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UnisulVirtualPalhoça, 2016

Universidade do Sul de Santa Catarina

Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

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Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – UnisulReitorSebastião Salésio HerdtVice-ReitorMauri Luiz Heerdt

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Livro didático

UnisulVirtualPalhoça, 2016

Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da Silva

Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Ivana Marcomim

Walery Luci da Silva Maciel

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Livro Didático

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Copyright © UnisulVirtual 2016

Professoras ConteudistasIvana MarcomimWalery Luci da Silva Maciel

Designer instrucionalMarina Melhado Gomes da Silva

Projeto gráfico e capaEquipe UnisulVirtual

DiagramadoraNoemia Mesquita

Revisor(a)Diane Dal Mago

ISBN978-85-7817-965-6

e-ISBN978-85-7817-966-3

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

M27Marcomim, Ivana

Instrumental técnico-operativo do serviço social: livro didático / Ivana Marcomim, Walery Luci da Silva Maciel; design instrucional Marina Melhado Gomes da Silva . – Palhoça: UnisulVirtual, 2016.

88 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.ISBN 978-85-7817-965-6e-ISBN 978-85-7817-966-3

1. Serviço social. I. Maciel, Walery Luci da Silva. II. Silva, Marina Melhado Gomes da. III. Título.

CDD (21. ed.) 361

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Sumário

Introdução | 7

Capítulo 1Prática social e profissional: o processo de trabalho do assistente social e o referencial contemporâneo | 9

Capítulo 2Instrumentalidade e estratégias em Serviço Social: o cotidiano profissional frente às múltiplas expressões da questão social | 35

Capítulo 3Metodologia e instrumental técnico-operativo da prática profissional | 55

Considerações Finais | 85

Sobre as professoras conteudistas | 87

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Introdução

Caro(a) estudante,

Este livro que estamos iniciando tem como objeto de estudo e pesquisa o instrumental técnico-operativo do Serviço Social.

A complexidade das diversas manifestações da questão social com as quais trabalhamos constituem um desafio permanente, tanto para seu entendimento quanto para a busca de soluções. Sabemos que a compreensão do tema só é possível por meio do cruzamento de diferentes olhares, perspectivas, saberes; o que envolve a pesquisa, estudo e ação multidisciplinar. Dentro dessa mesma perspectiva, estaremos abordando com você o instrumental técnico-operativo, entendendo que estamos tratando de instrumentos, técnicas e documentos que, utilizados pelo Serviço Social, mas não sendo exclusivos, para sua aplicação necessitam de uma rigorosa revisão teórica e metodológica, de forma que resultem pertinentes à intervenção que corrobore com uma práxis fundamentada no Código de Ética e no projeto ético-político da categoria.

Iniciamos o primeiro capítulo abordando a contemporaneidade do Serviço Social e os desafios de atuar nesta área frente às novas manifestações da questão social.

Avançamos nosso estudo no segundo capítulo fazendo uma breve reflexão em torno da instrumentalidade e das estratégias em Serviço Social, abordando também a questão social no cotidiano profissional.

Concluiremos nosso estudo, no capítulo três, quando estaremos discutindo de forma detalhada os instrumentos, técnicas e documentos com os quais trabalhamos cotidianamente e que nos diferenciam e identificam como uma profissão de caráter interventivo dentro das ciências sociais.

Deixamos como sugestão que você estude com empenho, considerando a extrema relevância do assunto para sua formação profissional. Para tanto, leia o texto com atenção, reflita, questione, critique, vamos construir juntos(as) mais esta etapa em direção à consecução de seu projeto profissional.

Bons estudos!

Professoras Ivana e Walery.

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Neste capítulo, você será convidado a fazer inúmeras reflexões acerca da configuração da prática profissional do assistente social na contemporaneidade, considerando a caracterização dessa prática a partir do processo de trabalho que lhe é específico.

Falaremos de como os diferentes espaços sócio-ocupacionais e as dimensões da prática profissional imprimem a ela uma identidade política e, ao mesmo tempo, mediadora.

Muito embora se forme e desenvolva a partir dos diferentes momentos sócio-históricos e conjunturais que lhe imprimem identidade e caracterizam a evolução de seus domínios teórico, metodológicos, ético, políticos e técnico operativos, há, no contexto capitalista, uma complexa dinâmica que exige dos profissionais a capacidade crítica e propositiva no sentido da implantação do projeto ético político profissional. Nesse sentido, muitos são os desafios, mas grandes já somam as conquistas.

Consideramos que, a partir dessa leitura e suas proposições de trabalho complementares, você se aproxime da compreensão sócio-histórica sobre o trabalho, a questão social e o trabalho profissional em Serviço Social.

Capítulo 1

Prática social e profissional: o processo de trabalho do assistente social e o referencial contemporâneo Ivana Marcomim

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Capítulo 1

Seção 1A prática social e profissionalA compreensão acerca das práticas profissionais do Serviço Social na atualidade requer um olhar crítico, inovador, consciente dos desafios contemporâneos e dos avanços teóricos, metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos da profissão, que impõem ao fazer profissional uma configuração crítica e mobilizadora de potenciais individuais e coletivos.

A exemplo de todas as profissões, o agir profissional não é dissociado da dimensão sócio-histórica da sociedade em que nos colocamos, o que exige uma clareza a respeito do processo técnico-profissional, pois esse não representa o agir pelo agir, mas circunscreve-se como uma prática com especificidades que lhes são próprias, muito embora seja coletivo e inter ou multiprofissional.

Nessa lógica, podemos dizer que temos os referenciais críticos e teóricos que norteiam nossa prática, além do Código de Ética Profissional (1993), o qual tem o papel de delinear a natureza da profissão no contexto do mundo do trabalho e sua posição ético-política diante desse contexto. Ainda podemos reconhecer os diferentes espaços sócio-ocupacionais nos quais as práticas dos assistentes sociais se desenvolvem, e que, por sua vez, configuram-se a partir do manejo do instrumental técnico do Serviço Social.

Nesse processo, corremos o risco de recair em uma simplificação que indica quais instrumentos e técnicas devem ser aplicados para quais ações, seus objetivos ou finalidades e suas devidas processualidades.

Todavia, ao fazermos tal leitura excluímos a subjetividade dos sujeitos (profissionais e população), dos instrumentais (considerando a apropriação feita dele e seu fim), e o contexto do processo de trabalho ao qual a intervenção se vincula. Essa pode ser, por exemplo, mobilizadora de lutas coletivas em busca da consolidação de direitos, ou ainda envolver o emprego de critérios seletivos para verificar a ordem de prioridade de beneficiários de determinado programa social.

Como podemos observar, muito embora o tema desse livro nos leve a uma primeira visão de objetividade e utilidade concreta de instrumentos e técnicas, o fazer profissional requer um olhar crítico, com viés processual, inclusive para a escolha e emprego desses instrumentais.

Façamos um exercício simples:

Pense em qualquer profissão que, para você, tenha instrumentos e técnicas claros, pontuais e evidentes quanto ao seu uso. Provavelmente você já partiu não do instrumental em si, mas do problema a ser “resolvido” com o uso desse instrumental.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Para algumas profissões isso é possível e seria o ideal.

Agora pense nas demandas que se apresentam no cotidiano das práticas profissionais em Serviço Social e tente identificar alguns instrumentos e técnicas para o uso no atendimento dessa demanda.

Há mais opções? Há clareza do processo interventivo: compreender/diagnosticar/ refletir/analisar junto aos sujeitos sobre as demandas e suas formas de enfrentamento e superação individual e coletiva; e encontrar possíveis respostas mediadas pelas políticas de direitos e seus desdobramentos? Podemos pensar que há certa complexidade na escolha, no uso, na atribuição e na processualidade dada ao emprego do instrumental?

Desse modo, precisamos compreender as dimensões de atendimento individual e coletivo, o uso de entrevistas, cadernos de campo e outros, como instrumentais e técnicas permeados de um significado maior que seu uso isolado e pontual.

O campo sobre o qual se desenvolve a prática dos assistentes sociais é território de complexas relações de poder, de históricas evoluções coletivas; é espaço da consolidação das relações societárias, o que inclui seus organismos representativos, como famílias, organizações, o Estado, além de segmentos sociais, políticos, entre outros.

Há que se refletir, primeiramente, sobre a prática social como prática de contextos profissionais, políticos, segmentários e, eminentemente, sócio-históricos, ou seja, sobre práticas sociais como retratos das relações entre agentes individuais e coletivos, públicos e privados, no tempo presente e no espaço onde se desenvolvem. Portanto, não são estáticos e exigem um olhar dinâmico para que possamos nos inserir no âmbito da prática profissional com nossas competências e domínios privativos, conforme expressa o Código de Ética Profissional (1993).

Mota (2014) reflete sobre as dimensões políticas da prática dos assistentes sociais. A autora indica que:

O leque dos fenômenos-objeto trabalhados e pesquisados no âmbito do Serviço Social se amplia, requerendo novas problematizações e aportes de conhecimento que se refletem nas práticas profissionais, no ensino e nos campos de estágios curriculares. (MOTA, 2014, p. 695-696).

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Capítulo 1

Nessa lógica, a autora (ibidem) situa que mesmo os espaços com saúde, assistência social e previdência social são permeados e sofrem os reveses da dinâmica societária que perpassam a atualização de suas demandas, das modalidades de intervenção e conteúdo dos trabalhos profissionais, entre outros aspectos. Assim, podemos observar complexidades e abrangências novas, próprias do processo de incorporação de novas dinâmicas ao contexto do trabalho social e da espera de intervenção dos assistentes sociais, tais como: as novas implicações do SUAS; as implicações na Previdência Social das relações demandadas do contexto das questões urbanas e rurais; a expansão da áreas sociojurídicas com os novos postos de trabalho criados; o processo de mobilidade e moradia popular, grande desafio atual, efeito do cenário contemporâneo; as questões de natureza socioambiental amplamente apropriadas devida ou indevidamente pelas grandes empresas, sob a égide da educação ambiental; além das políticas de acesso à inserção, que Moller (apud MOTA, 2014, p. 698) afirma obedecerem à lógica da discriminação positiva e definirem públicos e estratégias para suprir o que as políticas universais não conseguem realizar.

As mudanças ocorridas na relação entre a profissão e os movimentos sociais, sindicatos de cunho mais tradicional e o que hoje vem sendo posto diante do que se denomina “novos movimentos sociais”, o envolvimento e a inserção política da categoria em novas requisições de lutas por direitos ainda não assegurados, entre outros, desafiam a consolidação de projetos de transformação social de modo sustentável.

Os destaques dados por Mota (2014) reforçam o entendimento de que a expansão do mercado de trabalho e a ampliação das demandas feitas à profissão revelam o espraiamento das manifestações da questão social (dando ênfase à criação de práticas e mecanismos institucionais dirigidos pela atuação do Estado e política de classes), mas também revela as inegáveis exigências técnico-administrativas e políticas. “Boa parte dessas demandas exige o desenvolvimento de estudos e pesquisas, sendo seus resultados subsidiem e instrumentalizem o exercício profissional”. (IAMAMOTO apud MOTA, 2014, p. 699).

Como se observa, a prática social hoje posta às profissões desse campo requer das práticas profissionais uma capacidade de garantir avanços teórico-políticos, técnico-operativos e metodológicos que incidam sobre a complexa dinâmica do cenário atual e consolide movimentos (pontuais ou progressivos) que resinifiquem a condição dos sujeitos da prática profissional, uma vez que essa não se faz para alguém, mas com alguém.

Nesse ambiente, o exercício da sempre relativa autonomia profissional (IAMAMOTO et al apud MOTA, 2014) exige um esforço contínuo e inesgotável, evidenciador dos limites e das possibilidades da intervenção profissional.

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Com isso, queremos refletir que não se pode pensar em modelos prontos, acabados, aplicáveis e partir de outras referências não críticas dos instrumentais da profissão, pois esses mesmos instrumentais se fazem e se renovam no porvir da dinâmica cotidiana e complexa da realidade social onde se processa a prática profissional.

Somente problematizando as expressões cotidianas e imediatas da realidade e que se constituem em demandas às instituições e ao Serviço Social pode o profissional exercitar uma relativa autonomia intelectual que oriente suas propostas de intervenção com base nas condições objetivas existentes. (MOTA, 2014, p. 700).

Talvez alguns possam julgar que esse é um desafio inglório, que seria mais prática a reprodução de instrumentais ou processos técnico-operativos replicáveis por décadas, dando-lhe certo domínio permanente e inquestionável sobre a dinâmica interventiva. Vamos pensar de modo diferenciado: se cotidiano é história construída no dia a dia, sem nem mesmo ser percebida desse modo, quanta riqueza há na capacidade técnica em desvendar essa realidade, antever as demandas por ela e consolidar respostas antecipadas aos possíveis e críticos problemas os quais advêm, historicamente, de um modelo excludente, fundado na divisão de classes e exploração deste processo? (IAMAMOTO, 2007). “É a busca das relações entre o imediato e o mediato que pode permitir ao profissional identificar nexos, relações e mediações que viabilizam tratar os atos e situações singulares em relação à totalidade social” (GUERRA apud MOTA, 2014, p. 701).

Falamos, portanto, de domínio intelectual ou competência reflexiva, domínio sobre a realidade, pois ausência dessa competência, na visão de Mota (ibidem), incide sobre impossibilidade de utilização da teoria social crítica, que pode sustentar a compreensão dos fenômenos singulares e contemporâneos.

A prática profissional dos assistentes sociais se faz sobre a relação de domínio teórico critico que norteia a capacidade investigativa e, portanto, diagnóstica da realidade social, e suas formulações individuais e coletivas de respostas efetivas as demandas compreendidas no bojo de sua complexidade e na gênese das intencionalidades que as formulam e conduzem.

Vamos a um exemplo bastante simplista:

Podemos pensar em mediar demandas de saúde, como por exemplo, um caso recorrente de problema pulmonar que se apresenta em uma Unidade Básica de Saúde, se sua origem advém de uma habitação imprópria ao convívio humano? Podemos mediar a condição de habitação se esse sujeito se coloca à margem do processo inclusivo de trabalho e desenvolvimento por meio da educação e da educação para o trabalho?

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Capítulo 1

Dessa forma, podemos falar que o que fará a diferença entre a forma de conduzir uma mesma intervenção entre dois sujeitos profissionais será incontestavelmente sua posição ético-política e os domínios dessa posição derivados, noção de que falamos em direitos a serem assegurados, de intersetorialidade entre políticas, de potencialização dos sujeitos ou dos sujeitos, pois a demanda individual pode traduzir uma demanda de direitos coletiva e, nesse processo, o emprego do instrumental técnico-operativo adquire sua singularidade.

Nesse viés, apropriamo-nos das reflexões de Mota (2014, p. 701-702), que defende a necessidade de exercitar a capacidade de análise da prática e experiência profissional cotidiana, por meio da identificação de:

a. iniciativas que evidenciem posturas anticapitalistas; b. processos de democratização de decisões; c. conquistas e possibilidades do exercício de direitos; d. mediações pedagógicas, éticas e formativas que contribuam para a formação de consciência crítica da população usuária.

Há, portanto, na natureza da prática profissional em Serviço Social, a necessidade de um olhar constante e crítico sobre a dinâmica na qual se processa o exercício profissional. Os laudos, pareceres, entrevistas, reuniões, entre outros elementos operativos da prática profissional, não são empregados sem que se tenha a clareza de:

• quais contextos e demandas requerem tal instrumental, pois cada uma dessas expressam diferentes exigências e direcionamentos diferenciados das práticas profissionais;

• a intencionalidade de uso, ou seja, para que o instrumental será utilizado, considerando ser ele um meio para que se atinja a objetivos maiores. Isto é o mesmo que dizer que fazer entrevistas e registrá-las em um programa computadorizado ou mesmo em fichários não é o fim da prática profissional. Muito pelo contrário; ela é o meio pelo qual as demandas serão mediadas e poderão ser consideradas no âmbito das políticas de direitos em acessos coletivos ou em lutas coletivas para direitos ainda não assegurados, além, obviamente, de serem elementos da mediação dos processos de trabalho individual e coletivo;

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• a efetividade e continuidade do processo desenvolvido, uma vez que não falamos, necessária ou exclusivamente, de resoluções pontuais, mas de processos que requerem a ação continuada das mediações profissionais face aos movimentos coletivos críticos ou potencializadores dos sujeitos que se deseja deflagrar, sob risco de que tenhamos uma lógica bastante conhecida pelos profissionais: a reincidência de famílias e suas demandas aos mesmos serviços, com os mesmos vícios de neoliberalismo.

Desse modo, estamos falando de uma prática profissional que não se faz “per si”, ou seja, ela é fruto de todo processo evolutivo das transformações societárias e das reflexões críticas da profissão e, portanto, a aprendizagem do fazer profissional não pode ser dissociada de um projeto de profissional que dirige, inclusive, o uso do instrumental técnico-operativo dessa profissão.

Não se pode negar que há dependência dos projetos políticos de Estado em vigor no cotidiano da prática profissional por parte dos profissionais que atuam em diferentes espaços sócio-ocupacionais e se veem desafiados. E um desses desafios é não limitar o rico processo de trabalho profissional no campo social, com o viés da transformação social e consolidação de direitos para o tarefismo ou o emprego de instrumentais para efeitos burocráticos que em nada representam a capacidade e intencionalidade desta profissão.

Para Netto (apud BARBOZA e FREIRE, 2006), não se pode duvidar que esse período histórico foi marcado por transformações societárias aceleradas, que afetam diretamente o conjunto da vida social e incidem sobre as profissões, exigindo que se determinem mediações que conectem as profissões às transformações.

Citamos Iamamoto (2005), muito embora aqui reduzindo sua ampla, detalhada e complexa reflexão acerca das demandas profissionais das relações entre o Estado e a sociedade:

[...] se a assistência fosse tratada de forma ‘satisfatória’ pelo Estado, por meio de uma gestão racional e eficiente de verbas, poder-se-ia dar conta medianamente da administração da miséria. O ardil está posto: um conjunto de medidas burocrático-administrativas não é capaz de conduzir, por si só, à realização da cidadania e apenas as políticas sociais não são suficientes para efetiva-la. (IAMAMOTO, 2005, p. 163).

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Capítulo 1

Muito embora dessa época para as políticas públicas atuais tenham acontecido expressivas inovações, não se pode prescindir de destacar a atualidade dessa lógica.

Já em 1997, Iamamoto reflete sobre os desafios de se considerar a prática profissional sobre o viés do fatalismo e messianismo utópico.

No primeiro caso, a autora (ibidem) reflete que se naturaliza a vida social, em que a ordem do capital é tida como natural e perene, mesmo diante das desigualdades. Nesse caso, a profissão se enreda nessa complexa relação, não lhe cabendo mais do que o aperfeiçoamento burocrático de tarefas atribuídas pela ordem vigente. Já no segundo caso se privilegiam as intenções, os propósitos das pessoas no campo individual, não sendo capazes de se traduzir em lutas coletivas; “[...] ambos prisioneiros de uma análise da prática social que não dá conta da historicidade do ser social gestado na sociedade capitalista”. (IAMAMOTO, 1997, 116).

Nessa lógica, é relevante abrirmos um parêntese para compreender que a dinâmica sobre a qual o instrumental técnico operativo do Serviço Social se processa é a mesma que forma o ser social, ou seja, é também a dinâmica de construção das identidades sociais individuais e coletivas onde atuamos e, portanto, temos expressiva capacidade de influência sobre ela.

Sobre as ideias de Marx, Iamamoto (1997, p. 116) reflete que:

O fundamento da prática social é, pois, o trabalho social; atividade criadora, produtiva por excelência, condição da existência do homem e das formas de sociedade, mediatizando o intercâmbio entre o homem e a natureza, através do qual o homem realiza seus próprios fins.

Todavia, não podemos esquecer que tratamos do chão de trabalho sobre bases capitalistas, ou seja, a prática social se revela por meio de mediações que relacionam forma e essência, gestadas na própria sociedade. Disso se deriva

“a exigência metodológica de apreender a formação econômica-social desta natureza capitalista em sua totalidade concreta com reprodução da realidade aprendida com suas múltiplas influências e determinações, como unidade na diversidade”. (MARX apud IAMAMOTO, 1997, p. 117).

Nesse contexto reflexivo, a autora destaca a relação entre prática com a teoria. Citando Vazques (IAMAMOTO, 1997, p. 118), afirma que “se pode dizer que a teoria assim concebida se torna necessária como crítica teórica das teorias que justificam a transformação do mundo e como teoria das possibilidades de ação”.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Esse olhar implica cuidados para que não se desenvolva uma profissão de natureza utilitarista, capaz de responder às demandas da sociedade em cada tempo, mas considerando a ordem vigente e não ensejando para a transformação social desejada em nosso projeto profissional. Por isso, teoria e método, instrumental e elementos operativos devem consolidar-se como uma construção imbuída da visão crítica e propositiva da profissão em seu tempo, mas ciente de seu compromisso com o empoderamento, com os princípios da liberdade, da democracia, da valorização da natureza humana em suas múltiplas e diversas formas de construir e viver em sociedade, com a supremacia do direito à dignidade de cada ser humano que a componha.

Como construir e utilizar instrumentais profissionais capazes de reproduzir, no contexto complexo e processual da prática profissional, a potencialização de sujeitos, grupos, comunidades e sociedades em face de uma construção societária desejada e pretendida por todos, qualificando os assistentes sociais em suas formações para responder à realidade do mercado com o qual, como categoria assalariada, irá se relacionar? Incluo aqui os desafios de mercado e das políticas de Estado e diferentes fontes empregadoras dessa profissão que é dada, forjada e dirigida, em sua essência, à transformação social.

Há, portanto, um destaque a ser feito na lógica destacada por Iamamoto e que manterá atual a natureza desta profissão:

O que está em questão não é a subordinação utilitária da qualificação profissional às oscilações do mercado, mas uma sintonia necessária entre a formação e as demandas sociais objetivas apresentadas à profissão, salvaguardando aliança entre a análise histórica do Estado e da sociedade contemporâneas – o que permite decifrar as demandas profissionais e as tendências de mercado profissional – e a construção teórico-prática de respostas profissionais críticas em face desse mercado. Respostas solidamente elaboradas no campo teórico e das estratégias técnico-politicas, capazes de reconhecer e atender àquelas demandantes para transcendê-las, reencontrando e recriando o Serviço Social no tempo histórico. (IAMAMOTO, 1997, p. 192).

Como se observa, falamos de uma prática profissional que se constrói no cotidiano da formação da própria história da humanidade.

Façamos um breve exercício e você verá o quanto essa compreensão se expressa nas mudanças societárias. Inserimos nossa contribuição e redirecionamento à própria profissão neste movimento histórico. Observe uma simples lógica:

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Capítulo 1

A caridade/filantropia e a proteção aos pobres/igreja, seguindo-se da atenção aos assalariados/preservação das conquistas de mercado/Estado/igreja, evolui para a formalização ao processo de incentivo ao desenvolvimento econômico capitalista industrial; ao que se segue a incorporação transcontinental e interamericana de incentivos ao desenvolvimento do mercado e proteção do Estado em recusa à entrada do comunismo. Nessa lógica, há a reprodução do Estado de atenção social e, a partir dele, a revisão por parte da categoria quanto aos modelos reproduzidos pela profissão e os movimentos de intenção de ruptura por meio de encontros e processos de construção de uma identidade profissional brasileira, com seu posicionamento teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo. O posicionamento a favor das lutas de classe em face da construção de uma sociedade igualitária, democrática e inclusiva evolui para a consolidação de um Projeto Ético Político e de um Código de Ética profissional, que posicionam a profissão e seus domínios na direção da dignidade humana e da transformação social, consolidando direitos por meio das políticas públicas.

Não se pode negar que o trabalho social, campo da ação interdisciplinar e espaço onde a comunicação entre os saberes e os domínios se consolidam e integram, ou apenas se complementam, é o campo da prática profissional que se traduz em evolução histórica a partir dos domínios teórico-críticos do conjunto de esforços analisados, investigados, criticados em sua essência para consolidação de processos mais próprios a uma dimensão de exercício profissional eficaz, eficiente e efetivo ao seu tempo, aos seus sujeitos, à coletividade e às demandas que se refazem no agir cotidiano.

Portanto, ao pensar a prática profissional não se pode deixar de compreender que o conjunto de domínios utilizados de natureza teórica, metodológica, ética, politica, técnica e instrumental são resultados desse processo histórico e por sua natureza devem ser devidamente dominados, empregados, considerando a subjetividade que dirige seu emprego no contexto da prática profissional. Há que se analisá-los constantemente sobre o prisma da crítica construtiva e inovadora, considerando o que Iamamoto destaca (2005) sobre a capacidade de antever as demandas que se apresentam e construir as respostas efetivas em âmbito de políticas públicas e privadas de direitos a serem assegurados e evoluídos, dada a dimensão de evolução da própria natureza humana cujas demandas estão muito além dos processos de inclusão e enfrentamento de riscos e vulnerabilidades sociais. Tais demandas transcendem a gênese dos sujeitos que se desejam autores de suas próprias histórias de vida, podendo ou não ser concernentes com o modelo capitalista em vigor.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Citamos o exemplo das experiências de Economia Solidária, de Permacultura, entre outras, que constroem um novo lócus de convívio social coletivo, o qual, embora intrínseco ao modelo capitalista, não depende dele. Esse será objeto de seus estudos, mas se entende que o emprego da prática profissional se apresenta para além das fronteiras da consolidação dos direitos sociais, embora essa centralidade no tempo atual deva ser correspondida, pois ainda é o mecanismo de acesso a direitos para a maior parte dos demandantes das práticas profissionais.

Portanto, a prática profissional hoje pretendida e defendida se sustenta em um arcabouço de domínios que traduzem os objetivos profissionais, considerando os diferentes espaços sócio-ocupacionais onde essa prática se insere, e onde o emprego do instrumental técnico operativo ou técnico profissional é essencial para que se concretize toda e qualquer intervenção.

Muito embora o profissional os domine e empregue seu uso, esses instrumentais podem e devem se traduzir em meios pelos quais comunicações se consolidam, reflexões se produzam, criticas se estabeleçam, construções individuais e coletivas se mobilizem; ou seja, esses são elementos pelos quais a relação entre profissional e sujeitos se estabelece numa direção que deve ser concernente ao campo da consolidação dos direitos desejados ou a serem inexoravelmente assegurados.

Falamos, então, que o instrumental que sustenta a prática profissional é, em essência, um elo pelo qual as relações podem se estabelecer, reconstruir e (re)direcionar em face da transformação social pretendida.

Perceba, então, a importância de você compreender, dominar e bem mediar o emprego do instrumental técnico operativo profissional, pois, em última instância, ele consolida o seu fazer cotidiano como assistente social.

Seção 2O processo de trabalho do assistente social e o referencial contemporâneoNesta seção, você será estimulado a compreender como se processa o trabalho no Serviço Social, considerando a capacidade processual dessa profissão de atualizar-se e interpretar a realidade a partir dos parâmetros das classes populares e do movimento na construção histórica dos direitos humanos e sociais, considerando as tendências teóricas contemporâneas que norteiam essa compreensão.

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Capítulo 1

A discussão acerca do processo de trabalho do assistente social requer grande cuidado para que se formule uma leitura simplista ou deveras complexa para situar como se processa a questão da prática profissional.

A prática profissional não se desloca em um mundo à parte do contexto societário; antes disso, ela mesma é parte integrante e intrigante das reflexões produzidas na atualidade sobre o trabalho e suas formas de realização.

Inicialmente, faz-se necessário compreender que o próprio termo processo de trabalho se torna objeto de reflexão, dada a natureza interpretativa que lhe damos. Há quem consolide uma reflexão profunda segundo a qual não falamos de processo de trabalho, mas de processos, e de que não há como consolidar processos hegemônicos ou igualitários para contextos de uma sociedade capitalista tão complexa com múltiplas expressões da questão social que se configuram em transformações constantes em função das mudanças de cenário de mundo globalizado.

Há elementos estruturantes do fazer profissional que hoje são objeto de estudo e reflexão por parte das ciências sociais. Antunes (2008), por sua vez, nos instiga a refletir sobre uma sociedade cuja centralidade dada ao mundo do trabalho se vê ameaçada pelo contexto global de crise. Fala-se de uma nova fase do capital na qual embora se processe em moldes de diferentes naturezas, há grande apropriação do trabalho intelectual das capacidades cognitivas, procurando envolver intensamente a subjetividade operária. Falamos de processos absorvidos por máquinas e pela tecnologia, mas também do que a tecnologia não supre e exige o trabalho humano.

Portanto, ao invés de da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda da substituição da produção de valores pela esfera comunicacional, da substituição da produção pela informação, o que se pode presenciar no mundo contemporâneo é uma maior inter-relação, uma maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre atividades laborativas e as atividades de concepção , que se expandem no contexto da reestruturação produtiva do capital. O que remete ao desenvolvimento de uma concepção ampliada para se estender sua forma de ser no trabalho no capitalismo contemporâneo, e não à sua negação. (ANTUNES, 2008, p. 178).

Nesse contexto, Antunes (2008) fala sobre as metamorfoses do mundo do trabalho e suas implicações sobre diferentes elementos, como a crise do movimento operário e sindical, a desregulamentação, flexibilização, terceirização, o desmonte de direitos trabalhistas, entre outros aspectos que imprimem uma nova lógica a ser ainda compreendida no contexto das relações produtivas no capitalismo.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

O cenário contemporâneo se apresenta com inúmeras reflexões a serem feitas no âmbito das ciências de modo geral, e no campo das ciências sociais não é diferente.

Essa lógica atinge a dinâmica do processo de trabalho profissional em Serviço Social, na medida em que nos inserimos no contexto das classes que vivem do trabalho e fazem a dinâmica do trabalho acontecer não somente para si, mas para o contexto coletivo em suas influências técnico-operativas vinculadas às políticas de direitos vigentes.

Desse modo, há conceitos que permeiam a prática profissional e dirigem o processo de trabalho os quais não podem ser negligenciados. Mesmo diante de cenários complexos, a prática profissional se desenvolve a partir de uma processualidade, o que pode ser criticado ou problematizado. No entanto, há de fato uma lógica norteadora do agir profissional que caracteriza a sua especificidade e a cientificidade necessárias a sua qualificação.

Passando por um olhar genérico sobre as reflexões de Baptista (1995), podemos considerar que, se tratamos como objeto da prática profissional as múltiplas expressões da questão social, não se pode prescindir uma lógica compreensiva desses fenômenos, de uma capacidade mediadora ou resolutiva das demandas que se apresentem nesse processo; tão pouco se pode desconsiderar uma processualidade que monitore ou avalie se, de fato, há resultados obtidos com os processos teórico-metodológicos e técnico operativos empregados. Qualquer profissão ou ciência tem por natureza questionar-se como mecanismo de evolução e desenvolvimento.

Nesse contexto, conceitos como comunicação, conscientização, ação e sujeitos são expressões refletidas por grandes teóricos da profissão, a exemplo de Faleiros (1997). Nesse sentido, inclui-se um conceito importante – a práxis profissional, partindo-se da ideia de que a discussão das questões metodológicas não pode ser feita isolada da complexidade social, das relações de poder e dos atores profissionais na instituição. Essa capacidade de fazer a prática profissional refletindo sobre ela e, preferencialmente, recriando-a a partir do processo reflexivo, reconstrói o fazer a partir do olhar crítico.

Muito embora não se possa falar de formas, modelos, ou métodos fechados, apesar de muitos o desejarem, falamos em processos de trabalho pelos quais há demandas identificadas no contexto das múltiplas expressões da questão social, especialmente envolvendo o olhar do sujeito para sua própria realidade e para sua ação consciente e crítica diante dela (ao que chamamos por muito tempo objeto da prática).

Há, portanto, sujeitos a serem compreendidos em suas singularidades e particularidades sócio-históricas e culturais. Esses sujeitos podem apresentar objetivos a serem construídos em face das demandas evidenciadas ou direitos a serem a assegurados em face dos direitos violados em sua realidade.

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Capítulo 1

Por outro lado, há uma lógica de planejamento do processo interventivo que, a depender de contextos institucionais diferenciados (Estado, mercado, sociedade civil organizada), pode adquirir dinâmicas organizativas próprias, por vezes até mesmo burocratizadas, mas que não podem se eximir de consolidar respostas e mecanismos de medicação, controle e análise de resultados das demandas apresentadas, apesar de seus processos burocratizados e que podem se processar de diferentes formas institucionais.

Pode-se dizer que há um desafio comum a qualquer espaço sócio-ocupacional pelo qual se processa a intervenção, é a análise de impacto social, uma vez que há dimensões materiais e imateriais do processo de trabalho as quais só podem ser observadas em longo prazo.

De modo geral, podemos considerar a existência de instrumentais técnico operativos profissionais capazes de contribuir ou dirigir a construção de diagnósticos sociais; outros capazes de consolidar processos de planejamento individuais ou coletivos, para os sujeitos da prática. Da mesma forma, instrumentais norteiam o processo de monitoramento do processo desenvolvido, preferencialmente trazendo o sujeito para o centro do processo de análise, de consideração de resultados e para consolidação de novos movimentos individuais e coletivos, em face dos objetivos a serem atingidos.

Esse processo não se consolida sem uma dimensão essencial ao processo de trabalho profissional, que é a dimensão política. Todavia, essa dimensão é intrinsicamente ligada ao contexto societário contemporâneo, onde o processo de trabalho se desenvolve.

Como citado por Yabek (2014), lidamos com um tempo caracterizado por mudanças aceleradas que se configuram em diferentes dimensões da vida social, repercutindo em uma nova sociabilidade e uma nova política, processo esse a ser refletido e conduzido de modo consistente e crítico.

Nesse sentido, são reflexões que vêm sendo construídas tendo como referência a análise do contexto resultante da complexa e multifacetada crise do capital com seu mundo de mercado, sua ênfase no neoliberalismo (...) e seus processos de privatização multiplicadores dos mecanismos a favor do capital , suas perspectivas de monetarização de políticas sociais residuais que evidenciam a orgânica relação entre as mudanças em andamento na esfera da economia política e as políticas sociais contemporâneas, que se tornam cada vez menos universais e mais focalizadoras. Âmbito privilegiado do exercício profissional e lugar onde a profissão participa de processos de resistência e constrói alianças estratégicas na direção de outro projeto societário. (YASBEK, 2014, p. 678).

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Como citamos a partir do olhar de Antunes (2008), as condições estruturais sobre as quais se coloca o mundo do trabalho cria um cenário de crises e desafios sobre o qual vão se redefinir as bases entre proteção social e as intervenções do Estado no âmbito das políticas sociais e nos espaços onde se verifica sua atuação.

Nesse viés, não se pretende apontar um cenário de crises, mas de transformações que devem ser percebidas, pois indicam novas configurações do processo de trabalho profissional, uma vez que “também o Serviço Social tem na prestação dos serviços sociais seu campo de intervenção privilegiado e nas instituições sociais públicas e privadas seu espaço ocupacional” (RAICHELIS apud YASBEK, 2014, p. 679).

Esse contexto de transformações imprime uma lógica ao processo de trabalho que exige, por parte do profissional, a compreensão de algumas questões que Yasbek (2014) destaca:

• As novas expressões da questão social manifestas no cotidiano profissional. Para citar apenas alguns exemplos dados pela autora: mudanças vêm ocorrendo nas periferias das cidades, a circulação e distribuição das riquezas também estão impactadas, a economia informal, o crescimento da violência, das drogas e seu poder instituído ilegalmente, os programas sociais multiplicados pelas periferias, entre outros aspectos. A exclusão social envolve bens materiais, culturais, de identidade e interação sociocomunitária.

• O estabelecimento de uma compreensão crítica sobre as reconfigurações dos sistemas de proteção social e política social, onde se focalizam políticas contra a pobreza, muitas vezes focadas a segmentos, o que contradiz o olhar da Política Nacional de Assistência Social, a qual determina a atenção pela centralidade na família e seu conjunto de demandas articuladas a uma rede de políticas de direitos.

• A necessidade de a profissão construir mediações políticas e ideológicas, o que deve perpassar o contexto das organizações onde se processam as práticas, isto porque sabemos que “questão social é luta, é disputa pela riqueza socialmente construída”. (YASBEK, 2014, p. 686).

Ao contextualizar esses desafios que envolvem o processo de trabalho profissional, a autora nos alerta para o fato de que a prática profissional é polarizada pelos interesses de classes, em uma relação que é historicamente contraditória, pois ao mesmo tempo que permite ao exercício profissional a reprodução e a continuidade da sociedade de classes, também permite sua transformação.

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Capítulo 1

Nesse âmbito, há uma nítida dimensão política da prática profissional, na medida em que o processo de trabalho desenvolvido pode colocar-se em uma ou outra posição desse processo contraditório. Isso representa tratar das disputas políticas no espaço das políticas sociais, mediações centrais no exercício da profissão (YASBEK, 2014).

Desse modo, o processo de trabalho consolida-se por sua dimensão teórica, metodológica, técnico-operativa e ético política, considerando as contradições manifestas nos espaços públicos e privados onde tal trabalho se consolida. Isso requer que os profissionais sejam capazes de compreender as tendências contemporâneas do processo, mas se apropriem das críticas as quais recriam a dinâmica interventiva, na medida em que a dimensão política, por exemplo, exigir novos contornos ao exercício profissional.

Naturalmente, não se pode evidenciar um processo de trabalho metódico, em seu sentido mais restritivo, pois a sociedade não pode ser entendida de modo hegemônico, embora globalizado, com dimensões interventivas que considerem particularidades e singularidades não presentes em outras realidades de trabalho.

Essas reflexões colocam o processo de trabalho e a dinâmica interventiva diante do realismo do mundo do trabalho, onde a profissão se processa pela existência de um contexto ou de uma política de direitos normativa (em esfera pública ou privada), de um contexto institucional que adquire características específicas e pela natureza e perfil do sujeito profissional, que se apropria do saber historicamente construído e o transforma em processos interventivos, com maior ou menor condição de mediação de demandas priorizadas.

Não se pode ignorar o que destaca Faleiros (2014, p. 709): “a prestação de serviços sociais está assim, condicionada pela legislação, pelo orçamento e pela gestão dos serviços num processo de trabalho dependente de uma subordinação gerencial, e por relações trabalhistas de um contrato salarial (...)”.

Por outro lado,

Os sujeitos demandantes de serviços sociais são confrontados com um cotidiano de relações de exclusão e ao mesmo tempo de aceitação ou rejeição de suas exclusões e os profissionais têm o desafio de contribuir para mudanças de trajetórias no processo de empoderamento dos sujeitos em relações de direito, de acesso ao estado de direito e a condições de sobrevivência. (FALEIROS, 2014, p. 710).

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

No olhar crítico de Faleiros (2014), não se pode recair sobre um olhar simplista de configuração da pratica profissional. Estamos falando de consciências, relações socais, ideologias e sujeitos que se colocam em processo de convívio e compreensão das várias manifestações e expressões dessas relações sociais.

O Serviço Social, nas diversas expressões da desigualdade com que trabalha, depara-se com a consciência que as pessoas têm dessa desigualdade e, ao mesmo tempo, de seus direitos nessa sociedade desigual. As lutas pelos direitos, pelo poder do bloco dominado, é um processo de hegemonia e de contra hegemonia na perspectiva gramsciana. A construção de um projeto de sociedade é um processo multidimensional, que envolve relações políticas e organizativas e a relação de identificação entre intelectual, profissional, em geral com maior poder de conhecimento e mesmo de salário, com público demandante pobre, excluído. (FALEIROS, 2014, p. 713).

Já o olhar de Simionatto (2009) reflete a busca pela construção de uma nova hegemonia que possa parecer mais equânime no pensar libertário e potencializador que tendemos a ter como assistentes socais, envolvendo transformações não somente nas esferas político-econômica, mas nas dimensões culturais, intelectuais e morais. Sob essa perspectiva, essas relações contra-hegemônicas se traduzem igualmente na articulação do cotidiano com o contexto das violências, do descaso, das insatisfações, entre outros aspectos de mesma natureza e manifestos no processo cotidiano do trabalho profissional.

Faleiros (2014) revela que, mesmo os processos de atenção e provisão de serviços sociais sendo disponibilizados de modo desigual e em velocidades diferentes entre as classes, há a necessidade de crítica ao processo fragmentado de atenção aos direitos. Nesse âmbito, há a necessidade de pesquisa crítica, sistematizações de reivindicações e mudança na cultura da população, para entender a realidade concreta de forma crítica, transformando-a em realidade pensada e compartilhada. Isso, para o autor, exige uma análise dialética de forças, visando a implementar a “proteção social da vida”. (FALEIROS, 2014, p. 714-715).

Na complexidade desse contexto de relações sociais, o processo de trabalho se desenvolve na luta por um projeto ético político voltado à defesa de direitos sociais, que para Faleiros (2014, p. 715) deve se voltar a um “de pactos políticos revolucionários da ordem dominante, no sentido da igualdade e equidade”.

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Capítulo 1

A prática profissional é um enfrentamento enquanto relação complexa de contraditória de poder, recursos, valores, linguagem, dispositivos, estratégias, operações, visões de mundo, situações sociais de desigualdade, sofrimento, exclusão. Enfrentamento relacional de determinações econômicas, políticas, sociais, culturais, entre outras, com dinâmica histórica e política da contestação e da expressão de si e da própria sociedade. (FALEIROS, 2014, p. 717).

Neste contexto, há que se reconhecer que o processo de trabalho profissional deve ser capaz, ao problematizar tais questões, de consolidar maneiras de assegurar os direitos humanos nas formas de direitos sociais, políticos, culturais, econômicos concretos, o que Faleiros (2014) alerta como dilema ético do exercício profissional.

Como se observa, o trabalho profissional requer uma apropriação das reflexões críticas e propositivas que se fazem rotineiramente no processo de trabalho profissional; não como forma de destituição do valor dessa prática, mas, ao contrário, como capacidade instalada na profissão de olhar-se, de olhar a realidade, os sujeitos de sua prática, suas demandas e expressões da questão social. É preciso considerar, assim, os aportes políticos, institucionais, teóricos, metodológicos, operativos e éticos, ao mesmo tempo da dimensão da profissão, da coletividade e das políticas de direitos (sejam públicas ou privadas) instituídas.

Sob o risco de o exercício profissional reduzir-se à reprodução das relações de poder e perpetuação do ciclo de exclusão, vulnerabilidade e alienação dos sujeitos, o processo de trabalho profissional requer que se atente, no cotidiano das práticas institucionais, para os caminhos que se pretende projetar com o sujeito, sua família e a coletividade.

Desse modo, não falamos em aplicações pontuais de um instrumental técnico operativo profissional, mas de processos de trabalho em que esses instrumentais estão imbuídos de intencionalidades, de razão e de caminhos futuros sendo construídos.

Esta dinâmica traz a aprendizagem do próprio assistente social numa comunicação fecunda com o público e no exercício político da profissão, o exercício esse que supõe a abertura fundamental a crítica da estrutura (...) que supõe sujeitos em ação no confronto ou mediação de ideias e representação de sociedade, de seu grupo, de si mesmo e da profissão. (FALEIROS, 2014, p. 721).

Na atualidade, pode-se dizer que os processos profissionais, de modo geral, exigem suas próprias reflexões, fundadas em pesquisas científicas ou no contexto das relações produtivas e de trabalho.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

No entanto, não existem mais dinâmicas profissionais sem que se olhe em um movimento contínuo para dentro e para fora do fazer profissional, considerando a complexidade da vida contemporânea e suas descobertas.

Não se pode falar em processo de trabalho sem bases teóricas, metodológicas, ético políticas e técnico-operativas que delineiem tal prática.

Sobre este contexto atual, Simionatto (2009, p. 102) destaca que:

O Serviço Social defronta-se, portanto, com duas grandes tendências teóricas: uma vinculada ao fortalecimento do neoconservadorismo inspirado nas tendências pós- modernas, que compreende a ação profissional como um campo de fragmentos, restrita às demandas do mercado de trabalho, cuja apreensão requer a mobilização de um corpo de conhecimentos e técnicas que não permite extrapolar a aparência dos fenômenos sociais; e outra relacionada à tradição marxista, que compreende o exercício profissional a partir de uma perspectiva de totalidade, de caráter histórico-ontológico, remetendo o particular ao universal e incluindo as determinações objetivas e subjetivas dos processos sociais. O fortalecimento de uma ou outra dessas perspectivas depende, entre outros fatores, da qualificação teórico-metodológica e prático-operativa dos profissionais e de suas opções ético-políticas, no sentido de compreender o significado e as implicações dessas propostas para o futuro da profissão diante dos complexos desafios postos pelo século XXI.

Portanto, o cenário no qual se processam as direções da prática profissional que requerem um posicionamento crítico, como citado acima, configura-se, eminentemente, na consolidação das políticas de direitos, destacando-se as políticas públicas de assistência social, saúde, educação, meio ambiente, sem desconsiderar as dimensões dos espaços institucionais privados e de organizações da sociedade civil, no âmbito da geração do empreendedorismo autônomo, entre outros. Notadamente, há especificidades político organizativas nestas diferentes esferas, mas que requerem o domínio das dimensões já citadas (teórico, metodológicas, ético, politicas, técnico-operativas).

Pode-se afirmar que estamos diante de um processo de apropriação de bases teóricas, com a construção de um perfil do contexto inter e transdisciplinar, que aponta para bases reflexivas e busca a construção de novos paradigmas construídos e em desenvolvimento por autores contemporâneos citados por Panceri e Merigo (2014), sejam eles: Anthony Giddens, Hannah Arendt, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Juergen Habermas, Edgard Morin, Boaventura Souza Santos, Eric Hobsbawm, E.P. Thompson e tantos outros.

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Capítulo 1

Para Yasbek (2014), apesar da apropriação desses referenciais, é cada vez mais evidente que diferentes projetos sociopolíticos societários e também projetos da profissão se expressem no cotidiano do processo de trabalho profissional, os quais muitas vezes se configuram como relações de poder.

É quando nos referimos às relações de poder, não podemos excluir as relações dos profissionais com a população. É o poder das triagens das elegibilidades, das governabilidades, das concessões dos laudos, das visitas controladoras, das definições de quem fica e quem não fica, de quem pode participar de programa, etc. (YASBEK, 2014, p. 687).

Note o poder de crítica feito pela autora (2014, p. 687-688): “Você exerce em seu processo de trabalho profissional uma dinâmica de poder que lhe representa diante do projeto ético político da profissão. Neste âmbito, fica evidente a dimensão cultural e política do exercício desta profissão”.

Nesse viés, devemos ter presente, no processo de trabalho profissional, a construção de parâmetros de negociação de interesses e direitos dos usuários que devem trazer a marca do debate ampliado e da deliberação pública da cidadania, da democracia, da justiça social, da liberdade, da igualdade e da transformação social desejada pelos sujeitos cônscios de seu projeto de vida e de sociedade. (YASBEK, 2014).

No contexto da prática profissional e do invariável desafio à inovação do processo de trabalho, há uma riqueza de transformação de saberes, fazeres e seres que se constroem na relação complexa histórica dos tempos atuais, mas, no olhar dos assistentes sociais, voltam-se à transformação da realidade em direção à construção da sociedade desejada. Nossa história revela o quanto isso é possível e, ao mesmo tempo, quanto domínio é exigido dos profissionais para se obter avanços em seus processos de trabalho, destacando o instrumental técnico operativo como indispensável à realização cotidiana do trabalho social.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

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Neste capítulo, estaremos abordando a questão social como realidade onde acontece a ação prática do Serviço Social, as estratégias e a instrumentalidade necessárias e presentes ao cotidiano profissional. Ao finalizar este estudo, o (a) estudante estará apto para analisar a realidade, compreendendo suas atribuições profissionais a partir do desenvolvimento de competências éticas, teóricas e metodológicas.

Capítulo 2

Instrumentalidade e estratégias em Serviço Social: o cotidiano profissional frente às múltiplas expressões da questão socialWalery Luci da Silva Maciel

Seção 1A questão social

Construção

Chico Buarque de Holanda

Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

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Capítulo 2

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

Page 38:  · configuração da prática profissional do assistente social na contemporaneidade, considerando a caracterização dessa prática a partir do processo de trabalho que lhe é específico.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir

A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir

Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir

Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair

Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir

E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir

E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir

Deus lhe pague.

Fonte: Nova Editora Musical Ltda., 1971.

Page 39:  · configuração da prática profissional do assistente social na contemporaneidade, considerando a caracterização dessa prática a partir do processo de trabalho que lhe é específico.

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Capítulo 2

O texto acima, de forma rimada e sonora, esboça a realidade da vida humana no modelo de sociedade na qual vivemos, onde cada um de nós ocupa e desempenha um papel, “tijolo com tijolo num desenho lógico”. O entendimento dessa lógica, como ela se constrói, como acontece, leva-nos ao entendimento da questão social, matéria-prima de nossa vida e ação profissional.

Ao longo da história da formação do Serviço Social como profissão, vemos que a questão social é concebida de diferentes formas, tendo como referencial o conteúdo epistemológico que em cada período embasou a sua teorização e, consequentemente, sua prática. Não cabe, nesta altura de nosso estudo, uma abordagem aprofundada desse tema; porém, para fins de entendimento de alguns conteúdos que precisamos abordar quando do estudo da instrumentalidade e do instrumental técnico-operativo, faremos uma rápida inserção no assunto. Nossa abordagem compreenderá o estudo a partir de diferentes referenciais teóricos, buscando, assim, construir o conhecimento do tema de forma abrangente e plural, “é preciso revalorizar a diversidade de visões, a tolerância, sem confundi-la com ecletismo, considerando-se a diversidade e a pluralidade num processo interativo, conflituoso” (FALEIROS, 2011, p. 87).

A questão social emerge na Europa nos meados do século XIX como resultado da nova configuração da sociedade a partir da Revolução Industrial, mais precisamente das lutas dos operários e das repressões então sofridas. Surge como resultado do embate entre a manutenção da propriedade privada por parte da burguesia e o direito ao trabalho defendido pelos operários.

Partindo da teoria social crítica, Santos (2004), Iamamoto (2010) e Montaño (2012) entendem a questão social como fenômeno próprio do modo de produção capitalista, parte constitutiva das relações capital-trabalho, a partir do processo produtivo e das contradições que ele encerra, constituindo-se como uma expressão ampliada da exploração do trabalho, das desigualdades e lutas sociais que delas decorrem. A questão social se expressa nas desigualdades econômicas políticas e culturais das classes sociais, sendo permeada pelas discrepâncias nas relações de gênero, etnias e formações regionais.

Para Iamamoto (2003), a produção da questão social na contemporaneidade se desenha a partir de quatro aspectos centrais:

• Primeiramente, destaca-se a lógica financeira do regime de acumulação, que gera maior concentração de renda e aumento da pobreza, ampliando as desigualdades distribuídas territorialmente, aumentando a distância entre as rendas do trabalho e do capital, como também a distância entre o rendimento dos trabalhadores qualificados e dos não qualificados.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Favorece, ainda, a especulação financeira em detrimento da produção, gerando um aumento dos níveis de desemprego, o recrudescimento dos investimentos nas políticas sociais e, consequentemente, o agravamento da questão social.

• Num segundo aspecto, a autora destaca a especialização e a acumulação flexível, caracterizadas por movimentos que alteram radicalmente os processos e as formas de gestão do trabalho, alterando as regras do mercado, os direitos sociais e trabalhistas e os padrões de consumo. A redução dos custos do capital obriga o trabalhador a se tornar polivalente, além de gerar o enxugamento do quadro de pessoal e favorecer, assim, as terceirizações. A introdução de novas tecnologias, como a robótica, a microeletrônica e a informática, altera as formas e relações de trabalho. “Reduz-se, assim, a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado, incorporado nos meios de produção com elevação da composição técnica e de valor do capital” (IAMAMOTO, 2003, p. 69).

• A diminuição do papel do estado na questão social constitui o terceiro aspecto para o entendimento do fenômeno na atualidade. A relação Estado/sociedade civil sofre mudanças radicais a partir da ótica neoliberal, passando o Estado a intervir a serviço de interesses privados, reduzindo sua atuação na questão social, por meio de restrições dos gastos públicos e da privatização da coisa pública. Passa a predominar um Estado submetido aos interesses econômicos e políticos dominantes no cenário nacional e internacional, em detrimento do atendimento e atenção às causas e afeitos do agravamento da questão social.

• Como último aspecto, Iamamoto (2003) destaca as alterações nas formas de sociabilidade, quando o mercado passa a dominar a sociedade, tornando-se regulador da vida social, invadindo todas as suas esferas. A partir de uma lógica pragmática e produtivista, passa-se a viver sob a égide da competitividade, da eficácia e eficiência, que, adotadas como critérios, passam a referenciar e determinar a vida em sociedade. Segundo a autora, forja-se uma mentalidade utilitária que reforça o individualismo, naturaliza a sociedade e a degradação das condições de vida da grande maioria. Essa visão atinge as formas culturais, as subjetividades e as identidades coletivas, destruindo projetos e utopias.

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Capítulo 2

Para a autora, o enfrentamento da questão social e de suas manifestações se dá pela priorização das necessidades da classe trabalhadora, vistas de forma coletiva, bem como pela responsabilização do Estado por meio da afirmação das políticas sociais de caráter universal, voltadas aos interesses das grandes maiorias,

“condensando um processo histórico de lutas pela democratização da economia, da política, da cultura na construção da esfera pública” (IAMAMOTO, 2010, p. 162).

Robert Castel (2013) analisa a questão social a partir do contexto europeu, mais precisamente da França, tendo como referência teórica de análise a visão de Durkheim, em que a sociedade é entendida a partir de um conjunto de relações de interdependência. Afirma o autor que a questão social desenha-se nas condições de vida de milhares de pessoas que, diante das atualizações das competências econômicas e sociais, veem-se à margem da vida social, por conta da precarização das relações de trabalho e da fragilização dos sistemas de proteção que acolhem os indivíduos ao longo de sua existência.

Para o autor, o “social” acontece nas relações não mercantis, sendo o hiato entre a organização política e o sistema econômico, e tendo como centro a ideia da sociedade salarial, em que a maioria dos sujeitos sociais tem sua inserção social relacionada ao lugar que ocupa no salariado, o que envolve sua renda, seu status, sua proteção e sua identidade. A sociedade salarial não é uma sociedade de igualdades, abrigando diversos conflitos; no entanto, cada sujeito dispõe de um mínimo de garantia e direitos, assegurados pelo Estado Social. Com a retirada do Estado, o corporativismo ameaça os interesses gerais, e o vínculo social pode se decompor. Para o autor, a questão social se agrava com a precarização do trabalho e com a interinidade, que alimenta o desemprego. Dessa forma, os indivíduos, vivendo o dia a dia, veem fragilizados seus vínculos, a noção de pertencimento e a coesão social. Segundo Castel (2013), o enfrentamento da questão social se dá mediante o fortalecimento das relações de trabalho, sua garantia e a proteção do Estado.

Para Didier Lapeyronnie (2003), o ponto de partida para o debate acerca da questão social vem do pressuposto que os problemas elencados como questões de integração social não são consequências naturais de uma evolução da sociedade, mas configuram como uma solução construída social e simbolicamente, fazendo com que as classes populares sejam excluídas por mecanismos sociais e anuladas por mecanismos políticos e simbólicos. Dessa forma, o entendimento da questão social na atualidade demonstra que o indivíduo não está mais submetido às normas e à racionalização da produção, mas sim a imagens e signos que lhe são impostos pelo consumo e por sua participação na vida social. Para o autor, os indivíduos não se identificam mais pelo trabalho e pela posição social, pois sua identificação está no tipo e nível de consumo.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

O sentimento de pertencimento a uma determinada situação social, foi, portanto, substituído pela busca de mobilidade em torno de acesso ao consumo.

Segundo o autor, nesse cenário em que o consumo está acima da produção e determina a posição do indivíduo na sociedade, o discurso da luta de classes e de integração foi substituído pela ideia da dualização e da exclusão. De um lado, posicionam-se as classes médias definidas pelo status, capacidade de consumo e de participação na vida urbana; de outro, as classes populares, identificadas pelos níveis de violência, miséria e patologias: os excluídos.

Se antes a classe operária tinha uma identidade, dada por sua participação na produção, e nela podia se apoiar e reivindicar de forma coletiva, agora, dissociada da produção e identificada pelo consumo, luta pelo reconhecimento, por sua dignidade. Dessa forma, numa ordem em que as categorias objetivas dos dominantes definem a nova questão social, colocando em oposição a integração à exclusão e o universal ao particular, resta ao excluído a luta por sua dignidade e reconhecimento ao direito de viver a sua vida, sem a imposição de modelos definidos pelo consumo. Isso constitui a nova questão social.

Para o autor, seu enfrentamento se dá por meio de três questões consideradas cruciais:

• fazer aparecer, por trás da lógica objetiva de integração-exclusão, a veracidade das relações de classes e das relações de poder;

• fazer do direito de cada um viver sua vida o objetivo de toda política;

• colocar no centro da ação a reivindicação pela democracia.

A relação da questão social com a prática e ação do Serviço Social reside no fato de que a formação profissional no Brasil tem nessa sua sustentação de fundação sócio-histórica. Assim, a questão social torna-se um elemento central e constitutivo da relação entre o Serviço Social e realidade social.

O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas e lutas sociais. (ABEPSS, 1996, p. 5).

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Capítulo 2

De acordo com Iamamoto (2010), a identificação da questão social como elemento transversal à formação e ao exercício profissional no Serviço Social decorre da necessidade de situar a profissão no contexto histórico da sociedade, e mais especificamente da história da sociedade brasileira como uma forma de romper com o dualismo e a defasagem entre a teoria e a prática, e de qualificar a ação profissional no enfrentamento cotidiano da questão social. Segundo a autora (2010, p. 163):

O Serviço Social, tem na questão social a base de sua fundação enquanto especialização do trabalho. Os assistentes sociais, por meio da prestação de serviços sócio-assistenciais

– indissociáveis de uma dimensão educativa (ou político-ideológica) – realizados nas instituições públicas ou organizações privadas, interferem nas relações socais cotidianas, no atendimento às variadas expressões da questão social, tais como experimentadas pelos indivíduos sociais no trabalho, na família, na luta pela moradia e pela terra, na saúde, na assistência social pública, entre outras dimensões.

Por outro lado, afirma a autora que a distinção atribuída à questão social exige o aprofundamento e a apropriação da matriz teórica da tradição plural marxista, relacionando-a com as demais correntes do pensamento contemporâneo e aprofundando seu debate. Essa aproximação permite entender a sociedade civil que explica o Estado, sendo que nas relações sociais podem ser compreendidas as formas políticas, religiosas, artísticas, entre outras. A partir dessa visão, a questão social tem prioridade sobre a política social na formação acadêmico-profissional do assistente social, pois “a questão social explica a política social, mas a política social não explica a questão social tout court” (IAMAMOTO, 2010, p. 185).

Salientamos, ainda, que, calçadas na teoria social crítica, as referências à questão social são totalmente distintas das abordagens que envolvem o entendimento da situação social problema ou dos problemas sociais, ou ainda de situações que envolvam solidariedade ou integração social, cujas raízes teóricas fundamentadas na sociologia clássica durkeineana diferem da matriz teórica a partir da qual se desdobra o debate da questão social no âmbito do Serviço Social no Brasil, conforme anteriormente estudado.

Mantendo nosso estudo de forma universal e plural, passamos a abordar as estratégias em Serviço Social, tema de grande relevância e central no enfrentamento das manifestações da questão social.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Seção 2Estratégias em Serviço Social

O processo de ação ou intervenção profissional não se modeliza num conjunto de passos preestabelecidos (a chamada receita), exigindo uma profunda capacidade teórica para estabelecer os pressupostos da ação, uma capacidade analítica para entender e explicar as particularidades das conjunturas e situações, uma capacidade de propor alternativas com a participação dos sujeitos na intrincada trama em que se relacionam as forças sociais, e em que se situa, inclusive, o assistente social (FALEIROS, 2011, p. 65).

Ao avançarmos em nosso estudo, passamos para o debate acerca das estratégias necessárias ao assistente social para atuar frente à questão social, sendo essa entendida como elemento constitutivo da relação entre o profissional e a realidade social, conforme vimos na seção anterior.

Quando falamos de estratégias, estamos nos referindo a categorias amplas de ação, de como converter intenção em prática, de como fazer para que objetivos antes definidos sejam alcançados. Portanto, estamos falando de caminhos, procedimentos, do “como” (TENÓRIO, 1999; DRUCKER,1997; HUDSON 1999; MACIEL, 2014). Estamos falando da relação teoria/prática em Serviço Social.

De acordo com Rodrigues (2003), considerando a complexidade da ação do Serviço Social, as estratégias não configuram apenas como a mera realização de decisões preestabelecidas para atender objetivos em contextos já definidos; antes, as estratégias podem ser compreendidas a partir da tomada de decisão em torno de uma intervenção, sendo consideradas as possibilidades de imprevistos, acasos, novas informações e conhecimentos que se constroem ao longo do processo. Trata-se de lutar contra o acaso, buscando informações para dirimir incertezas e ao mesmo tempo tirar partido dele.

Para Iamamoto (2003), o enfrentamento da questão social acontece a partir da construção de duas estratégias:

• A primeira diz respeito à politização da participação dos profissionais nos espaços de gestão, entendendo essa como arena de interesses que devem ser reconhecidos e negociados. Trata-se da participação efetiva da categoria nos espaços criados a partir da Constituição Federativa de 1988, os conselhos, fóruns, que atualmente configuram espaços públicos que devem viabilizar a representação e negociação, a vivência da democracia representativa e direta, a construção de políticas públicas e sociais que atendam a maioria.

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Capítulo 2

• Como segunda estratégia, e coadjuvante da primeira, a autora propõe o resgate da ação pedagógica do Serviço Social por meio do trabalho de base na mobilização e organização popular, ações que, segundo a autora, foram absorvidas pelos movimentos sociais nos últimos anos, e para as quais os assistentes sociais precisam dedicar tempo, estudo e atenção.

De acordo com Faleiros (2011), as categorias e estratégias em Serviço Social são elaborações teórico-metodológicas que emergem da reprodução da teoria pela prática e da prática pela teoria, constituindo um repertório que permite a intervenção profissional, proveniente não de uma teoria abstrata, mas do acúmulo de experimentações controladas; uma combinação de saber sistemático alimentado pela pesquisa e análises críticas.

Ao analisar as estratégias em Serviço Social, Faleiros (2011) o faz interceptando seu conceito com o entendimento de trajetórias e patrimônios simbólicos. Desta forma, entende trajetórias como a construção e desconstrução de poderes, numa dinâmica relacional em que se cruzam os ciclos curtos de vida dos indivíduos e os ciclos longos da história, os tempos históricos e sociais, os tempos familiares e individuais. Não sendo linear, essa trajetória envolve um processo de mudanças de relações que implicam rupturas, manifestando-se em revoltas, desavenças, resistências e deslocamentos, como também em continuidades que se identificam nas acomodações, integrações e repetições.

Quanto aos patrimônios simbólicos, o autor afirma que eles são referências para a constituição das identificações sociais. As representações que os indivíduos e grupos fazem de si mesmos dependerão das crenças, valores e referências culturais que adotam no cotidiano. As representações e ideologias dependem das práticas sociais de classe, de discriminação, de resistência.

Ainda segundo o autor, as trajetórias sociais são processos que envolvem estruturação e desestruturação de referências e patrimônios pela articulação ou desarticulação de relações sociais, num determinado tempo e espaço, onde se reproduzem mudanças tanto nas formas de reprodução quanto de identificação social. Nessa perspectiva, as estratégias para o Serviço Social constituem

processos que articulam e mediam poderes e mudanças nas relações de interesses, referências e patrimônios em jogo, implicam investimentos em projetos individuais e coletivos, resultando na rearticulação dos patrimônios, referências e interesses, tendo como intenção a re-produção e a re-presentação dos sujeitos históricos.

Re-produzir-se é atender às necessidades de sobrevivência nas relações sociais dadas historicamente, e re-presentar-se implica o processo de re-construção da identidade (FALEIROS, 2011).

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

A partir desses conceitos, o autor elabora o que denomina de paradigma de correlação de forças, propondo o fortalecimento do dominado (empowerment) e sua defesa (advocacy) como objetivos estratégicos da intervenção do Serviço Social. Nessa perspectiva, “o assistente social passa a ser um aliado do cliente/usuário em vez de um gerenciador de recursos da instituição em função dos critérios, normas e itinerários por ela estabelecidos” (FALEIROS, 2011, p.78).

Não se trata da aplicação aleatória de dispositivos estratégicos, mas de um processo contínuo de percepção de condições concretas para intervenção, para o que o autor propõe algumas estratégias, a saber: estratégia de rearticulação das referências sociais, de rearticulação de patrimônios, de contextualização e de articulação institucional, as quais explicaremos a seguir:

• Estratégia de rearticulação de referências sociais: trata-se da compreensão dos problemas vivenciados pelo sujeito a partir de suas trajetórias, e envolve a implementação de seus direitos de cidadania, a participação na tomada de decisão do que lhe diz respeito, o acesso às informações sobre a possibilidade de alteração de sua condição, o reconhecimento das redes em que convive, das condições de opressão, da discriminação a que está exposto, bem como o entendimento do processo de identificação social desse sujeito.

• Estratégia de rearticulação de patrimônios: implica o acesso aos recursos, equipamentos e benefícios, o que resultará no fortalecimento das condições de reprodução dos sujeitos e no consequente atendimento de suas necessidades. Para tal, o assistente social deverá ter amplo conhecimento das políticas sociais e sua operacionalização, revertendo, dessa forma, o processo de exclusão.

• Estratégia de contextualização: no processo de análise e entendimento dos problemas, essa estratégia busca retirar os excluídos de um visão limitada, passando a considerá-los de forma contextualizada a partir das relações de forças, de dominação, tanto em aspectos mais gerais quanto no específicos e particulares.

• Estratégia de articulação institucional: a combinação das estratégias acima relacionadas implica um plano estratégico institucional, no qual são reforçados os compromissos com o sujeito, definidos os níveis e o ritmo das intervenções, os recursos e as oportunidades, bem como o envolvimento de diferentes setores institucionais, da sociedade e da família.

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Capítulo 2

Ao abordar o que se denomina de articulação estratégica no Serviço Social, Faleiros (2011, p. 86) inicia defendendo a proposta de que “é possível e viável a construção com outros agentes, de uma estratégia de ação profissional sem se perder a força e o conhecimento específico”. Continua, afirmando que é necessário assumir a particularidade do Serviço Social no contexto das relações sociais. Fugindo das dicotomias, sugere que se entenda a divisão da sociedade em classes, numa concepção mais abrangente de classes sociais, tendo com referencial as relações de produção, mas não reduzindo a essa todo o entendimento da dinâmica social, considerando as diferenças culturais, regionais, níveis de desenvolvimento e de trajetória histórica de cada sociedade.

A articulação estratégica parte do entendimento de que a sociedade não se constitui como uma soma de indivíduos e como uma totalidade abstrata, pois se constitui como uma relação de forças estruturais/conjunturais, isso implica na correlação entre a conjuntura e a estrutura social. Na conjuntura, as forças se constroem e desconstroem em relações de poder, de exploração, nas relações de disponibilidade de recursos. Essa relação envolve dominantes e dominados, e a construção de uma hegemonia que se altera entre avanços e recuos. Trata-se da relação de forças, resultando em uma relação de classes na qual acontece um aumento ou diminuição do patrimônio político, cultural, afetivo, familiar.

A articulação estratégica em Serviço Social se dá no momento em que se busca o fortalecimento do sujeito frente às situações de fragilização, de perda de patrimônio, das condições de autonomia. O profissional age a partir do entendimento da relação força/recurso/problemas, buscando a superação da situação por meio da articulação dos sujeitos, dos direitos, da cidadania, dos dispositivos que irão refazer essa relação.

A compreensão da questão social, bem como das estratégias necessárias ao seu enfrentamento, são estudos que corroboram para o entendimento da instrumentalidade do Serviço Social, assunto que passamos a abordar em nossa próxima seção.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Seção 3Instrumentalidade do Serviço Social

É parte da instrumentalidade o ato de responder às diversas e heterogêneas demandas que nos chegam (...), de onde se faz necessário buscar seus fundamentos sócio-históricos e políticos, seu modo de ser e discerni-los do seu modo de aparecer, das suas expressões, evidenciar seus contornos, determinações e peculiaridades, para daí captar como esta demanda é respondida e com que tipo de respostas, bem como qual a racionalidade que o assistente social está acionando para responder a ela. (GUERRA, 2014, p. 37).

Com o texto acima introduzimos nosso estudo acerca da instrumentalidade do Serviço Social, fazendo uma breve reflexão sobre o papel e a relevância da racionalidade para nossa práxis. Do destaque, depreendemos que, por meio da racionalidade, o assistente social constrói respostas às demandas. O que vem a ser esta racionalidade?

Ao entrar em contato com determinada realidade social e suas demandas, o assistente social utiliza o principio da racionalidade, tendo na razão o guia para a execução de sua ação. Assim, busca apreender a totalidade de forma consciente e racional, sendo responsável por sua ação, sabendo que seu trabalho, por sua dimensão prático-concreta, irá operar mudanças tanto no objeto quanto no sujeito, bem como na subjetividade dos indivíduos (IAMAMOTO, 2003).

De acordo com Guerra (2014), pela instrumentalidade do Serviço Social se expressam as racionalidades as quais possibilitam a materialização das diversas formas de intervenção ideopolítica e socioprofissional do assistente social. Para tanto, a autora destaca dois tipos de racionalidades:

• Racionalidade instrumental: Trata-se de uma racionalidade voltada para prática formal-abstrata, manipuladora e instrumental, manifestando-se de forma segmentada e descontextualizada. Por meio de uma concepção unidimensional, é uma racionalidade ditatorial e totalitária (MORIN, 2005, p. 163). De acordo com Ramos (1989), a racionalidade instrumental é aquela que orienta a conduta humana como um meio para se atingir os objetivos, não detendo-se na qualidade das ações. É, portanto, determinada pela expectativa de resultados ou fins calculados, sendo utilitária, técnica, econômica.

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Capítulo 2

• Racionalidade substantiva: Tendo como referencial a teoria social crítica, Guerra (2014) afirma que a razão substantiva é sinônimo da razão dialética, pois incorpora a contradição, o movimento, a negatividade, a totalidade, as mediações, procurando entender a lógica pela qual os fenômenos se constituem, sua essência. Já para Ramos (1989), a racionalidade substantiva é um atributo natural do ser humano, visto que reside na psique humana e é a partir dela que os indivíduos buscam conduzir sua vida pessoal, na direção da auto-realização. De caráter emancipatório, a racionalidade substantiva está voltada para valores, independente de expectativas de sucesso, busca a autorrealização, contrabalanceada com o alcance da satisfação e bem-estar social, a partir do julgamento ético-valorativo das ações.

De acordo com Guerra (2014), a racionalidade instrumental tem predominado ao longo da história e da formação do Serviço Social no Brasil, e isso decorre de dois fatores:

1. Primeiramente, por seu caráter interventivo, dela são esperadas respostas que alterem as mais diversas situações que chegam ao profissional;

2. Pela peculiaridade presente nas demandas para a profissão, demandas essas que exigem soluções na maioria das vezes imediatas, paliativas, pontuais, que por fim se convertem em objetos da profissão, pelas quais passa a ser identificada.

Conclui a autora, “assim, ir além da imediaticidade da prática profissional e da racionalidade instrumental não é nada fácil”. (GUERRA, 2014, p. 32).

Para transpor essa situação, sugere mudanças na forma de ler e interpretar a realidade, indo além da consciência comum, da aparência que recobre os fatos da realidade social; buscando; na razão histórica e dialética, o entendimento dos movimentos da própria realidade, identificando suas contradições e superando-as. Essa mudança de leitura e interpretação interfere diretamente na concepção e no entendimento da instrumentalidade e do instrumental técnico-operativo do Serviço Social.

Os assistentes sociais trabalham com as mais diversas expressões da questão social, seja na esfera pública ou privada, no contexto das organizações e movimentos sociais. Esse trabalho constitui um desafio diário e permanente, à medida que exige do profissional o uso de diferentes instrumentos pelos quais exerce sua ação, ao mesmo tempo em que adquire novos conhecimentos produzindo sua objetivação.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

As demandas são diversas e variadas, o que tem exigido do profissional o estabelecimento de critérios na escolha de técnicas que melhor atendam às necessidades, gerem resultados positivos e ultrapassem o curto prazo, resultando em soluções de caráter contínuo e consequente na vida dos indivíduos, comunidades, movimentos e organizações.

Sarmento (2013), analisando o tema em estudo, afirma que mudanças em curso têm gerado novas necessidades, as quais, incorporadas pelos interesses de classe e expressas em exigências socioinstitucionais e técnico-operativas, materializam-se no mercado de trabalho e atingem diretamente a ação cotidiana do assistente social. Para fazer frente a essa investida, o autor sugere:

• Colocar-se nos processos de trabalho de forma crítica e criativa, sabendo que sua ação e o uso de técnicas e instrumentos não acontecem de forma neutra; antes, demandam de racionalidade e intencionalidade que permitam a realização das ações projetadas.

• Considerar que novas formas de gestão de trabalho têm surgido nos espaços de atuação, seja na esfera pública ou privada, trazendo em seu escopo diferentes concepções de mundos, estratégias e objetivos bem definidos, diferenciados por novas racionalidades e conhecimentos que se referem à gestão e execução de políticas, programas e projetos.

• Considerar que essas formas e espaços de gestão geram novas configurações instrumentais, em que instrumentos e técnicas são concebidos por meio de um conjunto de intenções éticas e políticas, não sendo neutros. Isso exige, por parte dos profissionais, atitude crítica e o esforço competente de gerar um conjunto de procedimentos articulados entre si, técnicos, políticos, teóricos, éticos, e que venham nortear e qualificar a ação, no sentido de dar concretude ao projeto ético político da profissão.

• Observar as dimensões objetivas que compõem os processos de trabalho dos assistentes sociais: a dimensão concreta (tecnologias e condições materiais e ambientais); a dimensão gerencial (como o trabalho é gerido e as funções de planejar, executar e controlar); a dimensão socioeconômica (que articula os modos de realizar o trabalho e as estruturas econômicas, sociais e políticas); a dimensão ideológica (que entrelaça todas a demais dimensões e envolve o discurso sobre o trabalho e as relações de poder); a dimensão simbólica (que diz respeito aos aspectos subjetivos da relação do indivíduo com o trabalho e com os demais sujeitos).

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Capítulo 2

De acordo com Iamamoto (2010), nesse contexto, novas funções e competências têm sido demandadas do assistente social, o que tem gerado novas exigências de qualificação, tais como:

Um perfil profissional culto, crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais. Exige-se, para tanto, compromisso ético-político com os valores democráticos e competência teórico-metodológica na teoria crítica em sua lógica de explicação da vida social. Esses elementos, aliados à pesquisa da realidade, possibilitam decifrar situações particulares com que se defronta o assistente social no seu trabalho, de modo a conectá-las aos processos sociais macroscópicos que as geram e as modificam. Mas, requisita, também, um profissional versado no instrumental técnico- operativo, capaz de potencializar as ações nos níveis de assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas decisões que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos e no acesso aos meios de exercê-los (IAMAMOTO, 2010, p. 208).

As ações desenvolvidas pelo assistente social envolvem um arcabouço de conhecimentos, competências e habilidades, além do domínio de um vasto arsenal de técnicas e instrumentos, por meio dos quais acontecem as intervenções. De acordo com Guerra (2014), os instrumentos se revestem de uma intencionalidade profissional. A partir de então, são criados, utilizados, mobilizados de acordo com a finalidade da intervenção profissional, da racionalidade que permeia a ação, contribuindo para a passagem da teoria à prática e permitindo a materialização dos objetivos profissionais em ações concretas. Dessa forma, a instrumentalidade está referindo-se à capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos e permite que o assistente social objetive sua intencionalidade em respostas profissionais, modificando, transformando, alterando condições objetivas e subjetivas, relações interpessoais e sociais, no nível da realidade social e de seu cotidiano.

O sufixo “idade” tem a ver com a capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício profissional refere-se, não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste caso, a instrumentação técnica), mas a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico. (GUERRA, 2007, p. 1)

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

A autora defende a ideia de que falar da instrumentalidade, como a capacidade de criar e recriar os meios para o alcance de objetivos, é falar em projeto profissional. Esse projeto deve buscar e elaborar as respostas sobre o que, por quê, para quê, quando, onde, com que meios e como fazer, sendo que:

• Como fazer e com que meios: diz respeito às habilidades e competências a serem desenvolvidas ao longo de uma formação contínua;

• Por quê: está relacionado à leitura da realidade social e do aporte teórico sobre o qual se assenta a visão de homem e mundo do profissional;

• Para quê: Está vinculado aos valores e compromissos profissionais;

• Quando e onde: Diz respeito à dimensão do espaço e tempo, estando relacionados com a concepção social do sujeito, exigindo a permanente análise da conjuntura.

Quanto mais enriquecida for a instrumentalidade, maior sua contribuição para a consecução do projeto ético-político profissional. De acordo com Guerra (2014), essa instrumentalidade é rica quando:

• Vamos além das estratégias individuais e buscamos responder às demandas coletivas;

• Quando lutamos contra a individualização dos problemas, enfrentando os processos de culpabilização do sujeito;

• Quando estimulamos a participação do sujeito nas instituições e na tomada de decisão do que lhe diz respeito;

• Quando criamos instrumentos que gerem a emancipação, em oposição aos que manipulam, subordinam e controlam;

• Quando desenvolvemos capacidade e argumentos de negociação com sistemas e organizações em prol dos interesses dos usuários, questionando e buscando ampliar os critérios de elegibilidade;

• Quando lutamos contra a precarização das condições de trabalho da categoria, buscando conquistar espaço e tempo para a pesquisa, estudo, discussão, num processo interdisciplinar e com vistas à melhoria da qualidade dos serviços prestados;

• Quando atuamos para além das situações imediatas e construímos espaços para investigação, reflexão e superação do emergencial e momentâneo;

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Capítulo 2

• Quando atuamos de forma articulada com organizações, sindicatos e movimentos sociais, afirmando os princípios do Código de Ética, observando as atribuições e competências da Lei que regulamenta nossa profissão.

É claro que uma instrumentalidade, para ser rica, necessita encontrar as condições objetivas para tal, tanto quanto necessita de um sujeito preparado, atento, com sólida formação intelectual, claras convicções políticas, sem esquecer que a dimensão político-profissional se faz com certezas, com princípios claros e firmes, com compromissos assumidos e honrados. (GUERRA, 2014, p. 41).

No atual contexto, apenas o entendimento e domínio da instrumentalidade e dos instrumentais técnico-operativos não é suficiente para o enfrentamento das diversas manifestações da questão social. De acordo com Iamamoto (2003), é necessário que o profissional do Serviço Social tenha clareza de três requisitos relativos a sua competência profissional, presentes em três dimensões das quais o profissional precisa ter domínio:

• Competência ético-política: Segundo a autora, o profissional deve ter conhecimento político necessário a sua prática, considerando que estará lidando com as relações de poder e forças sociais da e na sociedade. O assistente social necessita apresentar uma posição política frente às situações que envolvam conflitos, articulando sua intervenção em direção dos interesses da sociedade.

• Competência técnica-operativa: Esta competência diz respeito à série de conhecimentos e competências necessários para a utilização de instrumentos operativos com vistas à ação. Deve ter habilidades que permitam uma atuação crítica e eficaz nas intervenções junto à população, às organizações; enfim, em seu ambiente de trabalho.

• Competência teórico-metodológica: De acordo com a autora, as grandes fontes do pensamento social devem constituir material de busca e pesquisa, que estarão contribuindo para o exercício profissional. Torna-se imprescindível uma fundamentação teórico-metodológica como um caminho necessário para a inovação do exercício profissional. Sugere a autora o domínio da teoria social crítica, a aproximação à realidade, a participação política e um embasamento técnico-operativo que permita o alcance de novos rumos na atuação profissional.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

O entendimento dos assuntos até aqui abordados, quais sejam, a questão social, as estratégias e a instrumentalidade do serviço social, servem de embasamento para a compreensão das metodologias de intervenção e dos instrumentais técnicos operativos, nossos próximos temas de estudo e pesquisa. Sugerimos um estudo atencioso e empenhado, considerando que essa é nossa práxis, espaço em que transformamos intenções em ações, intervimos; esse é nosso chão.

ReferênciasABEPSS/CEDEPSS. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro, 1996.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 11ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

DRUCKER, P. F. Administração em organizações sem fins lucrativos: princípios e Práticas.4ª ed. São Paulo. Pioneira, 1997.

FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em serviço social. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. 2007.Disponível em: <http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2015.

HUDSON, M. Administrando organizações do terceiro setor: o desafio de administrar sem receita. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 1999.

IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

IAMAMOTO, Marilda Villela. A questão social no capitalismo. In: Revista Praia Vermelha. Estudos de política e teoria social, Rio de Janeiro. UFRJ, nº 8, 2003, p.56-83.

LAPEYRONNIE, Didier. A questão social ontem e hoje. In: Revista Praia Vermelha. Estudos de política e teoria social, Rio de Janeiro. UFRJ, nº 8, 2003, p.12-31.

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Capítulo 2

MACIEL, Walery Luci da Silva. Gestão social: planejamento e avaliação: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.

MONTAÑO, Carlos. Pobreza, “questão social”, e seu enfrentamento. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo, nº 10, p. 270-287, abr./jun. 2012.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8ª ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2005.

NOVA EDITORA MUSICAL LTDA. Construção. 1971. Disponível em: <http://letras.mus.br/chico-buarque/45124/>. Acesso em: 28 out. 2015.

RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.

RODRIGUES, Maria Lúcia. Ações e interlocuções: estudos sobre a prática profissional do assistente social. 2ª ed. corr. São Paulo: Veras, 2003.

SANTOS, Edlene Pimentel. A questão social em debate. In: Revista Praia Vermelha. Estudos de política e teoria social, Rio de Janeiro. UFRJ, nº 10, 2004, p.62-83.

TENÓRIO, Fernando (organizador). Gestão de ONGs: principais funções gerenciais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.

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Neste capítulo, estaremos abordando as metodologias de intervenção e o instrumental técnico-operativo da prática do Serviço Social. Ao finalizar a leitura, o (a) estudante estará apto (a) para analisar e intervir na realidade, compreendendo suas atribuições profissionais a partir do desenvolvimento de competências éticas, teóricas e metodológicas, bem como para atuar contribuindo com alterações qualitativas nas interações sociais nos espaços sócio-ocupacionais, interagindo junto a equipes interdisciplinares nos mais diversos espaços profissionais.

Capítulo 3

Metodologia e instrumental técnico-operativo da prática profissionalWalery Luci da Silva Maciel

Seção 1Considerações em torno das abordagens individual, grupal e coletiva No momento em que detemos nosso estudo na dimensão técnico-operativa do Serviço Social, fazemos isso lembrando, conforme até aqui estudado, da complexidade dos contextos e demandas com as quais trabalhamos. Estamos nos referindo à diversidade de espaços sócio-ocupacionais, seja na esfera pública ou privada, nos diferentes níveis de ações nos quais somos demandados, seja na proposição, planejamento e formulação de políticas públicas, na articulação e ou gestão de programas, projetos, movimentos ou organizações sociais, bem como no atendimento direto.

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Capítulo 3

De acordo com Toso (apud MIOTO e LIMA, 2009), a complexidade da ação do assistente social pode ser compreendida a partir de um conjunto de fatores que as tornam altamente variáveis e sujeitas a contínuas transformações, quais sejam: os tipos de demandas que exigem formas de operação flexíveis e personalizadas, a quantidade e multidimensionalidade dos problemas e demandas sociais, a multiplicidade de contextos institucionais com as peculiaridades das relações no ambientes de trabalho, as incertezas quanto à disponibilidade de recursos, e, por fim, a complexidade das respostas somada à incerteza sobre seus efeitos, considerando o grande número de variáveis intervenientes e a dificuldade em controlá-las. A esses fatores, podemos acrescentar o desafio da atuação em equipes multidisciplinares e a interação que se faz necessária com outras áreas de conhecimento e na ação profissional.

A dimensão técnico-operativa tem seu desenho a partir do projeto ético-político da profissão, que, construído de forma coletiva, consiste, de acordo com Iamamoto (2003), na articulação entre a realidade sócio-histórica na qual a profissão se movimenta, considerando seus limites e possibilidades, e a dimensão profissional, que compreende as respostas técnico-profissionais dos assistentes sociais. Essas respostas envolvem metodologias e instrumentais que, no cotidiano da ação profissional, permitem a concretização dos projetos, bem como a intervenção, constituindo-se em elementos fundamentalmente necessários à objetivação da ação profissional, sendo parte da direção teórico-política da profissão. (TRINDADE, 2001).

De acordo com Santos (2013), na dimensão técnico-operativa podemos encontrar os objetivos e sua efetivação, as condições objetivas e subjetivas para o alcance das finalidades. Por outro lado, exige o conhecimento de quem são os usuários, seu modo e estratégias de vida, suas demandas, os sujeitos e as relações de poder. Conclui a autora:

É com essa compreensão que oferecemos destaque, aqui, à dimensão técnico-operativa, enquanto dimensão que em sua especificidade é a mais aproximada da prática profissional, e, que por ser assim, propriamente dita, necessariamente, expressa e contém as demais dimensões. Ou seja, as ações expressam as concepções teórico-metodológica e ético-política do profissional, mesmo que ele não tenha clareza de suas concepções e de seus valores. Nesta direção, a dimensão técnico-operativa envolve um conjunto de estratégias, táticas e técnicas instrumentalizadoras da ação, que efetivam o trabalho profissional, e que expressam uma determinada teoria, um método, uma posição política e ética. (SANTOS, 2013, p. 26).

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

As intervenções no cotidiano do assistente social podem acontecer a partir de três abordagens, a saber: de forma individualizada, grupal ou coletiva. Não é nossa intenção neste estudo ressuscitar as antigas abordagens de “caso, grupo e comunidade”, comuns à formação e prática profissional até a década de 1980, e que após revisão e vigoroso debate teórico-metodológico, aprofundado nos anos 1990, passaram a ser abordadas a partir da teoria social crítica, incorporadas numa visão contextualizada e ampla da sociedade, das relações sociais e das manifestações da questão social.

Observe que a Lei 8.662/93, que regulamenta a profissão do assistente social, estabelece, em seus artigos 4º e IXº, ao tratar da atuação desses profissionais sobre a prestação de serviços diretos, os quais são de sua competência: a) a orientação social a indivíduos, grupos e à população; b) a assessoria e o apoio aos movimentos sociais em relação às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade.

Dessa forma, o interesse, neste momento de estudo, é discutir e refletir as possibilidades de atuação do assistente social em cada uma dessas modalidades de intervenção, considerando que podem acontecer de forma isolada ou concomitantemente e, ainda, que essas não se dão de maneira estanque nem descontextualizada; antes, configuram espaços e formas de exercício profissional, e estarão sempre imbricadas na conjuntura maior da sociedade, nas relações de classe e de poder, nos contextos de trabalho, de consumo, de realização da vida.

Com esse pensamento corroboram Mioto e Lima (2009), ao afirmarem que a operacionalização da ação deve ocorrer a partir da articulação dos conhecimentos entre o universal, o particular e o singular, estabelecendo relações entre o indivíduo e a sociedade. Sobre isso, complementam as autoras:

É a partir das demandas postas pelos sujeitos, sejam elas de caráter coletivo ou singular, que o Assistente Social, a partir da finalidade assumida como horizonte para suas ações, define tanto o objetivo como o caráter da ação a ser empreendida, localizando-a dentro dos limites e possibilidades colocados pela natureza dos espaços sócio- ocupacionais. Essa definição é realizada através da investigação e do conhecimento das necessidades da população, expressas pelas suas demandas e pela realidade particular de suas condições de vida, e em diálogo com o corpo de conhecimentos já produzidos sobre as particularidades das situações e coerentes com a matriz teórico-metodológica que direciona determinado projeto profissional. (MIOTO e LIMA, 2009, p. 39).

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Capítulo 3

Ainda de acordo com Iamamato,

o assistente social lida, no seu trabalho cotidiano, com situações singulares vividas por indivíduos e suas famílias, grupos e segmentos populacionais, que são atravessadas por determinações de classes. São desafiados a desentranhar da vida dos sujeitos singulares que atendem as dimensões universais e particulares, que aí se concretizam, como condição de transitar suas necessidades sociais da esfera privada para a luta por direitos na cena pública, potenciando-a em fóruns e espaços coletivos. Isso requer tanto competência teórico-metodológica para ler a realidade e atribuir visibilidade aos fios que integram o singular no coletivo quanto à incorporação da pesquisa e do conhecimento do modo de vida, de trabalho e expressões culturais desses sujeitos sociais, como requisitos essenciais do desempenho profissional, além da sensibilidade e vontade políticas que movem a ação. (IAMAMOTO, 2009, p. 33).

1.1 Abordagem individualA abordagem individual se dá quando o assistente social se encontra diretamente com indivíduos ou usuários, ou cidadãos beneficiários, nas mais diversas situações que materializam a questão social e e manifestam-se na situação problematizada por meio da queixa, da reivindicação do direito, serviço ou benefício. Mioto (2014) apreende esse momento a partir do que denomina de processos socioassistenciais, o que corresponde ao “conjunto de ações profissionais desenvolvidas, a partir de demandas singulares, no âmbito da intervenção direta com os usuários em contextos institucionais” (MIOTO, 2014, p. 3).

O olhar atento e criterioso, pautado pelo compromisso ético-político e teoricamente embasado, permitirá uma abordagem que resulte significativa e consequente. É necessário que o profissional esteja atento à condição de quem procura o atendimento, em situação marcada pela fragilidade, pela perda de patrimônios (FALEIROS, 2011), pela necessidade de se fazer ouvir de forma atenta e qualificada, de obter respostas claras e objetivas numa linguagem que, sem abrir mão da terminologia própria da área de atuação, seja acessível e inteligível ao público a que se dirige (SOUZA, 2008). Mioto e Lima (2009, p. 42) afirmam que a abordagem individual corresponde

ao conjunto de ações profissionais desenvolvidas diretamente com usuários nos diferentes campos de intervenção a partir de demandas singulares. Sua lógica reside em atender o usuário como sujeito, visando responder a essas demandas/necessidades numa perspectiva de construção da autonomia do indivíduo nas relações institucionais e sociais, remetendo-o à participação política em diferentes espaços.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

A intervenção, nesse momento, respalda-se na ideia do acolhimento. De acordo com o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2015) e o Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2009), o termo acolhimento relaciona-se ao ato ou efeito de acolher; à recepção, atenção, consideração, refúgio, abrigo e a agasalho. Acolher significa dar acolhida ou agasalho a; hospedar; receber; atender; dar crédito a; dar ouvidos a; admitir, aceitar; tomar em consideração; atender a. Dentro dessa perspectiva, Chupel e Mioto (2010) afirmam que o acolhimento compreende ações sobre o fornecimento de informações, o conhecimento da demanda e a escuta do usuário. Vejamos:

a. Fornecimento de informações: De acordo com Cepik (2000), o direito à informação é um direito civil, político e social ao mesmo tempo. Há informações que se caracterizam como extremamente relevantes e precisam ser repassadas ao usuário, considerando que se trabalha a partir de uma visão pautada pelo compromisso ético-político de estabelecer condições que levem ao empoderamento e autonomia (FALEIROS, 2011). São informações de natureza diversa, circunscrita ao âmbito no qual se dá o atendimento, ou ainda referentes a outras instituições, políticas, programas ou serviços sociais essenciais à resolução da situação vivenciada.

Conforme Mioto (2014, p. 6):

Ressalta-se, nessas considerações, que o direito à informação não está restrito apenas ao conhecimento dos direitos e do legalmente instituído nas políticas sociais. Inclui-se o direito dos usuários de usufruírem de todo conhecimento socialmente produzido, especialmente daqueles gerados no campo da ciência e da tecnologia, necessário para a melhoria das condições e qualidade de vida ou para que os usuários possam acessar determinados bens ou serviços em situações específicas. Acresce-se ainda que o direito à informação não se restringe ao acesso à informação. Ele pressupõe também a compreensão das informações, pois é ela que vai possibilitar seu uso na vida cotidiana.

De acordo com Silva (apud Mioto, 2014), a socialização das informações é fundamental para a viabilização de direitos, constituindo-se como uma ação de fortalecimento do usuário no acesso a essas e como uma oportunidade de mudar sua realidade. Sustenta a autora que a perspectiva do direito nessas ações se dá por meio de dois aspectos: o compromisso com a cidadania, entendida como um processo de politização, e o entendimento do usuário como um sujeito de valores, com interesses e demandas legítimas que, mesmo referenciadas numa realidade imediata, estão conectadas a uma realidade mais ampla e globalizada.

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Capítulo 3

b. Conhecimento da demanda do usuário: O acolhimento caracterizado como conhecimento da demanda do usuário refere-se ao momento em que o profissional busca entender e conhecer o que motiva a busca do serviço, da informação ou do benefício. Nesse momento, é necessário que o profissional esteja atento, pois essa situação, apesar de estar sendo vivida pelo sujeito de forma particular – portanto, carregada de uma singularidade -, não é exclusiva desse sujeito. Considerando que, como seres essencialmente sociais, vivemos em sociedade, os problemas carregam em si a característica de serem universais, portanto, eles não ocorrem de forma isolada, estão interligados com contextos que lhe dão conteúdo e causalidade, constituindo sua essência. É preciso ter consciência desse fato para não cair no ardil do censo comum e considerar o problema de forma individualizada e descontextualizada.

Portanto, é necessário que o Assistente Social tenha um conhecimento teórico profundo sobre as relações sociais fundamentais de uma determinada sociedade (universalidade), e como elas se organizam naquele determinado momento histórico, para que possa superar essas “armadilhas” que o senso comum do cotidiano prega – e que muitas vezes mascaram as reais causas e determinações dos fenômenos sociais. É na relação entre a universalidade e a singularidade que se torna possível apreender as particularidades de uma determinada situação. (SOUZA, 2008, p. 123).

c. Escuta: Inicialmente, o ato de “parar para ouvir” significa atender ao desejo do usuário: ser ouvido. Ao longo da história do Serviço Social como profissão e como área de construção de conhecimento teórico-metodológico e técnico-operacional, a escuta do usuário aparece como prática no relacionamento, passando inicialmente pela afetividade, mas que, no avanço do debate, adentra ao campo da mediação e passa a incluir a totalidade das relações sociais, na qual estão envolvidas dimensões políticas e problematizadoras. (CHUPEL e MIOTO, 2010). Ser ouvido, de acordo com Souza (2008), não significa concordar com tudo o que o usuário diz; porém, implica estabelecer uma relação de respeito,

pois se o usuário não é respeitado nesse direito básico, não apenas estaremos desrespeitando-o, como prejudicando o próprio processo de construção de um conhecimento sólido sobre a realidade social que ele está trazendo, comprometendo toda a intervenção. (SOUZA, 2008, p. 127).

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No processo de acolhimento, trabalha-se com a visão da escuta qualificada como ferramenta essencial para que o usuário seja atendido e entendido numa perspectiva integral, possibilitando a construção de vínculos, o respeito à diversidade e à singularidade no encontro entre esse usuário e o assistente social enquanto profissional. A escuta qualificada abre espaço para o estabelecimento de um processo reflexivo, por meio do qual o profissional, embasado em seu compromisso ético-político, atua dentro de uma visão socioeducativa, tendo como objetivo a formação da consciência crítica. Para o alcance desse objetivo, faz-se necessário que sejam criadas as condições que irão permitir ao usuário a elaboração de forma consciente e crítica da sua própria concepção de mundo, fazendo-se sujeito do processo de construção de sua história, da história dos serviços e das instituições e da história da sociedade (MIOTO, 2014). A escuta e o diálogo que se estabelecem nesta relação criam as condições necessárias para a formação dessa consciência crítica.

1.2 Abordagem grupalOs grupos fazem parte dos movimentos da sociedade, compondo seu próprio movimento. Vamos encontrá-los nas comunidades, famílias, ambientes de trabalho e lazer. O trabalho com grupos acompanha a história do Serviço Social, constituindo, nos primórdios da profissão, um dos métodos de trabalho. O trabalho com grupos, ou a “dinâmica de grupos”, como era chamada inicialmente, surgiu como instrumento de pesquisa do comportamento humano em pequenos grupos, passando em seguida a ser largamente utilizado na área social e empresas como forma de garantir controle coletivo e a manipulação dos comportamentos por meio das relações grupais então estabelecidas (SOUZA, 2008).

No entanto, o trabalho com grupos pode se constituir em um importante aliado à práxis do assistente social. Tendo como base e referencial o compromisso ético-político, o trabalho com grupos deve estar centrado na análise e compreensão crítica da dinâmica e complexidade das diversas expressões da questão social e de como essas se manifestam no cotidiano do grupo. A partir da reflexão crítica, o assistente social pode levantar debates, discussões, construir coletivamente estratégias de enfrentamento a situações que exijam algum tipo de intervenção, sendo espaço privilegiado de mobilização e conscientização.

No contexto do trabalho com grupos, o assistente social age como um facilitador, um agente que provoca situações que levam à reflexão. Para tal, são necessárias habilidades teóricas, o que envolve o domínio do tema em debate ou da situação para qual busca-se uma intervenção, de técnicas e instrumentos, bem como uma postura política democrática, que permitirá o desenvolvimento do grupo e de seus membros de forma particular.

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Capítulo 3

Nessa perspectiva, o trabalho com grupos é um grande aliado para o desenvolvimento de um processo participativo, pois permite uma interação interdisciplinar e multisetorial, as quais facilitam o surgimento de soluções criativas e coerentes à realidade. De acordo com Cordioli (2001, p. 27), “um processo participativo visa não somente à elaboração de propostas mais ajustadas à realidade. Pretende mudar comportamentos e atitudes onde os indivíduos passam a ser sujeitos ativos no processo e não objetos do trabalho dos outros”. Conclui o autor afirmando que o processo participativo possibilita uma aprendizagem mútua, envolvendo todos, conceitualmente ou pela experiência, além de propiciar um ambiente estimulante onde os membros do grupo sentem-se mais seguros, mais confiantes pelo trabalho em equipe.

De acordo com Eiras (2005), o trabalho com grupos depreende alguns entendimentos, entre os quais a autora destaca:

a. Nos grupos e nas práticas grupais são constantes os movimentos e tensões, os quais envolvem relações de poder, numa unidade clivada pela diversidade;

b. Os grupos tendem a assumir formas socioinstitucionais próprias, que embora relacionadas, tendem a ser autônomas, influenciando os horizontes éticos políticos que os constituíram;

c. Os grupos e as práticas grupais, como manifestações coletivas, criam espaços de diferentes processos, passíveis de conhecimento e intervenção, constituindo área profícua de produção teórico-operativa específica para esse tipo de trabalho, qualificando-o como trabalho profissional;

d. O trabalho profissional com grupos necessita da compreensão sobre grupos e sobre as práticas grupais, apreendendo as singularidades e as particularidades de cada intervenção, considerando os espaços socioinstitucionais e sócio-ocupacionais existentes e pertinentes às diferentes profissões.

Para finalizar, trazemos a reflexão de Ana Maria Vasconcelos que, analisando a interação no trabalho social em sua obra de 1985, faz uma afirmação pertinente quando tratamos do trabalho com grupos, a despeito do tempo:

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Assim, a nosso ver, as relações grupais e o trabalho com grupos são por excelência o instrumento de trabalho coletivo e instrumento de organização. É através dessa relação e da força que ela representa que os dominados podem explicitar suas reivindicações e seus interesses. Poderíamos dizer que o grupo e as relações grupais são um dos instrumentos sociais. Dessa forma, qualquer assistente social, que faça uma opção pelo trabalho voltado para os interesses das classes populares utilizará relações grupais, mas para isso tem de entender o que são estas relações grupais e como se dão tendo em vista um trabalho coletivo (VASCONCELOS, 1985, p. 27).

1.3 Abordagem coletiva A ação coletiva do Serviço Social com comunidades ou movimentos sociais fez parte da constituição histórica da profissão, como também serviu de elemento por meio do qual foram e são realizadas pesquisas e estudos que, ao longo do tempo, têm constituído seu arcabouço teórico e metodológico. Na abordagem coletiva, os problemas ultrapassam os limites da singularidade, saem do particular e ganham terreno no coletivo, passam a ser vistos de forma global e abrangente, considerando a complexidade das relações sociais, de classe e de poder. Há uma coletivização das demandas particulares.

Para Mioto e Lima (2009), no trabalho com a coletividade o Serviço Social tem a oportunidade de atuar por meio dos processos político-organizativos, quando as ações, ao serem articuladas, privilegiam e incrementam as discussões, encaminhando-as para a esfera pública. Nesses processos, o foco consiste em dinamizar e instrumentalizar a participação dos sujeitos, considerando seu potencial político e seu tempo. Apesar de abarcarem as demandas imediatas, a ação prospecta, a médio e longo prazo, a construção de novos padrões de sociabilidade, de novas e diferenciadas soluções aos problemas que são comuns, guiada pela ideia de democratização dos espaços coletivos.

A abordagem coletiva se dá de forma muito frequente em comunidades, mas o que vem a ser comunidade? De acordo com Souza, uma definição de comunidade seria a de um

Conjunto de grupos e subgrupos de uma mesma classe social, que têm interesses e preocupações comuns sobre condições de vivência no espaço de moradia e que, dadas as suas condições fundamentais de existência, tendem a ampliar continuamente o âmbito de repercussão dos seus interesses, preocupações e enfrentamentos comuns (SOUZA, 1999, p. 68).

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Capítulo 3

De acordo com a autora, o que dá concretude e substância a uma comunidade não são as fronteiras ou aspectos físicos das moradias, mas o conjunto de relações e inter-relações de poderes e contra poderes que se estruturam a partir da infraestrutura física da área, a qual é definida nas estruturas fundamentais da sociedade. É justamente nesse ambiente de relações e inter-relações que acontece a ação do Serviço Social, compreendendo seu contexto econômico, político e cultural, tendo como pano de fundo uma sociedade dividida em classes sociais, da qual ela não está descolada.

Tendo como referencial a perspectiva ético-politica, a atuação do assistente social em projetos comunitários deve estar voltada para a criação de estratégias que busquem a mobilização e o envolvimento dos membros da comunidade nas decisões e ações a serem desenvolvidas, num processo de mobilização comunitária. A atuação do profissional se dá a partir de um profundo conhecimento da comunidade, seus aspectos sociais, culturais, físicos e econômicos, suas lideranças e agentes políticos, suas organizações, a forma como se constrói sua estrutura interna e externa de poder, bem como suas demandas e necessidades. A partir desse conhecimento, terá o profissional condições de, junto e com a comunidade, esboçar e construir proposições e projetos de enfrentamento aos problemas e demandas identificados.

Há que se considerar que, no atual contexto social em nosso país, e frente às diversas manifestações da questão social, novos espaços sócio-ocupacionais e novas demandas têm surgido ao Serviço Social, espaços esses de cunho notadamente coletivo, como é o caso dos Conselhos de Direitos, dos Fóruns, dos orçamentos participativos, das agendas que trazem em seu conteúdo problemas e desafios coletivos, para os quais os assistentes sociais têm sido demandados. Há que se resgatar, também, a atuação profissional junto aos movimentos sociais, os quais nos últimos anos passaram por um processo de institucionalização, perdendo seu caráter reivindicatório e contestador, necessário a todo processo democrático e de construção de uma sociedade justa e cidadã. Esses são ambientes e espaços, por excelência, que se constituem campo de atuação do Serviço Social.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Seção 2Instrumental técnico-operativo e documentação

São as finalidades que determinam o modo de atuar e a escolha por alternativas. Mas há condições objetivas com as quais os homens defrontam-se, escolhem, criam e aperfeiçoam os meios de trabalho, dentre eles as propriedades naturais de que esses meios são portadores. Através do trabalho e do processo de objetivação o homem realiza no elemento natural a sua finalidade. Em outras palavras: as necessidades são sempre sociais e as finalidades são socialmente construídas. São as finalidades que orientam a busca, a seleção e a construção dos meios. (GUERRA, 2007, p. 11).

As finalidades profissionais estão inscritas num quadro valorativo e somente podem ser pensadas no interior desse quadro, entendido como acervo cultural de que o profissional dispõe e que o orienta nas escolhas teórico-metodológicas e ético-políticas, que, por sua vez, implicam projetar não apenas os meios/instrumentos de realização, mas também as consequências. (GUERRA, 2007, p. 30).

Nesta seção de estudo, estaremos refletindo acerca do instrumental técnico-operativo e da documentação, uma das partes constitutivas da instrumentalidade do Serviço Social em sua práxis cotidiana. Voltamos a enfatizar, chamando a atenção para as citações acima, que as finalidades e a racionalidade com as quais trabalhamos irão condicionar e determinar as escolhas que fazemos no que diz respeito aos instrumentos e técnicas que estaremos utilizando em nosso trabalho cotidiano. Não há neutralidade nesta escolha, já que ela vem imbuída de um conjunto de intenções éticas e políticas: Para o que trabalhamos? Com quais objetivos? Para quem? Qual a racionalidade que permeia nossas ações? As respostas a essas questões irão orientar o modo como nos utilizamos dos instrumentos e técnicas e como geramos os documentos em nosso fazer profissional.

De acordo com Santos (2013), os instrumentos e técnicas são elementos que compõem os meios de trabalho, a dimensão técnico-operativa do Serviço Social, ou seja, dizem respeito à operacionalização do trabalho. Neste mesmo sentido, Trindade (2001, p. 3) afirma que o instrumental técnico-operativo compreende

a articulação entre instrumentos e técnicas, pois expressam a conexão entre um elemento ontológico do processo de trabalho (os instrumentos de trabalho) e o seu desdobramento

– qualitativamente diferenciado – ocorrido ao longo do desenvolvimento das forças produtivas (as técnicas).

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Capítulo 3

Para Trindade (2001), Guerra (2007) e Santos (2013), os instrumentos e técnicas formam um conjunto dialeticamente articulados. Os instrumentos, como produtos da ação humana, são os elementos mediadores e potencializadores do trabalho, isto é, os meios pelo qual se alcança uma finalidade. As técnicas dizem respeito à qualidade no uso dos instrumentos, isto é, ao quanto esses tornam-se mais “utilizáveis” diante das exigências de adequação das transformações da realidade, tendo em vista o atendimento das mais diversas necessidades sociais, historicamente determinadas. As técnicas se desenham a partir do modo como o profissional articula os instrumentos, considerando a sua prática e o contexto em que atua, imprimindo sua subjetividade, com a qual vai moldando os instrumentos.

Quando tratamos da documentação, estamos nos referindo a uma parte da sistematização da prática do Serviço Social, isto é, do exercício que compreende o registro da ação. De acordo com Azevedo (2013), a sistematização possibilita a obtenção de subsídios para a análise e intervenção, constituindo uma postura metodológica que contribui para atribuir significado à práxis.

A sistematização é uma forma metodológica de elaboração do conhecimento. É mais do que a organização de dados, é um conjunto de práticas e conceitos que propiciam a reflexão e a reelaboração do pensamento, a partir do conhecimento da realidade (AZEVEDO, 2013, p. 173).

A sistematização que acontece por meio da documentação permite a reflexão da prática de forma ordenada e crítica, problematizando e identificando conflitos, contradições e as relações entre as diversas situações vividas e registradas. Mais do que uma mera obrigação, a elaboração de documentos permite que as informações sejam recolhidas, ordenadas e posteriormente refletidas, permitindo que se aprenda com o processo vivido, retirando lições e experiências.

Almeida (2006), analisando o caráter relevante da sistematização, assinala os seguintes aspectos:

• A sistematização configura etapa fundamental das elaborações teóricas dentro da profissão, possibilitando uma postura crítica e investigativa;

• Realimenta a condução do trabalho à medida que possibilita o reordenamento da experiência profissional por meio do processo ação-reflexão;

• Possibilita maior autonomia do Serviço Social nos espaços onde atua, auxiliando na identificação dos limites e avanços alcançados, bem como a identificação da contribuição efetiva de sua atuação; constando, dessa forma, como componente importante de visibilidade para o trabalho.

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Por fim, enfatiza o autor que a sistematização se inscreve no trabalho do assistente social e nos processos de trabalho institucional, como parte da dinâmica da profissão e dos espaços sócio-ocupacionais, não sendo uma atividade esporádica. Consolida, também, uma nova dimensão em relação às tradicionais formas de registro, permitindo a socialização num nível de debate que contribua para o amadurecimento da profissão.

Sobre isso, alertam Mioto e Lima (2009, p. 37):

A documentação não pode ser negligenciada na ação profissional, pois ela é essencial, tanto para o processo de conhecimento/investigação da realidade, como para a sua sistematização e seu planejamento. Pelo fato de as ações dos Assistentes Sociais estarem calcadas, basicamente, no uso da linguagem, a visibilidade da intervenção realizada só é obtida quando ocorre o registro eficiente da ação. Além disso, os registros permitem congregar dados que podem resultar em avanços, tanto no momento em que se analisa a intervenção, procurando estabelecer novas prioridades, reconhecer as demandas, dentre outros, quanto no momento de reflexão crítica da realidade, dos espaços sócio-ocupacionais e de seus processos de trabalho, no intuito de ampliar o escopo de conhecimentos sobre a profissão e a sociedade.

2.1 Instrumentos

Entrevista A entrevista é um dos instrumentos mais utilizados pelo Serviço Social, estando presente ao longo da história da profissão desde as primeiras produções acadêmicas, como O Diagnóstico Social, de Mary Richmond, de 1950. Passando por diversas concepções e entendimentos no processo de elaboração teórico-metodológica do Serviço Social, a entrevista manteve alguns preceitos que continuam fazendo parte de seu arcabouço teórico-prático, tais como a necessidade de conhecimento, a intencionalidade e o respeito pelos sujeitos, dispositivos esses que a caracterizam dentro do modo de operacionalização do trabalho pelo assistente social. Conforme Faermann (2014, p. 217), a entrevista,

considerando as suas potencialidades, constitui-se numa importante mediação profissional, na medida em que possibilita ao assistente social direcionar o seu acervo de conhecimentos em favor das demandas dos usuários, contribuindo para o acesso aos seus direitos e para estimular processos de reflexão, de organização e mobilização sociopolítica.

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Capítulo 3

Podendo acontecer de forma individual ou coletiva, a entrevista possibilita a tomada de consciência por parte do assistente social, das relações e interações que se estabelecem entre a realidade e os sujeitos (LEWGOY e SILVEIRA, 2007). Permite, também, um levantamento de dados e informações que possibilitarão o conhecimento de uma determinada realidade, corroborando para a futura intervenção.

De acordo com Souza (2008), para que se alcance os objetivos traçados, a realização da entrevista requer rigoroso conhecimento teórico-metodológico, como também planejamento.

Segundo Lewgoy e Silveira (2007), a realização da entrevista envolve três etapas:

• Planejamento: Segundo as autoras, planejar significa organizar, dar clareza e precisão à própria ação, ou ainda, alterar a realidade numa direção escolhida, agir de forma racional e com intencionalidade, ter clareza dos princípios e realizar um conjunto orgânico de ações. Dentro dessa perspectiva, é necessário que o assistente social tenha conhecimento e domínio dos pressupostos teórico, ético, político e técnico que envolvem a ação e o contexto onde essa ocorre, a fim de que dê agilidade e consequência ao seu trabalho, tendo também clareza a respeito da finalidade da entrevista, onde se deseja chegar e quais os objetivos neste processo.

• Execução: A segunda etapa diz respeito à execução da entrevista, que se inicia pelo estabelecimento de um acordo de vontades entre o usuário e o assistente social, no sentido de, juntos, trabalharem em torno da demanda, do cerne da entrevista. Nessa etapa, o foco para o profissional está em ouvir, coletar dados, aprofundar as informações, tendo como referencial os objetivos traçados inicialmente. Busca perceber as necessidades, demandas, expectativas, manifestadas no decorrer do processo.

Isso diz respeito à habilidade de escuta, questionamento e observação do que não é dito, mas que se configura no sujeito para quem se dirige o trabalho do assistente social. A observação permitirá muitas vezes a decodificação de uma mensagem, de um gesto, do silêncio, da pausa. Os questionamentos devem levar em consideração a relevância e a validade da questão; a especificidade e a clareza. (LEWGOY e SILVEIRA, 2007, p. 237).

• Registro: A terceira etapa diz respeito aos apontamentos feitos ao longo da entrevista. Segundo as autoras, trata-se de um documento intransferível, pois diz respeito ao direito do usuário de ter a evolução de seu atendimento documentado, bem como o acesso aos dados registrados.

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O registro da entrevista tem também como objetivo colaborar com o atendimento, à medida que as informações podem ser partilhadas por outros profissionais, tendo como alvo um trabalho integral e multidisciplinar (resguardadas as situações que envolvam a necessidade de sigilo profissional). Para isso, a linguagem deve ser clara, objetiva, gramaticalmente correta, não contendo adjetivos que expressem juízo de valor. O registro das entrevistas faz parte da documentação e sistematização da prática do Serviço Social, conforme vimos anteriormente, portanto, deve ser feito de forma cuidadosa, sendo observados os preceitos do Código de Ética da profissão, no que tange a esse tema.

Quanto a sua tipologia, a entrevista pode ser estruturada, semiestruturada ou aberta, e sua escolha será definida a partir da necessidade do momento, verificando-se qual contribui melhor para o alcance dos objetivos. (BELEI et al., 2008; CHIZZOTTI, 2005).

A entrevista estruturada é aquela que contem perguntas fechadas, tais como as que são comuns nos formulários, sendo inflexíveis. A entrevista semiestruturada acontece tendo um roteiro previamente elaborado, em que as questões são abertas, permitindo certa flexibilidade no processo. Esse é o modelo mais utilizado, pois, guiada por um roteiro de questões, permite uma organização flexível e a ampliação dos questionamentos, à medida que isso se faça necessário. Já na entrevista aberta é possível uma liberdade maior, estando baseada no discurso livre do entrevistado, a partir das questões levantadas. Tanto o entrevistado quanto o entrevistador tem ampla liberdade nas perguntas e respostas.

Observação participanteA observação participante diz respeito à aquisição do conhecimento de uma determinada realidade por meio da observação e interação. Observar compreende o uso de todos os sentidos (visão, audição, tato e olfato); porém, em se tratando da observação como um dos instrumentos de trabalho do Serviço Social, essa adquire um caráter diferenciado. Isso ocorre pois, na medida em que o profissional observa, ele também interage, estabelecendo uma relação social com os outros sujeitos, os quais detêm expectativas quanto às intervenções que poderão acontecer ou quanto aos resultados do processo de observação. Dessa forma, o profissional observa e é observado (SOUZA, 2008). Ainda segundo o autor,

na medida em que o Assistente Social realiza intervenções, ele participa diretamente do processo de conhecimento acerca da realidade que está sendo investigada.

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Capítulo 3

Por isso, não se trata de uma observação fria, ou como querem alguns, “neutra”, em que o profissional pensa estar em uma posição de não-envolvimento com a situação. Por isso, trata-se de uma observação participante, o profissional, além de observar, interage com o outro, e participa ativamente do processo de observação. (SOUZA, 2008, p. 126).

Chamamos sua atenção para o fato que a observação está presente em todo o processo de trabalho do assistente social, seja na entrevista, na condução de uma reunião, em uma visita domiciliar. O olhar atento, intencional, baseado na visão de homem e mundo, construído a partir dos referenciais teórico-metodológico e ético-político, constitui o diferencial da atuação desse profissional e possibilitará o alcance dos objetivos propostos e desejados por ele.

Visita domiciliarA visita domiciliar como instrumento técnico-operativo sempre esteve presente no cotidiano da práxis do Serviço Social. Trata-se do momento em que o profissional adentra o privado, ou seja, o domicilio do usuário, tendo como objetivo a obtenção de um conhecimento mais aproximado da realidade então relatada e vivenciada. A visita domiciliar tanto pode caracterizar um momento de aproximação, para uma interação maior e o estabelecimento de laços de confiança, quanto pode significar uma intrusão, ou ferramenta de verificação e controle.

De acordo com Souza (2008, p. 128),

a visita domiciliar sempre foi um dos principais instrumentos de controle das classes populares que as instituições utilizavam. Uma vez que o usuário está sendo atendido na instituição, ele está acionando um espaço público: quando a instituição se propõe a ir até a casa do usuário, ela está adentrando no terreno do privado. A residência é o espaço privado da família que lá vive. Ter essa dimensão é fundamental para que o Assistente Social rompa com uma postura autoritária, controladora e fiscalizadora.

Para que a visita domiciliar resulte em um momento de interação e que propicie a mediação, são necessários alguns cuidados. De acordo com Amaro (2007), a ética e o respeito são princípios que devem embasar a visita domiciliar. Para tal, o compromisso ético-político do assistente social estará pautando a atuação nesse tipo de intervenção, criando as condições necessárias a um trabalho diferenciado e profissional.

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Conforme Amaro (2007), alguns cuidados devem estar presentes na realização da visita domiciliar:

• O que fazer na visita? O assistente social precisa entender seu trabalho como um processo educativo e não moralizador, de forma que as perguntas, questões e observações devem estar guiadas por reflexões associadas ao objetivo da visita, e não por julgamentos ou comentários proibitivos e punitivos.

• Por que visitar? De acordo com a autora, a visita domiciliar deve ter um objetivo definido, e partindo desse, deve ser realizada de forma racional e planejada, tendo um roteiro que respeite o tempo e o assunto programado, ao mesmo tempo que permita o estabelecimento de uma relação respeitosa e atenda as expectativas do usuário em suas dúvidas e questionamentos.

• Quando visitar? O profissional deve lembrar-se que seu objetivo é atender o usuário, portanto, a visita domiciliar deve interferir o mínimo possível em sua vida e rotina diária. Dessa forma, estão descartadas as visitas “surpresa”, sem um agendamento prévio, pois, além de carregarem um caráter investigativo e controlador, podem ser interpretadas como uma invasão. Visitas domiciliares devem ser agendadas em dias e horários que sejam propícios tanto ao profissional quanto ao usuário.

• Com quem visitar? Em algumas situações, a intervenção ou assunto a ser tratado necessitará da ação de mais profissionais, daí a necessidade do assistente social se fazer acompanhar de outros técnicos da equipe de trabalho, o que deve ser acordado antes com o usuário. Mais que “companhia”, a presença de outro profissional deve oferecer a oportunidade de mais um olhar, uma observação que estará contribuindo para o trabalho a ser realizado.

ReuniãoDe acordo com Souza (2008), as reuniões são espaços coletivos, encontros grupais, os quais têm como objetivo o estabelecimento de alguma espécie de reflexão ou encaminhamento sobre determinado assunto, ou ainda a tomada de decisão.

As reuniões podem acontecer com a participação de diferentes sujeitos, população usuária ou equipe profissional. O que a caracteriza é o fato de que o assunto ou a tomada de decisão prescindem de um coletivo, não podendo ser tratado por uma só pessoa. Para Souza (2008, p. 127), “essa postura já indica que, ao coletivizar a decisão, o coordenador de uma reunião se coloca em uma posição democrática.

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Capítulo 3

Ao liderar uma reunião, o profissional precisa estar consciente de seu papel, o que significa adotar uma postura que privilegie:

• Ter firmeza quanto ao cumprimento dos objetivos da reunião;

• Reconhecer que o espaço da reunião é um espaço político de tomada de decisão, o que envolve a negociação, o jogo de forças e interesses;

• Como moderador, conduzir as discussões de forma que todos tenham tempo e espaço para uma discussão objetiva, uma participação equilibrada, promovendo a aprendizagem e o estabelecimento de relações horizontais em prol da elaboração criativa de soluções para os problemas abordados, ou em torno da tomada de decisões que se façam necessárias (COLETTE, 2001).

Para a realização da reunião muitas técnicas podem ser utilizadas, sendo que a escolha deverá ser guiada levando em conta os participantes e os objetivos a serem alcançados. Muito comum, a dinâmica de grupo é uma técnica na qual são utilizados jogos, brincadeiras, simulações de determinadas situações, tendo como alvo a reflexão acerca de uma determinada temática. O assistente social como facilitador ou moderador atua como um agente que provoca situações que levem o grupo à reflexão, o que requer dele tanto habilidades teóricas (a escolha do tema e como ele será trabalhado), uma postura política democrática, assim como a capacidade de controlar o processo da dinâmica de maneira que os objetivos sejam alcançados (SOUZA, 2008).

ArticulaçãoQuando nos referimos a articulação como um dos instrumentos de trabalho do assistente social, estamos nos referindo a sua capacidade de trabalhar em rede. De acordo com Bourguignon (2011, p. 4), o termo rede

sugere a ideia de articulação, conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços para garantir a integralidade da atenção aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal.

Nesse sentido, a articulação compreende a ação do conjunto integrado de profissionais de diversas áreas, que partilham informações, ideias, na gestão e execução de serviços e programas que priorizam o atendimento integral ao usuário ou populações em situação de risco e vulnerabilidade social, na visão da garantia e vivência de direitos. O trabalho articulado nas redes permite a criação de espaços onde as práticas de cooperação constituem um meio para encontrar saídas e soluções para a intervenção na realidade social complexa.

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As redes sociais, nesta perspectiva, são consideradas alternativas no enfrentamento das expressões da questão social. São igualmente vinculadas ao conhecimento da realidade local e de cultura. Pressupõe, portanto, o fortalecimento da sociedade civil organizada, preparada para uma ação participativa frente a administração pública. (MIOTO e SCHÜTZ, 2011, p. 64).

Dentro dessa perspectiva, a ideia do trabalho em rede exige grande sintonia com a realidade local, com uma sociedade civil fortalecida e organizada, com uma cultura de organização social e de profissionais capazes de mobilizarem-se e atuarem participativamente da e na administração pública. Do profissional do Serviço Social se demanda a capacidade de trabalhar de forma interdisciplinar, articulando-se com outros profissionais e outras áreas do conhecimento, tendo consciência da complexidade das diversas manifestações da questão social.

A questão social, do campo de trabalho e da atuação do assistente social tem seu desenho a partir de uma mescla de situações historicamente construídas com nuances sociais, econômicas, políticas e culturais. Assimilá-las é tarefa interdisciplinar. A compreensão da complexidade da questão social e de seus reflexos na vida humana e na sociedade exige uma visão ampliada a partir do cruzamento de ideias, estudos e pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas do conhecimento. Consequentemente, a ação em torno da questão social também deve acontecer por meio de um trabalho que precisa envolver a ação coletiva de diferentes profissionais. Trata-se de uma nova inteligibilidade no tratamento deste fenômeno que atinge a todos e a sociedade. (MORAES e MACIEL, 2015, p. 76).

MobilizaçãoA mobilização como instrumento de ação do Serviço Social está intimamente ligada ao trabalho coletivo, comunitário, conforme vimos anteriormente. De acordo com Abreu e Cardoso (2009), os processos de mobilização e organização resgatam o caráter socioeducativo da ação do Serviço Social. O que irá determinar o objetivo dessa ação será o postura profissional embasada no compromisso ético-político de atuar “tendo como horizonte a conquista da emancipação humana, passando pelas lutas democráticas e pelo fortalecimento de processos emancipatórios das classes subalternas e de toda a sociedade” (ABREU; CARDOSO, 2009, p. 9). Iamamoto (2009, p. 6) corrobora com essa ideia quando afirma que

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Capítulo 3

Os assistentes sociais realizam assim uma ação de cunho socioeducativo na prestação de serviços sociais, viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de exercê-los, contribuindo para que necessidades e interesses dos sujeitos sociais adquiram visibilidade na cena pública e possam ser reconhecidos, estimulando a organização dos diferentes segmentos dos trabalhadores na defesa e ampliação dos seus direitos, especialmente os direitos sociais. Afirma o compromisso com os direitos e interesses dos usuários, na defesa da qualidade dos serviços sociais.

O desempenho da função do assistente social nos processos de mobilização social, na atual conjuntura, tem passado por transformações condicionadas pela reestruturação produtiva e pelas reformas institucionais, as quais, sob orientação neoliberal, têm determinado alterações no campo profissional, isso se caracteriza por novas demandas e novos espaços sócio-ocupacionais. Dessa forma, destacam-se como demandas, espaços e estratégias de e para a mobilização e organização social:

• Fóruns e conselhos de direitos e de políticas: para que o processo de mobilização ocorra de forma coerente com o projeto ético-político da categoria, a atuação do profissional deve acontecer por meio de uma inserção crítica e de um compromisso político, buscando a inscrição dos interesses imediatos dos usuários na agenda das políticas públicas e sociais, mantendo os espaços de luta e de conquista no interesse das necessidades e demandas da população.

• Comunicação social: como estratégia de mobilização, a comunicação social pode ser amplamente utilizada pelo assistente social, por meio da linguagem escrita e audiovisual, divulgada pela mídia, tendo como objetivo a construção de uma consciência crítica capaz de desenvolver ações coletivas que façam frente à ação dominadora. Desenvolve-se, também, na produção de material e de pesquisa que traga novas visões acerca da questão social, enriquecendo e dinamizando o debate no meio profissional, bem como inovando práticas no sentido de propiciar o efetivo atendimento dos usuários e da população.

• Movimentos sociais: Com relação aos movimentos sociais, destacamos que a Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que regulamenta a profissão, estabelece, respectivamente, nos seus artigos 4º e 5º, as competências e atribuições privativas do assistente social. Nesse sentido, em seu Art. 4. V. preconiza “prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade”.

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Dessa forma, salientamos o importante papel do Serviço Social neste contexto onde são gestadas e construídas reivindicações, lutas sob as mais diversas bandeiras e temas, nas quais o profissional tem a oportunidade de atuar movido pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da coletividade.

Abreu e Cardoso (2009) ainda destacam como espaços e formas de mobilização social a participação do Serviço Social no âmbito da formação e capacitação de mão de obra, na formação de grupos de produção, nos convênios entre entidades públicas e privadas, com vistas à inserção do trabalhador no mercado de trabalho, bem como a atuação em sindicatos e outros espaços de mediação política.

Em todos esses espaços, demandas e estratégias de atuação, lembramos que é imprescindível conhecer os sujeitos, a população com a qual trabalhamos, explicitar a complexidade e a totalidade das dificuldades que perpassam suas expectativas e necessidades para garantir um processo que resulte em autonomia e efetiva participação.

Estudo social Sendo utilizado principalmente para contribuir com decisões judiciais, o estudo social constitui um instrumento do Serviço Social que visa a analisar determinadas conjunturas da realidade social a ser trabalhada, com o objetivo de apresentar respostas às demandas postas. De acordo com CFESS (2004), o estudo social consta de um procedimento metodológico específico do Serviço Social, que tem como finalidade conhecer com profundidade e de forma crítica uma determinada situação ou manifestação da questão social, objeto de intervenção profissional, tendo como foco os aspectos socioeconômicos e culturais.

Apesar de ser utilizado nas mais diversas áreas de intervenção profissional, o estudo social na contemporaneidade se apresenta como suporte fundamental para a aplicação de medidas junto à Justiça da Infância e da Juventude, à justiça da família, à justiça criminal e às ações judiciárias relacionadas à seguridade e previdência social. A solicitação do estudo social pode ser feita ao assistente social tanto na condição de funcionário do sistema judiciário quanto na situação de perito ou assistente técnico.

De acordo com CFESS (2004), para a realização do trabalho o assistente social estuda a situação, realiza uma avaliação e emite um parecer, por meio do qual pode apontar medidas sociais e legais a serem tomadas. O profissional dialoga, observa, registra, emite pareceres, podendo reconstituir acontecimentos que geraram situações, objeto de seu estudo e análise.

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Capítulo 3

Como fonte para coleta de dados, dispõe de observações, entrevistas, pesquisas documentais e bibliográficas a partir dos quais vai elaborando o estudo social, do qual poderão derivar laudos, pareceres, relatórios e outros documentos. Lembramos que “de sua fundamentação rigorosa, teórica, ética e técnica, com base no projeto da profissão, depende a sua devida utilização para a garantia e ampliação de direitos dos sujeitos usuários dos serviços sociais e do sistema de justiça” (CFESS, 2004, p. 43).

2.2 Documentos

Diário de campo: sistematizando o estudo e a prática profissionalDe acordo com Lima et al (2007) e Souza (2008), o diário de campo consiste no documento onde são registradas as observações, comentários e reflexões referentes ao cotidiano tanto do aluno em processo de formação em seu estágio quanto do profissional em sua atuação, podendo conter dados referentes a processos de pesquisa e dados do trabalho propriamente dito.

Já Lewgoy e Arruda (2003, p. 6) afirmam que “o diário constitui um instrumento capaz de possibilitar o exercício acadêmico na busca da identidade profissional.” O diário de campo se apresenta, portanto, como uma ligação entre teoria e prática, academia, campo de estágio e supervisão. Dessa forma, é recomendável que seja usado diariamente, garantindo a maior sistematização e detalhamento possível de todas as situações ocorridas no dia, além das entrelinhas nas falas dos sujeitos durante a intervenção (LIMA et al., 2007).

Para Souza (2008), o diário de campo consiste num documento que auxilia bastante tanto o aluno quanto o profissional no trabalho cotidiano, pois permite a sistematização das atividades e a posterior reflexão tão necessária ao processo ação/reflexão.

O diário de campo é importante porque o Assistente Social, na medida em que vai refletindo sobre o processo, pode perceber onde houve avanços, recuos, melhorias na qualidade dos serviços, aperfeiçoamento nas intervenções realizadas – além de ser um instrumento bastante interessante para a realização de futuras pesquisas. Ele é de extrema utilidade nos processos de análise institucional, o que é fundamental para localizar qualquer proposta de inserção interventiva do Serviço Social. (SOUZA, 2008, p. 130).

O diário de campo deve conter inicialmente a descrição do que está sendo vivido, observado, falado. Essa descrição deve ser feita em linguagem clara e objetiva, porém, não prescindindo de detalhes que posteriormente poderão ser úteis à análise e reflexão.

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Numa segunda etapa, o diário de campo deve prever um espaço para a interpretação do que foi observado, o que ocorre à luz dos referenciais teórico-metodológicos e da racionalidade/intencionalidade que embasam a prática. Por fim, há que se prover um espaço para as conclusões preliminares, bem como o registro de dúvidas, situações imprevistas e desafios.

Dessa forma, o diário de campo adquire um cunho descritivo-analítico, além de um caráter investigativo e de síntese, consistindo em um referencial para construção, desconstrução e reconstrução do conhecimento profissional e do agir por meio de registros quantitativos e qualitativos. Com esse conteúdo, estudante e ou profissional estarão munidos de material que permitirá a análise crítica e reflexiva e a sistematização da práxis.

Além da relevância que o diário de campo encerra para o estudante ou profissional de forma particular, ele constitui, ainda, um instrumento muito útil para a padronização, que ultrapassará o nível do profissional e dos serviços e irá subsidiar a avaliação e o planejamento de políticas, programas em níveis mais abrangentes, o que Lewgoy e Arruda (2003) chamam de “inteligência coletiva” como espaço de troca de saberes e de geração de novos conhecimentos.

Relatório social: a descrição da intervenção do assistente socialDe acordo com o CFESS (2004), o relatório social como documento específico elaborado por assistente social consta da apresentação descritiva e interpretativa de uma determinada situação ou manifestação da questão social enquanto objeto de sua intervenção profissional. Portanto, é um documento que tem em seu conteúdo descrições e interpretações das intervenções e ações desenvolvidas pelo assistente social no seu cotidiano de trabalho.

Para Souza (2008), o relatório social é uma exposição do trabalho e das informações adquiridas ao longo da execução de uma determinada intervenção pelo assistente social, sendo instrumento privilegiado para a sistematização de sua prática. Como qualquer outro documento no âmbito da atuação profissional, a elaboração do relatório social deve ser conduzida pelos princípios éticos, os quais deverão guiar a escolha do que deve ser registrado, considerando que alguns documentos são de uso exclusivo do Serviço Social e outros poderão ser expostos à análise de outros profissionais, ou mesmo poderão vir a público (CFESS, 2004).

Ainda no que diz respeito à elaboração do relatório social, deve ser levado em conta a quem ele se destina: se para profissionais da área, para outras categorias profissionais; se para uso interno ou externo. Essas definições irão determinar qual a linguagem mais adequada ou qual formato irá atender seu objetivo, considerando que trata-se um relatório social, o que diz respeito à inserção do Serviço Social na divisão do trabalho por meio de um profissional que atua nas diferentes manifestações da questão social.

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Capítulo 3

Sendo assim, os dados e fatos relatados estão carregados de significados e são de natureza social (SOUZA, 2008).

Perícia social: a contribuição do assistente social na tomada de decisãoÉ recorrente no meio acadêmico entre alguns autores, que se considere o estudo social e a perícia social como tratando-se da mesma matéria, no entanto, com base no CFESS (2004), vamos identificar a Perícia Social como a avaliação, exame ou vistoria solicitada ou determinada no âmbito do judiciário, e que pode ser realizada por um conjunto de profissionais de diversas áreas do conhecimento científico, os quais são designados para auxiliar a justiça na elucidação da questão demanda. Em se tratando da atuação específica do assistente social, é identificada como Perícia Social, sendo realizada por meio do estudo social e, indo além desse, pois implica na elaboração de uma laudo e na emissão de um parecer.

Para sua elaboração, o profissional se utiliza de técnicas e instrumentos pertinentes ao exercício da profissão, o que envolve a realização de entrevistas, contatos, visitas, além de pesquisa documental e bibliográfica, que venham e ser necessárias para o estudo, análise e interpretação da situação, e para a elaboração do parecer. Novamente o estudo requer todo o conhecimento acerca dos aspectos concernentes às diversas manifestações da questão social, além do domínio das competências profissionais: competência ético-política, competência teórico-metodológica e competência técnica-operativa, conforme vimos anteriormente, e que irão habilitar o profissional do Serviço Social a realizar a perícia social.

A realização da perícia social, possibilita ao assistente social a emissão de um estudo e um parecer social referentes a demanda apresentada, o que resultará no laudo social. O laudo, de fato, é o resultado documental da perícia social, como veremos na sequência de nosso estudo.

Parecer social: a opinião fundamentada e profissional do assistente socialO parecer social, de acordo com CFESS (2004), diz respeito a esclarecimentos e análises, tendo como base o conhecimento específico do Serviço Social acerca de uma determinada questão ou de questões para as quais alguma decisão precisa ser tomada. Trata-se de uma avaliação técnica e teórica elaborada pelo assistente social, tendo como base dados então coletados.

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O parecer social, segundo Souza (2008), dá ao assistente social uma identidade profissional. Sem o parecer, o relatório elaborado torna-se uma simples descrição de fatos, visto que é por meio do parecer que o profissional se identifica, posicionando-se diante das situações verificadas na realidade social, posicionamento que se dá a partir do Código de Ética profissional, os pilares básicos para sua avaliação.

Trata-se de exposição e manifestação sucinta, enfocando-se objetivamente a questão ou situação social analisada, e os objetivos do trabalho solicitado e apresentado; a análise da situação, referenciada em fundamentos teóricos, éticos e técnicos, inerentes ao Serviço Social – portanto com base em estudo rigoroso e fundamentado – e uma finalização, de caráter conclusivo ou indicativo. (CFESS, 2004, p. 47).

Por fim, Souza (2008) sugere que, além de uma avaliação referente ao passado, o parecer social também deve realizar uma análise prospectiva, demonstrando os possíveis desdobramentos que uma determinada situação poderá apresentar e levantando hipóteses sobre possíveis consequências da situação. Salienta o autor que deve ainda constar do parecer novas ações que poderão ser desenvolvidas pelo próprio assistente social ou outros profissionais que estejam envolvidos com a situação.

Laudo social: o resultado da perícia socialO laudo social é utilizado no meio judiciário como mais um elemento de prova, que vem subsidiar a decisão judicial a partir do conhecimento específico do Serviço Social acerca da situação em julgamento. Sendo o documento resultante da perícia social, ele apresenta o registro das informações mais significativas do estudo e da análise realizada e o parecer social (CFESS, 2004). Chamamos sua atenção para o fato que a terminologia laudo é universalmente utilizada por todas as categorias profissionais que atuam na área de perícia, no entanto, o termo laudo social é prerrogativa do assistente social, que para tal foi contratado como perito social.

O laudo social possui a seguinte estrutura:

1. Introdução: texto onde consta a demanda judicial e o objetivo;

2. Identificação: relação dos sujeitos envolvidos;

3. Metodologia: descrição da metodologia utilizada para sua elaboração, esclarecendo a especificidade da profissão e os objetivos do estudo;

4. Relato analítico: esclarecimento da construção histórica da questão estudada e do estado social atual dela;

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Capítulo 3

5. Conclusão ou parecer social: trata-se de uma síntese da situação, com uma breve análise crítica e o apontamento de conclusões ou indicações de alternativas do ponto de vista do Serviço Social, no qual estará expresso o posicionamento profissional referente à questão em estudo.

Ainda no que se refere a sua elaboração, recomenda o CFESS (2004) que o laudo social não precisa apresentar todo o detalhamento do estudo realizado (o qual deve ficar registrado por meio dos documentos adequados, permanecendo arquivados no espaço de trabalho do profissional e disponíveis para consulta quando for necessário), excetuando-se as situações em que for julgado necessário uma apresentação mais detalhada, que resulte em maior clareza e entendimento, atendendo as diretrizes e princípios éticos da profissão.

Finalizando, lembramos a você mais uma vez a importância da documentação tanto neste momento de sua formação quanto no futuro em sua atuação profissional, pois é no processo que envolve a prática e a reflexão que iremos construindo o arcabouço teórico e metodológico que nos referencia e nos diferencia em nosso fazer profissional.

O princípio do qual se parte considera que a marca da contemporaneidade está no papel desempenhado pelo conhecimento e, particularmente, naquele referente ao direcionamento e à sobrevivência das profissões, uma vez que estas repousam, entre outros fatores, no “corpus teórico” que funda a habilidade e a autoridade profissional. Assim, é fundamental a documentação do exercício profissional de uma profissão que se define por seu caráter interventivo. (LIMA et al., 2007, p. 95).

Pesquise, reflita, questione, escreva, anote, publique, seja curioso, inquiridor, construa e reelabore sua vida, sua formação e sua prática acadêmica e profissional.

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Considerações Finais

Ao finalizarmos nosso estudo e reflexão acerca do instrumental técnico-operativo do Serviço Social, é nosso desejo que você tenha apreendido o quanto o tema é relevante e fundamental para a prática profissional do assistente social, e o quanto ainda temos de avançar em estudos e pesquisas para contribuir no aprimoramento dos instrumentos, técnicas e documentos, de forma que resultem eficientes e eficazes para o enfrentamento diário das diversas manifestações da questão social.

Esse enfrentamento é nosso objeto de trabalho e desafio profissional, por isso estudar, pesquisar, refletir sobre o tema e nossa intervenção como profissionais é mais que necessário: é uma obrigação se quisermos atuar de forma diferenciada e condizente com o projeto ético-político e com as demandas que nos desafiam cotidianamente. É a partir dessa perspectiva que entendemos o estudo em torno do instrumental técnico-operativo como um movimento constante de ação, reflexão, um processo dialético que resulta na revisão, desconstrução e construção do que está posto.

A elaboração deste material foi acompanhada da certeza de que as discussões e reflexões não esgotaram o tema; ao contrário, temos muito ainda para estudar, debater e construir, no sentido de aperfeiçoarmos nossas elaborações teórico-metodológicas, conquistando uma ação profissional eficaz e efetiva na construção de uma sociedade justa, cidadã e democrática. Esperamos que esses sejam seus desafios e metas tanto em seu processo de formação quanto em sua futura atuação como assistente social. Que os resultados alcançados em seus estudos possam impulsioná-lo a novos desafios e novos aprendizados.

Professoras Ivana e Walery.

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Sobre as professoras conteudistas

Ivana Marcomim Graduada em Serviço Social pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Questões de Gênero pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Engenharia de Produção, área de concentração Ergonomia, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente do Curso de Serviço Social da UNISUL, campus Araranguá, Tubarão e Florianópolis. Atualmente, é docente da UNISUL, do CapacitaSUAS (MDS/Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social e Emprego/Unisul-2013), com orientações de estágio, monografias; docente em metodologias de diagnóstico e pesquisa social; atua com gestão de pessoas, planejamento e gestão de planos, programas e projetos; avaliação de políticas e projetos sociais; direitos humanos e cidadania, antropologia, ciência e metodologia científica e da pesquisa, monitoramento, empreendedorismo, gestão de políticas sociais (SUAS, ECA, PNI, PNPDE); desenvolvimento comunitário; economia solidária; gestão de organizações sociais; responsabilidade socioambiental; ecologia social. Coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP – UNISUL). Assistente de Projetos da Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão (GEPEX). Pesquisadora do programa Ambientalização na Educação Superior na Fapesc.

Walery Luci da Silva MacielPossui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, (1985), e Mestrado em Gestão Estratégica de Organizações pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, Escola Superior de Administração e Gerência – ESAG (2005). Atuou como assistente social e secretária executiva em organizações do terceiro setor, durante 25 anos, onde acumulou experiências na supervisão de projetos na área da assistência social, educação e saúde, criação, implantação e coordenação de projetos e serviços na área de recursos humanos, financeiro e de mobilização de recursos, bem como na elaboração, execução e acompanhamento de planejamento estratégico organizacional. Autora dos livros Gestão Social: Planejamento e Avaliação, 2014 e Projetos Sociais, 2015, também é coautora do Livro Política de Habitação e Educação, 2015; todos publicados pela UnisulVirtual.

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Instrumental técnico-operativo do Serviço Social

Universidade do Sul de Santa CatarinaInstrumental técnico-operativo do Serviço SocialEste livro tem como tema o instrumental técnico-operativo do Serviço Social, assunto tratado em três capítulos nos quais você estará estudando acerca da contemporaneidade da profissão e sua relação com as novas manifestações da questão social, as estratégias e a instrumentalidade para seu enfretamento, e por fim o instrumental e os documentos próprios e pertinentes à práxis cotidiana do Serviço Social. Os textos aqui reunidos têm como objetivo criar um ambiente de reflexão, debate e entendimento do assunto abordado, contribuindo para sua formação acadêmica e profissional.