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SELEO DE CRNICASInstituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do NortePerto da S existe a Biblioteca Publica. neste prdio que o Instituto Histrico e Geogrfico se rene... quando se rene. A revista sae quando estamos encomendando as exquias. Syntheticamente, como Instituto, nullo. Pessoalmente, cada scio vale. Alguns, como o dr. Nestor Lima, valem muito. A nullidade do Instituto cifrase na absteno vida das sociedades congneres. Quatro ou cinco theses serssimas de Historia attinentes ao prprio Estado passam em branca nuvem pelo nosso augusto e nico so-dalicio. Ainda no li uma deciso decretada pelo Instituto para estudar este ou aquelle problema. Na questo de Grossos foi o Instituto o detentor das glorias ou aquelles esforados que "ex-officio" lutaram? O Instituto nada fez que desse impulso aos srs. Tavares de Lyra, Meira e S, Vicente de Lemos e Antnio de Souza. Se algum trabalha, muito bem. Escreveu livro e falou da historia, optimo. O Instituto glorifica o denodado escrevendo o nome na acta etc, etc. Quando chega a vez de mesmo agir, viver, agitar, provar a sua nica e absoluta lei de utilidade, ento silencia, amoita-se, adormece. O Instituto est vivendo de commemora-es. Semelha estes velhos "ancien regime" que vivem de olhar os retratos dos antepassados. A festa de 1917 era necessria. A actual, do nosso primeiro Presidente, o velho Thomaz de Arajo Pereira patritica. Quero diser com isto que estas solemnidades realam e brilham o fim de uma sociedade histrica, mas o que a prestigia, eleva e dignifica so os trabalhos re-alisados, os vultos roubados ao esquecimento e restituidos a admirao publica. Isto de viver rodeando uma mesa e fazendo descurso - Fazem tantos annos que morreu Parrudo, no cousa que personalise um esforo. Quer ver quantos themas urgentes? Mas isto seria absurdo meu. Todos sabem. Basta diser que, aps a sahida de Luis Fernandes Sobrinho, a naturalidade de D. Antnio Fellippe Camaro posta em duvida e descutida brilhantemente... fora d'aqu, em Recife, por um patrcio o padre Soares de Amorim e Mario Mello. Os jornaes reunidos por Luis Fernandes desappareceram. H tempos levantou-se (em 1906, o dr. Manoel Dantas) uma questo curiozissima. O maior jornalista do sculo XIX, Hyppolyto Pereira Furtado de Mendona que todos desiam ter nascido na Colnia do Sacramento nascera em Acary, na fazenda Sacramento. Era um conterrneo. E o Instituto, moita. Agora vai reunir-se. Festejar o primeiro centenrio da posse do primeiro presidente. Depois, dormir at o dia 15 de Junho de 2002 quando comemorar o centenrio da primeira sesso ordinria.

A noite em NatalDespensa o commentario. Basta annunciar. Natal a noite. Estamos vendo uma cidade quieta como se aprendesse o movimento com as mmias pharaonicas. Sob a luz (quando ha) das lmpadas amarellas arrastam, meia dzias de creaturas magras, uma "pose" melanclica de Byrons papa-gerimns. Depois, um "film" no Royal ou Rio Branco ou poker somnolento do Natal club. Estive uns tempos inquerindo de como alguns amigos meus passavam as primeiras horas da noite. As respostas ficam todas catalogadas em trez classes. Indolncia. Ficam em casa e tentam ler. Sahem e no havendo (desde que morreu Parrudo) nada de novo entre ns, deixam-se ficar madorrando numa praa silenciosa. Instincto de elegncia. Natal club. Ahi est como vive a noite um rapaz nesta terra de vates e de enchentes. No possumos o instincto do "saloon", do ambiente, do ajuntamento. Em 1888 Paula Ney affirmava que os brasileiros s se reuniam em caso de briga. Deve ser verdade. Das quinze a vinte sociedades litterarias, dansantes, e operrias que existem por aqui duas abrem o que se convencionou chamar "os seus sales". O habito de palestra no brasileiro. Ns descutimos. Somos discursophilos. No sendo o nosso forte as leituras dos assumptos em controvrsia pomos a razo na fora do berro. Adhemar Vidal registrou a primeira observao, Gilberto Freyre a segunda. Chamou-a Stentormania. , talvez, esta a maior affastante das nossas conversas. ndole calma e extranha-mente irritavel, perdemos o "aplomb" logo as contestaes iniciaes. A formula do brasileiro julgar simples e peremptrio. Sbio ou nullo. Nunca dispomos de um elogio para quem discordamos. O brasileiro s est de acordo quando ouve ou narra anedotas. lgico no estamos sempre no vso de cantar historias jocosas. D'ahi o afastamento. Quem sahe de casa leve obrigatoriamente uma novidade. Se no, no, como diria o velho fidalgo portuguez. Entre os natalenses as novidades raream. Substituram-nas pelo "ouvi-dizer" "esto de-cendo por ahi" e quejando. Aquelles, por higiene moral imunes de tal vicios ficam em casa ou jogam o desplicente poker no Natalclub. E penso que s!...

A Casa do OperrioI Uma suggesto ao Centro Operrio Natalense. intil falar do muito que o C.O.N. ha realizado. A primeira impresso de assombro. A segunda de alegria. D'ah em diante vamos tendo todas, at a reverencia ao Deputado Joo Estevam. No falta cousa alguma. Ha vontade. As dedicaes se multiplicam. O Governo do Estado tem dado mo forte. O C.O.N. uma formosa e clara victoria operaria. Tudo isso verdade. Agora a vez dos operrios provarem que elles mesmos, elles sozinhos, elles isolados, elles positiva e solidariamente, podem construir alguma cousa de alto, serio e nobre que lhes sirva de padro d'energia e mostre no Brasil proletrio a fora desmesurada do soldado humilde do Trabalho. o caso da Casa. Esta Casa de Operrio a maior e mais bella affirmao do amor pela classe, pelo desinteresse, pela collectividade. A Casa do Operrio a expresso certa que o seu viver est conservado, fixado em ajudas certas, em apoios seguros, em alianas absolutas. A Casa o hospital, o asylo, a mesa para o convalescente, o livro que recreia e o exemplo que ensina. Tudo deve sahir do operrio. o caso dos 200 ris dirios. O C.O.N. lance um apello extensivo a todos os operrios do Estado. Todas as ligas, todos os syndicatos, todas as lojas. Recuse os scios "bemfeitores". Recue o discurso. Recuse a verba. Acceite de quem queira dar o minimo de 200 e o mximo de 500 ris, o preo de uma entrada de criana nos cinemas dirios. Melhor ser que somente o funileiro, o sapateiro, o pedreiro, o ferreiro, marceneiro, o typographo, o trabalhador de rua, o carregador dos armazns, o vendedor de jornal, d o seu nickel. O nickel que elle gasta no botequim: que d de esmola para a conservao da malandragem e socgo do vicio inerte, seja restaurado em sua intima estructura, em sua finalidade de metal honesto e pouco peccaminoso. Com amor invencvel, com esta tenacidade que a virtude explendida dos do C.O.N., mil operrios, em todo o Rio Grande do Norte, faro, quotidianamente, a moeda de 200 ris n'um mealheiro que o patrimnio do operrio desconhecido, aquelle que amanh envelhecer, cegar, mendigar e pode ser que seja o prprio dador do pequenino obulo. Setenta e trez contos annuaes dizem muito. Ser prohibido expressamente usar dessa quantia seja para qualquer outro fim. A reunio onde se decidir a creao operaria dessa casa que obrigar o vencido do Trabalho e do Destino, deliberar que o limite minimo desse imposto de merecimento ser dez annos. E tero setecentos e trinta contos, fora os juros para a elevao de sua casa. E devero a elles mesmos o esforo, o orgulho, a alegria de serem teis, patriotas e vencedores. Outras realizaes j se tornariam mais fceis. O Governo olharia no mais com o carinho benvolo mas com a atteno estudiosa de igual para igual este mundo pauprrimo que fazia surgir palcios e hospi-taes...em moedas de 200 ris. uma ida. Em Frana no ha disso. A Blgica est cheia desses trabalhos. O C.O.N., com o auxilio de seus irmos pode iniciar este movimento nico no Brasil e que despertar um vasto corollario de maiores surtos proletrios. A casa que ser de patrimnio operrio ter os seus alojamentos divididos e pertencentes s sociedades que mais contriburam. tempo do operrio valorizar a si mesmo. At aqui, digamos a rude verdade, tem sido valorizado pelos outros. Lus da Cmara Cascudo (Scio honorrio do C.O.N.)

Homo brasiliensisFalando no Centro Nutico Potengy aos aviadores do "Jah", Ivo Filho disse que estava diante do novo homem, do novo brasileiro. Rebentou-lhe a phrase expontnea, sem o penacho rethorico, num gesto physico em que duas mos cerradas evocam a figura duma fora viva. Bato palmas a imagem. Homem brasileiro diferente do prestante amigo, do cidado eleitor, do ustre concidado, do caro amigo - o homem que age, pensa, l e realisa dentro duma perspectiva brasileira. o ente que trinta e oito annos de illuso democrtica e de capadoagem poltica despiram-lhe do espirito a folharia secca do preconceito. Fica impassvel, como Ribeiro de Barros ouvindo discurso, ante qualquer rebanho, ante qualquer estoiro de patriotismo tamandu-bandeira. Ama o governo na sua delle expresso de ordem legal, de respeito, de hygiene em conducta. Fez de Mutuy, andando pra um lado e deixando o rasto s avessas, abandona-o e segue sem grito e sem bombo. O "Horao bra-siliensis" ser, j j, um elemento que se torna um factor. No Sul a sua presena est entrando pelos olhos de boto dos coroneles e bacharis estylo capito-mr, com esporas, luva de couro e espadago rabo de gallo, tinindo nas pedras. No Rio G. do Norte o "Homo brasiliensis" est bem vivo e palpvel. Vai a toda parte, assiste a tudo, applaude o que quer e ri do que no gosta. Nasceu e medrou depressa. Um ambiente favorvel e doce fez-lhe o sr. Jos Augusto com o seu risnho mata-chaleira, afastando a fauna dos tatus-canastras polycolores. Informando ao Povo a marcha de acontecimentos que outr'ora eram segredo de justia, com sete sellos e somente conhecidos pela "roda de palcio", o sr. Jos Augusto est ajudando a crear o brasileiro sem rotulo e sem sinta. E, com licena da palavra, posso ir comeando a falar porque o sr. Jos Augusto est nos ltimos mezes do seu governo. Mais tarde, com o tempo ensinador de tanta verdade, o "Homo brasiliensis" saber que o moo

presidente do pequenino Rio G. do Norte foi um, um dos primeiros, rasgar-lhe estrada e a tornar, respiravel e sereno, o ambiente social.

Lei n. 145A lei 145 , salvo erro ou omisso, a tal que protege o livro norte riogranden-se. Lei nica no Brasil, um attestado da intelligencia do seu auctor. Constitue um dos melhores argumentos para a elevao de nivel no ponto de cultura e de estimulo oficial. D-se, entretanto, ser o Rio G. do Norte um Estado pobre. No se pode constituir edictor de toda gente que escreve. Ou que l por que, quem l o mesmo escrevinhador de livros. O chamado "espirito da lei", na hermenutica dos senhores bacharis, que me parece meio desviado de seu fulcro verdadeiramente lgico. O conselho de Ensino ou a entidade encarregada de estudar o trabalho do candidato, deveria attender mais a opportunidade real, o valor pratico no ponto de vista mesmo subjec-tivo, que d expresso de bellesa litteraria. E faz-se-h urgente que o Estado se recommen-de no pelo numero, mas pelo contexto dos volumes publicados. A lei 145 no me quer parecer destinada a encher livrarias e a indigestar leitores. , excu-sez du peuy uma quase consagrao. preciso pensar que o Estado o padrinho e o responsvel. O lemma edictado pelo Estado do Rio Grande do Norte deve pesar um pouco mais na concha dos julgamentos. Livro de chronicas, livro de versos, livro rpido, livro de occasio, livro que rene esparsos, significam provas de labor e de dedicao litteraria, no podem ser objecto duma vulgarisao oficial. Quanto a litteratura isto. Passando adiante: o trabalho divulgativo suspeito. Um livro de historia, de geographia, folk lore, de sociologia, de philosofia carece um sig-nal absoluto de originalidade. Sei eu que nem sempre se pde diser novidades. Appela-se para o valor technico - modo de expor, dividir, discutir, commentar ou remodelar os themas. um mero dever de esprito o prestigio da selleo. Um livro deve possuir um realce prprio, intensamente pessoal, caracteristico. No campo de sciencias pedir-se-h uma maior copia de leituras, de conhecimentos um meio-methodo que no seja maria-vai-te-com-as-outras. Sou, graas a Deus, insuspeito para escrever estas regras. Tenho livro publicado pelo Estado mas estou prompto para provar o que elle fez l fora. E quando requerer a edio do Tradi-cionario guardarei todas as esperanas que a comisso encarregada de julga-lo abstraia totalmente minha pessoa e minhas ligaes de estima e veja, exclusivamente, no o meu pobre nome ou vontade de exhibio e pernos-tice, mas se o livro apresentado critica offi-cial de meu Estado poder attestar, onde quer que v a existncia dum ambiente propicio e alto aos estudos e que dentro delle poder-se-h construir e erguer o patrimnio mental de nossa terra.

O livro das velhas figuras'I(Larico Pellado) O bacharel Alarico Jos Furtado foi o quadragesimo Presidente do Rio Grande do Norte. Recebeu nomeao a 13 de Abril e desessete dias depois empossava-se solemnemente no alto posto. Corria o anno de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1880. Treze mezes depois largava o poleiro. No fz cousa alguma. Nem um beneficio. Nem uma machadada abrindo rua. S deixou anedoctas. Mudava de casa como de chapu. Estava no casaro da Rua do Commercio, voava para o al-quebrados. Pao da rua da Conceio, passava para o ex-Vacca Amarella, sobrado grado que Olintho Jos Meira comeara a fazer e que o actual Palcio. No gostava de ningum. Tudo era ruim, antigo, acanhado, imbecil. Uma cousa agradou Sua Excellencia. Aguardente com summo de caju. O presente aprecivel nos seus olhos era uma cesta de caju e umas garrafinhas de canna, da ba, destilada em alambique de barro, canna bem branca, bem fina, com aljo-fre borbulhando feito champagne. O doutor Alarico ficava manso s em falar nisso. Nos primeiros mezes andou recebendo presente que era um nunca acabar. Perus, gallinhas, patos, 1 ganos, jacas de milho verde, melancias, melles do Ass, mamo de encher a bocca d gua, macacheiras grossas como coxas, batatas, inhames, coros. Sua Excellencia desprezou a comida da terra. Achava desemxabida. O doutor Alarico era homem mais circumspecto, mais grave, mais austero deste mundo. Andava como se levasse o andor do Nosso Senhor dos Passos. Andava lento, majestoso, pisando como se tomasse conta do cho. Era uma creatura serissima. E malcreadissima. Nesse tempo inda no tinham dado nome a neu-rasthenia. Vestia-se de preto, casaco comprido, coete abotoado at o pescoo, collarinho grande, bem esticado, gravata negra, fininha, tesa como se estivesse pintada no gog de Sua Excellencia. Magro, ossudo, esgalgado, narigu-do, olhinhos de lambeio, bigode de granadeiro, bocca de lbios estreitos e apertados como abertura de mealheiro. Na cabea um chapu do tamanho duma chamin. Tal era o 40 Presidente da Provincia do Rio Grande do Norte. Este homem serio, sizudo, cheio de etiquetas e de sala-maleques, de proloquios e de latim medo, possuia uma cabelleira de poeta medieval, uma cabelleira basta, annelada, se-dosa. Uma belleza. Quando sua Excelncia en-vergava o treze da gola, nos dias de rigor, ficava at bonito. A gola bordada ouro escondia-se sob a cadeia dos cabellos castanhos.

No dia 2 de dezembro de 1880 o povo, com banda de Musica, bandeira, soldado de linha, gente grande e pequena veio saudar, ritualmente, o senhor Presidente pelo anniversa-rio de Sua Magestade o Imperador. A rua da Conceio ficou inchada de povo. O pateo do Palcio no cabia uma ponta de alfinete. O vento abria para os olhos enthusiastas o ouro-verde da bandeira desfaldada na varanda. Finalmente o supremo magistrado da Provincia, cercadinho de pessoas conspicuas e precipuas, appareceu para dar os trs vivos da pragmtica. Recostou-se no balco do sobrado, tirou o chapu bicudo, estirou-o para baixo e bradou, esganisado, fanhoso, sizudo, - Viva S.M. e sr. D. Pedro II, Defensor Perpetuo e Imperador do Brasil! Viva nossa Santa Religio! Viva a Nao Brasileira! A musica bateu o hymno. Aclamaes, berros, vivas de puro amor ptrio. Como a festa genethatica do Imperador fosse s aquillo, o povo prorrompeu em vivas ao Presidente. O doutor Alarico que enterrava o chapu de dois biecos na cabea, retirou-o e accenou. O vive-rio recrudescia. O presidente tonteado pelo sopro ardente da consagrao popular comeou a balanar a cabea, agradecendo, agitando a mo esguia enluvada de branco. Os cabellos ondulavam... E tanto viva foi urrado pelo povo e tanto o doutor Alarico mexeu a cabea que a cabelleira, sbito, desguardada, voou para baixo. E na varanda, impassvel e mesureiro, o Presidente balanava um craneo n, pontudo, brilhante, reluzente como ovo de avestruz. Uma gargalhada espoucou seguida por recuo de Sua Excellencia, rubro e rpido, com as mos na cabea escalvada como o Morro Branco. Deram para chamal-o Alarico Pellado. Ou melhor, Larico Pellado. D'ahi em diante que foi malcreao. Uma manh perguntou por um sr. Chico Maria, funecionario da Secretaria. Responderam que no tinha chegado. O doutor Alarico enterrogava, bufando, os outros empregados. - Eu vi, senhor sim. Seu Chico Maria estava tomando banho no Oitizeiro. - Tomando banho no Oitizeiro? Um func-cionario graduado, homem de famlia? No Oitizeiro? Ajudante! - s ordens de V. Excia! - V buscar Chico Maria neste tal de Oitizeiro e metta-o na cadeia. Desaforo! - Mas seu Presidente... - No me diga nada! Metta o bicho na cadeia. Chico Maria esteve horas preso, na sala livre da cadeia, pelo crime de ter tomado banho no Oitizeiro. Uma noite alta o doutor Alarico accordou, levantou-se, vestiu-se e mandou buscar o ajudante de ordens. Mal este surgiu, declarou-lhe que desejava fazer uma ronda. Natal parecia um cemitrio. Sahiram batendo as caladas e pedras soltas. Na treva o claro dos vagos lampees sangrava. Foram parar na Capitania dos portos. O Presidente, sorrateiro, collava o ouvido nas portas. De repente uma cachorrada furiosa surdiu do quintal e pegou-se s pernas do curioso dirigente. E o doutor Alarico correu como veado, saltando poas e mattapastos perseguido pela matilha. Pela manh pediu o comparecimento do capito do Porto. - Mandei-o chamar para lhe dizer que o senhor deve mandar matar todos aquelles cachorros. - Por que, senhor Presidente? - Isto aqui no fazenda de criar boi. Mande matar os ces. O capito matou os cachorros. Uma tarde encontrou-se no quintal do Presidente um papagaio lindo. Levado para sala, tratado a piro de leite, o loiro ficou quieto, sem soltar um pio. Manhzinha o doutor Alarico, grave e serio, duro como um varapau, veio ver o pssaro. - Meu louro! D c o p! Papagaio real... E o bicho calado. - Curuppco, ppco, ec, ec... E o papagaio mudo. O doutor Alarico perdeu a pacincia. Levantou a mo e soltou-a no bicco da ave silenciosa. Num vo pezado e baixo o pssaro atravessou a sala, passou a janella, subiu a copa das arvores esgalhadas. E de l, tranquillo, seguro do sucesso, rodando os olhos cinzentos, arrufando a pennagem verde, estalou silaba por silaba: - Larico Pellado! Larico Pellado! Sua Excia partiu como uma bala, de basto no punho, seguido de servos, procurando ape-ar o gritador. Esvoaando acima do alarido e da ameaa, o louro continuava. - Larico Pellado! E assim falou, teimoso, sereno, ininterrupto, desprezando os gestos bravios da famulagem e os berros doidos do Presidente. - Larico Pellado! At que se resolveu viajar. Voou longe, calmo, reunindo e proclamando a voz despersa do povo, face-aface ao dr. Alarico Jos Furtado, vingando a multido humilde no sarcasmo do ephitheto. - Larico Pellado! Larico Pellado! Desapareceu gritando o nome. Tinha desa-frontado os natalenses.

A nossa D.G. de E.O sr. Amphiloquio Cmara quando Secretario Geral do Estado conseguiu methodizar a vasta papelada que enchia as estantes immensas. Deve-se a elle uma consulta que durava seis mezes ser respondida em seis minutos. Catalogou, classificou, arrumou. Para a futura Escola Domestica Masculina indico Amphiloquio como cathedratico em arranjo esthetico de livros e secretarias. Este rapaz rubro, agitado, dynamico, riso, um grande, um trabalhador formidvel. Exemplo - Grupo Escolar Antnio de Souza. Outro exemplo - a Secretaria Geral.

Amphiloquio director da Estatistica? Causou surpreza. Alis a Estatistica a sciencia de methodizar as surpresas. Kelley chamou-a Normal Probility Integral. E Kelley clssico. Assisti mesmo discurses saborosas. - Mas convenhamos. Para que esta tal de Estatistica? Voc no me dir que utilidade tem esta coisa? Assim, na tarde linda, com autos, meninas bonitas, preges de jornal, no descobri utilidade alguma na Estatistica. Voltando para casa vim meio desconfiado dos americanos. Pois estes homens ensinam Estatistica nas Universidades como matria grave, indispensvel, actual? E os seus especialistas so mestres vene-randos. Edmund Day na Universidade de Mi-chigan, Horace Secrist na Nortewestern Uni-versity, Truman Kelley na Stanford University, Wilford King na Universidade de Wisconsin tm livros, systemas, methodos, maneiras de usar e divulgar a technica da Estatistica. Na Inglaterra o mesmo caso. Eldeston no Instituto of Actuaries em Londres e Jonh Keynes no King's College, Cambridge, ensinam. Eu mesmo dele tirei penosamente uma extraordinria History of Statisties do prof. Jonh Ko-ren. Soltando de band j estava convencido de que a Estatistica no era uma brincadeira com nmeros e pouco fazer. Deixei passar o tempo para surprehender Amphiloquio sur le metier. E l bati, num maravilhoso dia de sol estylo ouro novo. Fui pensando phrases escolhidas. A Estatistica para um povo o que o thermome-tro para um corpo. Um diagramma que fixa as ascenses e curvas de seu desenvolvimento. Em qualquer aspecto. No Brasil usada para os conhecimentos de crminologia, economia, finanas. Um indicador de actividades. Amphiloquio expe. Mostra-me mappas, schemas, planos, notas, ndices expositores de produces (coqueiros, sal, carnaba, assucar, algodo) que brevemente sero promptos. A parte estatistica commercial (exportao, importao, numero de firmas, vida social) nada tem a perder em face do servio j vultoso de registro civil (casamento, nascimento, bito) e do "prximo condies dos municpios" alm do comeado recenciamento das propriedades ruraes do Estado. No se descuidou da estatistica bancaria, industrial etc. Conta coisas interessantes. O registro do obituario impossvel. No interior os mortos so enterrados sem a simples guia da Intendencia. E em Apody o cemitrio est sob a jurisdio religiosa do parocho. As respostas aos questionrios demoram como se viessem de Marte. A Directoria Geral de Estatistica est merecendo uma divulgao mais ampla que o seu expediente parco. Amphiloquio possue como auxiliares dois officia-es (Luis Torres e Rosemiro Robson da Silva) e uma dactylographa, Maria Odette 0'Grady de Paiva cujo servio claro, ntido e optimo. O salo amplo, deliciosamente amplo, are-jado pelas lufadas do sueste yrolez. Derredor o sussuro de vozes denuncia a escola funcionando. Os campos cultivados pela Escola Agrcola Juvenal Lamartine do uma nota discreta e forte de trabalho seguro e carinhoso. Agora dos quadros demonstrativos correm syntheses da evoluo econmica dos municpios. O Director pra um minuto. D outros planos, outros quesitos, outros inquritos. Tudo aquilo fixar o nivel da nossa prosperidade. De prompto a demonstrao se extender explicando, ensinando, convencendo. O habito meticuloso de classificar permanece o mesmo no ex-Secretario Geral. Todos os papeis esto primos, catalogados visinhos a menor gesto. "- V. pensava que aqui no havia trabalho? Engano, meu amigo. Eu trabalho agora num mostruario de productores do Rio G. do Norte, tenho amostras, o sal, j analysadas pelo nosso laboratrio de analyses, cera de carnaba etc. Voc ver depois o nosso repositrio de mineraes do Estado de que j possuo innume-ras amostras". E levei o [palavra ilegvel, jornal danificado] desmentido naquelle [palavra ilegvel, jornal danificado] silensioso e tenaz que est pedindo uma visita a quantos se interessarem pela nossa progresso civilizadora. Se Vossas Mecs no esto acreditando posso por quanto, dm-se ao suave trabalho de ir l.

O doutor AntunesHa dias passados, fiz um passeio cis-marento e longo pelas velhas ruas de Natal. Tanta casa silenciosa rompendo a mudez para gritar-me nomes e erguer figuras idas no pretrito. Doutor Francisco de Paula Antunes!... Alto, escanifrado, magrissimo, olhar fura-bolo, es-cleroticas pintadas de amarello, hirto, secco, impossvel, fanhoso, impertubavel, solemnis-simo. Era o medico de nomeada, de renome, de chamados ricos e de gente grande. Andava num passo medido e certo, chromatismo inconsciente do habito, o largo p interminvel enfiado nas botinas carssimas. Falava devagar, sibilando nazalmente, um portuguez pomposo de dramalhao romntico. Nesse tempo recuado os mdicos s vestiam cores escuras. O Club-Medico, no Rio de Janeiro, teve sesses tempestuosas para permitir o claro jaqueto, o chapu de palha, a gravata borboleta. Basta ler as revistas illustradas at 1906. Era um escandalo permanente o amplo "Chile" desabado de Oswaldo Cruz. Rio habituara-se a circumspec-o de Sabi Xarope e ao frack de Francisco de Castro. Pairava no ar a lico hiero-comica de Charcot, ensaiando poses ao espelho e de Na-laton e Dupuytren, homens que nasceram ao geito clssico de estatua viva. O dr. Antunes, na pacata domesticidade de Natal, no quebrara a tradio. Todo de preto, sizudo, medido a compasso, feito de encommenda, rythmado a metronomo. Ao sol vibrante e lindo de Natal o dr. Antunes era uma pincelada de pixe num muro caiado. Lembrava, ao mesmo tempo, um coqueiro e um urubu. Bahiano. Vida myste-riosa. Chegou aqui e venceu. Falava allemo, inglez, francez, italiano, espanhol. Lia o grego e o latim. Sua casa era um cafifo clula do dr. Fausto. Parecia uma lura de astrologo, de alchi-mista, de feiticeiro, de advinho a Nostradamus, de mgico a Cornelio Aggrypa. Jacars, aves, desde o gavio audaz, olhar de fogo parado e azas abertas, numa ameaa que o Morte no entibiara, at azas-brancas e doces, macias na pennugem tnue, gatos do matto, tatus, cobras, desde a sussurana pintalgada e vistosa como um tapete persa, at a surucucu lantejoula-da em ouro, negro e purpura, caetats, por-co-espinho,

ourios, sapos disformes, caotes esguios, toda uma bicharia em penna, pello e couro, subia nas estantes, alastrava mezas, espraiava-se no solo, fazendo tropicar os consu-lentes sobressaltados. No meio deste mundo de animaes empalhados e livreces empoei-rados o dr. Antunes lia... Na Allemanha ante mdicos e professores operou magistralmente. "Nigro sed sapiens" disse provavelmente um desses "herr doktor". No meio da cidade illuminada e viva, fre-mente de alegria expontnea e de fora ingnua, o dr. Antunes no ria, no amava, no vivia. Politicou. Politica mata-tedio, em terrinha pequena e convencida do tamanho. Nas ruas, tardes de sol doirado e tepido, a pequenada emmudecia quando o dr. Antunes passava, muito alto, muito serio, muito preto. As vezes, recebia visitas. Padre ou homem dado leitura massia, ouvia a pergunta infallivel: - "Qu qu fonc me dins deste Prinio? Jn traduziu este Tinbullo?" - E a palestra virava sabbatina de latim. Era polyclinico. Uma vez estourei um percevjo nos olhos. Andava meio cego e meu Pai levou-me ao dr. Antunes. Nessa epocha era o nico que entendia disto. Apezar dos seis annos flanantes, da roupa de marujo, do gorro estupendo e da certeza masculina da coragem, topei num espantoso maracaj empalhado e duro e, num minuto, desmanchando a linha mantida, dezatei aos berros, subindo pelo brao paterno, na fria de livrar-me do bicho hiante e fero. Defrontando o medico inda tive mais medo do que da fera entrevista na meia tinta do empoeirado saguo. As historias do dr. Antunes!... Quantas rolam ainda semi-mortas na memria collectiva? Altssimo e grave, o velho medico era duma compenetrao a toda prova. Preto e sbio, nos limites da ida natalense, sabia dos preconceitos da cr. Achava-se "moreno". Simplesmente "moreno". Deu-lhe furor, na Frana do norte, um crea-do de ir-lhe examinar os lenes a ver se o homem desbotara durante o somno. Em Natal, depois duma visita medica, ouviu a doente, senhora de muito alta roda e poderio, pedir gua e sabonete para as mos. O dr. Antunes, no outro dia, impassivel e sereno, voltou s horas da consulta. Sentou-se perto da senhora, puxou as luvas, calou-as, estendeu, vagarosamente, os dedos e tocou-as no pulso da fidalga, sentindo a pulsao. Depois ergue-se, cumprimentou, descalou as luvas e jogou-as fora. No outro dia, impertubavel, repetiu o gesto. No sei se incluiu na conta final o custo da quantia perdida na vingana. Aos poucos, o dr. Antunes se foi retrahindo e sendo esquecido. Isolou-se entre latinos e gregos. Vai um dia, morreu. No deixou testamento, nem herdeiros, nem saudades. Museu, bichos e livros dispersaram-se. Ficou de sua vida um trao. Um trao coherentemente negro - um ponto de interrogao.

E a nossa Universidade Popular?O Instituto Histrico o anno passado annunciou uma serie de conferncias interessantissimas. E s uma se fez e justamente por quem tinha menos tempo de fazer - o sr. Dom Jos. Os outros scios silenciaram e acabou-se a historia. Vem dahi a parlenda do J-Teve. A Universidade Popular foi outro J-Teve muito triste. Achava eu que ella era bastante literria e pouco Universidade. O que todos ns carecemos de uma sociedade que uma vez por mez, para muita ou pouca gente, offerea uma palestra que deixe alguma coisa. Alguma coisa que no sabemos ou sabemos pouco. A Universidade Popular deveria resuscitar com todas as honras e proveitos. Sem littera-tura e conversa, que no botam ningum para diante. Tinha eu um plano de estudos populares que seria curioso. O sr. Christovam Dantas poderia contar a sua viagem ao Egypto e ao Sudo. Ha quantos annos ouvimos falar do Egypto? Desde que os irmos Castricianos de l voltaram e fizeram uma linda palestra inesquecvel para quem ouviu. Ora o sr. Christovam Dantas esteve l ultimamente e com intelligencia fugiu das cidades. Esteve no deserto. Esteve acampado em companhia de amigos beduinos, feito film de Rodolfo Valentino. E viu, ouviu e poderia contar. Os senhores no iam assistir? Outra cousa. No livro do sr. Janurio Cicco ha uma parte que despertou muita curiosidade. Foi a parte sobre os remdios populares. Toda esta tradicional sciencia de sete-massas e fari-nhadas, de garrafas e de bruxedos deliciosa. O sr. Janurio Cicco medico e um optimo pa-lestrador. Seriam algumas horas gostosas ouvir um estudinho sobre pharmacopa popular e as surpresas das curas inesperadas com purgas de cabacinha e pinho branco. Os senhores no iam assistir? O sr. Juvenal Lamartine tem pouco tempo. Sei eu. Mas quarenta minutos em caminho velho no arrepia quem viaja de avio. E elle um grande conhecedor do nosso Serto antigo. No poderia falar meia hora, em conversa, sem preoccupao de effeito, sobre a vida nas velhas fazendas sertanejas e o senhor das fazendas, esta figura hirta e seria de fazendeiro que est pedindo um forte ensaio a ingleza? Os senhores no iam assistir? E porque no poriamos na berlinda um dos nossos desembargadores (novos ou velhos) para que contasse a vidinha dum Juiz de Direito no interior? Quem perderia esses convesco-tes? Que custa faze-los? Quarenta minutos de leitura ante vinte ou trinta amigos no acanha viv^alma. E dar-se-hia um aspecto mais vivo a nossa cidade que est virando cemitrio de aldeia meia-noite. Tanta gente aqui teria que contar casos. Para l fora a repercusso seria imponente. O mundosinho duramente official que, em terrinhas prximas, repete a comicidade de pomposa de Bysancio, teria um exemplo partido daqui. Um outro exemplo e de desta vez de ordem intellectual. No me culpem de desanimado e de apathico. As suggestes esto ahi e so todas viabilissimas. A Universidade Popular viveria desta forma uma vida coherente. Nada de comprideza, de descozimento, de tentativa de falar bonito. Era, simplesmente, o facto e o commentario, serio-comico. No carece significar o

contingente cultural que estas palestras trariam para a mais completa diffuso da psychologia do nosso Povo. Dei somente trs lembrancinhas para adiantar. Os senhores sabem que todos os auxiliares do actual governo tm "algo de nue-vo", a contar. Contar em pouco tempo para no julgar que coisa longa e demandando excepcionaes conhecimentos de conferencistas e de eloqncia. Acima de tudo o factor conheci-mento-proprio seria preferido aos demais. Eis porque escolhi o sr. Lamartine para contar-nos (como o faz esplendidamente em palestras) a vida velha das fazendas que elle sabe to bem, bisneto, neto e filho de fazendeiro e elle prprio fazendeiro e plantador. E os outros? Aqui fica, sizudamente, o protesto pelo nosso silencio e as suggestes inevitveis para acabar com elle. E fazer uma figura esplendida...

A taa floridaNatal uma cidade sem flores. Falta dgua. Terra de taboleiro muito mais para mangaba que para flor. Briza quente do mar. Sopro do rio salgado. Lagoas no meio da cidade que infiltravam salbrida-des. No ha flores. Melhor dizer que j no ha. Lembro-me de Natal cheia de jardins. Uma quase obrigao de cultivar os palmos de tem-nha que se estendiam depois do porto. Era um encanto andar em certas ruas. As cercas vestidas de jasmim branco davam vontade de fazer soneto. E toda a tradio das flores nortistas, as velhas flores cantadas pelos nossos poetas de outrora, surgiam Bolas de Ouro, Glorias de Di-jon, Rosa ch, Todo-Anno, as EstrondaMun-do espetaculosas, as Rosas-Meninas delicadas e timidas, os Paul Neron rubros, os Corao de Homem em sangue vivo, as Rosa-Amlia em nascar, as La France em porcelana, e Bouquet-de-Noiva em cachos, as Margaridas em bandos, todas as flores pediam um passo demorado para olhar a belleza silenciosa de sua presena. E o Chrysanteno muitipelalado, indolente e herldico como se estivesse no brazo do Mi-kado? E Dahlias serenas, inumerveis e lindas? Todo o pequeno quintal possuia seu jardin-zinho. Reseds estonteantes! Cravos brancos de cheiro forte, Cravinas singelas, Amarantos encarnados como cabeas de camiranga. Este-fanotes trepadores, os alvos Ba-Noite, os Boc-ca de Leo, os Jasmins de So Jos e do Cabo, os Jasmins de Laranja que cahiam como uma chuva de perfume quando se passava debaixo, os Bem-Casados juntinhos, aos pares symbo-licos, as Nuvens-do-Ceu azuladas e franzinas, os Myosotis rasteiros, as Perpectuas inodoras e eternas, as clssicas Sempre-Vivas, no faziam inveja aos mais pobres que por sua mizeria no tivessem as magras Espirradeiras, os Cravos-de-Defunto, as Maravilhas simples perto das latas do alecrim e do mastruz, da hervacidrei-ra e da mangerona. A vida apressou o rythmo e estas flores desappareceram. No falo em be-gonias, em violetas em orchidas, em parasytas de trato e de flores de luxo. As nossas, aquellas cujos nomes sabemos de cr, invariveis nos nossos terreiros de mancha e bocca-de-ferro, estas cuja presena denunciava o lar e eram tratadas por doce mo de mulher recatada, destas que tenho saudades. No falo tambm (embora Natal j comportasse) num comeo de floricultura. Tambm que pessoa alguma seja obrigada a plantar flores, as velhas flores de sonetario potyguar. Maior recordao ainda sua ausncia numa cidade que as requer abundantes e fceis. Todo o lyrismo de antanho, Lourival Aucena e Ferreira Itajub, Segundo Wanderley e Gothardo Netto protestariam ante os nossos jardins povoados de cryptons, de avencas melindrosas e de calladios batidos em bronze. Prefeito Ornar O'Grady! Governador de Natal, vamos crear com a graa de Deus e de todo passado romntico de nossa terra, uma taa-prernio. Uma taa-incitamento e louvor. A Taa Florida-Ella, annualmente, premiar o jardim particular que melhor aspecto, que mais agradvel conjuncto de flores nossas ou aqui aclimatadas e conhecidas, apresente. Annualmente teremos um passeio de jardim em jardim. Os ricos e os pobres. A Taa Florida ser a proclamao de que a nossa terra ainda dar flores para as festas e os enterros. Em nome do meu futuro nome numa rua de Natal vamos plagiar o milagre de Santa Izabel - transformar em flores a terra feia que inda resta em Natal que Voc est tornando bonita.

Carnaval! Carnaval!Carnavale, Carnovale, Carrus-Navalis, Carnaval! Heranas de Saturnaes e festas gregas da Ba-Deusa, Luper-caes e Bacchanaes illustres, festas egypcias de Isis e do Boi Apis, apanha dos visgos entre os Celtas, festas das marcas nos hebreus, todas as loucuras, todas as liberdades, em todos os povos, em todas as pocas crearam o Carnaval. Debalde o Papa se ergueu contra elle. Decretos de Innocencio III, conselhos de Jlio II, dios de Sixto V fulminaram a devassido an-nual que o passado legara. Debalde contra a onda rumorosa de guizos e pandertas reunia-se o Sacro Collegio de Cardeaes vestidos de pur-pura, guantados de seda e mitrados de oiro. As cathedraes abriram os sacrarios nos Laus-Pe-rennes luz triste das vellas. E riscavam o ar os anathemas to roxos como as amethystas epis-copaes. O povo alagava as ruas, faulhando de alegria paga. Licena tcita para tudo. Em vo reis e prncipes, duques de Borgonha e condes de Tolosa ameaavam de morte. Carnaval! Os bailes carnavalescos! A fidalguia adhe-riu. Carlos VI, rei de Frana, morre assassinado num baile, danando vestido de urso. Com Luiz XIV e Luiz XV o carnaval apotheotisou-se. A Renascena trouxera a comedia e um mundo de figuras irreaes e eternas entrou para a alma humana. Polichinellos, Arlequins, Pata-lon, Fracasse. Pierrete leviana, Pierrot de cara enfarinhada de melancolia. Todo Paris vibrou nas musicas delicadas de Glucky, pavanas de Lulli, minuetos de Daquin. A magestade lenta das anquinhas povoou os sales de Versailles, a sala nobre dos espelhos incontveis. Cantava na sombra, em alamedas de La Notre, o fio branco dos repouxos. Passou a farandola de Fragonard, de Lancret, de Watteau, de Bou-cher. Caranaval!

Ns no tivemos Carnaval. Tivemos o En-trudo, o brutal, o doido, o inesquecvel Entru-do. Veio elle das chalaas portuguezas, pingando sensualidade que no era dos oarystos de Theocrito mas das kermesses de Rubnes. No Brasil colnia o Entrudo vivia, berrando, bradando, apopletico de fora e de seiva sadia. Mascarados festejavam acontecimentos de vulto. Casamento de reis, Victoria de armas, inaugurao de melhoramentos. Prohibia-se a mascara. Castro de Moraes em 1710 permittia o uso em certas occasies. O vice rei Vasco Fernandes Csar de Menezes ataca de frente o Entrudo. Manda fechar as tabernas em Bahia. Commina multas de duzentos mil reis. Os folies transformam uma quinta-feira santa em domingo gordo. Levam grunindo, tairocando chinellas e arrastando amarras vermelhas, pintados de lama, gritando versos, bbados de vinho e de alegria at o inferno, s ordens do vice-rei. Todo o Rio ficou dominio til do Entrudo. Nestes dias de egrejas da Candelria e do ou-teiro da Gloria estrugiam em sermes admoes-tadores. O povo levava as ruas sujas da cidade colonial numa gua immensa de correntesa gritante. Com D. Joo VI o Entrudo corou-se. A multido batia as ruas grandes, os beccos, as bestegas enviezadas, aos pinchos, urrando, badalando todos os tons da estrondosa pandorga. No se usava disfarces. Chibata em quem tivesse mascara. O Entrudo creou a guerra dgua e da porcaria. Vivia a cidade, sem respeitos ao gas-nido do Intendente de Policia, saltando, danando, cantando, fazendo momices, mugangas e figas, cobrindo o passeante de farinha de trigo, de polvilho de p de sapato, de vermelho. Appareceram as laranjas de cera, os limes dgua perfumada canela e benjoim, essncia de cravo e mangerona branca. Batalhas, arruaas, guerilhas. Um sopro agitava de vida impetuosa aquellas silhuetas dos desenhos de Debetredo Annuario de Planchet. Sapateando, em pirue-tas e saltos, regateiras sirigaitas, yays e yoys, mucamas e negros cafuzos, moleques zarom-bos, fidalgos e peraltas, bilontras e pisa-flores, gente do Poo e fmulos da Ucharia, soldados e marinheiros, mocetes de Portugal fadeando cheganas e fandangos desnalgados, gitanos de Espanha zarralhando violas em malaguenas e jotas de Arago, homens inglezes em ginga doida, em contorses e caretas, em meneios de boleiro e bata-bata de samba preto, sonorizavam o ar. E um dilvio serodio banhava So Sebastio do Rio de Janeiro. gua de barril, de pote, de jarra, de moringa. gua em latas, em gamellas, em jarras de porcellana, em talhas de barro. gua esguinchando de seringas, em bicos de lata, de laranjas que rebentavam perfumando ou empestando tudo. Reviravoltas de rendas altonistas, molhadas, esfarinhadas emporcalhadas em segundos. Casaces austeros tornados brancos. Fitas arrancadas. Abraos intempestivos. Beijos que estralejavam como pipocas ao lume. Com o sculo XIX o Entrudo recuou. A corte tomava parte. Em 22 Dom Pedro I preso mascarado, vadiando chuias ao sizudo Jos Bonifcio. E , em 23, uma filha do commendador Silva Pinto gasta quarenta contos num vestido de fantasia. Depois da Maioridade comearam os bailes. Em 54 saem os primeiros prestitos. Inda ha p-preto, polvilho, gua de cuia, banho a muque. E nas praas as tarantellas, caterets, cocos e samba. Nas salas dana-se o slo-in-glez, a mazurka, as ultimas danas portuguezas do sculo XVIII cheirando a serinins de Queluz a nomoro de freiratico, a doce de caldas, a bailarico de So Carlos. Desde 22 D. Miguel estreara os bastidores dos theatros de Lisboa pela mo felpuda do marquez de Loul. O Rio ameaava, distante dos tempos bons do governador Ona. Depois de 50 as sociedades carnavalescas multiplicaram-se. Bisnagas, seringas, limes de borracha. Em 56 os prestitos vencem. O Entrudo perdera terreno. O carnaval chegara. Agora, 62, o famoso club X assombrava o carioca fazendo vir da sia dois cavallos para o seu carro-chefe. o tempo de brincar pouco e espiar a bel-leza das roupas vistosas, as sedarias e velludos, jias extranhas e toucados imponentes. O banho cheiroso dos limes de gua de Colnia e alfazema continuava. D. Pedro II gostava. Maluco pelo entrudo. Em pequeno ensopava as irmes e os graves senhores conselheiros em So Cristvo. Velho, o sr. D. Pedro II batia-se heroicamente laranjinha e copo dgua com as moas de Petropolis. O maior, o mais serio influidor do carnaval surgira annos antes. Ns deviamos a muleta ao portugus, iamos dever-lhe o hymno absurdo, boal, idiota e adorvel do Z-Pereira. Jos Nogueira Azevedo Paredes, numa segunda-feira de carnaval teve saudade dos zabumbas minhotas, o troar dos bombos que l se chamam ZPereiras. Arranjou quantas poude. Reuniu amigos. Beberam umas lambadas infindveis. Suspenderam os bombons na linha da barriga. Sahiram zig-zig-zig-bum! Zig bum bum! E tava creando rythmo. Faltava musica. Crearam-na tambm. Letra imbecil, ingnua, me-nineira, vulgar chcha. Viva o Z Pereira Que a ningum faz mal. Viva Z Pereira No dia do Carnaval! Pegou. Ficou no ouvido collectivo. Todos ns sabemos e no podemos dizer onde e como apredemos. Zig-zig-zig-bum! zig-bum-bum! O theatro entra no meio. O RIO approxima-se do que - Carnaval de allegorias polticas outrora e hoje banaes. Fogo de vista. Rodar de carro Nice e lentido de gandola Veneza. E ns aqui? Carnaval natalense! Entrudo de banho a pulso. Em S. Jos de Mipib, collo-cavam uma taxa de engenho, cheia dgua, no meio da praa. Era so guardar o camarada e saccodil-o dentro. Duma feita, deram um banho no reverendo vigrio da freguesia. Entrudo de Natal velha com papangus, ne-gros-mellados-morcegos, az de copas. Maraca-ts. O lembrado Forfait, o mais antigo de todos. Depois os outros inexpressivos e communs. Vas-sorinhas, Catadores,

Vasculhadores. O berrante Club do Silencio. Singular Club Nocturno. Os Jandaias. Depois a creao do Natal Club veio dar a nota dos bailes de mascaras. O carnaval de rua, com clubs passes, com ballezas e meninos de capoeira vai cedendo caminho. O carnaval mestio de Recife, o carnaval de corso de S. Paulo, o carnaval de onda no Rio ficaram morre morrendo, uma expresso de adaptacionismo que nada resta do seu passado. O de Natal desapparece. Os bailes de clubs e passeios vagorosos de auto mataram o Entrudo patuscador e o Carnaval de antanho com os seus alliados inseparveis na carraspana e no berro. a voz do lana perfume. Os con-ffetes que fizeram sua entrada nos dois ltimos annos do sculo XIX, levou-se o vento. Vem a serpentina j europa, fingindo chiquismo delicado entre ns, saudosas do banho num figuro circumspecto. Ah! tanta lata dgua que est pedindo costado gravebumdamente conselheira!! O tempo passou. S o Z Pereira que vive, rebentando tympanos e pelles de bombos, zabumbando doido. Zig-zig-zig-bum! Zig-bum-bum!...

Proteo da alegria popularPrecizamos defender as nossas festas populares. Bumba-meu-boi, Congos e Cheganas devem ter proteco e ambiente. Para que no emigrem para o outro mundo depois de terem vivido tanto tempo. Actualmente, a lio da Europa no esta. Nas remodelaes politicas os premieres timbram em desenvolver o mais possivel estes manifestaes do espirito collectivo. Na Frana, Itlia, Espanha, Turquia, Yugo-Slavia, Rssia, em toda a Europa do norte a leste, tem-se a conservao da festa tradicional com expresso legitima e segura da evoluo social. Os estudos carissimos para reunio do folk-lore musical na Turquia e Rssia mostram a que ponto chegou a exacta compreheno dos sentimentos regionaes. No somente o auto que os governos defendem do esquecimento; nem a coisinha-historica como a Frana faz em Ruo e a Allemanha nas feiras de Leipzig; nem a indumentria custoza nas provncias francezas de Picardia, Bretanha e nas espanholas de Biscaia e Andaluzia, mas ainda e, especialmente, o carinho official cerca de cuidados tudo quanto possa caracterizar os traos differenciaes d'uma nao a outra. Para o moderno, o progresso uma continuao. O homem de Estado nunca um ponto de partida. sempre uma somma de actividades. Uma coordenada energtica. Entre ns ha o inverso. Apezar de novos e de latinos, ou talvez por isto mesmo, possumos um solemne desprezo pelo espirito popular. Ultimamente que o folk-lore abre caminho na indifferena muito mais grossa que um casco de tatu. No ha absolutamente nada neste sentido. Nem aqui nem em parte alguma. O Bumba-meu-boi actualmente uma reunio de autos. Tem elle agregado ao seu bojo os velhos rimances. Espelha atravez duma synthese de sarcasmo alegre e de descuidosa alegria a critica e o registro da evoluo social e econmica da regio. Todas aquellas figuras sahiram da vida das fazendas e das villas do interior. A satyra mestia immobilisa admirvel mente todos os factores histricos do nosso passado. uma comedia-drama onde os episdios epilogam tudo quanto impressionou a moral ambiente. A derradeira notao anonyma da vida no interior do nordeste brasileiro est no Bumba-meu-boi. Depois delle podemos ter o livro. Nada mais. O povo j no far novamente outro Boi. A chegana um drama maritimo. Pertence ao cyclo portuguez. uma serie de peripcias nuticas reflectindo vida de bordo, creanas e esperanas. O encanto est na superfectao das narrativas. O Brasil brigando com a Turquia, o duque de Caxias misturado com o Kai-ser da Allemanha mostram, neste anachronismo delicioso, a impresso causada pela guerra do Paraguay e a da Europa. O Congos hirodrama negro. Narra a repercusso apavorante da rainha Ginga, a emancipada e terrvel senhora de Angola, contra Henrique, rei cariongo. Tanto a rainha Ginga como Henrique, rei do Congo, existiram e o drama um documento africano das epopas negras. Para ns o seu valor est no contigente brasileiro que elle veio reunindo. Traos da travessia, da escravido, das irman-dades religiosas dedicadas aos negros como Nossa Senhora do Rosrio e So Benedicto cabello de veu. No falei no elemento meldico. No falei no elemento rythmico. So infinitos de riqueza e de colorido, de simplicidade e de impressionante suggesto. Depois falar-se-ha nisto. No haver quem ajude esta gente? Ser o seu caracter popular quem nos afasta delia, a ns autofalantes da Democracia? O governo do Estado do Rio Grande do Norte e a Prefeitura do Natal bem poderiam criar um outro ambiente. E iniciarem uma phase de atteno que surprehenderia muita gente. A creao de pequenos prmios pecunirios equilibrando as despezas do espeta-culo seria um estimulo de inenarrvel intensidade. A licena da policia gratuita deveria controlar os responsveis. Um entendimento rpido com os ensaiadores faria estes cortarem a cauda dos recitativos infindveis. Teria-mos o auto em sua possvel approximao de auditividade. Systematizando estas representaes e com um intelligente reclame possuiramos uma outra attraco e desta vez de caracter eminentemente nosso e notavelmente desconhecido. No seria de espantar a vinda de estudadores das nossas cousas. Tudo pode acontecer. O governo do Estado e do Municpio no vindo em ajuda a esta gente, simplificando as exhibies e conferindo prmios em dinheiro depois destas, todas as festas tradicionaes morrero. Morrero como uma lagoa vai se seccan-do. Com lentido e sem parar de seccar.

ngelo RoselliMorreu em Dezembro de 1924. No mesmo dia em que, princpios do sculo, morrera Pedro Velho. L' est mort vont vive. Certamente no. A pressa nossa e no delles. Quem morre tem o tempo absoluto. Aquillo que

Einstein nega de ps e mos juntos. Ns que temos um tempinho virtualmente protestado. Dahi a pressa. Esquecer a mais saborosamente humana das pressas. ngelo Roselli, dos Roselli de Arcona, uma figura viva que fingimos aceitar immobilisada na Morte. Tanta pegada elle deixou lembrando a vida que viveu. Morrendo visinho aos setenta annos, pelo menos meio sculo esteve grudado a Natal, a Natal velha e deliciosa, dorminhenta a beira rio, to recatada e doce, como a gua mobil e verde. ngelo Roselli andou entre ns num exemplo de trabalho intenso, multiforme, vibrante e dispersivo. Assumia iniciativas que importando responsabilidades desnorteam hoje pelo imprevisto, pela audcia honesta de sua intelli-gencia. Roselli era um dos homens mais intelli-gentes que Natal conheceu. Tinha um esmalte litterario que o conhecimento do idioma e a fcil eloqncia italiana tornavam brilhante e gil. Para falar, convencer, argumentar ngelo Roselli era o primeiro. O primeiro em toda Natal commerciante at bem pouco. Possuia uma palavra plstica, irriquieta, colleante, duma vivacidade e belleza irrezistiveis. Durante cin-coenta annos foi a creatura que melhor soube cumprimentar em Natal. Inda hoje recorda-se a linha impeccavel das suas curvaturas. De cazaca, com a faixa de vice-cnsul argentino, dava sucesso. Para aquellas pocas primitivas em matria de donear ella era o typo raro, a figura singular e dimci do homem que sabia entrar e sahir num salo. Numa cidade de hbitos folgadamente caseiros, de conversas na calada e prosa na pharmacia, ngelo Roselli teimou em vestir bem. J velho continuava desempe-nado, duma elegncia natural e clara. As iniciativas de ngelo Roselli? Mil e umas. Aquelle italiano, cidado brasileiro e omcialmente argentino era um dynamo. Seu nome est em tudo ou quasi tudo. Commerciante, organizou, disciplinou o espirito da classe. Tenho at vontade de dizer, creou. A Associao Commercial surgiu como fora consciente graas a elle. Em certas occasies valia sosinho por muita gente. Na paralysao dos servios das obras do Porto, o material j a bordo, o pessoal embarcando, ngelo Roselli obstou que este crime se consumasse. E depois os navios do Lloyd foram sacudindo o bico da proa no canal sinuoso deante da Redinha. A Cidade ainda lhe deve outra cousa. Soffrendo da mania de construir Roselli semeou casas em Natal como gros de milho. A Maonaria reergueu-se, numa das suas cahidas, pelo pulso de Roselli. De seu desinteresse existe a prova do prdio da 21 de MARO. Positivamente encantador no trato. Um encanto encontral-o e ouvi-lo. Nas horas mais trgicas sorriu sempre. Tratou bem at sua sorte nos minutos adversos. Espalhou terrenos e esmolas. A sua Companhia Libero Typogra-phica Natalense explica a imprensa diria em Natal. Os cincoenta e trs primeiros nmeros do DIRIO DE NATAL de Elias Souto sahi-ram de l. Contra elle tinha sua imaginao e uma desnorteada perspectiva do meio. Faltou-lhe a serenidade teimosa de Juvino Barreto ou a intuio psychologica de Fabricio Pedrosa em Guarapes. Mais meridional e lyrico, mais romntico e sem querer idealista que estes dois brasileiros de inexplicvel grandeza realisado-ra. Com um maior ambiente cuja actuao se projectasse no scenario politico repercutindo com intensidade que a pequenina provincia no teria jamais, os dois marechaes da industria e do commercio no Rio Grande do Norte impressionaram como projees regionaes de Mau. Roselli distanciava-se delles pelos nervos. Daria seguramente um destes mercadores de Veneza, politicos e literatos ou de Roma papalina, filiados a Piemonte. A influencia euro-pea nenhuma presso exercia nelle. Em fuvino e Fabricio vivia o dynamismo cauto e rythmico da Inglaterra. ngelo Roselli expressou o trabalho sonoro de meio sculo. Luctava anno por um terreno e acabava dando-o de graa. Era assim. Deve ter chegado no Ceu, cumprimentando e sorrindo. Garanto-lhes que S. Pedro no teve coragem de deixal-o do lado de fora.

O novo plano da cidadeI A cidade Officialmente existe a Cidade do Natal ha tresentos e trinta annos. Relativamente parece com este titulo a oito ou nove annos. Ou melhor, imita cidade recm fundada se o enveizamento das arterieas no denunciasse a velhice. O "cho elevado e firme" onde se plantou a cidade a praa Andr de Albuquerque. A Ribeira permaneceu sempre um mixto de commercio e de casas raras que as grandes cercas distanciavam. O Potengy, caminho de venda para Pernambuco, abrigou a fila de casinhas seguindo curso. A conquista de leste modernissima. Ns podemos dizer que a cidade se dividiu em trs "blocos". O da Ribeira, o da Cidade-Alta, o Ribeirinho. Petropolis, Tyrol e Alecrim no pem entrar no computo porque so recentes. Inda vive quem assistiu a construo da primeira residncia em Tyrol, das primeiras casas em Petropolis (nomes de sitios do governador Alberto Maranho) quem caou cotias na atual praa Pedro Velho e jacs na avenida Hermes. Os trs "blocos" estendem-se numa irregularidade coherente. Havia a coherencia do fac-tor econmico que era a fcil remessa dos pro-ductos pela via maritima. A cidade segregada entre morros e mar no tinha sino vagas noc-es do commercio do interior que se escoava rumo ao sul, nos comboios lentos partidos do Serid ou vindos do Piauhy atravez de Cear e Rio Grande do Norte, via Ass. A cidade isolada guardava tnues liames interprovinciaes. O Potengy que dera nome regio, indicava o futuro da terra guiando para o mar os recursos realizados. A cidade bem cedo teve o aspecto que hoje conserva em trao geral. O "bloco" ribeirinho estendeu-se da Praticagem ao Oitizeiro. O segundo, a Ribeira, ganhou profundidade indo esbarrar nas areaes das Roccas e para

leste com Areial, dahi, em curva lenta, articulando-se numa continuidade de cochicholos, espraiava-se nos taboleiros cobertos de cajueiros bravos e mangabas. O terceiro "bloco", tirante a "subida da ladeira", a Rua da Cruz, era o maior bairro, o bairro residencial e de commercio medo. Tivemos desta forma trs direes para uma cidade pequena. Em 1873 inda se dizia - " Cidade do Natal? No ha-taP. O amonte-ado do casario plantado a vontade dentro de alinhamentos invisveis deu bem cedo o plano disparatado d' uma cidade em curvas, obliquas e ngulos agudos. As rectas traadas afoitamente so attitudes modernas ou exigncias imperiosas duma situao topographica que no concentiu que a indifferente atteno dos homens desvirtuasse o que naturalmente estava feito. Dahi a Rua da Cruz, Junqueira Ayres, Joo Manoel, Conceio e Rua Nova. O nome dispensa provanas de modernidade relativa. O que Natal apresenta atualmente a ligao dos trs "blocos" iniciais com a teia de aranha das ruas irracionaes. Depois da Andr de Albuquerque, descendo para o rio, a tortu-osidade das ruas lembra um delrio de linhas convulsas. So as parallelas Paula Barros e Presidente Passos e a da Misericrdia, riscos a doida, quebrados, tortos, alinhados filas da casas que parecem ter sidos fixadas a murro. a obliqidade da rua Ferreira Chaves. A incrvel sinuosidade da Fellipe Camaro, e desmantelo da do Commercio (que Sampaio Corra pedia como remdio um phosphoro e duas latas de Kerosene), o angulo agudo formado pela Fellipe Camaro com a Ba Vista findando na montanha russa da Bicca-da-Telha, so os exemplos dos caminhos trmulos indecisoz das cidades doentes de collocaes estheticas. A cidade em conjunto poderia ser explicada em dois grandes arcos. Um antigo, irregular, atrabilirio, incorrigive em todo, parte tradicional, parte iniciadora da cidade centenria, arco cujas extremidades tocam as Roccas e o Baldo. A recta partida destes extremos marca a verdadeira cidade de Natal. O outro arco, parte moderna. J racciocinado, um pouco montona pela sisudez geomtrica do enxadrezado, ter seus extremos tocando os dois do primeiro arco e correndo de leste a sul emquanto o primeiro parte do norte ao oeste. As conquistas das primeiras praas, Augusto Severo e Leo XIII que eram pntanos, o alinhamento da Silva Jardim que era um alagado, trouxe o pensamento do xadrez porque este partia da ida do primeiro retangulo saneado, plantado e conquistado ao rio. A recta surgiu como uma expresso de segurana. A Tavares de Lyra j demonstra isto. Os fulcros seriam as rectas que partindo do rio subissem para o morro. O desenho geomtrico iniciou-se inda timido mas coherente e seguro. Tavares de Lyra - Silva Jardim - Sachet - Dr. Barata. A lucta daria a viso do rio, inimigo tradicional e aluado admirvel. O prolongamento da Sachet acceitou o plano inconsciente e primitivo do comeo do xadrez. Manoel Dantas que vivia no Natal velho sonhou em 1909 a Ribeira "enxadrezada", A cidade do Natal, entre rio e mares, ficou como uma massa esperando o aspecto. O titulo j possua desde 1599.

O novo plano da cidadeII A Ribeira no "Master Plan" O"Master plan" que o sr. Ornar O Grady entregou ao technico Palumbo a utilisao da massa citadina num plano racional de correco. Correco na parte existente. Os elementos constitutivos num trabalho de urbanismo sero forosamente aquelles que se relacionem e aperfeioem o aspecto esthetico da cidade aproveitando seus recursos em pay-sagem e conjuncto, a facilidade de circulao e viao urbanas, os transportes e recreios. A existncia do "Zoning" e a inevitvel arte cvica, do a demo derradeira. O "master plan" em sua primeira prancha d a impresso de inteligente resultado destes elementos. Os acessos Cidade Alta passaro a quatro. A circulao ser garantida pela ampliao das ruas e avenidas. O aspecto total apresentar uma harmonia da nossa Cidade tradicional com sua paysagem corrigida pela intelligencia. No estamos na phase eterna do "paper dreams". Uma forte attitude de realisao pede naturalmente a collaborao das solidariedades collectivas. Urbanismo justamente the science oflinkingup connection between things. A phrase de Unwin. Um "master plan" no uma luva que se applique immediata e totalmente sobre a mo. passivel de remodelaes e de concesses. um programa que pde e deve ser alterado em detalhes. No mais como uma lei de bom gosto que se seguir no curso da vida material da cidade. No se pretende estabelecer um dogma definitivo em assumpto urbanstico. Os americanos so assim. Riscam uma cidade e constroem-na. Como quem ergue um bolo. Assim resconstruiram So Francisco da Califrnia e reformaram Okland. Assim os inglezes fizeram na moderna capital australiana de Camberra. Parece que em Natal seguir-se-ha o conselho do professor Steinhoff, da Universidade de Vienna. Para Steinhoff no possivel determinantes porque uma cidade um organismo vivo que cresce sob a influencia mltipla de elementos variveis, como o factor econmico, a ida pessoal dos dirigentes, a moda architeturial, etc. Mas o que ser a Ribeira quando o "master plan" estiver victorioso materialmente? Comea o passeio pelas parallelas ao rio Po-tengy. As ruas que cahem perpendicularmente sobre o rio sero vistas em segundo lugar. Rua do Commercio. Ter o mesmo comprimento. Ser corrigida. Soffre duas deflexes, duas passagens obrigadas na Tavares de Lyra e Ferreira Chaves que hoje no vem at o rio. Corre a Commercio desde a Central1

at a Praticagem. Dahi em diante seguira com outro nome, numa outra avenida que figurar na cidade novissima das Dunas. Ter, quando corrigida, uma praa-caes que servir para as pequenas embarcaes. Onde a velha Alfndega. Os quarteires da Commercio sero cinco, em tamanho decrescente. Trez travessas communicaro com o rio. Actualmente a Commercio no tem sino o intil e esquecido ces de Palcio. Uma outra prauela ajardinada cahir sobre o eixo da Ferreira Chaves. Ficar a Commercio com seis accessos para o Potengy. E pequenos parques beira rio. Rua Dr. Barata seguir corrigida. Conser-va-se-ho as travessas Venezuela, Argentina e Quintino Bocayuva que ser alargada. Rua Frei Miguelinho. Mesmo tamanho e direco. As ruas transversaes Nysia Floresta, Ferreira Chaves e Triumpho que vm agora atravessando a Sachet e terminando na Frei Miguelinho, tero uma valorizao inesperada. As duas primeiras iro at o rio, coincidindo na articulao das travessas da rua do Commercio. O final da Frei Miguelinho a Silva Jardim. Dahi em diante o dominio dum plano ideal, dum plano de extenso, desdobrando os horizontes da cidade do Natal. Senador Bonifcio, a rua das Virgens, alinha-se, acerta-se e ponto final. Avenida Sachet ser uma caracteristica de belleza simples e de amplido magnfica. Vir desde a Junqueira Ayres, cortar o parque Augusto Severo fazendo tringulos rectos e isose-les, atravessa a Tavares de Lyra, Nysia Floresta, Ferreira Chaves, 15 de Novembro (porque se mudou o nome de Triumpho?) e ir em recta at a Silva Jardim. Como a Frei Miguelinho e Commercio a Sachet fixar-se-ha numa immen-sa avenida contornante que abraar Natal. Almino Affonso. Rua irregular. Rua danando charleston. Entrar uma linha rasoavel de decncia e de ordem. Vir em recta com a largura de 18 metros desde o contorno da Silva Jardim (a Almino hoje uma rua de novello em mo de macaco) at intestar-se com o inicio da Avenida Rio Branco que ter passado os terrenos da Villa Barreto. Um becco que a curva do Triumpho, a pracinha onde est a Prophylaxia, desappare-cero. A Almino ficar, ao avistar a Rio Branco que agora vem morrer deante do Bom Jesus da Ribeira depois das solues de continuidade da Villa Barreto, etc, etc, numa praa nova que substituir a actual Leo XIII. A Almino ficar nesta praa que deixar o Bom Jesus isolado e com um outro aspecto de imponncia e expresso architectural. O novo quarteiro que substituir a praa Leo XIII ter como limites as ruas Nysia Floresta, Sachet, Tavares de Lyra e a futura praa. Nesta, no lado sul vir a Rio Branco que passando as ruas Sul e Norte (lado direito da Domestica e esquerdo do Carlos Gomes) attingir ahi o seu terminus. A rua General Glicerio (porque este nome?) ficar rectificada. E as ruas perpendiculares do rio? A rua Sul ir ligar-se na curva da Felippe Camaro. Ella actualmente existe at a cota 5 mas impraticvel, tem 16 metros. O prolongamento da praa Augusto Severo chamado Travessa Aureliano ter 16 metros. Estender-se-ha at a avenida Deodoro, passando a rua Norte. Agora ella possue este mesmo traado, de quase impossvel subida. Este prolongamento ser uma via de ligao desde a Deodoro at o Potengy. Justamente neste local estar o ces que substituir o da Praticagem. De mim mesmo encontro nestes 16 metros uma largura que no satisfar futuramente a necessidade do trafego cada vez maior. Dentro de dez annos a Prefeitura ter que ampliar este algarismo. Mesmo agora a travessa j de circulao intensa e nos dias de trem coincidindo com as vindas de algodo e embarque para a Great Western sua estreiteza axphyxiante. Os 16 metros sero paliativos. Melhor seria remediar de vez. A Tavares de Lyra continuar com os seus 22 metros at a cota 5, passando direita da praa que isolar a egreja Bom Jesus e terminar num local reservado para monumento. As ruas Nysia Floresta e Ferreira Chaves subiro at a avenida Deodoro. A Silva Jardim vai at a cota 5 e se confundir com o prolongamento da Deodoro. Uma "reserva" dar o futuro mercado do bairro-baixo. A Silva Jardim rua-grande na cidade novissima que far esfarelar-se os arruados das Roccas, Areial, Limpa, Canto do Mangue, Chamar, etc. Por ora s se passeiou na Ribeira systematizada. A impresso de audcia muito respeitoza. Tudo ou quase tudo se poupou. Os traados obedeceram a linha tradicional parallelos e verticaes ao rio. Apenas o brao do homem alinhou racionadamente os valores confuzos que herdamos em nome da cidade.

Junqueira AyresNa apresentao do [palavras ilegveis] ministrio monarchico. O do 20 de agosto de 1985, o baro de Cotegipe subia pela ultima vez. A fora liberal predominava embora dispersa em grupos. O discurso de abertura foi uma batalha. Cotegipe fazia a cada minuto um apello a todo seu espirito. Todas as escaramuas de dialtica no bastaram para uma sustentao. Coberto de apartes, de perguntas, de ironias Cotegipe se poude demorar at maro de 88 dissolveu a cmara em 85. A cmara por 63 contra 49 negara-lhe po e gua. Convocaram a assemblia geral para maio de 86. Nesta vigsima legislatura veio o deputado pelo dcimo districto da Bahia o engenheiro Lus Francisco Junqueira Ayres de Almeida, conservador. Bancada franca. Aristi-des Milton fez parte delia. Eram dez deputados. Todos logicamente saquarema. A luta activa de Junqueira Ayres, em politica bahiana, pingou ahi seu ponto final. Floriano nomeou-o fiscal da estrada de ferro Natal a Nova Cruz. Veio para o Rio Grande do Norte, formara-se na polytechinica em 81. Nascera em 60. Esta era sua historia pretrita. Em 93 ou 94 nomeiam-no fiscal dos enjenhos centraes de Pernambuco. Recuza. Na segunda legislatura republicana entra na chapa norteriograndense com Augusto Tavares de Lyra, Francisco Gurgel de Oliveira e Augusto Severo. A 11 de maio de 96

morria em Recife. Num quarto de hotel de depois de mandar chamar o bispo que era seu amigo e confessar-se. Acaba aqui a sua historia official. Para ns est esquecido. Nada vive que lhe recorde o passado. A gerao que o conheceu dispensou-se de justifical-o para a nossa. Junqueira Ayres est como o senhor Marlboroug na velha cano medievaMr. De Marlboroug esy mort, moriton, moriton, mirotaine, Mr. Marlboroug est mort, Bien mort este bien enterre... Bem morto e bem enterrado. Injustia, entretanto. A impresso que me causou pelo que li e ouvi sobre elle que era duma irrezistivel seduco pessoal. Toda gente o admirou e basta uma pergunta para a saudade avivarse em palavras enthusiasticas que o tempo no desvaneceu e levou. Sua lembrana de persuaso. Veio para aqui sem ideas de mando e de politica. Attrahiu derredor quem o viu. Contam maravilhas de sua palavra atordoadora. Naquelle tempo um dos pontos de referencia do talento era a palavra fcil, brilhante, numeroza. Nos banquetes polticos quem no fazia o brinde estava des-moralisado. Banquete que no tivesse vinte e trinta discursos era banquete sem graa nenhuma. Podem ler a colleo d'A REPBLICA de 93 at inicios do actual sculo. Junqueira Ayres era uma espcie de orador spala para tudo que surgisse. Natal possua eloqncias gabadas e aplaudidas, Pedro Velho por exemplo. Junqueira Ayres ficava em primeiro plano. Nunca o julgaram doente para falar e falar muito. E falar bem... Uma occasio morreu-lhe uma filhinha. Os amigos cercavam-no. Tentaram confortal-o era numa casa de Petropolis. Junqueira Ayres passeava no alpendre. Ia e vinha com os olhos molhados. De sbito parou. Mirou os amigos, a expresso intellectual da poca, e silabou peremptrio: "No! No me conformo. Deus no existe!" E foi desenrolando argumentos num crescendo que a dr emprestava inopinada grandeza pathetica. Apostrophes, raciocnios, lgicas imprevistas, axiomas, analises, tudo descia, rpido, sonoro, terrivel daquelles lbios amargurados e humidos de pranto. O audictorio apagava-se numa estupefao. Vagas sympa-thias de leitura vagas, emergiam inconscientes, corporificadas no tribuno fantstico. Mas de repente, numa das voltas do gyro tragyco, deteve-se, enxugou a face: "No! Deus existe e isto uma expresso de sua misericrdia..." E continuou, vehemente, trepidante, arrastando nova torrente de adheso irreprimvel, provando, demonstrando a existncia de Deus. A inocncia desta palavra envolvedora, fais-cante, miraculosa, prendeu-o a Pedro Velho. A todos aquelle homem pequeno, agitado, vivo, de olhos de centelha e de barbicha ornamental, guardava segredos eternos de suggesto e de sympathia. Foi uma victoria de intelligencia. O ambiente que o aproveitou deu um attestado de espirito e de comprehenso. Junqueira Ayres construiu num estado em que chegara desconhecido e doente um ncleo irradiante. Parecia experimentar em massa o poder do talento que dispensa a certido de naturalidade. Com elle o Rio Grande do Norte riscou de seu programa politico as excluses e os regionalismos preferenciaes e deponentes. Para o Rio Grande do Norte de ha trinta an-nos passados Junqueira Ayres era um orgulho. E Deus sabe que elle deve ser lembrado por outros motivos de intelligencia acima do nome na rua e no livro de historia.