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Entre saberes e observações: a criação de Passeriformes silvestres em uma comunidade da Zona da Mata Paraibana Randson Modesto Coêlho da Paixão¹, Leandro Costa Silvestre², Tainá Sher- lakyann Alves Pessoa 3 & Antonio Ema- nuel Barreto Alves de Sousa 4 O hábito de criar animais silvestres no Brasil não é recente. Registros apontam que sua origem se deu junto aos primeiros ha- bitantes deste país, sendo impulsionado no momento em que os colonizadores passaram a aprisionar, além das aves tradicionalmente usadas pelos indígenas, pássaros que atraíam a atenção pela qualidade do seu canto (Sick 1997). Com o passar do tempo, devido à sua rica biodiversidade, como também razões sociais e culturais, o Brasil tornou-se um dos principais países fornecedores de animais silvestres (Nascimento et al. 2010), sendo um dos principais alvos do tráfico de animais (RENCTAS 2001). As aves apresentam diferentes valores socioculturais e antropológicos dentro das comunidades locais, quer sejam por razões naturalistas ou utilitárias. A compreensão destes valores permite o melhor entendimento sobre a importância biológica e cultural dessas espécies para as diferentes populações humanas (Farias & Alves 2007a, Santos-Fita & Costa-Neto 2007). Dentre as aves, os Passeriformes possuem valores bastante signi- ficativos no mercado, especialmente por se tratarem de animais com apreciáveis habilidades canoras ou por serem considerados capazes de se tornar animais de estimação (Preuss & Schaedler 2011). Estudos relacionados à captura e comércio ilegal têm mostrado a problemática socioambiental que envolve essa prática (Ferreira & Glock 2004, Pereira & Brito 2005, Souza & Soares-Filho 2005, Rocha et al. 2006, Gama & Sassi 2008, Barbosa et al. 2010, Camar- go et al. 2010, Gogliath et al. 2010, Nobrega et al. 2011, Preuss & Schaedler 2011, Ribeiro & Silva 2011, Franco et al. 2012). Registros de apreensões, entregas voluntárias e resgates de animais silvestres realizados pelos órgãos nacionais de referência nesta temática, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Re- nováveis (IBAMA), destacam a avifauna como o grupo animal mais representativo nas apreensões (RENCTAS 2001), o que evidencia a ameaça que essa prática representa a conservação de sua biodiver- sidade. O aprisionamento de pássaros silvestres sem a devida autorização caracteriza uma prática que infringe leis ambientais (lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998). No Brasil, o IBAMA é o órgão compe- tente por ceder qualquer tipo de licença referente ao manejo destas, assim como gerir penalidades a qualquer agente que utilize espécies da avifauna silvestre ilegalmente. Estudos que visem identificar as espécies de maior interesse permitem o direcionamento de medidas para a sua conservação. Diante do exposto, este estudo objetivou listar as espécies de pás- saros silvestres utilizados por ‘passarinheiros’ e seu valor de uso em uma comunidade urbana da Zona da Mata Paraibana. Materiais e Métodos Área de estudo O estudo foi realizado no município de Pilar (7°16’01”S e 35°16’22”W), localizado na mesorregião da Zona da Mata, no es- tado da Paraíba, distante 55 km da capital, João Pessoa (Figura 1), e apresenta uma população de 11.191 habitantes. O desenvolvimen- to deste município iniciou no século XVII baseado em criações de gado. Em meados do século XVIII, houve uma intensificação da monocultura da cana-de-açúcar, fato este que ocasionou no des- matamento de grandes áreas naturais. Inserido no domínio da Mata Atlântica, atualmente apresenta áreas muito afetadas pela ação an- trópica, principalmente pelo emprego de atividades agrícolas (Melo ISSN 1981-8874 9 771981 88700 3 3 7 1 0 0 Figura 1. Localização do município de Pilar no estado da Paraíba, Brasil. Atualidades Ornitológicas On-line Nº 173 - Maio/Junho 2013 - www.ao.com.br 33

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Entre saberes e observações: a criação de Passeriformes silvestres em uma comunidade da Zona da Mata Paraibana

Randson Modesto Coêlho da Paixão¹, Leandro Costa Silvestre², Tainá Sher-

lakyann Alves Pessoa3 & Antonio Ema-nuel Barreto Alves de Sousa4

O hábito de criar animais silvestres no Brasil não é recente. Registros apontam que sua origem se deu junto aos primeiros ha-bitantes deste país, sendo impulsionado no momento em que os colonizadores passaram a aprisionar, além das aves tradicionalmente usadas pelos indígenas, pássaros que atraíam a atenção pela qualidade do seu canto (Sick 1997). Com o passar do tempo, devido à sua rica biodiversidade, como também razões sociais e culturais, o Brasil tornou-se um dos principais países fornecedores de animais silvestres (Nascimento et al. 2010), sendo um dos principais alvos do tráfico de animais (RENCTAS 2001).

As aves apresentam diferentes valores socioculturais e antropológicos dentro das comunidades locais, quer sejam por razões naturalistas ou utilitárias. A compreensão destes valores permite o melhor entendimento sobre a importância biológica e cultural dessas espécies para as diferentes populações humanas (Farias & Alves 2007a, Santos-Fita & Costa-Neto 2007).

Dentre as aves, os Passeriformes possuem valores bastante signi-ficativos no mercado, especialmente por se tratarem de animais com apreciáveis habilidades canoras ou por serem considerados capazes de se tornar animais de estimação (Preuss & Schaedler 2011).

Estudos relacionados à captura e comércio ilegal têm mostrado a problemática socioambiental que envolve essa prática (Ferreira & Glock 2004, Pereira & Brito 2005, Souza & Soares-Filho 2005, Rocha et al. 2006, Gama & Sassi 2008, Barbosa et al. 2010, Camar-go et al. 2010, Gogliath et al. 2010, Nobrega et al. 2011, Preuss & Schaedler 2011, Ribeiro & Silva 2011, Franco et al. 2012). Registros de apreensões, entregas voluntárias e resgates de animais silvestres realizados pelos órgãos nacionais de referência nesta temática, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Re-nováveis (IBAMA), destacam a avifauna como o grupo animal mais representativo nas apreensões (RENCTAS 2001), o que evidencia a ameaça que essa prática representa a conservação de sua biodiver-sidade.

O aprisionamento de pássaros silvestres sem a devida autorização caracteriza uma prática que infringe leis ambientais (lei n° 9.605, de

12 de fevereiro de 1998). No Brasil, o IBAMA é o órgão compe-tente por ceder qualquer tipo de licença referente ao manejo destas, assim como gerir penalidades a qualquer agente que utilize espécies da avifauna silvestre ilegalmente. Estudos que visem identificar as espécies de maior interesse permitem o direcionamento de medidas para a sua conservação.

Diante do exposto, este estudo objetivou listar as espécies de pás-saros silvestres utilizados por ‘passarinheiros’ e seu valor de uso em uma comunidade urbana da Zona da Mata Paraibana.

Materiais e MétodosÁrea de estudo

O estudo foi realizado no município de Pilar (7°16’01”S e 35°16’22”W), localizado na mesorregião da Zona da Mata, no es-tado da Paraíba, distante 55 km da capital, João Pessoa (Figura 1), e apresenta uma população de 11.191 habitantes. O desenvolvimen-to deste município iniciou no século XVII baseado em criações de gado. Em meados do século XVIII, houve uma intensificação da monocultura da cana-de-açúcar, fato este que ocasionou no des-matamento de grandes áreas naturais. Inserido no domínio da Mata Atlântica, atualmente apresenta áreas muito afetadas pela ação an-trópica, principalmente pelo emprego de atividades agrícolas (Melo

ISSN 1981-8874

9 771981 887003 37100

Figura 1. Localização do município de Pilar no estado da Paraíba, Brasil.

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et al. 2004, IBGE 2010), com destaque para as culturas de cana-de-açúcar e abacaxi (RMCP, obs. pess.).

Obtenção e Análise dos dadosA coleta de dados ocorreu durante os meses

de julho e setembro de 2011, sendo dividida em duas etapas.

A primeira baseou-se na aplicação de formu-lários semiestruturados a fim de listar as espécies de Passeriformes utilizados pela comunidade (Albuquerque et al. 2010a). Para a seleção dos entrevistados foi utilizada uma amostragem não probabilística, sendo utilizada a técnica de “bola de neve” (Snow Ball; Bailey 1982). Em sua tota-lidade foram visitadas 62 residências para a apli-cação dos formulários, sendo aplicado apenas um questionário por residência. Foi empregado o método de listagem livre a fim de identificar as principais espécies utilizadas pela população (Albuquerque et al. 2010a). Este método parte do princípio que as aves primeiramente citadas, e com maior frequência de citação, são as que apresentam maior importância cultural.

Para cada espécie de ave citada foi calculado seu respectivo valor de uso (VU) (Phillips & Gentry 1993) para demonstrar a importância relativa da espécie na localidade.

A segunda etapa baseou-se na observação e contagem direta das aves expostas em outras 67 residências dentro do mesmo perímetro urbano (observação não participante) (Albu-querque et al. 2010a), o que permitiu identi-ficar e quantificar o número de espécimes por espécie nesta amostragem.

Como as citações baseavam-se na utilização do nome vernáculo das espécies, foram utiliza-das a observação e a consulta à bibliografia es-pecífica (Sigrist 2009) para a identificação ta-xonômica. Além destes, por meio da consulta a outros trabalhos etnoornitológicos realizados no Estado, da utilização de fotografias e com o auxílio de informante chave (Albuquerque et al. 2010b), foi possível a identificação de determinadas espécies que não foram obser-vadas.

Resultados Espécies mencionadas pelos entrevistados

Foram mencionados 57 etnoespécies de aves na região. Destes, houve a identificação de 28 espécies a partir de 38 nomes vernáculos. De-zenove etnoespécies não foram identificadas. Das espécies identificadas, 25 pertencem à ordem dos Passeriformes e estão incluídos na lista oficial de aves brasileiras silvestres (CBRO 2011) (Tabela 1). Três espécies exóticas foram mencionadas, o canário-belga Serinus canaria domesticus, e duas de não-Passeriformes (calopsita Nymphicus hollandicus e pe-riquito Melopsittacus undulatus). Embora identificadas, não foram consideradas nas análises.

As 25 espécies de Passeriformes silvestres citadas são distribuídas em 11 famílias e 18 gêneros. As famílias com maior número de espécies relatadas foram Emberizidae (32,0%, n = 8), Thraupidae (20,0%, n = 5), Icteridae (12,0%, n = 3) e Fringillidae (8,0%, n = 2) (Figura 2).

Os valores de uso calculados por espécie variaram de 0,0161 a 0,8225 (Figura 3). As sete espécies que acumularam as taxas de va-

Figura 2. Representatividade das famílias de Passeriformes silvestres a partir dos relatos dos entrevistados sobre as espécies utilizadas no município de Pilar, Paraíba.

Figura 3. Valor de uso atribuído às espécies de aves mencionadas pelos entrevistados no município de Pilar, Paraíba.

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lor de uso mais altas foram o galo-de-campina Paroaria dominicana (VU = 0,822), a golada Sporophila albogularis (VU = 0,806), o pa-pa-capim Sporophila nigricollis (VU = 0,451), o azulão Cyanoloxia brissonii (VU = 0,419), o bigode Sporophila lineola (VU = 0,387), o caboclinho Sporophila bouvreuil (VU = 0,241) e o canário-da-terra Sicalis flaveola (VU = 0,209).

Contagem direta das aves observadas nas residênciasForam observados 157 espécimes pertencentes a 14 espécies, dis-

tribuídas em 10 gêneros e seis famílias. Segundo os moradores, a maior parte das capturas foi realizada na própria região.

Por meio deste método constatou-se que a família Emberizidae apresentou o maior número de espécies (42,9%, n = 6) e de espé-cimes (52,2%, n = 82) entre os criadores (Figura 4). Os resultados obtidos mostraram que a maioria dos espécimes capturados desta fa-

mília pertenceu ao gênero Sporophila (50,7%, n = 80).

As espécies de Passeriformes mais frequen-tes foram S. albogularis (28,0%, n = 44), P. dominicana (26,1%, n = 41) e S. lineola (10,2%, n = 16), seguida pelo sabiá-laranjeira Turdus rufiventris (7,0%, n = 11) e o cabocli-nho Sporophila bouvreuil (7,0%, n = 11) (Fi-guras 5 e 6).

Visitas realizadas posteriormente ao período de estudo permitiram a obtenção de informa-ções adicionais, como a observação de um único espécime de Cyanocorax cyanopogon, Chrysomus ruficapillus, Tangara cayana, Sicalis luteola, Sporagra yarrellii e Sicalis flaveola na mesma comunidade. Segundo os entrevistados, essas duas últimas espécies não seriam comuns na região, possivelmente seus exemplares teriam procedência de feiras livres

no município de João Pessoa, onde é comum o comércio de espécies de outras regiões. Embo-ra não considerados nas contagens, estes resul-tados confirmam a utilização destas espécies na comunidade, conforme as menções.

Em relação ao total de espécies mencio-nadas, cinco (Pitangus sulphuratus, Estrilda astrild, Tangara palmarum, Coereba flaveola e Passer domesticus) não foram observadas entre os ‘passarinheiros’.

DiscussãoAs informações obtidas demonstraram a im-

portância destes métodos para a identificação e listagem das espécies utilizadas pelos ‘passari-nheiros’ na região.

Verificamos que algumas espécies apresen-taram vários nomes locais. Essa variação re-gional também foi apontada por outros autores (Farias & Alves 2007b). A importância ecoló-gica e cultural que essas informações podem fornecer ao pesquisador sobre a biologia das espécies também foi discutida pelos mesmos. Sendo assim, a pesquisa etnoornitológica per-

mite a compreensão de determinados aspectos que podem subsidiar o trabalho em campo.

Das 25 espécies identificadas, cinco mencionadas não foram ob-servadas sendo utilizadas pelos criadores na região. A utilização de Pitangus sulphuratus, Estrilda astrild e Tangara palmarum pelos moradores foi comum em estudos etnoornitológicos realizados em outras áreas no Estado (Rocha et al. 2006, Gama & Sassi 2008, Bar-bosa et al. 2010, Nobrega et al. 2011). O fato dessas espécies não ter sido visualizadas durante as observações não participantes pode estar associado à própria importância de uso que estas apresentam dentro da própria comunidade, ou por outras particularidades bio-lógicas e ecológicas dessas espécies que poderiam determinar o pe-ríodo em que ocorreria a maior incidência e disponibilidade destas nas capturas.

O número de espécimes aprisionados pode ter favorecido o regis-tro de determinadas espécies durante a observação não participante. Espécies menos representativas teriam menor chance de serem vi-

Figura 4. Percentual em relação ao número de espécies e espécimes por famílias de Passeriformes registradas através da observação não participante, no município de Pilar, Paraíba.

Figura 5. Representatividade das espécies de Passeriformes silvestres registradas em residências através do método de contagem direta no município de Pilar, Paraíba.

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sualizadas. Contudo, a representatividade das espécies pode variar periodicamente devido a fatores biológicos e ecológicos. Alguns autores têm discutido que durante o período reprodutivo essas espé-cies tendem a apresentar uma maior atividade, o que as torna mais evidente nestes locais. Outra razão que também deve ser considerada como infl uência para estas capturas é o fator comportamental regis-trado em certas espécies. Espécies de comportamento territorial, em especial no período reprodutivo, facilitariam as capturas com a rea-lização de “chamas” (RENCTAS 2001, Rocha et al. 2006, Gama & Sassi 2008, Barbosa et al. 2010).

As famílias Emberizidae e Thraupidae frequentemente destacam--se quanto ao número de espécies utilizadas, fato também observado por outros autores em estudos etnoornitológicos (Barbosa et al. 2010, Nobrega et al. 2011). Ferreira & Glock (2004), Pagano et al. (2009), Gogliath et al. (2010) e Franco et al. (2012) ressaltaram a importân-cia da família Emberizidae, estando entre as mais representativas nas apreensões em diferentes estados brasileiros. Pagano et al. (2009) apre-sentaram ainda as espécies mais comuns em apreensões realizadas na Paraíba e, dentre elas, encontram-se as espécies mais representativas entre os criadores no presente estudo (S. albogularis, P. dominicana, C. brissonii e S. nigricollis), com exceção de S. lineola. Segundo Souza & Soares-Filho (2005) a maior incidência de espécies e espécimes da família Emberizidae pode estar associada ao fato desta ser numerosa em espécies e espécimes na ordem Passeriformes, devido a sua diversidade na região Neotropical, e à maior preferência entre os ‘passarinheiros’, principalmente em virtude as suas qualidades canoras.

Em termos de gêneros, Paroaria e Sporophila tendem a ser os mais representativos em outros estudos realizados na Paraíba (Bar-bosa et al. 2010, Nobrega et al. 2011). Esses resultados reforçam às estimativas encontradas nas apreensões também em outros estados (Gogliath et al. 2010). RENCTAS (2001) divulgou resultados que se assemelham às perspectivas encontradas neste trabalho, demons-trando a importância do gênero Sporophila estando entre os mais apreendidos. A preferência acentuada, em especial ao gênero Spo-rophila, pode estar associada à beleza do canto, e hábito alimentar destas espécies, consistindo em sementes, o que torna a manuten-ção mais barata e permite fácil higienização (Rocha et al. 2006), o que também foi evidenciado neste estudo. As espécies com maior preferência e comuns entre os criadores foram aquelas com hábitos granívoros.

A recorrente utilização das espécies S albogularis e P. dominica-na foi evidenciada em outras regiões do estado da Paraíba. Como exemplo, Nobrega et al. (2011) também registraram uma preferência acentuada pelas espécies S. albogularis e P. dominicana, ressaltando assim a importância destes como animais de estimação.

Entre as espécies com dimorfi smo sexual, verifi cou-se a pre-ferência por indivíduos machos, como foi o caso de C. brissonii, onde todos os representantes observados foram machos. Segundo os moradores, essa preferência quanto ao o sexo ocorre ‘porque os machos cantam mais e são mais bonitos’, justifi cativa semelhante foi também apontada por outros autores (Barbosa et al. 2010). Esta preferência acentuada poderia repercutir em impactos ainda mais

Figura 6. Algumas das espécies de Passeriformes silvestres registrados em residências no município de Pilar, Paraíba: Sporophila albogularis (A), Paroaria dominicana (B), Sporophila lineola (C), Turdus rufi ventris (D), Sporophila bouvreuil (E) e Sporagra yarrellii (F) (Fotos: Randson M. C. Paixão).

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agravantes com o passar dos anos caso não seja discutida, podendo afetar diretamente o equilíbrio populacional das espécies, em espe-cial aquelas que adotam padrão de comportamento reprodutivo mo-nogâmico (Rocha et al. 2006).

Dentre as espécies registradas neste estudo, o pintassilgo Spora-gra yarrellii, espécie endêmica do nordeste do Brasil, encontra-se ameaçada de extinção (MMA 2003), principalmente devido à per-seguição humana para utilização como ave de gaiola e a destruição de seu ambiente de ocorrência natural (Olmos 2005). Apesar de ter sido registrado um baixo número de espécies ameaçadas, pouco se sabe sobre os efeitos que esta prática pode estar exercendo sobre as populações destes Passeriformes. Segundo Rocha et al. (2006) a possível ocorrência de reduções populacionais ou extinções locais, poderia explicar o consenso existente entre os criadores no aumento da dificuldade de se capturar muitas dessas espécies na localidade. Este então seria um problema de grande importância e bastante pre-ocupante para a conservação destas espécies.

Outro agravante está no fato de que muitas dessas aves apreendi-das dificilmente apresentariam condições que permitam serem de-volvidas à natureza (RENCTAS 2001, Nascimento et al. 2010). De acordo com Olmos (2005), a intensa captura de Passeriformes para a criação em cativeiro domiciliar é bastante preocupante, por ser uma das principais causas da extinção de espécies pertencentes à ordem Passeriformes.

O número de Passeriformes silvestres criados em domicílio na área em estudo foi relativamente alto, e assemelham-se aos dados apresentados em estudos envolvendo uso de aves silvestre realiza-dos em feiras livres (Pereira & Brito 2005). A disparidade entre os valores apresentados em diferentes estudos (em feiras e apreensões) evidencia a dificuldade nas estimativas de uso de avifauna silvestre brasileira, por se tratar de realidades bem pontuais. Essas informa-ções carecem de mais estudos para que possam evidenciar a verda-deira dimensão desta problemática.

A ausência do devido controle e/ou fiscalização sob as atividades de criação e comércio ilegal de Passeriformes pode ocasionar con-sequências sérias ao ambiente, inclusive com a perda na qualidade genética, em especial para aqueles que persistem em pequenas po-pulações, agravando assim o maior risco de declínio populacional (Camargo et al. 2010). Além disso, os espécimes capturados ilegal-mente podem ser introduzidos em locais impróprios (fora de sua distribuição geográfica natural) e sem uma avaliação apropriada de seu estado sanitário, sendo os efeitos dessas solturas desconhecidos (Marini & Garcia 2005).

Considerações finais Os métodos utilizados (entrevistas e observação não participante)

foram complementares e de fundamental relevância para o conheci-mento das espécies utilizadas na localidade.

A utilização de Passeriformes silvestres como animais de estima-ção é uma atividade existente na comunidade estudada, e não exis-tem programas educativos que conscientizem a população sobre as implicações que estão associadas a essa prática.

A associação dos problemas ambientais listados e de suas implica-ções ecológicas reforça a importância da Educação Ambiental (EA) no tratamento da problemática que envolve a captura e criação ilegal destes animais na localidade. Em uma perspectiva crítica e transfor-madora, a EA pode atuar como estratégia chave nas comunidades, sendo necessários estímulos tanto de ordem governamental como institucional para sua plena efetivação.

Os dados obtidos poderão contribuir em futuras decisões de de-

cisões de conservação e de manejo das espécies de aves silvestres traficadas no Estado da Paraíba.

AgradecimentosAos amigos Anderson Paiva e Bruno Lima pelo auxílio no decor-

rer do estudo. A professora Dra. Rachel Lyra-Neves pelas sugestões e revisão do manuscrito. Aos moradores entrevistados por gentil-mente terem colaborado, e a todos aqueles que colaboraram direta e indiretamente para que esse trabalho pudesse ter acontecido.

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Sick, H. (1997) Ornitologia Brasileira, 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Sigrist, T. (2009) Avifauna Brasileira, 1ª ed. São Paulo: Avis Brasilis. Souza, G.M. & A.O. Soares-Filho (2005) O comércio ilegal de aves silvestres na

região do Paraguaçu e Sudoeste da Bahia. Enciclopédia Biosfera 1: 1-11.

¹Bacharel em Ciências Biológicas, Universidade Estadual da Paraíba; e-mail: [email protected].

2Mestrando em Ecologia e Conservação, Universidade Estadual da Paraíba.

3Mestranda em Ecologia e Evolução, Universidade Federal de São Paulo.

4Analista ambiental, Centro Nacional para a pesquisa e Conservação de Aves Silvestres.

Tabela 1. Lista com os nomes científicos e vernáculos das espécies de Passeriformes silvestres citadas pelos moradores do município de Pilar, Paraíba, Brasil.

Categoria Taxonômica Nome VernáculoTyrannidae Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) Bem-te-viCorvidae Cyanocorax cyanopogon (Wied, 1821) CancãoTurdidae Turdus rufiventris Vieillot, 1818 Sabiá-laranjeiraCoerebidae Coereba flaveola (Linnaeus, 1758) SibitoThraupidae Lanio pileatus (Wied, 1821) CravinaTangara sayaca (Linnaeus, 1766) Sanhaçu-cinzento/azulTangara palmarum (Wied, 1823) Sanhaçu-verdeTangara cayana (Linnaeus, 1766) Sanhaçu-macaco

Paroaria dominicana (Linnaeus, 1758) Galo-de-Campina, Galo-de-capim

Emberizidae Sicalis flaveola (Linnaeus, 1766) Canário-da-terra, Canário-do-chãoSicalis luteola (Sparrman, 1789) GaturamoVolatinia jacarina (Linnaeus, 1766) Tiziu, Nego-tiziuSporophila lineola (Linnaeus, 1758) BigodeSporophila nigricollis (Vieillot, 1823) Papa-capim, Bico de ossoSporophila albogularis (Spix, 1825) Golada, Goladinha, ColeiraSporophila leucoptera (Vieillot, 1817) ChorãoSporophila bouvreuil (Statius Muller, 1776) Caboclinho, CaboculinCardinalidae Cyanoloxia brissonii (Lichtenstein, 1823) Azulão

Icteridae Icterus jamacaii (Gmelin, 1788) Concri, SofrêGnorimopsar chopi (Vieillot, 1819) Craúna, GraúnaChrysomus ruficapillus (Vieillot, 1819) Corda-negraFringillidaeSporagra yarrellii (Audubon, 1839) PintasilvaEuphonia chlorotica (Linnaeus, 1766) Vem-vemEstrildidae Estrilda astrild (Linnaeus, 1758) Bico-de-lataPasseridae Passer domesticus (Linnaeus, 1758) Pardal

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