VOCALISMO ROMÂNICO - … · Em latim, a letra C representava sempre o mesmo fonema /K/, mesmo...

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VOCALISMO ROMÂNICOP R O F A . D R A . L IL IA NE B A R R E IR O S

(P P G E L - M E L / U E F S )

Textos:ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica: história internadas línguas românicas. Vol. 2. São Paulo: EDUSP, 2010.

ELIA, Silvio. Caracteres gerais das línguas românicas. In: ______. Preparação aLinguística Românica. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1974.

ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Paulo: Ática, 1992.

LAUSBERG, H. Linguística Românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1981.

VIDOS, B. E. Manual de Linguística românica. Madrid: Gredos, 1968.

Línguas RomânicasApesar de terem uma origem comum, o latim vulgar, as línguasromânicas são divergentes na evolução:

• Pressões políticas e econômicas;

• Distanciamento cronológico na fase da romanização (influênciasde substratos e superstratos).

Vocalismo Românico: um aspecto de diferenciação interna das línguas românicas

Estudo da evolução das vogais latinas para as línguas românicas.

núcleo da sílaba

• As línguas românicas herdaram o mesmo sistema vocálico, mascada uma delas o tratou segundo suas próprias características etendências.

Acentuação do Latim

Características Gerais

SISTEMA QUANTITATIVO → duração/pronúncia

Quantidade → é a propriedade que as vogais têm de serem longas oubreves.

˘ Braquia (meia-lua sobre a vogal) → indica que a vogal é breve;ˉ Mácron (traço sobre a vogal) → indica que a vogal é longa.

LATIM CLÁSSICO

Breves ă ĕ ĭ ŏ ŭ

Longas ā ē ī ō ū

As vogais longas tinham o valor de duas breves.

As vogais do Latim Clássico

As vogais do Latim Clássico

Era por meio da “duração” que os romanos distinguiam palavrascom significados distintos, como:

mālum = maçã (longa)

mălum = desgraça (breve)

ŏs = osso (breve)

ōs = boca (longa)

lĕgit = lê (presente) (breve)

lēgit = leu (pretérito perfeito) (longa)

Regras de Acentuação1. As palavras latinas têm o acento ou na penúltima ou na antepenúltimasílaba;

2. A sílaba que indica onde cai o acento é a penúltima;

3. Se a penúltima vogal for breve, o acentua recua para a vogal anterior (proparoxítona).

Ex.: agricŏla, ae – agrícola;

4. Se a penúltima vogal for longa, o acento cai sobre ela mesma (paroxítona).

Ex.: regīna, ae - regína;

5. Em regra geral, não há palavras com acento na última sílaba.

Regras de Acentuação

a) Em latim, não existem sinais gráficos (diacríticos) deacentuação - acento agudo, circunflexo etc. Estes sinais podemaparecer para indicar a correta acentuação da palavra, sendousados geralmente em livros didáticos e dicionários.

b) Quando necessário, os sinais de quantidade tambémaparecem na última sílaba (nas lições).

Regras de Acentuação

Como regra geral, seguem-se as seguintes normas práticas:

• Vogais Breves → são vogais seguidas de outras vogais, p. ex. mulĭer (múlier);

• Vogais Longas → são vogais seguidas de duas consoantes, p. ex. ancīlla (ancílla).

Colapso do sistema quantitativoFatores que favorecem a diferenciação da língua;

Reorganização do sistema vocálico – passa a se distinguir pelaQUALIDADE (timbre), podendo ser abertas ou fechadas.

Transição do sistema quantitativo para o sistema qualitativo

duração/pronúncia timbrebreve/longa aberta/fechada

Origem dos quatro sistemas vocálicos latinos (LAUSBERG, 1981)

Algumas considerações...“[...] há uma tendência geral em várias línguas, que leva apronunciar abertas as vogais breves e fechadas as longas (VIDOS,1968, p. 165)

• Latim clássico → Transição para o Sistema Itálico – abstração davogal ā(LAUSBERG, 1981, p. 111).

10 vogais 9 vogais

A oposição quantitativa se perdeu no Latim Vulgar; primeiro,nas vogais átonas e depois nas tônicas.

As ÁTONAS cedem enfraquecem desaparecem

As TÔNICAS resistem persistência da tonicidade

(conservam-se na maioria dos casos)

Vocalismo tônico:Os quatro sistemas vocálicos latinos

SISTEMA I → Sistema Qualitativo Itálico Centro e sul da Itália, o mais extenso de todos

“Com exceção do romeno, todas as línguas românicas têm porbase esse sistema, este desempenha um papel fundamental noatual ensino das línguas românicas” (LAUSBERG, 1981, p. 111).

SISTEMA I → Sistema Qualitativo Itálico

Compreende a Íbero-România (português, espanhol, catalão),

a Galo-România (francês, provençal),

a Reto-România (dialetos réticos),

a Ítalo-România (Sul e Leste da Lucânia, com exceção daSardenha) e a antiga Dalmácia.

SISTEMA I → Sistema Qualitativo ItálicoLATIM CLÁSSICO SISTEMA ITÁLICO EXEMPLOS PORTUGUÊS

ă

a (aberto) mare > mar

pace > paz

a

ā

ĕ e (aberto) dece > dez é

ē

e (fechado)

tela > teia

êĭ siccu > seco

i > ê ille > ele

ī i (fechado) filu > fio i

ŏ o (aberto) rota > roda ó

ō

o (fechado)

totu > todo

ôŭ lupu > lobo

ū u (aberto) luna > lua u

10 vogais 7 vogais 7 vogais

SISTEMA I → Sistema Qualitativo ItálicoAo contrário do que ocorre nas demais línguas românicas(italiano, espanhol, francês), não houve ditongação na línguaportuguesa.

LATIM –

ITALIANO

LATIM –

ESPANHOL

LATIM –

FRANCÊS

LATIM –

PORTUGUÊS

Petra > piedra

Focu > fuoco

Petra > piedra

Focu > fuego

Petra > pierre

Focu > feu

Petra > pedra

Focu > fogo

Na Língua Portuguesa...

• Quantidade latina # timbre atual

Ĕ e Ŏ tônicos > E e O (fechados) quando na sílaba final existe um U.

Ex.: pŏrcu > porco (ô), mĕtu > medo (ê)

Na Língua Portuguesa...

• Quantidade latina # timbre atual

Exceção: fĕrru > ferro (é)

• Quando no feminino termina em –a e no plural em –os , o timbre doa e do o se apresentam aberto.

Ex.: porca, porcos

METAFONIA

SISTEMA II → Sistema ArcaicoÉ próprio do sardo , do Sul da Lucânia na Itália

Prioriza a pronúncia (quantidade) sobre o timbre (qualidade)

Não há uma exata correspondência entre a quantidade da vogallatina e o respectivo timbre, aberto ou fechado, como se dá noSistema I

SISTEMA II → Sistema ArcaicoLATIM CLÁSSICO SISTEMA ARCAICO EXEMPLOS (Sardo)

ă A pugnare > punnare

ā

ĕ E herba > erva (é)

cateno > katenaē

ĭ I filu > filu

pira > piraī

ŏ O sole > sole

rota > rotaō

ŭ U muru > muru

sole > soleū

10 vogais 5 vogais

As vogais e e oPronunciam-se fechadas

antes de i e u originários

e abertas antes de outras

vogais (ELIA, 1974, p. 164).

SISTEMA III → Sistema de CompromissoÉ próprio da Lucânia oriental e do romanço balcânico, emparticular do romeno.

Caracterizado por adotar o “Sistema Itálico” para as vogaispalatais e e i e o “Sistema Arcaico” para as vogais velares o e u.

SISTEMA III → Sistema de Compromisso

LATIM CLÁSSICOSISTEMA DE

COMPROMISSOEXEMPLOS (Romeno)

ă

a aqua > apaā

ĕ é fele > fiere

ēê

stellae > stele

ĭ viride > verde

ī i filu > fir

ŏ

ô

porcu > porc

ō formosu > frumus

ŭu

munge > mulge

ū unu > un

10 vogais 6 vogais

SISTEMA IV → Sistema SicilianoCompreende a Sicília, a Calábria - com exceção da faixa norte, quese prende ao sistema do sardo - e o Sul da Apúlia.

Caracterizado pelo fechamento de e e o longos, que acabaram porse confundirem, respectivamente, com i e u .

SISTEMA III → Sistema Siciliano

LATIM CLÁSSICO SISTEMA SICILIANO EXEMPLOS

ă

ĕ é fele > fele

ēi

stella > stilla

viride > virdeĭ

ī

ŏ

ó

octo > ottu

ōu

nepote > nipute

ŭ

ū

10 vogais 5 vogais

Na Língua Portuguesa...

As vogais tônicas sofreram as alterações semelhantes àsque caracterizam o Latim Vulgar.

Pela persistência da sua tonicidade, mantiveram-se:

a, é, ê, i, ó, ô, u

Na Língua Portuguesa...As ÁTONAS cedem enfraquecem desaparecem

As TÔNICAS resistem persistência da tonicidade

(conservam-se na maioria dos casos)

As exceções justificam-se por causas fonéticas, analógicas, oupela introdução de palavras eruditas na língua.

Vogais Átonas:pretônicas, postônicas e finais

Vogais Átonas Pretônicas –antecedem a sílaba tônica

PRETÔNICAS INICIAIS - Estas ora permaneceram, oradesapareceram por aférese:

amicu > amigo (permaneceu)

acume > gume (sofreu aférese)

PRETÔNICAS MEDIAIS – Sofreu síncope:

bonitate > bondade // honorare > honrar

Vogais Átonas Postônicas –encontram-se após a sílaba tônica

POSTÔNICAS MEDIAIS – Sofreu síncope:

viride > verde

POSTÔNICAS FINAIS - Em posição final, as vogais i e u daspalavras latinas passaram a e e o , respectivamente:

vivi > vive

campu > campo

Vogais Átonas Postônicas nas Línguas Românicas

As vogais átonas postônicas estão sujeitas a síncopesfrequentes.

O italiano, o sardo e o romeno conservam-nas quase sempre;

O francês, o provençal e o catalão tendem a eliminá-las;

O português e o espanhol ocupam uma posição intermediária.

Vogais Átonas Postônicas nas Línguas Românicas

LATIM ITALIANO FRANCÊS PROVENÇAL CATALÃO PORTUGUÊS ESPANHOL

Duodecum dodici douze dotze dotze doze doce

Particularidades das vogais

Ditongos

DitongosNo Latim Clássico havia três ditongos: ae , au , oe .

O Latim Vulgar apresentava tendência para reduzir essesditongos a vogais simples.

__ae > é: caelu > céu

__au > ou ou au: tauro > touro

__oe > ê/é: poena > pena

O ditongo ou alterna com o ditongo oi, sem que seja explicávelfoneticamente:

louro e loiro // cousa e coisa

Causas da ditongação: Ditongos Orais1. Por síncope da consoante intervocálica:

vanitate > vaidade

2. Por vocalização (transformação de uma consoante em vogal):

nocte > noite

3. Por hipértese (transposição de um fonema de uma sílaba para outra):

rabia > raiva

Causas da ditongação: Ditongos Orais4. Por alargamento (epêntese - adição de uma semivogal paradesfazer o hiato):

credo > creo > creio

5. Por oclusão (fechamento ou abrandamento do timbre dasvogais e e o , passando, respectivamente, a i e u):

malo > mao > mau

velo > veo > véu

Causas da ditongação: Ditongos Nasais O ditongo final -ÃO , do português moderno representa asformas do português arcaico -am , -ã, -õ , correspondentes àsterminações latinas -anu, -ane, -one, -udine, -ant, -unt.

veranu > verão

paganu > pagão

pane > pão

cane > cão

oratione > oração

ratione > razão

multitudine > multidão

solitudine > solidão

dant > dão

sunt > são

HIATOSA Língua Portuguesa apresenta, desde a sua fase arcaica, fortetendência para evitar os hiatos.

1. Por meio da Crase (redução de duas vogais iguais a uma só):

ponere > poor > pôr

2. Através da oclusão (fechamento do timbre das vogais e e o ,passando, respectivamente, a i e u):

caelo > ceo > céu

3. Por alargamento (acrescentamento de uma semivogal epentética):

freno > freo > freio

CONSONANTISMO ROMÂNICOP R O F A . D R A . L IL IA NE B A R R E IR O S

(P P G E L - M E L / U E F S )

Consonantismo Românico

Estudo das transformações sofridas pelas consoantes latinasao longo da sua evolução histórica para as línguas românicas.

CONSOANTES SIMPLES

Consoantes iniciais

Consoantes mediais (surdas e sonoras)

Consoantes finais

CONSOANTES AGRUPADAS (geminadas)

As consoantes simples iniciais do latim vulgar mantiveram-se

nas diferentes línguas românicas, com poucas exceções.

bene > bem gutta > gota

Exceções:

cattu > gato

vessica > bexiga

pallore > bolor

H- inicial ASPIRADO no latim clássico e vulgar - talvez por imitação do grego.

Não há vestígios nas línguas românicas. A sua conservação naescrita é fruto do espírito tradicionalista das escolas.

Habere > haver > haber > haver > aver > > avoir > avere > aveaptg esp cat prov fr it rom

H- inicial H - inicial em Castelhano (f > h)

facere > hacer

Causa: substrato ibérico, território basco – povos pirineus

Não é exclusiva da região pirenaica: encontra-se em dialetosromânicos do sul da Itália e dialetalmente no próprio latim. Poresses e outros motivos, essa tese substratista é questionada porvários romanistas.

C- inicial Em latim, a letra C representava sempre o mesmo fonema /K/,mesmo antes de a, o, u. Diante das vogais e e i, palatalizou-se.

Em Francês e franco-provençal ocorreu a palatalização diante de a:

carru > kyarru

O a também evoluiu para e:

fata > fée (fada).

C- inicial Fricatização

/ts/ > simplifica para o fonema /s/ - ptg., cat., prov. e fr.

/ts/ > /th/ - esp. (igual ao inglês thing)

Caelu > kelu > cielu > cer > céu > cel > ciel > cielo/ky/ /ts/ it /ts/ rom /s/ ptg. /s/ cat. /s/ fr. /th/ esp.

prov.

G- inicial A letra G, em latim, representava um fonema único, estivesse elaseguida de a, o, u ou de e, i, ao contrário do português. Esse fonemaera /g/, valor que tem em português quando seguido de o .

Em francês o g- seguido de a também se palatalizou, tal comovimos para c + a:

gamba > jambe

*galina (por gallina) > geline.

V- inicial

A letra V latina era simplesmente a forma maiúscula do u e nãoa consoante /v/, que o latim não possuía.

Em muitos monumentos de arquitetura neoclássica é comumencontrarmos um V no lugar de um U:

FORVM ou TEATRO MVNICIPAL

Consoantes simples mediais:

sonorização das surdas intervocálicas;

România ocidental (sonoriza) > português, espanhol, catalão,provençal, francês, dialetos reto-românicos, norte da Itália;

România Oriental (não sonoriza) > romeno, italiano, parte daSardenha, sul da Córsega.

Consoantes simples mediais em Português: As mediais surdas passam a sonoras:

sapere > saber, vita > vida, facere > fazer

As mediais sonoras têm três destinos:

a) síncope: crudu > cruu > cru, gelare > gear, granu > grão, lana > lãa > lã, persona > pessõa > pessoa;

b) permanência: paganu > pagão, amare > amar;

c) alteração: dubitare > duvidar (degeneração -b- > -v-).

Consoantes finais: Em geral, sofreram apócope, exceto o -s:

Deus > Deus, Marcus > Marcos, amas > amas, debemus > devemos, magis > mais;

o -r permaneceu sofrendo metátese (é a transposição de sonsdentro de uma mesma cadeia sintagmática):

semper > sempre, quattor > quatro, super > sobre;

o -m final, que já era muito débil, tanto no LC quanto no LV,permaneceu na escrita, como grafema, para indicar a ressonâncianasal: cum > com, quem > quem.

Grupos consonantais iniciais Os grupos iniciais terminados em -r se conservam:

cruce > cruz, dracone > dragão, gradu > grau, pratu > prado;

Os terminados em -l sofrem palatalização:

clave > chave, flamma > chama, pluvia > chuva

ou modificam o -l- para –r:

clavu > cravo, flaccu > fraco, placere > prazer.

Grupos consonantais mediais As consoantes latinas podiam ser longas, caso em que eramgrafadas duplamente:

ager (“campo”)

agger (“materiais amontoados, montão de terra”).

Muitas dessas consoantes “geminadas” eram resultantes deprocessos de assimilação:

sub + ferre > subferre > sufferre;

ad + captare > adceptare > acceptare;

in + ludere > inludere > illudere etc.

Grupos consonantais mediaisNa formação dos romances, a distinção entre consoante simplese consoante dupla se perdeu. Somente o italiano e o sardoconservam até hoje consoantes duplas em seus sistemasfonêmicos:

Cf. italiano: note (“notas”) e notte (“noite”).

Alguns grupos consonantais mediais formaram-se pela síncopede uma consoante medial, no próprio LV, outros já existiam,sofrendo diversos tipos de evolução. Por exemplo:

a) palatalização (dígrafos -lh- e -ch-):

oc(u)lu > olho, teg(u)la > telha (a par de reg(u)la > regra), rot(u)la >*rocla > rolha, inflare > inchar;

b) conservação:

membru > membro, nigru > negro, intrare > entrar;

c) alteração:

lacrima > lágrima, duplare > dobrar, lepore > *leb(o)re > lebre.

Assimilação regressiva

Nos grupos consonantais disjuntos (em sílabas diferentes), do tipo-ps-, -rs-, a segunda consoante assimilou a primeira:

ipse > esse, persicu > pêssego.

Trata-se de um fenômeno que remonta ao próprio Latim Vulgar,pois no Appendix Probi aparece “persica non pessica”.