Perfil · do Egito, o famoso Coalhada (e muito bom técnico de montagem), que estava no palco, sem...

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92 www.backstage.com.br ILUMINAÇÃO Nesta edição, a coluna Perfil conversou com Roberto Moreira, iluminador da cantora Maria Bethânia, e ele falou sobre vários momentos de sua carreira. Roberto Pires Moreira, que adotou o nome artístico e profissional de Roberto Moreira, é carioca e iniciou-se na iluminação como responsável pelos efeitos especiais dos shows da casa de espetáculos Canecão, no Rio de Janeiro. Para Roberto, que está com Bethânia desde 1978, a iluminação sempre o atraiu porque, seja em shows ou em teatro, “tem o poder de nos levar a enxergar o que se quer destacar, ou mesmo direcionar para uma parte do palco onde acontece uma cena, enquanto do lado oposto se monta um cenário ou se oculta um ator”. Karyne Lins [email protected] R Perfil Roberto Moreira evista Backstage - Sabendo que você trabalha como iluminador de Maria Bethânia desde que decidiu direcionar sua carreira a este ramo do mercado, como foi que apareceu essa oportunidade e o que existia de recursos de iluminação? Roberto Moreira - Se não me falha a memória, fui convidado pela diretora Bibi Ferreira para iluminar o show Nossos Momentos, da cantora Maria Bethânia. Os equipamentos da época eram os PCs, fresnéis, set lights, eu usava algumas caixas-de-cor na frente dos PCs ou fresnéis. Quais as dificul- dades de se fazer luz naquela época? Roberto - Havia bem menos equipa- mentos e informações sobre qualquer novo equipamento. Essa si- tuação obrigava os profissionais a serem criativos. Hoje, temos que continuar sendo criativos, porém, te- mos a vantagem de fazer isso com muito mais recursos. Como vocês dizem, o aprendizado nessa profissão era ‘na graxa’ e com informações de quem já estava neste circuito há mais tempo. Mesmo assim, muita gente, com pouco tempo de estrada, começou a se destacar. Roberto - Exatamente. A falta de cursos específicos para a área de iluminação cênica também nos obrigava a estar muito atentos a todas as tendências da época. Quando eu era respon- sável pela equipe de luz do Canecão, tive aulas gratuitas com grandes mestres da iluminação. Tanto na montagem, na opera- ção e, às vezes, até cri- ando luz com eles pu- de avaliar com tran- qüilidade vários traba- lhos, separando o que era de bom gosto e funcionava bem, co- meçando assim a cri- ar um estilo próprio de criação. No en- tanto, logo optei por não ter estilo algum definido, porque a- cho que cada traba- lho tem suas particu- laridades, especifica- ções e é sempre bom deixar as idéias fluí- Integrantes do coral da Igreja Metodista Central de São Paulo, que trabalha com vários estilos musicais Fotos: Divulgação

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ILUMINAÇÃO

Nesta edição, a coluna Perfil conversou com Roberto Moreira, iluminadorda cantora Maria Bethânia, e ele falou sobre vários momentos de suacarreira. Roberto Pires Moreira, que adotou o nome artístico e profissionalde Roberto Moreira, é carioca e iniciou-se na iluminação comoresponsável pelos efeitos especiais dos shows da casa de espetáculosCanecão, no Rio de Janeiro. Para Roberto, que está com Bethânia desde1978, a iluminação sempre o atraiu porque, seja em shows ou em teatro,“tem o poder de nos levar a enxergar o que se quer destacar, ou mesmodirecionar para uma parte do palco onde acontece uma cena, enquanto dolado oposto se monta um cenário ou se oculta um ator”.

Karyne Lins

[email protected]

R

PerfilRoberto Moreira

evista Backstage - Sabendo que você trabalha como

iluminador de Maria Bethânia desde que decidiu

direcionar sua carreira a este ramo do mercado, como

foi que apareceu essa oportunidade e o que existia de recursos

de iluminação?

Roberto Moreira - Se não me falha a memória, fui convidado

pela diretora Bibi Ferreira para iluminar o show Nossos Momentos,

da cantora Maria Bethânia. Os equipamentos da época eram os

PCs, fresnéis, set lights, eu usava algumas caixas-de-cor na frente

dos PCs ou fresnéis.

Quais as dificul-

dades de se fazer luz

naquela época?

Roberto - Havia

bem menos equipa-

mentos e informações

sobre qualquer novo

equipamento. Essa si-

tuação obrigava os

profissionais a serem

criativos. Hoje, temos

que continuar sendo

criativos, porém, te-

mos a vantagem de

fazer isso com muito

mais recursos.

Como vocês dizem, o aprendizado nessa profissão era ‘na

graxa’ e com informações de quem já estava neste circuito há

mais tempo. Mesmo assim, muita gente, com pouco tempo de

estrada, começou a se destacar.

Roberto - Exatamente. A falta de cursos específicos para a

área de iluminação cênica também nos obrigava a estar muito

atentos a todas as tendências da época. Quando eu era respon-

sável pela equipe de luz do Canecão, tive aulas gratuitas com

grandes mestres da iluminação. Tanto na montagem, na opera-

ção e, às vezes, até cri-

ando luz com eles pu-

de avaliar com tran-

qüilidade vários traba-

lhos, separando o que

era de bom gosto e

funcionava bem, co-

meçando assim a cri-

ar um estilo próprio

de criação. No en-

tanto, logo optei por

não ter estilo algum

definido, porque a-

cho que cada traba-

lho tem suas particu-

laridades, especifica-

ções e é sempre bom

deixar as idéias fluí-Integrantes do coral da Igreja Metodista Central de São Paulo, que trabalha com vários estilos musicais

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rem. Agindo com esse pensamento, é

possível ter momentos de grande satisfa-

ção quando conseguimos conciliar téc-

nica e arte.

Existe um conceito de iluminação de

show para Maria Bethânia?

Roberto - Quando você me pergun-

ta se há conceito de iluminação especí-

fico para os shows da Bethânia, eu diria

que em alguns pontos sim. Ela, como

todos nós sabemos, é por natureza uma

cantora que tem muito de atriz, isso nos

proporciona uma luz teatral sem abrir

mão dos refletores modernos, como os

moving lights.

Pode falar um pouco de sua forma

pessoal de trabalhar com concepção para

shows gerais?

Roberto - Como disse antes, ter sido

iluminador responsável de uma casa de

espetáculos tão importante no cenário

nacional e internacional, o Canecão,

me favoreceu muito a ser conhecido e

bem conceituado no mercado de tra-

balho. Cada artista é uma luz diferen-

te, e fui muito privilegiado por traba-

lhar com alguns ícones da música e do

teatro brasileiro, como Djavan, Bibi

Ferreira e Gonzaguinha.

Que tipo de referências você busca

quando vai montar uma luz ou pensar a

iluminação de um artista?

Roberto - Sem nenhuma predeter-

minação de formas ou conceitos. Pro-

curo assistir aos ensaios observando

cada detalhe, assim, consigo criar cli-

mas de luz para cada música ou cena

aplicando o que há de mais moderno

no mercado, contanto que se integre

ao espetáculo e não sendo apenas um

workshop de equipamentos, pois é pre-

ciso achar um bom senso entre tudo o

que é utilizado em shows, do mais sim-

ples e funcional PC ao mais moderno

painel de LED.

Você não definiu um estilo específi-

co, mas, querendo ou não, cada profis-

sional acaba adotando um conceito de

criação pessoal. Como é o seu?

Roberto – Procuro, junto aos direto-

res dos espetáculos, saber o que eles de-

sejam ou passar o que eu penso em fazer

a cada momento do show, observando

também com o cenógrafo que tipo de

cenário será usado e a melhor maneira

de iluminá-lo.

Como você utiliza referências e co-

nhecimentos da tecnologia atual para

seus trabalhos?

Roberto - Cada artista possui seu es-

tilo próprio, então, procuro usar meus

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conhecimentos e técnicas associando a

eles tudo o que o artista me passar. Aí,

procuro usar de bom gosto e intuição

para valorizar com a iluminação esse es-

tilo, que pode ser romântico, pop, rock,

etc. Digamos que essa forma de traba-

lho também se aplica a outros tipos de

espetáculos onde existem alguns pa-

drões definidos de iluminação, partin-

do, daí, para a criação.

Como a sua criação pode se destacar

em meio a tanta tecnologia no segmento

de iluminação?

Roberto - Vários equipamentos mo-

dernos facilitam nossa criação e monta-

gem, por isso, procuro usá-los de acordo

com a necessidade do espetáculo, como

algum gobo especial ou o frost de certos

movings, etc. Acredito que utilizando

essa tecnologia com bom gosto você con-

segue algum destaque.

Conte sua história como chefe de ilu-

minação no Canecão: que época foi essa

e o que estava acontecendo nos merca-

dos de música e luz?

Roberto – Era, sem dúvida, uma épo-

ca difícil quando se buscava o aprendiza-

do e a valorização profissional, mas, ao

mesmo tempo, entre nós iluminadores,

havia muito respeito e ajuda mútua. Em

relação ao mercado de iluminação, tudo

acontecia muito rapidamente. Com a

chegada de novas mesas de controle e

refletores computadorizados, era e conti-

nua sendo necessária a atualização cons-

tante destes equipamentos. No mercado

musical, artistas brasileiros, muitos já reco-

nhecidos no exterior, sempre valorizavam

seus técnicos, não abrindo mão de viajar

com eles. Lembro-me também que os ar-

tistas estrangeiros traziam seus técnicos e

isso nos proporcionava uma forma de in-

tercâmbio. Agora, falando novamente do

Canecão, trabalhar em uma casa tão im-

portante foi muito bom, porque pude co-

nhecer vários diretores, artistas e técnicos,

todos do mais alto nível, e creio ter feito

muitos amigos.

Quais eram as expectativas nessa

época? Qual era o objetivo principal do

profissional em uma casa que hoje é re-

ferência e tradição no Brasil?

Roberto - A expectativa era a de me-

lhores condições de trabalho e equipa-

mentos. O meu objetivo particular era a

maior capacitação profissional, buscando,

assim, reconhecimento e melhor salário,

pois vivemos dessa arte que é iluminar.

Histórias engraçadas e situações di-

fíceis. Conta algumas para nós.

Roberto - Bem, eu vivenciei várias his-

tórias engraçadas e algumas situações

bem difíceis, porém, eu prefiro, se você me

permitir, contar somente uma engraçada.

Foi durante um show da cantora Simone,

nos anos 80, cujo diretor era uma pessoa

maravilhosa chamada Flávio Rangel. Ele

gostava de criar a luz (também era

iluminador) durante a noite, indo mui-

tas vezes durante parte do dia. Numa

dessas ocasiões, por volta das 8 horas da

manhã, alguns carregadores da compa-

nhia de cerveja que abastecia o Cane-

cão colocavam engradados dentro do

almoxarifado, que era situado ao lado

da cabine de luz, fazendo um tremendo

barulho. Flávio era alto, magro, com o

cabelo cheio e bem branco, adorava ficar

de short e sem camisa. Ele tentava de-

sesperadamente se comunicar com José

do Egito, o famoso Coalhada (e muito

bom técnico de montagem), que estava

no palco, sem sucesso. De repente, acho

que mais pelo cansaço do que por outro

motivo qualquer, Flávio se irritou de tal

forma que, com sua voz estridente, gri-

tava aos dois ‘armários’ à sua frente:

“peguem uma a uma essas caixas e po-

nham lá dentro sem barulho!” Eu fechei

os olhos e esperei ouvir a pancadaria,

que graças a Deus não aconteceu.

Acho que eles julgaram que Flávio seria

um anjo vindo do céu para preservar o

silêncio na Terra.

Quais as suas dicas para quem pre-

tende trabalhar com iluminação e está

entrando agora no mercado?

Roberto - Tente aprender o máximo

que puder com os espetáculos a que

por ventura você assistir, estude tam-

bém eletricidade e técnicas de monta-

gens, conhecendo assim a fundo todos

os detalhes de uma iluminação. Res-

peite seus professores e chefes de equi-

pe, sempre lembrando que há sempre

coisas novas para aprender, até mesmo

com os erros. Seguindo essas dicas,

você poderá prosseguir na profissão e

criar sua própria luz.

“Em relação ao mercado de iluminação, tudoacontecia muito rapidamente. Com a chegada de

novas mesas de controle e refletorescomputadorizados, era e continua sendo necessária a

atualização constante destes equipamentos”

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