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WILSON JOSÉ SEBASTIÃO
A IMAGEM IDEALIZADA DO IMPERADOR CONSTANTINO NO DE MORTIBUS PERSECUTORUM DE LACTÂNCIO (séc. IV d.C.)
CURITIBA
2008
WILSON JOSÉ SEBASTIÃO
A IMAGEM IDEALIZADA DO IMPERADOR CONSTANTINO NO DE MORTIBUS PERSECUTORUM DE LACTÂNCIO (séc. IV d.C.)
Monografia de conclusão de curso apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do Curso de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto.
CURITIBA 2008
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
2 O MUNDO ROMANO NA VIRADA DO SÉCULO III PARA O IV ...................... 4
2.1 Contexto Político. ................................................................................................... 4
2.2 A ascensão de Constantino como Imperador do Império Romano do
Ocidente ......................................................................................................................... 9
3 A TRAJETÓRIA DE LACTÂNCIO: VIDA E OBRA ......................................... 14
3.1 Lucius Caecilius Firmianus Lactantius ....................................................... 14
3.2 A Produção Literária de Lactâncio ............................................................... 15
3.3 De Mortibus Persecutorum ............................................................................. 16
4 CRISTIANISMO E IMPÉRIO ROMANO ............................................................. 18
4.1 A Tensa relação entre o Império Romano e a Igreja Cristã .................... 18
4.2 Constantino e o Cristianismo ......................................................................... 25
4.3 Constantino segundo a construção de Lactâncio .................................... 27
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 32
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 33
1
1 INTRODUÇÃO
Durante a crise do século III d.C1, mais precisamente entre os anos de 235-
284, o Império Romano enfrentou problemas em diversos âmbitos. Assim sendo, foi
marcado por um período de instabilidade política e freqüentes usurpações. Parece-
nos seguro afirmar que com a ascensão de Diocleciano ao poder, este assume um
papel preponderante na reestruturação do poder imperial, estabelecendo a
tetrarquia2. Entretanto, em 305 com a abdicação ao trono de Diocleciano e
Maximiano, inaugura um novo período de disputa pelo poder. Nesse contexto surge
a figura de Constantino como um dos pretendentes à púrpura imperial, que lhe é
atribuída pelas suas tropas na Bretanha em 306.
O presente trabalho tem como especial preocupação a caracterização da
figura de Constantino, tido como um governante ideal. Para tanto, nossa reflexão
está estabelecida a partir da obra latina De Mortibus Persecutorum, escrita nas
primeiras décadas do século IV, mais precisamente entre os anos de 314/3153 na
parte ocidental do Império, talvez Tréveris, pelo professor de retórica Lucius
Caecilius Firmianus Lactantius. A fonte utilizada é uma obra transliterada traduzida e
comentada, diretamente do latim para o espanhol com o titulo de Sobre la muerte de
los perseguidores4, estabelecida por Ramón Teja, publicada em 1982 pela Editorial
Gredos.
As problematizações que envolvem nosso trabalho de pesquisa
historiográfica giram em torno da idealização da imagem de Constantino, bem como
seu papel nesse novo império romano e de que recurso se utilizou Lactâncio para
construção de tal imagem. Uma hipótese levantada é que Lactâncio reconhecia em
Constantino as suas concepções políticas e ideológicas. Constantino não era só um
imperador que propôs medidas de favorecimento ao cristianismo, mas também era
um portador dos ideais senatoriais. Outro dado importante é a proximidade entre
1 A maioria das datas mencionadas no decorrer desse trabalho são depois de Cristo (d.C.) salvo quando houver indicação contrária. 2 Para tanto vide SILVA, G. V.; MENDES, N. M. “Diocleciano e Constantino: A construção do Dominato”, in: SILVA, G. V.; MENDES, N. M. (org.). Repensando o Império Romano: Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural, Rio de Janeiro: Mauad; Vitória, ES: EDUFES, 2006. Págs. 199-200. 3 SÁNCHES SALOR, E. In: LACTANCIO. Instituciones Divinas. Madrid: Editorial Gredos, 1990, p.11. 4 A partir de então, chamaremos o autor pelo nome de Lactâncio, e todas as notas transcritas nesse
trabalho estarão baseado no texto em espanhol.
2
Lactâncio e Constantino, em que o primeiro freqüentava a corte, como instrutor do
filho mais velho do Imperador.
Já no que concernem os estudos específicos desta pesquisa foi levado em
consideração à bibliografia disponível e dentre ela efetuou-se a seleção das que
mais se aproximavam direta ou indiretamente ao tema aqui abordado. Sem a
pretensão de esgotar a bibliografia pertinente, inicialmente, faz-se referência aos
estudos que contemplem a ascensão de Constantino como Imperador do Ocidente,
o contexto histórico da época deve ser entendido e levado em consideração. Como
instrumentos relativos ao contexto histórico, necessário para entender o quadro que
está inserido o período em questão, elegemos alguns autores cujas obras
contemplam a especificidade da época em foco. O contexto político que vai da crise
do século III até as primeiras décadas do século IV, é o que nos dará uma visão das
profundas e intensas transformações do Império Romano. Para isso destacamos
alguns autores que escreveram obras de caráter geral sobre a História de Roma,
León Homo5, Michel Grant6, M. Rostovtzeff7. Para situar a obra e o autor utilizamos a
introdução feita por Ramon Teja8.
Outros estudos também trataram de aspectos muitos específicos do período,
tais como o de Peter Brown9 sobre a Antiguidade Tardia, contrariando as teses de
um Império decadente á espera de ser conquistado, estudou as alterações que se
deram nesse período; o de Renan Friguetto10 sobre a centralização do poder na
Antiguidade Tardia; o de Gilvan Ventura da Silva e Norma Musco Mendes11 sobre a
construção do Dominato; o de Ramón Teja12 sobre o cerimonial de corte; o de
Miguel Arcanjo Marvila de Oliveira13 trata sobre a sacralização da figura do
Imperador Constantino através do pensamento político de Eusébio de Cesaréia
5 HOMO, León. Nueva História de Roma. Barcelona: Editorial Ibéria, 1949. 6 GRANT, Michel. História de Roma. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 7 ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. 8 TEJA, R. Introducción. In: LACTANCIO. Sobre la Muerte de los Perseguidores. Madrid: Editorial Gredos, 1982. 9 BROWN, Peter. O Fim do Mundo Clássico. De Marco Aurélio a Maomé. Lisboa: Verbo, 1972 10 FRIGUETTO. Renan. Algunas consideraciones sobre las Construcciones teóricas de la centralización del poder político em la Antiguedad Tardia: Cristianismo, tradición y poder imperial. In: Paola Corti; José Luis Widow; Rodrigo Moreno. (org.). História: entre el pesimismo y la esperanza. Viña del Mar: Ediciones Altazor, 2007, v.1, p. 297-308. 11 SILVA. G. V.; MENDES. N. M. Op.cit. págs. 193-221 12 TEJA, RAMÓN. “El cerimonial en la corte del Império Romano Tardio”. In: Emperadores, obispos, monjes y mujeres. Protagonista del cristianismo antiguo. Editorial Trota, 1999. 13 OLIVEIRA, Miguel A. M. O Império Romano e o Reino dos Céus: A construção da imagem sagrada do imperador em De Laudibus Constantini, de Eusébio de Cesaréia (séc. IV d.C.). Dissertação(mestrado) UFES. 2005.
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expresso no De laudibus Constantini; sobre a relação entre Império Romano e
Cristianismo destaco o trabalho de Gilvan Ventura da Silva14; o de Olof Gigon15
discute o embate travado pelos filósofos pagão contra o cristianismo.
A estrutura do trabalho está apresentada em etapas que compreendem
como primeira parte um panorama do contexto político que vai da crise do século III,
passando pelo período de reformas de Diocleciano, até a ascensão de Constantino
como Imperador do Ocidente. Em seguida tratamos do autor Lactâncio e de sua
obra, e por fim analisa a relação entre o Império Romano e a Igreja cristã, a adesão
de Constantino ao Cristianismo e o fim da perseguição aos cristãos em seus
domínios; ainda examinar-se-á imagem de Constantino, feita por Lactâncio,
enquanto ideal de governante.
14 SILVA, G. V. “A relação Estado/Igreja no Império Romano (Séculos III e IV)”. In: Op.cit. págs, 241-266. 15 OLOF, Gigon. La polémica de los filósofos contra el cristianismo: Celso, Porfírio, Juliano. La Cultura Antigua y el Cristianismo. Madrid, Editorial Gredos, 1970. Págs. 147-178.
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2 O MUNDO ROMANO NA VIRADA DO SÉCULO III PARA O IV.
2.1 Contexto Político.
Quando Constantino tornou-se Imperador Romano, com a morte do pai,
Constâncio Cloro, em 306 d.C., já estava em curso no interior do Império profundas
e intensas transformações16. Objetiva-se neste capitulo definir o contexto político em
que ocorrem estas mudanças. O período em questão abrange o final do século III e
o inicio do século IV d.C., não descartando a importância de introduzir brevemente
num período mais afastado temporalmente como a dinastia dos Severos, passando
pela crise do século III e o inicio da reestruturação do Império iniciado por
Diocleciano e a Tetrarquia.
Durante o século III, o Senado romano perde paulatinamente sua
importância em relação á nomeação de Imperadores. Considerando Libro de los
Césares de Aurélio Victor17, como registro documental de um aristocrata do século
IV, onde ele afirma que após o governo de Septimo Severo, o poder militar
recuperou toda a sua ascendência sobre a autoridade do senado, que ficou privado
do direito de eleger os imperadores. Os senadores teriam se abandonado aos
charmes do repouso e ao temor de perder suas riquezas, abrindo aos soldados o
caminho da dominação (Aurélio Victor XXXVII). De fato, a função do Senado
Romano desde o inicio do Império nunca mais recuperou a importância politico-
administrativa que possuía em tempos da Republica.
O ano de 193 foi marcado por lutas pelo poder envolvendo vários setores
da sociedade: a guarda pretoriana18 indicava um imperador, aceito pelo senado, mas
os exércitos das províncias indicavam outros imperadores. Nessa situação de lutas,
surgiu Septimo Severo (fundador da dinastia dos Severos que reinou de 193 até
234, abarcando os governos de Caracala, Geta, Heliogabálica e Severo Alexandre)
é tido como iniciador do processo de militarização do poder imperial. Segundo 16 A esse respeito ver, OLIVEIRA, Miguel A. M. Op. Cit. Págs. 26-31. 17 VICTOR, Aurelio. Libro de los Césares. Madrid: Editorial Gredos, 1999. 18 Durante a dinastia dos Antoninos, a Guarda Pretoriana alcançou destaque no cenário político romano. De defensores da pessoa do Imperador, os membros da guarda foram assumindo inúmeras outras funções, como a defesa do Palácio e da família do Príncipe, até chegarem a ponto de sentirem os responsáveis pela proteção do cargo imperial e pela indicação dos soberanos. Para tanto vide GONÇALVES, Ana Teresa Marques. “Os Severos e a Anarquia Militar”. In: SILVA, G. V.; MENDES, N. M.Op.cit. págs. 176-177.
5
Rostovtzeff (1961, p.254) ele “lança as bases pela qual a classe senatorial seria
afastada dos comandos militares e dos governos provinciais, substituída pelos
oficiais do exército.”
O reinado do Imperador Severo, foi marcado por um período de reformas
judiciais e militares. Para contornar a crise ele reforçou o poder do exército,
aumentou o salário dos soldados, quadruplicou a guarnição de Roma e praticamente
suprimiu os direitos do senado. Mas os pesados gasto com o exercito iam minando
as finanças do império, que obrigou a um aumento na carga tributaria que se tornara
demasiado pesado para os contribuintes. A crise econômica e os gastos maiores
com a manutenção das tropas fazem com que no reinado de Caracala (211-217), ele
proclame um edito que concede o direito de cidadania a todos os homens livres do
império, no intuito de obter maiores recursos para satisfazer as crescentes
demandas. A política de favorecimento do poder militar durante a dinastia dos
Severos, seria uma necessidade para a sobrevivência no poder. No entanto
segundo Homo (1949; p.347) esse regime tinha um defeito terrível. “Era artificial e
frágil. Despojado del gobierno, el ejército conocia su fuerza y no quería de modo
alguno abdicar.” E continua ao referir se a “los soldados se sublevaron, dieron el
império a Maximino, uno de sus generales, y assinaron a Severo Alejandro com sua
madre Julia Mamea19 (235).”
Com o fim da dinastia dos Severos, Roma cai num período
denominado de “Anarquia Militar”20, que dura aproximadamente cinco décadas
compreendidas entre a morte de Alexandre Severo(235) e a vitória de Diocleciano
sobre Caro(284). Este período caracterizou-se pela instabilidade política e
freqüentes usurpações. Roma testemunhou a sucessão de três dezenas de
imperadores soldados, aclamados e derrubados pelas tropas. Maier assim descreve:
en los decenios de la anarquia militar(235-284) gobernaron três decenas de emperadores soldados, procedentes la mayior parte de ellos de las legiones. Sus mandatos eran extraordinariamente cortos. Dos años y medio de pronodio. Las luchas por el trono estaban al orden del dia; casi todos los emperadores y pretendientes murieron de muerte violenta.21
19 HOMO, León. Op.cit. p. 347. 20 O período dos governos que ascenderam ao poder entre os anos de 235 e 284, é chamado costumeiramente de “Anarquia Militar”, “Crise do Terceiro Século” ou “Período dos Imperadores Soldados”. GONÇALVES, Ana Teresa Marques. “Os Severos e a Anarquia Militar”. In: SILVA, G. V., MENDES, N. M. Op.cit. p. 175. 21 MAIER, Frans Georg. Las transformaciones del mundo mediterrâneo. México, Siglo Veintiuno, 1986. p.22.
6
Eutrópio, escrevendo em uma época posterior nos deixa um testemunho
importante sobre o relativo alijamento do senado no circulo do poder “Maximino de
procedência militar, fue el primero que llegó al poder soló por voluntad de los
soldados, sin que hubiera mediado la autoridad del senado y sin que él mismo fuese
senador22.” Ainda segundo Eutrópio, antes de tal fato pelo menos o Senado
costumava ratificar a escolha dos soldados ao aclamar como Augusto um homem já
aclamado César pelos exércitos23.
Enfim, vale ressaltar o exposto de Will Durant sobre as causas que levaram
a supremacia do exercito no poder, e em conseqüência a diminuição da participação
do Senado nas decisões políticas.
“Não foi por um capricho da história que lá pelo século 3º o exercito se tornou supremo em Roma; causas internas haviam enfraquecido o estado em todas as fronteiras. A parada na expansão depois de Trajano, e de novo depois de Septimo, foi o sinal para o ataque; e do mesmo modo que Roma conquistara ás nações dividindo-as, os bárbaros agora iam conquistá-la unindo-se em assaltos simultâneos. A necessidade da defesa exaltou o poder das armas e o prestigio militar; generais substituíram filósofos no trono, e o predomínio da aristocracia cedeu ao revigorado governo das forças.”24
Para além da ameaça das freqüentes usurpações e da crise no interior do
Império acima citado, outra critica mais pontual são delineadas por Rémondon25; a
ameaça dos povos bárbaros, cujas conseqüências foram: campos destruídos,
cidades em ruínas, declínio da agricultura, recuo urbano, recessão demográfica e
escassez do numerário, ou seja, uma crise que apontava para o desmembramento
do território. A crise do século III, sepulta de vez a velha traditio segundo o qual o
princeps exercia um poder de cunho monárquico apoiado nas antigas instituições e
magistratura da res publica romana26.
O processo de transformação inicia-se no governo de Galieno( 253-268).
Este começa a reorganizar o exercito, escolhe para sua guarda pessoal a elite dos
22 EUTROPIO. Breviario. Madrid: Editorial Gredos, 1999. p.123. 23 EUTROPIO. Op.cit. p.23. 24 DURANT, Will. História da Civilização: César e Cristo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 25 Para um maior esclarecimento sobre os problemas políticos e socioeconômicos inerentes à crise do século III, consultar a obra de RÉMONDON, R. La crisis del Imperio Romano. Barcelona: Labor, 1967. 26 FRIGUETTO, R. Resenha do livro Ordo Urbium Nobilium. Curitiba: Editora da UFPR, 2003 (Resenha). P. 207.
7
oficiais, juntamente com um grande grupo de cavalaria; na administração os
senadores perdem o comando das legiões. A obra de restauração prossegue com
seus sucessores, aqueles que conseguem se manter algum tempo no poder:
Aureliano(270-275) e Probo(276-282). Estas reformas embrionárias preparam o
caminho para as de Diocleciano( 284-305). Ou seja, conforme Durant( 1957; p.336)
Augusto criou o Império; Aureliano salvou-o; Diocleciano ia reorganizá-lo.
Desta forma, foi apenas a partir do momento em que Diocleciano( 284-305)
assume a direção do Império, sucedendo a um longo período de crise e anarquia
militar, é que o Estado Romano estabelece uma nova forma de governo imperial, em
que o princeps assume a condição de dominus. De acordo com Friguetto a
instituição do Dominato27 como uma nova orientação política consiste em que o
“Imperator concentra a sua volta excepcionais poderes político e religioso, em
substituição daquele principado que perdera a sua face com a desaparição de Marco
Aurélio(180) e que será mantido de uma forma artificial até a morte de Alexandre
Severo(235)28.”
Caius Aurelius Valerius Diocletianus, nascido nas províncias danubianas, de
origem pouco conhecida, assim como outros imperadores ilírios29 que se
destacaram e conquistaram o seu poder no exército. Os primeiros anos de governo
de Diocleciano se caracterizaram por freqüentes lutas contras francos, alamanos e
sármatas, assim como por revoltas internas, entre as que se destaca a de Carausio
na Inglaterra, que se prolongou até 293.
Ao reorganizar o sistema administrativo, nomeou um césar, um velho
companheiro de armas ilírio chamado Maximiano, para reprimir os rebeldes
bagaudas, tarefa executada por este com sucesso. Em virtude disso, Diocleciano
resolve investi-lo com o titulo de Augusto, talvez por temer que Maximiano tornasse
um usurpador, sendo inferior a ele em poder e autoridade(no epíteto então
desenvolvido Diocleciano era Iovius, enquanto Maximiano era Herculius). Assim
segundo Rodríguez Guerváz ambos “son los representantes em la tierra de las
dignidades celestes”. Esta caracteristica do relato mitológico no qual “Júpiter
empieza su lucha contra los gigantes y cuenta com el apoyo de Heracles para
27 Para um maior esclarecimento sobre a construção do Dominato, consultar a obra: SILVA, G. V; MENDES, N. M. “Diocleciano e Constantino: A construção do Dominato.” Op.cit. p.193-221. 28 FRIGUETTO, R. Op.cit. p. 207. 29 HOMO, León. Op.cit. p.357.
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vencerlos, asi como Diocleciano iniciara la acción de consolidácion de la unidad del
Imperio apoyado por Maximiano30”.
Todavia, até mesmo a onipotência de Jóvius e de Hercúliu se demonstrou
insuficiente para aguentar com o peso da administração pública. Diocleciano
descobriu que o Império atacada por todas as partes pelos bárbaros, exigia por toda
parte um grande exército e um imperador. Tendo isso em vista, em 293, a diarquia é
ampliada para tetrarquia31 subdividindo entre mais dois correligionários,
denominados de “Césares”, em oposição aos “Augustos”, seus maiores. Desta forma
Constâncio Cloro(pai de Constantino), a quem coube junto com Maximiano, a Pars
Occidentalis do Império, e Galério que juntamente com Diocleciano, se encarrega da
Pars Orientalis do Império. Cada um dos césares foi obrigado a se unir em
matrimonio com as filhas dos respectivos augustos(Galério casa-se com Valéria,
filha de Diocleciano; e Constâncio Cloro com Teodora, filha de Maximiano).
A função destes Cesares era de fortalecer o seu Augusto(um deveria ajudar
o outro em caso de perigo imediato: o Augusto e o César oriental viriam em socorro
do colega ocidental), essa divisão facilitava a defesa das fronteiras e administração
das regiões mais distantes, tornando assim o imperador presente nas diversas
partes do império, através de seus colaboradores e pela multiplicação de
funcionários imperiais. Desta forma, segundo Finley “o paradoxo é que, ao dividir a
administração imperial, Diocleciano salvou o império32”. As conspirações contra o
imperador eram tão antigas quanto o próprio império, mas nunca havia sido tão
freqüentes quanto no meio século que precedeu a Ascensão de Diocleciano.
Mas a partir de 305, quando Diocleciano e Maximiano abdicaram de seus
cargos novamente sucederam-se a disputa pelo poder. O sistema de sucessão
duradouro que Diocleciano queria garantir baseado na fidelidade pessoal, nos laços
matrimoniais e numa certa autoridade moral do mais velho só teve êxito enquanto
ele esteve presente. Esse mecanismo criado por Diocleciano após a sua abdicação
começa a ruir.
30 Perspectiva apresentada por Gervás, Manuel J. Rodrigues. Propaganda politica y opinión pública en los panegíricos latinos del bajo Imperio, Salamanca, 1991, p.83. 31 Uma das principais inovações políticas de Diocleciano foi a criação da Tetrarquia, um sistema de governo que tornava praticamente irreversível a divisão do Império entre dois ou mais titulares como uma maneira de otimizar a administração e defesa do amplo território controlado pelos romanos. SILVA, G. V.; MENDES, N. M. Op. Cit. p. 199. 32 FINLEY, Moses I. “O Imperador Diocleciano”, In: Aspectos da Antiguidade, Lisboa, 1989.
9
2.2 A ascensão de Constantino como Imperador do Império Romano do
Ocidente.
Nascido por volta do ano de 28033, nas províncias Ilíricas de onde eram
originários seus pais: Constancio Cloro; oficial superior do exercito danubiano e
Helena sua mãe34. Quando seu pai se tornou César enviou a Nicomédia, onde foi
educado na corte de Diocleciano preparando-se para o papel que desempenharia
mais tarde. Para entender o fenômeno da ascensão de Constantino é preciso
retroceder ao ano de 305, e entender a situação política na corte romana. Após,
Diocleciano e Maximiano, em impressionantes cerimônias em Nicomédia e Milão,
abdicaram de seus cargos35, sucederam-se a disputa pelo poder entre os herdeiros
da tetrarquia, seguindo infindáveis conflitos pela orbis romanorum.
O contexto da explicação da ascensão de Constantino como
Imperador do ocidente descrito por Lactâncio iniciado no capitulo 19 teve sua
manifestação mais significativa no episódio da fuga36 de Constantino da corte de
Galério para encontrar com seu pai, exposto no capitulo 24. O relato se inicia com o
pedido de Constancio Cloro, que toma como pretexto sua idade e seu estado de
saúde para solicitar a presença de seu filho. Devido à desconfiança do Imperador de
alguma tentativa de usurpação do poder caso o jovem Constantino estivesse ao lado
quando o Pai morresse fez com que Galério adiasse ao Maximo a viagem. O
desenrolar do episódio conta que quando Galério finalmente autorizou, ordenou-lhe
que não saísse até o dia seguinte, fosse com intenção de dete-lo com algum
pretexto ou para poder enviar previamente uma carta a Severo. No dia seguinte, o
Imperador mandou chamá-lo a sua presença, mas este já havia deixado a corte na
33 PALANQUE, Jean Remi. Constantino. Editora Atlântica, 1945. 34 Para um bom número de fontes, Helena foi esposa legitima de Constancio Cloro, que se separaria dela para unir se a Teodora, filha de Maximiano. Para outro conjunto igualmente abundante Helena seria concubina do imperador. Moron, José Maria Candau. Zózimo. Nueva História. Madrid: Editorial Gredos, 1992. Nota 24. 35 Lactâncio atribui a Galério a iniciativa de abdicação de Diocleciano. Em relação à Maximiano, todas as fontes coincidem que ele foi obrigado a renunciar contra sua vontade (Lactâncio 26,7; Aurelio Victor 39,48; Eutropio IX 27, X 2,3; Orósio VII 25,14) 36 Conforme GURRUCHAGA, Martín. Vida de Constantino. Madrid: Editorial Gredos, 1994. Nota 53. Existem diversas versões sobre a fuga de Constantino da corte de Galério para encontrar com seu Pai, Lactâncio; Anon Vales. 24; Praxágoras (Jacoby, II, B, 3, num. 219, pág. 948); Zonar, XII 33, e Eusébio de Cesaréia, Vida de Const. I 20,2; atribuem a fuga a razões honrosas dada a situação de refém em Nicomédia. Por outro lado Aur. Vict 40,2; Epítome 41 e Zózimo II,8; interpretam a fuga de Constantino como causada por sua ambição pelo poder. Os dois fatores não se excluem: a antipatia de Galério e a ambição de Constantino pelo poder, inflamada pela pretensão de Galério por dois desconhecidos, Severo e Maximino.
10
tarde anterior37. Então, Galério solicitou os cavalos38, mas estes haviam sido
neutralizados por Constantino. Dessa forma, Constantino cavalgando noite e dia
pela Europa afora foi reunir a seu pai em Bolonha e tomar parte numa campanha na
Bretanha. Terminada a campanha, retornaram a York, onde Constâncio morreu e
Constantino foi aclamado pelas suas tropas como Augusto e Imperador39.
A usurpação dos soldados da Bretanha, no verão de 306, marca efetivamente, o
triunfo da transmissão hereditária no interior da tetrarquia, sem duvida, a união dos
Imperadores tinha sido estreitada pelos laços familiares, Galério e Constancio
(depois de repudiarem suas mulheres) eram respectivamente genros de Diocleciano
e de Maximiano. Mais tais parentescos impunham aos césareres deveres, sem lhe
conferir nenhum direito, e as nomeações de 305 haviam mostrado que o nascimento
não criava nenhum titulo para a sucessão. O sistema repousava unicamente pela
adoção dos novos pelos antigos, mais exatamente pelo primeiro Augusto; a morte
de Constâncio fazia passar este titulo a Galério, que devia elevar um césar a
dignidade de Augusto e escolher um novo césar.
A ascensão de Constantino, mesmo legitimado(Galério obriga-se a
sancionar o fato consumado) abre um precedente perigoso para novas usurpações.
De fato, pouco tempo depois em Roma, por conta da perda de privilégios pela
política tetrarquica e a exemplo de Constantino, Maxêncio, filho de Maximiano, é
proclamado Imperador pela guarda pretoriana ansiosa pela restauração de Roma
como capital do Império. Abaixo transcrevemos uma passagem em que Lactâncio
faz referência a essa sedição:
26.2: La causa de esta sedicíon fue la siguiente. Cuando decidió devorar todo el orbe con la institución del censo, lhegó a la loucura de no eximir de esta situación de cautiverio ni siquiera al pueblo romano. Estaban ya designados inspectores para ser enviados a Roma a inscribir en el registro a la plebe. 26.3: Casi contemporámente había suprimido también el campamento de también se suprime el campamento de la pretorianas. Por lo tanto, los pocos soldados que habían permanecido en el campamento dijo en Roma,
37 De acordo com GURRUCHAGA, Martín. Vida de Constantino. Op.cit. nota 55. A propaganda constantiana divulgou uma imagem colorida da fuga de Constantino para Gália, eliminando os cavalos que poderiam ser utilizados em sua defesa. Para ele Constantino deixou Nicomédia, antes de 1 de maio de 305. 38 A morte dos cavalos é reconhecida também em outras fontes antigas como Aurélio Victor 40,2; Epítome 41,2 e Zózimo II 8,3. 39 No primeiro momento Constantino foi aclamado pelas suas tropas como Augusto. mas contentou-se com o titulo de César, justificando-se com a insegurança de sua vida. Galério muito distante para intervir, relutantemente reconheceu aquele César imposto pelos soldados. ver Durant, Will. História da Civilização. Op. Cit. p.353.
11
como tuvo ocasión, mataron a algunos jueces y, en connivencia con las personas que fueron rebelde, cubierto con una púrpura a Maxêncio.
O imperador Galério não aceitou muito bem o caso de usurpação de
Maxêncio, convocou Severo, exortou-a recuperar o poder e o enviou com um
exército a Roma para combatê-lo. Diante disso procurando enfrentar o perigo que o
ameaçava, o novo imperador se agrega ao velho Maximiano, que recupera o titulo
imperial. Então, Severo que tinha vindo de Milão a fim de deter a confusão é
abandonado e morto pelos seus próprios soldados40.
Ao mesmo tempo, Galério nomeia Flavio Licinio como Augusto, reagindo e,
conseqüentemente opondo-se à arbitrariedade da guarda pretoriana. Era o inicio da
desestruturação do sistema, ficando o Império em 309, dividido entre quatro
Augustos e três usurpadores, cada um soberano em seu domínio: Maximiano Daia
na Síria e no Egito; Galério nas províncias da Ásia Menor e dos Bálcãs: Licinio na
Panonia; Maxêncio na Espanha; Alexandre na África; e Maximiano, após
desentender com seu filho, Maxêncio, refugiou-se na corte do seu genro
Constantino. Maximiano ouvindo noticias do campo de batalha que Constantino
havia morrido, assumiu o trono, apoderou-se do tesouro distribuindo generosas
partes a seus soldados. Tão logo Constantino inteirou-se do fato, sitiou Marselha,
prendeu o intruso, e força a render-se e a abdicar. Pouco depois, encontram a
Maximiano enforcado. Dessa forma, conforme Palanque41em menos de três anos a
tetrarquia decididamente naufragou.
Entretanto com a morte de Galério(311), Maximiano Daia apodera-se dos
territórios da Ásia Menor, estabelecendo-se em Nicomédia, confrontando-se com os
interesses de Licinio, que tinha nas províncias asiática uma importante fonte de
recursos. Este ocupa as províncias européias e faz aliança com Constantino para
derrotar Maximiano. Ao mesmo tempo Maxêncio, que perdeu as províncias da
Espanha para Constantino, recupera territórios da África do usurpador Alexandre.
Novamente, reduz-se a quatro o numero de imperadores como no tempo de
Diocleciano, mas não se pode falar em tetrarquia(Embora Maximiano Daia, o único
sobrevivente do colégio imperial de 305, pretenda o posto de primeiro Augusto), pois
conforme Palanque42 não existia mais nem subordinação, nem solidariedade.
40 DURANT, Will. História da Civilização. Op.cit. p. 353. 41 PALANQUE, Jean Remi. Constantino. Op.cit. p. 5 42 PALANQUE. Jean Remi. Constantino. Op. Cit. p. 7
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O problema da sucessão de Galério resultou no enfrentamento de interesses
entre Maximiano e Licinio, e com eles, o estabelecimento de alianças. Assim
descreve Lactâncio a formação das alianças entre Constantino/Licinio e
Maxêncio/Maximiano Daia:
43.2.: Estaba celoso de Licinio, por que Galerio lo había antepuesto a él. Por ello, pese a que recientemente había reafirmado su amistad con él, al enterarse de que la hermana de Constantino había sido prometida en matrimonio a Licinio, penso que este parentesco entre los emperadores iba dirigido contra él. 43.3.:En consecuencia, envio secretamente emisarios a Roma em solicitud de la alianza y la amistad de Majencio. Al mismo tiempo le escribió en torno amistoso. Los emisarios son recibidos favorablemente; se acuerdal la amistad mutua y se colocan juntas las efígies de ambos.
Constituído os blocos rivais, Maxêncio e Constantino não estavam dispostos
a dividir o poder. Assim que, Maxêncio declara-se o único soberano legitimo e
sucessor dos imperadores, Constantino parte para a batalha, leva as tropas do
Ocidente para combater a Maxêncio em Roma. Mesmo com um exército
numericamente inferior em soldado(antes dele, Severo e Galério, ( com tropas mais
numerosas, tinham fracassado) todavia,Constantino não hesita e marcha para
Roma. Lactâncio não deixa de anotar o fato, responsabilizando a culpa pela
hostilidade entre os dois, a Maxêncio, que “com la excusa de vengar la muerte de su
padre43.”
Esta incursão, da Gália pelos Alpes, pelo exército de Constantino,
encontrou pouca resistência, sendo vitorioso nas batalhas de Turim e Milão, assedia
Verona e em poucas semanas todo o norte da Itália é conquistado, abrindo caminho
para Roma44.
Em Roma, a dificuldade aumentaria, pois Maxêncio encontrava refugiado
nas muralhas de Aureliano, que em outras batalhas havia resistido a Severo e
Galério. Constantino avança pela Via Flamiana e o desfiladeiro de Saxa-Rubra,
mesmo correndo o risco de ser encurralado contra as muralhas da cidade e acampa
nas proximidades de Roma, junto à Ponte Milvia45. Maxêncio, pressionado pela
43 LACTANCIO. Sobre la muerte de los perseguidores. Op. Cit. p.186. 44 OLIVEIRA, Miguel Arcanjo Marvila. O Império Romano e o reino dos céus. Op.cit. p.86. 45 Conforme Oliveira. M. Op. Cit. nota 5. A ponte Mílvia, sobre o rio Tibre, localizava-se a cerca de três quilômetros de Roma. O usurpador Maxêncio, com tropas mais numerosas, segundo Lactâncio, havia mandado construir uma ponte de barcos, a fim de duplicar a de pedra. Sob o peso das tropas, no entanto, a ponte de barcos rompeu-se e não só um grande número de soldados, mas também o próprio Maxêncio, envolto em pesada armadura, foi lançado ao rio, afogando-se. Seu cadáver foi recuperado pouco depois e decapitado. A cabeça espetada em uma lança, após sofrer toda sorte de vilipêndios, foi enviada às províncias africanas como prova da superioridade do novo imperador.
13
população, consulta os livros sibilinos e fica sabendo, que naquele dia, o inimigo de
Roma morreria. Cometeu o erro de ir pelejar a campo aberto, suas tropas, atacadas
pelo flanco no desfiladeiro de Saxa-Rubra, são derrotadas ou lançadas sobre o rio.
Vindo Maxêncio perecer em meio à confusão.
14
3 A TRAJETÓRIA DE LACTÂNCIO: VIDA E OBRA
3.1 Lucius Caecilius Firmianus Lactantius
Optamos por apresentar, neste capitulo uma analise do autor Lactâncio
contemplando aspectos de sua vida, obra e sua relação com o IV século, período
em que escreve e vivencia. Ao tomar os escritos de Lactâncio, um professor de
retórica, natural de uma província romana na África, procuramos entender os novos
olhares sobre os imperatores lançados pelos eruditos cristãos após a conversão de
Constantino ao cristianismo. A trajetória pessoal de Lactancio é pouco conhecida.
Sendo que nada pode ser dito com muita segurança, freqüentemente são utilizadas
três fontes para recuperar a sua biografia: De Viris Ilustribus de São Jerônimo, umas
poucas referências em sua própria obra e algumas informações numa inscrição em
Cirta46. Provavelmente seu nome era Lucius Caecilius Firmianus Lactantius e tenha
nascido por volta de 250 d.C na África, pátria de outros ilustres personagens da
ecclesia pars ocidentalis, como Minúncio Félix, Tertuliano, Cipriano e Arnobio.
Freqüentou as escolas de retórica na África, sendo discípulo de Arnobio,
adquiriu um certo destaque em seu oficio sendo chamado pelo imperador
Diocleciano até a nova capital, Nicomédia para ensinar retórica latina. No entanto
teve pouco êxito, devido a que Lactâncio era erudito, mas não era eloqüente47e
ademais as letras latinas não ofereciam grande interesse em uma cidade de cultura
grega.
Lactâncio, um individuo que conheceu o paganismo, se relacionou com
variadas correntes filosófica e religiosa, converteu-se ao cristianismo(“los biógrafos
de Lactancio no se atreven a pronunciarse sobre el momento em que Lactancio se
convertó al cristianismo: si antes ou después de salir de África) sendo um dos
precursores da historia eclesiástica que souberam explorar a legitimação da religião
cristã dentro do Império para escrever obras que enfocassem a historia da
perseguição sofrida pelos cristãos. Lactâncio escreveu sobre a morte dos
perseguidores; Eusébio na sua historia eclesiástica descreve a vingança divina
contra os que haviam perseguido a igreja.
Mais tarde, conforme expressa Teja “siendo ya de edad avanzada” foi
chamado por Constantino, a Treveris para cuidar da instrução literária de seu filho 46 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op.cit., p.7. 47 LACTANCIO. Instituciones Divinas. Madrid: Editorial Gredos, 1990, p.11
15
Crispo. A sua morte também não tem uma datação precisa, presume-se que já
sendo de idade avançada não tenha sido muito tempo depois, sendo que a última
data em que se pode precisar é a dos últimos acontecimentos descritos em sua obra
De Mortibus Persecutorum, entre 314 e 31548. Assim, termina as noticias que
possuímos sobre Lactâncio.
3.2 A Produção Literária de Lactâncio.
Dos escritos que circulavam no tempo de S. Jerônimo atribuídas a
Lactâncio e que chegaram a nossa época destacam-se na ordem cronológica: De
opificio Dei, dedicado a Demetriano, cristão e discípulo seu e composto entre final de
303 e inicio de 304, conforme indicam varias alusão a perseguição de Diocleciano.
Pretende demonstrar um estudo do corpo humano como obra de Deus. O autor
manifesta que a sua intenção era seguir o livro quarto da republica de Cícero,
tratando mais a fundo o mesmo tema. Por volta de 305 d. C., começaria sua obra
considerada mais importante, a Divinae Institutiones, é mais propriamente uma
apologia(embora não exatamente), composta em sete livros, tem um duplo objetivo:
demonstrar a falsidade da religião pagã e expor a verdadeira doutrina e a verdadeira
religião. Posteriores a esta escreveu De Ira Dei com intenção de refutar aos estóicos
e epicuros que negavam a bondade e a justiça divina; e por fim Epítome, uma
reedição abreviada das Institutiones.
Para além da percepção do elemento da Providencia que rege o mundo e
as ações humanas, estabelecido como uma idéia central em todos os escritos de
Lactâncio, Ramon Teja atribui, também ao relato lactânciano as novas
circunstancias políticas, em que ocorre mudança nas relações entre Cristianismo e
poder imperial. Para Teja49 “Lactancio fue un premonitor de la situación que se
implantará tras la batalla del puente Milvio”. De fato, Lactâncio se mostra como um
fiel súdito do Império de Roma demonstrando uma atitude militante na defesa do
cristianismo frente aos pagãos e da “romanidade” frente aos “bárbaros”.
48 TEJA, R. LACTANCIO. Sobre...; págs. 8-9. 49 TEJA, R. LACTANCIO. Sobre..., p. 13.
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Após uma breve passagem sobre a vida de Lactâncio e pela suas principais
obras, passemos, portanto ao De mortibus persecutorum50 ou Sobre a morte dos
perseguidores, como nos chegou traduzido.
3.3 De Mortibus Persecutorum
Está posto que o Cristianismo, no tempo em que Lactâncio escreve o De
Mortibus Persecutorum(provavelmente entre finais de 314 e 31551) está fortalecido
com a adesão do Imperador Constantino ao cristianismo, que cessando a
perseguição, restitui a liberdade de culto através do Edito de Milão(313), e conforme
OLIVEIRA(2005, p.14) promulgou leis que a favoreciam e concedeu-lhe privilégios e
riquezas que, em pouco tempo, a tornariam o alicerce moral, ético, intelectual e
espiritual do Ocidente52. Dessa forma por não ignorar o ambiente politico-cultural em
que o autor do De mortibus persecutorum vivencia e ter consciência de que os
personagens biografados estão inseridos em um contexto histórico, a qual reflete
aquilo que o autor deseja passar para o seu publico.
Segundo a tradição, a obra De mortibus persecutorum se encontrava na
abadia benedetina de Moissac, na França sob a forma de um manuscrito – o único,
Colbertinus (C), um códice em minúsculas visigóticas de fins do século XI, quando
foi descoberta por S.Baluze que identificou e publicou em 1678. Atualmente é
conservado na Biblioteca Nacional de Paris (nº 2627) – p.51, encabeçado Lucii
Cecilii incipit liber ad Donatum confessore de mortibus persecutorum identificado
pelo seu descobridor à obra que S. Jerônimo atribui a Lactâncio denominada De
persecutione, suscitando controversias sobre sua autenticidade, no entanto, na
atualidade geralmente é aceita. Os textos primários utilizados neste trabalho é uma
tradução feita diretamente do original latino para o castelhano – baseado no texto
latino fixado J. Moreau – com introdução e notas de Ramon Teja e publicado pela
editorial Gredos em 1982.
O texto do De Mortibus Persecutorum, classificada como um opúsculo – é
uma obra breve de 52 capítulos, está dividido em duas grandes partes: os seis
primeiros capítulos tratam dos imperadores anteriores à tetrarquia, sendo que o
50 Optamos neste trabalho por utilizar o nome em latim De Mortibus Persecutorum. 51 TEJA, R. LACTANCIO. Sobre..., p.19. 52 OLIVEIRA, M. A. M. Op.cit. p.14.
17
primeiro capítulo é uma espécie de introdução, com a dedicatória a Donato(um típico
confessor que passou por perseguições sucessivas), em que apresenta o roteiro da
obra. Os quarenta e seis capítulos seguintes podem ser divididos, do ponto de vista
da cronologia também em duas partes: a primeira que trataria do período de
Diocleciano (VII-XIX) e a segunda do período restante da tetrarquia e da progressiva
ascensão de Constantino até o momento de equilíbrio deste com Licínio, que é onde
termina a obra.
Não é nosso objetivo fazer um estudo aprofundado de todos os capítulos,
pois o nosso intento é analisar os capítulos 24; 44; 48, tendo como nosso foco o
Imperador Constantino, desde a sua ascensão a dignidade de César(306) até se
tornar Imperador do Império Romano do Ocidente(313). Entretanto, isso não impede
de utilizarmos outros capítulos do De mortibus persecutorum de Lactâncio, para
entendermos a imagem que esse autor constrói do Imperador Constantino.
As fontes utilizadas por Lactâncio suscitam uma ampla discussão
historiográfica53, que não é nosso objetivo discutir neste momento. No entanto,
compartilhamos do pensamento de Ramon Teja, sustenta que sua fonte primária é o
próprio Lactâncio e aquilo que presenciou, dos testemunhos de seus
contemporâneos e dos documentos oficiais54.
53 Para um maior esclarecimento sobre as fontes utilizadas por Lactâncio, consultar a introdução da obra Sobre la muerte de los perseguidores feita por Ramon Teja págs. 20-23. 54 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op.cit. p.19.
18
4 CRISTIANISMO E IMPÉRIO ROMANO.
4.1 A Tensa relação entre o Império Romano e a Igreja Cristã.
O domínio romano sobre a palestina iniciou-se por volta de 62 a.C, após a
anexação da Síria por Pompeu55. Seguindo a pratica de utilizar lideranças locais
para governar os territórios dominados, os romanos nomeiam Herodes, um idumeu,
rei da Judéia que ficaria no trono entre 37 a.C, e 4 a.C. A morte de Herodes parecia
trazer bom augúrio na mente do povo judeu mais sofrido. Todavia essa esperança
se dissipou rapidamente. No seu lugar era entronizado seu filho Arquelau, mas sua
inépcia em governar o levará a ser destituído pelos romanos em 6 d.C., e na
ausência de alguém em que o imperador pudesse confiar, Otávio Augusto deliberou
que os romanos administrariam diretamente a terra dos Judeus.
Ao conquistarem territórios na região mediterrânea os romanos
necessariamente se viram envolvidos na questão do separatismo judaico e do
sentimento antijudaico suscitado por eles. Segundo Oliveira(2005, p.64) os judeus
“mantinha um tradicional e ativo espírito de contestação ao Império e permanecia á
espera de um Messias davídico(já que não encontrou em Bar Cochba), que
libertasse o povo judeu da sujeição aos romanos56.” O processo de Romanização
não encontrou campo fértil para propagar-se na Judéia, uma vez que a forte coesão
cultural dos judeus, derivada de sua sólida religião - o Judaísmo -, não só impediu o
pleno desenvolvimento de tal processo em suas terras, bem como serviu de alicerce
para sua resistência ao domínio romano. Aliás, conscientes da barreira cultural que
o Judaísmo impunha à Romanização, os próprios dirigentes romanos, em busca de
seu êxito no controle da Judéia, reconheceram a autoridade das normas locais, e
quando tentaram ignorá-las, abriram espaço para a deflagração de várias
insurreições. A adoção de tolerância por parte dos romanos à religião judaica e as
medidas de proteção aos judeus contra a hostilidade gentílica é confirmada na
legislação de César e depois a de Augusto que estabelece o Judaísmo como religio
licita. Para Sérgio Feldman(2004, p.17),
55 Pompeu é quem derrota as últimas tropas de Espártaco. SIMON, Marcel, BENOIT, Andre. Judaísmo e Cristianismo antigo. São Paulo: Pioneira, 1987. 56 OLIVEIRA. M. A. M. Op.cit. p. 64.
19
“A Republica romana e depois, o Império sempre consideraram o Judaísmo como “religião licita”, e a tolerância seria uma norma no Império Romano. O Judaísmo era uma religião antiga e enraizada; os romanos não costumavam reprimir religiões tradicionais e pré-existente. Os fatos, por vezes contradizem esta afirmação, quando sabemos das inúmeras revoltas57.”
A expansão territorial romana é revestida de características próprias que a
diferenciam dos processos de expansão de outros povos da antiguidade. Foi um
fenômeno de longa duração, com ritmo de intensidade variado que se estendeu
desde o século V a.C até o século II d.C., com as campanhas militares de Trajano,
Roma atingiu sob esse imperador, a extensão máxima de seu império, através da
anexação da Dácia, da Armênia, da Mesopotâmia e da Arábia. Ao adquirir novas
terras e expandir seu poder, os povos conquistados recebiam proteção, além das
influencias da cultura romana. As províncias gozavam de ampla liberdade, no qual
somente ganhavam oposição romana o que era considerada uma ameaça o mesmo
ocorrendo com relação à religião.
A partir das expansões territoriais romanas, aumenta o numero de pessoas
no Império, implicando em mudanças políticas, econômicas, sociais e religiosas. A
religião tradicional romana não se se apresentava tão eficaz para atender os novos
problemas. No inicio do Império Romano, século I a.C, as religiões romanas
caracterizavam pelos cultos cívicos e festivais, somados aos numerosos cultos
estrangeiros que já haviam penetrado fortemente entre os romanos.
A população do Império era numerosa e heterogênea, inevitavelmente com
uma pluralidade cultural, social e religiosa. Assim podemos afirmar que durante o
período do império romano cria se um ambiente cada vez mais plural. Neste período
de significativas mudanças, Gilvan Ventura da Silva(2005) considera que a cultura
romana está mais aberto às influencias religiosas estrangeiras, isso porque as
mudanças políticas levam as mudanças religiosas, enquanto é o momento que
aumenta a circulação de povos pelo mediterrâneo, e, portanto as influencias58.
O cristianismo procedente do judaísmo surge na Palestina, a partir das
pregações de Jesus Cristo. Os evangelhos relatam que Jesus teria nascido no
tempo de Augusto, na família do carpinteiro José de Nazaré. A expansão do
57 FELDMAN, Sérgio Alberto. Perspectivas da unidade político-religiosa do reino hispano-visigodo de Toledo: as obras de Isidoro de Sevilha e a questão judaica(séc.VII). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Paraná; Curitiba, 2004. p. 17. 58 SILVA, Gilvan Ventura Da. A orientalização do Império Romano: Aspectos religiosos. In: ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira (org.). Relações de poder, educação e cultura na Antiguidade e Idade Média. Santana de Parnaíba: Editora Solis, 2005, p.185-208.
20
movimento cristão ocorre na década de 30 d.C., após a morte de Jesus. Esta
expansão se caracterizou, segundo o relato das escrituras no livro de Atos dos
Apóstolos nos capítulos 6:1 à 8:40, e, possivelmente, também no relato da fundação
da comunidade de Antioquia em Atos 11:19-26, pela ação missionária de judeus
cristãos, ditos helenistas59 saídos de Jerusalém, na região da Samaria e em áreas
exteriores à Palestina, nomeadamente a província romana da Síria e a ilha de
Chipre, e pelas primeiras conversões de gentios à fé em Jesus como o Messias60 de
Israel. A expansão do cristianismo se insere no contexto sócio-cultural greco-
romano, interagindo com todas as formas de pensamento.
Isto posto, trataremos agora sobre a oposição enfrentada pelo cristianismo.
Até meados do século III, não houve perseguição sistemática contra os cristãos,
mas apenas episódios isolados. Os primeiros conflitos que sofreram os cristãos
partiram de autoridades judias na Palestina. No livro de Atos dos Apóstolos, Lucas
narra uma grande perseguição subseqüente ao martírio de Estevão que afeta toda a
comunidade de Jerusalém. Todos (com exceção dos apóstolos) fogem para as
regiões da Judéia e da Samaria.
Detenhamos, pois, nossa atenção em um episodio narrado por Tácito.
Membro da elite romana, Tácito escreveu um breve relato da perseguição aos
cristãos em Roma em uma de suas mais importantes obras, os Anais. Datada entre
o final do século I e inicio do II d.C., esta obra de Tácito narra a História de Roma
desde os últimos anos de Augusto até a morte de Nero. Como o episódio ocorreu no
ano de 65 d.C., sua descrição encontra-se entre as narrativas da História de Roma,
durante o principado de Nero. Leiamos suas palavras:
59 Por judeus helenistas, entende-se genericamente aqueles elementos de língua grega entre os judeus, ou melhor, trata-se dos judeus que já não falavam o seu aramaico original na sua terra, ainda que o entendessem, mas grego, por eles ou as suas famílias terem vividos no estrangeiro em cidades helenizadas durante muito tempo, tendo regressado depois à sua pátria. JAEGER, Werner. Cristianismo primitivo e Paidéia grega; Lisboa, 1991. P. 18. 60 Messias é a palavra judaica para ‘ungido’, No Antigo Testamento, o rito cerimonial da unção servia para conferir certos cargos superiores ou, em outros termos, elevar alguém à dignidade de sumo sacerdote, rei e também profeta. Sua tradução para o grego, Cristo, tornou-se muito cedo entre os discípulos, um nome ligado a Jesus e acabou por dar o nome à devoção que se desenvolveu a figura dele. Esta devoção envolvia tanto a crença em Jesus como o salvador, o redentor, político que viria libertar Israel do domínio estrangeiro (o Messias-rei, descendente de Davi), como a crença em sua origem divina, que estava associada a Jesus como o ‘filho de Deus’. SELVATICI, Monica. Os judeus helenistas e a primeira expansão cristã: questões de narrativa, visibilidade histórica e etnicidade no Livro dos Atos dos Apóstolos. Tese (Doutorado) UNICAMP; Campinas, 2006.
21
“Conseqüentemente, para livrar-se da delação, Nero colocou a culpa e infringiu as mais terríveis torturas sobre uma classe odiada por suas abominações, chamada pelo populacho de cristãos. Christus, do qual o nome é originado, sofreu apena capital durante o reinado de Poncios Pilatos... Além de sua morte, houve zombarias de todo o tipo. Coberto por peles de animais, eles foram rasgados por cães e pereceram, ou pregados as cruzes, ou condenados pelo fogo e queimados, para servir de iluminação noturna quando a luz do dia havia expirado. Nero ofereceu seus jardins para o espetáculo61.”
Tácito, neste relato, aponta que Nero, para calar aqueles que o acusavam
do incêndio que destruiu 10 dos 14 bairros de Roma, inventou a falsa acusação
contra os cristãos. Ainda que acredite que os cristãos fossem inocentes do incêndio,
Tácito declara-se convencido de que eles merecem as punições mais severas
porque a sua superstição os leva a cometer infâmias.
Plínio, o jovem, governador da Bitínia, na Ásia Menor, pressionado pela
população local para que executasse os cristãos, pois os templos estavam ficando
vazios e tornava-se difícil comercializar a carne dos animais sacrificados escreve ao
Imperador Trajano(98 d.C.,-117 d.C.) solicitando instruções a adotar contra os
cristãos. Em seu rescrito, Trajano recomendou moderação. Não deveria haver
perseguição generalizada. Que fossem ignoradas as acusações anônimas, e
investigadas convenientemente as apresentadas por pessoas idôneas.
Johnson, no livro História do Cristianismo ao estudar a questão da
perseguição aos cristãos, diz que um dos piores episódios acontecido aos cristãos
até a metade do século III, é o do Vale do Ródano em 177 d.C., em que Eusébio
citando uma carta da época, não explica o que deflagrou este acontecimento. Mas
que durante a reunião anual de verão para pagamentos dos impostos tribais
começaram a circular as mesmas acusações de sempre (incesto, festins,
canibalismo) e seguiu-se uma espécie de tumulto supervisionado pelo Estado, em
que pereceram muitos cristãos, alguns decapitados, outros jogados as feras, outros
ainda sob intensa tortura (Sanctus, um diácono de Vienne teve lâminas em brasa
inseridas em seus testículos), muitos nas celas e nos troncos de tortura. Apesar de
toda a virulência dessa ação, houve julgamentos normais, diante do prefeito,
Rústico: “Isso não parece um progrom descontrolado”, diz Jonhson62.
61 TÁCITO. Anais. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1950. 62 JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro, Imago, 2001.
22
Outros embates travados contra o cristianismo foram feitos pelos filósofos
pagãos no século II d.C., O Cristianismo, considerado a filosofia dos bárbaros, é
severamente julgado pela mentalidade pagã com as categorias da cultura clássica.
Entre as reações mais negativas vêm ligadas a homens de cultura formada na
tradição clássica, entre os quais se citam Tácito, Marco Aurélio, Galeno e Celso. O
propagandista Celso, escrevendo sua Palavra Verdadeira, por volta de 180, critica-
se “los cristinos, que creen sin fundamento, no son capazes de dar cuenta, em
sentido sócratico-platónico, de sus opiniones, sino que fomentan una fe ciega,
documentada no sin desacierto por algunos pasages neotestamentarios63.” Criticam-
se no Cristianismo os seus fundamentos, a ausência de pensamento critico e o
apoio integral na fé. Eis as principais acusações, a que os apologistas cristãos
procuram responder, estabelecendo três prerrogativas principais: defender o
cristianismo contra as calúnias do povo e queixas dos filósofos; refutar a idolatria e o
politeísmo, afirmando o Deus único, revelado em Jesus Cristo; apresentar a fé cristã
numa linguagem e em conceitos acessíveis a um público culto64.
O século III vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e
Império Romano transformam-se embora nem todos percebam. Sob o imperador
Décio(249-251), louvado pelas fontes pagãs como um dos últimos patriotas romanos
– o “restaurador dos cultos65” e condenado pelas fontes cristãs como um mau
imperador, Lactâncio debita que “surgió para vejar a la Iglesia el Execrable animal
Decio66” desencadeia a primeira perseguição sistemática contra o cristianismo. O
motivo da perseguição não era mais originado por ódio e animosidade contra o
cristianismo, mas por iniciativa do imperador, era política oficial do Império. Décio
ordena que todos os habitantes do Império fossem obrigados a oferecer sacrifícios
para atestar sua devoção aos deuses. A súbita ordem para sacrificar desabou sobre
as comunidades cristãs. Segundo Oliveira, “A igreja, após um longo período de
segurança e certa estabilidade, em que as conversões se multiplicaram a olhos
vistos, defrontou-se com a primeira – e talvez mais séria - ameaça a sua
sobrevivência67”. Inúmeros cristãos foram aprisionados e torturados, no entanto
alguns assegurando com ousadia que jamais foram cristãos, outros suportaram por 63 GIGON, Olof. La cultura Antigua y el Cristianismo. Madrid: Editorial Gredos, 1970. P. 149. 64 HAMMAN, Adalbert G. A vida cotidiana dos primeiros cristãos ( 95-197 ). São Paulo, Paulus, 1997. p. 25. 65 GRANT. Michel. Op.cit. p.327. 66 LACTANCIO. Sobre..., p. 72. 67 OLIVEIRA, M. A. M. Op.cit. p.40.
23
algum tempo as torturas, mas desistiram de ir até o fim. Entretanto o cristianismo
sobreviveu e ressurgiu mais forte nas décadas seguintes. Antes que encontrasse
seu protetor na pessoa de Constantino(306-337), ela foi novamente perseguida no
governo de Diocleciano(que resolve incentivar um reavivamento da religião
tradicional) e desencadeou a que ficou conhecida como a “grande perseguição” em
303 d.C.
Mas antes da grande perseguição, algumas medidas tomadas por
Diocleciano apontavam para uma tensa relação entre o poder imperial e o
cristianismo. Através dos relatos de Lactâncio:
10.1.: Se encontraba a la sazón em Oriente, y como, por ser timorato, era aficcionado a escudriñar el futuro, se entregaba a sacrificar animales para descubrir el porvenir en sus vísceras. 10.2.: con tal motivo, algunos de los ministros del culto que creían en el señor se santiguaron en la frente con el signo inmortal, mientras le assistían en el sacrificio. Hecho esto, los demonios se pusieron en fuga y los sacrificios se vieron pertubados. Comenzaron a temblar los arúspices, pues no veían en las visceras las señales de costumbre y repetían una y otra vez los sacrificios, como si éstos hubiesen sido vanos. 10.3.: Mas las víctimas sacrificadas, una y otra vez, no daban resultados alguno. Entonces el maestro de los arúspices, Tages, bien por haberlo sospechado, bien por haberlo observado, declaró que la causa de que los sacrificios no diesen resultado era que personas profanas participaban en las cerimonias divinas. 10.4.: Entonces, furioso, ordenó que sacrificassen no sólo los ministros del culto, sino también todos los que se encontraban em palacio y, caso de que se negassen, que fuesen obligados a ello a fuerza de azotes. Asimismo dio órdenes escritas a los jefes de las unidades militares para que se obligase también a los soldados a realizar los sacrificios nefandos, so pena de que quienes no obedeciesen fuesen expulsados del ejército68.
O sacrificio imperial, a que se refere Lactâncio, parece ter ocorrido entre 299
e 301, e antecipa a grande perseguição, terminando com um periodo de relativa paz
concedido aos cristãos desde Galieno em 251. A presença de assistentes cristãos,
incrédulos aos rituais foi apontada pelos augures como a causa do fracasso em
consultar as entranhas dos animais sacrificados. Fato este que irritou a Diocleciano
que determina que todos os funcionários do palacio sacrifiquem aos deuses de
Roma sob pena de açoite. Da mesma forma obriga os cristãos que servem nas
fileiras do exército a renunciar a sua fé sob ameaça de expulsão, o que resulta em
alguns martírios.
68 LACTANCIO. Sobre..., p.93-94
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Em 303, a grande perseguição teve início. As autoridades planejaram impor
severas sanções sobre os cristãos, que começariam a ser implantadas na Festa da
Terminália69, em 23 de fevereiro. As igrejas foram arrasadas, as Escrituras
confiscadas, e as reuniões proibidas. No início, não houve derramamento de
sangue, mas Galério se encarregou de mudar essa situação. Quando Diocleciano e
Maximiano deixaram seus postos (de acordo com o planejado), em 305, Galério
desencadeou uma perseguição ainda mais brutal. De modo geral, Constâncio, que
governava o Ocidente, era mais indulgente. Porém, as histórias de horror do Oriente
eram abundantes. Até o ano 310, a perseguição tirou a vida de muitos cristãos.
Contudo, Galério foi incapaz de esmagar a igreja. Estranhamente, em seu leito de
morte, ele mudou de idéia e no dia 30 de abril de 311, o imperador do oriente
desistiu de lutar conta o cristianismo e promulgou o Édito de Tolerância.
Sempre político, insistiu em que fizera tudo para o bem do império, mas que
os cristãos continuam na sua determinação. Desse modo, agora era melhor permitir
que eles se encontrassem livremente, contanto que não atentassem contra a ordem
pública. Além disso, segundo Lactâncio, declarou:
“Así pues, em correspondência a nuestra indulgencia, deberán
orar a su Dios por nuestra salud, por la del Estado y por la suya
própria, a fin de que el Estado permanezca incólume em todo
su território y ellos puedan vivir em sus hogares70. “
O edito de 311 encerra, oficialmente, a grande perseguição. No entanto,
Maximiano Daia, que se apodera dos territórios de Galério, renova a legislação
contra os cristãos, numa afronta evidente a Constantino e Licinio.
69 O festival das Terminálias, celebrado em honra do deus Termino, cuja representação simbólica eram os marcos enterrado no solo, ocorria em 23 de fevereiro, data que assinala o fim do ano para os romanos. A retomada da perseguição aos cristãos numa ocasião como essa exprimia, sem dúvida, o desejo das autoridades imperiais em iniciar o ano seguinte pondo fim à ameaça representada pelo cristianismo. SILVA, Gilvan Ventura. A relação Estado/Igreja no Império Romano ( Séculos III e IV ). In: Op.cit. p.252, nota 95. 70 LACTANCIO. Sobre..., p.167.
25
4.2 Constantino e o Cristianismo
Com o fracasso das perseguições, da tetrarquia no reinado de Diocleciano e
a confusão que se estabelece no Império após sua retirada do trono imperial. Surge,
então, a figura de Constantino, advindo das fileiras do exército romano, o jovem
general ganha popularidade mediante vitórias conquistadas nas guerras contra o
Egito e a Pérsia. Também obteve êxito juntos aos romanos, numa campanha contra
os pictos, na Bretanha, onde é aclamado imperador pelas suas tropas. Logo após
sua investidura, Constantino decreta o fim da perseguição em seus domínios e
restaura os privilégios da igreja. De acordo com Lactâncio “Una vez emperador,
Constantino Augusto lo primeiro que hizo fue devolver a los cristianos sus cultos y su
Dios. Ésta fue su primeira medida de restauración de la santa religión71.”
É bem provável, que nesse momento, Constantino, ainda não tinha aceitado
de forma definitiva o cristianismo. Enquanto esteve ligado a Maximiano, ele se
apresentou como protegido de Hércules, da mesma forma que seu sogro Maximiano
na primeira tetrarquia. Ao romper com seu sogro e eliminá-lo, ele busca em sua
ascendência verdadeira ou fictícia os fundamentos de sua legitimidade. Foi quando
divulgou sua ligação familiar com Cláudio Gótico (268-270), sucessor de Galieno no
século anterior. Cláudio, embora reinando por um breve período, foi bem-sucedido
em suas campanhas militares e por haver restabelecido a disciplina no exército
romano. Claudio foi reverenciado pelo povo de Roma e alcançou status divino.
Dessa forma, Constantino busca legitimidade em seu titulo em dois ancestrais
imperadores, Cláudio Gótico e seu pai Constâncio Cloro.
A partir de então, Constantino passa a apresentar, especialmente em suas
emissões monetárias, como devoto do sol invictus, divindade solar semelhante a
Apolo, adorado nos Bálcãs por seus ancestrais e que protegia a linhagem de
Constancio Cloro. Ao mesmo tempo, se difunde através de panegíricos, a narrativa
da visão que o imperador tivera de Apolo, prometendo trinta anos de reinado.
Entretanto, parece que Constantino entre 310 e 312 assume de forma
definitiva o cristianismo. Por essa época, em 311, Galério, enfermo, promulgou em
conjunto com Constantino e Licinio o Edito de Sérdica, concedendo liberdade de
culto a todos os cristãos. Essa foi a primeira vez que os cristãos obtiveram uma
71 LACTANCIO. Sobre..., p. 139
26
forma de reconhecimento legal, embora-lhe fosse retardardado ainda por dois anos
no Oriente, já que o sucessor de Galério, Maximiano Daia(derrotado por Licinio),
recusava-se a acatá-lo.
Enquanto isso, no Ocidente, a vitória de Constantino na Ponte Mílvia fora
conquistada, como ele disse mais tarde, sob os auspicies da Cruz. De acordo com a
perspectiva de Eusébio:
“En las horas meridianas Del sol, cuando ya El dia comienza a declinar, dijo que vio con sus próprios ojos, en pleno cielo, superpuesto al sol, un trofeo en forma de cruz, construido a base de luz y al que estaba unido una inscripción que rezaba: con éste vence.”
A visão da cruz, ao qual se refere Eusébio de Cesárea72, deve ter ocorrido
no mês de outubro do ano 312. Um jovem general a quem as tropas romanas da
Gália e da Bretanha eram fiéis, marchava em direção a Roma para desafiar
Mexêncio outro postulante ao trono imperial. De acordo com Eusébio (que afirma ter
ouvido do próprio Constantino) que ao entardecer, ele olhou para o céu e viu um
sinal, uma cruz brilhante, na qual podia ler: “in hoc signo vinces” (“com este sinal
vencerás”), o supersticioso soldado já estava começando a rejeitar as divindades
romanas a favor de um único Deus. Seu pai adorava o supremo deus sol. Seria um
bom presságio daquele Deus na véspera de uma batalha? Mais tarde, o próprio
Cristo lhe aparece em sonhos segurando o mesmo sinal73(uma cruz inclinada)
ordenando que inscrevessem nos escudos de seus soldados e em seus estandartes
as letras gregas chi(x) e rho(p), iniciais da palavra Xpiotós(Cristo). E assim,
marchando à frente do exercito sob um estandarte(daí por diante conhecido como
72 EUSÉBIO DE CESARÉIA. Vida de Constantino. Madrid: Gredos, 1994. I,28. 73 De acordo com OLIVEIRA, M. A. M. Op. Cit. p. 14, nota 4. Existe uma divergência entre Eusébio e Lactâncio a respeito do agente, da ocasião e da forma de manifestação do sinal recebido por Constantino. Eusébio afirma ter ouvido do próprio Constantino que, ao entardecer, ele enxergou no céu uma cruz luminosa, com a inscrição “in hoc signo vinces” (“com este sinal vencerás”). Eusébio não é muito preciso a respeito da ocasião em que o evento teria ocorrido, se antes de Constantino e seu exército deixarem sua base na Gália ou se quando já estava em marcha, mas certamente antes da batalha de 28 de outubro de 312, em Roma. Imediatamente depois, Cristo teria aparecido em sonho a Constantino e ordenado que mandasse pintar em seus estandartes um sinal como o que havia visto no céu. Assim nasceu o conhecido labarum, um estandarte que apresentava um monograma composto das letras gregas chi (X) e rho (p), iniciais da alcunha Xpiotós (Cristo). Diversas histórias milagrosas de sobrevivência foram contadas por soldados que portavam o emblema na batalha (Drake, 2002:10). A narrativa de Lactâncio, por sua vez, não faz menção a cruz nem a visão alguma e não identifica o agente no sonho de Constantino, dizendo apenas que o imperador fora aconselhado em sonho a pintar o sinal celestial nos escudos dos soldados e ir para a batalha. Ainda que menos detalhada que a de Eusébio, a narrativa de Lactâncio é mais precisa quanto à ocasião e ao local: o acampamento das tropas de Constantino na região da Ponte Milvia.
27
lábaro) com as iniciais de Cristo entretecidas com a cruz, Constantino avança pela
Via Flamiana e o desfiladeiro de Saxa-Rubra defrontando com o exército de
Maxêncio ao longo do Tibre além da Ponte Milvia, selando o destino de Maxêncio e
permitindo a Constantino o domínio do ocidente. Concordamos, com o pensamento
de Oliveira74, que esta é pelo menos a versão de Constantino, que circula através de
Eusébio e Lactâncio.
4.3 Constantino segundo a construção de Lactâncio.
Calcado em artifícios retóricos que caracteriza a elaboração de um discurso
dramático, Lactâncio, visando constituir uma caracterização convincente dos
personagens de sua trama, estabelece uma narrativa que pouco se apega a um uso
responsável das fontes75. Tal procedimento é justificado pela forma como o autor faz
uso da retórica, visando convencer o leitor de sua perspectiva, conquanto isto afete
a lógica da narrativa e gere uma compilação de contradições no texto76. A descrição
oferecida presentes no De Mortibus Persecutorum revela claras simpatias sobre
Constantino, desta forma, é incontestável o engajamento de Lactâncio na
construção ideológica do princeps christianus. Favorável a argumentação de Manuel
Rodriguez Gervás, Friguetto observa que tanto Lactâncio como Eusébio de Cesaréia
criaram “un canon propagandistico em torno a él” que teve uma enorme profusão ao
longo da Antiguidade Tardia e da Idade Média77.
Reiteramos o fato de que Lactâncio era um admirador do passado glorioso
de Roma e ao mesmo tempo defensor da religião cristã. Na época em que escreve
encontrava-se na corte imperial, próximo ao poder central. Estava vivendo após o
período da grande perseguição um momento de euforia em que o cristianismo,
legalizado pelo imperador, triunfaria sobre seus inimigos. Tampouco podemos
considerá-lo, stricto senso, ao cristianismo. Seu relato, no entanto, revela claras
simpatias pela política senatorial. Sua condição de retórico e entusiasta da grandeza
de Roma levava a uma identificação com as virtudes e os ideais aristocráticos,
sendo fundamental para compreensão das idéias e sentimentos que ele tinha para
74 OLIVEIRA, M. A. M. Op.cit. p.84. 75 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op. Cit. p.42. 76 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op.cit. p.27 77 FRIGUETTO, Renan. A imagem de Teodósio nas Historiae Adversus Paganus VII, 34-35 de Paulo Orósio. Revista Stylos, Buenos Aires, v.14, n.14, 2006.
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com os imperadores que não demonstravam um verdadeiro apego às tradições
romanas.
Dessa forma, Lactâncio não conseguiu fugir da tradição historiográfica
pagã de separar os governantes, de forma maniqueísta, em bons e maus. A noção
de mau imperador desenvolveu-se na historiografia pagã e estava condicionada a
aproximação ou afastamento dos interesses defendidos pelos grupos senatoriais.
Assim no final do século III, um mau imperador era alguém contrario a política
senatorial. Lactâncio, com sua ideologia cristã acrescenta a característica do mau
imperador, o fato de ele ser perseguidor dos cristãos.
Esses juízos de valor não se concentram em uma parte especifica da obra,
mas surgem dispersos ao longo do texto. Ao ler as paginas escritas por Lactâncio é
possível perceber que o autor utiliza uma série de termos para referir-se aos
imperadores perseguidores. Conforme Teja (1982 p.26)
(...) En la pluma de Lactancio los emperadores perseguidores son pintados como portadores de los vícios más execrables, como bestias humanas: crueles, arbitrários, lujuriosos, extravagantes, enemigos, en fin, del gênero humano. En ellos, todos son vícios y ninguna virtud, sus muertes son presenteadas del modo más sombrio y macabro78.
Lactâncio tenta demonstrar através de seu escrito, que os maus
imperadores foram inimigos não só dos cristãos, mas de toda população. Nesse
sentido selecionamos três episódios nos quais notamos a critica Lactânciana às
praticas políticas desses imperadores. No reinado de Diocleciano, que exporemos
na seqüência, apresentará duas questões pertinentes para a observação dos “maus
imperadores” na administração imperial. A principio indicaremos a reforma tributária
adotada por Diocleciano, e em seguida, atentar-nos-emo para a maneira como
Lactâncio avalia com base nos parâmetros cristão/pró-senatorial, a conduta política
do imperador Diocleciano.
A pressão fiscal no baixo império foi grande, a partir principalmente do
governo da tetrarquia, no final do século III. Esta pressão fiscal justifica-se com o
aumento dos gastos do Império, a criação de uma burocracia numerosa e a
necessidade de contar com um grande exército para conter as tribos bárbaras que
78 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op. Cit. p. 26.
29
reiteradamente rompiam as fronteiras e se infiltravam dentro do império romano.
Lactâncio escreve sobre a política tributária de Diocleciano.
7.3: “Se llegó al extremo de que era mayor el número de los que vivian de los impuestos que el de los contribuyentes.”(...)
7.4.:”Igualmente intolerable era lo referente a la prestácion de soldados. Llevado de su insaciable avaricia, no queria que jamás disminuyese el tesoro, sino que exigia constantemente impuestos y donaciones extraordinárias, a fin de mantener íntegras e intactas las reservas79.”
O reinado de Diocleciano foi marcado pela reestruturação do Estado em
todos os aspectos, o que levou a medidas bastante impopulares como aumento dos
impostos, do exército, da burocracia e a supressão dos privilégios da Itália, cujo
território é assimilado às demais províncias. Contudo a critica de Lactâncio parece
estar baseado na sua orientação política, já que durante o período da tetrarquia o
Senado perdeu importância nas decisões políticas, sendo apenas um conselho
municipal encarregado de administrar a cidade de Roma80.
De todos os personagens históricos surgido durante a tetrarquia, o caso de Galério
destaca-se pelas descrições oferecidas por Lactâncio com os traços mais negativos.
O Galério caracterizado por Lactâncio é cruel, vingativo, arrogante, Tirano e inimigo
do povo romano. Como podemos observar nessas passagens.
9.1: “(...)Fue peor no solo que estos dos a los que conoció nuestro tiempo, sino peor también que todos los malvados que antes habían existido. Esta bestia estaba dotada de uma barbárie innata y de uma fiereza ajena a la sangre romana81.”
27.2: “Entretanto, Galério, trás Haber reunido su ejército, invade Italia y se acerca a la capital com la intención de eliminar el senado y massacrar su población82.”
Nessas passagens, verifica-se que Lactâncio elabora um cenário
depreciativo para representar a administração do imperador Galério. Talvez por
considerar Galério como o instigador e responsável pela Grande perseguição contra
os cristãos. 79 LACTANCIO. Sobre..., p. 78-79 80 SILVA, Gilvan Ventura, MENDES, Norma Musco. Op.cit. p.206 81 LACTANCIO. Sobre..., p.88 82 LACTANCIO. Sobre..., p.146
30
O autor critica também o estilo de vida dos imperadores perseguidores em
diferentes passagens. Um trecho em particular seria interessante de ser lembrado:
onde ele descreve a ambição e luxuria de Maximiano Daia.
8.5: “La libido de este hombre pestifero le impulsaba no sólo a corromper a los muchachos jóvenes, cosa detestable y odiosa ya de por sí, sino también a violar a las hijas de los primeiros ciudadanos. Em efecto, em cualquier lugar adonde llegase de viaje, inmediatamente tenía a su disposición jóvenes doncellas arrancadas de los brazos de su padres.
8.6: “Con esto se consideraba personalmente feliz, de esto pensaba que dependia la prosperidad de su imperio: no negar nada a sus deseos y pasiones degeneradas83.”
Portanto, ao ressaltar as qualidades negativas dos imperadores perseguidores ele procura em antítese exaltar as qualidades do governante ideal, visto em Constantino. Como se vê na seguinte passagem onde ele descreve as qualidades morais.
18.10.: “joven santísimo y totalmente digno de este alto cargo, a quien, por su distinguida y digna prestancia física, por su gênio militar, por su integridad de constumbres y de su extraordinária afabilidad, los soldados le amabam y los simples particulares deseaban como emperador84”
Contrariamente ao que Lactâncio quer fazer crer, Zózimo (escritor pagão),
escrevendo em época posterior, deprecia a origem pouco digna de Constantino,
“Cuando todo el poder quedo em manos de Constantino, no ocultó este por más
tiempo su natural vileza, sino que dióse a obrar em todo su placer85”.
O retrato conceitual sobre Constantino feito por Lactâncio, distingue-se dos
imperadores que o precederam, pelo fato de que Constantino surge como o
libertador de Roma da tirania de Maxêncio, recebendo a aprovação da assembléia
senatorial, que o revestiria do poder supremo.
44.10: “Una vez terminada esta durisima guerra, Constantino es recebido con enorme satisfacción por el senado y el pueblo de Roma. Después se entera de la perfídia de Maximiano, Al caer en su manos sus cartas y ver las efígies de ambos.
83 LACTANCIO. Sobre..., p.87. 84 LACTANCIO. Sobre..., p. 118. 85 ZÓSIMO. Nueva Historia. Madrid. Editorial Gredos, 1992, p.187.
31
44.11: El senado concedió a Constantino, een virtud de los méritos contraídos, el título de primer Augusto que Maximiano reclamaba para si86.”
Nota-se, a partir dessas evidências, o envolvimento de Lactâncio com o
regime e escreve procurando traçar paralelos que valorizem, ou legitimem, a
atuação de Constantino. Desta forma, Lactâncio reconhecia em Constantino não só
um imperador que se inclinou ao cristianismo, mas também um portador dos ideais
senatoriais. Assim sendo, Lactâncio comprometido com sua ideologia cristã e
senatorial, só podia ver em Constantino um milagre do céu87.
86 LACTANCIO. Sobre..., p. 193 87 TEJA, R. In: LACTANCIO. Op. Cit. 36
32
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O de Mortibus Persecutorum, escrita de forma a mostrar que o cristianismo
não é incompatível com o poder imperial, devera, em detrimento de seu valor
essencialmente apologético, constituir-se sobretudo em um texto cuja razão e
função proeminentes estaria em propagandear e exaltar um estilo de governante tido
por ideal. Desta forma Constantino seria, assim, descrito e identificado por Lactâncio
como “unos príncipes que han puesto fin al poder malvado y sangriento de los
tiranos88”.
Enfim, chegando ao final desse trabalho em que propomos estudar os
escritos lactânceano sob o enfoque do contexto social em que sua narrativa foi
desenvolvida, com o fito de identificar como Lactâncio apresentaria um personagem
mormente ideal. Outrossim, perscrutar em que medidas ele lançou mão da retórica,
para, mediante uma série bem marcada de contraste e oposição, por em destaque a
eficácia da justiça divina contra os imperadores perseguidores.
Contudo, faz-se necessário expressar mais que uma realidade objetiva,
acreditamos que a narrativa foi produzida em um determinado tempo e espaço, sem
olvidar o dialogo estabelecido por ele e a realidade que o circundava, marcada por
sua condição de favorecido. Fato este que indica os juízos de valores de seu autor e
constitui uma criação especifica daquele momento histórico. Desta forma, sugerimos
que o De Mortibus Persecutorum deve ser lida como um discurso e,
conseqüentemente, não pode ser considerada relato neutro.
88 LACTANCIO. Sobre..., p. 64
33
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