Violão com Fábio Zanon

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SE GU N DA - F E I RA , M A I O 0 1 , 2 0 0 6

O violão no Brasil depois de Villa-Lobos

por Fábio Zanon 

Como o café e o futebol, o violão est á indissociavelment e ligado a uma visão sócio-cul tural

do Brasil, e nossa ident idade musical é impensável sem a sua presença. E não é para menos.

Inst rumentos da família do violão foram já t razidos pelos j esuítas e usados na catequese, e

José Ramos Tinhorão afirma que “ todos os exemplos de cant igas urbanas ent oadas a solo

por aqueles inícios do século XVI revelam em comum o acompanhamento ao som de viola” .

Dessa forma, desde o primeiro encontro que define nossa identidade cultural, o violão está

presente. Mas sua trajet ória é tortuosa. O violão em seu formato atual é, na verdade, umdesenvolvimento organológico do séc. XIX. Os instrumentos t razidos pelos j esuítas

provavelmente foram as vihuelas, alaúdes e violas – as quais, simplificadas, tornaram-se

guitarras barrocas - que, l evadas ao interior do país pelos bandeirantes, f oram adot adas

como o instrumento folclórico nacional por excelência: a viola caipira. Isto, conjugado à

marcada diferença cult ural ent re as classes sociais no período imperial , est igmat izou o

viol ão – como acont ecia na Espanha – como o instrumento do populacho, dos capadócios e

da marginalidade, em oposição ao piano, que realizava um ideal de bom tom das famílias

urbanas mais abastadas.

Até a met ade do séc. XIX há uma cert a confusão, como atest am as Memórias de um

Sargento de Mil ícias, entre a viola e o violão, mas depois de 1850 j á fica clara a dif erençaentre a viola, um inst rument o t ipicamente sertanejo, e o violão, ou a guit arra francesa

(como era chamada nos mét odos à venda no Rio de Janeiro), instrumento favorecido no

acompanhamento do cancioneiro popular de t radição urbana. Até este momento, não há

uma li t eratura específica para o inst rumento publi cada no país; os exemplos existentes são

escrit os para piano, sem dúvida pelo fat o de não haver violonist as capazes de ler música.

O violão também foi adotado como baixo-cont ínuo dos incipient es grupos de choro, e a má

fama decorrente é festejada nos romances de Lima Barreto. Os primeiros defensores sérios

do violão como instrumento de concerto, como o engenheiro Clementino Lisboa, o

desembargador It abaiana e o professor Alf redo Imenes, heroicamente se sujeit aram ao

ridículo público ao se apresentarem, por exemplo, no Clube Mozart , cent ro musical da el it ecarioca.

Os primeiros concert os de violão solo documentados no país foram oferecidos pelo violonist a

cubano Gil Orozco em 1904 e não chegaram a atrair muit a atenção, mas supõe-se que j á há

um ensino sério de violão clássico nesta época, j á que Vil la-Lobos admit iu haver aprendido

violão pelos métodos do espanhol Dionísio Aguado (1784-1849). Ent ret anto, aquele que

podemos apontar como o primeiro concert ista brasil eiro não sabia ler música e tocava com o

violão invert ido, mas com as cordas em posição normal: Américo Jacomino, o “ Canhoto”

(1889-1928). Canhot o era fi lho de it alianos, o que ilustra uma nova tendência de

popularização do violão: a sua adoção pela classe operária imigrante. Não é um mero

acidente os luthiers Di Giorgio, Del Vecchio e Giannini t erem se estabelecido no Brasil et ransformado sua at ividade art esanal em l inha de produção de inst rumentos dentro de

poucas décadas. Mas o violão cont inua sendo ridicularizado na imprensa, como alvo de

charges derrogatórias, apesar do enorme sucesso popular de viol onist as-compositores como

João Pernambuco (1883-1947).

O ano da virada da casaca é 1916, quando o crít ico do jornal O Estado de São Paulo ouviu e

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O Violão BrasileiroSérie dedicada aos expoent es do violão brasi leir o.

O Violão EspanholSérie dedicada à música espanhola para violão no século XX.

A Arte do Violão em MP3O viol ão clássico e seus int érpretes em 26 programas de Fábio Zanon disponíveis em MP3 de alt a fidelidade.

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The Brazilian GuitarSeri es of 149 episodes explori ng the history of the Brazilian guitar from the beginning of the t wenti eth century 

Violão EspanholSeri es of 13 episodes dedicat ed to guitar music by twenti eth century Spani sh composers.

The Art of t he Guit ar in MP3

History of the classical guit ar i n 26 radi o programs hosted by Fábio Zanon 

Programas Recentes:

17. Dilermando Reis

16. João Pernambuco

15. Radamés Gnattali II

14. Radamés Gnattali I

Índice: O Violão Espanhol

13. Década de 90: Mompou,Balada, Ruiz Pipó, Marco...

12. Década de 80: Asencio,Muñoz Molleda, Montsalv...

11. Torroba, Quadreny,Halffter

10. Década de 70: Sainz de laMaza, Cristóbal Half...

9. Década de 60: MorenoTorroba, Rodrigo, Mompou

VIOLÃO com Fábio ZanonArquivo dos programas de violão clássico apresentados por Fábio Zanon e t ransmit idos originalmente pela Rádio Cult ura FM de São

Paulo.

Archive of classical guit ar radio shows host ed by Fábio Zanon and originall y broadcast by São Paulo's Radio Cultura FM.

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se rendeu à arte do virt uose e compositor paraguaio Agust ín Barrios (1885-1944), que residiu

no Brasil em decorrência de seu sucesso. No mesmo ano, Canhoto apresentou-se no

Conservatório Dramát ico e Musical com ext raordinário êxit o.

“ É at ravés deste concerto que Américo Jacomino conquista a elit e paulist ana e assim,

possibil it ando o início da dissolução do preconceit o que freava o desenvolviment o da música

para violão” .

A part ir de então, a imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro passou a considerar o violão

como inst rumento de concert o e até a elogiar Barrios, Canhot o e a espanhola Josefina

Robledo, aluna de Tarrega que t ambém residiu no Brasil por vários anos.Como vemos, t alvez surpreendentemente, o violão como inst rumento de concert o ainda não

completou 100 anos no Brasil , o que faz da vulcânica personalidade de Heit or Vil la-Lobos

(1887-1959) um fenômeno ainda mais singular. As contingências sócio-culturais fizeram com

que seu inst rumento públ ico fosse o violoncelo e que o violão fosse somente um laborat ório

de fundo-de-quint al, que ele util izava para penet rar nas rodas de choro. A maior part e das

obras que escreveu ant es de 1920 perdeu-se, e a Suíte Popular Brasil eira (1912-23) só foi

publ icada décadas mais t arde – à sua revelia – na França. É uma obra característ ica do

período, onde a fronteira ent re o idioma clássico e as formas de dança popular não é muito

nítida.

Por mais original e promissora que possa parecer a produção da primeira fase de Villa-Lobos, até 1922, há uma nít ida mudança de marcha em sua estét ica que coincide com a

residência em Paris nos anos ́ 20, um fenômeno observado em outros composit ores de

orientação nacionali sta. Parece que a dist ância e a recept ividade do novo ambiente lhe

permit iram realizar uma sínt ese ent re uma visão pragmática, que aceita a superposição de

inf luências ext ernas como uma profecia auto-real izada em uma cult ura colonizada, e uma

visão idealizada, derivada de Rousseau, em que o compositor se via como um bom

selvagem, corrompido por estas mesmas influências. A formidável série de Choros, as

maiores obras para piano e os 12 Est udos para violão, compostos em 1929, são os f rut os

mais suculentos dessa sínt ese.

Seria absolutamente impensável a real ização desta obra dentro do context o acanhado do

violão clássico no Brasil dos anos 20. Por mais divergências que Vil la-Lobos possa ter t ido

com o dedicat ário, Andrés Segovia, a personagem dominante do violão no século XX, f oi,

sem dúvida, o vislumbre das possibi l idades latentes do violão, permit ido pelo ext raordinário

poder persuasivo de Segovia, que est imulou Vil la-Lobos a escrever uma coleção comparável

às grandes séries de estudos para piano ou viol ino. Não é exagero dizer que os 12 Estudos

são um divisor de águas dent ro da história do violão. De todos os composit ores que

escreveram inspirados pela art e de Segovia, Vil la-Lobos é o único que part e de um

conhecimento em primeira mão do arcabouço técnico do instrumento para a realização de

uma linguagem individual, que incorpora uma luxuriante paleta harmônica e um

compromisso com a inovação no discurso musical. Prova da qual idade visionária destas obrasé a espera, até 1947, para que Segovia as incluísse em seus programas e at é 1953 para que

fossem publicados. Neste hiato, Villa-Lobos já havia retornado definitivamente ao Brasil, e

sua l inguagem havia dado uma guinada na direção de um cert o conservadorismo posit ivista e

neo-clássico que pode ser det ectado na sua série de 5 Prelúdios (1940).

O legado de Villa-Lobos é tant o uma benção como um peso para os composit ores da geração

posterior. Seus Prel údios e Estudos são as obras mais populares do viol ão no séc. XX,

t ocados por t odos os violonistas de qualquer nível de excelência, e gravados centenas de

vezes. Seu Concert o para viol ão e orquest ra de 1951 é uma das poucas obras brasileiras,

t alvez a única, com lugar assegurado no repert ório int ernacional do gênero. As

possibil idades de reconheciment o internacional, assim abert as para um composit orbrasileiro, podem ser um tremendo fator de inibição, pelo temor à epigonia.

Some-se a isso o fat o de que uma sólida cult ura clássica para o violão ainda t ardou algumas

décadas para cristalizar-se no Brasil. O perfil de Barrios ou Canhoto não era suficientemente

“ clássico” para o projeto art íst ico de Vil la-Lobos, e a import ante contribuição de

prof essores como Att il io Bernardini (1888-1975) teve conseqüências mais visíveis no campo

do violão popular. A distinção entre o violão de concerto e o violão popular foi gradualmente

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se acentuando nos anos 1930, 40 e 50 e alguns dos músicos de maior visibil idade, como

Dilermando Reis (1916-1977), Aníbal Augusto Sardinha, o “ Garoto” (1915-1955), e Laurindo

de Almeida (1917-1995), construíram quase que a totali dade de suas carreiras à sombra da

Era do Rádio, criando um vasto repertório seresteiro no caso de Dilermando, incorporando

alguns elementos impressionistas que apontam para a bossa-nova no caso de Garot o, ou

simpl esmente est abelecendo-se nos EUA como um músico de j azz no caso de Laurindo.

Não obstante as l imitações destes grandes art istas na esfera do violão clássico, eles

estabeleceram uma relação próxima e est rearam algumas obras do composit or que mais se

esforçou em enfraquecer as barreiras entre a música clássica e a música popular de

qualidade: Radamés Gnatall i (1906-1988), que assim tornou-se o autor da obra violoníst icamais signif icat iva e numerosa a part ir dos anos 50, incluindo 5 concert os para violão e

orquestra (1952, 53, 55, 61 e 68). A advocacia de sua obra ministrada mais tarde por

violonistas da esfera clássica est imulou-o a compor extensivamente e criar obras de

considerável interesse, como a Brasil iana no.13, a Suíte, os 10 Estudos, os 3 Estudos de

Concert o e Alma Brasileira; seu legado se est ende à música de câmara com a suít e Retrat os

para 2 violões, a Sonat ina para fl auta e violão, uma Sonata para violoncelo e violão e out ra

para violoncelo e 2 violões, além de inúmeros arranj os que incluem o violão num context o

semi-orquest ral. A obra de violão de Gnatall i t raz t odas as melhores qualidades e os mais

evidentes problemas de sua produção como um todo: a excelente escrit a inst rumental, as

inesperadas soluções harmônicas e o verdor da inspiração, mas t ambém a notória falta de

paciência com o acabamento e um caráter sonambulístico e quase-improvisatório que, sobum cert o pont o de vist a, pode ser uma qualidade. Depois de Vil la-Lobos, a obra de violão

de Gnatal l i é a mais apreciada e freqüentemente tocada no ext erior.

Por um lado, o rádio enfraqueceu as distinções de classe através do gosto musical e

t ransformou-as numa massa indist int a chamada “ouvint e” , disposta a ouvir o violão sem

preconceitos; em 1928, o int eresse pelo inst rumento é vast o o suficiente para o surgimento

de uma revista, “ O Violão”, no Rio de Janeiro. Por out ro, ainda falt ava uma metodologia

que permit isse o surgimento de um número significat ivo de concert istas de violão que

preenchessem um vazio só ocasionalment e quebrado por raras visitas de art istas

internacionais como Regino Sainz de la Maza, Andrés Segovia (a part ir de 1937) e Abel

Carlevaro (nos anos 40).

O desenvolvimento desta metodologia veio com o uruguaio Isaías Sávio (1902-1977), que se

estabeleceu em São Paulo nos anos 30. Sávio foi um concert ista de modestos recursos, mas

um devotado professor e autor de mais de 100 peças originais para violão, algumas das

quais, como a Batucada das Cenas Brasileiras, perduram no repert ório. Ele teve um papel

considerável na promoção do violão dentro do establishment musical do país, publicou

dezenas de métodos e arranj os, e formou gerações de violonistas que pront amente se

estabeleceram como professores em outras capit ais, com destaque para Antonio Rebell o

(1902-1965) no Rio de Janeiro. A Sávio t ambém devemos a criação do curso oficial de viol ão

nos conservatórios e, pouco antes de falecer, nas universidades. Ele teve a sensibi l idade de

não sufocar a nat ural vocação do violão brasileiro para o cross-over e, entre seus alunos,

podemos contar t anto um Luís Bonfá ou um Toquinho quanto um Carlos Barbosa Lima.

A relação de Sávio com os composit ores “ sinfônicos” foi algo t ímida; a inst rução dos

composit ores cust ou a incorporar a técnica de escrit a para violão – uma novidade que

Segovia havia imposto a composit ores como Ponce e Turina nos anos 20 -, o exemplo de

Villa-Lobos provou-se um ideal alto demais para se alcançar, e a falta de seriedade com que

se encarava o violão no início do século ainda criou reverberações nos anos 40 e 50. Some-se

a isso o desfavor em que a est ét ica nacionalista caiu após a revolução de 1964 e temos um

desconfortável e algo vergonhoso hiato na incorporação da obra de Camargo Guarnieri,

Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone ao repertório int ernacional de violão.

Camargo Guarnieri (1907-1993) seria, levando-se em conta seu impl acável art esanato e

concisão, o composit or ideal para dar cont inuação ao fio condutor de Vil la-Lobos, mas na

prát ica isso não aconteceu. Ele se exasperava com as dif iculdades de se escrever bem para o

inst rumento, e seu único Ponteio (1944, dedicado a Carlevaro) para violão não tem o mesmo

carisma dos homônimos pianíst icos. Seus 3 Estudos (no.1: 1958, nos. 2 e 3: 1982), apesar de

ext raordinários como composições, apresentam um caráter torturado e esotérico que apela

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somente aos intérpretes mais intelectualmente inclinados. As 2 Valsas-choro (1954, 1986)

são obras bem mais simpáticas, mas, como de praxe em Guarnieri, a 2a delas ainda não

está sequer editada. Lorenzo Fernandez (1897-1948) foi ainda menos generoso: deixou

somente um pequeno Prelúdio (1942) de parco int eresse e um arranjo da Velha Modinha

(1938, original para piano como part e da Segunda Suit e Brasileira) dedicado a Segovia, que

freqüentement e é tocado como bis.

Se a cont ribuição destes composit ores magnos de nosso nacional ismo é numericamente

decepcionante, o mesmo não se pode dizer de Francisco Mignone (1897-1986). Suas

primeiras tentat ivas de escrever para o violão foram bem modestas, mas em 1970 ele

produziu a série de 12 Valsas, em t odos os tons menores, e 12 Estudos que, semmanifestarem o ímpeto renovador de Villa-Lobos, ocupam uma posição quase tão alta

quando a dele no repert ório brasil eiro pela precisão de escrit a, invent ividade no t ratamento

inst rumental e variedade de expressão. Seu quase t otal desapareciment o do repert ório

int ernacional é um acidente de percurso, e nenhuma out ra obra da escola nacionalista

merece maior atenção. O mesmo deve ser dit o do Concert o para violão e orquest ra (1976),

possivelmente a mais bem-concebida obra brasileira do gênero, mas que ainda não teve a

chance de ser plenamente avaliada devido ao seu quase-ineditismo. Duas peças curtas,

Canção Brasilei ra (1970) e Lenda Sert anej a (1982) completam um corpus de obras para

violão de máximo interesse.

A paixão de Mignone pelo violão em seu úl t imo período criat ivo foi causada em grande part epelos frutos colhidos da profissionalização do ensino de violão no país. Os anos 60 e 70

marcam não só uma ext raordinária expansão do ensino do violão popular com o advento da

bossa-nova, mas também a consolidação da carreira internacional de uma geração: Carlos

Barbosa Lima (n.1944), Turíbio Santos (n.1940), Sérgio (n.1948) e Eduardo Abreu (n.1949),

Sérgio (n. 1952) e Odair Assad (n.1956) e, mas tarde, Marcelo Kayat h (n.1964). A percepção

do Brasil como o país do violão deve muit o a estes dois event os conjugados. O cenário

nacional também se beneficiou desse arranque e uma nova geração de didatas se

estabeleceu neste período, com dest aque para Henrique Pint o (n.1941) e Jodacil Damaceno

(n.1929).

Junto com Isaías Sávio, estes violonistas foram o ponto de referência para toda uma geraçãode composit ores nacionalistas que deixaram itens isolados de considerável interesse, como

José Vieira Brandão (1911-2002) com o Mosaico, Walt er Burle-Marx (1902-1991), autor de

Bach-Rex e Homenagem a Vil la-Lobos, Souza Lima (1898-1982) com seu Cort ej o e

Divert imento, e Lina Pires de Campos (1918-2003), autora de 4 Prelúdios e Ponteio e

Toccatina. Três compositores já falecidos merecem uma menção particular pela sua

import ância dent ro da vida musical brasileira: Cláudio Sant oro (1919-1989), autor de um

Est udo, um Prelúdio e da Fantasia Sul América; Theodoro Nogueira (1913-2002), autor de

ext ensa obra que inclui 6 Brasil ianas, 5 Valsas-Choro, 4 Serest as, 12 Improvisos e um

Concertino para violão e orquestra; e César Guerra-Peixe (1914-1993) autor de 6 Breves, 10

Lúdicas, 4 Prelúdios e da primeira Sonata brasileira para violão, de 1969, uma obra

ext remamente engenhosa da sua fase nacionalista.

Os anos da ditadura militar provocaram uma dramática re-configuração da vida musical do

país. A considerável repressão da l iberdade de expressão forçou art istas e intelectuais a

t omarem posições drást icas. Compositores de tendência governista não t iveram sucesso em

persuadir as autoridades da necessidade de um desenvolvimento contínuo da educação

musical, e t iveram de responder por isso depois da abert ura nos anos 80. Uma maioria de

composit ores opostos ao regime refugiou-se na rot ina do ensino universitário e, seguindo o

modelo americano, cristalizou um sistema de ensino acadêmico que prescinde da atuação no

dia-a-dia do composit or prof issional e encoraja o surgimento de “ processos’ composicionais

que muit as vezes só podem ser decodif icados por colegas. Ao mesmo tempo, a part icipação

at iva dos cantores/ composit ores de MPB no processo de abert ura polít ica relegou os

composit ores clássicos a uma posição secundária dent ro do meio cul tural e a um

recrudesciment o do int eresse da imprensa pela produção de concerto, uma sit uação que não

parece passível de reversão num futuro próximo.

O violão, como um natural mediador, no Brasil , entre o universo da música clássica e da

popular, encont rou-se subit amente numa posição privilegiada. Int érpret es como Barbosa

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Lima, Turíbio Santos e o duo Assad, inicialmente escolados na tradição clássica do viol ão,

hoje atuam numa tênue l inha divisória em que a fronteira ent re o que é clássico e o que é

música instrumental brasil eira não é muito clara. Os composit ores at ivos criaram seus nichos

estét icos, muit as vezes opostos, e foram seduzidos pela garantia de inclusão de suas obras

para violão no repertório regular.

Os composit ores de orient ação pós-nacionalista que mais cont ribuíram para o repert ório

brasileiro são Marlos Nobre (n.1939) e Edino Krieger (n.1928). A obra de Marlos Nobre é

ext ensa e de incalculável alcance art íst ico. Os Momentos I-IV, a Homenagem a Vil la-Lobos,

as Reminiscências, o Prólogo e Toccata, a Ent rada e Tango, as Rememórias e o Concert o para

2 violões e orquestra cobrem 30 anos de produção art íst ica, atest am sua imaginaçãopoderosa e o colocam como um verdadeiro herdeiro de Villa-Lobos, em sua escrita

detalhada, robust a realização inst rument al e perfeit o equil íbrio entre a cor local e as

necessidades de um argumento formal de maiores proporções. A considerável dificuldade

t écnica de suas obras t em se most rado um fat or inibidor, e Nobre é, num plano

int ernacional, mais respeit ado que tocado, mas este é um fat or que deve ser superado em

favor de obras de qualidade superlat iva que merecem atenção incondicional. Já Edino

Krieger obteve considerável sucesso com sua Rit mat a de 1974, e suas obras mais recent es,

Passacaglia in Memoriam Fred Schneit er e seu Concert o para 2 violões e orquestra parecem

prontas a seguir o mesmo caminho. Um compositor de produção mais mirrada, mas de sumo

int eresse, é Osvaldo Lacerda (n.1927), autor de t rês encantadoras peças, Moda Paulista,

Ponteio e Valsa Choro. Um it em isolado de Ronaldo Miranda (1941), Appassionata, temmerecido uma calorosa acolhida int ernacional; a Sonat ina de José Albert o Kaplan (n.1935) e

a peça de mesmo t ít ulo de Sérgio Vasconcelos Corrêa (n.1934), t ambém autor de um

Concert o, demonst ram grande profissionalismo de fatura.

A produção dos composit ores independent es, seguindo a esfera de interesse dos intérpret es

a quem é dirigida, cobre um amplo espectro de possibi l idades estét icas. Almeida Prado

(n.1943) realizou experiment os com a sonoridade, comparáveis às suas Cart as Celestes para

piano, em Livre pour Six Cordes e Port rait de Dagoberto, dedicado ao violonista paulista

radicado na Suíça, Dagobert o Linhares, mas sua Sonata oscil a entre uma energia

prokofieviana e um nacionalismo desbragado. Outro prolífico compositor de música para

violão é Ricardo Tacuchian (n.1939), cuja produção pende entre o nacionalismo urbano da

Série Rio de Janeiro e da Imagem Carioca para 4 violões e o experimental ismo sonoro das

duas Lúdicas e dos dois Impulsos para dois violões. A expl oração de técnicas pouco

convencionais encont ra em Sighs de Jorge Antunes (n.1942) e no Estudo no.1 para viol ão e

narrador de Rodolfo Coelho de Souza (n.1952) o seu canal de vasão. A polissemia produziu

ao menos uma obra de interesse permanent e, Que Trat a de España de Wil ly Corrêa de

Oliveira (n.1938).

A prol if eração de concert istas de atuação local e as óbvias vantagens da colaboração ent re

eles e composit ores ainda não plenamente estabelecidos têm criado espaço para uma

atividade extensa, frenética e difícil de avaliar, mas eu apontaria os nomes de quatro

composit ores nascidos depois de 1960 que apresentam t odas as condições para uma pl ena

aceitação no repertório internacional: Alexandre de Faria (n.1972), cuja Entoada foi

agraciada com o primeiro prêmio no Concurso Internacional “ Andrés Segovia” de composição

em 1997, e que desde ent ão tem escrit o obras de ext rema intensidade t eat ral, que

absorvem alguns element os do minimal ismo, informadas por um raciocínio harmônico

personalíssimo e de total int ransigência de expressão: o Prelúdio no.1 “ Olhos de uma

Lembrança” e no.2 “ Death of Desire” , além de dois concert os para violão e orquest ra, o

segundo dos quais, “ Mikulov” , foi estreado com sucesso sem precedentes na República

Tcheca; Art ur Kampela (n.1960), cujas Danças Percussivas, também premiadas num concurso

int ernacional na Venezuela, incorporam elementos de modulação rít imica; Alexandre

Eisenberg (n.1966), aut or de ambiciosos projetos formais de caráter mais t radicional como oPrelúdio, Coral e Fuga e a Pentalogia; e Marcus Siqueira (n.1974), dono de um refinado

ouvido para colorido inst rument al, que é ilustrado pelo Impromptu Fragile, Impromptu

Móbile e Elegia e Vivo; seu concerto para violão, harpa, celeste e 2 orquestras de câmara

Hoquetus, Ecos, Espelhos ainda aguarda estréia. Há t ambém autores de it ens isolados de

alta qualidade, como Mikhail Malt (n.1957) e seu Lambda 3.99 para violão e sons gerados

por computador; Achil le Picchi (b. 1957), de feição algo mais convencional e bart okiana, com

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seu Prelúdio, Valsa e Finale e 3 Momentos Poéticos para violão e orquest ra; Harry Crowl

(n.1958), de genuína erudição, aut or de Assimet rias; e Robert o Vict orio (n.1959), com seu

Tet rakt is e um Concert o para violão, f lauta e orquestra. Todos est es composit ores, com a

provável exceção de Faria e Eisenberg, t êm de conviver com a nova ordem: dificuldades

para publ icação, distribuição e regist ro fonográf ico dest as obras levam-nos à t ábua de

salvação das universidades e das sociedades e fest ivais de música contemporânea; uma

aceitação menos circunscrit a à sua área de at uação será obra do acaso e do int eresse

continuado dos intérpretes.

Mais afortunados são aqueles que transitam na tênue linha entre o clássico, o jazz e o

inst rumental brasileiro. No mundo, e cada vez mais no Brasil , hoje, há uma verdadeiraindúst ria de sociedades, f est ivais, editoras e companhias discográficas dedicadas

exclusivamente ao violão “ clássico” , e entenda-se por clássico não uma categorização

estét ica, mas t ão soment e de t écnica inst rumental. Uma parcela signif icativa do público

para estes eventos e produt os carece de uma ampl a cul tura musical e certamente não

dispõe de elementos para uma apreciação crít ica da produção contemporânea; normalment e

são estudantes ou amadores sérios que travaram seu primeiro contato com o violão at ravés

do pop ou do j azz. O perfi l deste púbico det ermina a aceit ação internacional de

composit ores-viol onistas como Sérgio Assad (n.1952) que, além de ser um dos integrantes

do renomado duo Assad, t em int ensif icado sua produção nos últ imos 15 anos; obras como

Aquarel le, sua Sonat a, a série de Jobinianas, e várias peças para duo de violões como Vit ória

Régia, Pinot e e Recife dos Corais já fazem part e do repert ório regular de est udantes domundo todo. A ext ensa, variada e inst rument almente eficient e obra de Paulo Port o Alegre

(n.1956), Daniel Wolff (n.1967) e Maurício Orosco (n.1976) parece destinada ao mesmo

êxito.

O t raço que dist ingue estes composit ores daqueles chamados violonistas “ populares” é uma

evidente ambição formal decorrente de sua at ividade como concert istas. Compositores-

violonistas cuja principal atuação é na área dos shows ampl if icados ou como acompanhantes

de cantores ou solistas de jazz tendem a se encarar como herdeiros da t radição de Canhoto,

Garoto, Dil ermando Reis ou Baden Powel l, e suas obras são, conseqüentemente, restrit as às

formas de canção e dança, o que não as impede de serem adotadas amplamente como

material de concerto mundo afora. Êxit o incondicional t em obt ido a obra de Paulo Bell inati

(n.1950), cujo Jongo j á foi gravado pelos mais destacados solistas int ernacionais e que já

produziu centenas de obras na mesma veia, mas Marco Pereira (n.1955), Celso Machado

(n.1953) e Guinga (n.1950) também têm uma ampla base de admiradores.

Um caso singular encontramos em Egbert o Gismonti (n.1944), celebrado internacionalmente

como um dos maiores inst rument istas do j azz cont emporâneo, mas cujas obras Central

Guit ar e Variat ions: Hommage à Webern se alinham à produção experimental de concert o.

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