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V Simpósio de Pós-Graduandos em Ciência Política da

Universidade de São Paulo

Autonomia e desenvolvimento na política externa brasileira da

década de noventa:

um ensaio sobre meio ambiente e tecnologia de mísseis

Daniel Ricardo Castelan Mestrando em Relações Internacionais

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

2

Resumo: O trabalho analisa a política externa brasileira durante os anos noventa, que teve

como uma de suas características a adesão a uma série de regimes internacionais. Dessa

forma, avalia a medida em que os objetivos de desenvolvimento e autonomia foram buscados

em cada uma das áreas por meio do que se pode chamar de institucionalização das relações

internacionais na política externa dos anos noventa. A partir de diferenças verificadas nos

dois regimes, o artigo apresenta uma crítica à teoria neoliberal-institucionalista de relações

internacionais, que considera a adesão a instituições como um elemento chave para a

cooperação.

Palavras-chave: Política externa brasileira; meio ambiente; tecnologia de mísseis;

cooperação internacional.

3

1. Introdução

O trabalho tem como objeto o estudo da institucionalização na política externa brasileira

que se deu ao longo da década de noventa.1 Para tanto, se debruça sobre duas áreas onde foi

notável esse movimento nas relações internacionais do Brasil: meio ambiente e tecnologias de

mísseis. Não aceitando o pressuposto de que a institucionalização no meio internacional tende a

construir uma sociedade pautada por normas que servem à ordem2, e que por isso pode ser

considerada normativamente desejável, ao longo do trabalho avalio em que medida a postura

institucionalista brasileira na década de noventa, nas áreas em questão, serviu ao seu

desenvolvimento econômico e autonomia – dois grandes objetivos que perpassam a história da

diplomacia brasileira (Pinheiro, 2005, p. 311).

Os objetivos parecem amplos demais para serem tratados em algumas páginas. Sem

embargo, o fato de restringir-me a duas áreas – meio ambiente e tecnologia de mísseis – permite

fazer uma análise mais precisa do tema, e esboçar algumas conclusões sobre o impacto da

institucionalização na década de noventa sobre o desenvolvimento e autonomia. A partir da

avaliação do caso brasileiro, a parte final do trabalho apresenta uma crítica ao argumento de

Keohane (1984) de que a adesão a instituições contribui para a cooperação internacional, por

reduzir a incerteza num ambiente internacional anárquico.

2. Novos paradigmas, velhos objetivos: autonomia e desenvolvimento.

O início dos anos noventa assistiu, na diplomacia brasileira, a uma mudança de postura

quanto ao papel do Brasil no sistema internacional. (Hirst e Pinheiro, 1995; Cervo, 2003; Lima,

1994) Pode-se notar, pela literatura, que embora o final da década de oitenta marque o fim de um

paradigma, não está claro quando se dá o início de um novo modelo de política externa coeso,

haja vista o pouco consenso acerca dos rumos que a inserção do país deveria tomar naquele

momento. Hirst e Pinheiro (1995) falam em crise de paradigmas, Cervo (2003), caracteriza o

período como uma dança de paradigmas.

Utilizando-se do conceito de incerteza, desenvolvido por Mark Blyth (2002), pode-se

clarificar um pouco a situação da diplomacia brasileira no princípio da década quanto à falta de

um paradigma consensual. Blyth diz que períodos de incerteza são bastante característicos em

momentos de mudança institucional, onde devido a pouca experiência dos agentes com a

1 Considero “institucionalização” a prática brasileira de adesão a uma série de acordos e tratados internacionais, aos

quais a literatura de relações internacionais tem se referido como regimes internacionais. 2 Argumento desenvolvido em Bull, 1977.

4

transformação das estruturas sociais, a adoção de uma estratégia racional é limitada. A limitação

da racionalidade instrumental dos agentes em momentos de crise, argumenta Blyth, deve-se ao

fato de que as alternativas a serem buscadas pelos atores não estão claramente definidas. Assim,

uma estratégia de maximização de utilidades torna-se difícil. Em períodos de incerteza, não

existe inclusive insumos teóricos críveis que permitam aos tomadores de decisão estabelecer

relações de causa-efeito para guiar a adoção de estratégias. O argumento de Blyth é que, em

períodos de incerteza, a análise do papel das idéias dos agentes pode ser útil para se entender as

políticas que foram adotadas. Em tais condições, a utilização do modelo do ator racional (Lima,

1994), que pressupõe agentes com interesses pré-definidos e com crenças sobre relações causais

que lhes permitam fazer uma avaliação clara de custos e benefícios, é incapaz de interpretar o

processo de tomada de decisões.3

Para a compreensão da formulação da política externa no início da década de noventa,

pois, o conceito de incerteza de Blyth pode se mostrar adequado. O mundo acabava de passar por

um reordenamento em sua estrutura material, com a desintegração da União Soviética; existia a

proliferação de uma nova estrutura normativa que propagava valores universais como a

democracia de mercado, proteção aos direitos humanos, meio ambiente; e havia também a crise

de um modelo de desenvolvimento que havia pautado a economia brasileira desde os anos 30.

Diante dessas mudanças é que se viu a crise de paradigmas (Hirst e Pinheiro, 1995) na política

externa brasileira. Nesse momento, a definição de uma estratégia racional esteve limitada até

mesmo pela falta de interpretações teóricas que dessem conta de explicar o desaparecimento

súbito de um dos pólos de poder mundial sem um grande conflito.

Os constrangimentos à atuação do Brasil naquele momento eram de diversas ordens. A

primeira questão que se colocava diz respeito à economia nacional, mas não pode ser dissociada

das implicações para a inserção do Brasil no mundo: qual o modelo de desenvolvimento a ser

adotado, exauridas possibilidades da substituição de importações? A resposta veio, de uma

maneira mais incisiva, com Collor, que implementou as idéias sobre democracia de mercado que

se propagavam com a reestruturação normativa do mundo. Diante do fracasso do modelo

brasileiro e haja vista o colapso da alternativa socialista da União Soviética, havia poucas

dúvidas para o então presidente e equipe econômica de que o Brasil deveria buscar a abertura

juntamente com as tentativas de estabilização (Pio, 2001). No âmbito externo, isso passava pela

busca de credibilidade, que pode ser considerada uma marca desse primeiro período do governo

Collor.

A opção pela credibilidade na política externa está vinculada às dificuldades que se viam

3 O argumento do autor não sugere que os atores, em momentos de incerteza, são irracionais. Seu argumento é metodológico, advoga pela introdução do estudo das idéias na análise da mudança institucional.

5

diante do serviço da dívida, assim como da crescente pressão dos países ricos por atitudes

responsáveis dos países em desenvolvimento no tocante a temas globais – direitos humanos,

meio ambiente, democracia. Dado o esgotamento das possibilidades de um desenvolvimento

autônomo, fazia necessária a cooperação internacional para que o Brasil pudesse levar adiante os

projetos desenvolvimento. A postura adotada pela diplomacia insinuava que4 não haveria

cooperação sem que o país se enquadrasse nos valores disseminados de democracia, meio

ambiente, mercado, direitos humanos. Dentro desse quadro, via-se cada vez mais difícil a adoção

de posturas de negação de responsabilidades.

A opção de política externa prevalecente diz respeito também a segunda grande questão

da diplomacia brasileira: como garantir autonomia em um mundo com nova distribuição de

poder? A resposta, mais uma vez, veio com atitudes que garantissem credibilidade ao Brasil,

como está expresso no conceito de Gelson Fonseca Júnior autonomia pela participação.5 Diante

do problema da garantia do espaço de manobra ao país, esse deveria dar-se pela redução da

cobrança da comunidade internacional quanto a posturas responsáveis dos países em

desenvolvimento. Em um momento em que o mundo foi caracterizado por uma grande clivagem

ideológica, a Guerra Fria, o distanciamento brasileiro podia ser justificado. Entretanto, com a

reestruturação normativa do sistema, onde um dos pólos ideológicos deixava de existir, era

amplo o consenso da sociedade internacional acerca dos valores a serem perseguidos.

Autonomia, conforme apresentado por Fonseca Jr, passava a significar adequação aos valores

disseminados, para que o Brasil não passasse a ser visto como pária e pudesse buscar a

continuidade de seu desenvolvimento por meio da cooperação internacional. O excerto abaixo,

acerca da legitimidade no sistema internacional, ilustra bem a visão diplomática que se

propagava nos círculos diplomáticos no período:

“ideologicamente, o mecanismo central de solução do problema da riqueza passa a ser o

mercado e não mais o Estado. Com isso, o intervencionismo, no modelo terceiro-

mundista, perde a referência de legitimidade que antes dispunha. (...) Podemos admitir

que, em linhas gerais, definiram-se, no pós-Guerra Fria uma série de temas que passam

a constituir o corpo hegemônico das políticas legítimas, correspondentes, em tese, ao

discurso das potências ocidentais (Estados Unidos, Europa Ocidental e, pela aliança que

mantém, o Japão) e , com variações, aos países, mesmo em desenvolvimento, que adotam

valores ocidentais. Os temas são bem conhecidos: democracia e direitos humanos,

problemas humanitários, liberdade econômica e criação de condições iguais de

4 Não existia uma visão homogênea dentro do próprio Itamaraty. O documento Reflexões sobre a política externa

brasileira, publicado pelo Ministério das Relações Exteriores em 1993 pode indicar, entretanto, em que direção apontavam as interpretações dos formuladores de política externa do período.

5 FONSECA Jr., 1998.

6

competição, combate ao narcotráfico e ao crime organizado, a solução multilateral de

crises regionais, defesa do meio ambiente, movimentos para institucionalizar, em

organismos multilaterais, as propostas e teses nessas questões, etc.”(Fonseca Jr., 1998,

p.213, 217)

Dessa maneira, no plano conceitual houve uma mudança na política externa em direção

ao entendimento de que uma maior adesão a regimes seria a forma de garantir autonomia e

desenvolvimento (Pinheiro, 2000). O argumento de Fonseca Júnior é que tal posicionamento era

necessário para a garantia de legitimidade na ordem recém-constituída. Para novamente ilustrar

sua postura, termino a sessão com um excerto de documento de 1993, publicado pelo Ministério

das Relações Exteriores, onde a criação de direito é vista como uma forma instrumental para o

exercício de poder:

“O momento de criar direito novo é, também, um momento privilegiado de exercício de poder.

É justamente quando as vantagens políticas são cristalizadas juridicamente. (...) Hoje, a

formulação de um projeto de potência talvez parta da definição de boas performances no

campo da política, da economia, da justiça social. Para um país ‘ocidental’ como o Brasil,

uma condição inicial é, portanto, ter um bom record em direitos humanos, em obediência a

padrões democráticos, em respeito à liberdade econômica, em adesão a certos padrões de

conduta diplomática. Quem quer influenciar em um debate sobre regras tem de demonstrar

nacionalmente a capacidade de construir boas regras.”(MRE, 1993, p. 12)

3. Realização dos conceitos. Adesão a regimes.

Embora seja difícil falar em um paradigma conceitual homogêneo que houvesse guiado a

ação em política externa ao longo dos anos noventa, pode-se dizer que, embora tenha-se mantido

alguns objetivos do período anterior, os meios de alcançá-los foram distintos. Não me preocupo em

traçar claramente quais foram os imperativos que levaram à mudança conceitual, mas sobretudo em

analisar os impactos do câmbio na adoção de políticas subseqüente. Conforme colocado por

Pinheiro (2000) os objetivos mais duradouros de desenvolvimento e autonomia foram perseguidos

com uma postura que pode ser entendida como institucionalista pragmática. A diplomacia para

meio ambiente e tecnologia de mísseis seguiu o mesmo padrão.

7

1.

2.

3.

3.1. Meio Ambiente

Durante o mandato do presidente Collor, uma das grandes realizações da política externa

foi a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

em 1992. Celso Lafer foi o chanceler que participou do encontro, muito embora tenha sido

convocado para o cargo apenas dois meses antes de sua realização. Ainda assim, pode-se notar

na postura brasileira alguns elementos do que o ex-chanceler consideraria como pontos

importantes para a diplomacia nos anos noventa.

A decisão em sediar o evento deu-se no governo anterior, em 1988, logo quando foi

convocada a reunião pelas Nações Unidas. Já nesse período, nota-se o início da mudança de

postura em direção à institucionalização dos regimes de meio ambiente, com a condição de que a

proteção ambiental não fosse colocada como uma barreira ao desenvolvimento brasileiro e não

ameaçasse sua soberania, garantindo a utilização de recursos naturais sob sua jurisdição. Nesse

sentido, o conceito de desenvolvimento sustentável foi central, ao permitir que o Brasil adotasse

uma postura responsável quanto à proteção ao meio ambiente, sem que isso implicasse

limitações ao seu projeto de desenvolvimento. O conceito criado no Relatório Brundtland (1987)

contemplava o direito à soberania sobre recursos, outra idéia central à autonomia buscada pelo

Brasil:

“sustentável é o desenvolvimento que atente às necessidades do presente sem comprometer

a capacidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.

Desenvolvimento sustentável tampouco implica transgressão alguma do princípio da

soberania. O Conselho de Administração considera que a consecução do desenvolvimento

sustentável envolve cooperação dentro das fronteiras nacionais e através daquelas. Implica

progresso na direção da eqüidade nacional e internacional, inclusive assistência aos países

em desenvolvimento, prioridades e objetivos nacionais. Implica também a existência de

meio econômico internacional propício que resulte no crescimento e no desenvolvimento.”6

Dessa forma, no início da década o Brasil engajou-se na construção dos regimes de

proteção ao meio ambiente que então se formavam. Anteriormente já havia aderido à Convenção

6 Definição negociada na XV Sessão do Conselho de Administração do Programa das Nações Unidas para Meio

Ambiente (PNUMA), retirada de Relatório da Delegação Brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. p. 13 e 14.

8

de Viena (1985) e ao Protocolo de Montreal (1987), referentes à proteção da camada de ozônio.

Sem embargo, sua postura ainda não era clara quanto a um compromisso mais perene na defesa

ao meio ambiente. Sarney, que inicia essa participação, adota nacionalmente duas medidas

importantes para sinalizar a mudança de postura. Lança o programa Nossa Natureza, integrando

vários ministérios, e extingue as isenções fiscais para a atividade agropecuária nas regiões

amazônicas. Sem embargo, é com Collor que a postura brasileira dá uma guinada (Lago, 2004).

Nas palavras de Lafer, no tema do meio ambiente havia espaço para a colocação do

desenvolvimento:

“o desenvolvimento continuava a ser um tema-chave em todo o mundo, mas a forma como

tinha sido tratado nas décadas de 60 e 70, ou mesmo no início da década de 80, não era

mais a forma como deveria ser tratado no plano internacional. A idéia do desenvolvimento

sustentável me parecia um conceito heurístico fundamental, pois relegitimava o tema do

desenvolvimento dentro de uma visão global e recolocava as relações Norte-Sul sob o signo

da cooperação. A discussão dessas questões na Conferência do Rio criava uma

extraordinária oportunidade político-diplomática para a afirmação do Brasil no mundo,

para deixarmos de ser o bode-expiatório do tema do meio ambiente para passarmos a uma

posição de liderança.” (Wrobel; Silva e Lafer, 1993, p. 5).

Quanto aos princípios defendidos, a postura em 92 não se diferencia tanto daquela da

Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo, em 1972.

Também naquele momento o Brasil colocou a defesa do direito ao desenvolvimento e da

soberania quanto à utilização dos recursos naturais acima de quaisquer outros princípios.

Entretanto, apenas depois da criação do conceito de desenvolvimento sustentável esses objetivos

não foram vistos como incompatíveis com a defesa do meio ambiente.

Nesse sentido, a Conferência do Rio pode ser entendida como um dos momentos que

representam a nova postura institucionalista atribuída à política externa brasileira da década de

noventa. Cinco documentos importantes tiveram lugar durante a Conferência: Agenda 21,

Declaração do Rio, Declaração sobre Florestas, Convenção sobre Diversidade Biológica,

Convenção sobre Mudanças Climáticas. Todos contemplam tanto a defesa brasileira da soberania

quanto do desenvolvimento. Nos princípios dois, seis e nove da Declaração do Rio, esses

objetivos brasileiros estão claramente colocados:

“PRINCÍPIO 2 - Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os

princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios

recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a

responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem

9

danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição

nacional.

(...)

PRINCÍPIO 6 - A situação e necessidades especiais dos países em desenvolvimento, em

particular dos países de menor desenvolvimento relativo e daqueles ambientalmente mais

vulneráveis, devem receber prioridade especial. Ações internacionais no campo do meio

ambiente e do desenvolvimento devem também atender aos interesses e necessidades de

todos os países.

(...)

PRINCÍPIO 9 - Os Estados devem cooperar com vistas ao fortalecimento da capacitação

endógena para o desenvolvimento sustentável, pelo aprimoramento da compreensão

científica por meio do intercâmbio de conhecimento científico e tecnológico, e pela

intensificação de desenvolvimento, adaptação, difusão e transferência de tecnologias novas

e inovadoras.”7

Na Convenção sobre Mudanças Climáticas, o princípio das responsabilidades comuns

mas diferenciadas também está claramente colocado. A Convenção divide os países em dois

grupos: os que fazem parte do Anexo I (OCDE e Economias em Transição do Leste Europeu) e

os demais, que não fazem parte do Anexo I. A Convenção estabelece, pois, metas de redução das

emissões de gases do efeito estufa (GEE) até o ano de 2000 apenas para os países do primeiro

grupo, para que se chegue ao final da década com os mesmos níveis de emissão do ano de 1990.

Às partes não-Anexo I há apenas a responsabilidade de elaborar relatórios nacionais. Além disso,

a Convenção conta com um Anexo II (membros da OCDE), que lista países que se

comprometem a fornecer “recursos financeiros novos e adicionais” aos países em

desenvolvimento para auxiliá-los a tratar da mudança do clima, bem como para facilitar a

transferência de tecnologias que não causem impactos adversos sobre o clima para os países em

desenvolvimento e economias em transição (Viola, 2002).

Na Segunda Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas, em 1997,

foi adotado então o Protocolo de Quioto, onde reconhece-se a necessidade de reduções mais

drásticas nas emissões de gases que contribuem para o efeito estufa. Decidiu-se que, no período

de 2008 a 2012, seriam reduzidas as emissões globais em 5,2% com relação às emissões de

1990, muito embora isso devesse dar-se com o estabelecimento de metas nacionais. Novamente,

a redução cabia aos países do Anexo I.

7 Declaração do Rio, 1992.

10

Vale ressaltar três mecanismos inovadores do Protocolo de Quioto, um dos quais tem

desdobramentos para a possibilidade de desenvolvimento brasileiro. O primeiro trata-se da

implementação conjunta pelos países do Anexo I, já que as metas de redução são estimadas para

todo o globo. Baseado nessa característica, foi criado o comércio de emissões entre os países que

possuem metas de redução. O terceiro mecanismo, de maior interesse para o Brasil, trata-se do

mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Ambos têm o intuito de ajudar os países com

cotas de redução a atingirem as metas individuais. Quanto ao MDL, consiste em um sistema no

qual no qual os países que possuem metas a cumprir podem fazê-lo por meio do financiamento

de projetos nos países em desenvolvimento que visam à redução na emissão de gases do efeito

estufa (Viola, 2002).

1.

2.

3.

3.1.

3.2. Tecnologias de Mísseis

A postura institucionalista da política externa brasileira, que aqui é entendida

principalmente pela adesão a regimes, também foi verificada na área de tecnologia de mísseis.

Um ponto importante dessa área do conhecimento é que se trata de uma tecnologia de uso dual –

a tecnologia utilizada na construção de mísseis é a mesma dos veículos lançadores de satélites.

Dessa maneira, o cuidado da comunidade internacional para a contenção de sua proliferação tem

sido constante. Isso traz implicações para o desenvolvimento nacional, mesmo porque o Brasil

tem um programa aeroespacial que contempla a construção de um veículo lançador de satélites

desde 1979.

A Missão Espacial Brasileira Completa (Mecb) teve início nesse ano, e representou o

primeiro grande programa brasileiro de longo prazo no âmbito do espaço. A proposta inicial era

baseada no desenvolvimento nacional de tecnologia, haja vista a grande dificuldade de

cooperação na área. A Mecb teve alguns resultados notáveis, dentre os quais o lançamento

exitoso dos dois primeiros satélites produzidos no Brasil, o SCD-1 e o SCD-2; a implantação de

infra-estrutura básica para as futuras missões espaciais brasileiras (Laboratório de Integração de

Testes e Centro de Rastreio e Controle de Satélites, no INPE); a construção do Centro de

Lançamento de Alcântara; a consecução das primeiras etapas de desenvolvimento do Veículo

Lançador de Satélites, o VLS-1. Vale ressaltar que o programa foi conduzido, até 1994, pelo

Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento do Ministério da Aeronáutica. Dessa forma,

11

encontrava-se sob o âmbito militar (Santos, 1999).

Paralelamente, os regimes de controle de transferência de tecnologias de uso duplo

desenvolveram-se à par da participação brasileira, mesmo porque o Brasil foi dominar o ciclo

nuclear (conhecimento também considerado de uso dual) apenas na década de 80 (Vaz, 1993). O

primeiro passo para a construção do regime deu-se ainda na primeira metade da década de 70,

quando foi criado o Comitê Zangger, onde os exportadores de materiais de aplicação nuclear

decidiram estabelecer uma lista de materiais e equipamentos que permitisse a identificação dos

programas nucleares em países ainda não nuclearizados. Dessa forma, haveria a possibilidade de

se exigir salvaguardas para as exportações ou cancelar seu fornecimento. Posteriormente, em

1977, o Clube de Londres, constituído pelos países supridos de material nuclear, adotaram a

mesma lista para o controle de exportações nucleares. Nesse ínterim, em 1984, Argentina, Egito

e Iraque assinam um acordo para o desenvolvimento de um míssil, o que aumentou a

preocupação por parte dos países detentores da tecnologia. Desde então o G-7 iniciou trabalhos

que culminaram, em 1987, com o nascimento do Missile Technology Control Regime (MTCR)8.

A preocupação do grupo era restringir a proliferação de mísseis capazes de transportar cargas

acima de 500 Kg a distâncias superiores a 300 Km. Embora o MTCR não restrinja o

desenvolvimento nacional de veículos lançadores de satélite, seu texto trata com cautela a

produção desse instrumento, já que se utiliza da mesma tecnologia usada em mísseis (Santos,

1999).

A participação do Brasil no regime se daria apenas posteriormente, em outubro de 1994,

com a proposta de adesão ao MTCR. Nesse período houve esforços também para a adaptação da

legislação nacional. Desde 1992, estava em tramitação o projeto de lei n. 2530/92, que versava

sobre a exportação de materiais de emprego militar. Sem embargo, essa proposta não se

restringia apenas às tecnologias duais, mas também outros produtos da indústria bélica brasileira.

Dessa forma, não foi aceita pelo Congresso e foi substituída, em junho de 1995, por outro projeto

de lei concernente ao controle desse tipo de conhecimento, conforme sugeria o texto do MTCR.

O novo projeto de lei, que dispunha sobre a exportação de bens sensíveis e serviços diretamente

vinculados foi aprovado sem emendas pelas duas casas e sancionado pelo presidente em outubro

do mesmo ano. Pelo documento foi criada também a Comissão Interministerial de Controle de

Exportações e Bens Sensíveis.9 Além disso, em fevereiro de 1994 foi criada a Agência Espacial

Brasileira, que retirou do Estado Maior das Forças Armadas a direção do Programa Aeroespacial,

8 Atualmente são membros do MTCR: G-7 (Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos),

África do Sul, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Turquia, Portugal, Rússia, República Tcheca, Suécia, Suíça e Ucrânia.

9 Lei N. 9.112, de 10 de Outubro de 1995, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9112.htm. Acesso em 01/12/2007.

12

com o intuito reforçar a finalidade exclusivamente civil do projeto.

Com essas medidas, pode-se considerar que foi dado o movimento de institucionalização

da política externa brasileira no que tange à transferência de tecnologias de mísseis. Vale analisar

sua relação com o objetivo de garantir o desenvolvimento e autonomia nacionais. A participação

brasileira no MTCR está de acordo com a visão já apresentada de Fonseca Júnior, de autonomia

pela participação. O desenvolvimento, segundo os formuladores de política externa do período,

via-se fortemente constrangido diante da dificuldade em dar continuidade aos projetos nacionais

de desenvolvimento. Note a postura do então Ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel

Vargas, diante da criação da Agência Espacial Brasileira:

“[a] agência permitiria um maior entendimento com o Regime de Controle de Tecnologia

de Mísseis (MTCR), que abriga os países do G-7 e até agora estimulava as sanções

comerciais contra a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), responsável pelo

desenvolvimento de foguetes VLS.” (Israel Vargas, apud Felício, 1994, p.276).

Nota-se que a continuidade do desenvolvimento se daria pela obtenção de credenciais de

que o Brasil era um país confiável, a partir do compromisso com a não-proliferação de

tecnologias de uso bélico. Os termos do MTCR não garantiam de forma alguma os objetivos de

nacionais de desenvolvimento, como foi positivado nos regimes de meio ambiente. Pelo

contrário, há menções de que a adesão não facilita qualquer contrapartida em termos de

cooperação tecnológica:

“MTCR partners have explicitly affirmed the principle that membership in the MTCR

does not involve an entitlement to obtain technology from another partner and no

obligation to supply it. Partners are expected, just as in such trade between partners and

non partners, to exercise appropriate accountability and restraint in inter partner

trade.”10

Dessa maneira, o Brasil se comprometia a não compartilhar tecnologias que pudessem ser

usadas para a construção de armas de destruição em massa. Com esse passo objetivava o

reconhecimento como país confiável. Esse seria um caminho para a obtenção de maior

cooperação na área, que seria benéfica para a continuidade de alguns programas de

desenvolvimento, como o VLS, e também lhe conferiria maior autonomia, conforme a idéia de

Fonseca Júnior sobre autonomia pela participação.

10 Trecho do MTCR, disponível em http://www.mtcr.info/english/trade.html. Acesso em 01/12/2007.

13

4. Especulações sobre desenvolvimento e autonomia.

Falar sobre os impactos de uma ação de política externa sobre o desenvolvimento é tarefa

extremamente ampla e complexa. Ainda mais quando se busca avaliar os resultados que um

conjunto de idéias e conceitos dos atores políticos. Nesse trabalho restrinjo-me a analisar, de

maneira preliminar, as possibilidades de cooperação para o desenvolvimento que foram abertas

em ambos regimes, devido aos diferentes padrões de institucionalização praticados em cada uma

das áreas. A partir dessa comparação tenho o objetivo de fazer uma breve crítica à teoria

neoliberal-institucionalista de relações internacionais, cujo expoente mais conhecido é Keohane

(1984). O argumento central desse autor é que, muito embora os estados sejam racionais, auto-

interessados e vivam em um ambiente anárquico, existe interesse mútuo na cooperação. Sem

embargo, a condição anárquica é um obstáculo a sua realização. A adesão dos países a

instituições seria uma forma de se reduzir a incerteza dos atores, facilitando a consecução de

seus interesses por meio da cooperação.

O argumento que busco levantar com o artigo é que, na política externa brasileira, o

movimento de institucionalização das relações exteriores teve resultado assimétrico em

diferentes áreas. Dessa forma, a adesão a instituições nem sempre é desejável como argumentaria

Keohane. No caso brasileiro de tecnologia de mísseis, por exemplo, a experiência de cooperação

mais exitosa deu-se com a China, que não é parte do regime de controle de tecnologias de

mísseis. A adesão a instituições não foi um requisito para que se desse a cooperação.

4.1. Meio ambiente

A criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, a partir da III Conferência das

Partes, em Quioto, abriu algumas possibilidades para a participação brasileira no mercado de

carbono. Tais possibilidades se colocam pelo fato de a própria Convenção sobre Mudanças

Climáticas haver positivado os princípios de direito ao desenvolvimento; responsabilidades

comuns mas diferenciadas; e responsabilidade dos países desenvolvidos quanto à transferência

de recursos novos e adicionais aos países em desenvolvimento (Viola, 2002).

O Protocolo de Quioto entrou em vigor em 2005, após a ratificação Russa. O primeiro

período de implementação das reduções de emissões estipuladas no Protocolo iniciou-se em

2008 e estenderá até 2012. Para o cumprimento das metas de redução, os países desenvolvidos

podem optar pela compra de “créditos” advindos de projetos de redução de emissão

implementados em países em desenvolvimento.

Três modalidades de cooperação interessam especialmente ao Brasil: promoção de

14

atividades que reduzam a emissão de gases; que aumentem a eficiência energética; e o aumento

de demanda por produtos menos poluentes que o petróleo, como o etanol. Dentre essas

categorias enquadram-se projetos de redução de emissões de metano em aterros sanitários;

redução das perdas resultantes do transporte de energia; inovação tecnológica em projetos de

energia renovável (biodiesel, etanol, biomassa, eólica, solar, entre outros). Dessa forma, as

emissões poupadas (essas devem ser certificadas por autoridades nacionais designadas, no caso

brasileiro, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima) são comercializadas com

países que possuem cotas de redução. A possibilidade de financiamento de projetos de

desenvolvimento baseados em tecnologia limpa ou mesmo a aplicação de tecnologias criadas nos

países desenvolvidos para a redução de emissões nos países em desenvolvimento é, pois, factível

para os próximos anos (Poppe e Rovere, 2005).

Nesse sentido, o primeiro projeto aprovado pelo Conselho Executivo do MDL foi um

programa de redução de emissões de metano no aterro sanitário em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.

Em 05 de maio de 2008, o Brasil contava com 285 projetos de redução em andamento ou já

aprovados pelo conselho executivo, representando 9% do número total. Sua participação era

inferior apenas à China e à Índia, que possuíam respectivamente 1134 e 934 projetos. Para o

Brasil, esses projetos representam uma redução de emissões da ordem de 285 milhões de t CO2

para o primeiro período de obtenção de créditos, correspondente a 7% do total mundial. Do total

de projetos brasileiros, 49% diz respeito a programas de energia renovável.11

Merece ser destacado que, em setembro de 2007, teve lugar o primeiro leilão de crédito

de carbono em bolsa de valores regulada. Foi ofertado um lote de 808.450 créditos de carbono

pela prefeitura de São Paulo, referentes ao aproveitamento do gás metano produzido pela

decomposição de lixo para a produção de energia elétrica. O projeto se desenvolve desde 2004,

em parceria com a empresa Biogás Energia Ambiental, no aterro de Bandeirantes. Coube à

prefeitura 50% de todo o volume certificado pelo Conselho Executivo do MDL, ficando a outra

metade com a empresa Biogás Energia Ambiental. O leilão, promovido pela Bolsa de

Mercadorias e Futuro, teve ao todo nove participantes. O preço final de cada certificado foi de

16,2 euros, com um ágio significativo de 27,6% do preço mínimo inicial. O resultado permitiu à

prefeitura de São Paulo a arrecadação de 92,6 milhões de euros. Recentemente a Financiadora de

Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia lançou uma linha de

financiamento para estimular esse tipo de atividades, associadas ao MDL.12

Muito embora o mercado de créditos de carbono ainda esteja em seu início, a sua criação

representa o reconhecimento dos princípios defendidos pelo Brasil de direito ao

11 Ministério da Ciência e Tecnologia, 2008. 12 Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, 2007.

15

desenvolvimento, responsabilidades comuns mas diferenciadas, direito de utilização do recursos

sob a jurisdição de cada país. Nesse sentido, pode-se argumentar que a possibilidade de

cooperação de interesse brasileiro não se deu simplesmente pela criação do regime, como

argumentaria Keohane. O importante foi que o conteúdo do regime positivou os interesses

defendidos pelo Brasil e países em desenvolvimento.

4.2. Tecnologia de Mísseis

A adesão brasileira ao regime de controle de transferência de tecnologias de mísseis, por

sua vez, teve efeitos menos claros sobre as possibilidades de desenvolvimento.

No final da década de oitenta, o Brasil viu-se com dificuldades em dar continuidade em

seu projeto de desenvolvimento autônomo, conforme assinalado anteriormente por Gelson

Fonseca Júnior. Dentro do impasse, estavam dificuldades na obtenção de tecnologia para alguns

programas estratégicos, como o programa da Missão Espacial Brasileira Completa (Felício,

1994). Para alguns formuladores de política externa do período, os gargalos tecnológicos e a falta

de cooperação davam-se pela pouca credibilidade que possuía o país entre a comunidade

internacional, motivo pelo qual a transferência de tecnologia fazia-se muito restrita. Vale destacar

a postura do ministro Everton Vieira Vargas, sobre a peculiaridade do Brasil diante desse tipo de

tecnologia. Nesse excerto ele trata mais especificamente sobre tecnologia nuclear que tem, assim

como a tecnologia de mísseis, utilidade civil e militar:

“verificou-se uma revisão da estratégia de inserção internacional do [Brasil], com uma

disposição para se tornar parte do regime internacional de não-proliferação e

conseqüente credenciamento como parceir[o] confiáve[l], sobretudo no que se refere à

utilização de tecnologias de duplo uso […] Representou ainda o reconhecimento de uma

nova tendência na distribuição do poder mundial surgida com a derrocada da União

Soviética e dos regimes comunistas na Europa Oriental. Essa tendência, marcada pela

abertura econômica e o livre funcionamento do mercado, conduziria a uma nova ordem

mundial na qual países não engajados nos esforços de não-proliferação seriam tratados

como parias internacionais e teriam dificultado seu acesso a bens e serviços baseados

nas tecnologias mais modernas. Portanto, as escolhas estratégicas do Brasil […] no

terreno nuclear, no início dos anos 90, foram decisões baseadas numa avaliação realista

dos rumos do regime de não-proliferação nuclear. […] O fortalecimento do regime

levaria a um crescente estrangulamento do acesso do Brasil e da Argentina a bens e

16

tecnologias avançadas não só para uso nuclear mas também em outros esforços, como

nas áreas espacial e de informática.” (Vargas, 1997, p. 56)

Dessa maneira, tanto a adesão ao MTCR quanto a adaptação da legislação doméstica e

criação da Agência Espacial Brasileira, desvinculada das Forças Armadas, deu-se com a crença

de que a autonomia seria alcançada pela maior inserção internacional. Dessa forma, o

desenvolvimento seria facilitado pela obtenção de credenciais perante a comunidade

internacional que permitissem a cooperação tecnológica nos programas brasileiros.

Apesar disso, no programa aeroespacial a cooperação não se deu de maneira tão fluida

como pareciam supor alguns tomadores de decisão do período. O que se notou, a partir de 1995

(momento em que se deu a assinatura do MTCR e criação da AEB), é que houve uma

proliferação no número de acordos bilaterais entre o Brasil e outros países. Entretanto, é difícil

saber se isso decorreu da maior proatividade da AEB em buscar novas parcerias civis ou de uma

mudança na visão que outros países tinham acerca da credibilidade do país.

Fonte: Site da Agência Espacial Brasileira

Entretanto, vale ressaltar que apesar do aumento numérico, os acordos efetivados durante

a década são pouco expressivos no que tange o desenvolvimento conjunto de tecnologia no eixo

Norte-Sul. Relacionam-se principalmente com a utilização da base de Alcântara para

lançamentos comerciais. No quesito desenvolvimento de tecnologia, o caso de cooperação de

maior sucesso dentro do Programa Espacial Brasileiro deu-se com a China, que se iniciou em

1988, um ano após a criação do MTCR. O programa China-Brazil Earth Resources Satellite

66 a 70 71 a 75 76 a 80 81 a 85 86 a 90 91 a 95 96 a 2000

0

2,5

5

7,5

10

12,5

15

17,5

20

1 10

1

5

8

20Número de instrumentos bilaterais de cooperação no setor aeroespacial firmados durante o período

17

(Cbers), que tinha como objetivo “derrubar as barreiras que impedem o desenvolvimento e

transferência de tecnologias sensíveis impostas pelos países desenvolvidos” 13, já colocou dois

satélites em órbita, desenvolvidos em pareceria pelos países. Vale pontuar que China continua

não signatária do MTCR (Filho, 2006).

No que tange ao relacionamento com os Estados Unidos, embora este seja o país com o

qual o Brasil mais tenha assinado acordos após a institucionalização das relações exteriores do

Brasil na área, a efetiva cooperação em tecnologia continua a passos lentos. Apenas para ilustrar,

vale lembrar do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado em 2000 com o governo norte-

americano com vistas a garantir que na utilização comercial da base de Alcântara a tecnologia

norte-americana fosse resguardada. Esse acordo teve repercussão na mídia e Congresso, diante

de argumentos de que feria a soberania nacional.14 Posteriormente o governo assinaria também

acordos de salvaguardas com outros países que fariam lançamentos a partir da base de Alcântara.

O fracasso em dois testes brasileiros feitos com o Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), em

1997 e 2003, mostra a dificuldade em se avançar na cooperação tecnológica em setores de uso

duplo, apesar do compromisso brasileiro reiterado de que sua utilização é para fins pacíficos.

5. Conclusão

O início da década de noventa pode ser considerado como um período que apresentou

fortes elementos de incerteza, conforme caracterizado por Blyth (2002), dadas as mudanças

ocorridas no sistema internacional. Durante o período, formuladores de política externa

buscaram interpretações teóricas que lhes permitissem conferir sentido à nova ordem e pautar as

estratégias de ação. Pinheiro (2000) argumenta que, ao longo da década, o paradigma adotado foi

o institucionalismo pragmático, onde a adesão a instituições internacionais esteve atrelado ao

objetivo perene da política externa brasileira de garantia da autonomia e desenvolvimento.

A adesão regimes de proteção ao meio ambiente e de controle de transferência de

tecnologias duais insere-se nesse paradigma. Os principais marcos no que tange ao meio

ambiente foram a iniciativa de sediar a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a

adesão aos documentos que emergiram do encontro, assim como alguns programas domésticos

que sinalizavam o cumprimento brasileiro com os valores de proteção ambiental. Com relação ao

controle de transferência de tecnologia de mísseis, houve tanto a adesão ao MTCR quanto a

adoção de legislação doméstica compatível com as demandas do regime.

Os benefícios esperados da adesão aos regimes, em termos de desenvolvimento e

13 Texto do acordo, retirado do site do INPE, http://www.cbers.inpe.br/?content=historico. Acesso em 03/12/2007. 14 Íntegra do acordo em http://www.aeb.gov.br/area/PDF/AcordoEUA2000-2.pdf. Acesso em 03/12/2007.

18

autonomia, foram positivados de maneira discrepante nas duas áreas. No que tange ao meio

ambiente, a diplomacia brasileira teve êxito em garantir que os princípios defendidos fossem

adotados nas convenções e protocolos que se criaram. Especialmente o Protocolo de Quioto à

Convenção sobre Mudanças Climáticas faz a diferenciação entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento, cabendo as cotas de redução apenas ao primeiro grupo. Além disso, a

Convenção incumbe a esses países a responsabilidade de transferir recursos novos e adicionais e

tecnologia limpa para o desenvolvimento. A institucionalização do Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo foi um importante passo na efetivação desse princípio e pode oferecer

oportunidades de financiamento e desenvolvimento tecnológico ao Brasil. Dessa forma, a

responsabilidade de proteger o meio ambiente foi institucionalizada juntamente com o direito ao

desenvolvimento, recolocando as relações norte-sul, o que foi possível após a criação do

conceito desenvolvimento sustentável na década de oitenta. Além disso, a soberania nacional

sobre a utilização de recursos naturais esteve expresso nos documentos que se originaram da

Conferência.

As negociações futuras sobre meio ambiente serão importantes para determinar em que

medida essa diferenciação de responsabilidades será mantida, haja vista a crescente pressão para

que os países em desenvolvimento adotem políticas domésticas mais austeras de proteção do

meio ambiente e também possuam metas de redução de emissões.

No caso das tecnologias de mísseis, entretanto, os benefícios são menos claros. Quando

da adesão ao regime, não havia nenhuma referência a possibilidades de cooperação tecnológica,

financiamentos, ou direito a desenvolvimento entre os signatários. A única ressalva que faz o

documento é de que ele não impede o desenvolvimento nacional de programas aeroespaciais

para fins pacíficos, o que nada tem de novo para o Brasil, que vinha trabalhando na Missão

Espacial Brasileira Completa de forma autônoma desde os anos setenta. No início dos anos

noventa, um passo adiante no projeto dependia da solução de alguns gargalos tecnológicos.

Esperava-se que a adesão a regimes, por aumentar a credibilidade do país e reduzir as incertezas,

traria a cooperação. Vale pontuar que após a assinatura do MTCR houve um incremento

significativo na utilização do Centro de Lançamento de Alcântara para lançamentos estrangeiros,

o que significou receitas para a federação. Entretanto, é curioso que o caso de cooperação de

maior sucesso no desenvolvimento tecnológico tenha se dado fora da institucionalização que a

diplomacia buscou, com um país não signatário do MTCR, a China (Filho, 2006).

Diante de tal quadro, podemos levantar algumas hipóteses concernentes às diferenças

entre as duas áreas no que tange ao desenvolvimento e autonomia nacionais. A adesão ao regime

de controle de transferência de tecnologia deu-se, na época, pela crença de que a cooperação em

áreas estratégicas dependia da credibilidade do país como um parceiro confiável. Esse é um dos

19

postulados da teoria institucionalista de Keohane, onde as instituições desempenham o papel de

reduzir as incertezas, levando à cooperação. Sem embargo, a especificidade das tecnologias

duais, que podem ser utilizadas para fins bélicos, pode ter dificultado dita cooperação.

Uma hipótese alternativa seria que a institucionalização que se deu nos regimes de meio

ambiente foi fundamentalmente distinta daquela que se processou no regime de transferência de

tecnologia de mísseis. O que se institucionalizou, na redação dos documentos do primeiro

regime, foi o direito ao desenvolvimento e a soberania sobre recursos naturais. Os benefícios

advindos se deram menos pelo fato de o Brasil haver se tornado confiável (redução das

incertezas) perante a sociedade internacional do que pelo fato de as responsabilidades

diferenciadas terem sido adotadas nos documentos que nasceram das negociações de 1992. A

diplomacia brasileira foi bastante exitosa no sentido de tomar a frente para que tais princípios

prevalecessem. A cooperação norte-sul que se seguiu não se deu pela redução das incertezas, mas

pela atribuição clara de responsabilidades. No caso do MTCR, o Brasil apenas tomou parte de

um regime já formado, que não fazia menção aos interesses brasileiros de autonomia e

desenvolvimento. A cooperação esperada pelo Brasil no caso aeroespacial veio de um país que

nem fazia parte do regime. Dessa forma, ao se analisar a política externa brasileira na década de noventa

pode-se argumentar que, embora o corpo diplomático tenha adotado um paradigma liberal-

institucionalista em diversas áreas, sua implementação não se deu de maneira homogênea. Isso

explica, em parte, as oportunidades discrepantes em termos de desenvolvimento econômico e

autonomia que se abriram para nos dois casos. Conforme foi expresso no início do texto, “[o]

momento de criar direito novo é, também, um momento privilegiado de exercício de poder. É

justamente quando as vantagens políticas são cristalizadas juridicamente.” (MRE, 1993, p. 12)

Assim, nos regimes de meio ambiente, as posições políticas “cristalizadas” incluíam o direito ao

desenvolvimento. No caso da tecnologia de mísseis, a diplomacia esperou que a cooperação se

realizasse automaticamente, a partir do ganho de credibilidade resultante da adesão brasileira.

20

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