trabalhavam tinham grande
comprometimento com o social. Isso acontece até que em 1989 criou-se a Diocese de Santo
Amaro, sendo nomeado seu primeiro bispo que viria desenvolver suas atividade a recém
criada diocese.
3.1.1 – A terra das “botinas amarelas”
No ano de 2014 a Diocese de Santo Amaro comemorava 25 anos de existência. Por
ocasião da celebração do ano jubilar foi feito a convocação para da celebração em “ação de
graças” pela caminhada feita com a disposição de seu primeiro Bispo Dom Fernando (hoje
bispo emérito). Por ocasião dessa celebração foi composto um material de pesquisa da história
da Diocese, resgatando fatos do tempo em que ela ainda era região episcopal da Diocese de
São Paulo. Essa parte do trabalho será feito com base nesse material, o livro Erguendo
altares, vidas e comunidades – Jubileu de Prata da Diocese de Santo Amaro (2014).
Depois do dito “descobrimento”, o Brasil ficou subordinado à “Diocese de Funchal –
Ilha da Madeira – Portugal. No ano de 1551, São Salvador da Bahia – primaz – foi a primeira
diocese no Brasil a ser erigida. Até o século XVIII era comum que as comunidades nascessem
a partir dos trabalhos de missões da ICAR. No Brasil, a influência dos missionários jesuítas95
foi de grande valia para os desbravamentos e edificações religiosas. A base para se construir
uma cidade era a edificação de um altar, costume dos portugueses de colonização.
Especificamente no ano de 1552 foi erigida a capela em honra a Santo Amaro, quando
o “casal português João Paes e Suzana Rodrigues”, procuraram José de Anchieta para que
pudessem doar a imagem96 para o intento. Foi assim que, no século XVI, nascia a Freguesia97
de Santo Amaro, fundada, na aldeia de “Jeribatiba (ou Jurubatuba – do tupi – área tomada por
coqueiros ou palmeiras)”, uma região que fazia parte da fundação do Povoado de São Paulo
de Piratininga, liderado por José de Anchieta (Erguendo altares - 2014, p. 24). As cedes dos
jesuítas, sob a responsabilidade do Padre Manuel da Nóbrega, estavam localizadas, no que
compunha a província brasileira: São Vicente, São Paulo e Santo Amaro.
De acordo com Câmara (1957, p. 302), em 1575, a pedido do rei D. Sebastião ao Papa
Gregório XIII, foi criado a “prelazia do Rio de Janeiro, com poderes quase episcopais”, e em
1676, o regente D. Pedro conseguiu fazer com que o Papa Inocêncio XI a tornasse diocese de
S. Sebastião do Rio de Janeiro. Nesse período Dom José Barros Alarcão era o bispo do Rio de
Janeiro que tinha poder sobre toda a região, incluindo São Paulo.
Como meio de locomoção até à Sé (20 km), os santamarenses usavam o barco indo
pelo Rio Jurubatuba até o Rio Tietê de dali para o centro. Paras irem de Santo Amaro para
Itanhaém usavam as orientações indígenas de início. Mais tarde começaram a usar os
caminhos dos bandeirantes, fazendo o trajeto dos “Rios Jurubatuba-Bororé e Guarapiranga-
Embu-Guaçu até a escarpa da Serra do Mar”. As regiões de Santo Amaro foram logo
povoadas devido ao acesso para regiões litorâneas possibilitadas pelos rios. Essas regiões
95Lembrando que Inácio de Loyola fundou a Companhia de Jesus, os jesuítas no ano de 1540, século XVI, com a
aprovação do Papa Paulo III, segundo Hill (2007, p. 262). 96Imagem existente até hoje na Catedral de Santo Amaro, localizada no Largo Treze. 97De influência portuguesa é que vem o termo de “freguesia”, (do latim – filho da igreja) que vai dar o sinônimo
de capela no Brasil (Erguendo altares - 2014, p. 24).
formam os atuais bairros religiosos da Diocese de Santo Amaro com suas igrejas:
“Parelheiros, Grajaú, Rio Bonito, Bororé, Varginha, Caucaia, (atual Cocaia e Novo
Horizonte), Ambura, Embura (ou Imbiabura), até o Alto da Serra”. Essa rota teve como
acesso ainda os atuais “Largo do Socorro, Avenida do Rio Bonito, Avenida Teotônio Vilela,
Estrada do Cocaia e Avenida Paulo Guilguer Reimberg”.
Em 1745, Bento XIV criou as Dioceses de Mariana (MG) e São Paulo (SP), com a
Bula “Candor Lucis Aeternae” (Esplendor da Luz Eterna). Santo Amaro ficou na
responsabilidade da curadoria de São Paulo (Erguendo Altares - 2014, p. 26). Até 1885 o
lugar onde hoje está a atual Catedral de Santo Amaro era conhecido como o “Largo do Jogo
de Bola”. O referencial que hoje temos da Avenida Adolfo Pinheiro se dá devido ao “tenente
Adolfo Pinheiro que ali tinha uma lojinha”. A dita avenida recebe esse nome em sua
homenagem.
Segundo consta no material de pesquisa (Erguendo Altares - 2014, p. 27), no século
XIX, Santo Amaro teve grande avanço nos “campos econômico e político, mas não no campo
religioso” e com isso, nos anos de 1827 foram criados os “núcleos coloniais”. Nesse período
vieram para a região os alemães. Foram “149 famílias e 72 pessoas avulsas”. Devido a eles,
desenvolveu-se, nas região de Parelheiros o celeiro paulistano através dos então conhecidos
“botinas amarelas98. Em 1832, D. Pedro I eleva Santo Amaro à Vila de Santo Amaro. No ano
seguinte são eleitos os sete primeiros vereadores, com o intuito de estabelecer um governo
autônomo. Seu primeiro prefeito foi o “Comendador Manoel José de Moraes”. Em 1885
chegou, entre outras melhorias, a iluminação à gás. Em 1886 foi inaugurado a estrada de ferro
(“bonde”) “São Paulo-Santo Amaro com a presença do Imperador Dom Pedro II e Dona
Leopoldina”. Com os bondes, os católicos podiam ir “até à Avenida Liberdade”, e dali
seguiam “até as igrejas na região da Sé”. A catedral atual de Santo Amaro só seria terminada
no ano de 1924.
98Os trabalhadores da lavoura de Santo Amaro usavam como proteção, botinas de couro curtido que possuía uma
coloração próxima ao amarelo, impregnada de terra de um tom meio alaranjado somado a um vermelho vivo.
Para transitarem e para transportarem mercadorias para a Província, no mercado de abastecimento municipal,
usavam as mesmas vestimentas usadas na labuta em Santo Amaro, com botina fabricada artesanalmente pelas
"indústrias" familiares santamarenses, com solado de couro, com costura grossa e couro bem tratado. Assim,
ficou registrada essa marca em toda a Província, onde o brasão define esta gentilidade antiga:
"ANTIQUISSIMUM GENUS PAULISTA MEUM". Hoje o termo se tornou a outorga "Troféu Botina Amarela"
de relevância para todo santamarense, anualmente concedido pelo Centro de Tradições de Santo Amaro.
Representa a identidade "caipira" daquela que "é" a Cidade de Santo Amaro. Há ainda, nesta representação, o
"Museu Histórico de Santo Amaro", que encarna a vida desta postura daqueles que sentem esta importância
cultural. Disponível in:
http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/6510/A%2Bbotina%2Bamarela%2Bde%2BSanto%2BAm
aroSP. Acesso em: 29/3/2017.
Já no século XX vamos ver a ampliação do comércio no centro de Santo Amaro. Pode-
se falar de dois carros de taxi que faziam as linhas Catedral e Brooklin e dos lampiões à gás
que aos poucos iam dando lugar à energia elétrica. Logo aparecem os primeiros ônibus a
circular na zona sul e nas ruas já se podia falar dos “footing” (namoro da praça). Santo Amaro
passou a ter seu “primeiro brasão feito pelo visconde Affonso D’Escragnole Taunay com os
dizeres de “Antiquissimum Genus Paulista Meum” (Pertenço à mais Velha Sociedade
Paulista”) (Erguendo Altares - 2014, p. 29).
A festa do centenário de Santo Amaro foi marcada pela “Revolução
Constitucionalista” em 09 de junho de 1932. Num termo assinado pelo interventor federal
Armando de Salles Oliveira em 22 de fevereiro de 1935, Santo Amaro volta a ser bairro de
São Paulo. Como justificativa desse fato foi uma suposta dívida de “500 contos de réis”.
“Pelo que tudo indica, esse ato foi uma vingança de Vargas, pois economicamente São Paulo
dependia da região sul, especialmente de seu manancial (a Guarapiranga), pois o sistema
Cantareira só foi inaugura do em 1974”. Várias tentativas foram feitas na possibilidade de
voltar Santo Amaro à sua autonomia, mas foram em vão. Não conseguiam mais pensar São
Paulo sem Santo Amaro.
3.1.2 – Arquidiocese de São Paulo
Não dá para pensar Santo Amaro sem pensar Arquidiocese de São Paulo. Para
falarmos da Diocese de Santo amaro é preciso antes fazer uma pequena volta no tempo,
resgatando o sentido da ICAR como Arquidiocese de São Paulo. A Diocese de São Paulo foi
desmembrada da Diocese do Rio de Janeiro pelo Papa Bento XIV, em 6 de dezembro de
174599, com a Bula Candor lucis aeternae. Seu primeiro bispo foi Dom Bernardo Rodrigues
Nogueira. Em 07 de junho de 1908, o Papa Pio X eleva a Diocese de São Paulo à
Arquidiocese, com a Bula Dioecesium Nimiam Amplitudinem. Em consulta ao site oficial100
da Arquidiocese foi possível ver a sua história contada em cinco fases.
A primeira: - 1745-1824: período marcado pelas “lutas pela independência da coroa
portuguesa e a teologia liberal que impregnara os padres e bispos da época”. Idealizava-se por
uma “Igreja nacional e o ideal de liberdade” onde nãos mais tivesse que estar debaixo do
99Desde 1745, São Paulo teve 11 bispos e 7 arcebispos. 100Disponível in:http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/historia/da-arquidiocese. Acesso em 28/3/2017.
poder da coroa portuguesa. O trabalho escravo fazia ainda parte desse cenário com os
trabalhos em torno dos engenhos cana de açúcar. Termos como africanos massacrados e
navios negreiros nos remetem a uma memória da crueldade humana justificada pelo trabalho
escravo desse período.
São Paulo teve como bispos neste período Dom Bernardo
Rodrigues Nogueira (15.07.1746 - 07.11.1748), Dom Frei Antonio da
Madre de Deus Galvão, ofm (28.06.1751 - 19.03.1764), Dom Frei
Manuel da Ressurreição (07.12.1771 - 21.10.1789), Dom Mateus de
Abreu Pereira (04.11.1795 - 05.05.1824), todos de origem portuguesa
(Site Oficial da Arquidiocese de São Paulo: Disponível in:
http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/historia/da-arquidiocese.
Acesso em: 28/3/2017).
A segunda fase -1824-1938:período marcado pela “revolução industrial” e pela
“reforma católica da Igreja”. Eram os sinais da Reforma de Trento (1545-1563), chagando ao
Brasil. O tema negro e escravidão já não são mais temas tão importantes nessa fase, mas o
“fenômeno migratório: alemães, espanhóis e italianos”. Evidencia-se ainda a “crise da
formação do Estado liberal e o final do império”. Os “movimentos de cristandade” se
deparam com a “luta abolicionista e a maçonaria”. Aumenta-se nesse período as “diferentes
línguas, costumes e etnias religiosas”.
Olhando para o material de pesquisa do Jubileu de Prata da Diocese de Santo Amaro
(Erguendo altares - 2014, p. 27), o poder do catolicismo na sociedade imperial era grande, e já
eram muitas as paróquias existem na Arquidiocese de São Paulo: “Nossa Senhora de
Assumpção da Sé, Nossa Senhora da Conceição de Santa Ephigenia, Nossa Senhora da
Consolação de São João Baptista, Senhor Bom Jesus de Matosinhos do Braz, Nossa Senhora
da Conceição dos Guarulhos, Nossa Senhora da Expectação do Ó, Nossa Senhora da Penha de
França, Nossa Senhora da Conceição de São Bernardo, e Nossa Senhora do Desterro de
Juquery”.
Terceira fase – 1920-1964:o tema que entra em evidência nesse período é a “teologia
da restauração católica”. No Rio de Janeiro está em evidência o Cardeal D. Sebastião Leme.
Como visto anteriormente nesse trabalho, o dito cardeal Leme teve forte incentivo do Papa
Pio XII para implantação da “Ação Católica” no Brasil. Ponto marco ainda desse período da
história foi a ditadura militar de Getúlio Vargas de 1937-1945. Esse é um tempo em que a
ICAR já está mais “acomodada”. Foram arcebispos desta fase: Dom José Gaspar D'Afonseca
e Silva (17/09/1939 – 27/08/1943), Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota (30/8/1944 –
25/4/1964).
O período populista e desenvolvimentista gerara a Democracia Cristã
e uma teologia da neocristandade, seguida da teologia da recristianização da
sociedade pela força do laicato organizado. Ao período das revoluções na
década de 20, seguem-se as lutas por reformas sociais dos anos 30 e 40 até
chegarmos ao golpe militar perpetrado em 1964. O fenômeno da urbanização
marca a cidade de São Paulo que busca atender e responder de maneira tímida
aos imensos desafios do urbano e da cultura emergentes. Em 1940 a cidade
possui 1.330.000 habitantes e segundo o censo, o Estado de São Paulo detinha
43 % da produção industrial e 35 % dos operários de todo país (Site Oficial da
Arquidiocese de São Paulo: Disponível in:
http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/historia/da-arquidiocese. Acesso
em 28/3/2017.
Quarta fase – 1964-1998: período marcado pela “TL, CEBs e o tão estigmatizado
tema opção preferencial pelos pobres”. Na Igreja de São Paulo evidencia-se Dom Paulo
Evaristo Arns, e o momento ainda vai se constituir pela valorização dos movimentos sociais
que buscam suporte para resistência e superação frente à ditadura militar. Deste período temos
como pastores: Dom Agnelo Rossi (1/11/1964 – 22/10/1970) e Dom Frei Paulo Evaristo
Arns, ofm (01/11/1970 – 14/04/1998).
Quinta fase – 1998-2017:período marcado pelas fortes mudanças no mundo já pós
moderno. São Paulo conquistou seu posto de grande metrópole, a porta para o mundo e a
ICAR tem nela uma grande representação como arquidiocese, liderada por dois grandes
expoentes em tempos diferentes: Dom Claudio Hummes (1998/2006) e Dom Odilon Scherer
(2007/ até data atual).
Por muito tempo a ICAR no Brasil esteve atrelada ao poder de Portugal. Mais
especificamente nos de 1822, D. Pedro I, regente no Brasil, mostrava-se “pouco afeiçoada à
religião” (Câmara, 1975, p. 302). Leão XII, com a bula Praeclare Portugalliae, quis estender
ao Brasil direitos que antes eram dados aos reis de Portugal. A bula “não foi aceita pela
Câmara e pelo Senado”. Em 1831, D. Pedro I “abdica em favor de seu filho D. Pedro II, de 5
anos de idade”, tendo como um de seus “regentes o Pe. Diogo Antônio Feijó, político
enérgico, porém ultrajensenista101 e perseguidor da Igreja”. Nesse período foi indico para ser
bispo Moura, um senador do Rio. A Santa Sé (ICAR), não aprovou tal indicação e isso,
depois de muitas lutas, quase gera um cisma. A Santa Sé, de certa forma exigiu que Moura
fizesse uma declaração de fé, e isso acirrou ainda mais o governo de Portugal que ameaçou
separar a ICAR e o Brasil.
101Segundo Câmara (1975, p. 282), Cornélio Jansênio (professor em Loivaina e depois Bispo de Ypres) e João
Verfério de Hauranne (abade de São Cyran), que se colocaram a combater os jesuítas.
Terminado o período do Império, o Brasil passa para o regime de republicano. A
ICAR que tinha “privilégio de religião oficial do Estado”, veio a perder sua “autoridade
moral” e sua assistência material. Mas por outro lado, “reconquista a liberdade”, pois fica
livre o dito padroado (opressão regalista). De acordo com Câmara (1957, p. 306), a ICAR
agora tem liberdade para exercer legitimamente suas faculdades na escolha de bispos e eles se
tornam livres para administrar a vida da ICAR em todos os campos, seminários e paróquias.
Enquanto isso, temos acontecimentos outros no Brasil que aos poucos vem preparando
um amplo campo de ação da ICAR com possibilidades de acolher a liberdade reconquistada.
Nas suas origens a Diocese de São Paulo era bem maior que nos dias atuais, pois fazia um
composto com outros Estados como, “Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com uma
“porção meridional do Estado de Minas Gerais”. Aos poucos asses Estados foram sendo
desmembrados e sucessivamente ela foi reduzindo. Foram praticamente dois séculos
necessários para que se chegasse onde se chegou. Mudanças territoriais essas que vão
paulatinamente acontecendo desde 1749 até 1968. Ela, a partir desse momento se torna a sede
de uma nova Província Eclesiástica, que abrangia cinco novas dioceses: Campinas, São
Carlos, Ribeirão Preto, Botucatu e Taubaté. Com o passar do tempo esse território foi ainda
mais reduzido e a última divisão aconteceu em 1989, quando foram criadas as Dioceses de
Osasco, Campo Limpo, Santo Amaro e São Miguel Paulista102.
Hoje a Arquidiocese de São Paulo está estruturada em seis Regiões Episcopais, com
seus respectivos bispos que ajudam a pastorear o rebanho, povo de Deus. São elas: Belém
(Bispo Auxiliar Dom Luiz Carlos Dias), Brasilândia (Bispo Dom Devair Araujo da Fonseca),
Ipiranga (Bispo Auxiliar Dom José Roberto Fortes Palau), Lapa (Vigário Episcopal Padre
Jorge “Rocha” Pierozan), Santana (Bispo Auxiliar Dom Sergio de Deus Borges) e Sé (Bispo
Auxiliar Dom Eduardo Vieira dos Santos). Segundo Souza (2007, p. 33), foi a partir de 1967
que as regiões episcopais começaram a ser organizadas na Arquidiocese de São Paulo. Era
uma divisão feita em “5 zonas: Centro (Sé), Norte, Sul, Leste e Oeste. Esta última
compreendia também Osasco, Carapicuíba e o Sul compreendia ainda Taboão da Serra”. Mais
tarde acrescentou uma região considerada mais rural, Osasco.
Os vicariatos assim ficaram distribuídos: Centro, padre José Mattos,
com sede na Matriz do Imaculado Coração de Maria (provisória), Norte, D.
102 Informações encontradas em site. Disponível in:
https://www.enciclopedicohistcultiglesiaal.org/diccionario/index.php/S%C3%83O_PAULO%3B_(S%C3%A3o_
Paulo)_%E2%80%93_Arquidiocese. Acesso em: 28/3/2017.
Paulo Evaristo Arns, com Matriz Episcopal em Santana e residência junto à
Igreja de Santa Cruz em edifício de apartamentos das Irmãs de São José, Sul,
padre Ângelo Gianola (PIME) e Matriz Episcopal provisória em Sagrado
Coração de Jesus no Brooklyn Paulista, Leste, D. Bruno Maldaner, com
Matriz Episcopal em São José do Belém e residência construída em frente à
Matriz Episcopal, Oeste, D. Jose Thurler, com Matriz Episcopal na Lapa e
residência na mesma paróquia (SOUZA – 2007, p. 33).
A Diocese de Santo Amaro nasce em um contexto sócio-político bastante crítico, em
que os movimentos sociais faziam frente nas dioceses e em especial na Arquidiocese de São
Paulo. É visível a forte influência que o Cardeal Evaristo Arns, como um líder religioso
envolvido com o lado social, iria imprimir como seu caráter. Isso não deixou de influenciar a
região santamarense, o que seria o futuro território onde se instalaria a nova Diocese. As
CEB’s eram bastante representativas e o campo de ação da Igreja católica, envolvida com o
social, fazia parte da realidade da qual o novo bispo diocesano deveria fazer sua atuação.
3.1.3 - Os desafios de um começo
Com a conquista da proclamação da República (1890), vai acontecer a separação entre
Igreja e Estado. De certa forma, o sistema de República ajuda na extinção do padroado, dando
reconhecimento ao “caráter leigo do Estado”. Todo esse movimento corrobora ainda na
garantia da “liberdade religiosa”. Sem a tutela do Estado, abre-se possibilidades para o
“pluralismo religioso”. A ICAR se vê diante de alguns impasses, em relação ao novo campo
religioso. Agora ela pode se expandir livremente. O aumento de sacerdotes fica em evidência,
as pastorais ficam mais “enérgicas, congressos católicos e eucarísticos, solenidades religiosas,
Concílio Pan-Americano (1899), pastorais coletivas, Congressos de vocações, de ação
católica, operárias e jornalistas”, e outras atividades vão fomentando o crescimento da ICAR,
no “Brasil e na América”.
De acordo com Câmara (1957, p. 304), nesse período começaram a vir para o Brasil as
Ordens Religiosas. Em contra partida, havia uma escassez de padres seculares. Além da
escassez, eram ainda pouco preparados. Em pesquisa ao livro Erguendo Altares (2014, p. 30),
destaca-se que nos “anos 1960, Dom Agnelo Rossi havia completado a fundação de 142
paróquias na cidade de São Paulo”. Nesse tempo também o mencionado bispo já havia
“preparado a divisão da capital paulista em regiões episcopais”. Isso vinha com a intenção de
“facilitar a administração e a ação pastoral”. Na prática quem vai implementar esse modelo
episcopal é Dom Paulo Evaristo Arns. Dom Paulo chegou a ter 10 bispos auxiliares e dentre
eles pode-se dizer de dois que o ajudaram no pastoreio na região de Santo Amaro: “Dom
Mauro Morelli (até 1981 – quando assume Duque de Caxias – Rio) e Dom Antônio Gaspar
(que retorna para a região da Sé em 1989 e posteriormente bispo de Barretos - 2001)”.
Em São Paulo, com o “apoio de Dom Paulo”, as CEBs vão ganhando campo nas
periferias. Nasce o projeto “Operação Periferia103” (1972). Foi feita a “venda do Palácio
Episcopal Pio XII, e seu montante foi revertido para colaborar na construção de comunidades,
especialmente nas regiões de Santo Amaro e São Miguel”. Em Erguendo Altares (2014, p.
31), temos que “em 1979 são Paulo tinha mais CEB’s do que paróquias”. Ao todo se contava
“506 centros comunitários para 377 paróquias”. Como administrá-las? Seguiu-se então as
orientações de Paulo VI, “descentralizá-las sem perder a unidade”. Buscou-se o modelo das
dioceses em Paris – “independentes”, Getúlio em Erguendo Altares (2014, p. 31).
Para que a Região de Santo Amaro pudesse ser melhor atendida religiosamente, cria-
se a segunda paróquia do distrito, a Paróquia do Sagrado Coração de Jesus em 28 de junho de
1935 (Erguendo altares - 2014, p. 30). A zona sul passou a ser percebida como uma “terra de
missão”, e para responder a esse trabalho missionário buscou apoio nos religiosos. Em 1948,
veio para a região os padres do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (PIME). Um
instituto de sede em Milão da Itália e que ocupa a religião do Brooklin Paulista, assumindo a
paróquia referida acima, Sagrado Coração de Jesus. Em 1945 os Oblatos de Maria Imaculada
chegaram em São Paulo vindos dos Estados Unidos e em 1950 assumem também trabalhos na
zona sul paulista. Destacam já nessa época as Paróquias Santa Gertrudes e Nossa Senhora da
Esperança. Em 1970 vão fazer parte de processo de formação da futura Diocese de Santo
Amaro os missionários de São Carlos Borromeu. Atuam em torno da Paróquia Nossa Senhora
dos Migrantes.
A proposta de separação das dioceses apresentada em 1974 continha as seguintes
preposições: que “o seminário, a faculdade (Assunção na época), a biblioteca e o arquivo
seriam elementos comuns”. Separadamente cada diocese teria sua “catedral, residência
episcopal e cúria, clero e presbíteros, conselhos de presbíteros e de consultores”. Essa
proposta ficou sem uma tomada de decisão por 15 anos. Só em “1989 (Itaici), é que os bispos
103Plano anunciado na Rádio 9 de julho em 12/2/1972.
ficaram sabendo, pela Rádio Vaticano da divisão da Arquidiocese de São Paulo”. Não foram
criados organismos, mas fez-se uma divisão territorial. O fato acontecido teve na época
grande repercussão interna no país e também repercussão externa. Cogitava- se que essa
medida tomada seria como que tirar poderes de Dom Paulo, uma vez que ele se via bastante
envolvido nas questões da TL. Foram quatro as Dioceses criadas: Campo Limpo, Osasco,
Santo Amaro e São Miguel Paulista. Consta em Erguendo Altares (2014, p. 31), que o Palácio
dos Bandeirantes (Sede do governo Estadual) ficou com Campo Limpo. O Santuário da Penha
(Padroeira da Arquidiocese) ficou com São Miguel Paulista. Foram criadas dioceses sem
ainda terem seminários. A maneira como foram feitas as coisas deixaram dúvidas no ar. Mas
“Roma locuta est, Causa finita est”. Em Erguendo Altares (2014, p. 31), Dom Fernando
Figueiredo – 1º bispo de Santo Amaro - diz que “o desmembramento ocorreu para uma
prática pastoral, religiosa e social mais efetiva”.
Assim ficou a divisão Santo Amaro (Dom Fernando Figueiredo – 1989/2015), Campo
Limpo (Emilio Pignoli - 1989/2008), Osasco (Dom Francisco Manoel Vieira – 1989/2013) e
São Miguel Paulista (Dom Fernando Legal SDB – 1989/2008). Uma questão bastante
pertinente a ser mencionada, é que quando esses bispos chegam em suas respectivas dioceses,
encontram o sério desafio de um “rótulo de conservadores”. Questões essas que serão
retomadas mais à frente quando for tratado da posse de Dom Fernando Figueiredo na Diocese
de Santo Amaro e seus enfrentamentos com clero que herdou e quadro de religiosos.
Até 1989 nossa Região Pastoral assim chamada estava ligada a
Arquidiocese de São Paulo. O bispo era então bispo auxiliar de São Paulo.
Toda a Grande São Paulo era orientada pela Arquidiocese. Nossa região
geográfica abrangia desde o Brooklin até Colônia, extremo Sul de SP. A
preocupação da Igreja de então não era só a Evangelização mas junto com o
Evangelho procurava se abrir para os problemas sociais que atingiam a
população da periferia da grande São Paulo (Irmã Iradi Lumbieri104, em
entrevista (08/5/2-17).
A zona sul, não conseguiu mais voltar a ser autônoma administrativamente, mas
também não deixa de crescer enquanto bairro. Sendo assim, a Diocese de Santo Amaro nasce
em um contexto da ICAR pós Vaticano II, no quadro retratado anteriormente nesse trabalho.
104Irmã Iradi Lumbieri é membro do Instituto das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, fundado por Madre
Cabrini em 1880, está presente em 4 continentes (América, Europa, África e Oceania) e em 15 países do mundo,
dentre eles, o Brasil. No Brasil desde 1903, o Instituto organizou suas atividades educacionais, sociais e culturais
na pessoa jurídica da Associação Madre Cabrini das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, que atua nos
estados de: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Piauí, Maranhão e Goiás. Disponível in:
http://www.madrecabrini.org.br/index.asp?pag=3. Acesso em 11/5/2017.
Uma igreja que vem aos poucos tentando redefinir seu rosto frente aos apelos do século XXI.
Foram mudanças que o campo religioso da época demandava.
Nesse contexto surgiram grupos de mobilização defendendo uma
atualização expressiva de diversas áreas da Igreja. [...] a volta aos estudos
exegéticos da Bíblia, mas empregando conhecimentos de ciências auxiliares,
como linguística e arqueologia; e aproximação com outras igrejas cristãs como
também com as outras regiões. Além disso, esses grupos desejavam a
integração dos fies leigos como membros ativos e não apenas como
executores das decisões da hierarquia eclesiástica. Nesse sentido, o método de
trabalho, conhecido como, ver-julgar-agir105, teria contribuído sobremaneira
para um comprometimento do laicato no ambiente social (RODRIGUES –
2008, p. 20).
Nesse paralelo de mudanças começaram também a despontar os movimentos de base,
as CEBs em todo o Brasil. Os leigos começam a ganhar espaço dentro da liturgia, podendo
fazer a partilha da palavra nos grupos de reflexão. Outra manifestação de um rosto da ICAR
foi a TL, como já discutido aqui. O modelo de igreja que se vivia na nova Diocese de Santo
Amaro nesse período era o desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, que dava apoio aos
dois mais expressivos movimentos da época, CEBs e TL em especial.
De acordo com Corten (1996, p. 219), os conflitos religiosos só aprecem quando uma
hegemonia religiosa é abalada. Por isso seria abusivo, segundo Pieruci dizer que o Brasil seria
“terra de tolerância religiosa”. Essa paz acontece em procedência do monopólio absoluto de
uma denominação específica. No Brasil o caso seria a ICAR. Quando Dom Fernando Antônio
Figueiredo106 assumiu a recém criada Diocese de Santo Amaro, encontrou resistências por
parte dos que na diocese faziam seus trabalhos. Em Erguendo Altares (2014, p. 31), Dom
Fernando Figueiredo diz que as resistências foram “muito dolorosas no começo, mas soube
conduzi-las com sabedoria”.
As resistências eram naturais dentro da realidade que se tinha naquela
época, com a adoção do modelo que foi implementado na Arquidiocese de São
Paulo, com as Comunidades Eclesiais de Base, afirma Antoninho Tatto,
missionário do Meac e à época responsável pela área administrativa da
105O método ver-julgar-agir foi criado pelo padre belga Leon Joseph Cardjin, expoente da JOC. Esse método se
apresenta em três etapas, segundo Rodrigues (2008, p. 20): primeiro é feita uma análise da realidade (ver);
segundo, refletir esses dados à luz da fé cristã (julgar) e por último estabelecer ações visando a transformação do
meio ambiente (agir). Segundo Boran apud Rodrigues (2008, p. 20), a nova proposta iria revolucionar a
pedagogia dentro da igreja tradicional, de modo especial na América Latina”. 106“Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM, bispo emérito de S. Amaro, nasceu na cidade de Muzambinho,
MG, no dia 1 de dezembro de l939. Depois de longa trajetória, em l984 foi escolhido como bispo auxiliar de
Teófilo Otoni, onde um ano mais tarde foi eleito como bispo coadjutor de D. Quirino Schmidt, o qual o sucedeu
em l986 como bispo diocesano. Em l989 foi nomeado pelo Papa João Paulo II como primeiro bispo diocesano da
recém criada diocese de S. Amaro na grande cidade de S. Paulo”. Disponível in:
http://diocesedesantoamaro.org.br/dom-fernando-antonio-figueiredo-ofm/, Acesso em: 30/3/2017.
Arquidiocese de São Paulo. A realidade de padre era tão dura, tão difícil, que
os leigos se agarravam com unhas e dentes às comunidades. Os leigos
achavam que o padre vinha tirar poder deles (Erguendo Altares – 2014, p. 31).
Na região havia a presença de religiosas e religiosos assumindo as
áreas da periferia de Santo Amaro. Ali assumiam os trabalhos sociais e o
movimentos sociais afim de serem levados aos poderes públicos municipais e
estaduais. O religiosos assumiam as paróquias mais pobres com suas
comunidades. Acima de tudo as reuniões do clero não eram fechadas havia a
participação das religiosas e dos leigos comprometidos com as mudanças na
Igreja na sociedade. As decisões pastorais e prioridades eram tomadas com a
participação de todos em assembleias e reuniões. [...] Acabaram-se as
assembleias para se discutir as prioridades da Diocese e tomar posição assim
como a presença de religiosas e leigos agentes de pastoral (Irmã Iradi
Lumbieri, em entrevista (8/5/2-17).
No dia 13 de março de 1989, o Papa João Paulo II (hoje Santo João Paulo II), criava a
Diocese de Santo Amaro e no dia 27 de maio de 1989 foi criada a Catedral de Santo Amaro,
situada no assim conhecido “Largo Treze” (Erguendo Altares – 2014, p. 8). Período como já
visto, em que a sociedade passava por grandes transformações.
Os dados que serão apresentados, seguem as informações do livro (Erguendo Altares –
2014, pp. 45 e 177).
DIOCESE DE SANTO AMARO EM NÚMEROS 1989 2014
População Residente 2,5 milhões 3 milhões
População Católica 2.110 milhões 2.580 milhões
Paróquias Diocesanas 21 100
Paróquias religiosas 13 10
Sacerdotes Diocesanos 24 167
Sacerdotes no Exterior 2 18
Sacerdotes Religiosos 18 36
Religiosas Professas de Direito Pontifício 214 159
Religiosas Professas de Direito Diocesano - 98
Seminaristas Diocesanos 5 55
Batismo por ano 6.715 10.005
Confirmações por ano 2.132 9.779
1ª Eucaristia por ano 4.963 9.703
Matrimônios 2.224 1.655
Comunidades - 123 Fonte: Erguendo altares – (2014, pp. 45 e 177)
Dois números nesse tabela merecem atenção, um ao que se refere ao número de
Religiosas Professas de Direito Pontifício, e o outro ao que se refere ao número de
matrimônios. Os dois itens tiveram diminuição considerável de 1989 para 2014.
Hoje a Diocese de Santo Amaro está dividida em 11 setores pastorais, segundo Dom
Fernando apud Erguendo Altares (2014, p. 16), “objetivando organizar e dinamizar as
diversas pastorais”. Junto a esses setores foram criadas ainda as “11 foranias”, onde fomenta-
se a unidade entre os presbíteros desses setores. Em entrevista feita com Dom Fernando, para
composição do material celebrativo do ano Jubilar, Erguendo Altares (2014, p. 14), foi-lhe
perguntado quais teriam sido os desafios enfrentados quando chegou na diocese de Santo
Amaro: ele respondia que “o grande desafio era tornar a Igreja presente em cada porção da
Diocese”. Ele entendia que pelo motivo da Diocese ser tão grande, “os espaços vazios eram
enormes”. Eram apenas 34 paróquias e 40 padres. Não foi sem motivos que de 34 paróquias
conseguiu aumentar para 110, seguindo um média de mais de 200 padres.
Segundo dados estatísticos do Ceris (Centro de Estatísticas e Investigações Sociais)
entre 1994 e 2010, apud Erguendo altares (2014, p. 31), no Estado de São Paulo as paróquias
passaram de 1.651 para 2.431 – dessas, uma em cada dez paróquias foi criada em Santo
Amaro. Isso dá o mérito à Santo Amaro de receber o título da “diocese que mais cresce no
mundo”. Segundo tudo indica, o crescimento da Diocese e a grande procura de jovens para
compor seu quadro de seminaristas se deu em grande parte pelo expoente midiático Marcelo
Rossi, como veremos no item a seguir.
3.1.4 – Padre Marcelo Rossi, um modelo que atrai
Para Luiz Tomazini, em Erguendo Altares (2014, p. 72), “a Diocese de Santo Amaro
“nasceu pobre materialmente. Por ocasião da separação da Arquidiocese de São Paulo nada
lhe restou ou lhe foi concedido para iniciar uma caminhada além das igrejas, casas paroquiais
e alguns terrenos para futuros centros comunitários”. Sendo assim, o maior patrimônio seria o
povo de Deus, além de seus padres e religiosos (as). Só depois de cinco anos de caminhada na
diocese é que Dom Fernando conseguiu construir sua residência oficial juntamente com a
cúria diocesana. Antes disso habitava com outros padres. Os arquivos dão referência ao início
dos anos 1990 para início do primeiro projeto de construção do seminário diocesano. Em
1991 aconteceu a primeira ordenação presbiteral da diocese. Sua inauguração se deu no ano
de 1992.Nessa ocasião esteve presente o Núncio Apostólico, Dom Carlo Furno. Nesse
período também foi encerrada a construção da casa episcopal e no ano seguinte a inauguração
da Cúria Diocesana e do Centro Pastoral. Vê-se que era urgente a construção da casa de
formação, pois em um ano, a diocese já havia saltado de 4 seminaristas para 17 e no ano
seguinte esse número subiu para 28, segundo Erguendo Altares (2014, p. 74). Até então os
seminaristas tinham residência provisória no Convento da Santíssima Trindade, com aulas na
faculdade Nossa Senhora da Assunção, seminário Pio XI, situado na Arquidiocese.
De 1994 a 1999 a Diocese de Santo Amaro passou por grandes transformações. Aqui
entra em evidência um forte expoente responsável, em parte, pelo crescimento da Diocese.
Ele é o Pe. Marcelo Rossi. A partir da explosão “fenômeno Marcelo Rossi” é que, a Diocese
vai crescer consideravelmente. O crescimento é não só de vocações, mas de uma ICAR dita
“renovada, aberta ao pentecostalismo proposto pela RCC e em consequência, midiática. Isso
tudo traz grande avanço para a Diocese de Santo Amaro que passa a ser um “polo
carismático”.
De acordo com Edison Veiga (2015, p. 16), aquele adolescente que no ano de 1980
nem mesmo teve interesse em ir ver o Papa João Paulo II107, perto de sua casa no Campo de
Marte, veio a se tornar um dos mais conhencidos expoentes religiosos da ICAR no mundo
todo. Logo depois de ser ordenado padre, Marcelo Rossi começou a ficar famoso com suas
“missas de libertação e cura”. Um ídolo religioso comprovadamente nacional, Marcelo Rossi
nasceu no ano de 1967, filho da Diocese de Santo Amaro. Foi ordenado padre no ano de
1994, pelas mãos de Dom Fernando. Para Veiga (2015, p. 17), em entrevista para seu livro,
Marcelo Rossi disse que “sua maior preocupação sempre foi a de se livrar do bullying de que
se tornava alvo. O maiorzão da turma – sua altura até hoje chama a atenção: 1,94 metro”.
Marcelo Rossi entrou no seminário da Diocese de Santo Amaro no ano de 1991 e foi
ordenando padre em 1° de dezembro de 1994. Tinha na época 27 anos de idade. Teve a
intuição de aliar música aos seus trabalhos espirituais. O que acabou sendo um “processo
quase natural”. Suas iniciativas foram percebidas como algo que atraia os fiéis, pois percebia
107Primeira visita – 1980: João Paulo II beatificou o jesuíta José de Anchieta, que chegou ao Brasil, em 1553,
para catequizar os habitantes do país. O Papa participou do X Congresso Eucarístico Nacional, realizado entre 30
de junho a 12 de julho 1980, em Fortaleza, no Ceará. Ele foi recebido pelo general João Batista Figueiredo,
último presidente brasileiro no período da ditadura militar. Segunda visita – 1991: O Papa João Paulo II foi
recebido pelo presidente Fernando Collor de Mello. Em Salvador, capital baiana, ele visitou irmã Dulce, que
estava com a saúde debilitada. A religiosa ficou conhecida por se dedicar às crianças carentes da Bahia. Terceira
visita – 1997; O Papa foi recebido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e participou do II Encontro
Mundial do Papa com as Famílias, realizado na cidade do Rio de Janeiro. Ele ficou por quatro dias na cidade.
Em seus discursos, João Paulo II condenou o divórcio, o aborto e os métodos contraceptivos. Ele abençoou o Rio
Janeiro aos pés do Cristo Redentor. Disponível in: http://g1.globo.com/Noticias/PapanoBrasil/0,,MUL18989-
8524,00-PAPA+JOAO+PAULO+II+VISITOU+TRES+VEZES+O+BRASIL.html. Acesso em: 11/4/2017.
que na creche em que trabalhava como seminarista, os pais das crianças “buscavam consolo
espiritual na igrejas evangélicas mais próximas”.
Nessa época, a RCC já tinha mais de vinte anos, mas ainda não era
bem-vista pela maior parte da Igreja no Brasil. Se o respeitado teólogo dom
Fernando era alinhado com o movimento que tanto agradava ao postulante à
batina Marcelo Rossi, este via no bispo mais que um aliado, um conselheiro.
[...]Eis a premissa que o transformaria em um sacerdote diferenciado.
Aumentar a oferta de conforto espiritual e aliá-la à música foi um processo
que natural. Embora ainda não soubesse, quando saiu da casa dos pais ela já
começara sua carreira de padre cantor (VEIGA – 2015, pp. 28-29).
Tudo vem impulsionado ainda por conta de uma bandinha que o futuro famoso padre
tinha, “chamada de QC (Quebra Galho)”. Já sacerdote, seus trabalhos tiveram impulso na
Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santa Rosa Lia, geminada à Cúria Diocesana
da Santo Amaro e Casa Episcopal, Vila Mascote, bairro nobre do distrito de Jabaquara, Zona
Sul. “Roupas modernas, orações tradicionais com ritmos dançantes, pouco silêncio e muitas
palmas, “o padre que nas aulas de teologia passava a maior parte do tempo com fone de
ouvido”, agora tem suas celebrações lotadas. Segundo Veiga (2015, p. 30), as celebrações
com assembleias lotadas, começam a viver um cenário de “curas milagrosas” misturado com
“músicas animadas e contagiantes”. Devoções populares foram resgatadas como água benta e
outros. “Famosa a benção com um balde e uma brocha de pintura”.
Assim tudo começou e não demorou para que o espaço ficasse pequeno para os que
vinham participar de suas missas. Em 1995 o fenômeno começou a chamar a atenção de
alguns veículos de impressa. Com o espaço pequeno devido ao grande número de pessoas que
ali vinham, logo tiveram que procurar um lugar maior. A paróquia começou a não comportar
tanta gente, pois eram 10 mil pessoas por semana. No dia “12 de fevereiro de 1998” suas
missas começaram a ser feitas no Gonzagão, localizado na Avenida Atlântica, com
capacidade para receber até 20 mil pessoas”. Em seguida teve que se transferir para o que
seria chamado de “Santuário do Terço Bizantino, em uma antiga fábrica de vidros na Avenida
Engenheiro Eusébio Stevaux”. Pe. Marcelo Rossi conseguia (consegue) atrair multidões e
com isso, seus locais de missas acabavam, de certa forma, trazendo alguns transtornos aos
moradores da região e esses se manifestavam. Não foram poucas as perseguições. Assim
como aconteceu na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, logo no início, “as queixas
da vizinhança e a necessidade de maior estrutura levaram à procura de outro imóvel”. Nessa
época 14 vizinhos descontentes recorreram à justiça, pediam que o barulho fosse diminuído.
Era o padre pop.
Em 2004, amado por muitos e rejeito por outros, a Diocese “conseguiu comprar por
R$ 6 milhões o atual” local onde está construído o definitivo Santuário Theotókos108 (Mãe de
Deus – Avenida Interlagos). Esse santuário tem a “capacidade de receber 100 mil pessoas por
cerimônia”. Para a compra e edificação desse santuário, “uma parte do dinheiro foi doado
pelo empresário Antônio Ermínio e o projeto do templo foi gentilmente cedido pelo arquiteto
Ruy Ohtake” (Erguendo Altares – 2014, p. 197 e Veiga, - 2015, p. 54).
De acordo com Valle (2004, p. 103), “o católico médio, hoje em dia, dificilmente
saberá o nome do Presidente da CNBB, mas todos sabem quem é o Pe. Marcelo Rossi”. Os
padres da Diocese, indo para outros lugares, a melhor forma de identificação de qual sua
diocese é só dizer que fazem parte da Diocese do Pe. Marcelo Rossi. É o melhor referencial.
Nem mesmo o bispo tem tanto ibope109. Pe. Marcelo Rossi, com aval e confiança do Bispo
Diocesano, Fernando Figueiredo, trouxe algo novo para a ICAR, e conforme Carranza (2000,
p. 120), acrescenta um “elemento a mais: os carismáticos têm a certeza, na qual ancoram sua
prática, de que estão recuperando do catolicismo uma face esquecida ou até afastada da
Igreja”. O mesmo Pe. Marcelo Rossi disse em uma entrevista à Folha de S. Paulo em
4/1/1997, conforme registrado em Carranza (2000), de que a Igreja havia se voltado em
demasia para o lado social e que era preciso agora ressaltar o espiritual”110. De acordo com
Bittencourt (1991, p.31-34), é comum aos pentecostais pregarem sobre “curas e milagres” como
uma forma de se “apropriam do imaginário mágico-utilitarista”. Isso é bem típico na cultura brasileira.
108Para Veiga (2015, p. 54), o atual santuário é para durar setecentos anos. É um lote que tem 30 mil metros
quadrados, adquirido graças à venda de CDs do padre com a ajuda ainda do patrocínio do empresário Antônio
Ermínio de Moraes. Tem uma cruz de 44 metros de altura e longe da estética tradicional, o pé-direito varia de
seis a 25 metros com um altar de cinco metros de extensão, com uma cripta sob o altar, onde serão guardados os
restos mortais de padres e bispos da Diocese de Santo Amaro. Com mudanças no projeto, tudo passou a custar
dez vezes mais do que o projeto inicial. Assim sendo, com uma fala de desafio do Bispo Dom Fernando de que a
obra só seria efetuada se “fosse uma obra divina”, os trabalhos do padre foram intensificados e serviu-se do livro
Ágape com uma venda de 8,2 milhões de exemplares juntamente com o CD Ágape com 1,9 milhões de
exemplares, seguido do infantil Agapinho, 600 mil; o DVD Ágape amor divino, 302 mil e o CD de mesmo nome
283 mil. 109No lançamento do seu DVD e VHS em uma das unidades Carrefour em Guarulhos, o padre passou por grande
apuro de assédio de fãs. Foram 2,5 mil pessoas e conter essa gente não foi fácil. Até mesmo o padre admirou
dizendo que não esperava que fossem assim. Mais que saber do lançamento do filme, a multidão queria ticar o
padre e receber bênçãos, segundo Veiga (2015, p. 85). 110Padre Marcelo Rossi incentiva a prática das novenas, da reza do terço e a realização das procissões, retomando
símbolos do catolicismo tradicional, ao mesmo tempo em que se diz moderno, implementando mudanças na
liturgia e ocupando espaço constante na mídia comercial. Para os progressistas, sua fala, que se baseia na RCC,
prega uma nova romanização na Igreja Católica no Brasil, levando a uma ortodoxia cada vez mais espiritualizada
deixando de lado a questão política e social. As críticas mais ferozes vieram de teólogos como Frei Betto, Dom
Mauro Morelli, Dom Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff e padre José Comblin. Frei Betto, por exemplo, até
considera positivo o reavivamento espiritual, o consolo aos aflitos, a cura dos enfermos e o reencontro da fé.
Mas, critica o que chama de “fórmula do sucesso”, os momentos de louvor em que há muita emoção, pouca
razão e o privilégio do espiritual em detrimento do social. (SOUZA LEÃO – 2008). Disponível in:
http://www.biuvicente.com/site/?p=471. Acesso em: 2/4/2017.
Assim se explica o porquê de tanto êxito no crescimento dos pentecostais, pois respondem a uma
forma de oferta religiosa que vem da própria demanda social dos crentes.
Segundo Pe. Jonas, “a Igreja precisa de milagres, os bispos precisam
ver milagres e saber que foram milagres nascidos na oração. Porque tudo pode
ser mudado pela oração! Nossos padres precisam ver os milagres, ver e
admitir que Deus está fazendo maravilhas (CARRANZA – 2000, p. 121).
O fenômeno Marcelo Rossi veio despertar vocações em grande número para a ICAR.
De vários outros Estados muitos rapazes procuraram pela diocese de Santo Amaro, pedindo
que fossem acolhidos no seminário. Além desse despertar vocacional na juventude o padre
famoso também pode ajudar nas obras da diocese com vendas de CDs, livros e gravação até
mesmo de filmes. Foi o caso do CD “a Aeróbica do Senhor, - Músicas para Louvas o Senhor
que teve toda sua venda revertida para a ação social da diocese”. Esse CD acima citado fez
com que, em 2002, o Padre Marcelo recebesse o Grammy Latino de música cristã. Foi o
álbum até então mais vendido na história da música brasileira, com 3,33 milhões de cópias”.
Depois disso teve um outro CD com muita venda, o “Já deu tudo certo”. Entre os anos 1994 e
1999 cresceu a marca midiática da Diocese de Santo Amaro. Em 1999 o evento “Saudade sim
tristeza não”, reuniu 600 mil pessoas. No ano seguinte, conta Marcelo Rossi em entrevista em
Erguendo Altares (2014, p. 124), o evento “teve que ser feito no Autódromo de Interlagos e
atraiu 2,4 milhões de pessoas. Em abril de 2008, o evento “Paz Sim, violência, Não” levou 3
milhões ao mesmo autódromo paulista”. Ainda no Erguendo altares (2014, p. 124), temos que
em 2010 a ICAR dá uma gratificação em reconhecimento aos trabalhos de Pe. Marcelo. Ele
foi reconhece como comunicador e “o Papa Bento XVI lhe dá o prêmio Van Thuân111 –
Solidariedade e desenvolvimento”. Segundo Pe. Marcelo Rossi, em entrevista para Veiga
(2015, p. 148), esse prêmio, “com todo carinho, isso foi um ‘cala-boca’ aos que me
boicotaram quando o papa veio ao nosso pais – desabafou112”.
3.2 – O rosto carismático da Diocese de Santo Amaro
111De acordo com Veiga (2015, p. 148), esse prêmio é concedido em memória ao bispo e cardeal vietnamita
Nguyên Vân Thuân, morto em 2002. Na década de 1970, preso pelo regime comunista do Vietnã do Norte, ele
conseguiu se comunicar com seus seguidores por meio de bilhetes que entregava disfarçadamente a um menino
de sete anos que passava todos os dias perto de sua cela durante as madrugadas. O reconhecimento do Vaticano,
portanto, serve para encorajar e confirmar aqueles que se dedicam a projetos de evangelização. 112Na madrugada do dia 11 de maio de 2007, o Padre Marcelo Rossi foi impedido de entrar no Campo de Marte,
local onde acontecia o evento com a presença do Papa Bento XVI. Segundo consta, duas semanas antes do
evento, no dia 23 de abril, o comunicado do administrador apostólico da Arquidiocese de São Paulo, dom
Manuel Parrado Carral, dizia que, por decisão do núncio, dom Lorenzo Baldisseri, e do arcebispo de São Paulo,
dom Odilo Pedro Scherer, o padre Marcelo não cantaria no evento (VEIGA – 2015, pp. 12-13).
Outros padres tentam seguir o estilo Marcelo Rossi e alguns se despontam aqui e ali,
formando uma linha de padres cantores. O modelo diocesano acabou meio que seguindo o
estilo carismático, criando também nos fieis da diocese um estilo de missas Pe. Marcelo
Rossi. O padre que não segue o modelo Marcelo Rossi é visto, aos olhos de alguns fiéis, como
“padre não ungido”. Juntado a outros movimentos, a diocese de Santo Amaro não priorizou
uma linha pastoral e sua evangelização ficou à mercê de missas de cura e libertação,
momentos de louves e adoração, afastando-se assim de fazer uma pastoral mais “pé no chão”.
3.2.1 – A formação do clero
Marcelo Rossi acabou sendo, indiretamente, um grande promotor vocacional para a
Diocese de Santo Amaro. Muitos se encantavam com seu carisma de padre cantor e se
sentiam atraídos para a vocação sacerdotal. Dom Fernando sempre acolheu candidatos que
vinham de outras dioceses e com isso o número de seminaristas cresceu consideravelmente a
partir do ano 2000, contando com uma média de 55 estudantes113.
Na “Agenda” da Diocese de Santo Amaro (2016, p. 19), consta uma lista com os
nomes de todos os padres da Diocese, com data de ordenação de cada um. Pode-se perceber
que as ordenações com o Bispo Dom Fernando começam a partir do ano de 1991 com uma
média entre 1 a 7 ordenandos. A partir do ano de 2001 esse número vai ser bem mais elevado,
de 8 a 16 ordenandos por ano. A partir de 2014 esse número começa a de novo reduzir. Para
esse ano de 2017 a Diocese não terá ordenação presbiteral.
Muitos integrantes do clero católico acreditam que o aparecimento do
fenômeno dos padres cantores, em especial o de padre Marcelo, auxiliaram a
Igreja a atrair de volta antigos fiéis e também incentivaram a identificação de
vocações sacerdotais. Em outras como a do Rio de Janeiro, segundo pesquisa
realizada por Sílvia Regina Alves Fernandes, do Centro de Estatística
Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), a influência dos padres cantores é
mais sentida entre os vocacionados que se dizem carismáticos. Muitos
demonstraram admiração pelo padre Marcelo Rossi, mas criticaram o
relacionamento com a mídia e a exposição exagerada que o sacerdote
alcançou. Para a pesquisadora, contudo, deve ser considerada a hipótese de
que “a presença dos padres na mídia faz despertar na juventude a
113 De acordo com Souza Leão (2008), números do CERIS indicam que, nos últimos anos, tem aumentado o
número de jovens que ingressam na vida religiosa. Em 1970, havia 4.181 seminaristas diocesanos; em 1980,
eram 5.329 seminaristas; em 1990, eram 5.870 jovens nos seminários; enquanto, em 1998, já eram 7.893 jovens
frequentando os seminários. Na Diocese de Santo Amaro, com a ajuda do padre Marcelo Rossi, o número de
seminaristas passou de cinco para 115 em dez anos. Disponível in: http://www.biuvicente.com/site/?p=471.
Acesso em: 2/4/2017.
sensibilização para a presença de um novo ator social, anteriormente relegado
às sacristias. Nesse sentido, na medida em que a figura do padre torna-se mais
pública, passa a entrar no rol de opções profissionais ou vocacionais de uma
juventude proveniente de camadas populares e com baixa capacidade de
inserção na vida social” (SOUZA LEÃO - 2008).
A Diocese de Santo teve então que começar a se preocupar com a organização de suas
casas de formação onde pudesse melhor acolher seus candidatos aos ministérios ordenados. A
criação de seminários114 é uma exigência que vem desde o Concílio de Trento (1545-1563). O
Concilio de Trento teve grande preocupação em trabalhar o tema da formação do clero da
ICAR, em resposta às questões vindas da Reforma Protestante. No Brasil os seminários vêm a
se estruturar a partir do ano de 1890, com o fim do padroado ultramontano (Erguendo altares
– 2014, p. 121). De acordo com Pierrard (1986, p. 190), Calvino escreveu um livro intitulado
Instituição Cristã onde declara: “a flexão115 do episcopado corresponde a decadência do
clero”. Isso porque uma das maiores carências do clero do século XVI era a ignorância. As
preocupações de Trento eram então em superar essas deformidades. No Decreto De
Reformatione o Concílio tomou a medida de criar os seminários de regime fechado para
formação espiritual, intelectual, ascética, moral e social do futuro clero. Conforme Lima
(1999, p. 267), foi um trabalho profícuo, pois até hoje se percebe seu efeito, pois uma sólida
formação intelectual e espiritual dos futuros pastores deve ser prioridade.
Antes de Dom Fernando Figueiredo, era bastante evidente o envolvimento de Dom
Paulo com os movimentos sociais de sua época, em especial quando lança o “Projeto
Operação Periferia”, conforme Rodrigues (2008, p. 102). Questionava-se então sobre a
“marginalização socioeconômica”. A “operação periferia tinha a forte intenção de incentivar
as CEBs.
Tradicionalmente pensava-se em construir uma paróquia, fazer uma
igreja, mas, na visão de D. Paulo, o que interessava era chegar logo ao povo e
testemunhar alguma coisa. E não ir lá para ficar três anos construindo uma
igreja. A igreja não é problema do povo. O povo não precisa de igreja, mas
precisa de comida, assistência e escola. Eles não têm nada disso e você vai lá
para fazer uma igreja. Isso é ridículo. Construir uma igreja pode ser uma
decisão justa, mas não é disso que eles precisam. Eles precisam ser gente, ser
114A Congregação para a Educação Católica publicou em 6 de janeiro de 1970, uma Ratio fundamentalis
institutionis sacerdotalis, com a confirmada pelo Papa e reeditada com pequenas modificações, adaptando-se ao
novo Código de Direito Canônico em 19 de março de 1985. A CNBB, após ter dado uma pequena
complementação, em 1971, votou, na 22ª Assembleia Geral (1984), uma verdadeira Ratio para o Brasil, com o
título de “Formação dos Presbíteros na Igreja do brasil - Diretrizes Básicas” (Col. Documentos da CNBB, n. 30)
(SALVADOR e EMBIL – 1989, p. 683). 115 Forma arqueada de qualquer corpo. Disponível in:
https://www.google.com.br/?gws_rd=cr&ei=8PUVWZ_uMYGpwASYsZawDw#q=significado+de+flex%C3%
A3o. Aceso em 12/5/2017.
considerado gente, se reunir e crescer na fé, testemunhar a solidariedade e
trabalharem juntos. A partir disso é que se cria novamente uma comunidade
eclesial (RODRIGUES – 2008, p. 105).
Esse foi o modelo de igreja que o novo Bispo de Santo Amaro encontrou pela frente
depois de sua tomada de posse. Encontrou leigos organizados em comunidades de base,
certamente apoiados com pelos padres e religiosos e religiosas à sua frente. Não foram poucas
as resistências que teve que enfrentar. Aos poucos, não sem muitos empasses, Dom Fernando
vai criando um estrutura que facilita-se quebrar, o poder de lideranças leigas. Com isso
também consegue implantar uma linha de formação de seu novo clero, um sinal bastante
conservador. Prova disso é que o tema CEBs e TL”, entre o grupo de padres e formandos é
quase que um “tabu”. Causa mal estar em alguns.
A partir de 1989 nossa Região Pastoral se torna Diocese de Santo
Amaro. Desliga-se da Grande Metrópole de São Paulo e se torna uma Diocese
com Metodologia própria, formação do clero própria e se distância da área
social assumindo a postura do movimento carismático dentro da Igreja. Logo,
sofremos uma grande mudança de uma Pastoral Social (como o BOM
PASTOR) para uma pastoral espiritualista - carismática desencarnada da
realidade do povo em geral e principalmente da periferia. Não se deu mais
importância à presença das religiosas e ficou centralizada no clero diocesano
Pelo avanço do movimento carismático as Comunidades Eclesiais de Base
foram perdendo forças e todas se tornaram Paróquias com poder centralizado
no BISPO e PADRE (Irmã Iradi Lumbieri em entrevista – 8/5/2017).
Percebe-se assim um clero bastante “conservador” na Diocese de Santo Amaro, onde
alguns membros desse clero optaram em fazer, esporadicamente, missas em latim. Abertura
essa dada por Bento XVI116. O uso de batinas, sobrepeliz, o clegerman (camisa com colarinho
branco), está em hábito já mesmo no tempo de formação seminarística. Esse estilo de ser
igreja, com forte caráter clericalista, acabou sendo impregnado até mesmo pelos leigos da
Diocese, confirmando assim o que diz Cozzens (2004, p. 142), “o clericalismo, pode ser
observado às vezes em indivíduos não-ordenados, especialmente quando eles são empregados
nos níveis diocesano ou paroquial da Igreja”. Esse clericalismo reforça a estrutura
institucional. Não deixam de expressar ainda o estilo “autoritário de lideranças ministeriais”,
com tendência de um “mundo rigidamente hierárquico e uma identificação virtual da
santidade e graça da Igreja”. De acordo ainda com Cozzens (2004), existe uma certa
“exaltação do ego de alguns padres”.
116 Através da Carta apostólica Motu Proprio Summorum Pontificum– (sobre o uso da liturgia romana anterior à
reforma realizada em 1970) Bento XVI colocou novamente em ampla e plena vigência a possibilidade de os
sacerdotes celebrarem a Santa Missa de acordo com o rito de São Pio V, também conhecido como o da "Missa
Tridentina". Disponível in: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/letters/2007/documents/hf_ben-
xvi_let_20070707_lettera-vescovi.htmlAcesso em: 1/4/2017.
Mesmo em nossa cultura secular pós-moderna, o colarinho e o terno
preto podem evocar lembranças da sua alegria e da presença tranquilizadora
desde muito associada aos padres paroquiais. Esses homens de mistério
despertavam em seus paroquianos uma ânsia muitas vezes indefinida, mas
muito real, de uma vida mais profunda do espírito, de uma união extática com
Deus e outros que tão frequentemente acompanhavam seus momentos
louvores e ação de graças sacramentais (COZZENS – 2001, p. 21).
Segundo Cozzens (2001, p. 27), em 1997 foi promulgada a “Instrução acerca de
algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes”,
aprovados por João Paulo II. Essa instrução vinha com a preocupação que os instrutores
tinham de que os ministérios leigos estivesse avançando sobre os limites dos ministérios
sacerdotais. De acordo com Cruz (2015, p. 34), no tempo do durante o Concílio Vaticano II,
“como perito integrante do séquito do cardeal Josef Frings, Ratzinger, tinha tendências
reformistas”. Ainda na interpretação de Alfredo B. C. Cruz (2015), depois da “agitação
estudantil de 1968, entretanto, Ratzinger inclinou-se cada vez mais para posições
conservadoras em matérias religiosas e sociais”. Ratzinger, por 20 anos foi conselheiro
teológico do Papa João Paulo II. Dirigiu a Congregação para a Doutrina da fé, salvaguardando
a doutrina e a moral católica. Para Souza Leão (2008), “o então cardeal Joseph Ratzinger foi
responsável por impor o silêncio a 140 teólogos de todo o mundo, principalmente
progressistas”.
Pode-se ver, como registra Cruz (2015, p. 34) que no último quarto do século XX
colocou uma “força propulsora no combate à teologia da libertação, ao pluralismo religioso,
contra alterações no doutrina moral tradicional em temas como homossexualismo e a
ordenação de mulheres”. Ratzinger, depois Papa Bento XVI (2005):
Dedicou-se a enfatizar a razoabilidade da crença cristã em um mundo
secularizado pós-iluminista; assim como a reforçar a identidade histórica do
catolicismo, exercitando uma hermenêutica da continuidade contra as
interpretações que tomavam a segunda metade do século XX – e, mais
especificamente, o já citado Concílio Vaticano II – como um ponto de ruptura
na longa história da Igreja Católica Apostólica Romana (CRUZ – 2015, p. 35).
É o “catolicismo tradicional frente a uma experimentação pós-conciliar”. Grande
maioria preferiu estar a favor do catolicismo tradicional, pois esse traz menos insegurança.
Dentro dessa panorâmica vamos entender todo campo a que se apresenta a Diocese de Santo
Amaro e todas as possibilidades que ela apresenta para acolher os movimentos de motivação
carismática. O 15º Encontro Nacional de Presbíteros que aconteceu dos 05 a 11 de fevereiro
de 2014 em Aparecida – SP - refletia sobre o tema: Concílio Vaticano II e os Presbíteros no
Brasil: Testemunhas de Fé, Esperança e Caridade. No número 112, temos que “atualmente, o
envolvimento da Igreja nos aspectos sociais perdeu força e percebe-se um maior interesse em
ações que priorizem elementos emotivos e eventos de massa”. Isso demostra a preocupação
de parte do clero em relação ao modelo de igreja que se segue em tempos de pós-modernidade
(CNP, 2014, p. 38).
3.2.2 – Os novos movimentos na Diocese de Santo Amaro
A RCC na Diocese de Santo Amaro encontrou um campo bastante vasto de trabalho e
com isso conseguiu deixar suas marcas. Foram vários os movimentos que conseguiram
encontrar seu espaço na famosa diocese carismática. Até mesmo grupos que se formaram fora
da diocese acabaram o bispo da Diocese de Santo Amaro como apelo de acolhida de seus
institutos. De uma diocese que no início tinha uma linha marcadamente social, agora a
Diocese de Santo Amaro é uma comunidade do louvor e segue uma linha marcadamente
conservadora.
Em entrevista falando sobre o crescimento da Diocese de Santo Amaro, Claudio Dias
em entrevista a Erguendo Altares (2014, p. 115), diz “Dom Fernando sempre foi muito
visionário em relação à quantidade e à qualidade do clero. Ele sempre incentivou a criação de
paróquias. E não adianta criar paróquias sem mão de obra. A maioria dos seminaristas da
minha turma veio de outros Estados”. Ao mesmo tempo em que a Diocese crescia nas
“microações, crescia também nas grandes. Como membro efetivo em trabalhos da CNBB, não
deve ter sido poucas as vezes que Dom Fernando tenha ouvido os bispos falarem dos
enfrentamentos que a ICAR estava pesando frente aos avanços pentecostais.
Estudos da CNBB, nº 68 aponta as debilidades da Igreja Católica
como uma das causas de difusão dos grupos não católicos, e nomeia-as: o peso
da instituição, a falta de clero, o predomínio da mentalidade rural no clero, o
caráter hereditário do catolicismo brasileiro, a insuficiência de evangelização e
a estrutura quase-federativa da Igreja Católica (ARI PEDRO ORO – 1996, p.
94).
Frente a essa realidade não eram poucas as preocupações dos bispos no Brasil. De
acordo com Oro (1996, p. 94), se perguntava “qual seria o vazio deixado pela ICAR, quando a
realidade era de 9% de uma população brasileira pentecostal?” E ainda continuava o mesmo
bispo: “será que não enfatizamos mais a parte intelectual e menos a emocional, mais a
comunitária e menos a individual, mais a social e menos a religiosa?” A preocupação era
rever as práticas pastorais e conseguir identificar suas falhas.
Conforme Oro (1996, p. 95), várias foram as posições da ICAR frente à expansão
pentecostal. Entre elas ele destaca a “indiferença”. O que poderíamos dizer em um sentido
psicanalítico, uma atitude negação do problema. Essa negação vem acompanhada de uma
justificativa de que “o que importa não é a quantidade, pois quem abandona a ICAR de
alguma forma já não estava dentro. Quase que um forma conformista de ver a realidade.
Depois vem a posição de “ceticismo”. O abandono é apenas aparente. Uma terceira posição é
a de “reconhecimento do que há de bom, de valor, nas seitas”. De acordo com Oro (1996, p.
95), fazendo uso das palavras de Dom José Maria Pires – arcebispo negro – também
conhecido como Dom Pelé, ou Dom Zumbi: “se nas seitas não houvesse valores religiosos e
respostas a anseios profundos do povo, elas não estariam conseguindo arrebanhar tantas
ovelhas para o seu redil (CNBB, nº69: 113)”. Talvez esse anseios tenham estimulado Dom
Fernando Figueiredo a se abrir à possibilidade da edificação de uma diocese carismática.
1 - Instituto Missionário Servos de Jesus Salvador: Em Erguendo Altares (2014, p. 84-
85) vemos que o instituto Servos de Jesus Salvador na sua fundação tinha a titulação, Instituto
Missionário Javé Salvador. São conhecidos como fraternidade Salvista. O fundador foi o
“Padre Gilberto Maria Delfina que era da Arquidiocese de Ribeirão Preto”, vindo para São
Paulo no ano de 1970. “Teve participação na criação das Faculdades Associadas do Ipiranga
(FAI)”. Segundo relatos de Leomar de Jesus para Erguendo Altares, 2014, p. 88), Padre
Gilberto teve contato com a RCC e grande número de jovens o procurava querendo entrar no
seminário, mas esses jovens não se encaixavam no modelo de seminário existe na época.
Então pediram ao Padre Gilberto que fundasse um instituto com base carismática. Seguindo
sua intuição e os apelos de tais jovens, cheio de coragem, com 69 anos e idade, no ano de
1993, criou uma Ordem Terceira e no ano seguinte os Institutos Servos e Servas de Javé
Salvador. Seguindo as referências e indicações de amigos, procurou Dom Fernando Antônio
Figueiredo e o instituto teve então seu curso na Diocese de Santo Amaro.
Dom Fernando “reconheceu a Associação dos Salvistas no ano de 1994”, época em
que já “possuíam o Seminário Maior Nossa Senhora de Pentecostes com estudos de filosofia e
teologia, o Convento Nossa Senhora de Pentecostes – com consagradas e aspirantes à vida
religiosa e o movimento leigo SER (Servos Evangelizadores do Reino)”. O Instituto iniciou-
se com 20 jovens e segundo Padre Leomar, dois anos depois já contavam com 50 jovens. No
ano de 2000 foi confiada a primeira a paróquia Nossa Senhora de Pentecostes e a obra Social
Bororé117ao Instituto. Também nesse período jovens já começavam a ser envidas para outros
países, assim como para regiões missionárias do Brasil. Inicialmente foram para a França e
não faltaram convites para Itália e Portugal.
Em 2008, a pedido da Santa Sé a denominação Javé foi tirada em respeito aos
judeus118 e no lugar colocou-se Jesus. Antes eram chamados de “javistas” e agora passam a
ser chamados de “salvitas”. A formação dos Salvistas, segundo Leomar, em entrevista a
Erguendo Altares, 2014, p. 88), tem uma preocupação em levar o Salvista a “expressar o
louvor de Deus e levar as pessoas a terem uma experiência profunda do amor de Deus”.
2 - Fraternidade Monástica dos Discípulos de Jesus para a Glória de Deus Pai: O
FMDJ é um instituto que nasce com o mesmo carisma que os Salvistas, mas com princípios
marianos, tendo como fundador Padre Eugênio Maria La Barbera – inicialmente integrado ao
PIME. Depois de uma experiência vivida na Cidade de Medjugorje, Padre Eduardo inicia a
fundação de sua comunidade. De acordo com Eduardo em entrevista para Erguendo Altares,
2014, p. 85), “é uma comunidade dedicada à oração e à contemplação, não ignorando as
necessidades dos mais pobres, especialmente das crianças e jovens”.
Em 1995 Padre Eduardo apresentou por escrito o projeto a Dom Fernando que logo
após aprovação por escrito. Ali nascia a Fraternidade Monástica dos Discípulos de Jesus para
a Glória de Deus Pai. Os trabalhos iniciados aconteceram na própria casa do Padre Eugênio.
Na ocasião essa casa era escritório da RCC da Diocese de Santo Amaro, pois o referido padre
era diretor da RCC na Diocese de Santo Amaro. Com o aumento de vocações, logo tiveram
que buscar outra casa de formação e em 1997 foi adquirido um terreno onde foi construída
uma igreja dedica a Deus Pai e em 1999 o Mosteiro, como associação pública de fiéis de
direito diocesano. “Em seguida avançou-se nas diretrizes monásticas, na devoção de Maria e
no apoio da RCC”. Conforme Eduardo em Erguendo Altares, 2014, p. 90), sua fundação
“trata-se de uma comunidade mariana, que vive as mensagens de Nossa Senhora, e adota
117A Entidade foi fundada no dia 05 de novembro de 1988, pelo italiano Pe. Giuseppe Benito Pegoraro
(falecido), missionário Scalabriniano. Pe. Pegoraro buscou ajuda da comunidade local, mas também de amigos
dentro e fora do Brasil, sobretudo da Suíça e da Itália. Disponível in: http://www.borore.org.br/?page_id=70.
Acesso em: 1/4/2017. 118Em respeito aos judeus a Santa Sé pediu que não se usasse mais o termo “Javé”. CIDADE DO VATICANO,
quinta-feira, 11 de setembro de 2008 (ZENIT.org.) - A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos enviou uma carta às conferências episcopais do mundo sobre o nome de Deus, na qual pede que
não se use o termo «Javé» nas liturgias, orações e cantos. Disponível in:
http://www.bibliacatolica.com.br/blog/santa-se-pede-que-se-omita-termo-jave-na-liturgia/#.WOAf5fnyvIU.
Acesso em: 1/4/2017.
também a espiritualidade beneditina, ou seja, tem como valores centrais a oração, a leitura
espiritual, chamada “lectio Divida”, e o trabalho”.
3 - Servos da Esperança: De acordo com Edson Frade (Fradão), em entrevista para
Erguendo Altares, 2014, p. 91), os Servos da Esperança foi um trabalho que teve origem em
1980. Segundo ainda relatos do referido padre, ele era pároco em Nossa Senhora do Pilar, da
Vila Ema, e depois de muitas procuras para aconselhamento surgiu uma comunidade. Com o
apoio do Bispo Dom Luciano Mendes de Almeida, “decidiu então semear esperança entre os
despedaçados”. Iniciam a escrita da regra de vida. Em 1987, em contatos de Dom Paulo
Evaristo Arns, foram indicados a escrever agora a constituição de vida da comunidade para
assim ser regularizada perante o Direito Canônico. Assim nasce a associação de fiéis.
Em 1998, num dia de Natal, de acordo com Fradão (Erguendo Altares, 2014, p. 91):
... estive com Dom Fernando, que já conhecia há algum tempo o
trabalho que realizávamos. Ele disse: ‘Olha, temos os recursos obtidos com o
CD do Padre Marcelo Rossi e vamos encaminhar para as obras sociais da
diocese. E gostaria que esse valor fosse revertido para o trabalho dos Servos
da Esperança e para a Ação Social Nossa Senhora de Fátima’ (A cargo do frei
Xavier Fornasiero)”. Animado por essa proposta de Dom Fernando o Padre
Fradão fez uma pesquisa de terrenos à vida nas regiões de Santo Amaro e
apresentou depois a Dom Fernando. Feita a apreciação de Dom Fernando,
compraram um sítio onde atualmente está localizado trabalho da comunidade.
Transferidos do ABC para Santo Amaro, agora quem direcionou os trabalhos da nova
comunidade foi Dom Fernando. Um ano depois já eram uma associação pública de fiéis. Para
Fradão (Erguendo Altares, 2014, p. 91), hoje existem 68 núcleos da Comunidade Casa da
Esperança e Vida (CCEV). Acredita-se ter ajudado a vida de mais de 200 mil pessoas, sem
contar os internos da comunidade119.
4 - Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo: De acordo com Madre Tereza Maria
José do Espírito Santo, fundadora dos Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo em
entrevista para Erguendo Altares, 2014, p. 89), ela já conhecia Dom Fernando ainda quando
ele era frade em Petrópolis. Foi em 1984, Nova Almeida – ES – que fundou a referida família
religiosa. Segundo ainda relatos da Madre, “como toda nova fundação experimentaram o selo
119A Fraternidade dos Servos e Servas da Esperança, com 31 anos de existência, orienta e administra a CCEV –
Comunidade Casa Esperança e Vida, uma rede de unidades distribuídas por São Paulo, Santa Catarina, Minas
Gerais, Paraná, Ceará, Mato Grosso do Sul, que está voltada para a restauração da qualidade de vida e para a
integração familiar e social de indivíduos em estado de carência ou dependência viciosa. A metodologia inclui
acolhimento, aconselhamento e atividades terapêuticas. Disponível in:
http://ccevcomunidade.wixsite.com/ccev/ccev. Acesso em: 1/4/2017.
da Cruz e foram aconselhadas a buscar apoio espiritual e também um outro local onde
pudessem viver o carisma que Deus lhes havia dado”.
No ao de 1994 Madre Tereza Maria José do Espírito Santo teve contato com Padre
Eduardo, SJ, que a aconselhou a procurar o Bispo de Santo Amaro. Ela mesma telefonou a
Dom Fernando que se prontificou a recebê-la, dizendo de imediato, conforme Madre Tereza
(Erguendo Altares, 2014, p. 89): “... vocês podem vir para cá, escolham um lugar para morar e
vivam a vida de como vocês querem viver”. A comunidade chegou na Diocese de Santo
Amaro no dia 30 de abril de 1995, num grupo de nove irmãs.
Em 2003 tinham sido aprovadas como Instituto de Direito Diocesano e no mesmo ano
foi fundado o ramo masculino. Em 2014 já contavam com três comunidades e com membros
na França e na Itália. Sem contar com a comunidade ainda secular que também é bastante
numerosa. Por ocasião da referida pesquisa, em 2014, o grupo já constava de 212 membros
femininos, sendo 145 com votos perpétuos, 34 com votos temporários, 13 noviças, 11
postulantes e 9 aspirantes espalhas pelo Brasil, Itália, França e Espanha.
"O carisma das Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo é
viver segundo o Espírito em oração e ação apostólica, isto é, contemplar para
evangelizar à luz do Espírito Santo, e, movidas pelos seus dons espirituais,
frutificar em boas obras e sair a serviço dos irmãos onde e quando for
necessário." Regra de Vida CMES nº6. Disponível in:
http://www.carmelitasmensageiras.com.br/index.php/2013-01-31-06-37-
23/carisma. Acesso em: 1/4/2017.
A espiritualidade da comunidade é bastante carismática. O grupo possui Fanpage na
divulgação de seus trabalhos. Pode-se dizer que os trabalhos que exercem é bastante amplo120.
Pautam sua missão em quatro grande atividades: 1 – Oração: Vida de oração, Adoração ao
Santíssimo Sacramento, Intercessão, Atendimento pessoal, Aconselhamento espiritual,
Grupos de oração; 2 – Evangelização: Evangelização através de pregações, retiros, missões
populares, música, teatro e dança, na linha da Nova Evangelização e Promoção vocacional,
acompanhamento a Grupos de Jovens; 3 - Serviços Paroquiais: Catequese para Primeira
Comunhão e Crisma, Pastoral da Saúde e Pastoral da Esperança, Animação litúrgica,
Formação de coroinhas e marianinhas, Ministério Extraordinário da Eucaristia; 4 - Trabalhos
Sociais: Lares para menores e idosos, Centro da Criança e do Adolescente - CCA com
alimentação diária para 150 crianças, Lar para gestantes em situação de risco (em defesa da
120 Disponível in: http://www.carmelitasmensageiras.com.br/index.php/2013-01-31-06-37-23/o-que-fazemos.
Acesso em: 1/4/2017.
vida), Visitas a idosos, famílias e doentes, em casa e nos hospitais e está em preparação a
fundação de um abrigo em Pomerode - SC com o nome de CEAMA que traz o nome de
Nossa Madre Maria José.
3.2.3 - Missionários leigos com espiritualidade carismática
Os Missionários leigos, são comunidades novas que nasceram em diferentes estados
do Brasil e que acabaram encontrando calorosa acolhida na Diocese de Santo Amaro. Elas
corroboram com a ideia de que a Diocese de Santo Amaro realmente é um polo carismático.
Tudo isso devem ainda ao Bispo Dom Fernando que sempre acredito nesse jeito novo de ser
Igreja proposto pela RCC. Segundo Moraleda (1994, p. 39), na fala de Mayer, “busca
espiritual” nos Novos Movimentos Religiosos (NMR), nem sempre significa um “jogo
inofensivo”, por mais que pareça. Também não é um “passatempo sem consequências”. No
fundo é uma “aventura séria”, onde se mexe no mais íntimo do ser. O perigo maior vem de
“personalidades frágeis e em crise”. Falando como se nasce um NMR, Bainbridge e Stark
(1995), fala de alguns modelos de formação desses NMR:
1 – Modelo psicopatológico: quando os movimentos são inventados
por indivíduos perturbados que têm visão durante crises psicóticas. Outras
pessoas com problemas parecidas se unem a esses visionários, e a nova seita é
organizada; 2 – Modelo contratual: são movimentos que se organizam como
uma empresa; oferecem algumas crenças que se consideram valiosas, mas que
têm um preço a ser pago; 3 – Modelo da evolução de uma subcultura:
diferente dos anteriores, não são grupos formados em torno de um “profeta”,
mas o resultado da interação entre um grupo de pessoas que progressivamente
vão estabelecendo laços mais estreitos, um intercâmbio de recompensas e
ideais, que desembocam numa “nova cultura” (MORALEDA - 1994, p. 40).
Para melhor ainda entendermos sobre os NMR, além dos modelos de como surgem,
como vimos acima, podemos ainda entender como que acontece o vínculo dos novos adeptos
ao um NMR. Os adeptos passam sempre por um processo de conversão. Moraleda busca
referências em Lofland e Skonovd (1981, 1983), e nos apresenta cinco tipos de conversões
individuais:
1 – Conversão intelectual: é quando a pessoa por conta própria busca
alternativas de aprofundamento ou desperta esse interesse por meio das
publicações, reportagens, panfletos que lhe chegaram ocasionalmente, ou por
casualidade. A pressão externa é escassa. Esse indivíduo acaba fazendo uma
experiência de “iluminação”; 2 – Conversão mística: o indivíduo tem um
trauma pela alta intensidade emotiva subjetiva. Não há pressão social, ou
então é escassa. Ocorre êxtases de amor, temor ou terror. O convertido se
incorpora ao movimento e participa em ações organizadas; 3 – Conversão
experimental: sem conhecer a cosmovisão do movimento o indivíduo se
incorpora a ele para fazer um experiência e com o tempo chega ao
convencimento. Pressão externa baixa. A primeira motivação é um processo
que pode levar anos; 4 – Conversão afetiva: se um encontro a partir dos laços
afetivos que se estabelece entre o convertido e os membros do movimento.
Aqui faz-se importante a afetividade para o recrutamento. Há pressão social
média e5 – Conversão evangelista (“revivalist”): existe uma exaltação
extática, dirigida e manipulada em contexto grupal. Há um excitação afetiva
de sentimentos (MORALEDA – 1994, p. 46-47).
Essas definições de NMR nos ajudam em muito no entendimento dessas comunidades
novas que vão surgindo no século XX e granado seu auge no século XXI, como resposta às
insatisfações dos indivíduos aos sistemas vigentes nas instituições. Nesse sentido Pieruccie
Prandi (1998, p. 22), vão dizer que quando se leva em consideração “todas essas alternativas”
de movimentos novos que têm tido tão forte apelo no mundo moderno (pós-moderno),
enfatizando as massas, pode-se imaginar que o reavivamento da crença religiosa estão muitos
ligados ao momento social. Acabam também, de certa forma, trazendo consequências no
próprio mundo político. É uma via de mão dupla. Pode-se falar de indivíduos que se colocam
totalmente passivos e outros ativos, diante das propostas apresentadas. É uma teoria
apresentada por Hardin citada por Moraleda (1994, p. 48): Modelo ativo é quando o indivíduo
participa ativamente da formação. Aqui fica a salvo o livre-arbítrio do indivíduo. O processo é
construído em conjunto, não se pressupõe pressões externa para se explicar a conversão a um
movimento religioso. O modelo passivo, liga-se ao protagonismo de fatores externos
coercitivos. O indivíduo não desempenha nenhum papel na sua conversão, pois segue um
modelo determinista.
Feito esse apêndice necessário para a compreensão do fenômeno novos movimentos
dentro da ICAR, voltamos aos trabalhos da Diocese de Santo Amaro, campo fértil para
acolhida e florescimento desse movimentos. Falando do crescimento da Igreja de Santo
Amaro, Dom Fernando faz reconhecimento aos trabalhos leigos e diz que:
... eles realizam a evangelização, em seu sentido religioso e social, por
meio de grupos, associações e comunidades. Padre e leigos, unidos, efetivam a
ação transformadora e transfiguradora da Igreja e da sociedade, evidenciando
o crescimento material, moral e espiritual de todos e de cada um em particular
(Erguendo Altares - 2014, p. 18).
Assim Dom Fernando, aos poucos, foi delimitando o rosto da Diocese de Santo
Amaro. Como ele mesmo diz, “devia se construir como uma realidade própria, sem nunca
perder a comunhão coma as demais Igrejas Particulares”. De acordo com Ange (1997, p.
143), a RCC “assume fisionomias e coloridos tão diferentes, de acordo com as pessoas e os
grupos que a vivem (monges, escoteiros, militantes, operários participam igualmente dela,
cada qual a seu modo)”. O que vem à tona são os carismas suscitados pelo Espírito Santo,
acreditam os membros da RCC. Quem faz tudo isso acontecer é o mesmo Espírito que “sopra
onde quer e como quer”.
1 - Instituto Missionário Catolicanet: A Catolicanet nasce a partir dos trabalhos do
Meac (Missionários para Evangelização e Animação de Comunidades - 1972). O Meac
nasceu antes de ser criada a Diocese de Santo Amaro. De acordo com Belchior Antônio em
entrevista para o livro Erguendo Altares (2014, p. 86), o Meac surge quando os trabalhos do
leigo Neimar de Bairros121 entra em crise.
Em 1996 foi criada a “Revista Católicos”. A ICAR a cada dia mais incentivava a
participação de padres na mídia. Criou-se na Diocese de Santo Amaro a Odec (Organização
Diocesana de Evangelização e Cultura, conforme consta em Erguendo Altares (2014, p. 86).
Essa era uma “parceria entre Meac e Pascom (Pastoral da Comunicação). Em 1995 surge a
primeira Rede Católica de Televisão, a tão conhecida “Rede Vida”. Diante de toda essa
panorâmica nasceu a Catolicanet, o primeiro grande portal católico do País com sede em
Santo Amaro. De acordo com Belchior (Erguendo Altares (2014, p. 87), “a Catolicanet surgiu
de uma página na internet em Boston, EUA, no fim de 1997, com a criação de uma página na
HTNL”. O trabalho avançou e com o tempo já estavam com mais de 3 mil páginas integradas.
Em 2003 foi criado o Instituto Missionário Catolicanet. Para Quintino (1984, p. 5), O
Marketing deve ser entendido como uma forma de “recurso técnico” que uma vez aplicado à
religião pode servir de suporte para levar o fiel à conversão. Para isso faz uso da propaganda,
desenvolvendo sua própria lógica que vai ao encontro da demanda do cliente - crente. Para
isso a religião deve conseguir identificação as necessidades do crente e gerar o clima que o
convença a comprar seu produto.
121 “Neimar de Barros(1943-2012). Foi produtor e diretor de Silvio Santos...depois escritor “BEST SELLER”
destacado pelo livro DEUS NEGRO que vendeu mais de 4 milhões de exemplares em 5 países. Publicou mais de
10 livros, sendo vários em espanhol. Como leigo na Igreja Católica, conseguiu quebrar vários paradigmas, sendo
uma forte referência por pregar a necessidade de mudanças em vários pontos da igreja. Sua vida deu uma grande
guinada em 1986, e como um ser humano normal teve muitas desilusões com sua igreja, sua família e em seu
grupo de trabalho, a falta de um alicerce na ROCHA deixou um forte STRESS florescer, a vontade de mudar os
dogmas arbitrários da igreja católica foram sempre boicotados, e errou muito na forma reivindicada, apesar de
haver boas intenções. Contudo, isto potencializou a evolução de uma doença oculta, o Mal de Alzheimer,
descoberta só em 2004”. Disponível in: https://neimardebarros.wordpress.com/biografia/. Acesso em: 4/4/2017.
Os trabalhos da Catolicanet foi uma empreitada que deu certo e tem cada vez mais
surtido seu efeito no processo de evangelização na ICAR no Brasil. Vem sempre favorecendo
os trabalhos da RCC na Diocese de Santo Amaro. Como o faz todo sistema de marketing,
também os trabalhos da Catolicanet gera o “clima de sugestão que atrai o fiel que nos finais
acabada comprando o produto que implica na participação ou adesão da Igreja”, segundo Oro
(1996, p. 75).
2 - Comunidade Católica Jesus Nova Aliança: Essa comunidade, como a Shalom,
nasce fora do estado de São Paulo e depois vem para a Diocese de Santo Amaro. Ela nasceu
em Goiás, na década de 90, sendo oficialmente fundada em 1991. Nasce fruto do Projeto de
Evangelização 2000, com um jovem de 21 anos, Magno Fernando. No intuito de fazer uma
experiência, Magno buscou na época fazer experiência na fraternidade na Comunidade Vila
Régia, em Minas Gerais. Não se se identificando com o carisma e nem com a espiritualidade
da Comunidade Vila Régia, voltou à Anápolis, sua terra natal. Ali, com outros
evangelizadores, viu amadurecer a ideia de formar uma comunidade seriamente
comprometida com a evangelização. Essa ideia começaria a se concretizar no ano de 1991,
como Comunidade de Aliança122.
As casas comunitárias se dividem em locais próximos, mas distintos
para homens, mulheres e casais. Contudo, existem ambientes comuns para o
convívio fraterno, como a capela, refeitório, sala de estudo, área de lazer e
outras conforme a realidade de cada local. Somos chamados a viver em um
espírito de despojamento, pobreza e partilha, totalmente dependentes da
Divina Providência que se manifesta através da generosidade de nossos
Amigos Colaboradores, que contribuem para a manutenção da nossa
Comunidade, doando mensalmente ou de forma eventual quantias em
dinheiro, alimentos e /ou serviços, entre outros donativos. Disponível in:
http://www.comnovaalianca.com.br/quem-somos/como-vivemos. Acesso em:
4/4/2017.
Nessa comunidade existem várias formas de vida ao qual o indivíduo pode se
comprometer: família, celibato e sacerdócio. Segundo dados encontrados na homepage da
Comunidade, a “Comunidade de Aliança reside em suas casas, trabalhando e mantendo suas
atividades civis”, agora os “membros da Comunidade de Vida residem em casas comunitárias
onde se encontram todas as formas de vida (matrimônio, celibato e sacerdócio),
compartilhando toda a vida, bens materiais e espirituais”.
122Disponível in: http://www.comnovaalianca.com.br/quem-somos/historia. Acesso em 4/4/2017.
3 – Comunidade Maria Arca da Aliança: Segundo dados encontrados a homepage123
da Comunidade Maria Arca da Aliança, seu fundador é o Padre Charles Aparecido Barbosa,
nascido na cidade de Janaúba/MG, em 04 de Agosto de 1976. Mais tarde a família se mudou
uma cidade próxima chamada Janaúba. Foi ali que o citado padre fez uma experiência
profunda com o Espírito Santo, através da RCC e inspirado pelo mesmo Espírito, em 1998
iniciou o Grupo de Oração Arca da Aliança, tendo no coração o desejo de ser família, de se
consumir pelo Senhor. Muitos jovens foram atraídos pelo seu acolhimento, entusiasmo e
exemplo de amor à Deus. Mais tarde, em 2001, ingressa no seminário Jesus Salvador.
Ainda seguindo os dados referidos na homepage da Comunidade, em suas primeiras
férias Charles faz um convite àqueles jovens do grupo existente de formarem a comunidade
Católica Maria Arca da Aliança. Retornando a seus estudos, cursa ao longo dos anos, a
filosofia e um ano de teologia e onde também fez a experiência da vida religiosa aprimorando
seu conhecimento humano e depois pedi transferência para o seminário Diocesano de Santo
Amaro. Acolhido por Dom Fernando, Charles termina a Teologia no seminário diocesano.
No dia 08 de dezembro 2007 é ordenado diácono e no dia 13 de Dezembro de 2008 é
ordenado sacerdote por Dom Fernando. Quem dá continuidade aos trabalhos começados
Charles é seu irmão Warley Sandro Barbosa, o co-fundador da comunidade. Casado e com
três filhos, Warley organiza os ministérios, promove eventos, retiros e encontros por toda a
diocese, através do seu ministério que com ousadia e manifestação do poder do espírito,
levava a presença de Deus para o meio do povo.
4 - Comunidade Shalom: A Comunidade Shalom, diferente das anteriores, não foi
criada na Diocese de Santo Amaro, mas aqui teve espaço aberto por ser a Diocese tão
carismática. A comunidade Shalom nasceu em fortaleza, em 9 de julho de 1982, fundada por
Moysés Louro de Azevedo Filho124.
No ano de 1997 a Comunidade Shalom inicia seus trabalhos na Diocese de Santo
Amaro. Em 2012, conforme consta em Erguendo altares (2014, p. 85), a Shalom obteve
reconhecimento pontifício pleno de seus estatutos, no Vaticano. Para Carranza (2000, p. 65),
“o seu carisma é a evangelização através dos meios de comunicação social”. Consegue
organizar grandes eventos de massa como por exemplo o carnaval (Renascer) que conseguiu
123Disponível in: http://mariaarcadaalianca.blogspot.com.br/. Acesso em: 04/04/2017. 124Disponível in: http://www.comshalom.org/nossahistoria/. Acesso em: 4/4/2017.
mais de “20.000 pessoas e em retiro de Páscoa 6.000 jovens”. Segundo ainda Carranza
(2000), “em um acampamento de oração conseguiu juntar 5.000 pessoas”.
5 - Fraternidade São João Paulo II: Os dados aqui colocados dessa Fraternidade é de
base encontrada no facebook da mesma, pois não foi possível encontrar nenhum outro
material de referência. Ailton Fernandes Cardoso, foi ordenado padre por Dom Fernando no
ano de 2018. Em 2013 teve a intuição de fundar o instituto. Trata-se de um Instituto de Vida
Religiosa de natureza sacerdotal. Buscam para suas vidas o modelo inspirador João Paulo II.
Segundo consta na homepage, após um período de inquietação e muitos sinais, Ailton
(fundador) sente-se chamado por Deus a deixar suas seguranças e se lançar na vontade do
Senhor.
O carisma do Instituto tem o seguinte lema: " Totus tuus Iesu per Mariam", o que
significa que os membros do Instituto o desejam “Ser todo de Jesus por Maria”. Em todas as
coisas confiam a Mãe, pois Ela levará ao seu Filho.
Dentro do carisma está a missão de santificar o clero através do testemunho. Buscam
ser solícitos as necessidades dos sacerdotes, colocando-se à disposição pela oração e serviço.
Um outro propósito do grupo é o de restaurar as famílias e movidos por um espírito
missionário salvar a juventude. Usam como regra de vida Evangelho que deve ser vivido na
radicalidade no seguimento de Cristo pobre, obediente e casto125.
Aos moldes desse movimento muitos outros estão surgindo na ICAR, mesmo que
ainda com muita cautela sob os olhos da hierarquia, pois para ser aprovado pela ICAR esses
movimentos devem ser antes bem observados e ter uma considerada caminhada para que se
prove sua seriedade e compromisso com o carisma. Conforme Sousa (2005, p. 20), “o
despertar religioso apresenta-se como um caleidoscópio de opções nem sempre definidas”.
Apropriando-se das palavras de Berger, Sousa (2005, p. 20), afirma que o “pluralismo
religioso” pode ser comparado a um “mercado livre”. Isso denota o fim do que se chama de
monopólio religioso. Essas comunidades novas refletem o atual contexto aberto e pluralista
do campo religioso. Hoje não é preciso necessariamente do catolicismo para se fazer nova
experiência religiosa. Essa experiência pode ser feita dentro dos diversos institutos com seus
diversos modos de vida.
125Disponível in: https://www.facebook.com/pg/FraternidadeSaoJoaoPauloII/about/?ref=page_internal. Acesso
em 04/04/2017.
6 - Outros trabalhos religiosos na Diocese de Santo Amaro: Colocados em destaque
os 4 Institutos de fundação no tempo de administração do Bispo Dom Fernando, fica bem
especificar ainda os demais trabalhos existes na Diocese e que em muito contribuem no
trabalho espiritual.
Na Diocese de Santo Amaro tem 1 Casa Contemplativa: Instituto das Servidoras do
Senhor e da Virgem de Matará. É um ramo feminino da Família Religiosa do Verbo
Encarnado. Compõe-se de irmãs tanto de vida apostólica como de vida contemplativa; são 18
Congregações Femininas; são 7 Congregações Masculinas; são 6 os Institutos Seculares e
Sociedades de Vida Apostólica, onde pode ser destacado os Sodalícios de Vida Cristão; são 4
os grupos Missionários Leigos, a saber, Instituto Missionário Catolicanet, Comunidade
Católica Jesus Nova Aliança, Comunidade Maria Arca da Aliança e Comunidade Shalom.
A Diocese ainda se organiza em três grupos de serviços pastorais:
1- Serviços da Palavra: Pastoral da Catequese da Crianças, Jovens, Adultos e Grupos
de Perseverança; Pastoral do Batismo; Setor Juventude; Escudeiros, Juventude Salvista; RCC
– Treinamentos de Lideranças Cristã; Apostolado da Oração; Caminho Neocatecumenal;
Campanha da Fraternidade, CEBs – Comunidades Eclesiais de Base; COMIDI – Conselho
Missionário Diocesano; IAM – Infância e Adolescência Missionária; Espiritualidade
Franciscana; Legião de Maria; Movimento Schoenstatt; Movimento de Valorização Humana;
Movimento de Vida Cristã (Sodalícios); Núcleo dos Consagrados; Ordem Terceira Salvista;
PASCOM – Pastoral da Comunicação; Pastoral do Ensino Religiosa; Pastoral Vocacional;
RCC – Renovação Carismática Católica; RCC – Ministério de Crianças; Setor Família;
CENPLAM – Centro de Planejamento Familiar; EC – Encontro com Cristo; ECC – Encontro
de Casais com Cristo; Pastoral da Família; Shalom – Comunidade Católica e Terço dos
Homens.
2 – Serviço da Liturgia: Ministro Extraordinário (Eucaristia); Pastoral do Canto, Setor
Liturgia: Artes Sacra, Intercessão, Pastoral da Liturgia, Pastoral do Dízimo, Sacristãos,
Serviços do Altar; Pastoral do dízimo.
3 – Serviço da Caridade: Cáritas Diocesano; Pastoral Carcerária; Pastoral da Criança;
Pastoral da Escuta; Pastoral da Pessoas Idosa; Pastoral da Saúde; Pastoral da Sobriedade
(Servos); Pastoral do Menor; Pastoral dos Surdos; Pastoral Operária; ITD Inst. Tecnológico
Diocesano; Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos e Vicentinos.
3.3 –A organização da RCC na Diocese de Santo Amaro
A diocese de Santo constrói um rosto carismático e se apresenta com uma imagem
midiática na pessoa do Pe. Marcelo Rossi. Em quase todas as paróquias da diocese, percebe-
se que existe a RCC com seu grupo de oração. Dessa forma, a diocese é especificamente
carismática e a atuação leiga também resulta por ser uma atuação carismática. Quando a
paróquia não oferece atividades carismáticas, em especial grupo de oração ou missa para
louvor e cura, a tendência é que o fiel vá em busca da paróquia que ofereça esses serviços.
3.3.1 – Um modelo laico carismático de ser Igreja
Ao falarmos de RCC na Diocese de Santo Amaro podemos trazer esse amplo leque de
trabalhos, que mesmo não sendo específicos da RCC, trazem uma renovação proposta pelo
movimento carismático. De acordo com Sandra A. Faria (2012, p. 20), não se consegue fazer
uma compreensão do “surgimento e evolução da RCC no mundo e no Brasil” sem que antes
não se faça uma busca de “fatos ao longo de sua trajetória” de existência. Não são poucas as
várias feições que esse movimento foi tendo no decorrer do tempo”. Seu início pode ser
contado ainda anterior aos acontecimentos de Duquesne, Pittsburgh, em fevereiro de 1967 nos
Estados Unidos. Para o referido autor, pode-se já vislumbrar fagulhas da RCC “em 9 de maio
de 1897 quando o Papa Leão XIII publicou a Encíclica Divinum Illud Mundus, sobre o
Espírito Santo, lamentando que o Espírito Santo fosse pouco conhecido e apreciado,
conclamando o povo a uma devoção ao Espírito”. A RCC tem uma dinâmica pentecostal e
essa dinâmica pentecostal não é exclusividade do catolicismo. Conforme Cantalamessa (1998,
p. 56), “assim como ão podemos dizer hoje: Fora da Igreja não há salvação, da mesma forma
não se pode mais dizer: fora da Igreja não há Espírito Santo”. Segue Cantalamessa (1998), “o
Espírito Santo está misteriosamente atuando fora dos limites visíveis da Igreja, embora
sempre com referência a ela”. Fator importante desse modo de ser da RCC é que como disse
Leandro Andrade Pereira (Coordenador da RCC na Diocese de Santo Amaro), em entrevista
(30/3/2017), “têm muitos carismáticos na Diocese de Santo Amaro que não são da RCC.
Existem grupos que se dizem carismáticos, mas não estão em unidade com as coordenações
gerais”.
De acordo com Mariz (2003, p. 177), quando chegou ao Brasil a RCC não tinha um
estrutura organizada como se encontra hoje. Não tinha ela nenhum “órgão ou instância que
centralizasse o movimento como tal”. Só mais tarde foi criado o organismo internacional, o
International Catholic Charismatic Office (ICCRO), sediado estrategicamente em Roma, que
tem como função organizar encontros, conferências e outras atividades, como a publicação de
um Boletim Internacional, segundo Faria (2012, p.23). Conforme Mariz (2003, p. 177),
reforça essa questão quando diz que “na homepage da RCC, informações ali deixadas por
Brian Smith”, até 1972 o que se constava da RCC era o ICO - Internatinal Communication
Office (Escritório Internacional de Comunicação). Esse escritório estava tinha sede no Ann
Arbor, Michigan – EUA. “Em 1974 esse escritório foi transferido para Bruxelas, Bélgica,
onde vivia o diretor responsável – Ralph Martin”. No segundo congresso em 1977, com a
presença de 110 representantes de 60 países, tomou-se a decisão de formar o ICO e depois o
ICO em 1981 passa a ser denominado de ICCRO. De acordo com Boff (2000, p. 40), são os
congressos internacionais da RRC que aos poucos vão se transformar numa organização do
assim chamado ICCRO – Escritório Internacional da Renovação Carismática Católica. Com a
presença de 10 mil participantes, a RCC se reúne a primeira vez em Roma. Em 1993 criou-se
o Estatuto da RCC. Não será mais ICCRO, mas ICCRS – no seguimento de serviço, pois o
Estatuto ficou com o nome de Estatutos de Serviço Internacional da Renovação Carismática
Católica.
Conforme Mariz (2003, p. 178), oficialmente os membros da RCC reconhecem sua
função a partir da data de 1993, pelo Pontificium Consilium pro Laicis (Pontifício Conselho
para os Leigos). Passa a ser um movimento de leigos, por mais que muitos não aceitem como
movimento. Ficou assim definido, segundo Mariz (2003, p. 178): “um movimento mundial,
mas não uniforme, nem unificado. Não tem um fundador particular, nem um grupo de
fundadores como muitos outros movimentos. Não tem listas de membros participantes”.
Não se saber ao certo quando a RCC começou seus trabalhos na Diocese de Santo
Amaro. Segundo Leandro Pereira, em entrevista (30/3/2017), “a RCC vem da época em que
Santo Amaro ainda não era diocese”. Sendo assim, quando foi criada a Diocese de Santo
Amaro já existiam grupos da RCC na região. Em Erguendo Altares (2014, p. 85), nos anos de
1994 até 1999, a RCC vai ter seu grande avanço no país e na Diocese de Santo Amaro.
Percebe-se que despontam-se os padres cantores, Marcelo Rossi, Fabio de Melo, Hewaldo
Trevisan, Zeca, Antônio Maria, Juarez de Castro, Léo, Jonas Abib, Joãozinho, Reginaldo
Manzotti, e outros. Tem se destacado no últimos tempos o padre Donizete.
Na Diocese de Santo Amaro a RCC tem seu escritório próprio. O atual secretário da
RCC em Santo Amaro é Leandro Andrade Pereira, 35 anos, um leigo casado há 13 anos.
Leandro, em entrevista no dia 30/3/2017, dizia “que a função do coordenador diocesano é
bienal, podendo ser reeleito para mais um biênio. O coordenador diocesano é eleito pelos
coordenadores de Grupos de Oração que estão espalhados nas várias paróquias da Diocese.
Desses grupos é que saem as indicações para coordenadores”. Segue ainda Leandro, “os
coordenadores de Grupos de Oração apresentam os candidatos, e depois de feita a eleição o
nome do candidato com maior número de votos, uma vez aceito ser o coordenador, é levado
ao Bispo Diocesano que o válida ou não”. Segundo Leandro, “antes os nome dos três
candidatos mais votados eram levados até o bispo e ele escolhia um. Era um processo mais
demorado e isso acabava emperrando os trabalhos. A partir desse ano (2017), é que se optou
por essa nova forma de apresentar um único nome”.
Com base em dados na Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p. 3), a RCC está
dividida em 11 setores, seguindo o esquema de divisão já existente na Diocese. Hoje contam
com 68 grupos de Oração mistos (homens e mulheres). Também contam com 4 grupos de
oração Universitário. São 13 grupos de Oração Jovem e 5 Grupos de Oração para Crianças.
Esse trabalho de grupos de oração para crianças “é praticamente um trabalho novo”,
conforme Leandro (Entrevista - 30/3/2017). Segue ainda Leandro, “esse grupo não é um
grupo de passa tempo para as criança, mas um verdadeiro grupo de oração com a missão de
ensiná-las a orar mesmo”.
3.3.2 –Os Grupos de Oração
Como vimos acima, são 68 os grupos de Oração na Diocese de Santo Amaro. Em uma
diocese que conta hoje com 112 paróquias, praticamente mais da metade das paróquias da
Diocese têm um grupo de oração. Segundo dados Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p.
3), “Grupo de Oração é uma das principais formas de participação na vida da RCC”. Pode ser
definido como uma “célula fundamental”, onde se vive a dinâmica da “comunhão fraterna”
entre os membros que fazem a experiência do Espírito Santo. É característica própria da RCC
oferecer aos membros da ICAR, assíduos ou não, “primeiramente uma reaproximação
individual com Deus”. Essa experiência passa pelo canal de experiência de vida no Espírito
Santo. Muitos fiéis da ICAR que se encontravam frios, distantes, sem ânimo espiritual,
acabaram voltando para a igreja. Alguns acabam se envolvendo em outras atividades pastorais
da ICAR e outros são apenas frequentadores dos Grupos de Oração.
De acordo com Georgette Blaquière (1999, p. 21), em se tratando de Grupo de Oração,
sejam quais forem as conjecturas, para a RCC, esse grupo “é, antes de tudo, um lugar de
expectação explícita da passagem de Deus que se processa na oração e na comunhão
fraterna”. Esses Grupos de Oração querem ser uma expressão dos “cenáculos atuais, para a
transformação de homens e mulheres de hoje”.
Há um novo Pentecostes acontecendo semanalmente em cada Grupo
de Oração da RCC! Os sinais de que Jesus Cristo está presente nesses Grupos
de Oração e de que derrama seus Espírito em nossos dias confirmam-se pela
manifestação calorosa do amor, da alegria, da colhida e do brilho no olhar em
cada um dos participantes. [...] Todos aqueles que estão em busca de sentido
para as suas vidas ou que necessitam ser amados por Alguém que nunca os
abandone, eis aqui um convite especial; participe de um Grupo de Oração.
Jesus Cristo, o Senhor, espera hoje por você, pois tem um lindo plano a
realizar em sua vida. Acredite! (Rogério Santos Ex-coordenador RCC SP apud
Revista da RCC de Santo Amaro - 2015, p. 3).
Carranza (2000, p. 45), interpreta que os Grupos de Oração são a “base social da
estrutura” da RRC. Como já visto em outro momento desse trabalho, os Grupos de Oração na
Diocese de Santo Amaro não são diferentes. São grupos mistos, onde pode-se ver crianças,
jovens e adultos. Em muitos grupos há uma prevalência mais feminina. Quanto ao número de
integrantes não se delimita. Pode ter mais em alguns dias ou menos. Nem sempre há uma
participação fixa. “Existem aqueles que buscam o grupo só em momentos de crise, ou que
esteja passando por momentos de dificuldades familiar, desemprego, etc. Uma vez resolvido
seus problemas, abandonam o grupo” (Coordenador do Grupo Oração, Entrevista
21/03/2017). A música é ponto forte nos Grupos de Oração126. Elas sensibilizam os
126As músicas dos rituais carismáticos aqui abordados consistem em uma via privilegiada de manifestação da
emoção. Juntamente com a oração, a música constitui-se no elemento ritual onde se pode perceber a emergência
de uma comunidade emocional. Em ambas as igrejas, os cantos têm papel preponderante nos momentos cultuais
e de encontro. [...]durante os cantos, os corpos recebem relevo. Os gestuais são envolventes e as posturas
corporais procuram mostrar este contato com o sagrado nos abraços, nas máscaras faciais, nos olhos fechados.
As letras evocam privilegiadamente o “poder”, a “maravilha”, o “amor” de Deus para com as pessoas e
particularmente para com aquele que canta, já que a letra é preferencialmente escrita na primeira pessoa do
singular ou do plural. Isto conecta, de imediato, o cantor com o cantado, sugerindo que ocorre aquilo que é
expresso na música: “Edifica em mim uma morada para ti, um lugar onde teu espírito possa sempre estar”, ou,
ainda, “Estamos aqui para te adorar, em tua presença, prá te exaltar...”. (PEDDE – 2000, p.?). Disponível in:
http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3798. Acesso em: 4/4/2017.
participantes, levando-os a introspecção. Geralmente são músicas emotivas, com temáticas
que mexem com os estados emocionais do participantes.
Vamos Jesus passear, na minha vida/ Quero voltar aos lugares em que
fiquei só/ Quero voltar lá contigo, vendo que estavas comigo/ Quero sentir teu
amor, a me embalar/ Cura Senhor, onde dói/ Cura Senhor, bem aqui/ Cura
Senhor, onde eu não posso ir/ Quando a lembrança me faz, adormecer/ Sabes
que a espada da dor entra eu meu ser/ Tu me carregas nos braços, leva-me
com teu abraço/ Sinto minha alma chorar, junto de Ti/ Cura Senhor, onde dói/
Cura Senhor, bem aqui/ Cura Senhor, onde eu não posso ir/ Tantas lembranças
eu quero, esquecer/ Deixa um vazio em minha alma e em meu viver/ Toma
Senhor meu espaço, te entrego todo o cansaço/ Quero acordar com tua paz a
me aquecer/ Cura Senhor, onde dói/ Cura Senhor, bem aqui/ Cura Senhor,
onde eu não posso ir (Música Cura, Senhor do Padre Antônio Maria.
Disponível in: https://www.letras.mus.br/padre-antonio-maria/650598/.
Acesso em: 3/4/2017.
Os Grupos de Oração podem variar em alguns pontos, mas a linha mestra de
seguimento é a mesma. Têm elementos comuns, mas como é próprio da moção do Espírito
Santo, acaba seguindo o perfil do animador desse grupo. De acordo com Carranza (2000, p.
45), por seguir uma prática de oração que privilegia a emoção, o momento de oração acaba
tendo suas peculiaridades, fugindo da padronização. Tem mais ou menos três horas de
duração com louvor, ação de graças, orações em língua, momento de contemplação (apesar de
não ser tão comum silêncio nesses grupos), experiências de libertação e cura. Faria citando
Carranza diz que:
Na busca do entendimento desses rituais é importante ressaltar que o
movimento carismático, para que possa conseguir os resultados que almeja,
enfatiza a emoção, os dons do Espírito, a experiência pessoal de conversão, o
encontro íntimo com Jesus, as curas divinas do corpo, da alma e da emoção, as
profecias e as palavras de Deus enviadas aos homens (FARIA – 2012, p. 80).
No entendimento de Oro (1996, p. 51), os Grupos de Oração, por fazerem uma
experiência pentecostal, reproduzem as características de uma “religião emocional”. Em
observação a um desses grupos em específico, foi possível verificar, que aos moldes ainda dos
cultos pentecostais, os Grupos de Oração seguem a tendência de “discursos inflamados”, ou
seja, com um tom de voz que se mistura entre o grito e lamento ao mesmo tempo. Nos
momentos de oração, em finais de pregações ou de testemunhos, existe a grande aprovação de
alegria com palmas, ou palavras como amém, aleluia, graças a Deus. Ainda é comum ver os
fiéis com as mãos levantadas e os olhos fechados em momentos de oração ou louvor.
Espontaneamente os fiéis podem rezar ao mesmo tempo, sem uma ordem. Nesse momento
ainda é comum ver alguns que choram, outros dão glórias, outros ainda podem entrar em
transe.
3.3.3 – Ministérios da RCC na Diocese de Santo Amaro
O vocábulo “ministério” aqui está diferente do que aparece no “Projeto de Ofensiva”
da RCC de 1993. Lá usava-se ainda o vocábulo “secretaria”. Para Leandro, a RCC foi
orientada para que não se usasse o termo “ministério” para que não houvesse confusão com
os ministérios ordenados127” (Entrevista 30/3/2017). De fato, está bem claro no Documento
da CNBB – 53, ao Nº 29: “Evite na RCC a utilização de termos já consagrados na linguagem
comum da Igreja e que a RCC assumem significado diferente, tais como pastor, pastoreio,
ministério, evangelizador e outros”. Segundo Leandro, em mesma entrevista em 30/3/2017,
“secretaria não era um termo que caia bem para as atividades da RCC, pois secretariar
denota muito o sentido centralizar ou como arquivo que apenas guarda informações”. Assim
conseguiram voltar o termo antigo, com o seu verdadeiro significado, “ministérios, serviço”.
Esses ministérios e serviços seguem a ordem que colocaremos a seguir com base na revista da
RCC de Santo Amaro, editada no ano de 2015, p. 4-5:
1 – Ministério de Pregação: esse ministério tem a função de ajudar no
desenvolvimento do carisma da pregação. Ajuda ao candidato a esse ministério, seja ele já
experiente ou não em tal função, a se desenvolver cada mais como um pregador da Palavra de
Deus dentro dos trabalhos da RCC ou não. Os campos de atuação desse ministério dentro da
RCC são “as reuniões de oração realizadas nos grupos de oração, nos seminários, nos
avivamentos, nos aprofundamentos, retiros, etc.”.
2 – Ministério de Oração por Cura e Libertação: um trabalho que proporciona aos
fiéis que participam dos grupos de oração a buscarem a “cura e a libertação para si e para os
seus”. Segundo o seu coordenador, “o objetivo desse ministério é reascender a chama da fé no
coração de todos pelo poder do Espírito Santo”. Atuam em retiros, encontros e missas. De
127De acordo com Valter M. Goedert (1991, p. 22),” na Igreja encontramos, em primeiro lugar, os “ministérios
ordenados”, isto é, aqueles que derivam do sacramento da Ordem”. São três os graus da ordem: diaconal
(diácono), presbiteral (padre) e episcopal (bispo). Depois temos os “ministérios não-ordenados “, que devem
estar em comunhão com os ministérios ordenados. Continua Goedert (1991, p. 23), o termo ministério deve ser
reservado para aqueles serviços ou funções eclesiais mais importantes, exercidos de modo mais estável,
reconhecidos oficialmente como tais, através de uma ordenação (ministérios ordenados) ou, de uma instituição-
designação (ministérios instituídos ou designados).
acordo com Morton Kelsey (1988, p. 99), a RCC “trata a cura com as mesma abordagem
sacramental de Jesus”. As palavras, o toque, o óleo, são canais da graça e “transmitem o poder
do Espírito Santo”.
3 – Ministério de intercessão: “Interceder é colocar-se no lugar do outro, é se interpor,
é mediar, é atuar no lugar do outro”. Essa definição leva muito ao encontro da expressão
empatia, termo muito usado atualmente na psicologia para falar da capacidade do indivíduo
de sair de si e se colocar no lugar do outro.
4 – Ministério de Música e Artes: são várias as “expressões artísticas dentro desse
ministério, “música, dança, teatro, artes plásticas e etc.”. Esse ministério fornece subsídios
para os demais grupos que queiram usar instrumentos de arte para evangelizar.
5 – Ministério de Comunicação Social: Esse ministério tem o “objetivo de dinamizar,
organizar e efetivar a evangelização através dos meios de comunicação”. Ao mesmo tempo
que dá todo suporte da divulgação dos eventos dentro da RCC. Esse ministério tem a
incumbência de dar apoio a todos os outros ministérios em questões de mídia.
6 – Ministério de Fé e Política: Esse ministério tem como objetivo trabalhar a
conscientização dos cristãos leigos sobre a importância da política na vida de fé. Fala-se sobre
a importância do voto justo. Existe uma abertura em apoiar candidatos que “atuem em
consonância com o Evangelho e incentivar membros da comunidade que se sintam chamado a
este serviço político”.
7 – Ministério para as Crianças: Por meio de uma linguagem adaptada à compreensão
das crianças, esse ministério tem a preocupação de evangelizar através da “oração, música,
leitura da Palavra de Deus”. Na Diocese de Santo Amaro já são vários os Grupos de oração
que têm equipes para lidar especificamente com crianças.
8 – Ministério Jovem: São muitas as alternativas propostas por esse ministério.
Promove-se um material que respalda a juventude nos trabalhos de evangelização de outros
jovens. Encontros formativos são proporcionados nesse fase com temáticas como
“afetividade, sexualidade sem exagero, excessos”, mobilizando a esses jovens “para uma vida
cheia do Espírito Santo”. Sobre o tema RCC e juventude teremos uma capítulo à parte.
9 - Ministério Universidade Renovadas: Com esses grupos espera-se levar a
experiência de “Pentecostes a esses universitários como a que aconteceu em Duquesne. Não
só aos alunos, mas também aos professores e funcionários destas instituições”. Esse trabalho é
ainda aplicado para quem já está formado ou no mercado de trabalho.
10 – Ministério para Seminaristas: São muitos os seminaristas da Diocese de Santo
Amaro que despertam sua vocação dentro dos Grupos de Oração em suas respectivas
paróquias. Ainda muitos deles são despertados pelos padres midiáticos e com isso necessitam
ser alimentados nesse seguimento. Esse ministério tem a missão de manter viva a
espiritualidade carismática nos vocacionados, através de grupos de oração nas casas de
formação ou em retiros de espiritualidade para seminaristas na férias de janeiro e julho.
11 – Ministério de Formação: Tem a incumbência de proporcionar uma formação
permanente aos que estão nos diversos serviços da RCC na Diocese de Santo Amaro. Tem o
objetivo ainda de “formar líderes/servos par que atuem na RCC capacitados e renovados em
sua identidade, unidade e missão. É um ministério de iniciação de toda pessoa que tem
interesse em participar da RCC”.
12 – Ministério de Promoção Humana: Membros desse ministério de ocupam de
cuidar das “obras sociais, priorizando o atendimento aos excluídos”. A base sempre é a
Doutrina Social da Igreja. Esse ministério faz ainda levantamento e participa da organização
de trabalhos dos grupos em suas diversas paróquias espalhadas pela Diocese realize seus
trabalhos individuais.
13 – Ministério para Famílias: Esse ministério está dentro do Grupo de Oração da
RCC com a responsabilidade pela evangelização, acompanhamento e formação das famílias.
3.3.4 – Projetos da RCC na Diocese de Santo Amaro
O renovar carismático da Diocese de Santo Amaro tem desenvolvido projetos que
possibilitaram sua expansão para fora de seu território, atingindo até mesmos outros países.
Ato todo são 9 os projetos, como podemos ver a seguir.
1 – Missão Marajó e Uganda: A RCC na Diocese de Santo Amaro, segundo dados na
Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p. 6), participa dos Projetos Missionários RCC Brasil
que abarca uma Missão Marajó e Uganda. Um projeto que existe “há 7 anos. Antes eram 4 os
missionários que se voluntariaram na Missão Marajó”. Agora conta com mais de 40
missionários em regiões de Breves e Afuá no estado do Pará com duas “Casas de Missão
Marajó”.
Em 2012 a RCC iniciou missões na África, segundo consta, lá encontraram “órfãos da
guerra, da fome, da miséria, da AIDS. Crianças e jovens sem perspectivas de vida, de futuro,
vítimas do acaso, do horror do pecado social” segundo Revista da RCC de Santo Amaro
(2015, p. 6). Ali são oferecidas “educação básica, cuidados com saúde e também catequese”.
2 – Missão Jesus no litoral: “Missão Jesus no Litoral – Uma virada Radical”, é um
trabalho missionário em praias brasileiras durante a temporada de férias. Esses trabalhos são
organizados pelos estados que possuem litoral. Alguns critérios são estabelecidos em nível
nacional, como, “duração mínima do evento, perfil dos missionários, espiritualidade,
convivência fraterna entre os pontos a serem observados”. Os locais de evangelização devem
ser discernidos para numa boa escolha. Tendo como referência dados da Revista da RCC de
Santo Amaro (2015, p. 6), “tudo é pensado para fomentar uma transformação social, humana
e espiritual”. Feita uma avaliação do evento, conclui-se que seus resultados sã positivos e
muitos são atingidos por esse trabalho, pois além do Kerigma os banhistas, turistas ou locais,
recebem dicas de preservação ambiental.
3 – Projeto ARCCA: É um projeto “embrionário”, que seguindo a sigla, é um projeto
missionário que significa Alimentar, Renovar, (a fé e auto estima), Cativar, Catequisar e
Anunciar. Com base em dados encontrados em homepage do projeto, foi em 11 de abril de
2015, durante o encontro de formação para coordenadores, que o projeto teve sua inspiração
de sair pelas ruas de nossa cidade, para cuidar e evangelizar nossos irmãos mais
desamparados. Fez assim nascer a ARCCA!
Assim como a arca de Noé, o movimento missionário ARCCA nasceu
com o desejo de trazer a salvação para nossos irmãos, proporcionando uma
oportunidade de recomeçarem suas vidas em Deus. Este movimento tem por
finalidade Alimentar os mais necessitados, Renovar a fé e a autoestima das
pessoas, Cativar e Catequizar as ovelhas desgarradas e de Anunciar a palavra
de Deus. [...] desde de então todas as quartas-feiras a ARCCA está nas ruas,
levando o amor, o carinho, a palavra de Deus e o alimento àqueles que tem
fome. Nesse pouco tempo de missão, Deus já nos honrou resgatando alguns de
nossos irmãos. Disponível in
https://www.facebook.com/pg/ARCCA.RCCSantoAmaro/about/?ref=page_int
ernal. Acesso em 4/4/2017.
Percebe-se então mais um projeto da RCC na diocese de Santo Amaro, com o intuito
de evangelizar os pobres, os necessitados. Um trabalho de evangelização com dimensão
social. A base desse projeto está muito parecida com os trabalhos da Toca de Assis. Conforme
Carranza (2000, p. 76), os projetos da Toca de Assis têm “caráter menos espiritual e mais
assistencial.
4 – Intercura: Esse trabalho na RCC na Diocese de Santo Amaro já caminha “há 10
anos através dos Ministérios de Intercessão e Oração por Cura e Libertação”. Esses grupos se
unem com a intenção de “levar a cura interior aos filhos de Deus”. São momentos de muito
“louvor e oração”. São vários convidados e entre eles se encontram, segundo Revista da RCC
de Santo Amaro (2015, p. 7), “padres, freiras, consagrados. Novas comunidades e servos de
diversos Grupos de Oração” e “são muitos os testemunhos de quem esteve no INTERCURA”.
5 – Pentecostes: Todos os anos é realizado o encontro de Pentecostes128 da RCC na
Diocese de Santo Amaro. Com base de dados na Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p.
7), “bispos, padres, Novas Comunidades, Grupos de Oração e todo o povo de Deus sedento
do Espírito Santo” são convidados a fazer a “novena celebrando o Pentecostes”. Ali é
aguardado o novo “derramamento do Espírito, um novo Pentecostes que nos livre do cansaço,
da desilusão, da acomodação ao ambiente”. Espera-se na renovação da alegria e esperança.
Conforme Basilio Caballero (1990, p. 143), “em nosso dias assistimos com alegria ao
redescobrimento do Espírito na Igreja. É a hora do Espírito. Tanto o movimento pentecostal
(protestantismo) com o da Renovação Carismática (católica) falam do retorno do Espírito”.
Assim sendo, a festa do Pentecostes é um momento propício, dentro da ICAR, para que a
RCC faça seu “alerta sobre o protagonismo decisivo do espírito Santo na renovação da
ICAR”.
6 – Congresso Diocesano Lança-te para o Céu: Esse evento Lança-te para o Céu
acontece uma vez por ano. É um momento que vem “expressando a unidade e a fraternidade”
da RCC na Igreja de Santo Amaro. Esse vendo “conta com a presença de padres, freiras,
religiosos (as), Novas Comunidades, membros e servos de Grupos de Oração” e outros
simpatizantes da RCC. Nesses eventos acontecem batismo no Espírito.
7 – Incendeia Juventude: É um trabalho feito com intuito de provocar a unidade dos
Grupos de Oração Jovem da Diocese de Santo Amaro. É uma iniciativa do Ministério Jovem
128Todos os anos a ICAR celebra a Festa de Pentecostes em lembrança do Pentecostes do Atos do Apóstolos.
da RCC, criando um espaço aberto onde os jovens possam se sentir à vontade. Seguindo as
bases de dado da Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p. 8), temos que esses momentos de
encontro buscam celebrar juntos com outros grupos não carismáticos a unidade e a comunhão
entre os jovens da Igreja em Santo Amaro.
8 – Congressinho Infanto-Juvenil: O Ministério para Crianças fez a primeira edição do
Congressinho Infanto-Juvenil da Diocese de Santo Amaro em outubro de 2014. Foram mais
de 150 crianças participando desse evento, contando com “teatro, dança, música, oração e
contação de história”. Esse projeto foi ainda apresentado ao Congresso Nacional do
Ministério para as Crianças, segundo Revista da RCC de Santo Amaro (2015, p. 9). O
interesse é que ele seja um modelo de atividades para as outros dioceses onde tenha a RCC no
Brasil. Isso denota que o evento surtiu seu efeito esperado e que serve de modelo para outros
lugares.
9 – Plantão de Oração: Com exceção da 1ª quinta de cada mês, todas as quintas-
feiras, a partir da 19h30, o Ministério de Oração por Cura e Libertação da RCC na Diocese de
Santo Amaro realiza atendimento na sede diocesana. A esse trabalho denominam Plantão de
Oração. As pessoas que ali vão, com agendamento antecipado, são ouvidas pelos servos e
recebem oração para suas necessidades individuais. Os atendimentos são gratuitos. Todas as
segundas-feiras, acontece a mesma atividade em uma outra paróquia da Diocese. O mesmo
grupo das quintas-feiras oferecem esse mesmo trabalho, mas já não na sede da RCC. Também
nessa última os atendimentos são agendados com antecedência, segundo consta na Revista da
RCC de Santo Amaro (2015, p. 9).
Conclusão
Pudemos perceber o quanto foi realizado pela RCC na Diocese de Santo Amaro desde
1989 até os dias de hoje. Assim pode-se concluir que foi grande a relevância de sua atuação
ao longo desses anos, de forma que toda a estrutura diocesana de Santo Amara está, de certa
forma, amarrada à uma dinâmica carismática. O padrão de evangelização tem dinâmica
carismática. Hoje a Diocese conta com 112 paróquias, sem contar com os santuários. Dessas
paróquias, 68 delas têm o Grupo de oração da RCC. É um número bastante considerável que
denota que a RCC tem uma presença forte dentro da Diocese. Além de poder contar com
diversos outros serviços prestados à Diocese. No próximo capítulo ofereceremos uma
avalição da expansão da RCC naquela Diocese. Isso será feito com o objetivo de apontar para
o funcionamento de um dos movimentos que a nossa ver parece ser o mais apropriado para
conter a explosão do pentecostalismo protestante naquela área situada ao sul da Cidade de São
Paulo – Santo Amaro.
Cap. IV
A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NA DIOCESE DE
SANTO AMARO: UMA AVALIAÇÃO
Diferentemente das sociedades tradicionais, nas sociedades modernas a religião não é mais
herdada, mas o indivíduo é levado a constituir sua relação de identidade com a “linhagem da
fé”. A identificação religiosa nas sociedades modernas se processa pela combinação de
quatro dimensões, onde há pouco ou nenhuma influência institucional, a saber: dimensão
comunitária, dimensão ética, dimensão cultural e dimensão emocional.
(Victor Breno F. Barrozo - 2014).
Introdução
A partir da psicologia, antropologia, sociologia e outras ciências, buscou-se sempre
dar uma interpretação para o sentido religioso do homem. Na sociologia pode-se dizer de
Durkheim, que com seus estudos, buscou deixar um legado sobre existir ou não uma forma
elementar da religião que perpassaria todas as culturas. Na psicologia vemos destacar Jung,
quando define “arquétipo religioso. A religião é avaliada como sendo uma construção social,
vista algumas vezes como algo que pode alienar e outras vezes como algo que responde à
busca de sentido da própria vida humana. A religião tem variações conforme a época em que
vivemos, e hoje ela tem se apresentado como resposta muito mais emocional do que uma
mera imposição institucional. A avaliação da RCC na Diocese de Santo Amaro busca
compreender o fenômeno religioso como uma necessidade do homem que se adapta em época
de modernidade como uma religião comunidades de emocionais.
4.1 – A RCC como um constructo religioso do homem do século XXI
4.1.1 - Religião e coletividade em Durkheim (1858-1917)
Para entendermos a RCC como um construto religiosos do homem do século XXI,
podemos buscar a base de Durkheim. De acordo com Renato Ortiz em apresentação ao livro
As formas elementares de vida religiosa de Durkheim (2008, p. 12-13), temos que não vamos
encontrar em Durkheim uma definição de religião, pois não era essa sua preocupação. Era
preocupação de Durkheim tentar entender o “fenômeno religioso, ao tratar das representações
religiosas como constitutivas da sociedade. Para isso teve que se afastar da ideia de que a
religião seria simples ilusão”. Quando estuda as religiões totêmicas, Durkheim imagina
“formas elementares” que serviriam de base para todas as religiões. Busca nas religiões
primitivas elementos que pudessem ser justificados em todas as outras religiões. Conforme
Durkheim (2008, p. 38), “a religião é coisa eminentemente social”, uma vez que “as
representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas”. No
entender de Durkheim os ritos acontecem unicamente quando o grupo está reunido. Os ritos,
de certa forma, têm a função de “suscitar, manter ou refazer alguns estados mentais do
grupo”, uma vez que a vida em grupo é intermitente, ou seja, não é contínua, tem
interrupções.
É na vida em grupo, com efeito, que elas se formam, e a vida em
grupo é essencialmente intermitente. Assim sendo, elas participam
necessariamente da mesma intermitência. Atingem o seu máximo de
intensidade quando os indivíduos estão reunidos e em relações imediatas entre
si, quando comungam todos da mesma ideia ou do mesmo sentimento. Mas
uma vez que a assembleia se desfaz e que cada um retomou a sua própria
existência, perdem progressivamente a sua energia originária (DURKHEIM –
2008, p. 414-415).
Paiva, no ano de 2000, apresentou uma pesquisa intitulada “Os substratos
neurológicos da experiência religiosa: a estrutura subjacente ao desejo”, trazendo os
resultados de pesquisas dos autores d'Aquili e A. Newberg (1995). Conforme Paiva (2000, p.
35), o cérebro apresenta estruturas neurofisiológicas que servem como “substratos para a
experiência religiosa”. Às funções do cérebro estão ligadas as estruturas corticais e
subcorticais, relacionadas ainda a dois mecanismos específicos: “percepção da causalidade
(operador causal) e percepção da unidade na diversidade (operador holístico)”. São
considerados os “dois mecanismos neurofisiológicos essenciais da religião, segundo os
citados autores, que concluem com isso que “os elementos essenciais da religião estariam
instalados no cérebro, independentemente de suas variações culturais”. A partir do operador
causal o cérebro pode buscar as “causas da realidade, deuses, espíritos, demônios”, etc., e a
partir do operador holístico o cérebro busca dar sentido às causas, criando os “fenômenos
místicos”, o mistério, percebido como “fundamental ou transcendente”. Nesse último nascem
as práticas religiosas que envolvem ritmo visual, auditivo, tátil, etc.
[...] OS seres humanos não têm escolha: os mitos podem ser de
natureza social ou individual, mas os homens têm de construir os mitos para se
orientarem num universo caprichoso e contingente. O cérebro constrói os
deuses com os quais os homens podem estabelecer contrato, para conseguir o
controle do ambiente. Tudo isso é inerente ao funcionamento obrigatório das
estruturas neurais (D'AQUILI e NEWBERG – 2000, p. 37).
A reunião de grupos religiosos são necessários para que a religião tenha sua
permanência. Vai ser a partir dessas reuniões, encontros, assembleias reunidas, que a religião
vai reavivar em sua memória o sentido do sagrado. As reuniões, no sentido de representações
coletivas, trazem para os seus membros o conforto mútuo e a fé é reanimada. Esses elementos
apontados em Durkheim não estão longe do sentido da religião que temos hoje. Esses
elementos deixados por Durkheim corroboram ainda com as práticas da RCC analisadas no
percurso dessa pesquisa. Os grupos religiosos de hoje acabam sendo reuniões de reanimação
da fé. Ao olharmos para os grupos de oração da RCC, percebemos a necessidade de cada
indivíduo, cada fiel, em alimentar sua fé nos mementos coletivos de oração. Para Durkheim
(2008, p. 416), “as pessoas tornam-se mais confiantes porque se sentem mais fortes; e
realmente são mais fortes porque as forças que esmoreciam foram despertadas nas
consciências”.
Assim foi o fim de semana de Duquesne, um retiro de 17 a 19 de fevereiro de 1967,
com algumas pessoas da Universidade de Notre Dame, o que deu o início da RCC, como um
movimento pós Vaticano II na ICAR.
Houve Católicos que foram batizados no Espírito antes do fim de
semana de Duquesne [...] mas este foi o primeiro evento em que um grupo de
Católicos experimentou o Batismo no Espírito, juntamente com a
manifestação dos dons carismáticos. O fim de semana de Duquesne provocou
uma ampla experiência do Batismo no Espírito entre os católicos nos Estados
Unidos e ao redor do mundo. Eu não fui a única Católica a dar testemunho
exuberante do novo derramamento do Espírito Santo e seus dons em 1967.
Através de cartas, telefonemas e visitas pessoais, a palavra foi se espalhando
sobre a experiência pentecostal. Um dos professores que foi um líder do Fim
de Semana de Duquesne informou aos seus amigos na Universidade de Notre
Dame, “Eu não tenho que acreditar no Pentecostes: eu o vivi” (MANSFIELD
– 2016, p. 48-49).
De acordo com Durkheim (2008, p. 418), “os cerimoniais colocam a coletividade em
movimento”. Esse cerimoniais fazem com que os indivíduos se reúnam, busquem pelo
encontro. Os cerimoniais não seriam possíveis sem o coletivo. Dentro desse coletivo os
indivíduos se tornam mais próximos, mais afetivos. Acontece uma ação coletiva onde cada
um assume uma função em benefício do bem comum. Escreve Durkheim (2008), que “os
indivíduos se tornam mais íntimos”. Os movimentos da ICAR, de forma geral têm essa
função de agregar as pessoas, “criar fraternidade”. Conta Mansfield (2016, p. 57), que “uma
rede de amizades se formou entre as pessoas da Universidade de Duquesne em Pittsburgh,
Pensilvânia e a Universidade de Notre Dame”. Isso pode ainda ser averiguado no que diz o
Pe. Edward O’Connor, um líder da RCC desde os primórdios:
Uma onda de entusiasmo por vigílias de oração e grupos de oração
estava ocorrendo em todo o país no início dos anos sessenta. Em Notre Dame,
durante o ano de 1963-1964, especialmente, tais atividades floresceram. [...]
Estas primeiras reuniões consistiam de leituras das Escrituras, oração
espontânea, canto e discussões (MANSFIELD – 2016, p. 58).
Vemos assim que a reunião, o unir-se desses indivíduos pode ter sido um fator
propulsor para que nascesse a RCC. Colocaram-se em orações coletivas. Uma anseio coletivo
e não individual. Ainda em Durkheim (2008, p. 419), temos que “o que constitui
essencialmente o culto é o ciclo das festas”. Nesse caso, o ato de comemorar ou festejar de um
grupo acaba gerando o ritmo de datas. O ritmo passa a ser uma expressão da vida social desse
grupo. Um exemplo disso está nas festas anuais de Pentecostes da ICAR. Essa festa que vem
de uma tradição antiga do judaísmo e encontra uma justificativa e valor de ser no
cristianismo. A festa das colheitas para os povos antigos encontra seu significado na festa da
Ressurreição e Pentecostes para os cristãos.
A sociedade não pode reavivar o sentimento que tem de si mesma,
senão com a condição de se reunir. As exigências da vida não lhe permitem
permanecer indefinidamente em estado de congregação; ela se dispersa,
portanto, para se reunir novamente quando sentir necessidade. É a essas
alternâncias necessárias que corresponde a alternância regular dos tempos
sagrados e dos tempos profanos (DURKHEIM – 2008, p. 419).
O ritmo de celebração de um grupo pode apresentar maior ou menor espaço de tempo.
Sendo esse tempo, mais ou menos prolongado, o que vai delimitar o “turno”, ou seja, se essa
comunidade vai estar mais ou menos tempo reunida. Isso vai construir a “quantidade de vida
coletiva e religiosa dessa comunidade”. Sendo assim, conforme Durkheim (2008, p. 420), o
espaçamento entre uma festa e outra dá o ritmo de encontro de uma comunidade. Esses
encontros celebrativos cumprem um efeito satisfatório em seus participantes quando entram
na sua dinâmica. Algo dinamizador “emana da vida em comum”. A isso Durkheim denomina
de “forças coletivas”. Nascem de “ideias e sentimentos objetivados” que por nascerem de uma
ação coletiva são impessoais. Fazem parte de uma cooperação. Assim pode ser interpretado o
papel da religião em Durkheim, como obra de um todo e de ninguém em particular. Existe um
sentimento comum que anima a todos sob a força de determinados resultados. Ao conjunto
das crenças comuns em um grupo Durkheim (2008, p. 447), denomina de “mitologia do
grupo”. Uma coisa é a mitologia e outra é o rito do grupo. O rito serve, por uma lado, para
manter a vitalidade das crenças e por outro lado, para impedir que ela se dilua e com o tempo,
apagando-se da memória da comunidade. Para Durkheim a necessidade de reuniões
esporádicas serve então para reafirmar a natureza de seres sociais aos indivíduos. “As
gloriosas lembranças, revividas diante dos seus olhos e com as quais se sentem solidários,
dão-lhes impressão de força e de confiança: fica-se mais seguro da própria fé quando se vê o
longinco passado a que se remonta e as grandes coisas que inspirou” (DURKHEIM – 2008, p.
448).
De acordo com Catão (1995, p. 33), “a experiência humana, sobretudo a experiência
religiosa, só o é verdadeiramente, quando se desabrocha na comunidade”. O sentido coletivo
da experiência pentecostal da RCC está presente em seus membros. Sentem a necessidade de
que a experiência do Batismo no Espírito seja feita por todos. Só através dessa experiência o
indivíduo pode sentir a renovação e pertença total ao grupo. As reuniões de oração da RCC
têm uma preocupação em contagiar os que dela participam. Em outras palavras Carranza
(2000, p. 24), vai dizer que as experiências de Duquesne sempre serão repetidas como que
num ritual, com elementos que até hoje sobressaem nos grupos de oração, tais “como rezar
com os braços elevados para o alto, gestos que posteriormente ficariam como marca
registrada das expressões religiosas carismáticas.
[...] a emotividade, afetividade e espontaneidade atuando como meios
de comunicação com Deus; a referência constante de sensações como
indicativas de experiências místicas e certeza da presença de Deus; a
necessidade de milagres, como prova de existência divina e, finalmente, o
batismo no Espírito Santo, manifestação pentecostal que confere
especificidade ao Movimento dentro da Igreja Católica (CARRANZA – 2000,
p. 24).
Desta forma, olhando para a RCC, ela expressa uma experiência religiosa da
coletividade. É uma experiência que necessita do coletivo para que as manifestações
aconteçam. No individual ela não teria o mesmo efeito. Os testemunhos carismáticos denotam
essa característica da RCC. Os grandes encontros carismáticos mostram experiências que
muitas vezes só seriam possíveis acontecerem no coletivo. A magia do grupo está fortemente
relacionada, contagia. Até mesmo a experiência do batismo no Espírito é algo que foi
recebido, meio que como herança dos pentecostais.
4.1.2 - A religião como arquétipo em Jung (1875-1961)
Conforme Ávila (2007, p. 38), Jung foi filho de pastor protestante e filósofo arabista e
na terceira etapa de sua vida (1934-1961) tem seus trabalhos mais voltado para a religião.
Discípulo de Freud, Jung dá um outro sentido para a religião, diferentemente de Freud, “que
internalizava a religião como produto dos desejos motivacionais subjetivos”. Existe um
“inconsciente racial na humanidade”. Existe uma vontade universal que está expressa no
sentido religioso que se explica pelo arquétipo.
Para Jung, a religião não é aceitação de determinadas doutrinas, mas
fundamentalmente uma experiência a partir da qual podem ser formulados
conceitos. A experiência religiosa já não é para ele, como para Freud, uma
etapa infantil na vida do homem, mas uma experiência fundamental do
numinoso, que o põe em relação com as dimensões mais intimas de sua
realidade, como o inconsciente coletivo. Não é, tampouco, uma realidade
patológica, já que no processo de individuação tem a função de amadurecer e
curar. C. G. Jung não via a religião como “uma determinada profissão de fé
religiosa” (ÁVILA - 2007, p. 43).
O tema religioso sempre foi do interesse de Jung e por isso, mesmo como discípulo de
Freud, acaba trazendo um sentido mais positivo para a religião. Jung não tem “a preocupação
de falar de Deus, mas da imagem de Deus na alma humana”. Para isso, conforme Ávila (2007,
p. 430), Jung define o termo “arquétipos de Deus”. O que significa que a imagem de Deus
vem já impresso na alma humana e acaba sendo uma experiência coletiva. Ao falar de
arquétipos Jung está falando das dimensões mais íntimas e inconscientes da personalidade.
Para Jung (1999, p. 55), os arquétipos indicam “as formas e imagens de natureza coletiva, que
surgem por toda parte como elementos constitutivos dos mitos e ao mesmo tempo como
produtos autóctones individuais de origem inconsciente”. Os arquétipos são ainda
transmitidos por herança, sem deixar de se demonstrar ainda nas tradições e nas migrações.
Nem sempre as transmissões são diretas e podem estar no profundo da alma. Por isso diz
Johnson (1964, p. 37), “a experiência religiosa para Jung constitui um impulso do
inconsciente coletivo, de energias dinâmicas e símbolos de significado universal”.
Em um trabalho intitulado de As religiões indígenas: o caso Tupi-Guarani, Laraia
(2012, pp. 15-22), apresenta uma pesquisa onde mostra algumas das características dos
sistemas de crenças existentes entre índios do Brasil. Nesse trabalho é possível ver que em
tribos indígenas brasileiras existem práticas que denotam certa similaridade se comparados a
outras tribos, sem mesmo essas tribos terem contato entre si. Exemplo disso são termos como
“xamãs como, homem-médio, feiticeiro ou mago, para designar determinados indivíduos
dotados de prestígio mágico-religioso e reconhecidos em todas as sociedades primitivas”.
Existem mais de comum em grupos humanos do que se imagina. A “memória coletiva” está
presente dando razão a cada grupo de suas ações. De acordo com Berger (2011, p. 93), “os
homens coletivamente, exteriorizam-se na atividade em comum e assim produzem um mundo
humano”. Com isso “a sociedade, em outras palavras, é um produto da atividade coletiva”.
A partir do “arquétipo”, ou “memória coletiva”, pode-se ainda explicar, grosso modo,
as experiências coletivas do pentecostalismo. Assim como aconteceu em 1906 a efusão do
Espírito Santo em Los Angeles, o conhecido “Avivamento da Rua Azusa”, o mesmo acontece
em 1967, em Duquesne, relata Mansfield (2016, p. 56). Ali fizeram a mesma experiência do
batismo no Espírito. “Essa mesma experiência vai acontecer entre os Episcopais, Luteranos,
Presbiterianos e outros em suas igrejas, na esperança de promoverem uma renovação a partir
de dentro”.
O impulso religioso é uma invasão avassaladora de energia psíquica, a
partir do inconsciente coletivo, cujo significado misterioso deve ser
descoberto em arquétipos ou símbolos universais, aparecendo em muitos
culturas, com reminiscências raciais, a fim de informar e guiar o indivíduo,
enquanto luta com o destino, para realizar as potencialidades ocultas de seu ser
(JOHSON – 1964, p. 46).
Para Gracino Junior (2016, p. 29), essas são as dimensões do fenômeno religioso na
contemporaneidade, traduzidas aqui como identidade religiosa, abordada por Durkheim de
uma outra forma, mas que, no fundo acaba tendo o mesmo sentido. Algo no íntimo do
indivíduo o mobiliza para uma manifestação religiosa. Alguns chegam a fazer tanta
identificação com a funcionalidade e normatividade de uma dada religião que acaba entrando
no fundamentalismo religioso. A tudo isso está ligado o fundamento que Jung acreditou
existir como arquétipo, uma marca religiosa em todo humano.
4.1.3 – O homem na pós modernidade: seus encantos e desencantos
Com base nas ciências antropológicas, sociais e psicológicas, encontramos teorias que
nos ajudam numa justificativa de que o homem é um ser com tendências religiosas. Não no
sentido de uma religião institucional, mas de uma espiritualidade. Diante do “mistério” de sua
existência o homem sempre se interrogou sobre sua existência. Livre ou não, consciente ou
não, sendo “dono” de sua vida ou não, o homem sempre foi uma incógnita para ele mesmo. A
religião, suas práticas de culto vêm muitas vezes, para amenizar sua angústia existencial.
Diferente do animal que não questiona sua existência, o homem, pelo contrário, a questiona.
Como escreve Ivo Storniolo (2001, p. 10), a vida de cada um, irrepetível e inominável, fica
sempre contida dentro de um segredo secreto, inefável e talvez inimaginável”.
O mito129 da criação, possível de ser encontrado em diferentes religiões, expressam
que a existência humana é um mistério. O homem sempre se interroga sobre suas origens e
sua impotência diante do seu próprio existir. Olhando para umas das maiores referências para
o homem religioso cristão, que a “Sagrada Escritura”, no primeiro livro das origens, Gênesis,
1, 1, lemos: “No princípio Deus criou os céus e a terra”. Conforme os autores Henrich
Krauss e Max Küchler (2007, p.20), “no princípio”130 (em hebraico be-reschit) indica que a
criação deve ser vista como acontecimento temporal. Sobre o tema espaço e tempo sagrado
podemos encontras referências em Eliade (2013, p.23), falando de “espaço sagrado e a
sacralização do mundo”. Ainda em Gn 1,27, dando sequência à obra da criação, o homem
tentando entender sua existência, temos que: Deus criou o homem à sua imagem, à imagem
de Deus ele o criou, homem e mulher ele o criou. Na visão ainda de Krauss e Küchler: (2007):
[...] por trás disso encontra-se amplamente a difusa convicção de que o
ser humano teria em si algo de divino, que nele o divino e o terrestre se ligam.
A afirmação bíblica, porém, não pode referir-se a uma semelhança corporal,
uma vez que seria impossível para o autor da primeira história da criação, o
qual tanto enfatizou a transcendência de Deus, imaginar Deus em forma
humana (KRAUSS e KÜCHLER – 2007, p. 42).
Esse homem e mulher, “criados à imagem e semelhança de Deus”, devem “dominar
sobre os animais e sobre a terra”. Na interpretação de Krauss e Küchler (2007, p.43), esse
versículo contém o significa da missão de formação cultural do mundo. É um domínio, de
certa forma limitado, na medida em que diz respeito apenas aos animais e à terra com suas
plantas. O ser humano não possui poder algum sobre as coisas do céu e, portanto, nenhum
poder sobre o tempo, que é “regido” por astros estabelecidos numa esfera própria de domínio.
129Em se tratando de mito, pode-se dizer que diante da sociedade culturalmente intelectualizada, sabedora das
verdades, o mito ganhou conceito negativo, pejorativo. Mas o mito tem sua razão de ser. Quer expressar algo que
existe, mas que não tem explicação meramente humano. Por isso a religião está muito envolvida em narrativas
míticas. O mito quer expressar o “inefável”. Para explicar o inefável não dá para usar uma linguagem filosófica e
científica. Sendo assim o “mito é pré-reflexivo, não passou pelo crivo da razão analítica. Isso, porém, não lhe tira
o valor. Porque o seu “sucesso”, sua aceitação arcaica, mostra que ele tem algo para nos dizer. [...] O que se deve
aceitar é a mensagem, não o raciocínio explicativo. Porque a mensagem expressa uma intuição básica do
homem. Mito, do grego, significa, o que é para contar. Os mitos situam o mundo, a diversidade de seres, a
fecundidade, os fenômenos da natureza (PUCRS – 1980, pp. 30-31). 130 Para Krauss e Küchler: (2007, p. 20), outras culturas usam a mesma palavra “princípio” para falar de começo.
Assim temos a Epopéia de Gilhamesh e a Teogonia do poeta grego Hesíodo.
Com isso fica uma incógnita sobre esse ser que é, “imagem e semelhança do Criador”, mas
que é um ser limitado.
Assim sendo, o homem vê-se limitado e essa limitação coloca em choque sua própria
existência. Em busca de si mesmo projeta sua impotência “num outro”, no divino. Nasce daí o
culto, a religião como expressão do culto. Muitas vezes o homem parece ter mais facilidade
de definir o divino do que definir a si mesmo. Pode-se dizer que a definição do divino retrata
suas limitações. Coloca no divino suas carências. Falando do “Sagrado”, Rudolf Otto diz da
necessidade, até mesmo como algo “essencial”, que se defina a
“Divindade com clareza, caracterizando-o com atributos como
espírito, razão, vontade, intenção, boa vontade, onipotência, unidade da
essência, consciência e similares, e que ela portanto seja pensada como
correspondendo aos aspecto pessoal-racional, como o ser humano o percebe
em si próprio de forma limitada e inibida (OTTO – 2014, p. 33).
Como definir a divindade quando não temos ainda capacidade de nos auto definirmos.
Qualquer tentativa de uma definição do “sagrado” acabará sendo limitada, pois estará limitada
à nossa experiência que por sua vez também é limitada. Segundo Krauss e Heinrich (2007,
p.42), “diz-se que Deus o quis “à nossa imagem, com nossa semelhança”. Essa é a
pressuposição para o fato de o ser humano ser capaz de intimidade com Deus”. Está presente
o “Imago Dei”, ou “retrato”: o termo ainda denota que o homem traz em si algo de divino”. O
humano une-se ao divino. Ou diria ainda, o humano tem desejo de um divino. São Paulo
Apóstolo dizia no Aerópago: “Fez que buscassem a Deus e o encontrassem, ainda que às
apalpadelas. Pois não está longe de nenhum de nós, já que nele vivemos, nos movemos e
existimos, como disse um de vossos poetas: Pois somos de sua raça”. Essa é a pretensão
humana. Nos conforta saber que pertencemos à divindade. Para Krauss e Küchler (2007, p.
42), “frequentemente, encontra-se até mesmo a concepção de que a figura humana teria sido
formada de acordo com a dos deuses “.
Para Schleiermacher, interpretado por Otto (2014, p. 41), a partir de uma análise de
uma fala de Abraão, pode--se pensar ainda o quanto o homem tem um “sentimento confesso
de dependência de Deus”: Tomei a liberdade de falar contigo, eu que sou poeira e cinza (Cf.
Gn 18,27). Em outras palavras significa dizer que vai ser “o sentimento do humano (criatura),
um reflexo da numinosa sensação de ser objeto na autopersepção”. Um texto bíblico que
expressa bem essa realidade ainda está em Gênesis 33, 18-23. Esse trecho pode ser
identificado como “A glória do Senhor”. Um belíssimo diálogo de Moisés com Deus.
Então ele pediu: -Mostra-me teu glória. Ele respondeu: -Eu farei
passar diante de ti toda a minha riqueza e pronunciarei diante de ti o nome do
“Senhor”, porque me compadeço de quem eu quero e favoreço a quem eu
quero; mas não podes ver o meu rosto, porque ninguém pode vê-lo e continuar
vivendo. E acrescentou: - Aí, junto à rocha, tens um lugar onde ficar; quando
minha glória passar, eu te colocarei numa fenda da rocha e te cobrirei com a
palma da mão, até que tenha passado, e quando retirar a mão poderás ver
minhas costas, mas não verás o meu rosto (Cf. Gn 33, 18-23).
Nesse diálogo está claro o quanto Deus é “luz inacessível”, como pode ser visto em I
Timóteo 6,16. Algo que o humano não pode possuir e mesmo ainda, não pode definir. Diria
ainda M. Merleau-Ponty (2005, p. 48), “a consciência moral (isto é o ser humano) morre em
contato com o Absoluto”. O homem não suportaria estar em contato com uma perfeição já
realizada. Uma vez contemplado sua face aqui nesse mundo, não conseguiria mais viver. O
conhecimento que o humano tem do divino, por mais que seja uma experiência profunda
como o foi a de Moisés, mesmo assim ainda será limitado. Assim Otto (2014, p. 44) o defini
de “Mysterium Tremendum”. Em outras palavras, o divino é “arrepiante” e “avassalador”.
Segundo Crisóstomo apud Otto (2014, p. 44), “enquanto totalmente outro, o mirum, aquilo
que foge ao nosso entendimento na medida em que transcende [nossas] categorias”. Ele é o
“incompreensível e inconcebível, o akatalepton”. Assim sendo, o “numinoso”.
Diante desse Mysterium Tremendum o homem vai por muitas vezes encantar-se e
desencarta-se. Em PUCRS (1980, p. 15), temos uma frase de Max Scheler que diz: “há uma
lei essencial: todo o espírito finito crê ou em Deus ou em um ídolo”. Essa definição é feita a
partir de um conceito cristão, pois em outra visão religiosa esse “Deus” também pode ser
visto como um ídolo. Essa mesma ideia ainda pode ser reforçada em Dostoiwski apud
PUCRS (1980, p. 15), quando afirma que “o homem se inclina sempre: se não ante Deus, ante
um dos ídolos que se criaram no Ocidente, que deixou de ser cristão: ante a força, ante o
Estado, ante a raça, ante o capital. E quão mortais são estes deuses”.
O fato de que os povos, por diferentes que sejam suas condições de
existência e apesar de todos os entrechoques com o entumecimento
eclesiástico da religião, não a tenham abandonado, mas que tenham surgido
novas religiões em lugar das velhas, ou religiões renovadas junto às
envelhecidas; o fato que, depois de épocas de dissolução do livre pensamento,
indiferença amarradora, ou desfiguração supersticiosa, cada vez as autenticas
forças religiosas se tenham despertado com mais viva energia e tenham
fascinado os homens, este fato da experiência da história dos povos torna
evidente que as forças elementares da natureza humana, aqui ativas, são
indestrutíveis (HELLPACH apud PUCRS - 1980, pp. 15-16).
Nas palavras de Willy Hellpach (1877-1955), psicólogo da religião, pode-se assim
dizer que o que se muda é o objeto do encantamento. Ou seja, está na alma do humano a
necessidade de um contato com algo superior como forma de reconhecimento da criatura.
Diante do Mysterium o humano tem a necessidade de fazer seu louvor. O fenômeno dos
novos movimentos é expressão de um reencantamento. No fundo foi uma desilusão, mas o
sentido nunca foi perdido.
O salmista faz uma pergunta: “- que é o homem, que dele te lembres e o filho do
homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e
de honra o coroaste” (Cf. Sl 85-6). Essa é a pergunta que ainda carece de resposta para o
século XXI. Diante disso poderíamos nos perguntar como ficam o homem e a mulher diante
da criação, sendo eles imagem e semelhança do Criador? Quais as consequências disso?
Conforme Adolphe Gesché (2005, p. 45), “o ser humano está em busca de sua identidade:
quem sou eu? Não lhe basta existir, ele quer saber quem é, senão não se compreende e não
encontra o sentido de sua existência”. O homem em construção precisa definir sua identidade.
E por isso também busca definir a identidade de Deus. Existe um texto bíblico em que relata o
encontro de Moisés com a divindade diante da “Sarça Ardente”. Acontece a teofania no seu
verdadeiro sentido, mas mesmo assim Moisés não ficou satisfeito enquanto essa divindade
não lhe revelou sua identidade. Moisés, para seguir sua missão de libertar o Povo de Israel da
escravidão do Egito precisou ter certeza de quem o estava enviando. “Se os filhos de Israel me
perguntarem qual é (teu) nome, que lhes responderei?” (Cf. Ex 3,13). Moisés quer saber o
nome da divindade. Busca por uma identidade. Ainda segundo Gesché (2005, p. 49),
“ninguém se constrói nem se compreende só diante de si próprio, na solidão. Precisamos ser
arrancados, chamados, interpelados. Não somente para saber quem somos (existência), mas o
que somos (identidade) e isso gera autonomia e diálogo”. “E vós, quem dizeis que eu sou?”
(Cf. Mt 16,15).
Conforme os autores Francisco Catão e Magno Vilela (1994, p. 20), desde as origens,
o ser humano sempre se colocou a questão do sentido da vida, em todas as épocas, sociedades,
economias e culturas. Em outras palavras, o ser humano se distingue progressivamente dos
grupos de animais e primatas na medida em que associa a questão do sentido ao ato de viver e
sobreviver. Tanto a “sociedade” como o “sentido” são igualmente primordiais para o homem
de hoje. O homem encontra sua razão de ser no convívio com o outro e na busca de sua
identidade.
Jung tem um conceito bastante importante chamado de processo de “individuação”.
Segundo Agostinho apud Antonio M. Gomes e Carlos A. C. Barbosa (2012, p. 126), “não foi
criado por Jung”, mas ele o levou muito em consideração. Esse termo vem da filosofia
misturado à alquimia. Tem o significado de “um processo de construção e particularização do
ser individual que se distingue do grupo, do conjunto e da psicologia coletiva. É um processo
de diferenciação que tem como escopo o desenvolvimento superior da pessoa”. É um
processo que exige coragem e ao mesmo tempo provoca dor. Um processo doloroso e ao
mesmo tempo solitário. Segundo Santo Agostinho apud Gomes e Barbosa (2012, p. 129),
“solitário porque, com a individuação, a pessoa vai se tornar o que ela é de fato e não o que os
outros pensam”. Passando por esse processo o indivíduo necessariamente entre em um
processo de consciência de si e da realidade que o cerca.
Quem compreende o valor supremo da consciência, compreende o mito junguiano.
Para que aja uma consciência religiosa faz-se necessário uma verdadeira consciência
individual. Caso contrário o indivíduo pode correr sérios riscos numa experiência religiosa
alienada. A busca pelo Sagrado pode ficar truncada e não se chegar a uma verdadeira
experiência religiosa. Pode-se ainda seguir um grupo por seguir e a experiência do sagrado ser
uma mera imitação. Por isso nos serve pensar quantos indivíduos fazem uma experiência da
religião com bases no outro. Buscando o sentido da existência e o sentido do religioso, pode
ajudar a compreensão do processo de individuação, bem especificado em Lawrence W. Jaffe:
1) - Individuação é o processo permanente e contínuo de tornar-se
indivíduo consciente. O objetivo da vida humana, segundo Jung, é servir a
Deus através do desenvolvimento da consciência. 2) – Cada indivíduo precisa
descobrir o lugar que, por bem ou por mal, está destinado a ocupar neste
mundo, segundo sua natureza. É um processo doloroso de tentativas e erros. 3)
– Individuação é a encarnação contínua de Deus para o propósito da
transformação divina (JAFFE – 2002, p. 27).
Assim sendo, o processo de individuação é a capacidade do homem de pôr-se em
movimento e crescimento espiritual. Consciência é o conhecimento do que se passa em nós e
conforme Jaffe (2002, p. 29), “o mito junguiano afirma que a consciência que alcançamos em
nossas vidas é redentora”. Ainda, “Deus só pode existir se o homem tiver consciência
suficiente para percebê-lo”. A religião não pode ser vista como algo que aliena o indivíduo e
manos ainda como uma mera prática de rituais sem sentido. Por isso ainda escreve Jaffe
(2002, p. 52), “à medida que desfazemos os véus da ilusão, os complexos, começamos a
compreender os aspectos de Deus”.
Não é nosso interesse aqui fazer uma dissertação na tentativa de definir o que seja
religião, mas olhar o sentido da religião para o homem. Diante das questões aqui observadas,
a RCC em tempos de pós modernidade, pode ser classificada como uma expressão religiosa
que denota um reencantamento para o homem do século XXI. São novas formas de viver o
sentido religioso. Prova-se que a busca pelo sagrado é sempre atual. Só mudam os métodos.
Conforme diz Berger (2011, p. 15), a religião ocupa um lugar de destaque na sociedade
humana na tentativa de construção do mundo, servindo de instrumento de legitimação que
mantem a realidade desse mundo socialmente construído. Um estudo do sentido da religião,
olhando por essa lógica de Berger, não seria possível sem passar pelo contexto social, pois
existir num determinado mundo religioso significa existir no contexto social particular. Para
Jean-Paul Willaime (2012, p. 9), toda religião existente é “um universo complexo” com sua
maneira específica de se manifestar “no tempo e no espaço”. Sendo assim, “qualquer análise
do campo religioso” tem que ser “plural: história, sociologia, etnologia, filosofia, ciências
políticas, etc., onde cada um possa fazer um olhar específico”.
São várias as maneiras de se ver a religião. No Manual de Cultura religiosa, Religião e
Cristianismo (PUCRS, 1980), um material produzido pelo Instituto de Teologia e Ciências
religiosas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p. 20ss., temos: a) –
Redução evolucionista; com base das teorias darwinistas de Charles Darwin, século XIX,
pensou-se a religião apenas como uma forma de defesa intuitiva do homem diante dos
fenômenos da natureza. Uma vez que o homem evolua, a tendência é de que a religião saia de
cena. b) – Redução positivista; com base na teoria de Augusto Comte, pensou-se a religião em
três níveis: mágico ou mítico, filosófico-abstrato e o científico-exato ou positivo. c) –
Redução psicologista; o expoente principal dessa corrente foi Freud, onde a religião resultaria
do “Complexo de Édipo”. O homem se “revoltando contra a figura opressora do pai, que lhe
proíbe o objeto primeiro de sua libido”. Veneração e raiva estão bem misturadas. Essas
atitudes são bem presentes em manifestação religiosas hoje. Pode-se até falar das neuroses
religiosas de certas pessoas em determinados grupos religiosos. Segundo essa teoria, “o
homem religioso adulto não é obsesso pelo medo de Deus, projeção obscura de um pai
rejeitado”. Por isso “não busca uma identificação confusa com Deus”. d) – Redução
socioeconômica; traz como base os conceitos de Karl Marx, onde a religião é vista como fuga
do conflito socioeconômico. Ficou famoso o termo de religião como “ópio do povo”. A
religião seria uma válvula de escape, diante das preções econômicas. Essa teoria não encontra
sua justificação quando percebemos que a religião faz parte entre pobres e ricos. e) - Redução
moralista; tem sua fundamentação em Imanuel Kant, num processo de modernidade, onde o
iluminismo apresenta um conceito filosófico de uma “religião ética”. A religião seria uma
forma de fazer com que o homem se comportasse bem. Teoria essa sucumbida quando
percebe-se que em “religiões primitivas” pode ser visto conceitos “amorais”.
A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os povos as formas, os
veículos e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda
seriedade moral. Em todo lugar, o sagrado contém em si mesmo um sentido de
obrigação intrínseca: ele não apenas encoraja a devoção como a exige; não
apenas induz a aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional
(GLIFFORD GEERTZ – 2008, p. 93).
Para Durkheim (2008, p. 54), “a religião seria, assim, uma espécie de especulação
sobre tudo aquilo que escapa à ciência”. Nessa mesma linha Max Müller apud Durkheim
(2008, p. 55), via em toda religião “um esforço para conceber o inconcebível, para exprimir o
inexprimível, uma aspiração ao infinito”. Assim sendo, percebe-se que a religião não deve ser
reduzida a uma simples corrente, seja essa ou aquela. Como já dizia Paulo Apóstolo aos
atenienses no Aerópago: “Atenienses, percebo que sois extremamente religiosos. Pois
andando e observando vossos lugares de culto, encontrei um altar com esta inscrição: ao deus
desconhecido” (Cf. At 17, 22-23). A busca religiosa é ampla e deixa espaço para divindades.
Constrói-se altares diversos até mesmo para recepcionar um possível deus desconhecido.
Importante ainda trazer aqui o conceito de que religião deve ser visto como algo
diferente de espiritualidade. Conforme Boff (2001, p. 10), “a espiritualidade é uma das fontes
primordiais, embora não seja a única, de inspiração do novo, de esperança alvissareira, de
geração de um sentido pleno e de capacidade de autotranscedência do ser humano”. A
espiritualidade deve, em outras palavras, provocar a mudança interior e por isso difere da
religião. A Espiritualidade está relacionada às “qualidades do espírito – tais como amor e
compaixão, paciência e tolerância capacidade de perdoar, contentamento, noção de
responsabilidade, noção de harmonia – que trazem felicidade tanto para a própria pessoa
quanto para os outros”, segundo Boff (2001, p. 21). As religiões por outro lado se preocupam,
dentre outras coisas, a formularem doutrinas que possam direcionar o fiel ou que apontem
para caminhos para a luz. A religião corre o risco, de se esquecer da espiritualidade.
Seja definido como um Deus politeísta ou monoteísta, desde muito tempo o homem
busca fazer uma experiência da divindade. Por mais que falemos de um “cidadão
secularizado” no século XXI, percebe-se que esse mesmo cidadão, negando sua dependência
a um “deus”, pega-se devorando “literatura sobre o horóscopo”. Com a religião o homem
consegue determinar, em seus rituais, “o tempo e o espaço do sagrado (hierofania131)”. De
acordo com Eliade (2013, p. 17), a hierofania é uma forma bem simples e “exprime apenas o
que está implicado no seu conteúdo etimológico, algo separado que se nos revela”. Tudo o
que não é sagrado, denomina-se o profano, segundo PUCRS (1980, p. 28). Essa é uma
experiência relado no início do judaísmo com Moisés diante da “Sarça Ardente”.
O anjo do Senhor apareceu-lhe numa chama entre as sarças. Moisés
prestou atenção: a sarça ardia sem consumir-se: Moisés disse: - Vou
aproximar-me para olhar este espetáculo tão admirável: como é que a sarça
não se queima. O Senhor vendo que Moisés se aproximava para olhar,
chamou-o do meio da sarça: - Moisés, Moisés! Ele responde: -Estou aqui!
Disse Deus: -Não se aproximes. Tira as sandálias dos pés, pois o lugar que
pisas é terreno sagrado...” (Ex 3,2-5).
Na Bíblia temos a referência ao “Santo dos Santos, como o lugar mais sagrado do
tabernáculo e do templo. Ali ficava a “arca da aliança”, simbolizando a presença do Deus vivo
no meio do povo. Para entrar no santo dos Santos tinha que ter qualificação. Não era qualquer
pessoa que podia entrar. A pessoa qualificada para a comunidade de Israel era o Sumo
Sacerdote (o “chefe” de todos os sacerdotes). “Ele entrava nesse lugar e apenas uma vez por
ano para fazer expiação pelos pecados do povo”. Isso pode ser conferido em Levítico 16, 34.
O sagrado é entendido como área reservada ao santo. Um espaço “revestido do caráter
numinoso, temendo e fascinante. Esse sagrado por se manifestar tanto na benção como na
maldição. Temos essas evidências na “magia branca e preta no quimbanda”.
Dois vocábulos podem nos ajudar na compreensão da construção humana de sagrado e
profano. Esses dois vocábulos são o mito e rito, como podemos ver a seguir.
Mito: Como já tratamos acima, o mito, grosso modo, é uma forma de explicar o
sentido histórico do homem de onde o figura de seu ancestral não seja mais recuperável. A
narrativa da criação e de Adão e Eva na Bíblia, é uma forma do autor do livro tentar explicar
o que inexplicável. Mas explicando o inexplicável o autor delimita como acredita na sua
origem. Conforme McKenzie (2005, p. 621), “mito é um relato totalmente fantástico que
geralmente apresenta pessoas, ações e fatos sobrenaturais e que contém algumas ideias
populares relativamente aos fenômenos históricos naturais”. Falando sobre o mito como
modelo exemplar, Eliade (2013, p. 84), usa os termos latinos ab initio e in illo tempore, para
131A palavra hierofania vem de duas palavras gregas: “hierós” (santo, sagrado) e “fanein” (manifestar).
Hierofania é então toda e qualquer manifestação do Sagrado. Neste sentido devemos nos acostumar com a
hierofania em qualquer lugar e em qualquer tempo nos vários setores da vida, seja fisiológica, econômica, social
e espiritual: tudo que o ser humano operou, sentiu, encontrou ou amou pode se transformar em objeto
hierofânico. Disponível in: http://alvanomutz.blogspot.com.br/2006/08/hierofania.html. Acesso em: 15/04/2017.
explicar que o mito conta algo que está no começo (ab initio) e que significa algo que já
passou (in illo tempore). “É uma narrativa daquilo que os deuses ou os seres divinos fizeram
no começo dos tempos”. De certa forma esses mitos querem “justificar”, ou dar certa
“validade” à história sagrada de um povo.
Criaram-se então os mitos que anunciam o sentido e criam elos com as
misteriosas fontes da vida, de que o grupo humano depende para sobreviver.
Junto com os mitos, nasceram os preceitos a serem observados na vida do
grupo. Não se apresentavam, porém, como concussões de uma vida científica
nem como elaboração racional de uma ética fundada na opção de alguns. Ao
contrário, tratava-se de exigências vinculadas às fontes sagradas da vida, em
que o próprio grupo encontrava sua origem e identidade (CATÃO e VILELA
– 1994, p. 21).
De maneira geral os mitos estão relacionados às origens de algo, em especial às
origens da vida humana. Para Lévy-Strauss apud PUCRS (1980, p. 30), “O mito, talvez o
primeiro produto da civilização, expressa uma tentativa de compreensão que o homem busca
fazer do seu objeto distanciado. Nessa tentativa se torna fundador da sua própria civilização
em expressões. Assim acontece para com a mitologia, os dogmas, os tabus, etc..
Rito: O rito é uma ação diante do sagrado. Todas as religiões têm seus ritos:
sacrifícios, bênçãos, exorcismos, invocações, etc.. Para Mircea Eliade (2013, p. 89), ritualiza-
se os mitos, pois “o homem só se torna verdadeiro homem conformando-se ao ensinamento
dos mitos, imitando os deuses”. O rito de uma fé vai dar o senso de pertença do indivíduo ao
grupo. Para a ICAR existe a “profissão de fé”, chamado de “credo”, uma síntese de fé que
vem definida desde os Apóstolos. Através dele se professa crer em Deus numa dimensão
coletiva. Como escreve Durkheim (2008, p. 75), “as crenças religiosas são sempre comuns a
determinada coletividade que faz profissão de aderir e de praticar os ritos ligados a elas”. Os
gestos são sempre uma expressão do humano na tentativa de pontar o mistério da vida.
Adicionemos que um tal imitatio dei às vezes implica, para os
primitivos, uma responsabilidade muito grave: vimos que certos sacrifícios
sangrentos encontram sua justificação num ato divino primordial: in illo
tempore, o deus havia espancado o monstro marinho e esquartejado seu corpo
a fim de criar o Cosmos. O homem repete o sacrifício sangrento – às vezes
com vítimas humanas – quando deve construir uma aldeia, um templo ou
simplesmente uma casa. As possíveis consequências da imitatio dei são
reveladas claramente pelas mitologias e rituais de numerosos povos primitivos
(ELIADE – 2013, p. 89).
O rito pode se tornar degenerativo e necessitar de novas expressões. Eles podem ficar
vazios. Por isso podem ser substituídos por outros que tenham novo sentido. Isso talvez possa
explicar a busca de renovação das novas comunidades carismáticas pentecostais. Elas buscam
renovar seus ritos, trazendo um “novo ardor”, o “aggiornamento”. Corre-se ainda o risco,
como consta em PUCRS (1980, p. 32), “depois de terem expulso os ritos, eles mesmos
tornam-se fonte de novos ritos, como aconteceu com Buda...” Foge-se do ritualismo
desgastado, muitas vezes vazio, cai-se em outro ritualismo. Isso é o risco que se corre. Muitas
vezes os mitos gastos deve ser retirados de circulação e, diferente de ser negativo, isso pode
ser positivo, e chama-se a isso de desmitologização.
4.2 – A RCC: uma religião em tempos de modernidade
A sociedade do século XXI vem cada vez mais se apresentando com o que muitos
chamam de modernidade secularizada. Uma vez que não mais existe uma religião com
hegemonia de mercado, abre-se o campo para um pluralismo religioso. Surgem novas
tendências religiosas que vêm ocupando o campo religioso, e a RCC emerge como um desses
grupos. Pergunta-se, a RCC apresenta um padrão de autonomia, heteronomia ou teonomia
religiosa?
4.2.1 - Modernidade, secularização e desencantamento
Na literatura encontramos alguns expoentes que trataram de temas falando de uma
sociedade secularizada, onde os elementos míticos religiosos deixam de ter seu domínio. As
religiões, sejam quais foram elas, não importa a época são portadoras de elementos míticos.
Esses elementos míticos se dispõem dos ritos e cultos como expressão de valores religiosos. É
comum ver que a sociedade passe a ser regida, de certa forma, por esses elementos religiosos.
Prova disso é perceber que em pleno século XXI movimentos pentecostais tem ganhado
amplo campo religioso brasileiro. A RCC na Diocese de Santo Amaro corrobora com a
mesma linha de pensamento de uma sociedade que busca o sentido religioso.
Diante disso o que dizer do que escreve Willaime:
Se a industrialização, a urbanização e a racionalização contribuíram
com a dissolução dos mundos religiosos, se a modernidade representava um
desencantamento do mundo (Weber), o religioso poderia, desde então,
apresentar-se como um sobrevivência do passado condenado a desaparecer, no
curto ou médio prazo, do horizonte das sociedades modernas (WILLAIME –
2012, p. 144).
Assim poderíamos perguntar, seria um problema da religião ou um problema da
instituição religiosa? Na fala de Willaime precisamos ver o sentido da religião enquanto
instituição. Essa sim vai encontrar desafios na modernidade. É certo que religião e
modernidade começam a não mais conseguirem uma unidade de princípios. De certo modo as
instituições religiosas já não mais conseguem essa unidade com a modernidade. Há uma
antinomia e as novas religiões vão tentando se adaptarem à modernidade. Fala-se agora de
uma religião laica. Vimos que diante da evidência da necessidade das mudanças que exigia a
modernidade, o catolicismo tomou posições bastante radicais e não quis abrir espaço para a
possibilidade de diálogo. Ela se posicionou fazendo as “Compilações dos principais erros dos
nossos tempos”, o “Syllabus” (1864). Essa posição da ICAR, uma vez que tinha hegemonia
religiosa, veio reforçar ainda mais o distanciamento entre religião e modernidade. Mas o
indivíduo não deixou de ser religioso. O autor Willaime (2012, p. 146), cintando S.
Acquaviva (1961), diz que esse fechamento originou a ideia de um “eclipse do sagrado nas
sociedades industriais”. De uma lado a sociedade não para, não tem mais como voltar atrás e
por outro lado a religião ficaria estagnada, fechada em seus dogmas se não se abrisse às novas
propostas.
Pode-se dizer que em algum momento a instituição tenha visto as demandas da
modernidade como um ateísmo e por isso tenha se colocado tão resistente. A ICAR em
especial interpretou o processo de secularização como ateísmo ou tentativas da implantação
de um mundo sem religião. Como para Marx a religião seria “ópio do povo”, um meio de
acalmar e de controlar, para Freud a religião seria uma ilusão, expressão de neurose e
imaturidade psíquica (regressão), segundo Küng (2010, p. 66). A ICAR, de certa forma,
interpretou que “Buda tenta resolver o problema da dor sem apelar para Deus” e que Marx e
Comte teriam feito a mesma coisa. Sem deixar de falar aqui dos conceitos de Nietzsche de
que “Deus está morto! Veja que para a ICAR todos esses conceitos ferem seus preceitos. Ela
não comunga com a ideia da morte de Deus. Por esses motivos, na visão da ICAR o progresso
não traz vantagens para o homem atual.
[...] Por fim o ateísmo surge também por uma questão de opinião
pública. Em épocas passadas, a sociedade se professava publicamente
religiosa. Suas bases eram Deus e a consciência moral dos cidadãos. Hoje o
pluralismo impede que se invoque Deus para alguma ação social. Diz-se,
então, que a religião é questão meramente pessoal (PUCRS – 1980, p. 51).
Entende-se que religião e ciência não se misturam e que essa última é causadora do
ateísmo. Em PUCRS (1980, p. 51), temos que “a ciência procura exatamente o que não
interessa à fé, e vice versa”. A fé leva a uma busca daquilo que é “indescritível, indizível e
invisível”, diferentemente da ciência que vai atrás das realidades “universais, deducionais e
repetíveis”.
Palacio (2001, p. 13), faz uma relação entre duas importantes encíclicas papais que
denotam o quanto a ICAR teve que mudar sua maneira de pensar no decorrer da história em
evolução nos tempos modernos. Se ela se fechou contra a modernidade, como está claro na
construção do Syllabus, no Enchiridion de Denzinger-Shönmetzer, e acabou sendo sucumbida
em tempos atuais. Em 1950 Pio XII lançou a Humani generis, como resposta desfavorável à
“crise modernista”. Foi, como escreve Palacio (2001), “uma reação defensiva diante da
cultura e da razão modernas cujas exigências não cabiam nas categorias do pensamento
cristão tradicional”. A ICAR não quis arriscar abrir-se ao mundo moderna que se despontava,
e como tinha sua hegemonia, usou de sua força para segurar dentro do casulo seus fies.
Passados 48 anos, em 1998, o Papa João Paulo II escreve a Fides et ratio. Abriu-se então,
numa reflexão em que a cultura dos tempos atuais precisava se atualizar. Conclui que não
existe um modo “oficial de pensar” da ICAR, paralelo ao mundo em evolução e que a fé
precisa ser pensada. A fé cristã e o mundo moderno devem se ajustar, ou melhor a fé cristã
deve se ajustar ao mundo moderno. Ainda continua Palacio (2001, p. 14), as duas encíclicas
estão ainda bem distante da Aeterni Patris de Leão XIII do ano de 1879, apresentando uma
“doutrina oficial” da ICAR.
Conforme Palacio (2001, p. 16), a encíclica de Leão XIII afetou três fortes elementos:
a) – aspecto do sistema: com base em uma filosofia tomista, criou-se a base estrutural da
doutrina. Com um sistema estrutura, o tomismo estava dotado de uma profunda coerência
interna e possuía uma poderosa força de atração. Não foi outra razão pela qual Leão XIII
julgou encontrar nesse pensamento estruturado uma fortaleza inabalável contra os embates do
mundo moderno. Criou-se a teologia das conclusões, correndo o risco de um saber teórico
com um risco de uma adesão também teórica dos fiéis; b) – o empobrecimento da tradição: a
tradição era confundida com um depósito de verdades fora do tempo, transmitido de forma
invariável. Pio XII não hesitou em afirmar que o magistério é a norma próxima e universal da
fé. O magistério acabou sendo para muitos a própria escritura, c) – a relação com o mundo: o
fantasma do modernismo perturbou em muito o inconsciente eclesial. Criou-se um crítica
ferrenha contra a modernidade. Tudo que se dizia moderno era sinal de intranquilidade para a
fé tradicional.
Conforme Gibellini (2012, p. 123), “a palavra secularização pode ter dois significados,
jurídico e cultural”. O jurídico expressa o ato de um indivíduo religioso de um determinado
instituto voltar ao estado laico. No sentido cultural, esse conceito aparece no século XIX para
indicar um processo de “emancipação da vida cultural (política, ciência, economia, literatura,
filosofia, arte e costumes) da tutela eclesiástica, segundo Gibellini (2012). Mas existe um
ambiguidade entre “descontinuidade” e “continuidade” entre cristianismo e mundo moderno,
como já havia percebido Troeltsch. Não teria como desvincular o cristianismo desse processo
histórico. Para Gibellini (2012, p. 124), Bonhoeffer, com base em Dilthey para analisar a
formação do mundo moderno, utiliza a categoria “mundo adulto” (mündige welt). Conforme
Gibellini (2012), a melhor referência a ser considerada em estudos sobre secularização é
Friedrich Gogarten (1887-1967)132. Gogarten entendia que a religião havia se perdido na
cultura e que por isso ela era a crise de toda a cultura. Seu trabalho de relevo sobre a
secularização foi amparado pelo estudo de 1952, O homem entre Deus e o mundo
(antropologia teológica) e seguido em 1966 por Jesus Cristo, virada do mundo (cristologia).
Entre essas duas obras está localizado o trabalho A secularização como tema da teologia.
De acordo com Gibellini (2012, p. 129), existe uma pergunta que motivou as respostas
de Gogarten: “a secularização é algo alheio à fé cristã e contraposto a ela, que lhe é imposto à
força e que a destrói a partir do exterior, ou se, ao contrário, é um evento decorrente da
essência da fé cristã e totalmente consequente com ela”. Gogarten propõe três soluções
possíveis:
a) - ou se recusa a secularização, na medida em que constituiria a
decomposição e, finalmente, a destruição da fé cristã; é a posição que
Gogarten vê representada pela crítica de Kierkegaard ao mundo moderno; b) –
ou se renega definitivamente o cristianismo, por considerá-lo incapaz de
suportar o peso da autonomia do homem, que agora se torna o senhor
autônomo do mundo e de si mesmo: é a posição que Gogarten vê representada
pela crítica de Nietzsche ao cristianismo; c) – ou então – e é o caminho
seguido por Gogarten – procura-se interpretar de maneira diferenciada o nexo
entre fé cristã e secularização (GIBELLINI – 2012, p. 130).
132Outros autores se despontam sobre o tema da secularização no campo da teologia. Segundo Gibellini (2012, p.
135ss), temos o Romano Guardini (1885-1986) que fez uma série de preleções em Tübingen e Müncen, depois
publicadas com o título O fim da época moderna (1950). Um outro autor, o filósofo alemão Hans Blumenberg
(1920-1996), escreve A legitimidade da época moderna (1966). Segue-se ainda John A. T. Robinson (1919-
1983) anglicano biblista; depois o teólogo episcopaliano Paul van Buren (1924-1998), que escreveu O
significado secular do Evangelho. O tema secularização volta a ser centro ente os teólogos em um debate com o
livro do teólogo americano Harvey Cox (1929), A cidade secular (1965). Não podemos ainda deixar de citar
teólogos católicos como Karl Rahner (1904-1984), sobre O significado teológico da posição do cristão no
mundo moderno (1959). O francês Jean Daniélou (1905-1974), escreve A oração, problema político, publicado
no fim do Concílio Vaticano II. Segundo Segundo Gibellini (2012), pode-se falar ainda de Johann Baptist Metz
(1928), que fala de mundanização do mundo, diferente de Gogarten que fala de secularização.
Gogarten faz ainda uma diferenciação entre secularização e secularismo.
“Secularização (Säkularisierung), como legítima consequência da fé cristã, e o secularismo
(Säkularismus), como degeneração da secularização”. Depois de Gogarten não se criou nada
de novo sobre a temática secularização. A secularização tem tudo a ver com o processo de
emancipação do homem moderno. Como já visto, o homem fica adulto e não mais precisa de
alguém que lhe segure as mãos. Essa independência pode fazer bem e outras vezes pode
também maltratar. É como o adolescente. Ao mesmo tempo que quer se auto afirmar, não
consegue se distanciar dos pais.
“A adultícia funcional se escora em critérios diferentes e relaciona-se
com os papéis responsáveis que a pessoa assume. Essa definição funcional,
mais tácita e implícita, existe, não obstante, em termos de assunção, ou de
delegação e assunção, de responsabilidade (CALVIN F. SETTLAGE et al. –
1968, p. 33).
Sendo assim, traz suas consequências. Ganhos e perdas estão envolvidos no processo
de maturação, seja ela qual for. A secularização é o processo laico do Estado, ou como vão
dizer Olivier Bobineau e Sébastien Tank-Storper (2011, p. 11), “portadora de duma fé na
onipotência, as luzes do século XVIII abrem a possibilidade de uma história humana
emancipada da tutela divina”. Ainda para Guy Haarscher (2011, p. 51), o tempo de
secularização é a total laicidade do Estado que “não privilegia nenhum confissão, [...] ao
mesmo tempo em que garante livre expressão de cada uma delas, dentro de certos limites”.
Sem sombra de dúvidas, o tema secularização faz parte fundamental das pesquisas que
relacionam religião e modernidade. Fala-se até de “paradigma da secularização”, como um
conjunto de ideias que servem de apoio para pensar o problema da religião em tempos atuais.
De acordo com Bobineau e Tank-Storper (2011, p. 69), Max Weber vai ser o primeiro teórico
a usar o termo secularização na sociologia, depois seguido de “Talcott Parsons, Thomas
Lukmann, Peter Berger, Bryan Wilson, David Martin, Robert Bellah, Richard Fenn e Karel
Dobbelaere”.
Conforme Willaime (2011, p. 68), temos quatro referências sobre o patrimônio comum
da laicidade: “1) – a neutralidade confessional do Estado e do poder pública; 2) – o
reconhecimento da liberdade religiosa e da liberdade de não religião; 3) – a liberdade de
consciência em relação a todos os poderes filosóficos e religiosos; 4) – a reflexibilidade
crítica e o debate contraditório aplicados aos domínios religioso e político”.
Um Estado laico dá abertura para a liberdade religiosa. Nasce em nossos tempos a
pluralização da oferta religiosa. Hoje temos um amplo mercado religioso em que as diversas
religiões competem no sistema de oferta e procura. Um outro fator emerge dentre desse
espaço religioso que é a “privatização da religião” e o indivíduo pode escolher. Tema que
analisaremos no próximo item desse trabalho, como secularização e a questão do pluralismo
religioso.
De acordo com Eliade (2013, p. 165), é possível que sempre possa haver tanto o
homem religioso como também sempre haverá o “homem a-religioso”. Sempre vai haver “o
homo religiosus que acredita que sempre existe uma realidade absoluta, o sagrado, que
transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real”. Os mitos
corroboram com a ideia de que o homem, como um ser religioso sempre buscou “ritualizar a
história sagrada, imitando o comportamento divino”. Por outro lado existe o homem a-
religioso que tentou negar ou que ainda nega a existência de um ser transcendente. Mesmo
como diz Eliade (2013, p. 165), só vamos encontrar registro desses a-religiosos mais
desenvolvidos nas sociedades europeias modernas. Esse homem a-religioso não aceita outro
“modelo de humanidade fora da condição humana”. Esse homem a-religioso “se dessacraliza
e dessacraliza o mundo”.
Para Jean-Louis Schelegel (2009, p.45), não se deve entender a secularização só como
base de uma “opção antirreligiosa, sem Deus ou a fortiori, contra Deus”. Sendo mais explícito
Schelegel (2009), afirma que o “indivíduo pode continuar a ser crente, aderir a comunidade,
realizar suas assembleias e celebrar sua fé, mas os lugares em que vive ou trabalha, funcionam
sem Deus, sem sinais visíveis de sua presença e sem recurso a seu nome”.
Do homo religiosus nasceu o homo politicus e desse veio o homo oeconomicus nos
anos 1870 a 1900, segundo Hugo Assmann e Jung Mo Sung (2010, pp. 21-30). Do homo
oeconomicus vai nascer o homo neoliberal a partir dos anos 1900. As características desse
tipo de homem neoliberal, produto do homem econômico, vai ser de “anti-humano e
antissocial”. Cria-se a “lógica da exclusão” gerando seres sem esperança de revalorização”.
Mas o homem não fica estagnado nessas fases e evolui para outros modos de sobrevivência
existencial. Constrói, segundo Assmann e Sung (2010, pp. 31), entre os anos 1900 até dias
atuais o homo aestheticus, celebrando a beleza, o homo Art Deco, com a estética de mercado,
o homo symbioticus, com implantes técnicos no corpo, próteses cognitivas no cérebro e
outros, o homo consumens com grandes shoppin centers e verdadeiros paraísos de consumo, o
homo sensibilis, com sua sensibilidade social, o homo complexus, onde passa a ser o centro da
virada antropológica e epistemológica do início do milênio, o homo cuiosus, com as novas
formas de cultura, chegando ao homo endomysticus. O homem “descobre-se místico desde a
interioridade”.
Em 1966, Karl Hahner, o eminente teólogo alemão, o mais famoso
dos teólogos católicos em meados do século XX, profetizou que a fé cristã
assumiria, no futuro, a forma de uma mística do Deus em nós. Essa profecia
está se cumprindo. Hoje muitas tendências de espiritualidade convergem nesse
foco de Deus em nós. [...] Desde 2005 circula, na Alemanha, um interessante
best-seller de Ralph Bethke, com o título Gott in uns Selbst (Deus em nós
mesmos) e o chamativo subtítulo: uma religião universal da pós-modernidade
(ASSMANN e SUNG – 2010, p. 37).
Portanto, não seria justo analisar os desencantamentos religiosos através de um único
prisma. É uma realidade e mais ampla do que se imagina. Não se deve colocar a culpa em
sistemas “unicamente externos ao religioso”. O fato de negar algumas culturas religiosas não
significa estar negando essa essência religiosa em si, mas a caduquice religiosa que se
apresentou muitas vezes arcaica e não respondendo aos anseios modernos existenciais. Em
Gracino Junior (2016, p. 73), temos um apontamento de Stark (1996), um dos mais
considerados teóricos da escolha racional da religião, que diz: “a demanda por religião sempre
foi mais ou menos constante. Os seres humanos necessitam de religião, uma vez que esta é a
única fonte de recompensas indisponíveis neste mundo, como as explicações antológico-
existenciais (sentido da vida e vida pós-morte)”. Sendo assim, é preciso olhar a questão sem
um julgamento ingênuo de que o homem pós-moderno não seja homo religiosus. Ele é um
homem religioso em evolução, onde os sistemas vigentes já não respondem aos seus anseios
modernos.
Os conteúdos religiosos da Idade Média já não respondem às demandas religiosas
modernas. O que se anuncia hoje como conteúdo religioso não faz mais sentido.
“Se o anúncio não chega nem afeta as pessoas é simplesmente porque
as representações usadas pela Igreja em sua pregação, sua imagem do mundo e
da humanidade, assim como a própria imagem de Deus permaneceram na
Idade Média, enquanto a sociedade ocidental se distancia daquela época a uma
velocidade cada vez maior. Quem pensa e sente como na Idade Média fala
também assim. Essa linguagem acabou se tornando um idioma “estrangeiro”
para quem pensa e sente de acordo com os tempos modernos – tão estrangeiro
como era, até pouco tempo, o latim eclesiástico (ROGER LENAERS -2011, p.
17-18).
Segundo Berger (2011, p. 139), “a crise de credibilidade na religião é uma das formas
mais evidentes do efeito da secularização para o homem comum”. Os autores Roger Finke e
Rodney Stark (2016, p. 73), diferente do pensamento de Berger (2011), “devido à
segmentação natural das preferencias religiosas, a situação natural de uma economia religiosa
é a de pluralismo”. Diferente do pluralismo, seguem Finke e Stark (2016, p. 73), teríamos o
antigo monopólio, sustentado pelo Estado). Segundo Gracino Junior (2016, p. 74), sempre
existiram outras religiões além das oficiais. Elas eram como “firmas religiosas que operavam
clandestinamente, formando um mercado negro de crenças”.
Ricardo Mariano, por sua vez, em Análise sociológica do crescimento
pentecostal no Brasil (2001), propõe como teoria explicativa que a
desregulamentação do “mercado religioso” levada a cabo pela secularização –
nesse caso, entendida como separação entre Estado e Igreja – contribuiu de
forma significativa para possibilitar a concorrência entre novas agências
religiosas (GRACINO JUNIOR – 2016, p. 75-76).
Hoje existe mais liberdade religiosa e em consequência isso amplia o pluralismo
religioso. O indivíduo moderno não precisa mais ficar submisso a uma religião que não lhe
faça sentido. O homem evoluiu, saiu de uma sistema de sociedade tradicional para um
esquema de sociedade moderna, como diz Bitun (2011, pp. 26-35). Na sociedade tradicional o
homem se organizava em uma “economia rural”. Ainda não existia um mercado capitalista
que exercia a sua função central de domínio. Prevalecia o sentido de que Deus tinha domínio
sobre a natureza e o ciclo das colheitas eram a base da manifestação do divino. Mas como já
dito, o homem evoluiu. Não é mais ingênuo e já não mais aceita certas explicações para
fenômenos antes facilmente aceitos.
Viva a revolução das espumas e ondas. Nós, humanos, não somos
rochas fixas nem crustáceos imóveis em pedras, somos espumas flutuantes e
ondas que se entretocam e crescem, formando marés e criando praias. Até as
areias são obra de nossas persistências em continuar sendo ondas que não
param de espumar e evaporar. Nossa vocação é criar ecologias vitais ou
contextos vitalizantes. Somos interfaces e campos energéticos e isso é uma
vocação fantástica. A vida é bela e ser humano é lindo (ASSMANN e SUNG
– 2010, p. 38).
Dessa forma, o homem sai da fase de uma sociedade tradicional para uma sociedade
moderna. Seu sistema religioso acaba seguindo seu movimento de modernidade. A ciência
ajudou a desmistificar muitas coisas. O mundo mítico encontra outros significados. As
mudanças são fortemente marcadas. Fala-se de uma sociedade de consumo. Também a
religião teve que pensar em novos paradigmas para dar sentido à fé. Conforme Stark (2016, p.
74), “os indivíduos, em matéria de religião, fazem escolhas da mesma maneira que fazem
outras escolhas, pensando custos e benefícios”. Nasce a geração da religião do self.
Para Bitun (2011, p. 82), a partir da “Segunda Guerra Mundial cria-se um life style,
oriundo da sociedade urbana e industrial”, com um “comportamento social tipo radar” capaz
de detectar um comportamento cada vez mais moderno para sua satisfação pessoal. Não seria
diferente para sua prática religiosa. Busca uma religião do conforto, da cura, do
emocionalismo. Seguindo essa ótica, é possível fazer uma análise das igrejas neopentecostais
que respondem a essa realidade no campo religioso. É o que Bitun expressa no seu livro
Mochileiros da fé (2011), de que são diversos os mercados religiosos a que passam o
peregrino da sociedade moderna.
Nos ajuda a pensar esse tema Bourdieu (2015, p. 59), quando escreve sobre o tema
“autonomia relativa do campo religioso como mercado de bens de salvação”. Para Bourdieu
não seria possível hoje negar a necessidade de uma “gestão do depósito de capital religioso
(ou sagrado) produto do trabalho acumulado” nas instituições religiosas. O mercado
simbólico precisa ser perpetuado. O trabalho de burocratização das instituições tendem a fazer
uma busca pelo marketing como necessidade de manutenção de seu capital. Podemos fazer
uso aqui dos trabalhos de Philipe Kotler (2000) para nos ajudar numa interpretação desse
mercado de bens religiosos usados pelos neopentecostais e que de certa maneira pode nos
ajudar também na compreensão do campo religioso da RCC:
1 - O escopo do Marketing: Normalmente, o marketing é visto como a
tarefa de criar, promover e fornecer bens e serviços a clientes [...]. Na verdade,
os profissionais de marketing envolvem-se no marketing de bens, serviços,
experiências, eventos, pessoas, lugares, propriedades, organizações,
informações e ideias. 2 - Bens: Bens tangíveis ou produtos constituem a maior
parte do esforço de produção e marketing da maioria dos países [...]. Nos
países em desenvolvimento, os bens – principalmente alimentos, commodities,
itens de vestuário e habitação – são o sustentáculo da economia. 3 -
Serviços:Á medida que as economias evoluem, uma proporção cada vez maior
de suas atividades se concentra na produção de serviços [...]. Muitas ofertas ao
mercado consistem em um mix variável de bens e serviços. 4 -
Experiências:Orquestrando diversos serviços e mercadorias podemos criar,
apresentar e comercializar experiências (KOTLER - 2000, p. 25).
Os conceitos de Kotler dão respaldo aos conceitos de Bourdieu quando fala dos bens
simbólicos da ICAR como produto acumulado que precisa de manutenção e que para isso
busca do marketing religioso para fortalecê-los. Em um mercado plural o “mix variável de
bens e serviços do sagrado é cada vez mais visível. Assim sendo, como diz Bourdieu:
O campo religioso tem por função satisfazer um tipo particular de
interesse, isto é, o interesse religioso que leva os leigos a esperar de certas
categorias de agentes que realizam ações mágicas ou religiosas, ações
fundamentalmente mundanas e práticas, realizadas a fim de que tudo corra
bem para ti e para que vivas muito tempo na terra, como diz Weber
(BOURDIEU – 2015, pp. 82-83).
De acordo com Sobrinho (2016, p. 75), “a RCC é vista como um processo reativo de
racionalização da ICAR, frente à perda de sua posição de monopólio no mercado religioso
nacional”. Por mais que não tenha nascido propositadamente, ela foi permitida pela instituição
como um enfrentamento na demanda por novos paradigmas. Conforme Catão e Vilela (1994,
p. 328), “numa entrevista publicada em abril de 1994, o então Cardeal Ratzinger explicava
que há indícios de que está nascendo um novo modelo de encontro entre Deus e o ser
humano”. Ele falava das novas possibilidades dos novos movimentos religiosos, entre eles a
RCC.
Isso significaria dizer que esse amplo campo de oferta e procura explicita questões
internas do campo religioso e não externas. O cenário revela desconforto interno que gera
proselitismo. Gracino Junior (2016, p. 76), cita ainda os trabalhos de Usarki (2004) e Chesnut
(1997, 2003), pesquisadores que aplicam a teoria da escolha, na tentativa de entender o campo
competitivo das chamadas ainda “firmas espirituais”: o pentecostalismo, a Renovação
Carismática Católica e as religiões da “diáspora africana” (umbanda, candomblé, santeria133 e
vodu).
A RCC mantém o regime da fé católica com seu arcabouço de ritual,
mas inova ao propor a adesão direta, pessoal e engajada ao Espírito Santo,
como ocorre nas denominações pentecostais. Também se aproxima de várias
práticas pentecostais e neopentecostais – o batismo no Espírito Santo e seus
dons, a cura, a ênfase no demônio entre outras – reencontrando elementos do
campo religioso brasileiro e constituindo o processo sincrético de constituição
do catolicismo (GONZALEZ – 2006, p. 118).
Com tudo isso fica claro que a RCC tem seu trabalho árduo para se manter dentro
desse campo religioso competitivo. Ela é uma expressão pentecostal, mas com
responsabilidade católica. A RCC, na interpretação de Gonzalez (2006, p. 117), procurou
demarcar seu espaço em relação ao pentecostalismo. Com isso consegue mudar
significativamente o campo religioso brasileiro. Isso foi necessário num país com um índice
de sincretismo religioso tão alto. Foi necessário em um cenário ou campo religioso onde o
“indivíduo escolhe sem constrangimento social”, que a RCC se adequasse.
133Santeria é um conjunto de sistemas religiosos relacionados que funde crenças católicas com a religião
tradicional iorubá, praticada por escravos e seus descendentes em Cuba, no Brasil, em Porto Rico, na República
Dominicana, no Panamá e em centros de população latino-americana nos Estados Unidos ...
Disponível in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Santería. Acesso em: 17/4/2017.
As comunidades sagradas modernas, fragmentadas, pluralizadas e
ganhando as especificidades dos novos territórios produzidos pela ampliação
das novas áreas de atuação desvinculam-se da singular e tradicional
sacralidade de suas línguas. Abrem-se para os encontros com as diversas
línguas, linguagens e conectam-se às novas redes de comunicação à distância,
utilizam-se dos novos e velozes meios de transporte e comunicação de massa
(GOUVEIA – 2008, p. 151).
Hoje a diversificação dos meios de comunicação, seja da RCC ou das igrejas
neopentecostais, tem acompanhado os avanços tecnológicos. É como diz Silveira e Sofiati
(2014, p. 35), “a maior preocupação da Canção Nova é de oferecer programas radiofônicos,
televisivos e ambientes virtuais sadios que acompanhem a inovação midiática (webtv, blogs,
sencond life, lifestream, wallpaper, rinsgstones, truetones, mp3, wik, podcast, web rádio,
fórum...)”. É um mundo aberto a uma competitividade sem tamanho. Segundo Brito (2008, p.
39), “o campo religioso se organiza a partir de formas que seus vários personagens produzem
suas ofertas”. O campo religioso, em específico, brasileiro, tem se mostrado aberto para
“trocas de produção”. Os produtos têm sido os bens simbólicos religiosos conforme a
demanda do fiel.
4.2.2 – Autonomia, heteronomia e teonomia na compreensão da religião
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), grande teólogo contemporâneo, segundo Gibellini
(2012, p. 112), um dos pouquíssimos homens que, na Alemanha hitlerista, ousaram se
envolver na atividade política, ousa abordar o tema “Cristo e o mundo tornado adulto”. Por
simples que essa afirmação pareça, ela traz uma reflexão sobre um “cristianismo arreligioso
num mundo tornado adulto”. Essa afirmação nos leva a pensar ainda que a religião na
atualidade caminha para uma certa “autonomia em relação à fé e Cristo”. Quais os problemas
teológicos que viriam dessa afirmativa? Duas posições Gibellini aponta como resultado dessa
afirmação: “a) – ou se dá adeus à fé cristã, considerada invalidada pela realidade da época
moderna ou, b) – exatamente o contrário, se nega a legitimidade da época moderna com um
“salto mortal para trás, diretamente para a Idade Média”.
Recorremos a Paul Tillich (1886-1965), para entender melhor os conceitos colocados
no título de ponto de reflexão sobre autonomia, heteronomia e teonomia. Esses vocábulos
podem nos ajudar o sentido de busca religiosa como encantamento ou desencantamento em
um tempo de secularização.
O mundo moderno tem início com a processo de autonomia do
homem e como disse Immanuel Kant em 1784 em uma pergunta feita, o que
são as luzes? A essa pergunta ele respondeu, é a entrada do homem em sua
idade adulta, aquela em que ele deixa para trás seu estado de menoridade, a
idade da infância em que segurava na mão de outrem para nadar. Agora ele
caminha sozinho, guiado apenas por sua razão (SCHELEGEL - 2009, p. 42),
Tillich (2012, p. 90), nos apresenta uma breve explicação sobre os três vocábulos: a)
“autonomia, traz a afirmativa de que o homem, é lei para si mesmo, a fonte e a medida de sua
vida em todas as suas expressões”. Trata-se de ser livre sem nada que o condicione; b) –
“heteronomia, traz a afirmativa de que o homem, enquanto incapaz de agir, deve estar
submisso a uma lei que lhe é estranha e superior. Uma cultura passa a ser heteronomia se se
submete a instâncias eclesiásticas ou políticas”; c) – teonomia, traz a afirmação que o homem
está submetido a uma lei superior, que, contudo, não lhe é estranha”. Nesse caso, para Tillich,
(2012, p. 90), a “cultura autônoma seria uma cultura secularizada, desenraizada do
fundamento e esvaziada de sentido”. Entende-se ainda que uma cultura heterônoma “é uma
cultura eclesiasticizada ou ideologizada e endurecida em seus conteúdos”. Já na cultura
teônoma, aparece o conteúdo religioso”. De acordo com Tillich (2012, p. 91), o
protestantismo é marcado por forte tendência dos conceitos de teonomia.
[...] a religião pertence ao mundo da heteronomia, da lei vinda de fora,
da imposição exterior, enquanto a modernidade se rege pela autonomia, pela
lei vinda de dentro. Contrapõe-se decisão à tradição. Essa razão decaiu.
Perdeu-se em pura funcionalidade, instrumentalidade. Abandonou o universo
do mistério, do sentido, das perguntas fundamentais do ser humano
(LIBÂNIO – 2000, p. 5).
De acordo com Lenaers (2011, p. 23), a partir do século XVI começa a existir uma
rachadura, onde o mundo da heteronomia começa a perder sua função no espaço religioso. Se
até então se pensava “dependente daquele outro (em grego: héteros), o qual produzia
prescrições (em grego: monos) para o nosso”, agora a sociedade entrou no tempo da
autonomia. Não mais precisa de buscar defesas contra as coisas do outro mundo. Não existe
mais as intervenções do outro mundo, agora, com as técnicas da ciência o homem moderno já
sabe como se defender. Agora o homem se descobre parte do “universo que obedece à sua
própria (em grego: autós) melodia, às suas próprias leis (em grego: nomos), é autônomo”.
Com isso começa a “tanger a morte de Deus”, emerge o ateísmo moderno, como já visto
acima.
A ICAR trabalhou muito para impedir que o homem moderno se tornasse consciente
do ápice da evolução cósmica, entrando no estado autônomo.
Essa forma autoritária de pensamento estava relacionado, ao menos
inconscientemente, com outro medo demasiado humano: o de ter de
abandonar posições de poder tão cuidadosamente construídas. Aprovemo-lo
ou não, o Vaticano é um aparato de poder. [...] conforme a conhecida frase de
Lorde Acton, observador agudo do Concílio Vaticano I e crítico acérrimo do
dogma da infalibilidade papal, ali proclamado: o poder corrompe; o poder
absoluto corrompe absolutamente (LENAERS – 2011, p. 25).
Em Tillich (2012), entendemos que o mundo moderno, de certa forma, já se “tornou
um mundo adulto”. Na mesma linha de pensamento de Tillich, Lenaers (2011, p. 26), escreve
que o “crente de hoje deixou de ser criança da escola primária”. Para Lenaers, a linguagem
falada em Roma é incompreensível para o crente moderno, ou seja, “no mínimo, mal
compreendida”. Lenaers propõe que se faça então um movimento da autonomia para a
teonomia, sem o intermédio radical da heteronomia. Por muito tempo tivemos uma
representação heterônoma de Deus nos vigiando o tempo todo, expresso nas doutrinas cristãs
tradicionais. A modernidade tentou então expulsar esse Deus intruso. A reconciliação só será
possível quando o homem souber colocar o divino em seu devido lugar, começando a pensar
de forma teonômica, ou seja, “confessando Deus (em grego: theós) como a mais profunda
essência de todas as coisas, e por isso também como a lei (em grego: nomos) interna do
universo e da humanidade”.
Berger (2011, p. 102), fala dos processos de alienação que a religião pode exercer
sobre o homem. A religião pode colocar um “véu da massificação” que pode impedir uma
verdadeira compreensão da realidade. Para isso servem os “símbolos obscuros do divino”.
[...] o monos humano torna-se um cosmos divino, ou, pelo menos,
uma realidade cujos significados são derivados de fora da esfera humana. [...]
a religião postula a presença na realidade de seres e forças que são alheias ao
mundo humano. [...] Por outras palavras, ao postular o estranho em oposição
ao humano, a religião tende a alienar o humano de si mesmo (BERGER –
2011, p. 102).
Desda feita a “secularização” é uma expressão do “fim de monopólio das tradições”,
como escreve Berger (2011, p. 146). Em consequência do fim do monopólio vamos ter o
pluralismo religioso. Berger (2011), usa o termo “tirania” para explicar o monopólio religioso
que algumas instituições tiveram no campo religioso por muito tempo. A submissão a uma
tendência religiosa não é mais imposta, mas “voluntária”. Para Berger (2011, p. 149), a
religião que antes era “imposta”, agora é “ser colocada no mercado e tem que ser vendida”. E
mais ainda, o cliente não é “obrigado a comprá-la”. Hoje a oferta do mercado religioso é
bastante grande. O campo é bastante competitivo. De acordo com Bourdieu (2015, p. 31), a
religião, como um sistema simbólico, serve como “veículo de poder e de política”. Falando
ainda sobre o monopólio dos bens de salvação e das diferentes classes interessadas em seus
serviços, Bourdieu (2015, p. 32), diz que “Weber está de acordo com Marx ao afirmar que a
religião cumpre uma função de conservação da ordem social contribuindo, nos termos de sua
própria linguagem, para a “legitimação” do poder dos “dominantes” e para a “domesticação
dos dominados””.
Dentro do processo heteronômico da religião, existe uma estrutura de relações, como
escreve Bourdieu (2011, p. 69), “constitutivas do campo religioso que cumpre uma função
externa de legitimação da ordem estabelecida na medida em que a manutenção da ordem
simbólica contribui diretamente para a manutenção da ordem do poder político”. Desta forma,
pode-se dizer que a Igreja contribui para a manutenção da ordem do poder político. Olhando o
campo religioso com base na estrutura da RCC, percebe-se que a mesma tem cumprido seu
papel junto a instituição para a manutenção da ordem. Uma vez que ganhou campo de atuação
forte na ICAR, a hierarquia conseguiu burocratizá-la. Levou-a a se institucionalizar,
sobrepondo o carisma à instituição. O Concílio Vaticano II traz grande abertura para que o
leigo possa atuar dentro da ICAR, e ao mesmo tempo traz ampla valorização no que tange às
questões da espiritualidade das congregações religiosas e do clero. Sem perceber abre
caminhos para que os novos movimentos conseguissem “atrair para si sacerdotes, religiosas e
religiosos e leigos consagrados para dedicar-se inteiramente a eles” (Comblin, 1983, p. 23).
Agora os grupos religiosos precisam fazer um trabalho de mercado, precisam competir
e para isso abrem-se em um dinamismo não mais de monopólio, mas sim de “competitivas
agências de mercado”. Como interpreta Berger (2011, p. 151), “a situação contemporânea da
religião caracteriza-se, portanto, por uma progressiva burocratização das instituições
religiosas”. Burocratizar não é tão simples, exige investimento de pessoas que possam
“expandir a Igreja”. Assim sendo, continua Berger (2011, p. 153), é preciso investir no
treinamento de pessoal religioso, na construção e manutenção de edifícios religiosos, na
produção de material promocional e outros.
4.2.3 – Integrismo, fundamentalismo e tendências católicas
Na visão de Schelegel (2009, p. 13), em nossa época moderna ronda um certo
integrismo e fundamentalismo assim como em 1848 rondava o espectro do comunismo. Desta
feita, nem “mídia e nem opinião pública conseguem distinguir integristas e fundamentalistas”.
Mas os dois tem quase a mesma função em tempos de pós modernidade. Nos dias atuais
temos visto na mídia a violência armada, o terrorismo, a agitação nas universidades e nos
bairros, grupos de “islamitas” que provocam terror. Temos ainda os fundamentalistas
americanos protestantes. Por outro lado vemos os integristas católicos, padres de batina e de
missas em latim, segundo Schelegel (2009, p. 15). Em alguns lugares os integristas se
sobrepõem aos fundamentalistas. Integrista quer dizer, “íntegro, integral”. Excesso de
integridade. O integrista tem um fissura em querer salvaguardar a integridade da tradição. Diz
Schelegel (2009) que chega quase ser um “doença”, por isso gera uma fissura. O que
diferencia os integristas dos fundamentalistas é que os primeiros não incomodam a sociedade,
enquanto que os segundos, esses atacam a sociedade com seu fundamentalismo.
Conforme Schelegel (2009, p. 17), os integristas católicos “são filhos da Revolução
francesa ou da conhecida reação católica”. Receberam o “trauma da perseguição, como
vítimas da violência revolucionária”. Seus priores inimigos são os católicos liberais. Os
católicos liberais acabaram tendo que engolir o Syllabus, as oitenta proposições que resumiam
os principais erros do nosso tempo”, publicada por Pio IX em 1864. Quem se fizesse contra o
romano Pontífice seria considerado anátema. A doutrina tinha que ser seguida integralmente.
A ICAR se abrindo ao Concílio Vaticano II encontrou resistência dos integristas. O mais forte
expoente foi o Monsenhor Lefebvre. Não se deve confundir os integristas com os
tradicionalistas, segundo Schelegel (2009, p. 21). Os tradicionalistas estão de acordo com as
mudanças propostas pelo Vaticano II. Podem até querer fazer a manutenção de algumas
práticas tradicionais, mais preferem seguir o que a ICAR denomina.
Aqui entendemos onde se posicionam os membros da RCC. São tradicionalistas, mas
não chegam a entrar no espírito integrista. Preferem aderir às recomendações da ICAR. São
contra métodos anticonceptivos, tem uma moral acirrada em questões da sexualidade e vida
conjugal, e outros. Fazem questão de se apresentar como católicos romanos, seguem as
devoções populares, manifestam seu grande amor pela Eucaristia, reza do terço, piedade
mariana. Como já visto, a proposta da RCC é bem “laica” e por isso consegue integrar os
católicos afastados numa renovação dentro da ICAR. Da hierarquia a RCC só precisa o aval e
orientação. A RCC com uma estrutura laica não perde seu elo com a hierarquia. Nesse
sentido, Jurkevics (2004, p. 127), retoma as palavras de Cardeal Suenens dizendo que “a
Renovação Carismática Católica na Igreja hoje é um retorno à atividade das primeiras
comunidades cristãs”. Segundo o autor citado, com a RCC a ICAR apenas reassume sua real
missão.
A Igreja Católica em fase desses novos padrões valorativos, imerge
em um crise moral, pois não tem mais força para impor de modo unívoco uma
ética presente na sociedade até meados do século XX. No campo institucional,
os conservadores, entre eles a RCC, retomam a luta dos valores morais,
posicionando-se contra; o aborto e a manipulação de células tronco; a
utilização de métodos contraceptivos artificiais; a perda da virgindade antes do
casamento, tanto masculino, quanto feminino e o homossexualismo
(GONZALEZ – 2006, p. 146).
Seria difícil para uma fundamentalista ou integrista ver sua religião se perder diante de
uma sociedade moderna. Por isso buscam rejeitar uma sociedade “sem Deus, uma sociedade
secularizada”. Conforme Schelegel (2009, p. 38), por muito tempo lutaram “sob um regime de
cristandade ou em Estados cristãos”. Tinham uma preocupação com a reforma da ICAR, com
o intuito de criar uma “sociedade fundamentalmente cristã”. Mas faz-se mister não confundir
o integralismo com o nacionalismo.
Fugindo de uma vertente extrema da religião, numa tentativa de fugir do integrismo e
de fundamentalismo religioso, ouve-se dizer de tendências na religião. O que seria uma
tendência religiosa? Não se fala só de tendências católicas, mas das grandes tendências da
religiosidade contemporânea. Conforme Bobineau e Tank-Storper (2011, p. 99), “os anos
1970 marcaram uma ruptura teórica que tomou duas direções principais”: 1) – o paradigma da
secularização – que traz o “revanche de Deus”, ou “retorno do sagrado”, tendo em
consequência o retorno das religiões, culminando com uma revitalização das crenças; 2) – a
renovação religiosa – criando o individualismo das crenças, onde com isso, a autoridade
religiosa não pode mais se sobrepor à soberania individual. Conforme Bobineau e Tank-
Storper (2011, p. 101), nasce com isso a religião à la carte, numa dinâmica do provisório. O
que importa é o “do it yourself. Daí pode-se falar de tendência religiosa.
Dentro do catolicismo é possível encontrar os diferentes agrupamentos, diferentes
vertentes. Sofiati (2014, p. 62), fazendo uso das definições de Löwy e Gramsci, apresentam o
que se entende como tendências do catolicismo brasileiro: 1) – Tradicionalistas, composto
pelos movimentos Opus Dei, Tradição Família e Propriedade e Arautos do Evangelho; 2) –
Modernizadores conservadores: setor no qual se insere o Movimento de Renovação
Carismática Católica; 3) – Reformistas: no qual predominam as congregações que trabalham
diretamente com educação como, por exemplo, os salesianos e maristas; 4) – Radicais:
composto pelos setores ligados à Teologia da Libertação com as CEB’s, Pastorais Sociais,
Pastorais da Juventude. Dessa forma o tema tendências da Igreja Católica corroboram com o
que temos de conceitos sobre integralismo e outros. Acabam sendo correntes novas de
pensamentos dentro dos estudos das Ciências da Religião.
4.3 – RCC na Diocese de Santo Amaro
A religião na história tem se mostrado como um pêndulo, hora com tendência
marcadamente racionais e hora marcadamente emocionais. O movimento religioso do século
XX e XXI tem características que demostrado que o homem moderno está voltado para a
religião emocional. Esse indivíduo pós moderno faz da religião um lugar para lidar com suas
frustrações cotidianas. Diante do pluralismo religioso, vê-se diante de um espaço da religião
do self-service, da religião à la carte. A RCC, na Diocese de Santo Amaro traz propostas de
uma religião de comunidades emocionais. Ela oferece ao católico da região sul de São Paulo
um reencantamento religioso.
4.3.1 - A religião de comunidades emocionais
É certo que a modernidade nasce do mundo da razão. Para Hill (2007, p. 314), fé e
razão, vêm acompanhadas dos principais progressos filosóficos, principalmente o
aparecimento do racionalismo. De acordo com Palacio (2001, p. 72), “a sabedoria é sempre
ciência mas nem toda ciência é sábia”. Mesmo tentando se equilibrar, percebe-se que a
teologia acabou se perdendo no mundo moderno. A modernidade descobriu o “homem
natural”, e acabou se esquecendo de Deus. De um teocentrismo chegou a um outro extremo,
ao “antropocentrismo radical”. Conforme Schmidt (2002, p. 7), “durante quase dois séculos, o
homem tem vivido ligado à razão. Essa razão, meio científica, meio mística, surge com o
iluminismo, na França, onde Descartes, em seu Discurso do Método, tentou, racionalmente,
buscar a concepção e a existência de Deus”. Mas não podemos reduzir o homem à razão e se
esquecer que ele também é emoção.
Campos (2012, p. 148), faz a interpretação de que “o fervor emocional” faz parte de
movimentos que emergem “dos estratos mais baixos de uma determinada sociedade”. O que
se pode dizer disso é que essas classes não teriam estrutura adequada para acompanhar o
intelectualismo clerical. Os representantes desses grupos são frutos que saem de suas próprias
bases. Para Richard H. Niebuhr (1992, p.27), “o clero intelectualmente preparado e inclinado
à liturgia é rejeitado em favor de líderes leigos que satisfazem mais adequadamente as
necessidades emocionais desta religião”.
A Teologia Pentecostal, em sua formulação e expressão, gera
permanente ‘tensão entre razão e emoção’ por priorizar o carisma da liderança
eclesiástica e o proselitismo, constituindo-se, assim, em uma comunidade
fechada e carente de senso crítico extra-religioso, diante do mundo. Entre os
diversos grupos deste chamado ‘Pentecostalismo clássico’ não há
homogeneidade teológica. Cada grupo prioriza um determinado dom do
Espírito Santo, mas como característica geral, pode-se apontar o cuidado com
a acolhida, o conforto espiritual e a promessa de solução dos mais variados
males (FERARRI – 2007, p. 84-85).
De acordo com Barroso (2014, p. 115), “em toda e qualquer experiência religiosa está
imbuído algum grau ou nível de emoção”, e ainda, “o elemento emocional sempre esteve
presente entre as experiências religiosas primitivas e tradicionais”. Talvez seja por isso que
hoje os novos movimentos têm conseguido grande número de adeptos, eles trabalham com
grande carga de emocionalismo. Os indivíduos que frequentam hoje um grupo de oração da
RCC passam por grande experiência onde lhe é permitido abrir-se a um estado emocional de
bem estar coletivo. Eles têm valorizado, acima de tudo o sentido emocional nas manifestações
religiosas. Para Barroso (2014, p. 115), Hervieu-léger, em 1990, com a colaboração da
socióloga francesa Françoise Champion, organizou o livro De l’émotion em religion:
renouveaux et trations. Conforme Damásio (2004, p. 15), “sentimento é a expressão do
florescimento ou do sofrimento humano, na mente e no corpo”. Para o mesmo autor Damásio,
“a emoção e as várias reações com ela relacionadas estariam alinhados com o corpo, enquanto
os sentimentos estariam alinhados com a mente.
Esse fenômeno vem indicar a consolidação de uma sensibilidade
religiosa notadamente centrada naquilo que as autoras chamaram de
“autenticidade afetiva” (HERVIEU-LÉGER, CHAMPION, 1990), ou seja, a
importância que se dá às trajetórias de busca religiosa individual ou coletiva
modernas de privilegiar a manifestação emocional como modo de validar a
experiência religiosa. Essa procura religiosa de tom emocional tende a
enfatizar o envolvimento total do corpo e sentidos na expressão religiosa
pessoal e comunitária (BARROSO – 2014, p. 117-117).
Nos trabalhos de Hervieu-Léger e Champion analisados por Barroso (2014, p. 120), as
comunidades emocionais apresentam quatro fortes características: numa primeira
característica, as comunidades emocionais prevalece a “eleição pessoal do indivíduo sobre em
que grupo se engaja”. Ele não se sente obrigado a fazer parte desse ou daquele grupo em
específico. O indivíduo é livre para a escolher o que mais lhe apetece. Na segunda
característica, os indivíduos são ainda livres para entrar e sair a hora que quiserem. Não existe
nada que os prendam. Não importa o tempo de atuação. Podem ainda ter o livre trânsito de
uma religião para a outra sem problemas de consciência. Na terceira característica vemos que
o dogma e a doutrina não fazem nenhum sentido. Aqui pode-se falar de um “anti-
intelectualismo”. A quarta característica está ainda no sentido do agrupamento mais flexível,
o que vai ser chamado de “bairrismo”.
Por mais que a teologia (igreja instituição), tenha feito seu esforço para prender seus
fiéis dentro do certo ou errado, dentro de suas pertenças territoriais, não conseguiu. Hoje o
indivíduo religioso emocional não tem preocupações institucionais, ele se sente livre e passeia
por onde quer. Para Palacio (2001, p. 73), “uma das características da sociedade moderna é o
deslocamento social da religião”. O homem criou certa autonomia e consegue se deslocar sem
necessitar da religião ou de um ser transcendente. Segundo Schmidt (2002, p. 8), “estamos
vivenciando o que usa chamar de idade das emoções”. Segundo o autor, dogmas e convicções
religiosas extremadas não combinam com emoções. Pode-se dizer que o reencantamento hoje
tem passado pelo prisma da emocionalidade. De acordo com Campos (1999, p. 328), “por
isso, pode-se afirmar que o Pentecostalismo é uma religião que pretende revelar o sentido do
mundo não por meio do intelecto, mas em virtude de um carisma de iluminação”.
Deus não revelou uma religião, como instituição estabelecida, mas a
religião de religere, ou seja, a deque o homem necessita ser religado com a
criação. Para conter os povos, as religiões criaram dogmas e conceitos capazes
de provocar temor reverencial a um deus personificado, guerreiro e, muitas
vezes intransigente e vingativo. Os dogmas, os tabus, sem sombra de dúvidas,
afetam e perturbam a mente dos ser humano. A partir do momento em que
conseguirmos nos livrar de determinados conceitos dogmáticos,
conseguiremos ter uma vida mais saudável emocionalmente (SCHMIDT –
2002, p.19-20).
Essa é a ideia central dos tempos atuais no campo religioso. Não uma religião do
racional, mas uma religião do emocional. Em Lenaers (2011), temos que o homem de hoje já
não se conforma mais com o sistema heteronômico, mas também são se adapta de todo a um
sistema autonômico. Hoje se busca uma concentração em novos paradigmas, mas com uma
volta ao sistema teonômico. Como o definiram Assamann e Sung (2010, p. 36), o homem de
hoje é conhecido como o homo endomysticus, ou seja, numa tendência de uma espiritualidade
moderna que “converge no foco de Deus em nós”. Segundo Palacio (2001, p. 73), fala-se hoje
do “revanche de Deus”, ou ainda da “volta do sagrado, onde o religioso voltou pela porta dos
fundos e de maneira nada convencional, mas anárquica, heterogênea e mesmo selvagem”.
Quando olhamos para a RCC na Diocese de Santo Amaro, assim como as demais
correntes pentecostais e neopentecostais, ela trabalha com dimensões emocionais e isso tem
feito bem aos seus adeptos. De acordo com os autores Prandi, Campos, Silva e Miranda
(1998, p. 62), os encontros de oração da RCC “são verdadeiras cerimônias de euforia,
semanais, com duração de duas a três horas, são marcados por uma intensa carga emocional,
que se torna cada vez mais forte no encaminhamento da reunião”.
O Espírito Santo deve ser sentido de forma emocional. O ambiente das reuniões de
oração devem ser bastante festivos, com cânticos que criam ambiente favorável para isso. Os
adeptos são convidados a louvar o Espírito e “abrir o coração” na capacidade de uma
experiência mística que antes era vista como suspeita, mas que hoje é fortemente acolhida.
Valoriza-se a experiência extática, onde o clima sempre favorece uma experiência pessoal do
indivíduo, mas dentro do grupo. Os momentos são como que contagiantes. O que conta é o
indivíduo e seu experiência com o Espírito Santo, mas é o próprio grupo que propicia isso.
Com tudo isso trazemos um olhar crítico de que com tudo isso Diocese de Santo Amaro,
dando amplo espaço aos trabalhos da RCC, acabou se afastando de uma linha pastoral
concreta.
Trabalhar o sentido emocional em seus grupos deve explicar o porquê dos grupos da
RCC conquistar tantos fieis. Os seus membros se afastam do compromisso social e ficam
extasiados na vida de Espírito. Para os membros da RCC os antigos movimentos eram
heréticos, muito preocupados com o social, perdendo o lado bom a espiritualidade, a oração.
Como registra Cortem (1996, p. 43), “muito sumariamente podemos opor os cultos frios das
igrejas aos cultos quentes das seitas”. Seguindo modelos pentecostais, a RCC busca a
experiência emocional, como pensava John Wesley, a “religião do coração”.
Nada racional, pois as “coisas devem ser sentidas”. Segundo seus adeptos, “os que
condenam os sentimentos interiores não deixam espaço para a alegria, para o amor e para a
paz dentro da religião e consequentemente a reduzem a uma coisa morta”, segundo Cortem
(1996, p. 51). Conforme Max Weber, citado por Cortem (1996, p. 51), falando de pietismo, “o
sentimento podia tornar-se de uma tal intensidade que a religiosidade tomava um caráter
francamente histérico”. Antes a ICAR reprimia o emocionalismo em seus culto. Até mesmo o
falar em línguas é uma experiência “emocional gratuita”, conforme Cortem (1996, p. 59), “é
uma euforia emocional”.
As músicas pentecostais e também as da RCC acabam sendo fortes expressões de uma
literatura romântica. Tem forte padrão gospel, variando ainda entre o “spiritual song, jazz,
rock e discoteca”. Enfatiza-se o ritmo romântico e as letras falam do “amor e do amado”.
Caberia aqui olhar para alguns trechos de algumas músicas carismáticas. Vejamos a letra da
música Fica Senhor Comigo, de Celina Borges:
Fica Senhor comigo, preciso da Tua presença para não te ofender.
Sabes quão facilmente sou fraco e te abandono preciso de Ti para não cair.
Fica Senhor comigo, se queres que eu Te seja fiel. Seja-me aquele abrigo pois
embora minh'alma, muito pobrezinha, deseja ser pra Ti Lugar de consolação,
carinho e adoração. Um ninho de amor então quietude e profunda oração. Não
peço o que não mereço, mas tua presença ó Deus quero ter. Fica Senhor
comigo, para que eu ouça a Tua voz... Fica Senhor comigo, fica meu grande
amigo (2x) Tu és minha luz, sem Ti ando nas trevas... Fica Senhor, para me
dar a conhecer a Tua vontade. Fica Senhor comigo, fica meu grande amigo.
Minh'alma é tão pobrezinha, seja meu único abrigo. Quero sua companhia,
muito preciso ouvir-te Senhor, Tanto desejo amar-te, fica meu grande amor.
(Disponível in: https://www.letras.mus.br/celina-borges/300992/. Acesso em
19/4/2017).
A letra tem um cunho bastante romântico, e ao mesmo tempo o ritmo traz uma
proposta também romântica. Uma melodia carinhosa, suave que tenta tocar o coração num
apelo apaixonante. Segundo Cortem (1996, p. 60), “o culto pentecostal apresenta-se com uma
alternância de cantos e palavras (preces, lamentações, pregações, bênçãos, coleta,
informações)”. No sentido dos instrumentos, cai o órgão ou harmônio, instrumentos
tradicionais, e entram outros tipos de instrumentos modernos, como guitarras, saxofone,
baterias, todos como forma de provocar os sentimentos dos presentes nas assembleias. Para a
RCC acontece o mesmo.
Uma outra caraterística das músicas é que são de pouca letra e refrãos repetitivos, de
forma que sejam fácies de serem memorizadas e acabam ficando na mente de quem as ouve.
Por isso que Pe. Marcelo Rossi consegue trabalhar com suas músicas e vender grande
quantidade de cópias de CDs. É o caso da música que trazia o hits decorado pelos fiéis,
“Erguei as mãos e dai glória a Deus”. Segundo Veiga (2015, p. 63), em 55 dias foram
vendidas 2,2 milhões de cópias e que no total o CD com a tal música chegou a vender 3,5
milhões de cópias, transformando o sacerdote na estrela da gravadora Polygram. Conforme
Cortem (1996, p. 61), o que surpreende na prática concreta dos cultos: a participação
anárquica ou plural da palavra.
“Sublinha que no movimento carismático os líderes reconhecem que
eles têm por objetivo obter um clima, de prece dentro do consenso, reduzindo
ao mínimo toda demanda de aprofundamento (por exemplo, a propósito de um
testemunho) e desviando as tentativas de discussão (por exemplo, a propósito
de uma interpretação de um texto da escritura) (ANDRÉ GODIN - 1996, p.
61):
Sem sombra de dúvidas a emoção marca o movimento da RCC na Diocese de Santo
Amaro. Características marcantes em suas formas de orações, culto, músicas e até mesmo
“palavra livre”. Para Jurkevics (2004, p. 124), a RCC demonstrou sua grande capacidade em
incorporar recursos religiosos como a cura, a libertação, os milagres, o êxtase coletivo,
externado em seus discursos emocionados, garantindo conforto e tranquilidade para os
desgastes do cotidiano”. Com isso conseguiu colocar em evidência até mesmo midiática a
Diocese de Santo Amaro em pleno século XXI.
Max Weber “pensa a sociologia das religiões a partir de uma sociologia da
dominação”. Ele apresenta duas formas de dominação: uma política e outra hierocrática. Aqui
nos importa a segunda forma de dominação, a hierocrática. Segundo Bobineau e Tank-Storper
(2011, p. 35), essa dominação se faz através dos “bens espirituais da salvação”. A campo de
atuação é sobre a “dominação espiritual sobre os homens”.
A igreja vem em primeiro plano. Ela é uma instituição oficial, com seus aparatos
estruturados. E segundo Weber apud Bobineau e Tank-Storper (2011, p. 36), com quatro
critérios especificados: 1) – Constituição de “um corpo de profissionais”, com “um salário”,
“uma carreira”, “deveres profissionais e um estilo de vida específico”; 2) – Pretensão a uma
dominação “universalista”, para além da “parentela”, da “etnia” e das “barreiras
etnonacionais”; 3) – Racionalização do “dogma”, do “culto”, que é “consignado nos escritos
sagrados, comentados”, sendo objeto de “um ensino sistemático”; 4) – Institucionalização dos
três precedentes no âmago de uma comunidade”. A Igreja tem o carisma de função, separado
da pessoa. A seita134, pelo contrário, nasce de uma “associação voluntaria”. Congrega pessoas
que tenham a mesma intenção de ruptura com o ambiente social. Para o seguimento de uma
seita, faz-se necessário uma autoridade carismática, segundo Bobineau e Tank-Storper (2011,
p. 37). Na seita os membros são selecionados em via de recrutamento, pois são grupos
134Para Moraleda (1992, pp. 9-10), “a palavra seita traz consigo uma valoração social negativa e uma imagem
pública banal e extravagante. Uma valoração mais neutra é própria dos historiadores das religiões, dos
sociólogos e, em geral, dos estudiosos dos fenômeno: para eles essa palavra não carrega nenhum significado
pejorativo. O termo “seita” serve então para qualificar um fato social e para nomear determinadas organizações
religiosas. [...] No termo “seita” encontramos significados associados a separação, dissidência, marginalização,
ruptura, heterodoxia etc.”
menores e isso é factível de ser feito. Priva-se pela pureza de seus membros. Por isso, o
carisma de função é rejeitado.
Conforme Gonzalez (2006, p. 107), “a RCC não seria nem uma Igreja, nem uma seita,
segundos as categorias de Max Weber, vistos acima, uma vez que as seita constituiria uma
livre associação de cristãos austeros e conscientes”. A RCC está classificada na categoria dos
novos movimentos135 que a própria ICAR, mesmo sob controle, permite que existam, que se
formem e atuem a seu favor. Esses movimentos nascem após o Concilio Vaticano II, ou seja,
a partir dos anos 60. Hoje o número de comunidades novas, ou novos movimentos dentro da
ICAR é incontável. Todos buscam reunir pessoas com mesmo interesse em busca de uma
causa comum. Poderíamos comparar, grosso modo, que os movimentos que pululam dentro
do campo religioso da ICAR seriam similares aos milhares de igrejas neopentecostais que
nascem nas ruas de nossas cidades. Demostram um certo desajuste com as instituições
vigentes e tentam trazer novo modelo de organização. Mas aqui caberia uma pesquisa e
verificar a veracidade dessa afirmação.
Os movimentos representariam no interior da instituição católica, uma
alteração na relação entre os agentes religiosos (clero) e os leigos. Esses
movimentos não possuem conscientemente o projeto de criar um novo modelo
de realidade eclesial, mas há neles elementos sociais e espirituais que
produzem forças nesse sentido. Um novo modelo de vivência eclesial está
surgindo e se implantando, em expansão constante na Igreja Católica. Esse
modelo não se realiza em nenhum movimento em sua forma pura. Porém
existem entre todos eles elementos comuns suficientemente claros para definir
um novo modelo de realidade eclesial (GONZALEZ – 2006, p. 109).
Pode-se ver representados nesse movimentos todas as realidades eclesiásticas, como
sacerdotes, religiosos (as) e leigos. A integração entre eles é perfeita. Na maioria das vezes
esses movimentos são iniciados por leigos e outras vezes pelo clero. Outras vezes os clérigos
estão apenas para coordenar e dar significado de validade. Percebe-se que a inspiração é leiga
do carisma. Geralmente o líder inspirado busca o bispo local para aprovação e esse só dá
aprovação depois de longo período de observação. Essa observação fica sempre a serviço de
uma sacerdote de confiança do bispo que o nomeia para fazer esse papel. Por isso, esses
movimentos acabam sendo mistos. Como diz Gonzalez (2006, p. 110), acredita-se “que a
instituição procura coordenar e organizar esses movimentos a fim de preservar sua própria
condição”. Com isso a RCC se coloca obediente à instituição hierárquica de forma que sua
135Conforme Moraleda (1992, p. 12), “em nosso país os NMR (Novos Movimentos Religiosos), são uma
expressão eclesiástica que não apresenta grande preocupação entre os estudiosos, periodistas ou com
interessados no tema.
identidade fique preservada e ela possa livremente atuar no campo religioso católico. Com
isso a Diocese não perde seus membros para outros movimentos similares.
Em torno do tema RCC e instituição existe uma grande discussão teórica por parte dos
pesquisadores das ciências da religião. Como que um movimento de cunha carismático tenha
conseguido fazer-se um movimento institucionalizado, sem ficar totalmente engessado em
estruturas fechadas. Devido a essa capacidade é que alguns autores vão dizer que ela
apresenta uma forma organizacional sui generis. Para Hervieu-Léger (2015, p. 33), “a
modernidade implica um tipo particular de organização social, caracterizada pela
diferenciação das instituições”. Na lógica ainda de Hervieu-Léger (2015, p. 34), viver em
tempos de emancipação é laicizar-se e esse movimento de “laicização” significa não mais
estar submetido às regras “ditadas por uma instituição religiosa”.
De acordo com Gerd Theissen (2008, p. 45), “com frequência os carismáticos rompem
com as expectativas de papeis que lhes são propostos”, com isso, segundo o mesmo autor, é
possível que “entrem em conflito com as instituições, em cujo âmbito se regulam
comportamentos e se distribuem posições”. Sobre o mesma tema, falando de carismas e
instituições, Hamman (2011, p. 119), diz que “nada seria mais falso do que opor carisma e
instituição”. Segundo o autor, por mais que as comunidades primitivas itinerantes
começassem a se organizar, assumindo uma formar de estrutura com uma autoridade, isso não
significa que devessem ser “como rebanho de carneiros mudos, conduzidos pelo báculo do
bispo”, pois a “Igreja é dirigida pelo Espírito Santo” e se em algum momento aconteceram
ações “anárquicas ou heterodoxas, tratava-se de quedas ou incidentes de percurso que não
podem ser confundidos com a efervescência espiritual da qual esse lideres saíram”. Para
Hamman (2011), quem dirige pastores e fieis é o próprio Espirito Santo”.
Em 172, na Frígia – terra mística por excelência -, Montano foi
tomado por crises extáticas. A região inteira ficou abalada, e os bispos já não
sabiam o que fazer. [...] A autoridade de Montano se espalhou como o fogo no
canavial, do Oriente à África a até às margens do Danúbio. O montanismo
substituía a autoridade pela docilidade ao Espírito Santo, a vulgaridade da vida
cotidiana pelo apelo incessante à perfeição, pela renúncia ao matrimônio ou à
sua consumação, pela venda de todos os bens em benefício dos pobres, pela
aspiração ao martírio e pela espera exaltada do fim do mundo. Se seguisse os
montanistas, o mundo se transformaria em mosteiro (HAMMAN – 2011, p.
121).
Veja que docilidade ao Espírito é uma das características da RCC hoje e que talvez por
isso tenha certa facilidade em se colocar na obediência a uma estrutura institucional.
Conforme Hamman (2011, p. 15), a Igreja sempre se esforçou para expurgar o carisma de
suas manifestações extravagantes. Mas sempre esteve longe a intenção de extinguir o Espírito.
Nessa perspectiva, busca percebê-lo na comunidade, a fim de que se ilumine e tenha o
discernimento através dele.
Mas como já visto acima, alguns autores vão dizer que a instituição não mais tem
poder sobre a sociedade moderna de impor suas “regras, valores e símbolos”. As duas se
excluem, religião e modernidade. Fala-se muito hoje de um “retorno do religioso”, ou ainda
como o “revanche do divino”, e mesmo assim os novos movimentos religiosos, sejam eles os
carismáticos ou os de cunho esotéricos, já não trazem as mesmas expressões antigas de uma
obediência cega a uma única instituição. Hoje fala-se do religioso “peregrino”, “mochileiro”
que transita de uma instituição à outra, de uma igreja à outra, ou seja, de um templo a outro.
Percebe-se que os fiéis “vem e vão”, como diz Hervieu-Léger (2015, p. 41). Vemos isso
expresso no trabalho de Bitun, aqui já citado “Mochileiros da fé” (2011), os backpaker, que
que “atuam no espaço e fronteira” do campo religioso moderno, numa busca de sentido para
sua existência.
Esse indivíduo, que se movimenta de uma religião a outra, é chamado
nesta obra como mochileiro da fé. Trata-se de uma metáfora à figura daquele
homem/mulher que coloca a mochila nas costas e sai errante à procura de algo
ou alguma coisa que supra sua busca, seu desejo, seja ele qual for. Sua busca
segue sem nenhum critério aparente, seja de credo ou denominação, a não ser
o de satisfazer sua própria necessidade (BITUN – 2015, pp.22-23).
Percebe-se então, a partir de Hervieu-Léger (2015), que a modernidade não perde seu
senso de religiosidade. A secularização não traz a ausência da experiência religiosa, mas “é o
conjunto dos processos de reconfiguração das crenças que se produzem em uma sociedade”.
Nesse aparato de busca por uma reconfiguração “a condição cotidiana é a incerteza ligada à
busca interminável de meios de satisfazê-las”.
Segundo Hervieu-Léger (2015, p. 42), hoje existe uma “ruptura entre a crença e a
prática religiosa” e isso leva as antigas instituições a perderem sua hegemonia, de forma que
não sejam mais as “guardiãs das regras da fé”. Não tem mais controle sobre a “liberdade com
que os indivíduos constroem seu próprio sistema de fé, fora de qualquer referência a um corpo
de crenças institucionalmente validado”. A essa ação Hervieu-Léger (2015), vai chamar de
“aptidão para a bricolagem”, ou seja, a capacidade de usar das várias manifestações religiosas
que o crente tem. A bricolagem tende a levar a “ruina da crença” e com isso vai haver uma
desregulação da religião”. Muitos vão “crer sem pertencer” e outros vão “pertencer sem crer”.
A identidade religiosa entra em crise. Hoje já não se espera que um adepto da religião tenha
preocupações em dizer que sua religião é herança dos pais. Hoje se fala do convertido. Esse
indivíduo não vem de uma fé de berço como dizia antigamente com orgulho alguns membros,
por exemplo da ICAR. A isso Hervieu-Léger (2015), chama de “crise da transmissão”.
Mas a instituição não se aquieta diante das novas expressões da modernidade. Fora do
campo religioso da ICAR os novos espaços religiosos se abrem se se multiplicam sem que
necessitem de uma instituição maior que os validem. Na ICAR isso não acontece. Ela ainda
tenta manter seu poder de liderança, fazendo com que os novos movimentos dela dependam
para serem validados. Segundo Max Weber apud Bobineau e Tank-Storper (2011, p. 38), são
três os tipos de autoridade ou de dominação religiosa: 1) – legitimação/dominação racional
(“crença na legitimidade dos regulamentos e do direito de estabelecer diretrizes”); 2) –
legitimação/dominação tradicional (“crença cotidiana na santidade de tradições válidas desde
sempre”); legitimação/dominação carismática (“submissão extraordinária ao caráter sagrado,
à virtude heroica ou ao valor exemplar de uma pessoa”). O primeiro tipo de autoridade é
exercido pelo “Sacerdote”, legitimamente estabelecido, burocrático, obedece ao sistema que o
forma e o paga. O segundo tipo de dominação está representado pelo Feiticeiro ou Mago.
Esses indivíduos têm suas qualidades reconhecidas e transmitidas de geração em geração. O
terceiro tipo de dominação é representada pelo Profeta. Tem sua autoridade reconhecida em
uma “revelação” e se posiciona como “arauto”. Seu representação está no “carisma”.
Ao se enfatizar os aspectos antiinstitucionais e não burocratizados da
religião atual, esquece-se que a transmissão e reprodução de experiências
coletivas apenas podem ocorrer porque existem organizações sociais. A vida
social, por sua própria dinâmica, se organiza para poder sobreviver. Mesmo
que a religiosidade contemporânea pareça ser para o fiel algo cada vez mais
emocional, experiencial, e espontânea, o analista não pode negligenciar o fato
de que graças a estruturas organizativas especificas, experiências desse tipo
podem se manter e se explicar na vida social (MARIZ – 2003, p. 170).
No entender de Mariz (2003), institucionalizar passa a ser algo positivo para os
movimentos, na medida em que criam rotina, na base dado por Weber. Ou seja, as novas
formas de organização, para que se mantenham, precisam ser institucionalizadas. Para Mariz
(2003, p. 171), da organização vai depender não apenas a expansão de um grupo, mas também
sua própria sobrevivência. O que diferencia o pentecostalismo católico (RCC), dos demais
movimentos pentecostais é sua capacidade em se colocar como um movimento que se
institucionalizou. Por mais que sua ideia era a de provocar uma renovação total dentro da
ICAR, acabou se tornando um movimento. Não era essa sua intenção.
Por mais que a RCC tenha uma organização própria, com uma relativa autonomia,
mesmo assim está sob a égide da ICAR. Como diz Mariz (2003, p. 172), “a meta da
Renovação Carismática era a de mudar a Igreja como um todo: propor uma nova forma de ser
Igreja tanto para os leigos quanto para o clero”. Segue Mariz, “a organização do tipo do
chamado “movimento religioso” (na acepção que essa expressão possui dentro da organização
da Igreja Católica) não teria sido uma opção da RCC, mas seria, na conjuntura, o único modo
encontrado para se integrar à organização mais ampla da Igreja”. Com isso a ICAR possibilita
uma “diversidade controlada”. Essa flexibilidade cria uma possibilidade de diálogo diante de
uma necessidade da atualidade.
Os outros movimentos dentro da ICAR quiseram também apresentar um novo jeito de
ser Igreja, como é o caso das CEBs, a TL. Tratando do tema institucionalização versus
carismas da RCC, Carranza (2000, p. 39), diz que o carisma foi “institucionalizado e
controlado pelo próprio movimento e também pela Igreja, no momento que são aprovadas as
práticas carismáticas”. Segundo Carranza (2000, p. 39), isso denota a “fragilidade profética”
dos carismas. O tema institucionalização da RCC, pelo que se vê apresenta controvérsias.
Mas estruturar o carisma foi o dilema que RCC precisou resolver e
teve seu preço. Por um lado, organizar implicou manifestar a dimensão
carismática do incipiente movimento, por outro lado, permitiu-lhe a integração
com a hierarquia católica, mesmo que essa incorporação tenha oscilado entre
aceitação, rejeição e/ou clericalização da RCC (CARRANZA – 2000, p. 40-
41).
O questão do carisma também gera controvérsias dentro dos estudos de religião.
Carisma está relacionado geralmente a um líder, no caso da RCC o carisma não está
relacionado a um líder único, mas a todos os que passem para experiência no batismo no
Espírito e essa talvez seja a grande sacada. Não se fala de um líder especifico como o define
Max Weber, em “legitimação/dominação carismática (submissão extraordinária ao caráter
sagrado, à virtude heroica ou ao valor exemplar de uma pessoa)”. De acordo com Theissen
(2008, p. 45), “carisma é um dom de exercer autoridade sem se apoiar em instituições e papéis
preestabelecidos”. Não é possível ver essa forma de carisma na RCC. Ela “carismatiza” todos
os que se propõem a fazer a experiência na vida de Espírito. Não é um dom a um único
indivíduo e talvez por isso não cause conflitos com a instituição ICAR. Para Theissen (2008,
p. 46), um líder carismático “se revela justamente em sua capacidade de transformar rejeição
e hostilidade em aumento de sua influência: contrapondo inabaláveis suas convicções aos
valores vigentes, abalam a legitimidade destes pela auto-estigmatização”.
Mesmo que não seja nossa intenção fazer aqui comparações entre CEBs e RCC,
percebe-se que suas estruturas organizacionais são bem parecidas. Também as CEBs não
apresentam uma estrutura centralizada em um único líder, segundo Mariz (2003, p. 173).
Assim como as RCC também os o projeto das CEBs e da TL foram sempre, como o da RCC,
no propósito de abarcar toda a Igreja. De acordo com Mariz (2003, p. 175), não é a burocracia
que mata o carisma, esse morreria de um jeito ou de outro.
4.3.2. –RCC, TL e CEB’s no século XXI
A interrogação que sempre paira no ar em relação a RCC e os demais movimentos que
surgiram na ICAR é sua forte permanência atual, enquanto que outros movimentos não
tiveram a mesma “sorte”, ou diria assim, o mesmo “ibope”. A RCC é sui generis e conforme
Mariz (2003), “uma igreja dentro da Igreja”. Para Jurkevics (2004), a RCC passa a ser o
“reencantamento do mundo”. Sousa (2005, p. 11), em seu trabalho intitulado “Carisma e
Instituição – Relação de poder na Renovação Carismática Católica do Brasil”, fala de sua
intenção em “descobrir e interpretar o universo das relações de poder em articulação da RCC,
desde sua função”, com os “seguintes desdobramentos”: a) - Como se processou a formação
da Renovação Carismática? Quais os níveis de apoio e vigilância da hierarquia? b) – Como se
dão as relações entre RCC e a hierarquia da Igreja Católica no nível do poder simbólico? c) –
Qual a dinâmica das relações entre Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o movimento
institucionalizado?
Sem compreender processo de racionalização da modernidade também não vamos
entender o que vem a ser o conceito desencantamento no campo religioso. Esses vocábulos
estão ligados às questões do homem moderno que busca por uma solução da fé. Hoje o
fenômeno religioso se tornou um fenômeno fragmentado. Não existe um único tipo religioso,
mas uma variedade deles. Alguns fazem parte dos novos movimentos, mantendo-se ainda na
postura de tradicionais e outros fazem parte dos novos movimentos, como os adeptos que
redescobrem o religioso em sua forma moderna – a religião à la carte, como escrevem
Willaime (2012, p. 101) e Bobineau e Tank-Storper (2007, p. 101).
Para Durkheim (2008, p. 427), o caráter sagrado “contagia”, e sendo contagiado o
indivíduo gera uma força coletiva, a cooperação.
Sob a força da mesma preocupação o grupo se reúne: o clã estará
perdido se a espécie de que traz o nome não se reproduzir. O sentimento
comum que anima todos os seus membros traduz-se exteriormente sob a forma
de gestos determinados que se repetem nas mesmas circunstancias, e, uma vez
determinada a cerimônia, pelas razões expostas, é certo que o resultado
desejado parece obtido. Forma-se então uma associação entre a ideia desse
resultado e a dos gestos que o procedem; e essa associação não varia de um
indivíduo a outro; é idêntica para todos os atores do rito já que é produto de
experiência coletiva (DURKHEIM – 2008, p. 439).
Os novos adeptos da RCC encontram no movimento uma forma coletiva para
fortalecer as crises individuais através de um extravasar das emoções. Se olharmos de perto,
como diz Cortem (1996, p. 18), as bases desses movimentos parecem ser as mesmas, “o
romantismo teológico, modelo análogo ao romantismo alemão – moral da fé, comunidade,
emoção”, contexto em que se desenvolve o fenômeno religioso pentecostal”. CEB’s, RCC e
TL, são movimentos que definem uma busca religiosa em tempos de secularização. Segundo
Clifford Geertz, definindo religião, diz que na perspectiva cultural, religião é;
Um sistema de símbolos que age de um modo tal, que suscita
poderosas motivações no homem, profundas e duráveis, formulando
concepções de ordem geral sobre a existência e fornecendo, a tais concepções,
uma aparência de realidade fazendo com que essas motivações e disposições
parecem se apoiar somente no real (GEERTZ – 2012, p. 187).
Os movimentos, em seu tempo e espaço, trouxeram e continuam trazendo sentido a
existência do crente, dando também sentido a sua experiência de fé, “permitindo a um grupo
poder lutar contra os grandes problemas da vida humana”, segundo Willaime (2012, p. 188).
O que pode ter dado mais “sucesso” à RCC deve ser o caso de sua forma de lidar com as
emoções e com a estrutura hierárquica. Os trabalhos pesquisados até aqui fazem sempre uma
menção entre CEBs e RCC, mas não incluem mais o tema TL. Esse é um ponto a se pensar. O
que esse tema provoca? O tema carisma e poder estão dentro de estudos, seja da RCC ou seja
da TL. Em função da RCC temos o livro já citado acima de Sousa: “Carisma e Instituição –
Relação de poder na Renovação Carismática Católica do Brasil” (2005) e sobre TL temos o
livro de Boff, aqui também já citado em outro momento, Teologia da Libertação – Igreja,
carisma e poder (1981). A diferença é que um questiona, o confronto do movimento frente à
estrutura hierárquica e o outro pensa sobre como o movimento se adequa frente à estrutura
hierárquica. Como diz Rubio (1977, p. 23), falando da TL, “em contraposição ao imobilismo
e conservadorismo predominante na Igreja, com relação aos problemas sociais, redescobre-se
o potencial revolucionário do cristianismo”. Para falar de RCC e poder hierárquico, Sousa usa
a concepção de poder de Foucault em Vigiar e punir (1975) e Vontade e saber (1976).
Percebe-se na análise de Sousa (2005, p. 26), que o “poder circula em cadeia e que por isso
deve ser visto não só em “nível macro”, mas também no “interior dos micros-grupos”.
Entende-se que o poder “funciona em rede” e não existe um “alvo inerte ou consentido do
poder”, mas “centros de transmissão”.
De acordo com Theissen (2008, p. 18), fazem parte das teorias de conflito dos
movimentos o marxismo (K. Marx; F, Engels) e algumas teorias sociais liberais (R.
Dahrendorf). O mesmo autor Theissen (2008, p. 275ss), apresenta um esquema de
movimentos da época de Jesus que podem nos servir para uma análise dos movimentos em
especifico aqui apresentados. Assim segue o esquema: 1) – Movimentos que seguem a
“confiança no agir de Deus que precede o agir humano (sinergismo consecutivo): a) -
Essênios, que confiam na eleição para obedecer a Torá e b) - Movimentos proféticos,
confiança na libertação por Deus”; 2) – Movimentos que seguem a “motivação para o agir
humano como condição para o agir divino (sinergismo condicional):c) - Movimentos de
resistência (por exemplo, Judas galileu, que motiva à atividade humana e d) - Movimentos
messiânicos populares que esperam nos libertadores messiânicos)”.
Podemos fazer uma modesta comparação do movimento da RCC os primeiros grupos,
Movimentos que seguem a confiança no agir de Deus que precede o agir humano (sinergismo
consecutivo).
Para a RCC o poderio é sempre de Jesus. “Sob a ação do Espírito
Santo, as pessoas experimentam libertação, alegria, segurança, crescem no
amor ao próximo, na vivência comunitária, aprendem a discernir a vontade de
Deus e a permanecer em comunhão com a hierarquia. O mesmo Espírito que
produz libertação é o Espírito que acomoda a vontade dos leigos à vontade da
hierarquia (CNS, s/d) (PRANDI, CAMPOS e PRETTI – 1998, p. 42).
Vemos então que esse movimento torna-se menos “agressivo”, e não “subverte a lei
vigente”. Ele consegue se acomodar na estrutura hierárquica, e para alguns, com isso faz o
manutenção status quo. Com sua forma de expressão, a RCC conseguiu que muitos membros
da ICAR reanimasse sua fé e continuasse dentro da mesma. Os sacramentos na ICAR
exercem papel de suma importância e são elementos fortes que a RCC assumiu, ajudando aos
seus membros a também buscarem seus valores. A liturgia foi reavivada nas formas de
cânticos e orações. Um fator que fortalece ainda antigos membros da ICAR, outrora
desgastados e que agora reanimados na RCC é a figura de Nossa Senhora, enfatizada em
especial na “reza do terço”. Outras orações foram resgatadas e fortalecidas como a “Bênção
do Santíssimo”, devoções populares e outros.
Por outro lado temos então as CEB’s que parecem mais se encaixar ao segundo
modelo apresentado por Theissen como visto acima, Movimentos que seguem a “motivação
para o agir humano como condição para o agir divino (sinergismo condicional).
As CEBs, movimentos formados no curso dos anos 1960 até os de
1970 e hoje em visível declínio, reúnem ainda 2% do total, perto de dois
milhões de adeptos. Caracterizam-se por valorização da vivência religiosa que
enfatiza os interesses coletivos das classes sociais desfavorecidas, a famosa
“opção pelos pobres”. Acreditam na participação militante dos católicos no
mundo, de modo a promover a transformação material da sociedade, que
consideram socialmente injusta. Atribuem por isso menos importância à esfera
da vida íntima como espaço privilegiado da religião (PRANDI, CAMPOS e
PRETTI – 1998, p. 14-15).
As CEB’s têm uma consciência “politizada” sobre sua situação social e busca fazer
uma leitura encarnada da Sagrada Escritura. Os grupos de reúnem como leigos engajados em
realidades sociais das comunidades. Estão ligados à hierarquia enquanto acomodação
paroquial, mas não necessariamente dependem dos clérigos. Conseguem se organizar nas
comunidades e suas lideranças são fortemente marcadas pelo rosto mais feminino. Buscam
um identidade, no campo ou na cidade. Das CEB’s nascem boas lideranças militantes.
Dentro dos Movimentos que seguem a “motivação para o agir humano como condição
para o agir divino (sinergismo condicional), temos ainda a TL. Com uma “opção
preferencialmente pelo pobre”, traz uma proposta de libertação.
A linguagem libertadora, em oposição à situação de dependência, foi
difundida principalmente pela nova sociologia latino-americana e pelos grupos
de esquerda que nela se apoiam. A teologia política latino-americana ou
Teologia da Libertação, que aparece explicitamente em 1968, tira desta
corrente sociológica a linguagem, a análise e a interpretação da realidade
latino-americana (RUBIO – 1977, p. 39).
A proposta da TL não foi bem interpretada diante do sistema de hierarquia, mesmo
porque ela não tinha a preocupação de manter o status quo. Quando se falava de uma
Teologia da Libertação, fala-se em trazer uma interpretação da Teologia para uma realidade
latino-americano. Ou seja, como foi repensada depois, não mais uma Teologia da Libertação,
mas uma Libertação da Teologia. O pobre seria o indivíduo latino-americano, alvo de uma
sociedade capitalista na onda de um Terceiro Mundo”. Para Cortem (1996, p. 37), o pobre
“pré-marxista é dependente do mundo e por isso, sendo oprimido, encontra sua salvação na
derrubada do opressor”. Segue ainda Cortem (1996), o “pobre latino-americano é cativo,
exilado. Sob o efeito narrativo do livro do Êxodo, ele procura libertação”. Por isso o léxico
“dependência/libertação”. De acordo com Rubio (1977, p. 112), a Teologia da Libertação tem
quatro funções básicas: 1) - Função “desideologizadora, na militância cristã”;2) – Função de
discernimento diante da realidade bíblica, magistério eclesiástico e teologia; 3) –
Desunivocização da linguagem da libertação e sua eficácia política; 4) – Superação da
modernidade na A. L.: para uma sociedade qualitativamente diferente.
Mas os teólogos da libertação foram reduzidos aos silêncio. Hoje na ICAR, em
especial na Diocese de Santo Amaro, é assustador falar dos temas CEB’s e TL, quase que um
crime. Criou-se um fantasma. É como diz Cortem (1996, p. 28), “a Teologia da Libertação,
baseada na pobreza e no reino de Deus, fez escolhas, é criadora, é potencialmente herética”, é
“heresia popular”. Falando ainda sobre o tema TL, Cortem (1996, p. 39), diz que segundo o
secretário da Conferência espanhola, d. Fernando Sebastian, os teólogos da libertação não
rezam. Segundo alguns membros da ICAR, mais conservadores, como o caso de Dom
Castanho, que disse que a Teologia da Libertação teve a pretensão de “contestação clara e
ousada da autoridade dos Romanos Pontífices, distanciando as suas Igrejas particulares do
centro da cristandade. Surgiu assim o complexo anti-romano, expressão usada pelo teólogo
Von Hurs Balthasar” (CASTANHO – 1998, p. 175). Com isso a TL, aos poucos foi perdendo
sua força de atuação e “o campo ideológico da pobreza a partir daí está livre para outros
movimentos religiosos, segundo Cortem (1996, p. 35).
Fica visível que há pontos bastante divergentes entre TL e RCC, mas dentre eles o
político é bastante visível. A RCC tem a tendência de usar o campo político para ter apoio no
processo de evangelização. Por outro lado, a TL olha o campo político como possibilidade de
libertação do povo das amarras de poder social. Para a RCC a religião não deve ter
envolvimento político propriamente dito, pois isso é “coisa do mundo”. A religião deve se
preocupar com as coisas de Deus, do sagrado e não do profano.
4.3.3 –A RCC e o pentecostalismo: convergências e divergências
Como temos visto nos itens anteriores, hoje temos um forte pluralismo religioso
brasileiro. Nesse campo religioso, vemos despontar, sobre tudo, as tendências pentecostais e
neopentecostais. Fenômeno esse fortemente marcado, no catolicismo, pela RCC. Para Ferrari
(2007, p. 17), “o perfil do campo religioso, na pós-modernidade, apresenta-se variado e
múltiplo”. O sagrado entrou na dinâmica da oferta e da procura. Como já conceituado por
estudiosos da ciências da religião, “o sagrado passou a ser uma mercadoria, um produto, bens
simbólicos num vasto comércio. Com isso cresce o número de interessados, que viram nesse
ramo um negócio rentável.
Mas estudos mostram que neste vasto campo de domínio de algumas religiões,
existem diferenças no perfil dos seus adeptos. De modo geral a RCC está presente em todas as
camadas sociais nas quais esteja presente a ICAR. Não é a mesma coisa com as pentecostais.
Segundo estudos de Regina R. Novaes (1996, p. 82), “os primeiros trabalhos sobre
pentecostalismo notam que os crentes encontram-se na camada pobre da população”. Cortem
(1996, p. 82), aponta ainda os estudos de Rolim (1985), mostrando que entre os homens
pentecostais, a prevalência está entre os mais pobres. Ou seja, conclui-se que o
pentecostalismo é a religião de pobres.
Devoção e prosperidade está em um capítulo do livro de Cortem, “Os pobres e o
Espírito Santo – O pentecostalismo no Brasil” (1996). É um tema bastante pertinente quando
olhamos para o fenômeno religioso, que passa por uma “opção preferencial pelos pobres”, e
acaba entrando em uma religião que trabalha em tempos atuais, século XXI, com uma
“teologia da prosperidade”136. É a pergunta que faz Cortem (1996, p. 135), “a ética
pentecostal seria então apenas um processo de adaptação ao empobrecimento? Relacionado à
teologia da prosperidade estão ligados outros aparatos da vida de um crente. A bênção
equivale à sua capacidade de oferta, “a sua saúde dependerá da fé”. O sucesso e o fracasso
estão dentro da mesma lógica. O fiel pode não ser merecedor da bênção. A promessa existe,
mas se o fiel não a alcança, o problema não é de Deus. O crente não foi capaz dela. A
prosperidade não é para o céu, mas para a terra. Tudo que seja negativo na vida do crente
deve ser exorcizado, ou seja, são obras diabólicas. Por isso a salvação é apresentada por sinais
tangíveis, que se colhe no aqui agora da vida o fiel.
Não há evidentemente uma relação imediata entre empobrecimento e
conversão. Podemos dizer contudo que durante o período do milagre
econômico (1968 a 1974) as conversões aparecem menos numerosas que
durante a década perdida de 1980, em que são ao contrário muito numerosas
(CORTEN – 1996, p. 137).
Pode-se dizer ainda que o pentecostalismo tem uma característica de ser uma resposta
epocal. Ou seja, responde às necessidades de um tempo social e econômico. Nesse ponto
136 De acordo com Corten (1996, p. 142), a teologia da prosperidade nasce de uma influência gnóstica, uma
Associação dos Homens de Negócios do Evangelho Pleno (ADHONESP), fundada em 1975. Em uma de suas
brochuras pode-se encontrar o título: A sete chaves de Deus para torná-lo rico. Deus ama os ricos? A dita
associação segue o exemplo de Full Gospel Businessnen’s Fellowship International fundada em 1951 no
Estados Unidos.
Cortem (1996, p. 140), é categórico em afirmar que “as mulheres pentecostais são numerosas
a trabalhar como empregadas domésticas”. Isso se dá devido à sua “submissão à autoridade”.
Para Assmann, citado por Corten (1996, p. 128), até mesmo o glossolalia, fenômeno também
presente na RCC, é um “discurso de pobres, uma função mistificada” que quer “negar a
pobreza”, uma espécie de “exorcismo da pobreza”. A glossolalia é um “ato suportado
coletivamente”.
Dizendo aqui de convergências, seguem alguns pontos que podemos encontrar em
comum entre pentecostais/neopentecostais e RCC. Esses pontos podem divergir em poucas
coisas. No geral acabam convergindo, ou seja, tendo bastante similaridade:
Os desfavorecidos: para pentecostais os desfavorecidos, como já visto, estão em
primeiro lugar. A maioria dos templos são encontrados nas periferias, de acordo com Oro
(1996, p. 49). Para Cortem (1996, p. 127), a glossolalia é um discurso de pobres – embora
seja encontrado no movimento carismático que atinge um público de classe média”. Essa
afirmação de Cortem deixa a entender que a RCC não é um fenômeno exclusivo entre os
pobres, mas como já dito, em todos os setores onde tenha catolicismo. O catolicismo está
presente em todas as classes sociais, portanto, a RCC também vai estar nas classes mais
baixas.
Exclusivismo: entre os pentecostais não há muita tolerância ecumênica. Em especial
nota-se isso nos neopentecostais com os ataques contra a ICAR. Como afirma Oro (1996, p.
50), “os pastores de algumas igrejas neopentecostais mantém sistematicamente um discurso
acusatório”, contra outras denominações. Pode-se falar em especial ainda contra as práticas
afro-brasileiras. Nesse mesmo campo a RCC também faz um discurso acusativo. Para Sousa
(1998, p. 53), a RCC “passou a ser vista como um braço muito operante, a arma procurada
para defender e reconquistar os territórios perdidos para os pentecostais, afro-brasileiras,
religiões orientais, crenças da new age e outras ameaças menores”.
Emocional: tanto pentecostalismo como RCC se apresentam com fortes características
emocionais. “Os discursos pentecostais são inflamados”, vibrantes, com gestos, aplausos,
braços erguidos”. Os discursos ainda são enfatizados com amém, aleluia, glória Deus, sim,
não, que vão expressando uma verdadeira ritualização como teatro.
Igualmente, a manifestação pessoal espontânea e simultânea dos fiéis
durante os rituais em forma de rezas, louvações, risos, choros, contribui para
formar um ambiente contagiante de expansividade emocional alguns fieis
chegando a tingir um estado de transe ou semi-transe (ORO – 1996, p. 51).
Não se valoriza muito o silêncio nos rituais pentecostais ou reuniões de grupo de
oração da RCC. O que tem mais sentido nesses rituais são as manifestações verbais. O que
Corten (1996, p. 61) chama de “palavra livre”, chamada de “participação anárquica ou plural
da palavra”. O falar em línguas é comum entre elas que vem da mesma experiência do
batismo no Espírito.
Ideologia: a RCC não traz um discurso social inicial. Ela tem uma preocupação em
levar o indivíduo a um encontro pessoal com Deus. Os males do mundo só podem ser
vencidos quando se vence o pecado da humanidade. Segundo Oro:
[...] se os problemas partem do plano espiritual para o material, a
solução também partem do plano espiritual para o material, afirmou um pastor
da Universal. Ou seja, é somente mediante a conversão individual (a entrega a
Jesus), e apoiado Nele, lutando contra os orixás, que os males podem ser
eliminados (ORO – 1996, p. 53).
Todos os problemas da vida do indivíduo devem ser resolvidos pelos lado espiritual.
Perde-se a total autonomia. A solução para tudo está na prática religiosa, e ausentar-se da
presença de Deus é perder o nexo da vida e dar abertura às ações do espírito do mal.
Cura: fala-se de um pentecostalismo de cura divina. Mas a cura é uma promessa
também marcante nas reuniões da RCC. Fala-se ainda das Missas para Cura e Libertação, do
exorcismo e do ritual de libertação. A cura mobiliza as correntes de oração nas igrejas
pentecostais e neopentecostais. A promessa de cura mobiliza a crença segundo Oro (1996, p.
59). “A crença (fé, perseverança, entrega a Jesus, abertura do coração), é condição
indispensável na eficácia terapêutica”. Só com a crença Deus pode “operar seus milagres”. O
Santuário Mãe de Deus”, nas missas do Pe. Marcelo Rossi, são milhares de pessoas que
buscam a cura.
Mundo eletrônico: os meios de comunicação de massa formam o braço direito desses
movimentos, em especial dos neopentecostais. Os carismáticos também fazem grande uso da
mídia para fazer sua evangelização. Os instrumentos específicos do Rádio e da televisão,
acabaram sendo invadidos por estações gospel, os evangélicos. Com isso têm grande
produção de músicos, cantores leigos que são os chamariz com suas músicas que encantam.
As emissoras religiosas acabam tendo uma função mais proselitista que de evangelização
propriamente dita. Os espetáculos de cura são apresentados o tempo todo nas diversas
emissoras de TV. Segundo Sofiati:
À medida que os pentecostais ganharam terreno, tornou-se- legítimo a
atuação proselitista da RCC, a fim de reafirmar a identidade católica. Dessa
postura surgiu o slogan “Sou feliz porque sou católico” e organizações
promotoras de feiras e outras atividades de marketing católico (SOFIATI–
2014, p. 157).
Quanto às divergências, pode-se dizer que são poucos, mas de grande significado e por
isso provocam um grande abismo entre os mesmos. Um primeiro ponto a ser destacado como
fator de divergência é a “teologia da prosperidade”. Mas o ponto que mais diverge está ligado
à devoção mariana. Maria é o ponto que distancia em muito os pentecostais e em especial os
neopentecostais da RCC. Essa devoção, conforme Oro (1996, p. 117), passa a ser o “divisor
de águas”, a verdadeira “fronteira”. Tirando isso, em muito, como se viu acima, os
movimentos se parecem. Mesmo porque a RCC nasce de base pentecostal. Como afirma
Mansfield:
Em 1906, uma contínua efusão do Espírito Santo ocorreu em Los
Angeles, comumente conhecida como Avivamento da Rua Azusa”. Aqueles
que aceitaram esta experiência pentecostal foram, na maior parte, expulsos das
Igrejas estabelecidas. Eles se congregaram em novas igrejas e denominações,
que são normalmente categorizadas como “Pentecostais”. O pentecostalismo é
considerado por muitos historiadores como uma “terceira força de crescimento
rápido” no mundo cristão, juntamente com o protestantismo e catolicismo
(MANSFIEL – 2016, p. 56).
Assim sendo, a RCC passa a ter forte influência no processo de reavivamento da
ICAR e ganha um campo amplo de confiança. Como já vimos anteriormente essa confiança
não foi conquistada do dia para a noite. De acordo com os autores Prandi e Pierucci (1996, p.
119), a RCC é um movimento dentro da ICAR que “possui duas dimensões: uma voltada para
dentro do catolicismo, enfrentando os setores progressistas e outra para fora, afrontando o
pentecostalismo”.
4.3.4 – RCC na Diocese de Santo Amaro: uma avaliação
Como visto em todo a construção desta dissertação, a Diocese de Santo Amaro
assumiu uma característica marcadamente carismática, sendo vista então como um polo
carismático. Sabe-se, conforme Carranza (2000, p. 300), “que o surgimento da RCC no Brasil,
coincide com uma rearticulação do campo religioso numa pastoral orgânica que tinha, entre
outros, o objetivo de promover um catolicismo internalizado que permitisse aos fiéis leigos
sentirem-se responsáveis pela expansão da própria Igreja”. Parece que na Diocese de Santo
Amaro, com os rumos que se tomou o movimento da RCC, esse intento foi bem programado.
A Igreja de base foi deixada de lado, motivou-se cada vez mais a Igreja de expressões
corporais e oração em línguas. Os trabalhos sociais da Diocese foram aos poucos perdendo
seu peso de atuação. O importante mesmo para muitos fiéis é poder ver seus padres fazendo
missas para cura e libertação do que fazendo qualquer incentivo para algum trabalho social
entre os mais desfavorecidos. É mais agradável poder estar em um grupo de oração, em uma
manifestação de louvor com músicas emocionais do que estar atuando em projetos sociais.
Hoje na Diocese de Santo Amaro pode-se falar de diversos padres que aderiram à
proposta da RCC de fazerem missas que conseguem atrair uma grande multidão. Antes era
uma função centrada no Pe. Marcelo Rossi. Hoje outros padres fazem a mesma coisa, de
forma que atuam em dias diferentes na semana. Sendo assim, os membros da paroquias
podem transitar durante a semana por essas diversas missas em busca de louvor e cura.
Alguns, como consolo, em finais de semana atuam em suas próprias paróquias. Vê-se então
que isso passou a ser um limitante. É comum ver algumas igrejas cheias durante a semana,
porque oferecem missas carismáticas, enquanto outras estão vazias, pois não oferecem missas
carismáticas. O fiel peregrina em busca de propaganda feita por outro fiel de que aqui ou ali
tem um padre fazendo missa de louvor e cura. Assim partem em busca delas.
As comunidades religiosas tornam-se móveis, desterritorializadas e
propiciam aos seus adeptos o direito a uma pertença também móvel e
transitória, bem como, propiciam aos fiéis variados encontros com parceiros
de fé. Tais parceiros religiosos costumam ter as mais diversas origens étnicas
bem como são provenientes dos mais diversos locais das cidades, do planeta
(turismo religioso) e dos mais variados níveis socioeconômicos (GOUVEIA –
2004, p. 153).
Percebe-se com isso a perda do sentido de território paroquial. Além de que os
trabalhos pastorais nas diversas paróquias ficam desprotegidos com a evasão de fiéis que
transitam em busca de cura, deixado para traz sua preocupação em atender às demandas da
paróquia. Na ICAR existe um preocupação sempre clara de que uma diocese é uma Igreja
particular com sua jurisdição própria. Uma diocese é constituída de paróquias com seus
territórios definidos. A diocese funciona como se fosse uma matriz empresarial e as paróquias
seriam como que suas filiais. Segundo consta no Código de Direito Canônico de 1983 da
ICAR: “Toda diocese ou outra Igreja particular seja dividida em partes distintas ou paróquias”
(Cânon 374) § 1).
É na paróquia que a vida da Igreja se articula através do ministério
apostólico. Os cristãos se encontram, recebem e celebram os atos litúrgicos.
Aprofundam a fé, vivem em comunidade e exercitam a caridade na
centralidade da Eucaristia. Obriga, de certa forma, os fiéis a participarem das
atividades profética, caritativa e administrativa, na falta de outra opção. Cria
uma ligação com um “lugar”, gerando laços comunitários, mesmo que o
tecido social torne as relações humanas cada vez mais anônimas (KREUTZ –
1989, p. 9).
Assim sendo, na Diocese de Santo Amaro, um paroquiano já não se preocupa mais em
frequentar o culto dominical em seu território paroquial, mas onde ele se acha bem. Isso
corrobora mais uma vez com o fortalecimento do estilo a la carte, como afirma os autores
Bobineau e Tank-Storper (2007, p. 101). Ao que ainda Hervieu-Léger (1999, p. 51) diz “crer
sem pertencer” (believing, without belonging). Muitos membros estão buscando um viver a fé
sem ter um único espaço de pertença. Enquanto vemos espaços como o Santuário do Pe.
Marcelo Rossi lotado em suas missas temáticas, vemos missas paroquiais vazias. Isso gera a
dificuldade do não comprometimento do leigo em sua paróquia. A religião fica uma religião
do bem estar e da satisfação pessoal.
Um outro ponto relevante é o não comprometimento pastoral desses fiéis dentro do
chamado território paroquial, perdendo o senso de comprometimento no conjunto da missão
pastoral de uma paróquia. Questões todas essas bem visíveis na Diocese de Santo Amaro. Não
existe uma linha única de pastoral. Os autores Bobineau e Tank-Storper (2007, p. 79), no livro
Sociologia das religiões, colocam um capítulo denominado: O fim da civilização paroquial e
da figura do praticante. Uma temática questionada pelos estudiosos da sociologia da religião.
Avaliam que a figura do praticante da civilização paroquial já não mais existe, pois ele é, de
certa forma, arcaico. Ele vinha das comunidades rurais que possuíam outra tipo de
organização social. Hoje já não temos mais a “religião de cor e por hábito”. Por isso a
paroquia perdeu sua forma, afirmam os autores citados.
Sem querer fazer um julgamento de juízo, percebe-se o quanto a proposta da RCC
possa ter corroborado para a Diocese de Santo Amaro tenha distanciado os fiéis de um
compromisso pastoral paroquial de uma ação transformadora das respectivas paroquias. Isso
passa a ser um ponto limitante de sua ação pastoral engajada. Gerou-se um grande
individualismo nos membros paroquias. A conversão passou a não ter uma proposta
comprometida na transformação do mundo, mas apenas uma experiência intimista do fiel.
Desta forma ainda, o rosto carismático da Diocese de Santo Amaro distancia-se cada vez mais
das propostas de uma Igreja comprometida com as demandas na atual conjuntura da sociedade
global.
Essas atitudes fundamentais do ser pastoral da Igreja no continente
exigem que ela esteja em permanente processo de evangelização, que seja uma
Igreja evangelizadora que escuta, aprofunda e encarna a Palavra de Deus, o
Evangelho, Jesus Cristo na vida. Uma Igreja que ajuda a construir uma
sociedade nova em total fidelidade a Cristo e ao homem no Espírito. Uma
Igreja que denuncia as situações de pecado, que chama à conversão e
compromete os fiéis na ação transformadora do mundo (PUEBLA nº 1305 –
1987).
Como uma característica do crente atual, na Diocese de Santo Amato já podemos
vislumbrar os fiéis que perambulam de paróquia a paróquia, “o peregrinos, como os chama
Danièle Hervieu-Léger (1999), ou o “mochileiro da fé”, como o chama Bitum (2011).
Seguindo a linha de pensamento de Hervieu-Léger (1999, p. 63), temos uma linha de “crentes
bricoladores, que se apropriam de elementos religiosos daqui e dali, criando, a partir de suas
experiências e expectativas pessoais, pequenos sistemas de significação que dão sentido à sua
existência”. Perdem de certa forma o senso de pertença a um grupo, não vendo sentido em
lutar por causas comuns. A religião nesse sentido cria no indivíduo a sensação de solidão.
Pois como diz Hervieu-Léger (1999, p. 64), “os indivíduos constroem sua própria identidade
sociorreligiosa a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à sua disposição e/ou aos
quais eles podem ter acesso em função das diferentes experiências que estão implicadas”.
Muitos desses membros, os ditos peregrinos, convertidos ou mochileiros, entusiasmados com
as novas descobertas religiosas vivem como que uma conversão utópica. Acabam criando
uma igreja idealizada num padrão não existente. Sonham com um mundo convertido ao qual
todos devem aderir. A partir dessa suposta conversão o indivíduo pensa que só haverá
transformação de um mundo do mal para o mundo do bem quando todos passarem pela
mesma experiência que ele passou. Cria-se quase que um mundo paralelo. Muito comum
entre os membros da RCC ouvir dizer das “coisas de Deus e das coisa do mundo”. Temos o
profano e o sagrado em disputa. Usa-se ainda muito o termo: “antes de conhecer Jesus eu era
assim”. Segundo Hervieu-Léger (1999, p. 128), falando da pessoa convertida, “esta encarna,
geralmente, aos olhos dos novos fieis, uma Igreja ideal, ao mesmo tempo em que esta família
ideal onde reina um regime de relações humanas fundadas na confiança, na escuta e no
reconhecimento mútuo, se difere do regime existente na vida social ordinária”. Cria-se aí o
grupo dos mais santos e dos menos santos, no entendimento de alguns.
Muito comum acontecer entre os membros de grupos da RCC um certo radicalismo.
Tanto que a proposta é ser santo ou nada. E o único jeito de ser santo passa a ser o meu, o do
nosso grupo em particular. São atitudes bastante comuns entre os membros da RCC. Pode-se
dizer talvez dos mais sentenciosos? Esses indivíduos passam a acreditar que é a religião, ou a
pertença a esse ou aquele grupo que vai salvar o mundo. Como diz Hervieu-Léger (1999, p.
128), “a religião não pode pretender nem mudar o mundo, nem regularizar a sociedade, mas
ela pode transformar os indivíduos”. Aí sim, esse indivíduo reorganizado pode fazer algo pelo
mundo. Ao contrário disso vemos surgir radicalismo de alguns fieis. Acabam se tornando
praticantes radicais.
Na conquista de novos adeptos, hoje, no campo religiosos vale tudo. Na visão de
Carranza (2000, p. 293), para isso fazem o uso do Marketing religioso, pois tudo o que é santo
prospera. O que não é santo deve ser exorcizado. Aparece aqui mais uma vez o simbolismo do
sagrado e do profano. Querem uma transformação do mundo distanciando-se do mesmo.
Assim vemos a Diocese de Santo Amaro hoje, em uma dinâmica cada vez mais devocional,
distante de um comprometimento com a transformação social. O que conta é o bem estar do
individual enquanto religioso, convertido, e como diz Hervieu-Léger (1999, p. 129), “a
conversão revela-se, então, como uma das vias da irrupção do sagrado em um tempo e em um
mundo desencantados”.
Diante disso, a Igreja Católica no Brasil, neste final de século, parece
substituir figuras emblemáticas das décadas de 60 e 70, como Dom Hélder
Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns, que se perfilaram nas lutas políticas e
sociais do país e disputaram seu espaço religioso na mídia, por novas figuras
emergentes que disputam seu espaço religioso em programas como os do
Faustão, Xuxa, Gugu e Hebe Camargo. É possível que se esteja diante de
novos paradigmas ou novos paradoxos (CARRANZA – 2000, p. 298).
Esses foram os rumos que a Diocese de Santo Amaro tomou diante da proposta de
reencantamento que a RCC lhe apresentou. Hoje está presente o crente modelo, resgatado de
outras tempos, o tipo ideal, vindos da missa em latim. Temos, com as forças da RCC o fiel
que deve, para se apresentar como o bom católico, ir à missa todos os domingos e comungar.
Deve confessar-se regularmente, pois está sempre sofrendo as investidas do demônio. Hoje a
Diocese já tem um padre exorcista oficial. A reza terço é uma prática muitíssimo divulgada,
conformada com um sério comprometimento com a devoção mariana. Alguns até exageram
fazendo-se devotos do movimento dos escravos de Nossa Senhora, fazendo ainda o uso de
correntes com cadeados no pulso ou tornozelo. Vai ser a partir desse modelo de crente que os
demais serão avaliados. Assim hoje se estrutura a Diocese de Santo Amaro. Um modelo para
as demais dioceses em que queiram seguir fielmente a hierarquia.
Conclusão
A aceitação da RCC no campo brasileiro levou bastante tempo, mas acabou se
assentando, uma vez que provou que sua proposta respondia às demandas da modernidade de
uma religião de comunidades emocionais. Além disso a RCC mostrou-se extremante
obediente às normas institucionais, pois não queria ser taxada como um movimento herético.
Prova disso, como podemos analisar a partir de sua atuação na Diocese de Santo Amaro, é seu
poder de domínio e de como conquistou a Igreja local. Como diz Carranza (2000, p. 301),
“sua legitimidade também é fruto da força organizacional do movimento, da sua ligação com
setores conservadores da Igreja (nacional e internacional) e da finalidade da sua mensagem
religiosa voltada para a recuperação do catolicismo romanizado que almeja a reconquista da
hegemonia do catolicismo no campo religioso”. Com isso vemos uma Diocese mantendo um
forte controle sob seus membros, podendo contar para isso, com a as bases bem estruturadas
da RCC. Os fiéis, assim compreendidos como convertidos, seguem à risca as orientações dos
padres que repetem, em pequenos grupos, os modelos criados pelos padres midiáticos, com
tendências marcadamente carismáticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Renovação Carismática Católica (RCC), é fruto de um movimento internacional que
teve suas origens nos EUA no ano de 1967 e veio marcar sua chegada no Brasil no ano de
1972, instalando-se, primeiramente, na cidade de Campinas, São Paulo. Um movimento que
na sua origem teve o nome de pentecostalismo católico, chegou ao Brasil com o nome de
RCC, trazida pelos padres jesuítas: Harold Joseph Rahm e Eduardo Dougherty. Em tempos
ditos secularizados, onde a palavra de ordem passou a ser a do desencantamento do Sagrado, a
RCC trouxe uma proposta de reencantamento, mostrando que o Sagrado não perdeu seu lugar,
mas que precisou ser reajustado. Esta pesquisa é feita trazendo a Diocese de Santo Amaro,
Zona Sul de São Paulo, como um recorte, pois a citada Diocese tem se mostrado, em últimos
tempos, como um forte polo carismático. A partir desse recorte, foi possível perceber que em
pleno século XXI, juntamente com as comunidades neopentecostais, a RCC se apresenta,
como a religião das comunidades emocionais.
Encontramos registrado na história que por muito tempo houve um descontentamento
dentro da ICAR, isso devido à sua estrutura institucional conservadora e limitante. No ano de
1517, vemos despontar de forma veemente a Reforma-Protestante. Desta forma, em pleno
século XVI a ICAR tem que se preocupar em desenvolver estratégias de defesa contra o
surgimento do Protestantismo. As principais estratégias foram delineadas no 19º concílio
ecumênico, o Concílio de Trento (1545-1563). A partir daí muitas outras provocações
ocorreram, advindas das demandas da modernidade e sinais de que realmente mudanças
deveriam acontecer. Fechada em estruturas confortáveis, para a ICAR, sair de sua zona de
conforto nunca foi a intenção. Vemos despontar o Concilio Vaticano I (1846-1878), que
fortalece ainda mais sua estrutura de poder.
Não mais suportando as pressões que emergiam do mundo da modernidade, século das
luzes, desponta João XXIII cônscio de que era necessário a Igreja Católica se abrir para um
aggiornamento. Vemos acontecer o Concílio Vaticano II (1962-1965), esperança para uns e
insegurança para outros. Paralelo a tudo isso emergiam movimentos de base, CEB’s e TL.
Despontavam também, como proposta de reencantamento religioso do mundo, os movimentos
pentecostais, uma onda que a ICAR não conseguiu segurar.
Conforme Monteiro (2017, p. 21), existe uma relação filial da RCC com o Concílio
Vaticano II, na intenção do Papa João XXIII, expresso em trechos da Constituição Apostólica
Humanes Salutis (Salvação humana): “Digne-se o divino Espírito ouvir da maneira mais
consoladora a oração que todos os dias sobe de todos os recantos da terra: ‘Renova em nossa
época os prodígios, como em novo Pentecostes; e concede que a Igreja santa, reunida em
unânime e instante oração junto a Maria, Mãe de Jesus, e guiada por Pedro, difunda o reino da
verdade, de justiça, de amor e de paz. Assim seja” (Cf. Acta Apostolicae Sedis 51 [1959], p.
832). Sendo assim, o Concílio Vaticano II é interpretado como o marco referencial da RCC.
A RCC não nasce fora de contexto, mas dentro de uma realidade histórica bem
definida, de experiências advindas de comunidades pentecostais, em um tempo que pedia
mudanças. Pode-se dizer que a RCC tem grande similaridade com o pentecostalismo clássico,
e como ele, também a RCC ganha campo brasileiro. A RCC nasce a partir de uma
necessidade do campo religioso de um reencantamento, quando as antigas instituições não
mais conseguiam responder aos anseios religiosos. A RCC conseguiu apresentar uma
renovação para o catolicismo sob a égide da instituição, mantendo elementos fortes como
Eucaristia, devoção Mariana e outros pontos que a mantem fiel à hierarquia. Ela consegue
fazer a manutenção do status quo. Toda instituição, por mais bem caraterizada que seja,
sempre tem uma preocupação em relação a uma perda de controle dos supostos movimentos
que dessa declinam. Com a ICAR e o nascimento do RCC isso não se fez diferente. É
possível perceber que a ICAR consegue também, a seu modo institucionalizar o movimento
RCC, trazendo assim ele para debaixo de seu controle.
Por ser uma igreja de instituição milenar a ICAR tem uma história longa com uma
tradição bastante fossilizada. Para muitos membros eclesiásticos, ditos tradicionais, deparar-se
com uma igreja renovada com características pentecostais não foi fácil. Outros movimentos
não tiveram a mesma sorte que teve a RCC, e aos poucos foram sendo sucumbidos. Alguns se
penderam de vista, como é o caso da TL. Outros ainda se mantém, mas sem muita louvor, no
caso das CEB’s. Segundo alguns representantes do movimento, a docilidade ao Espírito Santo
faz com que a RCC seja também doce à instituição. Coloca-se aberta à obediência e com isso
consegue manter um padrão de seguimento que não entra em heresias quanto ao que existe de
doutrina.
A experiência do Batismo no Espírito é o referencial da RCC. Com ele segue toda uma
dinâmica direcionado pela moção do mesmo Espírito com seus grupos de oração, músicas de
louvores, repouso no Espírito, dons carismáticos, missas de cura e outros. Por ser um
movimento carismático, a tendência é o avivamento na ação do Espírito Santo. Nos grupos de
oração da RCC é muito comum o relato de curas, momentos emocionais com grande
espontaneidade, glossolalia, orações espontâneas e outras manifestações muito similares aos
movimentos pentecostais clássicos e muitas vezes até mais próximo aos neopentecostais. Ao
mesmo tempo que o movimento agrega, ele não consegue do fiel uma pertença exclusiva. Os
membros podem transitar de uma comunidade para a outra. Não precisam ser fixos.
Perambulam de uma missa para a outra em busca de algo que os satisfaça, no caso a cura.
Destacam-se os padres midiáticos.
Desde que foi elevada como diocese (1989), Santo Amaro é considera o maior polo
carismático brasileiro, destacada nas últimas duas décadas pela explosão midiática do padre
Marcelo Rossi. Tendo como seu primeiro bispo Dom Fernando Antônio Figueiredo, a
Diocese de Santo Amaro cresceu consideravelmente em números de vocações e paróquias.
Tudo se deu ao grande chamariz vocacional midiático Marcelo Rossi. Muitas comunidades de
vida, com estilo carismático, eclodiram na diocese de Santo Amaro. Todas elas seguindo o
estilo dos grupos de oração, buscando sempre uma experiência ainda mariana, radicalidade na
busca da santidade e outros. Por outro lado, Diocese perdeu em muito o élan pelo social,
voltando-se para o louvor.
Como um movimento sui generis a RCC consegue conciliar sua abertura à moção do
Espírito Santo e sua adequação às exigências da ICAR como uma instituição. Conforme
escreve Sousa (2001, p. 3), “a Igreja Católica tradicional como também a rodem eclesiástica
do Vaticano vê no movimento carismático uma arma eficaz para defender e reconquistar os
territórios perdidos para os pentecostais, religiões afro-brasileiras e religiões orientais”. A
proposta desse trabalho foi pensar a RCC na Diocese de Santo Amaro como uma resposta ao
avivamento religioso século XXI. Para isso foi feito o usado conceitos de estudiosos das
ciências da religião. Assim sendo, foi possível fazer um olhar de como a RCC, como um
modelo pentecostal católico responde aos anseios modernos da religião dentro do catolicismo
sem precisar se romper com as estruturas milenares da hierarquia. E como diz Sanchez
(2001), “se há uma palavra que define o campo religioso atual no Brasil é mudança”. Essa
mudança aqui é entendida como uma construção de um pluralismo religioso, onde a ICAR
deixa de ser hegemônica, dando espaço para outras religiões.
Foi possível trazer como conclusão uma avaliação crítica sobre a atuação da RCC na
Diocese de Santo Amaro. Como avaliado por autores da sociologia da religião, temos
nitidamente uma Diocese marcada pela RCC trazendo uma proposta de uma religiosidade de
comunidades emocionais. Com base bem estrutura, a RCC se organiza a partir de seus
diversos ministérios, ou projetos de atuação. Esses projetos abraçam, de forma bastante
ampla, todos os campos da vida da ICAR, e nesse caso a Diocese de Santo Amaro. A isso
Carranza (2000, p. 61) considera uma “sociedade inclusiva” que preenche “todas as
necessidades de seus membros”. Mesmo que com isso corre o risco de levar os membros a um
“encasulamento”, pois ali o fiel encontra tudo à sua disposição, não precisando sair do
mesmo. Assim, ainda de acordo com Carranza (2000), é um projeto que retoma o sentido de
“neocristandade”, muito forte no sentido explícito da Ofensiva Nacional, como “uma atitude
apologética”.
Em primeiro momento essa religiosidade da RCC resgata característica pentecostais e,
sem deixar de falar inda da grande similaridade com neopentecostais. São grupos que se
desdobram numa preocupação com revitalização do cristianismo, onde o fiel primeiramente
deve passar por uma conversão pessoal na experiência da vida no Espírito. São vários os
grupos de oração na Diocese de Santo Amaro que proporcionam aos fiéis nas diversas
paróquias a experiência do Batismo no Espírito. Esses indivíduos são convocados a viver uma
vida de santidade buscando ainda os sacramentos da ICAR como fonte te vida espiritual. Os
momentos de oração são sempre com louvores, orações espontâneas que proporcionam
sempre bem estar, possibilitando ao indivíduo voltar para casa sentindo-se bem, relaxado e
confiante na ação Deus para resolver sua problemas.
Nos grupos carismáticos há sempre uma preocupação em responder as demandas dos
fiéis. Como em todos os outros lugares onde atua o movimento da RCC, propaga-se a tática
de auto-afirmação, como uma forma de espiritualidade mais adequada, como relata Carranza
(2000, p. 303). Dessa forma os católicos da RCC na Diocese assumem uma postura
proselitista, fugindo da proposta ecumênica pedida pelo Concilio Vaticano II. Cria-se uma
cruzada apologética contra outras denominações. A ICAR deve ser propagada pelo membro
carismático como a única e verdadeira religião. Muito comum esse fato acontecer entre os
membros da grupos de oração dentro das paróquias na Diocese de Santo Amaro.
Criou-se na Diocese de Santo Amaro um único modelo e jeito de ser Igreja, o
carismático. Segundo testemunha de padres, pode-se perceber que as missas precisam sempre
ter unção. Se o padre não segue a linha carismática é tachado de “não ser um padre ungido”.
Com isso perde-se dinâmicas pastorais tão importantes nas paróquias. O único jeito de ser
igreja é aquele que tem grupos de oração onde as pessoas passam pela experiência do Batismo
no Espírito, falar em línguas, receber dom de cura ou profecia, fazer repouso no Espírito e
outros. Corre aqui o sério risco da construção de uma religião prestadora de serviços
espirituais. O fiel busca o que lhe apetece e o que não gosta descarta. Se não gosta do padre
tal vai em busca de outro que o satisfaça. Por isso a religião do self, ou a la carte. Os
paroquianos têm várias opções, pois são diversos os padres que oferecem, por toda a Diocese,
as várias missas por cura e libertação. Assim sendo, os fiéis da RCC podem transitam de
paróquia para paróquia em busca de curas e satisfação pessoal.
Na diocese é comum ainda a busca por missas de louvores com padres artistas e
outros. São várias missas shows, onde os fiéis não buscam o liturgia, mas o artista. Por isso
pode-se dizer aqui do que chama de Hervieu-Léger de “entretenimento espiritual”. Pe.
Marcelo Rossi promoveu, nos últimos anos vários eventos religiosos com a chamada de
artistas cantores diversos na intenção de atrair fieis para a Igreja Católica. Diante disso fica a
interrogação: essa fé é válida? Transforma o indivíduo para uma verdadeira conversão? Pelo
que tudo indica, grande parte dos fiéis ficam apenas no âmbito da receber e pouco dão em
troca pela própria Igreja. Encontram dificuldades de assumir compromissos em suas
paróquias. Diante ainda desses entretenimentos espirituais fica marcada a imagem os padre
artista que passa a ser um ídolo para o povo das diversas paróquias. Frente a isso foi o que
aconteceu com Pe. Marcelo Rossi que quando adoeceu deixou cair por terra o que definiu
como depressão. Muitos fiéis deixaram de se tratar por que acreditavam na proposta do líder
religioso de que depressão seria falta de fé. Um grande risco, não só para os fies da Diocese
de Santo Amaro, como também para outros fieis que a ele tiveram acesso através da mídia.
Quando olhamos para a estrutura da RCC na diocese de Santo Amaro, ela se compõe
de 9 ministérios que atuam respondendo as demandas religiosas. Isso denota como aponta
Carranza (2000, p. 302), que a RCC tenta responder a todas as necessidades do fiel
carismático. Sendo assim, a partir do movimento da RCC o fiel não teria necessidade de mais
nenhum movimento, pois a RCC tem tudo o que ele precisa. Há de se concordar com
Carranza (2000), de que isso causa um certo “encasulamento” aos seus membros. Os demais
movimentos e atividades pastorais acabam perdendo as motivações e razões de existir. A
RCC tem a totalidade em um único movimento. Isso é negativo quando se olha para os
demais movimentos e grupos de pastorais, pois tem-se a impressão que não respondem mais
com a espiritualidade que apresentam. Desses grupos podemos dizer do Apostolado da
Oração, Mãe Peregrina, Vicentinos, legião de Maria, Pastoral do Dízimo entre outros.
Quanto ao trabalho da RCC com a juventude dentro da Diocese, alguns desafios
também são encontrados que merecem um análise. São poucos os grupos de jovens que
funcionam nas paroquias na Diocese de Santo Amaro que não têm base carismática. Muitos
jovens, convidados por outros jovens, fazem a experiência do Treinamento de Lideranças
Cristãs (TLC). Assim sendo, os grupos dentro das paróquias passam a ser mini grupos de
oração com momentos de pregação, adoração do Santíssimo e louvor. Afastam dessa forma a
juventude de ações pastorais comprometidas fora ou dentro da paróquia. Pregam para os
jovens que devem se afastar das coisas do mundo. O jovem fica sem muita alternativa, como
já dito, “ou santo ou nada”. São convidados a abandonar as coisas do mundo, produzindo
assim jovens envoltos numa nevoa de santidade longe da realidade, produzindo isolamento e
distanciamento com o mundo em que vive. Isso é comum não só em grupos de classe média,
como também entre os jovens das comunidades mais carentes da Diocese. O movimento da
RCC, como falado acima que tem uma totalidade em um único movimento oferece ainda
alternativas aos jovens universitários, chamado de “Ministério Universidade Renovada”. Veja
que nada escapa dela. Passa a ser bastante inclusiva, aparentemente.
Como previsto por Danièle Hervieu-Léger, apontado por Barrozo (2014, p. 113), na
Diocese de Santo Amaro, como proposta de uma religião de comunidades emocionais, a RCC
colabora para a existência de três tipos de agrupamentos bem definidos: 1) - agrupamentos de
consumidores, que se trata daqueles fieis que apenas buscam a Igreja para satisfazer suas
necessidades imediatas. Não criam vínculos, e por isso não vêm os demais membros como
irmãos em uma comunidade de fé. Pensam a paróquia, secretaria paroquial, padre e demais
pastorais como uma prestadora de serviços. São exigentes, reclamam os sacramentos e demais
bens religiosos como serviços prestados. Sempre exigem muita qualidade, pois têm uma
lógica de mercado, qualquer coisa que os ofenda ou vá de encontro ao que procuram, faz com
que busquem outro espaço; 2) - agrupamento de praticantes, que conseguem fazer uma
adesão, um certo vínculo através da participação de alguns ritos, atividades espirituais. Esses
conseguem fazer uma transformação pessoal, mesmo que seguindo algumas normas por
obrigação. Acabam se adaptando ao convívio paroquial, mesmo que ainda o faça com
resistência; 3) - agrupamento dos militantes utópicos, são aqueles vão um pouco além,
pensando em uma transformação social comunitária. Esses saem mais de si indo ao encontro
do outro. Podemos perceber esses indivíduos como aqueles que assumem certas lideranças
carismáticas dentro das paróquias ou até mesmo em nível diocesano. Acreditam na
continuidade dos trabalhos do movimento.
A Diocese de Santo Amaro, tendo como base estruturante a estrutura da RCC, adquire
a fragilidade de uma Igreja marcada pelas características de uma religião do século XXI,
trazendo em seu bojo a religiosidade das comunidades emocionais. E como diz Barrozo
(2014, p. 119), “é uma religião de grupos voluntários, sem a necessidade de uma conversão
pessoal. A adesão se faz através de uma escolha livre do indivíduo, fiel; uma religião que dá
importância ao corpo e à afetividade intensa; tem desconfiança quanto às formalidades
doutrinais, optando pelo primado da experiência; e por fim os agrupamentos são mais
flexíveis em relação à pertença e obrigação. Vemos tudo isso acontecer na Diocese de Santo
Amaro entre os diversos membros que dizem fazer experiência do movimento da RCC. Não
há necessidade da construção de laços fortes entre os membros, e por isso essa agregação fica
muito frágil, porosa. Na busca de uma experiência intimista e pessoal com Deus o fiel corre o
risco de facilmente se desvincular.
Por fim, podemos apontar aqui, e isso observado na Diocese de Santo Amaro, o
sentido dessas comunidades emocionais se distanciarem de práticas sociais. Como vimos, a
ICAR, a partir de outros movimentos, procurou enfatizar o comprometimento com o social.
Todos os anos, através da Campanha da Fraternidade, no tempo quaresmal, a Igreja no brasil,
incentivada pela CNBB, propõe um tema que reflita algum pecado social. Pede-se a
conversão desse pecado como conversão quaresmal. Na Diocese de Santo Amaro, a
Campanha da Fraternidade é pouco valorizada. Não é vista com bons olhos a partir de alguns
sacerdotes e até mesmo fieis. A isso, segundo Barrozo (2014, p. 122), Hervieu-Léger aponta
como mais um traço das comunidades emocionais, o caráter exclusivamente espiritual dos
propósitos religiosos dos aderentes. É visível que para essas comunidades a religião não
mobiliza para engajamentos sociais, pois tem como base fazer mobilizações apenas das
experiências emotivas profundas. Sendo mais comum ver manifestado as excitações coletivas,
transes, o falar em línguas, glossolalias, etc.. Um grupo de oração andará sempre muito bem
enquanto provoca a emotividade nos participantes, provocando choro, testemunhos, falar em
línguas, expressões espontâneas. As expressões de levantar as mãos e bater palmas enquanto
se canta é muito favorável, significando que o fiel está recebendo a unção. Nesse caso, mexer
com sociais não é favorável. Assim sendo, com essa análise, percebe-se que a Diocese de
Santo Amaro, com seus méritos e deméritos, encaixa-se perfeitamente dentro do padrão das
religiões de comunidades emocionais.
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