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Visualização de dados espaciais em estudos de migração∗
Ricardo de Sampaio Dagnino1
Álvaro de Oliveira D’Antona2
Resumo
O avanço na forma de coleta de dados populacionais a partir da geolocalização dos
domicílios e a disseminação de dados em escalas cada vez maiores possibilitam a
realização de análises espaciais e demográficas mais detalhadas e complexas. Ao
mesmo tempo, à medida que aumenta a possibilidade de espacializar dados
demográficos percebe-se uma atenção aos desafios da Big Data na demografia e as
formas de visualização de dados começam a ganhar destaque. Este artigo visa refletir
sobre as potencialidades de distintas formas de representar e de analisar espacialmente o
fenômeno da migração/mobilidade com base em grandes volumes de dados, testando
duas técnicas de análise e visualização de dados que vem sendo utilizadas em estudos de
migração e mobilidade: diagrama de cordas (circos) e redes. Também realiza um
levantamento de artigos publicados sobre migração nos últimos anos na Revista
Brasileira de Estudos de População buscando analisar a forma como as informações
sobre os movimentos espaciais foram utilizados, avaliando o modo como as matrizes
migratórias foram utilizadas. Argumenta-se que conforme se avança em direção ao Big
Data, se avança na resolução espacial e, consequentemente, menos adequadas/eficientes
fica a convencional matriz migratória e, até mesmo, os mapas.
Palavras-Chave: Migração, Fluxos Migratórios, Métodos de análise
∗ Trabalho apresentado no VII Congresso da Associação Latino-americana de População e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Foz do Iguaçu/SP – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016 1 Doutor em Demografia e Mestre em Geografia. Pesquisador de Pós-doutorado em Análises Demográficas Espaciais na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA/Unicamp), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp -2015/16270-2) vinculada ao Observatório das Migrações em São Paulo. E-mail: ricardo.dagnino@fca.unicamp.br.2 Doutor em Ciências Sociais. Professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA/Unicamp) e do Programa de Pós-graduação de Demografia (IFCH/Unicamp). Pesquisador do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”.E-mail: alvaro.dantona@fca.unicamp.br.
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Introdução
A Demografia possui desde os seus primórdios uma tradição espacial (VOSS,
2007) e ela se expressa quando os cientistas sociais exercitam sua consciência do espaço
ocupando-se do estudo não só dos motivos que levam aos acontecimentos sociais, mas
também do local onde eles ocorrem (WEEKS, 2004).
Dos três fenômenos sociais que constituem a Demografia – fecundidade,
mortalidade e migração – este último é o mais explicitamente espacial (ROGERS et al.,
2002). A migração se dá justamente pelo deslocamento no espaço, seja através de uma
mudança de endereço, residência ou país, temporária ou permanente, dependendo da
referência espacial ou temporal que se utilize para defini-la. Nos dias de hoje, dentro de
um contexto de transição demográfica, uma parte dos demógrafos se depara com
decrescentes taxas de fecundidade e mortalidade enquanto outra se dedica cada vez mais
a entender a redistribuição espacial que ganha destaque, tornando-se o fator
demográfico mais dinâmico (HOGAN, 2001; HOGAN, 2005). Neste sentido, a
mobilidade espacial da população está também intrinsecamente ligada à relação entre
população, espaço e ambiente pois: “Onde a população mora, trabalha e se diverte
sempre haverá um impacto na natureza – e vice-versa. O fator ambiental não é somente
mais um fator a ser incorporado nas explicações da migração, mas um fenômeno que
exige novos paradigmas para o seu estudo” (HOGAN, 2001, p. 452).
A representação da ‘espacialidade’ dos movimentos na forma de mapas ou
gráficos é um recurso reconhecido como forma de complementar a utilização de
descrições textuais com palavras escritas (GIL; BARLETA, 2015). Os mapas de fluxos
de população são utilizados há muitos anos para contornar as dificuldades de
visualização que permeiam uma descrição textual dos movimentos, uma tabela de dupla
entrada e uma matriz migratória (SANDER et al., 2014a). O conceito de criação de
mapas de fluxo, colocando linhas traçadas em cima de um mapa geográfico remonta a
mais de 150 anos, com os primeiros mapas de Charles Minard (1862). Na Figura 1, o
mapa descreve as origens, destinos e volumes de fluxos migratórios em 1858, onde um
milímetro equivale a 1.500 pessoas. Este tipo de representação visual é relativamente
eficaz e visualmente atraente pois apresenta um pequeno número de fluxos e, como se
pode ver por exemplo em Jakob (2015), ela continua sendo utilizada em estudos
migratórios atuais.
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Figura 1 – Mapa dos fluxos de migrantes em 1858.
Fonte: Minard (1862)
No entanto, o fenômeno migratório nem sempre é representado ou analisado
espacialmente. Fato que pode estar associado a dificuldades analítico-operacionais para
a incorporação do espaço na elaboração de estudos sobre migração. A começar pela
Matriz Migratória, forma básica de representação e análise, os meios usualmente
empregados para dar conta da grande quantidade e complexidade dos dados
demográficos restringem os cientistas a operações com um número limitado (restrito) de
origens e destinos. Em um extremo, isso ‘resulta’ em análises regionais (ou por
unidades da federação) em que se agregam as unidades referenciais do movimento
registrado no censo demográfico (os municípios); de outro, acarreta as análises de
recortes com seleções de alguns municípios.
Com a sofisticação das ferramentas computacionais que permitem incorporar
centenas ou milhares de origens e destinos, incluindo o uso de fontes de dados
geolocalizados (provenientes da telefonia móvel e do Facebook, por exemplo) em lugar
dos dados censitários, geralmente defasados no tempo por seu longo intervalo de coleta,
abrem-se novas possibilidades para análises e representações espaciais (DE BACKER,
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2014). No contexto da Big Data, tornam-se mais evidentes as limitações das matrizes
migratórias e, até mesmo, dos mapas de origem e destino, para lidar com o volume de
informações e para gerar sínteses.
O presente artigo visa refletir sobre as potencialidades de distintas formas de
representar e de analisar espacialmente o fenômeno da migração/mobilidade com base
em grandes volumes de dados. O texto resulta de um estudo prospectivo no contexto do
Observatório das migrações em São Paulo: migrações internas e internacionais
contemporâneas no estado de São Paulo (Fapesp 14/04850-1), coordenado pela Profa.
Dra. Rosana Baeninger, e do Projeto de Pós-Doutorado Análises demográficas espaciais
para o estado de São Paulo (Fapesp 15/16270-2), realizado pelo Dr. Ricardo Dagnino e
supervisionado pelo Prof. Dr. Álvaro D’Antona e que tem como resultado final o Atlas
do Observatório das Migrações em São Paulo (DAGNINO; D’ANTONA, 2016).
Destacam-se, dentro do âmbito do projeto, a importância do trabalho em equipe nas
diferentes etapas de criação, exploração, visualização e disseminação dos dados,
seguindo uma rotina proposta por Nybro et al. (2015) que prevê quatro etapas:
identificação do público alvo; encontrar o que importa nos dados; construir a
visualização; disseminar e compartilhar.
Elaborou-se uma análise empírica comparando duas formas de representação da
migração em contraposição ao uso das matrizes migratórias: uma variação do diagrama
de cordas; e a rede. Fazendo o uso dos dados do Censo 2010 (IBGE, 2012) foram
definidos os municípios como unidade territorial de análise (a origem e o destino do
movimento migratório), a menor unidade que se pode apreender a partir do Censo.
Assumindo que um maior número de movimentos considerados na análise traz melhores
possibilidades para análises estatísticas espaciais e menor distância para o Big Data,
tomamos os 5.565 municípios brasileiros para os testes.
Os dados de migração utilizados são provenientes dos dados da Amostra do
Censo 2010 (IBGE, 2012) e referem-se ao local de residência na data de referência de
31 de julho de 2005, que em estudos de migração convencionou-se chamar de “data
fixa”, tratado aqui como local de origem. Neste trabalho serão analisados dois
movimentos migratórios: (a) o fluxo intermunicipal envolvendo o estado de São Paulo,
a partir dos microdados da amostra arranjados em forma de uma matriz que representa
os fluxos de população entre os municípios paulistas segundo a residência na data fixa
em direção ao município de residência em 2010 (cujos primeiros 50 municípios da
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matriz estão na Figura 2); e (b) os fluxos de população entre a Unidade da Federação
(UF) na data fixa em relação à UF de residência em 2010 (Figura 3).
Ao analisarmos os prós e os contras das formas de tratamento/representação da
migração, procuramos marcar, nas considerações finais, a necessidade de crescente
sofisticação conforme aumenta a resolução espacial dos dados – o que se intensifica no
horizonte de possibilidades de uso de milhares/milhões de informações em recortes
intramunicipais.
Figura 2 – Matriz migratória de origem e destino dos migrantes internos do estado de São Paulo,
em relação à data fixa do Censo 2010, segundo o município (seleção de 50 do total de 645).
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
Figura 3 – Matriz migratória de origem e destino dos migrantes internos brasileiros, em relação
à data fixa do Censo 2010, segundo a UF.
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
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Formas de análise e visualização das migrações
Embora o uso de formas alternativas de visualização de dados seja frequente em
diversas ciências e tenha sofrido avanços nos últimos anos, em estudos de migração as
formas de visualização ainda parecem ser muito tradicionais.
Uma visão geral de artigos publicados nos últimos anos (2010-2015) na Revista
Brasileira de Estudos de População, publicação da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (ABEP), os quais explicitam migração/mobilidade em seus títulos e/ou
palavras-chaves apontou para 18 artigos. Desta análise foram excluídos aqueles artigos
que tinham migrantes como sujeitos (estudo da vulnerabilidade, de padrões de
casamento, em técnicas de pesquisa) mas que não abordavam a mobilidade/migração,
em si, como objeto.
Na avaliação destacam-se dois grandes conjuntos de artigos (Quadro 1): (a) uma
porção expressiva de textos com estudos de caso e análises predominantemente
qualitativas (artigos sobre migração sem matrizes) e trabalhos exclusivamente teóricos
(migração sem números); (b) textos com análises quantitativas e uso de matriz implícita
(artigos que sintetizam em formato tabular dados que foram processados em matrizes,
porém não tiveram as matrizes publicadas).
Quadro 1 – Artigos sobre migração publicados na Revista Brasileira de Estudos de População
entre 2010-2015.
Estudos qualitativos Estudos quantitativos Migração sem números Migração sem matriz Migração com matriz implícita
De Campos e Barbieri (2014) Bastos e Salles (2014) Mondardo (2011) De Carvalho e Rigotti (2015) Brito (2013) De Oliveira (2010) De Oliveira (2014) Teixeira et al. (2011) Lobo e Matos (2011) Garcia (2013) Vieira Junior e Barroso (2010) Hill e Queiroz (2010) Vilela e Sampaio (2015) Rodriguez Javique et al. (2013) Pinto (2015) Soares et al. (2012) Marandola Jr e Modesto (2012) Marandola Jr e Dal Gallo (2010)
Fonte: Revista Brasileira de Estudos de População. Elaborado pelos autores.
Apesar de muito diferentes em termos da construção dos textos e do grau de
formalização matemática, por exemplo, os artigos abordam a espacialidade do
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fenômeno migratório de maneira implícita (subentendida ou ignorada). Como tônica,
são feitas reflexões conceituais, mas não são feitas análises espaciais e não são
utilizados mapas para situar origens e destinos nos contextos estudados. Exceto pelos
trabalhos quantitativos que inseriram mapas para especializarem dados provenientes de
matrizes implícitas: Mondardo (2011), Lobo e Matos (2011) e De Oliveira (2010).
Matriz Migratória
A matriz migratória é uma tabela de dupla entrada com os locais de origem
posicionados na primeira coluna e os locais de destino na primeira linha e os valores do
fluxo nas células. Constitui-se em ferramenta consagrada para apresentação de dados
que pode ser útil para consultar ou conferir o valor do fluxo de um determinado destino
ou origem. Na matriz, devido a impossibilidade de visualização e interpretação de um
grande conjunto de dados (por exemplo, fluxos de população migrante entre todos os
5.565 municípios brasileiros) ela é comumente elaborada utilizando agrupamentos de
municípios (como microrregiões, Regiões Metropolitanas ou Unidades da Federação).
No intuito de demonstrar essa dificuldade, elaborou-se uma matriz com a migração
intermunicipal envolvendo 50 municípios de São Paulo, ordenados por ordem alfabética
(Figura 2). Percebe-se a dificuldade de visualização das informações que torna a tarefa
de análise e de extração de informações uma tarefa quase impossível. Por outro lado,
mesmo matrizes com relativamente poucas variáveis, como a das trocas migratórias
entre 27 Unidades da Federação (UFs), tornam-se difíceis de interpretar (Figura 3).
A construção de uma matriz envolvendo os fluxos entre todos os municípios
brasileiros é uma tarefa impraticável. Para se ter uma ideia de como seria difícil
trabalhar com uma matriz com 5.565 municípios na origem e o mesmo número no
destino de forma analógica, como por exemplo impressa em papel e plotada em um
painel, deve-se ter em mente que: se ao final da impressão cada célula da matriz tivesse
cerca de 1 cm de altura por 3 cm de largura e as páginas impressas não contivessem a
numeração das mesmas e, também, não houvesse nenhuma referência ou indexação para
auxiliar a montagem do painel final, seriam necessárias cerca de 50 mil folhas de
tamanho A4 em posição paisagem, cada uma contendo um fragmento da matriz, e seria
necessário um espaço de aproximadamente 55 metros de altura por 160 metros de
largura. À título de comparação, deve-se ter em mente que o tamanho médio de um out-
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door de propaganda é de 3 metros de altura por 9 de largura ou que um campo de
futebol oficial mede cerca de 120 por 90 metros.
Diagrama de cordas (‘Circos’)
Circos é uma forma tecnicamente inovadora e visualmente muito atrativa de
representar as ligações entre objetos. A técnica baseia-se em um diagrama de cordas
aperfeiçoado por Martin Krzywinski (2009) em pesquisas sobre genômica. Mais
recentemente esta técnica foi adaptada para o uso no software R através do pacote
Circlize (GU, 2013; GU et al., 2014) e vem sendo empregada em estudos de migração
(SANDER et al., 2014a, 2014b; ABEL; SANDER, 2014; ESTEBAN; LIRA, 2015). A
ideia básica do diagrama de cordas é mostrar simultaneamente a conexão entre
localidades, cada uma ocupando uma fração dos 360º do círculo, e o tamanho dos fluxos
entre elas (Figura 4). No caso das migrações, as origens e os destinos são representados
por segmentos do círculo, onde regiões geograficamente próximas estão posicionadas
no círculo próximas umas das outras. O volume do fluxo é indicado pela largura do elo
de suas bases e pode ser lido usando as marcas de escala no exterior de segmentos do
círculo. A direção do fluxo é codificada tanto pela cor da localidade de origem (como se
o imigrante levasse suas características de cor em direção ao destino) e pela diferença na
ligação do segmento de círculo no destino (“gap” entre a linha de fluxo e o círculo). No
caso de localidades com poucas trocas migratórias, em relação ao total das trocas de
todas localidades representadas no gráfico, os fluxos/conexões não são desenhados,
embora seja mantida a representação do volume de imigrantes e emigrantes da
localidade na barra do círculo.
O resultado final é um gráfico com os fluxos de origem (linha/cordas iniciam no
círculo externo sem intervalo – “no gap” – e possuem a mesma cor da barra deste) e de
destino (existe um vão – “gap” – entre a corda e a barra). A espessura da linha/corda
representa o volume de migrantes por 100 mil pessoas, ou seja, na escala da barra do
círculo externo um fluxo 5 equivale a 500 mil pessoas.
No caso da Figura 4 foram espacializados os fluxos populacionais entre os 645
municípios do estado de São Paulo entre 2005-2010, fixando-se a cor vermelha para o
município de São Paulo e tons de cinza para os demais. Para tanto, foi utilizada a matriz
migratória intraestadual completa do estado de São Paulo (645 por 645 municípios),
excluindo-se as trocas interestaduais e internacionais. Na figura fica evidente que São
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Paulo é o município com maior entrada e saída de população no período, que reflete o
grande volume de residentes deste município, e que a saída (em vermelho) supera a
entrada (tons de cinza). Diferentemente de um agrupamento das localidades por
proximidade geográfica, como será mostrado na Figura 5, nesta visualização a
sequência para ordenamento dos municípios ao longo do círculo segue a ordem dos
códigos do IBGE, que muitas vezes também é alfabética. Dessa forma municípios
fronteiriços e com expressivas trocas de população como São Paulo e Guarulhos ficam
em posições opostas; enquanto que São Paulo está localizado na posição das 2 horas do
relógio, o Guarulhos está nas 8 horas.
Figura 4 – Diagrama de Cordas (Circos) com origem e destino dos migrantes em 645
municípios do estado de São Paulo, segundo a origem na data fixa e a residência durante o
Censo 2010.
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
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Na Figura 5 foram agrupados os municípios de origem e destino segundo a
Unidade da Federação (UF) à qual pertencem. As cores foram escolhidas para que UFs
da mesma região tivessem a mesma cor, porém variando a tonalidade. Desta forma a
proximidade das localidades está subentendida com o uso de tons de cores semelhantes
para UFs próximas. Entretanto, estados fronteiriços como São Paulo e Mato Grosso do
Sul aparecem com cores diferentes e distantes no diagrama pois o primeiro pertence a
região Sudeste enquanto o segundo está no Centro-Oeste.
Figura 5 – Diagrama de Cordas (Circos) com origem e destino dos migrantes na data fixa do
Censo 2010, segundo a UF de origem na data fixa e a residência durante o Censo 2010.
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
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Análise de redes
A análise de rede vem sendo aplicada para o estudo de diversas ordens de
relações entre indivíduos, geralmente, comportamentos e interações e oferece um
conjunto de ferramentas para análise estatística e para a visualização de dados. A
chamada Social Network Analysis (SNA) alcançou grande visibilidade através dos
trabalhos do sociólogo Barry Wellman (1979, 1983) e tem sido utilizada em estudos
espaciais para capturar a hierarquia das localidades (PNHO, 2012) e em estudos de
migração para visualizar origens e destinos da migração intramunicipal (CUNHA,
2014).
A rede é um conjunto de unidades (nós; “nodes”) conectados por uma ou mais
relações (“edges”). Dependendo da análise, o nó pode representar uma pessoa, um
grupo, uma organização ou objeto, por exemplo. A relação pode ser uma troca, amizade,
contato, conselho, dentre outros aspectos considerados como forma de
interação/conexão entre os nós.
Pela ênfase nas relações e não nos atributos dos nós, necessariamente, a análise
de rede requer uma mudança de perspectiva em relação a outras abordagens das ciências
sociais. Qual o potencial de uso dos nós e relações, em rede, nos estudos populacionais?
Dois aspectos (ou potenciais usos) do ferramental das redes são aqui analisados em
relação aos estudos de migração: a) para a apresentação/visualização de fluxos; b) para
a mensuração de características da rede (conjunto dos municípios na matriz migratória)
e de alguns de seus nós (alguns municípios).
Para o exercício, foram utilizados os mesmos dados de migração utilizados nos
gráficos anteriores através da ferramenta conhecida como Cytoscape utilizada em
trabalhos de genômica (SHANNON et al., 2003; FRANZ et al., 2016).
A rede oferece a possibilidade de mapear todo o conjunto das relações e nós, no
caso, dos municípios e dos fluxos populacionais entre eles. Em relação a uma matriz em
formato tabular, a rede permite, por exemplo, identificar (e medir) a centralidade dos
municípios em relação aos fluxos migratórios (suas conexões).
A correspondência da organização dos dados entre a rede e a matriz migratória é
imediata. A rede pode ser vista como uma forma de representação de uma matriz: os nós
são os municípios e estão listados nas linhas e nas colunas; e as relações são os volumes
dos fluxos entre os municípios, isto é, as células da matriz.
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O gráfico de redes se revela visualmente útil quando o conjunto de nós é
relativamente pequeno, como os fluxos entre São Paulo e as demais 26 UF (Figura 6a).
Neste caso, os fluxos e atributos dos nós podem ser identificados e facilmente
representados, o que representa uma grande vantagem em relação à matriz migratória. A
automatização com uso do Cytoscape facilita a escolha e alterações de configurações de
cores e padrões. No caso considerado, o uso para visualização de partes da rede é
altamente recomendável.
A visualização se torna mais difícil conforme aumenta o número de nós, ou a
relação entre eles, como o caso das trocas de população entre 27 UFs analisadas em
conjunto (Figura 6b). Contudo, a grande variedade de formas de representação oferece a
possibilidade de minimizar desvantagens e potencializar as vantagens da representação
de matrizes complexas como esta gerada para os fluxos migratórios que envolvem todos
os municípios de São Paulo em relação a todos os municípios do Brasil.
A representação dos fluxos envolvendo os 5 mil municípios brasileiros em rede
(Figura 7) é ainda mais difícil de visualizar. Mesmo assim, esta forma de visualização
permite representar em uma página A4 todo o conjunto de municípios e fluxos, algo que
é impossível de ser feito com uma matriz migratória deste tamanho, como foi destacado
anteriormente. Em relação a representação em rede, ainda que ajustes e configurações
de cores, formatos e padrões de organização dos nós possam ser feitos automaticamente
e permitam transmitir ideias gerais sobre a matriz, perde-se a capacidade de identificar
cada nó e cada relação.
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Figura 6 - Duas formas de organizar a rede das migrações entre UF, utilizando Cytoscape:
(a) São Paulo está no centro da rede e o volume de população pondera o tom de cor da conexão,
os fluxos entre as outras UF não é mostrado; (b) nenhuma UF ganha posição de destaque e são
mostrados todos os fluxos, embora os mais significativos estejam em tons mais escuros.
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
(a)
(b)
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Figura 7 - Rede das migrações entre São Paulo (nó vermelho no centro da rede) e os demais
municípios do Brasil utilizando Cytoscape
Fonte: IBGE (2012). Elaborado pelos autores.
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Considerações Finais
Através da apresentação de formas alternativas de visualização de dados,
procurou-se mostrar que conforme aumenta a resolução espacial, mais difícil torna-se a
representação dos movimentos migratórios e o entendimento de seus motivadores e
significados. O maior número de unidades territoriais de análise implica em formas
alternativas de visualização (nem mesmo o mapa serve), conforme indicado aqui, e
sugerem a necessidade de análises espaciais diferenciadas. Mesmo diagramas de cordas
e redes esbarram na limitação do tamanho/resolução da representação em formato
estático como as imagens e figuras, da forma de apresentamos neste trabalho. Como
alternativa para contornar a dificuldade de visualização estática pode-se utilizar formas
dinâmicas baseadas, por exemplo, em JavaScript a utilizadas em páginas HyperText
Markup Language (HTML), como é o caso do diagrama de cordas dos fluxos
migratórios criado por Sander et al. (2014b) e disponível em http://www.global-
migration.info, e as formas de representação de redes Cytoscape baseadas em JS,
desenvolvidas por Franz et al. (2016) e disponíveis em http://js.cytoscape.org.
Seja qual for o tamanho e a complexidade da base de dados, a grande vantagem
de uma análise que vá além da matriz reside na capacidade de captar visualmente
informações relevantes e que são impossíveis de serem captadas na tabela. No caso das
análises de redes, a capacidade de medir suas propriedades a partir de padrões de
relacionamento entre os nós comparando as localidades através de indicadores
sintéticos. Por exemplo, a abordagem permite comparar a matriz migratória de uma
região à matriz de outra região em determinado censo; permite comparar a matriz
migratória de uma região em dois ou mais censos. Reside aqui um campo a ser
explorado para que se identifiquem quais tipos de indicadores fazem sentido para o
fenômeno da migração.
Em uma primeira aproximação, destacamos algumas medidas simples que
podem agregar dimensões aos estudos demográficos. No caso das análises de rede, a
densidade ("density") desta é dada pela proporção de relação existentes e as conexões
que poderiam existir (dado o número de nós na rede). Oferece uma medida geral da rede
onde redes mais densas, com mais relações entre os nós, indicariam uma multiplicidade
de fluxos migratórios entre as localidades. À densidade, podem-se associar outras
medidas, como a centralização da rede ("network centralisation"), a qual mede em que
extensão a rede é dominada por um único nó central (uma determinada localidade para a
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qual convergem migrantes de muitos outras, por exemplo). Tal medida compara a
centralidade do nó principal com a centralidade dos outros nós da rede, sendo que o
grau de centralidade ("degree of centrality") é a medida, nó a nó, do número de
conexões com outros nós. Oferece um indicador de ‘importância’ de cada município em
relação ao número de municípios com os quais houve fluxo populacional. Considerando
sucessivas medidas de centralidade (em vários censos, por exemplo), se pode observar
mudanças nas dinâmicas migratórias.
Por fim, cabe destacar que a matriz não permite, por si, perceber os arranjos
espaciais (microrregiões) ou a proximidade espacial (vizinhança) entre as localidades. A
menos que se organize os dados antes de gerar a matriz ou o diagrama de cordas, as
localidades estarão ordenadas em função do código ou nome da localidade, ou outra
variável de entrada (como as delimitações regionais), mas sempre dependendo da
variável de entrada na matriz. Porém, com a análise de redes a ordem das localidades
ficará embaralhada e estas serão rearranjadas segundo um espaço não euclidiano, um
espaço das relações de trocas populacionais.
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