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Vol. 38 - Nº 2 - Abril-Junho 2014 | I

Oftalmologia - Vol. 38

Comissão CentralPresidentePaulo Torres

Vice-PresidenteEduardo Silva

TesoureiraIsabel Lopes Cardoso

VogaisJoão Filipe SilvaMun Faria

Secretário-Geral AdjuntoLuís Cardoso

Secretária-GeralIsabel Prieto

Mesa da Assembleia GeralPresidenteAntónio Aires Marinho

Vice-PresidenteAntónio Limão

1º SecretárioWalter Rodrigues

2° SecretárioMário Alfaiate

Conselho FiscalAugusto MagalhãesFrancisco Sousa LéJosé Arede

Coordenadores das Secções da S.P.O.Grupo Português de Retina-VítreoJ. Neves Martins

Grupo Português de Inflamação OcularPaulo Marques

Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e EstrabismoPaulo Vale

Cirurgia Implanto-Refractiva de PortugalRamiro Salgado

Grupo Português de Superfície Ocular Córnea e ContactologiaPedro Rodrigues

Grupo Português de GlaucomaMaria da Luz Freitas

Grupo Português de NeuroftalmologiaDália Meira

Grupo Português de Patologia, Oncologia e Genética OcularSandra Prazeres

Grupo Português de ErgoftalmologiaVítor Leal

Editor da página da S.P.O na InternetHelena Filipe

EditorNuno [email protected]

OftalmologiaPublicação Trimestral | Vol. 38 | Abril - Junho 2014

REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA

SUBLINHADO Publicações e Publicidade Unipessoal - R. Prof. Vieira de Almeida, 38 - Lj. A - Bloco B - Piso 0 - 1600-371 LISBOA - Tel.: 21 757 81 35 | Depósito Legal 93 889/95 - ISSN 1646-6950

Conselho Redactorial

David Barros MadeiraDavid MartinsHelena SpohrJoão MatiasMarta Vila FrancaNuno LopesOlga BerensPedro FariaPedro AfonsoRui Tavares

Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

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Vol. 38 - Nº 2 - Abril-Junho 2014 | III

Índice

EditorialMaria João Quadrado

Nota do EditorNuno Campos

Artigo de RevisãoRastreio da Retinotoxicidade pela Hidroxicloroquina

Ana Filipa Miranda, Sandra Sousa, Paula Telles, Pedro Gonçalves, José Canas da Silva, Nuno Campos

Artigos OriginaisContribuição da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e follow-up de neoplasias conjuntivais intraepiteliais

Luisa Vieira, Manuela Martins, Arnaldo Santos, Rita Anjos, Vitor Maduro

Espessura da Camada de Fibras Nervosas em Doentes com Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono

Mário Ramalho, Fernando Vaz, Inês Coutinho, Catarina Pedrosa, António Martins, Paulo Kaku, F. Esperancinha

Excisão simples de pterígio: presente ou passado?

Catarina Pedrosa, Mário Ramalho, Susana Pina, Peter Pêgo, Bernardo Feijóo, Isabel Prieto

Expressão de grelina no olho e a sua implicação na redução da pressão intraocular

Rodrigues-Araújo J., Pereira-Silva P., Azevedo-Pinto S., Tavares-Silva M., Pinho S., Rocha-Sousa A.

V

VII

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Flash LookComo Classificar os Buracos Maculares

Nuno Gomes

Como classificar os pterigia?Andreia Martins Rosa

Queratite herpética. Quando e como devo usar os corticoides?

Vitor Maduro

Que lesões ativas da Toxoplasmose Ocular devem ser tratadas? E como?

Vanda Nogueira, Marco Liverani

Comunicações Curtas e Casos ClínicosHipertensão Intracraniana Idiopática em Idade Pediátrica: Revisão teórica e 2 casos clínicos

Josefina Serino, João Martins, Bruna Vieira, José Alberto Lemos, Carlos Menezes, Rita Gonçalves, Isabel Ribeiro

Síndrome de Cohen - dois casos clínicosJosefina Serino, Bruna Vieira, Carlos Menezes, José Alberto Lemos, Pedro Rodrigues, Ana Duarte, Paula Tenedório

Indicações aos Autores e Normas de Publicação

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IV | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Errata

Por lapso, no número anterior (N.º 1 - Janeiro-Março 2014 - Pág. 67) o artigo “Síndrome de múltiplas manchas brancas evanescentes: Série de casos clínicos” foi publicado com a referência de Autores incompleta, assim repomos aqui a correcta listagem. Apresentamos as nossas desculpas por tal facto.

Síndrome de múltiplas manchas brancas evanescentes: Série de casos clínicos

Mafalda Macedo1,2, Sara Vaz-Pereira1,3, Gabriella De Salvo1,4, Bishwanath Pal1 1Moorfields Eye Hospital, Londres

2Hospital de Santo António-Centro Hospitalar do Porto3Hospital de Santa Maria-Centro Hospitalar Lisboa Norte

4University Hospital Southampton, Southampton

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

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Vol. 38 - Nº 2 - Abril-Junho 2014 | V

Oftalmologia - Vol. 38

POLíTICA DE QuALIDADE EM OFTALMOLOGIA. uM DESAFIO PARA O FuTuRO.

Iniciei-me nas questões da política de qualidade em saúde em 2009, quando foi necessário implementar a lei 12/2009 no Banco de Olhos dos CHUC. Como acontece a todos nós oftalmologistas, em que esta temática não faz parte da nossa forma-ção básica, revelou-se um percurso penoso e que custou a iniciar. Depois revelou-se apaixonante.

Vivemos numa sociedade com uma consciência social crescente. Neste contexto, as falhas ou erros na prestação de cui-dados de saúde são potencialmente interpretados pelos cidadãos num quadro de eventual culpa.

A gestão eficiente dos recursos disponíveis, cada vez mais escassos, para dar resposta a um volume crescente da procura de cuidados de saúde, não obsta a que se exija um nível da qualidade da prestação cada vez mais elevado. Vivemos numa época de enormes desafios para os gestores dos sistemas de saúde e para os profissionais que neles trabalham.

A OMS em 2000 recomendou que cada estado membro estabelecesse uma estratégia nacional para a qualidade e segurança na saúde e em 2009 a Comissão Europeia recomendou que a segurança do doente fosse uma das prioridades nas políticas e programas de saúde. Desta forma, Portugal definiu a sua “Estratégia Nacional para a Qualidade na Saúde” que visa a médio e longo prazo a promoção da aproximação à excelência na prestação de cuidados de saúde definindo os desafios da qualidade e segurança como uma das principais prioridades do sistema de saúde português (Despacho 14223/2009 de 24 de Junho).

O Departamento da Qualidade em Saúde que se encontra integrado na Direcção Geral de Saúde definiu como prioridades estratégicas de atuação: 1. Qualidade clínica e organizacional 2. Informação transparente ao cidadão 3. Segurança do doente 4. Qualificação e acreditação nacional de unidades de saúde 5. Gestão integrada da doença e inovação 6. Gestão da mobili-dade internacional de doentes 7. Avaliação e orientação das reclamações e sugestões dos cidadãos utilizadores do SNS.

Os próprios códigos deontológicos dos profissionais de saúde defendem a qualidade dos cuidados prestados, impondo a permanente atualização da cultura científica e uma boa preparação técnica. O sector da Oftalmologia não se mostra indife-rente a esta questão, e tem tentado incluir uma política de qualidade na sua prática diária. Na realidade, desde sempre procu-rámos a prestação de cuidados de oftalmologia de acordo com as boas práticas, apoiada em suportes tecnológicos avançados e constante atualização técnico-científica, bem como na prevenção, no diagnóstico e tratamento clínico da doença, sustentada na obtenção de resultados clínicos e na investigação.

Numa política de qualidade, que se quer real, faltam os passos para que estes parâmetros sejam periodicamente monito-rizados e reavaliados face aos objectivos e metas previamente definidos. Os formalismos são pesados mas fundamentais: 1. Repositório documental controlado; 2. Gestão de versões de documentos, 2. Circuitos de revisão e aprovação de documentos; 3. Distribuição controlada dos documentos; 4. Gestão de ocorrências; 5. Plano de formação anual, 6. Auditorias Regulares; 7.

Editorial

Maria João Quadrado

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VI | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Cumprimento de mapa de indicadores, 8. Avaliação de satisfação de clientes entre outros…. Garantimos assim que todos os prestadores de serviços se encontram enquadrados nas suas funções, com um conhecimento claro e definido das suas respon-sabilidades e uma maior operacionalidade e eficiência em todas as atividades do processo de forma a assegurar o incremento permanente do número e qualidade dos serviços prestados.

Só desta forma podemos planear estratégias precisas de intervenção de alta efetividade nos Serviços de Oftalmologia bem como também monitorizar a resposta a essas ações. Reconheço que não é tarefa fácil, não só pelas exigências actuais em termos de “números”, mas também porque lida com sentimentos como empatia e sensibilidade e está relacionada com os aspetos da qualidade mais difíceis de serem alcançados - os aspectos intangíveis.

A prestação de cuidados oftalmológicos assenta na procura da resposta às necessidades e expectativas dos utentes, profis-sionais e doentes, tendo como finalidade a promoção da sua satisfação. Este tem que ser o futuro.

No entanto é obrigatória a consciência de que numa adequada implementação de sistemas de qualidade todos ganhamos. Nós, os profissionais de saúde e o doente.

Por tudo isto é uma tarefa que se torna facilmente apaixonante.

Com amizade, Maria João Quadrado

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Caros colegas

Assistimos cada vez mais a uma multiplicação da oferta de Reuniões e Congressos Internacionais, cuja dimensão física esmagadora, sobreposição horária por vezes absoluta de temas apresentados e multiplicidade de eventos, torna difícil ou mesmo impossível, conseguir rentabilizar o objectivo de enriquecimento científico que pretendemos quando nos deslocamos para os frequentar.

É uma oportunidade de ouro para as Reuniões e Encontros Nacionais, cada vez mais interessantes, com uma escala mais humana, muito bem organizados e com convidados internacionais de referência nas áreas tratadas, assumirem um papel rele-vante na formação contínua dos mais Seniores, e dos colegas mais novos, com cursos também sempre de grande qualidade.

Este é o caminho certo que tem sido trilhado e que enobrece e valoriza a Oftalmologia Portuguesa.Estão de parabéns os vários Serviços que com muito empenho os têm promovido, assim como as Secçôes da Sociedade

Portuguesa de Oftalmologia que os têm organizado, sendo uma aposta acertada da actual e futuras Direcções da SPO.Temos neste número um interessante Editorial da Professora Maria João Quadrado sobre Política de Qualidade e Oftal-

mologia, tema que deve merecer a nossa maior atenção pelo conjunto de boas práticas que determina e das quais todos bene-ficiamos, assim como pela sua actualidade e importância na Certificação dos Serviços.

Com amizade, Nuno Campos

Nota do Editor

Nuno Campos

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Rastreio da Retinotoxicidade pela Hidroxicloroquina

Ana Filipa Miranda1, Sandra Sousa2, Paula Telles1, Pedro Gonçalves2, José Canas da Silva2, Nuno Campos1 1Centro de Responsabilidade de Oftalmologia do Hospital Garcia de Orta

2Serviço de Reumatologia do Hospital Garcia de Orta

RESuMO

Na última metade do século XX, assistiu-se ao desenvolvimento de múltiplos fármacos com novos mecanismos de ação para o tratamento da artrite reumatóide (AR), lúpus eritematoso sistémico (LES) e outras doenças auto-imunes. Contudo, os antigos anti-palúdicos de síntese (APS), prin-cipalmente a hidroxicloroquina (HCQ), têm-se mantido como fármacos relevantes no tratamento da AR e do LES. A preocupação central com o tratamento continua a ser a potencial toxicidade retiniana que, embora seja rara, é potencialmente irreversível, o que torna indispensável a sua de-teção precoce. Estudos recentes têm sugerido a avaliação complementar aos campos visuais com electroretinograma multifocal (mfERG), tomografia de coerência óptica spectral domain (SD--OCT) e autofluorescência de fundo (FAF) de forma a detectar mais precocemente a maculopatia. Esta revisão pretende abordar as principais indicações dos APS nas doenças reumatológicas, a retinotoxicidade associada à HCQ e os mais recentes métodos de rastreio da mesma.

Palavras-chaveHidroxicloroquina; retinotoxicidade; electroretinograma multifocal; tomografia de coerência óp-tica spectral domain; autofluorescência de fundo.

ABSTRACT

In the latter half of the 20th century, many drugs with different mechanisms of action were de-veloped for the treatment of reumathoid arthritis (RA), systemic lupus erythematosus (SLE) and other autoimmune disorders. However, the anti-malarial drugs, specially hydroxychloroquine (HCQ), are still relevant in the RA and SLE treatment. The main concern with its use is the rare but potencially irreversible retinal toxicity, making its early diagnosis very important. Recent studies suggested that early maculopathy could be better detected with multifocal electroretino-gram (mfERG), spectral domain optical coherence tomography (SD-OCT) and fundus autofluo-rescence (FAF) in addition to the visual fields. In this review the principal indications of the anti-malarial drugs in rheumatology, retinal toxici-ty associated with HCQ and the recent screening recommendations will be addressed.

Key-wordsHydroxychloroquine; retinal toxicity; multifocal electroretinogram; spectral domain optical cohe-rence tomography; fundus autofluorescence.

Artigo de Revisão

Oftalmologia - Vol. 38: pp.81-88

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INTRODuçãO

Na última metade do século XX, assistiu-se ao desen-volvimento de múltiplos fármacos com novos mecanismos de ação para o tratamento da artrite reumatóide (AR), lúpus eritematoso sistémico (LES) e outras doenças sistémicas auto-imunes. Contudo, os antigos anti-palúdicos de síntese (APS), principalmente a hidroxicloroquina (HCQ), têm-se mantido como um dos fármacos relevantes no tratamento da AR e do LES. A preocupação central do tratamento com APS continua a ser o seu potencial de toxicidade retiniana que, embora seja rara, é potencialmente irreversível, o que torna indispensável a sua deteção precoce, prévia ao surgi-mento de alterações à fundoscopia. Os autores fazem uma revisão das principais indicações dos APS nas doenças reumatológicas, da retinotoxicidade associada e principais métodos de rastreio da mesma considerados atualmente.

FARMACOCINéTICA E FARMACODINâMICA

A cloroquina (CQ) e a HCQ são compostos químicos classificados como 4-aminoquinolinas, estruturalmente semelhantes entre si, diferindo apenas na existência de um grupo hidroxilo na formulação da HCQ, em vez de um grupo etilo presente na CQ. Esta diferença estrutural, con-fere à HCQ uma menor toxicidade, mantendo a mesma efi-cácia do grupo1,2,3,4,5.

Os APS são fármacos administrados por via oral, com uma semivida de 1 a 2 meses e um efeito clínico tardio que pode demorar cerca de 3 a 6 meses a ser atingido2,3,6. Os dois fármacos têm características farmacocinéticas seme-lhantes, mas podem apresentar variações interpessoais2.

São fármacos hidrossolúveis, bem absorvidos a partir do trato gastrointestinal, ligando-se posteriormente às pro-teínas plasmáticas e a elementos celulares, nomeadamente a plaquetas, monócitos e linfócitos2,6.

O pico máximo de concentração plasmática é atingido após 8horas e as concentrações plasmáticas mantêm-se estáveis até 24 semanas após a ingestão. Cerca de 15 % dos APS são metabolizados pelo citocromo P450 no fígado, e a sua excreção é maioritariamente renal (50-70%)2,6. Uma característica particular destes fármacos é a sua distribui-ção tecidual. Estes depositam-se sob a forma de vesículas, podendo permanecer nos tecidos por períodos longos, de 5 a 9 anos. A sua distribuição é menor no tecido adiposo, ósseo e ao nível do sistema nervoso central e apresentam uma ele-vada distribuição nos tecidos ricos em melanina, tais como a pele e a retina. Estes últimos, funcionam como reserva-tórios, facto determinante para os seus efeitos benéficos

Ana Filipa Miranda, Sandra Sousa, Paula Telles, Pedro Gonçalves, José Canas da Silva, Nuno Campos

significativos na pele e tóxicos na retina2. As doses habi-tualmente usadas no tratamento das doenças reumáticas são entre 200 a 400mg/dia de HCQ e 250mg/dia de CQ4,7.

Os APS são fármacos imunomoduladores com vários mecanismos de ação conhecidos1.

Sabe-se que os principais mecanismos envolvidos na modulação do sistema imunitário são: a interferência com a acidificação lisossomal e a consequente inibição da pro-teólise, quimiotaxia, fagocitose e apresentação antigénica; a diminuição da produção de citocinas, especialmente IL-1 e IL-6; a inibição da fosfolipase A2 e o antagonismo aos efeitos das prostaglandinas; o bloqueio à absorção e ao desenvolvimento de reações cutâneas desencadeadas pelos raios UV; o aumento da densidade mineral óssea; a inibição da sinalização dos recetores das células B e T; a inibição das metaloproteinases e, mais recentemente, foi também demonstrado que a HCQ inibe a sinalização dos Toll-like receptors, destacando-se assim um novo e importante mecanismo que vem contribuir para a melhor compreensão da utilidade destes fármacos nas doenças autoimunes1,2,3,4,6,8.

O interesse crescente nos últimos anos por esta classe de fármacos, tem ampliado o espectro de doenças que podem ser beneficiadas com a sua utilização. Alguns estu-dos demonstraram a redução do risco cardiovascular em doentes medicados com APS, devido ao seu efeito hipo-glicemiante e consequente controlo da diabetes mellitus e também a redução dos níveis séricos de colesterol total e triglicéridos1,2,3,6.

A HCQ parece ser eficaz contra algumas infeções bac-terianas e virais, tais como a Coxiella burnetii, o vírus da imunodeficiência humana, o Corona vírus, e o vírus Influenza1,2,3,6,8. Alguns estudos sugeriram também um efeito significativo na prevenção de eventos trombóticos arteriais ou venosos1,2,8,9, e um efeito protetor da HCQ no desenvolvimento de neoplasias em doentes com LES1,8,9.

APLICAçõES EM REuMATOLOGIA

Os APS, sobretudo a HCQ, são largamente utilizados no tratamento da AR e do LES, devido à sua eficácia compro-vada e reconhecida há mais de meio século1,3,4,5,6,7,8. Estes fármacos parecem igualmente ter algum efeito em outras doenças reumáticas, tais como o reumatismo palindrómico, a dermatomiosite, a fasceite eosinofílica, a paniculite lúpica e o lupus discoide1,2,3,4,5,7.

A HCQ é também utilizada desde há vários anos no tratamento do síndrome de Sjögren primário, contudo uma revisão sistémica recente, apenas relatou a existên-cia de pequenos ensaios que não demonstraram benefício

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RETINOTOxICIDADE

A retinotoxicidade da HCQ é rara relativamente às cen-tenas de doentes medicados com o fármaco. Um estudo com quase 4000 doentes mostrou uma prevalência de 0,65%, embora se tenha verificado um aumento marcado com a duração do tratamento, excedendo 1% após 5-7 anos11. No entanto, a retinopatia provocada pela HCQ possui um espe-cial relevo em Oftalmologia uma vez que, após a sua sus-pensão, pode haver pouca ou nenhuma recuperação visual, ocorrendo, por vezes, progressão da perda de visão12,13,14,15.

O mecanismo exato de lesão é desconhecido, no entanto, sabe-se que a HCQ se concentra nos tecidos oculares pig-mentados, como o epitélio pigmentado da retina (EPR), onde se liga à melanina, e aí permanece por períodos pro-longados de tempo, mesmo após a cessação da terapêutica. No entanto, não há características anatómicas do EPR que se correlacionem com a maculopatia padrão em olho de boi, vista nas fases finais da toxicidade por HCQ, que poupa a área foveal. Dois estudos histopatológicos na retinopatia avançada provocada por CQ em seres humanos revelaram destruição de cones e bastonetes, com preservação dos cones foveais, o que explicaria o aparecimento da conhe-cida maculopatia. A acumulação de células carregadas de pigmento, possivelmente devido à sua migração do EPR, também tem sido demonstrada nas camadas nuclear e plexi-forme externas. Foi sugerido que o metabolismo do EPR é primariamente afectado, com perturbação da sua função de fagocitose das células fotorreceptoras. Isto resulta em alte-rações degenerativas do EPR, levando a migração, seguida de degeneração de fotorreceptores. Estudos em animais mostraram, no entanto, que as primeiras alterações histopa-tológicas reversíveis são corpos citoplasmáticos membra-nosos que se acumulam nas células ganglionares e altera-ções degenerativas nos segmentos externos da camada de fotorreceptores. Assim, inicialmente o fármaco pode des-truir as células ganglionares e fotorreceptoras, com envol-vimento posterior do EPR. A HCQ é menos tóxica que a CQ, o que pode ser devido à adição do grupo hidroxilo que limita a sua capacidade em atravessar a barreira hematoreti-niana. A quebra desta barreira pela CQ já foi demonstrada, o mesmo não se verificando para a HCQ14,16.

A característica clínica mais conhecida da retinopa-tia por HCQ é, como referido previamente, a maculopatia bilateral em olho de boi. Nesta fase da doença, uma área de hipopigmentação do EPR é evidente na mácula central, poupado uma pequena ilha fóveal. Caso a exposição per-sista, a atrofia do EPR pode gradualmente espalhar-se ao restante fundo. Existem alguns casos descritos de despig-mentação contínua e perda funcional após vários anos de

Rastreio da Retinotoxicidade pela Hidroxicloroquina

significativo comprovado4,8. Alguns estudos recentes demonstraram também benefício clínico na redução dos eventos trombóticos nos doentes com síndrome dos anti-corpos anti-fosfolipidicos primário e secundário2,3,8.

No tratamento da AR, a HCQ é geralmente utilizada em associação com outros fármacos, tais como o metotrexato, a sulfasalazina e/ou leflunomida, em esquemas duplos ou triplos, sendo este último muito utilizado, seguro, bem tole-rado, constituindo assim uma boa alternativa às terapêuticas biológicas mais caras1,2,4,8.

A HCQ pode também ser usada em monoterapia em doentes com baixa atividade da doença e na ausência de fatores de risco de mau prognóstico. São medicamentos com início de ação tardio, mas com bons resultados a longo prazo. Contudo, nenhum estudo mostrou evidência no atraso na progressão radiográfica4,6.

No tratamento do LES, a eficácia dos APS está larga-mente documentada especialmente para as manifestações cutâneas. Outras manifestações, tais a serosite, a artrite e o envolvimento hematológico parecem igualmente benefi-ciar da terapêutica com HCQ6,8. Apesar da HCQ não estar indicada como primeira linha para o tratamento da nefrite lúpica, estudos recentes sugerem que o seu uso pode atrasar o início do envolvimento renal6,8. Além disso, a utilização de APS em doentes com LES está associado ao aumento da sobrevida dos doentes, à diminuição de dano diminuição de dano acumulado, à menor taxa de infecções e ainda ao atraso da progressão da doença. A descontinuação do fármaco está associada ao aumento do risco de agudizações2,3,6,8,9.

A HCQ é segura durante a gravidez e amamentação e reduz o risco de anomalias cardíacas fetais em grávidas com a presença de anticorpos anti-SSA/SSB positivos. Todos estes dados sugerem que todos os doentes com LES, incluindo crianças e grávidas, deverão ser medicados com HCQ, inde-pendentemente das manifestações clínicas apresentadas1,6,8,9.

Os APS são fármacos com um bom perfil de segurança, contudo, estão descritos vários efeitos secundários, sobre-tudo com a utilização da CQ. Os mais frequentes são os eventos gastrointestinais (10%) e os cutâneos (3%) que cor-respondem também aos eventos menos graves e facilmente controlados com diminuição da dose ou suspensão do medi-camento. Os efeitos mais graves são os efeitos oculares, tais como a queratopatia, a disfunção ciliar, as cataratas, a reti-nopatia e os eventos neuromusculares1,2,4,5,7,10.

Os APS estão contraindicados em doentes com história de hipersensibilidade conhecida ou em doentes com reti-nopatia prévia. É necessário algum cuidado em doentes com patologia neuromuscular, psicótica e ainda, em indi-víduos com enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase devido à hemólise que o fármaco raramente pode desencadear1,6,8.

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suspensão do fármaco. Desconhece-se se isto representa lesão por um reservatório persistente de HCQ (por exemplo na melanina) ou uma descompensação de células lesadas durante o período de exposição17. Existem também casos descritos de edema macular cistóide e formação de mem-branas epiretinianas anos após a suspensão do fármaco15. Segundo um estudo recente, a preservação da membrana limitante externa no OCT macular tem um valor prognós-tico positivo relativamente aos efeitos tóxicos provocados pela HCQ após a sua suspensão. Este facto pode estar asso-ciado a regeneração da camada de fotorreceptores e melho-ria funcional visual na perimetria12.

A CQ e, embora menos frequentemente, a HCQ podem causar depósitos intraepiteliais verticilados corneanos. Embora este achado não seja um marcador directo de lesão retiniana, o seu aparecimento sugere retenção do fármaco, necessidade de rastreio regular e possível suspensão do mesmo17. Segundo um estudo estes depósitos ocorrem em 95% dos doentes medicados com CQ e em menos de 10% com a HCQ18.

RASTREIO DA RETINOTOxICIDADE

O objectivo do rastreio é a detecção da retinopatia sufi-cientemente cedo de forma a evitar perda funcional sig-nificativa (especialmente da visão central). Embora não existam discordâncias acerca da potencial gravidade da reti-notoxidade, o rastreio só fará sentido se for custo-eficaz, ou seja, depende da prevalência da toxicidade e da sua capaci-dade em prevenir efeitos clínicos adversos. Assim, por um

lado o objectivo do rastreio deve ser o reconhecimento da toxicidade previamente ao aparecimento da retinopatia em “olho de boi” na fundoscopia mas por outro lado só faz sen-tido a sua realização em situações em que a sua prevalên-cia o justifique, quer pela existência de factores de risco ou por duração de tratamento prolongada. Não é claro, ainda assim, se o rastreio permite prevenir definitivamente a toxi-cidade provocada pela HCQ.

A American Academy of Ophthalmology (AAO) actualizou em 2011 as recomendações para o rastreio da retinotoxicidade provocada pela HCQ19. De acordo com este documento os factores associados a maior risco são: duração do tratamento > 5 anos, dose cumulativa > 1000g, dose diária > 400 mg/dia (ou >6,5mg/Kg/dia), idade mais avançada, disfunção hepática ou renal e doença retiniana concomitante (particularmente maculopatia)19. A actua-lização das recomendações diferem das publicadas em 2002 em alguns aspectos. Remove a grelha de Amsler da lista de técnicas de rastreio aceitáveis e recomenda que os campos visuais 10-2 sejam suplementados com testes objetivos como o electroretinograma multifocal (mfERG), tomografia de coerência óptica spectral domain (SD-OCT) e autofluorescência de fundo (FAF). Enfatiza o valor da fundoscopia para detecção de patologias retinianas não relacionadas que podem dificultar o reconhecimento da toxicidade, mas as alterações fundoscópicas não são con-sideradas suficientemente sensíveis para rastreio14,19. Não se alteraram as recomendações quanto à periodicidade da observação de doentes sem factores de risco de toxi-cidade, que deve ser feita quando o fármaco é iniciado e anualmente após os 5 anos. Caso esteja presente algum dos factores de risco citados previamente o rastreio deve ser desde logo realizado anualmente. A avaliação inicial

Fig. 1 | Mecanismo fisiopatológico de lesão. CQ, cloroquina; HCQ, hidroxicloroquina; EPR, epitélio pigmentado da retina; CNE, camada nuclear externa; CPE, camada ple-xiforme externa.

Fig. 2 | Exames recomendados para rastreio da retinotoxicidade pela American Academy of Ophthalmology. SD-OCT, tomografia de coerência óptica spectral domain; mfERG, electroretinograma multifocal; FAF, autofluorescência de fundo.

Ana Filipa Miranda, Sandra Sousa, Paula Telles, Pedro Gonçalves, José Canas da Silva, Nuno Campos

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pretende detectar retinopatias não relacionadas e permite obter resultados de exames sem a influência do fármaco de forma a, futuramente, facilitar comparações e interpreta-ções19. A Fig. 2 resume as recomendações da AAO.

Não são recomendados como rastreio a retinografia, o OCT time-domain, o electroretinograma full-field, a grelha de Amsler, o teste de visão cromática ou o electroculo-grama. A angiografia fluoresceínica pode reconhecer defei-tos subtis no EPR, no entanto não mostrou ser mais sensível que os testes não invasivos recomendados19.

Campos visuaisA perimetria deve ser realizada com padrão 10-2 com

estímulo de luz branca de forma a obter uma alta resolução da região macular19,20. A possível excepção e utilização do padrão 24-2 é a existência, por exemplo, de glaucoma con-comitantemente. Não é recomendada, no entanto, a mudança rotineira entre protocolos, que poderá atrasar a detecção de toxicidade20. A repetição da perimetria 10-2 é recomen-dada sempre que surjam alterações parafoveais ou centrais de forma a determinar se estas são reprodutíveis, mesmo se forem subtis ou de significado incerto. Devemos pres-tar especial atenção a diminuições dos limiares na área de risco, isto é, a 2-6º do centro. Reduções de 4-8dB devem ser reconhecidos como positivos quando formam um anel total ou parcial paracentral20. Na maioria dos doentes verifica-se um envolvimento mais frequente do hemicampo superior que do inferior, particularmente em lesões precoces20. No

caso de toxicidade avançada a perimetria mostrará um esco-toma paracentral desenvolvido (com ou sem perda de sen-sibilidade central)19, conforme exemplificado na Fig.3. A perda de sensibilidade parafoveal nos campos visuais pode surgir previamente a alterações visíveis à fundoscopia13,19.

Foi sugerido que a utilização de um estímulo de luz vermelha poderia ser mais sensível e mostrar escotomas de forma mais clara, embora à custa de perda de especifici-dade. Este facto ainda não se encontra comprovado e não é consensual14,21,22. Existem também estudos com microperi-metria realizados em doentes sem evidência de retinotoxi-cidade que mostraram redução da sensibilidade retiniana, com diferenças na mean sensitivity face aos controlos23,24.

Resumindo, é importante que os oftalmologistas este-jam familiarizados com os padrões que indicam toxicidade: na perimetria 10-2 com estímulo de luz branca (a mais recomendada) a existência de um defeito em anel parcial ou completo entre os 2-6º com preservação da sensibilidade central; no padrão 24-2 um escotoma central afectando um ou mais dos 4 pontos da área de fixação; no padrão 10-2 com estímulo vermelho um defeito mais difuso central ou paracentral20.

SD-OCTO SD-OCT pode mostrar reduções de espessura locali-

zadas das camadas da retina na região parafoveal. A perda da linha de separação entre o segmento externo e interno dos fotoreceptores, segundo alguns autores, pode ser um sinal objectivo precoce de dano parafoveal. Este sinal, denominado “flying saucer”, inclui preservação das estru-turas retinianas externas na fóvea central, perda perifoveal da junção do segmento externo e interno dos fotorecep-tores e redução da espessura das camadas externas nesta localização, bem como perda variável da depressão foveal normal25. Estas alterações não são possíveis de detectar com segurança com OCT time-domain14,19. Outros autores consideram improvável que as alterações retinianas nos segmentos externos observadas no OCT sejam o sinal mais precoce de toxicidade, estando estas muito provavelmente localizadas nos segmentos mais internos13,14,26,27. De qual-quer forma, o dano mais precoce nas camadas mais internas e externas inclui normalmente a retina inferior, pelo que a sensiblidade do rastreio com SD-OCT pode ser aumentada realizando cortes verticais para além dos horizontais14,26. Alguns casos mostraram alterações proeminentes no SD--OCT previamente a perda de campo visual14,19. Este facto não é, no entanto, consensual, uma vez que existe um subgrupo de doentes com toxicidade por HCQ que apre-sentam campos visuais com perdas típicas sem alterações estruturais obvias no SD-OCT21. Assim, considera-se que a

Fig. 3 | Representação dos resultados das probabilidades corrigi-das de um doente medicado com hidroxicloroquina há mais de 20 anos. Apresenta um anel de perda de sensibi-lidade paracentral.

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utilização de ambos os testes permite um rastreio mais efi-caz na detecção e/ou confirmação da toxicidade precoce21.

FAFOs resultados da FAF correspondem às características

da lipofuscina no EPR. As suas imagens mostram altera-ções quando a toxicidade é moderada ou grave.14 Pode apresentar defeitos subtis do EPR com hipofluorescência ou zonas de dano de fotoreceptores com hiperfluorescência por fagocitose aumentada dos segmentos externos e acumulo de lipofuscina. Um estudo tentou determinar as alterações de acordo com a gravidade da toxicidade. Assim, a pri-meira alteração observada foi um anel pericentral estreito de hiperfluorescência. De seguida o anel é atenuado e veri-fica-se uma hipofluorescência progressiva que termina em perda generalizada do EPR28. Neste estudo, um dos doentes apresentava alterações na FAF apesar de oftalmoscopia e angiografia fluoresceínica normais28. Alguns casos mostra-ram anormalidade na FAF previamente à perda de campo visual14,19. Tem como vantagens em relação a angiografia o facto de ser mais rápida e não invasiva.

mfERGO mfERG permite detectar actividade localizada das

células bipolares e dos cones no pólo posterior e pode docu-mentar objectivamente depressões paracentrais localizadas na retinopatia por HCQ e CQ. Há evidências que mostram que o mfERG pode ser mais sensível a perda funcional para-central que os campos visuais 10-2, grelha de Amsler ou teste de visão cromática13,14,19,28,29. As alterações no mfERG foram mais frequentes que as anormalidades morfológicas na FAF, parecendo ser o teste mais sensível para detectar perda funcional retiniana provocada por HCQ28,29,30. Assim como na FAF, campos visuais e SD-OCT, no mfERG a primeira região afectada é a pericentral, progredindo para central e generalizada28. A perda de amplitude paracentral (anéis 2-4), particularmente com prolongamento dos tem-pos de latência, é o padrão mais especifico de retinotoxici-dade por HCQ13,30. As reduções de amplitude das ondas são mais frequentemente observados que os atrasos do tempo implícito, desconhecendo-se qual das duas é a alteração mais precoce, sendo, no entanto, semelhante a distribuição regional das alterações nos dois parâmetros29,31.

A importância do mfERG depende do estádio da doença. É mais útil nos estádios mais precoces para demonstrar ou confirmar lesão e requer análise dos vários anéis para maxi-mizar o reconhecimento da perda em forma de anel14. Apar-tir do momento em que a perda parafoveal se torna óbvia no SD-OCT (doente com toxicidade moderada), o mfERG é menos útil para o diagnóstico já que apenas confirma o que

já é evidente. Da mesma forma, tem pouco valor diagnós-tico em doentes com toxicidade grave, com lesão dramática no SD-OCT, FAF e fundoscopia.

TRATAMENTO E SEGuIMENTO

Não existe tratamento comprovadamente eficaz para a toxicidade provocada pela HCQ além da cessação do fár-maco. Ainda assim, como já referido, a sua suspensão não impede em todos os casos a progressão da retinotoxicidade.

A HCQ é um fármaco validado e para muitos doentes uma forma eficaz e segura de controlar uma doença sisté-mica grave. A sua cessação acarreta riscos de agravamento da doença ou necessidade de adicionar outros fármacos (ex. corticóides ou anti-metabolitos) com os efeitos secun-dários que lhes estão associados. Apresenta poucos efeitos sistémicos tóxicos e não deve ser suspensa com uma sim-ples suspeita de lesão retiniana. A decisão de alterar a medi-cação deve ser tomada em conjunto com o reumatologista explicando ao doente as implicações sistémicas e oftal-mológicas que a decisão terá. Existem recomendações no sentido de verificar as alterações sugestivas de toxicidade precoce utilizando 2 testes independentes antes de sugerir a sua suspensão. O ritmo de dano parece ser lento o suficiente para que haja tempo para realização ou repetição de testes adicionais quando existe ambiguidade e esta atitude é pre-ferível à suspensão do fármaco de forma desnecessária19,21.

Os doentes com toxicidade muito provável ou compro-vada podem beneficiar de um ERG full-field para avaliar o grau de lesão extra-macular. Se o exame mostrar uma redu-ção de atividade, os doentes não devem continuar o fármaco excepto se indispensável para manutenção da qualidade de vida e tendo a perda grave de visão como um efeito secun-dário aceitável19.

Se o fármaco é descontinuado por suspeita de toxici-dade, a reavaliação é recomendada após 3 meses e anual-mente até os achados se encontrarem estabilizados19.

CONCLuSõES

A HCQ continua a ser um fármaco eficaz e seguro no tratamento de muitas doenças reumatológicas, sendo a reti-notoxicidade um dos efeitos mais raros e, no entanto, mais temidos associados à sua utilização. Estudos recentes têm sugerido a avaliação complementar aos campos visuais com mfERG, SD-OCT e/ou FAF de forma a detectar mais precocemente a maculopatia. O primeiro parece ser o teste mais sensível para essa avaliação.

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Os autores não têm interesse comercial nos produtos mencionadosOs autores declaram a cedência dos direitos de autor à revista SPO

CONTACTOAna Filipa MirandaCentro de Responsabilidade de OftalmologiaHospital Garcia de Orta, EPEAv. Torrado da Silva, 2801-951 Almada, [email protected]

Ana Filipa Miranda, Sandra Sousa, Paula Telles, Pedro Gonçalves, José Canas da Silva, Nuno Campos

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Contribuição da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e follow-up de neoplasias

conjuntivais intraepiteliais

Luisa Vieira1, Manuela Martins2, Arnaldo Santos3, Rita Anjos3, Vitor Maduro4

Serviço de Oftalmologia – Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC)1Interno do Complementar de Oftalmologia do CHLC e do HDES

2Assistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica do CHCL 3Interno do Complementar de Oftalmologia do CHLC

4Assistente Hospitalar de Oftalmologia do CHLC

RESuMO

Objectivo: Analisar o contributo da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e follow--up de neoplasias conjuntivais intraepiteliais.Métodos: Avaliámos 5 doentes com neoplasia conjuntival intraepitelial unilateral com o Hei-delberg Retina Tomograph II, Rostock Cornea Module. Três doentes foram submetidos a ex-cisão com crioterapia adjuvante, um doente a excisão com crioterapia adjuvante e ciclos de IFN-ɑ2b e um doente a excisão simples e ciclos de IFN-ɑ2b. As imagens de microscopia con-focal foram comparadas com a histologia das mesmas lesões. O follow-up clínico, através de fotografias do segmento anterior, foi comparado com os achados da microscopia confocal.Resultados: Três dos doentes foram identificados histologicamente como neoplasia intraepite-lial de alto grau e dois como carcinoma in situ. As características histológicas descritas correla-cionam-se bem com as visíveis à microscopia confocal: alteração da estrutura do epitélio com acantose, disqueratose, pleomorfismo celular, aumento da refletibilidade celular e nuclear, com relação núcleo/citoplasma aumentada e por vezes binucleação. A lesão é bem delimitada e os plexos nervosos sob a lesão não são visíveis. A microscopia confocal identificou 1 recidiva e demonstrou-se útil na monitorização da resposta ao tratamento.Conclusão: A microscopia confocal in vivo pode ter um papel importante não só no diagnóstico inicial como também na deteção de recidivas e na avaliação da resposta ao tratamento, de uma forma minimamente invasiva.

Oftalmologia - Vol. 38: pp.89-95

Artigo Original

INTRODuçãO

A neoplasia conjuntival intraepitelial (CIN) traduz uma lesão pavimentosa conjuntival e/ou corneana com carac-terísticas displásicas em parte (neoplasia intraepitelial de baixo e alto graus) ou em toda a espessura do epitélio (car-cinoma in situ). É o tumor ocular primário mais frequente, estando descritos vários factores de risco: exposição prolon-gada à luz UV, exposição ao fumo do tabaco e a derivados do petróleo, infeção a papilomavirus (tipo 16 e 18), HIV,

HSV, xeroderma pigmentoso, ser portador de lentes de con-tato ou ter efetuado transplante de células estaminais3,8,9,12.

O quadro clínico típico3,6,12 deste tipo de neoplasias é um doente com mais de 60 anos, do sexo masculino, com queixas de irritação ocular ou de tumefação e com uma lesão de localização interpalpebral e limbar de crescimento progressivo e lento e com um dos 3 padrões morfológi-cos: gelatinoso, papilomatoso ou leucoplásico. O diag-nóstico diferencial destas lesões pré-malignas com lesões benignas e malignas por vezes não é fácil. A histologia é

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considerada, por isso, o gold-standard para o diagnóstico2,9. O tratamento clássico desta patologia é a excisão cirúrgica alargada com crioterapia adjuvante1,9,12. A recidiva após a excisão cirúrgica ocorre mais frequentemente nos primei-ros dois anos, variando a taxa, entre os estudos publicados, entre 5 a 53%8,12, dependendo da existência ou não de mar-gens livres. Em lesões de grande extensão e em recidivas, a excisão cirúrgica pode induzir insuficiência limbar e lesões cicatriciais da superfície ocular externa9,12. Outras alterna-tivas terapêuticas têm sido desenvolvidas, tanto para o tra-tamento primário (isolado ou adjuvante) como para o trata-mento da recidiva. Recentemente os estudos têm evoluído na direção da terapêutica tópica, nomeadamente com Mito-micina C, 5-Fluorouracilo e Interferão ɑ2b (INF-ɑ2b)1,7,9,11. O tratamento com INF-ɑ2b tem-se demonstrado eficaz (taxa de recidiva de 3,7-12%), com efeitos adversos minor e que remetem com a cessação terapêutica9,12. Recentemente foi também publicado um estudo sobre o tratamento primário destas lesões com INF-ɑ2b + ácido retinóico com resulta-dos promissores7.

O seguimento é efetuado clinicamente com fotografias seriadas do segmento anterior.

A microscopia confocal permite a visualização in vivo de imagens de alta resolução e ampliação da superfície ocular, obtendo-se imagens en face a um nível quasi-histológico.

O objetivo deste estudo foi analisar o contributo da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e segui-mento de neoplasias conjuntivais intraepiteliais.

MATERIAL E MéTODOS

Realizou-se um estudo observacional de 5 doentes com neoplasia conjuntival intraepitelial unilateral seguidos em Consulta de Córnea e Transplantes do Centro Hospitalar Lisboa Central, Portugal.

A metodologia seguida na condução deste trabalho con-sistiu na análise demográfica e clinica deste grupo de doen-tes e ainda na avaliação por microscopia confocal e análise histológica das lesões córneo-conjuntivais.

A nível demográfico foram avaliadas as variáveis: idade, sexo e profissão.

A nível clínico as variáveis estudadas foram: localiza-ção anatómica do tumor, meridiano de localização, morfo-logia clínica e vascularização anómala. As fotografias do segmento anterior foram obtidas com a Tagaki S10-15 CCD TV camera adaptada na Tagaki slitlamp microscopy SM-70, com as ampliações de 10, 16 e 25X.

Ao nível da microscopia confocal foram estudadas as seguintes variáveis: acantose, paraqueratose, pleomorfismo

e densidade celulares, refletibilidade celular e nuclear, rela-ção núcleo/citoplasma, limites da lesão e a presença de plexos nervosos sob a lesão. A microscopia confocal foi efetuada sempre pelo mesmo operador com o Heidelberg Retina Tomograph II, Rostock Cornea Module. O olho foi anestesiado com uma gota de oxibuprocaína a 0,4%. A objectiva foi imersa num gel oftálmico de carbómero 980 a 0,2% colocado num cap estéril de PMMA. O doente é sen-tado, colocando a região frontal e mentoniana nos apoios. O cap estéril é aplicado sobre a superfície ocular a anali-sar e o controlo x-y-z é feito manualmente, ajustando-se a localização do olho através de uma imagem em tempo real proveniente de uma câmara acoplada. As imagens são obtidas com ajuda de um pedal, cobrindo cada imagem 400μmx400μm de área, com uma resolução óptica trans-versal de 2μm e longitudinal de 4μm. A fonte luminosa é um laser de díodo com comprimento de onda de 670nm.

A excisão cirúrgica foi realizada com margens de 4-5mm, com a técnica “no-touch” com posterior aplicação de crioterapia em todas as margens cirúrgicas. Em dois doen-tes foi necessário tratamento com INF-ɑ2b tópico, tendo-se utilizado a concentração de 3.000.000 U/ml, 1 aplicação 4x/dia até 1 mês após resolução clínica documentada por foto-grafia de segmento anterior e microscopia confocal.

O exame anátomo-patológico foi realizado com colo-ração hematoxilina-eosina com ampliações de 40x, 100x e 400x. As imagens in vivo e ex vivo foram comparadas.

O seguimento clínico foi realizado aos 1, 3 e 6 meses, com fotografias do segmento anterior. Os achados clínicos e os obtidos à microscopia confocal foram comparados.

RESuLTADOS

Dados demográficos (tabela 1): Quatro doentes eram do sexo masculino (81, 81, 84 e 88 anos) e um do sexo femi-nino (64 anos). As profissões dos doentes eram: dois pro-fessores, um agricultor, um bibliotecário e um engenheiro. Não foi confirmado a presença de outros fatores de risco além da exposição prolongada à luz UV.

Luisa Vieira, Manuela Martins, Arnaldo Santos, Rita Anjos, Vitor Maduro

Tabela 1 | Dados demográficos dos doentes.

Doente Idade (anos) Sexo Profissão

1 84 ♂ Engenheiro2 64 ♀ Agricultor3 81 ♂ Professor4 88 ♂ Professor5 81 ♂ Bibliotecário

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Dados clínicos (tabela 2): O olho afetado foi o direito e a localização do tumor foi córneo-conjuntival em todos os casos, havendo 2 com aspeto leucoplásico, 2 com aspecto gelatinoso e outro papilomatoso (figura 1). Três estavam localizados no lado temporal, um no lado nasal e um afetava o lado nasal e o lado temporal. Os doentes 1, 2, 4 e 5 foram encaminhados à consulta aquando da suspeita do diagnós-tico e o terceiro doente após excisão simples de uma lesão conjuntival aparentemente benigna mas com diagnóstico histológico de CIN. Os doentes 1, 2 e 4 foram submetidos a excisão cirúrgica com crioterapia adjuvante, o terceiro ini-ciou ciclos de IFN-ɑ2b e o último doente foi submetido a excisão com crioterapia adjuvante e ciclos de IFN-ɑ2b.

Dados anátomo-patológicos (figura 2): Três dos doentes foram identificados como neoplasia intraepitelial de alto grau (1,3,4) e dois como carcinoma in situ (2,5). O exame anátomo-patológico da primeira lesão identificou alterações

displásicas na metade basal do epitélio, acantose, alteração da maturação, paraqueratose, disqueratose, pleomorfismo celular, mitoses, núcleos hipercromáticos e irregulares, aumento da relação núcleo-citoplasma e nucléolos proe-minentes. A membrana basal estava íntegra. Na terceira e quarta lesões os achados eram semelhantes à primeira, estando a displasia presente nos dois terços inferiores do epitélio, sem e com paraqueratose, respetivamente. Na segunda e quinta lesões as características eram semelhan-tes mas documentavam-se em toda a espessura do epitélio, com e sem paraqueratose respetivamente.

Dados à microscopia confocal: Nas neoplasias intraepi-teliais de alto grau, a microscopia confocal (Figura 3) iden-tificou um aumento da espessura do epitélio com grande desorganização da sua estrutura. Na camada basal, iden-tificou vários pontos hiperrefletivos, dando um aspeto de céu estrelado. Na restante espessura do epitélio identificou

Contribuição da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e follow-up de neoplasias conjuntivais intraepiteliais

Tabela 2 | Dados clínicos dos doentes.

Doente Olho Localização Meridiano Aparência Vascularização anómala Terapêutica

1 D CC 9h leucoplásico sim Cirurgia + crioterapia2 D CC 7-12h papilomatoso sim Cirurgia + crioterapia3 D CC 1-5h gelatinoso sim Cirurgia simples + IFN-ɑ2b (2ºtempo)4 D CC 8-10h leucoplásico sim Cirurgia + crioterapia5 D CC 1-5h; 8-10h gelatinoso sim Cirurgia + crioterapia + IFN-ɑ2b

Fig. 1 | Aspeto clínico das lesões neoplásicas a) doente 1 b) doente 2 c) doente 3 d) doente 4 e) doente 5.

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Fig. 2 | Exame anátomo-patológico: a) Neoplasia intraepitelial de alto grau (HE, 100X): acantose, atipia celular na metade basal do epi-télio, queratose e paraqueratose b) Neoplasia intraepitelial de alto grau (HE, 100X): atipia citológica de quase toda a espessura do eptélio, com pleomorfismo celular, relação núcleo/citoplasma aumentada, núcleos hipercromáticos e irregulares e disqueratose. c) Carcinoma in situ (HE, 100X): observa-se membrana basal íntegra e displasia citológica com aumento da relação núcleo--citoplasma, hipercromasia nuclear, anisocariose e alguns nucléolos d) Carcinoma in situ (HE, 400X): relação núcleo/citoplasma aumentada, núcleos hipercromáticos e irregulares, nucléolos proeminentes e figuras de mitose (setas).

Fig. 3 | Alterações encontradas à microscopia confocal: a) placas hiperrefletivas à superfície do epitélio com provável relação com para-queratose observada ao exame anatomo-patológico. b) Porção basal do epitélio: pleomorfismo celular evidente apesar de man-terem em geral uma forma poligonal e limites bem definidos, células hiperrefletivas, com relação núcleo/citoplasma aumentada, núcleos hiperrefletivos. c) Epitélio mais superficial: alterações displásicas semelhantes a b) mas com limites pouco definidos. d) Epitélio displásico: núcleos duplos (seta) com provável relação com mitoses visíveis à anatomia patológica. e) Camada basal do epitélio (a 104μm da superfície): vários pontos hiperrefletivos, dando um aspeto de céu estrelado. f) Plexo nervoso subasal não visível sob a lesão..

Luisa Vieira, Manuela Martins, Arnaldo Santos, Rita Anjos, Vitor Maduro

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pleomorfismo celular evidente apesar de manterem em geral uma forma poligonal e limites bem definidos, célu-las hiperrefletivas, com relação núcleo/citoplasma aumen-tada, núcleos hiperrefletivos e por vezes duplos. Nos doen-tes limites laterais eram bem visíveis na profundidade da lesão, sendo a transição abrupta para o epitélio normal, ao passo que à superfície esses limites não foram tão eviden-tes. Os plexos nervosos sob a lesão são pouco visíveis. A densidade celular era de 3217+/- 165 células/mm2 versus 6815+/-284 células/mm2 no epitélio normal.

As alterações do carcinoma in situ à microscopia con-focal (Figura 3) diferiram das acima referidas por a desor-ganização estrutural ser ainda maior e a displasia estar pre-sente em toda a espessura do epitélio. A densidade celular era de 3217+/-123 células/mm2 versus 5549+/-261 células/mm2 no epitélio normal.

Após o tratamento documentou-se, nos doentes 1 a 4, achados clínicos (Figura 4) sugestivos de remissão e à microscopia confocal, uma reorganização do epitélio

Fig. 5 | Alterações encontradas à microscopia confocal pós início de tratamento: a) reorganização do epitélio com diminuição do pleomorfismo e refletividade celular e nuclear b) aspeto semelhante a a) junto ao limbo.

Fig. 4 | Aspeto clínico das lesões neoplásicas após tratamento a) doente 1 b) doente 2 c) doente 3 d) doente 4 .

Tabela 3 | Meses de seguimento e estado atual dos doentes.

Doente Seguimento (meses) Estado atual

1 6 Remissão2 6 Recidiva3 9 Remissão4 6 Remissão5 2 Em tratamento

Contribuição da microscopia confocal in vivo para o diagnóstico e follow-up de neoplasias conjuntivais intraepiteliais

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com diminuição do pleomorfismo e refletividade celular e nuclear em todas as camadas do epitélio (Figura 5). O doente 5 ainda se encontra em tratamento.

No seguimento destes doentes (tabela 3), o doente 2 apresentava um crescimento da conjuntiva sobre a córnea às 9h. A microscopia confocal identificou focos de pleo-morfismo e hiperrefletividade celulares (Figura 6).

DISCuSSãO

Relativamente à idade e ao sexo, os doentes deste estudo integram-se, em geral, no quadro clínico típico3,6,12 das CIN, doentes idosos e do sexo masculino. A doente 2 é do sexo feminino e é a mais nova, o que poderá estar relacionado com a exposição aumentada à luz UV inerente à sua profissão (agricultora). A localização interpalpebral dos tumores, com um dos 3 padrões morfológicos típicos em todos os doentes, vem também corroborar o descrito na literatura6,12.

Nas características clínicas desta patologia, por vezes, o limite entre a benignidade, lesão pré-maligna e maligna, é ténue. Dada a importância do diagnóstico correto, precoce e de forma o menos invasiva possível das CIN, alguns estu-dos têm sido efetuados, nomeadamente com citologia de impressão13 ou UBM4. O mesmo surgiu com a microscopia confocal com a vantagem de ser um exame quasi-histoló-gico, minimamente invasivo e com resultados imediatos e portanto com potencial para se correlacionar de forma mais fiável com o gold-standard do diagnóstico, a histologia.

No nosso estudo, os achados à microscopia

correlacionaram-se bem com os anátomo-patológicos, como Alomar et al2, Duchateau et al3 e Parrozzani et al7 tinham descrito na literatura. A acantose, a alteração da estrutura do epitélio, o pleomorfismo celular, a relação núcleo-citoplasma aumentado são evidentes nas imagens de microscopia, conseguindo-se saber em que nível da espessura do epitélio existe lesão. Foi também visualizado os limites bem definidos da lesão na porção mais basal do epitélio, o que não foi tão evidente à superfície. Os plexos nervosos não visíveis sob a lesão neoplásica vem também ao encontro do descrito na literatura, tendo Alomar et al2 sugerido a alta refletibilidade celular como a causa que inviabiliza a sua deteção. Todos os doentes cumpriram os 4 critérios diagnósticos de CIN propostos por Alomar et al2 na microscopia confocal: pleomorfismo e polimega-tismo celular associado a hiperrefletividade celular; limites da lesão bem definidos sendo a densidade celular da zona afetada cerca de metade da do epitélio saudável; identifi-cação de vários pontos hiperrefletivos dando um aspeto de céu estrelado, na camada basal do epitélio; não visualização do plexo sub-basal sob a lesão. Apesar do estroma anterior e a camada de Bowman não apresentarem aparentemente alterações, foi difícil de assegurar pelas características ine-rentes a esta técnica que em toda a extensão da lesão não houvesse microinvasão. Assim, tal como Duchateau et al3 e Hassani et al5, questionamos a fiabilidade do diagnóstico diferencial através da microscopia confocal entre CIN e Carcinoma invasivo. No entanto, Parrozzani et al7 descreve em 2011, utilizando a microscopia confocal de não contato, uma boa correlação com a anátomo-patologia nos carcino-mas pavimento-celulares invasivos.

Fig. 6 | Seguimento do doente 2 aos 6 meses: a) e b) Aspeto clínico da lesão a recidivar c) alterações à microscopia confocal demons-trando focos de pleomorfismo e hiperrefletividade celulares, sugestivas de recidiva da neoplasia.

Luisa Vieira, Manuela Martins, Arnaldo Santos, Rita Anjos, Vitor Maduro

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Comparativamente ao gold-standard do diagnóstico, a contribuição da microscopia confocal nos CIN é limi-tada por depender da colaboração do doente, ser operador dependente, ter um baixo campo de visão (400x400μm), os cortes serem efetuados paralelamente à lesão e não perpen-dicularmente como na histologia e por a baixa transparência das lesões dificultar a visualização de estruturas mais pro-fundas. É importante salientar que ainda não foi estudado, a possibilidade deste exame de contato ser veículo de trans-missão de células neoplásicas para zonas sem alterações aquando da realização do mesmo.

No que diz respeito ao seguimento o interesse da microscopia confocal ainda se torna mais relevante. Esta permite documentar a resposta ao tratamento a nível quasi--histológico e assim realizar um ajuste terapêutico de forma dirigida a cada doente. Quando se pretende o diagnóstico precoce e seguro de recidiva com vista o início atempado do tratamento, a clínica pode não ser suficiente e a microscopia confocal torna-se um importante contributo para a avalia-ção do doente. No nosso estudo, o seguimento clínico da doente 2 documentou aos 6 meses uma lesão suspeita de recidiva. A microscopia confocal foi importante no diag-nóstico diferencial, nomeadamente com a insuficiência lim-bar iatrogénica, identificando focos de displasia celular e condicionando de forma decisiva a terapêutica da doente.

Em conclusão, a microscopia confocal in vivo pode ter um papel importante não só no diagnóstico inicial como também na deteção precoce de recidivas e na avaliação da resposta ao tratamento, de uma forma minimamente inva-siva. Estudos com maior amostragem e avanços tecnoló-gicos poderão ser úteis no esclarecimento e melhoria das dificuldades ainda existentes.

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Não há conflitos de interesse relacionados com o tema apresentado.Este artigo é original não tendo sido publicado previamente. Os autores declaram a cedência dos direitos de autor à revista SPO

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Artigo Original

Espessura da Camada de Fibras Nervosas em Doentes com Síndrome

de Apneia Obstrutiva do Sono

Mário Ramalho1, Fernando Vaz2, Inês Coutinho1, Catarina Pedrosa1, António Martins3, Paulo Kaku2, F. Esperancinha4

1Interno do Serviço de Oftalmologia, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, EPE2Assistente Hospitalar do Serviço de Oftalmologia, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, EPE

3Assistente Hospitalar do Serviço de Neurologia, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, EPE4Chefe de Serviço do Serviço de Oftalmologia, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, EPE

RESuMO

Objectivo: Avaliar a relação entre a gravidade da Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) e a espessura da Camada de Fibras Nervosas (CFN) determinada por Tomografia de Coerência Óptica (OCT).Material e Métodos: Neste estudo foram incluídos 47 olhos de 47 doentes com SAOS. Com base no Índice de Apneia-Hipopneia (IAH) os doentes foram divididos em 3 grupos consoante a gravidade da SAOS, grupo 1 (19 doentes) com SAOS ligeira (IAH 5-15), grupo 2 (11 doentes) com SAOS moderada (IAH 15-30) e grupo 3 (17 doentes) com SAOS grave (IAH > 30). Todos os doentes receberam avaliação oftalmológica completa.Resultados: Os valores da espessura da CFN média foram: 105,27 µm ± 12,6 (total dos doen-tes), 105,85 µm ± 11,67 (grupo 1), 106,48 µm ± 11,72 (grupo 2) e 103,84 µm ± 14,6 (grupo 3). Quando se correlacionou a CFN com as diferentes variáveis para o total dos doentes verificou-se uma correlação com significado estatístico apenas na variável idade (r = -0,359; p = 0,013). A gravidade da SAOS, interpretada como IAH correlaciona-se positivamente com a pressão in-traocular (PIO) (r = 0,302; p = 0,039), espessura central da córnea (ECC) obtida por paquimetria ultrassónica (r = 0,368; p = 0,012) e por Pentacam® (r = 0,443; p = 0,002). Conclusões: Este estudo não demonstrou diminuição da espessura da CFN com o aumento da gravidade da SAOS, no entanto, verificou-se uma correlação entre a gravidade da SAOS e a ECC.

Palavras-chaveGlaucoma, Apneia do Sono, SAOS, Camada de Fibras Nervosas, Espessura Central da Córnea.

ABSTRACT

Purpose: Evaluate the relationship between the severity of Obstructive Sleep Apnea Syndro-me (OSAS) and the Nerve Fiber Layer (NFL) determined by Optical Coherence Tomography (OCT).Material and Methods: 47 eyes of 47 patients with OSAS were evaluated in this study. Based in the Apnea-Hypopnea index (AHI) the patients were divided into 3 groups depending on the severity of OSAS, group 1 (19 patients) with mild OSAS (AHI 5-15), group 2 (11 patients) with moderate OSAS (AHI 15-30) and group 3 (17 patients) with severe OSAS (AHI > 30). All

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patients received complete ophthalmic evaluation.Results: The values of average RNFL thickness were 105,27 µm ± 12,6 (total patients), 105,85 µm ± 11,67 (group 1), 106,48 µm ± 11,72 (group 2) and 103,84 µm ± 14,6 (group 3). NFL only had a statistically significant correlation with the variable age (r = -0,359; p = 0,013). The seve-rity of OSAS, interpreted as AHI correlates positively with intraocular pressure (IOP) (r = 0,302; p = 0,039), central corneal thickness (CCT) obtained by ultrassonic pachymetry (r = 0,368; p = 0,012) and by Pentacam ® (r = 0,443; p = 0,002). Conclusions: This study showed no NFL thickness decrease with increasing severity of OSAS, however, there was a correlation between the severity of OSAS and CCT.

Key-wordsGlaucoma, Sleep Apnea, OSAS, Nerve Fiber Layer, Central Corneal Thickness.

INTRODuçãO

A Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é caracterizada por obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores durante o sono, podendo ocorrer vários destes episódios, o que leva a hipoxia e hipercapnia cau-sando perturbações do sono e sonolência diurna1.

Diversos estudos demonstram uma elevada prevalência de glaucoma nos doentes com SAOS2. Além disso, o com-promisso da oxigenação e da perfusão da cabeça do nervo óptico pode conduzir ao desenvolvimento de uma neuropa-tía óptica glaucomatosa3,4. A Neuropatia óptica associada ao glaucoma é caracterizada por um aumento do tamanho da escavação da cabeça do nervo óptico e diminuição progres-siva da camada de fibras nervosas (CFN). O primeiro sinal de glaucoma ocorre com a diminuição da CFN, seguido do aumento da escavação do disco óptico, e por último com defeitos característicos do campo visual1.

O OCT é uma técnica de alta resolução que permite medir a CFN. O OCT permite quantificar a espessura da RNFL (Retinal Nerve Fiber Layer) com uma resolução de 8 a 10 µm, o que proporciona uma ferramenta objetiva para diagnosticar glaucoma5.

Este estudo pretende avaliar a relação entre a gravidade da SAOS e a espessura da CFN determinada por Tomogra-fia de Coerência Óptica (OCT).

MATERIAL E MéTODOS

Neste estudo prospetivo, 55 doentes realizaram estudo polissonográfico nos 6 meses anteriores à consulta de Oftalmologia. O estudo polissonográfico foi realizado com registo vídeo-poligráfico do sono noturno, realizado no Laboratório de Sono ou em ambulatório, com equipamento

da marca Compumedics, modelo Siesta®. Os sinais regista-dos foram: Vídeo; Eletroencefalograma (EEG); Eletro-ocu-lograma (EOG); Eletromiograma sub-mentoniano, tibiais direito e esquerdo; Eletrocardiograma (ECG); Fluxo nasal; Movimentos torácicos e abdominais; Oximetria transcutâ-nea; Ruído respiratório e Posição corporal.

Todos os doentes realizaram: avaliação da acuidade visual, exame com lâmpada de fenda, tonometria de aplana-ção de Goldmann, fundoscopia, paquimetria ultrassónica, paquimetria por Pentacam® e OCT da CFN (Fast RNFL), Stratus OCT® (Carl Zeiss Meditec Inc., Dublin, CA, USA).

Foram excluídos os doentes com acuidade visual infe-rior a 8/10, retinopatia e doentes com força de sinal de OCT da RNFL inferior a 5. Respeitando os fatores de exclusão, foram incluídos 47 doentes neste estudo, foi escolhido o olho com melhor sinal e centragem no OCT de RNFL.

Com base no Índice de ApneiaHipopneia (IAH) os doentes foram divididos em 3 grupos consoante a gravidade da SAOS, grupo 1 (19 doentes) com SAOS ligeira (IAH 5-15), grupo 2 (11 doentes) com SAOS moderada (IAH 15-30) e grupo 3 (17 doentes) com SAOS grave (IAH > 30).

A análise estastística foi efetuada através do programa IBM SPSS Statistics Version 21®. As variáveis contínuas foram descritas como média (± desvio padrão). A compa-ração das variáveis quantitativas entre os diferentes gru-pos foi feita através do test t de Student não emparelhado. Foram analisadas as correlações entre: Idade; Índice de Massa Corporal (Kg/m2); Índice de ApneiaHipopneia; Índice de Apneias; Indice de Hipopneias; Indice de Dessa-turação de O2; PIO; Paquimetria ultrassónica; Paquimetria por Pentacam; Relação escavação/disco obtida por fundos-copia; espessura da camada de fibras nervosas e Relação escavação/disco obtida por OCT (Optic Nerve Head). Foi considerado 0.05 como o valor de p significativamente estatístico.

Mário Ramalho, Fernando Vaz, Inês Coutinho, Catarina Pedrosa, António Martins, Paulo Kaku, F. Esperancinha

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RESuLTADOS

Os valores obtidos da espessura da CFN média (gráfico 1) foi: 105,27 µm ± 12,6 (total dos doentes), 105,85 µm ± 11,67 (grupo 1), 106,48 µm ± 11,72 (grupo 2) e 103,84 µm ± 14,6 (grupo 3). Na comparação da média da CFN entre os diferentes grupos não se verificou diferença com significado estatístico. Quando se correlacionou a CFN com as diferentes variáveis para o total dos doentes verificou-se uma correla-ção com significado estatístico apenas numa variável, a idade

(r = -0,359; p = 0,013) (gráfico 2). A gravidade da SAOS, interpretada como IAH correlaciona-se positivamente com a pressão intraocular (PIO) (r = 0,302; p = 0,039) (gráfico 3), espessura central da córnea (ECC) obtida por paquimetria ultrassónica (r = 0,368; p = 0,012) (gráfico 4) e ECC obtida por Pentacam® (r = 0,443; p 0,002). O valor da média da ECC obtida por paquimetria ultrassónica dos doentes com SAOS

Espessura da Camada de Fibras Nervosas em Doentes com Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono

ligeira (541, 84 µm ± 32,67) é menor do que o valor dos doentes com SAOS grave (568,12 µm ± 40,3, p=0,038, test t de Student). No quadro 1 encontram-se as médias de diferen-tes variáveis consoante a gravidade da SAOS.

CONCLuSõES

A pesquisa atual tenta encontrar fatores modificáveis para o glaucoma, para além do único fator de risco modificável conhecido (a PIO), a apneia do sono tem sido apontada como um destes fatores. Tem sido postulado que durante o sono os episódios repetidos de oclusão da via aérea podem originar anóxia levando a dano direto do nervo óptico, ou dano indi-reto no fluxo sanguíneo da cabeça do nervo óptico devido a: hipertensão arterial com arteriosclerose hipertensiva, desre-gulação vascular devido ao desequilíbrio entre nítrico óxido

Graf. 1 | Médias da espessura da CFN. Grupo 1 (SAOS ligeira). Grupo 2 (SAOS moderada). Grupo 3 (SAOS grave)

Graf. 2 | Correlação entre a Espessura da CFN e a idade. r = -0,359 ; p = 0,0013.

Graf. 3 | Correlação entre o Índice de ApneiaHipopneia e a Pres-são intra-ocular. r = 0,302 ; p = 0,039.

Graf. 4 | Correlação entre o Índice de ApneiaHipopneia e a Paqui-metria Ultrassó-nica. r = 0,368 ; p = 0,012.

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(vasodilatador) e endotelina (vasoconstritor), agregação de plaquetas e activação anormal conduzindo a microenfartes no nervo óptico6, 7.

Tem sido descrito uma prevalência aumentada de glau-coma na população com SAOS. Mojon et al.6 avaliaram 69 doentes com SAOS tendo sido feito o diagnóstico de glau-coma primário de ângulo aberto em 5 desses doentes (7%), RE Bendel et al.9 descreveram uma prevalência de glaucoma de 27% na população com SAOS, no entanto, Geyer O et al. 8 descrevem uma prevalência de glaucoma de 2% numa série de 218 doentes com SAOS o que seria semelhante à população geral (1,5 – 3%). Nestes estudos a determinação de alteração glaucomatosa no nervo óptico foi efetuada atra-vés de métodos subjetivos (fundoscopia e perimetria estática computorizada), não sendo estudos duplamente cegos, pelo que têm grandes limitações.

A neuropatia óptica glaucomatosa é caracterizada por um aumento do tamanho da escavação do disco óptico com associada diminuição da CFN. Alterações na CFN precedem o aumento da escavação e os defeitos visuais10,11. Pei-Wen Li et al. numa série de 127 doentes (incluindo 22 contro-los) mostraram uma diminuição da camada de fibras ner-vosas com o aumento da gravidade da SAOS. Paula Casas et al. numa série de 50 doentes com SAOS não demonstrou

diminuição da média da CFN, apenas do quadrante nasal1. Sasan Moghimi et al.12 avaliaram a CFN através do GDx em 51 doentes com SAOS e verificaram uma diminuição de vários parâmetros da CFN mas não demonstraram diminui-ção da média da CFN com o aumento da gravidade da SAOS. O nosso estudo não demonstrou diminuição nem da espes-sura média da CFN, nem em nenhum dos quadrantes com o aumento da gravidade da SAOS.

Verificámos no nosso estudo uma correlação entre a gravidade da SAOS e a ECC, tal como na PIO, no entanto, quando se corrige a PIO com a ECC tal já não se verifica. Sasan Moghimi et al.12 verificaram correlação positiva entre o aumento da PIO e a gravidade do IAH que se mantinha mesmo após ajuste com a ECC. Sergi et al.13 relataram que a PIO foi significativamente maior em doentes com SAOS. Em contraste, Karakucuk et al.14 não encontraram nenhuma diferença significativa na pressão intraocular entre aqueles com SAOS e o grupo controlo, em nenhum destes estudos mediram a ECC.

Em conclusão, observou-se que com o aumento da gravi-dade da SAOS aumentou a PIO e a ECC, no entanto a espes-sura da CFN não diminuiu de forma significativa. O nosso estudo não demonstrou um aumento das alterações glauco-matosas com o aumento da gravidade da SAOS.

Quadro 1 | Médias de diferentes variáveis consoante a gravidade da SAOS. O valor de p-value refere-se à comparação das mé-dias entre a SAOS ligeira e a SAOS grave através do test t de Student não emparelhado.

SAOS ligeira (n=19) SAOS moderada (n=11) SAOS grave (n=17) p - value

♂ / ♀ 12 / 7 11 / 0 14 / 3

Idade 56,37 ± 13,13 60,45 ± 10,39 57,41 ± 10,32 0,794

IMC 29,82 ± 4,60 30,26 ± 5,76 32,56 ± 5,02 0,095

IAH 10,07 ± 2,67 20,76 ± 3,30 51,39 ± 19,06 0,000

IA 1,45 ± 1,79 2,15 ± 1,43 10,05 ± 7,89 0,000

IH 8,61 ± 2,95 18,60 ± 4,20 41,29 ± 15,88 0,000

IDO2 9,75 ± 4,27 19,81 ± 6,32 48,07 ± 16,23 0,000

CFN 105,85 ± 11,67 106,48 ± 11,72 103,84 ± 14,61 0,650

PIO 15,00 ± 2,33 18,00 ± 3,74 16,41 ± 2,91 0,116

Paquimetria uS 541,84 ± 32,67 546,30 ± 25,84 568,12 ± 40,30 0,038

Paquimetria P 566,74 ± 36,08 581,45 ± 40,94 601,59 ± 48,09 0,018

E/D f 0,23 ± 0,19 0,31 ± 0,28 0,24 ± 0,21 0,893

E/D OCT 0,19 ± 0,15 0,33 ± 0,22 0,28 ± 0,18 0,110

Legenda: IMC – Índice de Massa Corporal Kg/m2; IAH – Índice de Apneia-Hipopneia; IA – Índice de Apneias; IH – Índice de Hipopneia; IDO2 – Índice de dessaturações de oxigénio; CFN – Camada de Fibras Nervosas; PIO – Pressão Intra-Ocular; Paquimetria US – Paquimetria Ultrassónica; Paquimetria P – Paquimetria obtida por Pentacam; E/D F – Relação Escavação/Disco obtida por Fundoscopia; E/D OCT - Relação Escavação/Disco obtida por OCT

Mário Ramalho, Fernando Vaz, Inês Coutinho, Catarina Pedrosa, António Martins, Paulo Kaku, F. Esperancinha

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Este estudo será apresentado pela primeira vez no 56º Congresso da SPO. Caso seja selecionado, cedo os direitos de autor à SPO.

Os autores não têm quaisquer interesses financeiros com este trabalho.Este artigo é original não tendo sido publicado previamente. Os autores cedem igualmente os direitos de autor à SPO.

CONTACTOMário [email protected]

Espessura da Camada de Fibras Nervosas em Doentes com Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono

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Excisão simples de pterígio: presente ou passado?

Catarina Pedrosa1, Mário Ramalho1, Susana Pina1, Peter Pêgo1, Bernardo Feijóo2, Isabel Prieto1

1Serviço de Oftalmologia do Hospital Professor Dr. Fernando Fonseca, EPE2Hospital da Luz

RESuMO

Introdução: As opções cirúrgicas clássicas para o tratamento do pterígio estão associadas a uma taxa significativa de recorrência, o que constitui a principal limitação na abordagem a esta patologia. Objectivos: Determinar e analisar a taxa de recidiva após cirurgia de pterígio primário por técni-ca de excisão simples versus excisão com auto-transplante de conjuntiva e analisar a sua relação com a idade, sexo, raça e aplicação de mitomicina C tópica intra-operatória.Material e Métodos: Estudo retrospectivo de 95 casos, de 82 pessoas submetidas a cirurgia de pterígio primário, entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2011. Foi avaliada a recorrência, e analisada a relação com a técnica cirúrgica utilizada, idade, sexo, raça e aplicação de terapêutica adjuvante, através dos testes t e χ2. Considerou-se estatisticamente significativo valores de p de 0.05 ou inferiores.Resultados: Ocorreu recidiva do pterígio em 63.9% dos casos em que se realizou excisão sim-ples, e 26% dos casos em que foi realizada excisão com auto-transplante de conjuntiva (p=0.002). Nos doentes de raça negra que apresentaram recidiva, a excisão com auto-transplante de con-juntiva apresentou uma taxa de recorrência ainda menor (p=0.008). Na raça negra, os pacientes apresentaram menor recorrência quando aplicada mitomicina C intra-operatória (p=0.020).Conclusões: A excisão de pterígio com auto-transplante de conjuntiva deve sempre ser preferida relativamente à técnica de excisão simples, principalmente na raça negra, na qual a aplicação de mitomicina C deverá, também, ser ponderada em todos os casos.

Palavras-chave Pterígio, recidiva, excisão simples, auto-transplante conjuntival, mitomicina C.

ABSTRACT

Introduction: Classic surgical techniques for pterygium treatment are associated with a signifi-cative recurrence rate, which is the main issue in the management of this pathology. Objectives: To determine the recurrence rate after pterygium surgery with simple excision ver-sus conjunctival autograft and to relate it to age, sex, race and the use of topical mitomycin C. Material and Methods: Retrospective study of 95 cases of 82 patients who underwent primary pterygium surgery between January 2007 and December 2011. We evaluated the recurrence rate and analized its relationship to surgical technique, age at surgery, sex, race and adjuvant therapy. We used t e χ2 tests and considered statistically significant p values of 0.05 or inferior.

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Artigo Original

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INTRODuçãO

O pterígio constitui uma proliferação fibrovascular da conjuntiva sobre a córnea potenciada pela radiação ultra-violeta, frequente em países com elevada exposição solar, como é o caso de Portugal. Esta patologia encontra-se associada a irritação ocular, diminuição da acuidade visual e alterações estéticas consideráveis, pelo que, em alguns casos, o seu tratamento é imperativo1.

A abordagem cirúrgica clássica de excisão simples de pterígio tem sido associada a uma taxa de recidiva que varia entre 24 e 89%2-4. Por outro lado, a técnica de auto-enxerto conjuntival, tem revelado melhores resultados, com uma reduzida taxa de recorrência, que varia entre 5 e 15%, e elevada taxa de eficácia com menor ocorrência de compli-cações5,6,8. O sucesso da cirurgia de pterígio tem sido rela-cionado, para além da técnica utilizada, com a idade, sexo, raça e associação a terapêuticas adjuvantes7.

MATERIAL E MéTODOS

Estudo retrospectivo de 5 anos, que incluiu 95 olhos de 82 doentes, submetidos a cirurgia de pterígio primário no Serviço de Oftalmologia do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, E.P.E.. Não foram incluídos casos com compli-cações pós-operatórias descritas, que não a recorrência. A amostra é constituída por 38 mulheres e 44 homens, 43 de raça negra e 39 de raça caucasiana, com idade média de 60.39 ± 2.39 anos (média + desvio padrão). Todos os doentes foram referenciados à consulta de oftalmologia e as principais indicações cirúrgicas incluíram: tamanho do pterígio superior a 3mm, sintomas de irritação e hiperémia conjuntival, alteração da acuidade visual e crescimento objectivo.

Dividiu-se a amostra em dois grupos principais, de acordo com a técnica cirúrgica utilizada: excisão simples (72 olhos) e excisão associada a auto-transplante de con-juntiva com cola de fibrina (23 olhos). Ambas as técnicas foram realizadas, em todos os casos, sob anestesia tópica com cloridrato de oxibuprocaína (4mg/ml) e local com injecção subconjuntival de lidocaína e adrenalina a 2%.

A técnica de excisão simples consistiu no destacamento da cabeça do pterígio e dissecção do corpo da conjuntiva adjacente, seguida da remoção do tecido de pterígio e cáp-sula de tenon subjacente, de forma a obter a maior área de margem livre possível. Por fim, os bordos da conjuntiva periférica ao pterígio excisado foram suturados, a cerca de 2 a 3mm do limbo, com sutura reabsorvível (Vycril®) 7/00.

Na técnica de excisão com auto-transplante de conjun-tiva, o pterígio foi removido, assim como a cápsula de tenon perilesional, seguido da medição do leito de esclerótica exposto e colheita de retalho com as mesmas dimensões na conjuntiva bulbar superior. Por fim, aplicou-se o enxerto de conjuntiva sobre o leito de esclerótica, com cola biológica de fibrina, (Tissucol®/Tisseellyo® Baxter AG Industries, Áustria).

Em 25 olhos, durante o procedimento, e independente-mente da técnica utilizada, realizou-se aplicação tópica de mitomicina C sobre a esclera peri-lesional, após a excisão do pterígio, durante 3 minutos com concentração de 0.02% (0.2 mg/ml), seguida de lavagem abundante com solução salina balanceada.

No período pós-operatório, os doentes foram medica-dos com pomada ou colírio antibiótico e corticoesteróide, com redução posológica progressiva e duração máxima de 6 semanas.

Definiu-se recidiva, como a presença de tecido fibrovas-cular com extensão superior a 1mm do limbo (figura 1) e a avaliação para determinação de recorrência foi realizada

Catarina Pedrosa, Mário Ramalho, Susana Pina, Peter Pêgo, Bernardo Feijóo, Isabel Prieto

Results: The recurrence rate in the pterygium simple excision group was 63.9% and in the conjunctival autograft group recurrence ocurred in 26% (p=0.002). In black patients who had recurrence, conjunctival autograft group had even lower recurrence rate (p=0.008). Black race patients presented statistically significant lower recurrence rate when mitomycin C was used (p=0.020).Conclusions: Pterygium surgery with conjunctival autograft may be always preferred to simple excision technique, particularly in the black race, in whom mitomycin C may be considered in all cases.

KeywordsPterygium, recurrence, simple excision, conjunctival autograft, mitomycin C.

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com o mínimo de um ano de período pós-operatório.A análise estatística foi realizada através do programa

SPSS (Inc., Chicago, IL). Na avaliação das características clínicas e demográficas utilizou-se o teste t e o teste χ2, para variáveis contínuas e discretas. As diferenças entre grupo foram analisadas através do teste χ2. Valores de p iguais ou inferiores a 0.05 foram considerados estatistica-mente significativos.

RESuLTADOS Foram avaliados 95 olhos de 82 pessoas, com um

follow-up mínimo de 1 ano. Verificou-se a recorrência do pterígio em 46 olhos (63.9%) em que se realizou excisão simples, e 6 olhos (26%) em que foi realizada excisão com auto-transplante de conjuntiva (p=0.002, gráfico 1).

Nos doentes de raça negra, a excisão com auto-trans-plante de conjuntiva apresentou uma taxa de recorrência ainda menor (22.2%), enquanto que na técnica simples a percentagem de recidiva foi de 72.5% (p=0.008, gráfico 2).

Relativamente à aplicação de mitomicina C tópica intra--operatória, verificou-se recidiva em 11 dos casos (44%), o que não demonstrou significado estatístico, comparativa-mente à não utilização deste fármaco na cirurgia de pterí-gio. Verificou-se, porém, que na raça negra, os pacientes apresentaram uma taxa de recidiva menor, estatisticamente significativa (p=0.020), quando aplicada Mitomicina C tópica intra-operatória, do que quando não aplicada.

A idade a que os doentes foram submetidos à cirur-gia não mostrou influência estatisticamente significativa na taxa de recidiva em qualquer uma das técnicas cirúrgicas utilizadas, assim como o sexo dos doentes.

DISCuSSãO

Diversas técnicas cirúrgicas e terapêuticas adjuvantes têm sido utilizadas de forma a reduzir a taxa de recidiva do pterígio, que continua a constituir a principal complicação da excisão deste tecido fibrovascular. A técnica de excisão com auto-transplante conjuntival tem demonstrado uma ocorrência de recidiva significativamente menor do que a técnica de excisão simples, apesar da taxa de recorrência ser díspar entre os diversos estudos descritos, variando com a população estudada, raça, sexo, idade e terapêuticas adjuvantes2-8,16.

Neste estudo, a excisão simples de pterígio revelou uma probabilidade 5 vezes superior de recidivar relativamente à excisão associada a auto-transplante conjuntival e, no grupo de doentes de raça negra, esta probabilidade elevou-se para 9 vezes, ambas estatisticamente significativas. Assim, este trabalho permite concluir que o auto-transplante conjunti-val deve sempre ser preferido à cirurgia de excisão simples de pterígio primário, particularmente na raça negra.

No entanto, apesar da técnica utilizada em cada um dos grupos ter sido uniforme, os procedimentos cirúrgicos foram realizados por diferentes cirurgiões, o que poderá ter influenciado a extensão de tecido lesional e peri-lesional

Excisão simples de pterígio: presente ou passado?

Fig. 1 | Recidiva de Pterígio.

Graf. 1 | Análise da taxa de recidiva de acordo com a técnica ci-rúrgica (p = 0.002).

Graf. 2 | Análise da taxa de recidiva de pterígio, de acordo com a técnica cirúrgica, na raça negra (p = 0.008).

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excisado e, desta forma, a ocorrência de recidiva. Também a duração e posologia da terapêutica corticoesteróide pós--operatória diferiu, de acordo com o cirurgião e factores de risco associados a cada doente, o que poderá ter condicio-nado a taxa de recidiva.

A mitomicina C é um agente alcalinizante que inibe a divisão celular proporcionando um efeito anti-prolifera-tivo, tendo sido descrita a sua aplicação segura e eficaz na cirurgia de pterígio, na prevenção da proliferação do tecido fibrovascular após a excisão10,13. A taxa de recorrência asso-ciada à sua utilização varia entre 2.7% e 44%11,12. Apesar de segura, a aplicação deste fármaco está associada a compli-cações como cicatrização da conjuntiva e da córnea, dimi-nuição da contagem de células endoteliais centrais, melting e perfuração da córnea, adelgaçamento e necrose escleral, irite e catarata, que estão relacionadas com a concentração e duração de aplicação10,14,15.

Neste trabalho confirmou-se o beneficio da mitomicina C na redução da taxa de recorrência do pterígio nos doentes de raça negra, tendo-se demonstrado que, neste grupo, a não aplicação do fármaco durante a cirurgia de excisão deste tecido fibro-vascular, aumenta 5 vezes o risco de recorrên-cia. Conclui-se, assim, que a mitomicina C deve ser consi-derada aquando da cirurgia de excisão de pterígio primário em doentes de raça negra, independentemente da técnica escolhida.

A duração de aplicação e dosagem do fármaco poderão ter influenciado os resultados, principalmente na raça cau-casiana, na qual a sua aplicação não mostrou benefícios sig-nificativos em nenhuma das técnicas utilizadas. Este facto excede, contudo, o âmbito deste estudo, tal como as compli-cações relacionadas com a sua aplicação.

CONCLuSõES

A excisão de pterígio com auto-transplante de conjun-tiva deve sempre ser preferida relativamente à técnica de excisão simples, principalmente na raça negra. Para além disso, verifica-se que, na raça negra, a não aplicação de Mitomicina C sobre a esclerótica tem uma probabilidade 5 vezes maior de recidivar, pelo que a sua aplicação deverá ser sempre ponderada neste grupo de doentes.

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Catarina Pedrosa, Mário Ramalho, Susana Pina, Peter Pêgo, Bernardo Feijóo, Isabel Prieto

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O presente trabalho foi apresentado no 56º Congresso Nacional de Oftalmologia e não foi publicado.

Os autores não têm interesse comercial a declarar.

CONTACTOCatarina PedrosaAvenida António Augusto de Aguiar, nº29, Bloco B, 6º Frnt. Esq. 1050-251 [email protected]

Excisão simples de pterígio: presente ou passado?

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Expressão de grelina no olho e a sua implicação na redução da pressão intraocular

Rodrigues-Araújo J.3, Pereira-Silva P.2, Azevedo-Pinto S.2, Tavares-Silva M.2, Pinho S.2, Rocha-Sousa A.1,3

1Departamento dos órgãos dos sentidos; Faculdade de Medicina Universidade do Porto. 2Departamento de Fisiologia e Cirurgia Torácica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

3Serviço de oftalmologia Hospital S. João.

RESuMO

Objectivo: Avaliar a distribuição da grelina e do seu receptor (GHSR-1) no globo ocular de rato adulto e avaliar o papel da grelina na modulação da pressão intra-ocular (PIO) em modelos animais de glaucoma agudo. Métodos: Foi realizada imunolocalização da grelina e seu receptor (GHSR-1) em ratos machos adultos Wistar (300-480g). Foi induzido glaucoma agudo em coelhos brancos Neozelandeses (2.0 – 3.0 Kg) e ratos machos adultos Wistar (300-480g) através de injecção intravítrea de 20% de NaCl. Posteriormente realizou-se uma injecção subconjuntival de grelina (em coelho: 10-4 M; n=6; em rato: 10-4 M; n=13) ou des-acil-grelina (em coelho: 10-4 M; n=6; em rato: 10-4 M; n=18) e foram registados os valores de PIO. No coelho foram também estudadas as vias sub-celulares envolvidas, nomeadamente avaliando o efeito da grelina na PIO após injecção subconjuntival de ceterolac (inibidor da COX, 30 mg/ml; 500 μL; n=5) e L-NAME (inibidor da síntase do NO; 150mg/Kg; 500 μL; n=9). Resultados: Foi identificada a presença de grelina nos processos ciliares e a presença do seu receptor (GHSR-1) no estroma do corpo ciliar e na coróide. Em relação ao efeito na PIO, verifi-cou-se que a grelina diminui a PIO em dois modelos animais (coelho e rato) de glaucoma agudo (percentagem máxima diminuição em relação ao controlo em coelho 43.82±10.81%; percenta-gem máxima diminuição em relação ao controlo em rato 34.42±11.62%). Dos resultados obtidos verificou-se que a des-acil grelina não altera significativamente a PIO em coelho, mas leva a uma dimuição da mesma no modelo de rato (diferença máxima face ao controlo de 45.84±10.77%). No coelho o efeito da grelina foi abolido com a adição de ceterolac e L-NAME. Conclusão: A grelina e seu receptor (GHSR-1) são expressos no tecido ocular de rato. A grelina promove diminuição da PIO em olhos de rato e coelho após indução de glaucoma agudo. Os pre-sentes resultados sugerem a existência de um papel para a grelina na patofisiologia do glaucoma.

Palavras chaveGrelina; des-acil-grelina; glaucoma agudo; hipertensão ocular.

ABSTRACT

Purpose:To investigate ghrelin’s and GHSR-1 distribution in the rat’s ocular tissue and ghrelin’s role in the modulation of IOP in animal models of acute glaucoma. Methods:Immunolocalization of ghrelin and GHSR-1 was performed in male Wistar rats (250–500g). Acute glaucoma was induced in male New Zealand white rabbits (2,0-3,0Kg) and male Wistar rats (200–300g) throu-gh an intravitreous injection of 20% NaCl. Afterwards either ghrelin or des-acyl ghrelin was

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Artigo Original

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subconjunctivaly injected. In the rabbit, ghrelin’s effect in the presence of L-NAME or ketorolac. Results: Ghrelin and GHSR-1 were detected in the rat’s eye, being ghrelin expressed in the ciliary processes, having localization in the vicinity of lectin, an endothelial cell marker, been also verified. GHSR-1 expression was detected in the base of the ciliary body and in the choroid. Ghrelin, but not des-acyl ghrelin, decreased the IOP in rabbit’s and rat’s glaucomatous eyes (maximal percentual decrease relative to peak versus control in rabbit: 43.82±10.81 %; maximal percentual decrease relative to peak versus control in rat: 34.42±11.62%). In the rabbit, this effect was blunted in the presence of L-NAME and ketorolac. Conclusions: Ghrelin and GHSR-1 are expressed in the rat’s eye. Ghrelin promoted a decrease in the IOP of rat’s and rabbit’s glaucomatous eyes. These data suggest a role for ghrelin in the pathophysiology of glaucoma.

Key-wordsGhrelin; des-acyl-ghrelin; acute glaucoma; ocular hypertension.

INTRODuçãO

A grelina e a des-acil-grelina são dois peptídeos deriva-dos do mesmo gene1. A grelina é um peptideo acilado com 28 aminoácidos. Foi isolada pela primeira vez em 1999 a partir da mucosa de fundo gástrico de rato e actua como ligando endógeno do receptor tipo 1a dos secretagogos da hormona do crescimento (GHSR-1a)2. A des-acil grelina é semelhante à grelina, mas não possui o grupo octanoil na serina localizada na posição 3, não tendo por isso capaci-dade de ligação ao receptor GHSR-1a3. A forma desacilada da grelina representa cerca de 90% do peptídeo circulante e, apesar de inicialmente não lhe ter sido atribuída nenhuma função biológica, recentemente têm sido descritos efeitos provocado pela des-acil-grelina4-6.

A primeira acção atribuída à grelina foi a promoção da libertação da hormona de crescimento através da estimula-ção do receptor GHSR-1a. No entanto a grelina é também expressa e actua em vários órgãos2, 4-8, entre os quais o olho9.

O GHSR-1a, tal como a grelina, é também amplamente expresso no organismo, no entanto nem sempre há sobre-posição na distribuição da grelina e seu receptor8. O recep-tor tem expressão marcada na hipófise e núcleo arqueado hipotalâmico10, estando também presente em outras áreas do SNC e em tecidos periféricos8, 11-13. Uma vez que as iso-formas não aciladas, embora não se ligando ao GHSR-1a, também apresentam actividade biológica, acredita-se na existência de outros receptores diferentes deste responsá-veis por essas acções4, 5, 8. A título de exemplo, tanto a gre-lina como a sua isoforma desacilada são responsáveis pelo efeito inotrópico negativo e pelo relaxamento do músculo esfíncter da íris, efeitos estes não dependentes do GHSR--1a5, 9. No músculo esfíncter da íris, o efeito relaxante da

Rodrigues-Araújo J., Pereira-Silva P., Azevedo-Pinto S., Tavares-Silva M., Pinho S., Rocha-Sousa A.

grelina é ainda dependente da síntese de prostaglandinas9. A grelina exerce também um efeito relaxante no músculo dilatador da íris, sendo neste caso o efeito mediado pelo GHSR-1a9.

O ARNm da grelina foi identificado no epitélio poste-rior da iris e no epitélio não-pigmentado do corpo ciliar, o que poderá indicar um sistema de regulação parácrina importante na função destes músculos9.

Recentemente foi descrita uma diminuição dos níveis de grelina no humor aquoso de doentes com glaucoma crónico de ângulo aberto14, 15 e em doentes com glaucoma pseudoes-foliativo15, não sendo esta acompanhada de diminuição dos níveis plasmáticos de grelina, o que poderá contribuir tam-bém para a formulação da hipótese de um sistema regulador ocular local.

Tendo em conta o exposto, com o presente estudo pre-tende-se avaliar a distribuição da grelina e do seu receptor (GHSR-1a) em tecido ocular de rato adulto e avaliar o papel da grelina na modulação da PIO em modelos animais de glaucoma agudo.

MATERIAIS E MéTODOS

AnimaisTodos os procedimentos decorreram de acordo com a

declaração da ARVO para o uso de animais na investigação oftalmológica e da visão. Os estudos foram realizados em coelhos machos albinos Neozelandeses (2,0-3,0 kg) e em ratos machos adultos Wistar (250-400g). Os animais foram mantidos em caixas com temperatura e humidade contro-ladas, com livre acesso a comida e água e sob um ciclo de luz-escuridão de 12h.

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Imunolocalização da grelina e do GHSR-1 por imu-nofluorescênciaRatos Wistar adultos foram eutanasiados através de uma

injecção intraperitoneal de uma dose letal de pentobarbital de sódio. As amostras foram recolhidas, lavadas em tampão fosfato salino (PBS) e fixadas em paraformaldeído (PFA) a 4% durante 6 horas. Após a fixação, as amostras foram crioprotegidas em concentrações crescentes de sacarose: 10% durante 30 minutos, 20% durante 2 horas e finalmente 30% a 4ºC durante a noite. Posteriormente os olhos foram envolvidos em OCT e guardados a -80ºC até à sua utiliza-ção. Obtiveram-se criossecções com 10 µm de espessura, as quais foram colocadas em lâminas Superfrost Plus®. Para realização do protocolo de imunofluorescência, as lâminas foram hidratadas em PBS, permeabilizadas em PBST e blo-queadas com albumina plasmática de bovino (BSA) a 3%, sendo depois incubadas com anti-corpos primários anti--grelina (1:250), anti-GHSR-1 (1:250) ou com BSA a 1% (controlo negativo) a 4ºC durante 24 horas. Posteriormente procedeu-se à lavagem com PBST e à incubação com um anti-corpo secundário (1:1000) acoplado a um fluorocromo, durante 1 hora. Finalmente, todas as lâminas previamente marcadas com anti-corpo primário anti-grelina foram incu-badas com lectina marcada com TRITC (Tetrametill Isotio-cianato de Rodamina) (1:50), durante 1 hora. Após as incu-bações, todas as lâminas foram montadas em PBS/Glicerol contendo DAPI (1:10000) e visualizadas sob microscópio de fluorescência.

Calibração do TonómetroA calibração do tonómetro de impacto TonoVet® (Icare,

Helsinki, Finlandia) foi conseguida através da comparação entre as medições obtidas com este e as de uma manome-tria da câmara anterior realizada in vivo. Para tal, coelhos machos albinos neozelandeses (2,0-3,0 kg) e ratos machos adultos wistar (300-480g) foram anestesiados através da injecção intramuscular (no coelho) ou intraperitoneal (no rato) de uma mistura contendo cloridrato de cetamina (Imalgene 1000®, Merial; 40 mg/Kg no coelho, 75 mg/kg) e cloridrato de xilazina (Rompum®, Bayer; 8 mg/Kg no coelho, 5 mg/Kg no rato), tendo também sido aplicada oxibuprocaína 0,4% (Anestocil, Edol, Portugal) tópica para anestesia corneana. Após confirmação da profundidade adequada da anestesia através da reacção à dor, procedeu--se à canulação da câmara anterior pela introdução de uma agulha de calibre 25 G ligeiramente anterior ao limbo. A agulha encontrava-se ligada a um sistema composto por um reservatório de soro (NaCl 0,9%) e a um transdutor de pressão conectado a um monitor (Datascope 2000 A) uti-lizados para a medição da pressão intra-ocular real (figura

1). A pressão intra-ocular real foi alterada promovendo-se a subida ou descida do reservatório de soro. Variou-se esta pressão entre 5 a 60 mmHg no coelho e 5 a 80 mmHg no rato. A relação da pressão real e da pressão medida pelo tonómetro TonoVet®, foi registada em intervalos de 5 mmHg (5 medições seguidas para cada nível de pressão).

Expressão de grelina no olho e a sua implicação na redução da pressão intraocular.

Fig. 1 | Calibração do tonómetro.

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Modelo de glaucoma agudo e efeitos da grelina e da des-acil grelina na PIOInicialmente, o modelo de glaucoma foi implementado

em coelho. Para tal, coelhos machos albinos Neozelande-ses (2,0-3,0 kg) foram anestesiados através da injecção intra-muscular de uma mistura contendo cloridrato de cetamina (Imalgene 1000®, Merial; 40 mg/Kg) e cloridrato de xilazina (Rompum®, Bayer; 8 mg/Kg), tendo também sido aplicada oxibuprocaína 0,4% (Anestocil®, Edol, Por-tugal) tópica para anestesia corneana. Uma vez assegurada a anestesia, procedeu-se à medição da PIO basal. A subida da pressão intra-ocular foi conseguida pela injecção intra-vitrea uma solução salina hipertónica (NaCl 20%, 50 μL) em ambos os olhos. Nove minutos após a injecção intra--vítrea, procedeu-se à injecção sub-conjuntival (50 µL) de grelina (10-4 M, n=6) ou des-acil grelina (10-4 M, n=6), em apenas um dos olhos, selecionado aleatoriamente. O grupo controlo (n=7) recebeu a injecção intra-vítrea de solução salina hipertónica e após 9 minutos uma injecção sub-conjuntival de solução salina veículo (50 µL). A média de 5 medições obtidas com o TonoVet® foi registada a cada 15 minutos durante um período de 5 horas.

Para estudar a influência do óxido nítrico e das pros-taglandinas no efeito da grelina, procedeu-se à injecção subconjuntival de um inibidor da síntase do óxido nítrico (L-NAME; 500 µL; 150 mg/Kg; n=9) ou de um inibidor não selectivo das ciclooxigenases (Ceterolac; 500 µL; solução de 30 mg/mL; n=5) 30 minutos antes da indução do glaucoma.

Para a implementação do modelo de glaucoma agudo no rato, animais adultos machos Wistar (300-480 g) foram anestesiados através da injecção intraperitoneal de uma mistura contendo cloridrato de cetamina (Imalgene 1000®, Merial; 75 mg/Kg) e cloridrato de xilazina (Rom-pum®, Bayer; 5 mg/Kg), tendo também sido aplicada oxibuprocaína 0,4% (Anestocil, Edol, Portugal) tópica para anestesia corneana. Uma vez assegurada a aneste-sia, procedeu-se à medição da PIO basal. Para aumentar a PIO injectou-se intravitreamente uma solução salina hipertónica (NaCl 20%, 16 μL) em ambos os olhos. Nove minutos após a injecção intra-vítrea, procedeu-se à injec-ção sub-conjuntival (15 µL) de grelina (10-4 M, n=13) ou des-acil grelina (10-4 M, n=18), em apenas um dos olhos, selecionado aleatoriamente. O grupo controlo recebeu a injecção intra-vítrea de solução salina hipertónica e após 9 minutos uma injecção sub-conjuntival de solução salina veículo. Procedeu-se então à medição da PIO com o TonoVet® aos 5, 10, 15, 20 e 30 minutos após a injecção intra-vítrea e posteriormente a cada 15 minutos, até um total de 2 horas.

Análise estatísticaA correlação entre os valores de PIO medidos com tonó-

metro e os valores efectivos de PIO obtidos por manometria realizada in vivo foi estabelecida através de um modelo de regressão linear. A comparação entre o grupo controlo e os grupos grelina ou des-acil grelina foi feita usando um teste t-student independente, ou teste correspondente não para-métrico. A comparação entre os grupos grelina e des-acil grelina foi feita usando o teste one-Way ANOVA. Valores de P inferiores a 0.05 (P<0.05) foram considerados estatis-ticamente significativos.

RESuLTADOS

Imunolocalização da grelina e do GHSR-1 no globo ocularA presença de grelina e do seu receptor foi identificada

através de imunofluorescência, no segmento anterior dos globos oculares. A grelina encontra-se expressa predomi-nantemente no estroma dos processos ciliares, rodeando internamente as células do epitélio ciliar (fig. 2a-c). Esta

Fig. 2 | Imunofluorescência da grelina e GHSR-1 no segmen-to anterior. (A-C) Controlos negativos. (D)Co-locali-zação da grelina e lectina no corpo ciliar.(E-F) Sinal positivo para GHSR-1 no corpo ciliar e na coróide res-pectivamente.

Rodrigues-Araújo J., Pereira-Silva P., Azevedo-Pinto S., Tavares-Silva M., Pinho S., Rocha-Sousa A.

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No rato:PIOmanométrica =

Modelo glaucoma agudoOs valores de PIO apresentados representam a média ±

EP. A PIO basal foi semelhante em todos os grupos. No coelho, a solução salina hipertónica injectada no

segmento posterior induziu um aumento consistente da PIO após os primeiros 15 minutos, de 34.82±4.1mmHg no grupo controlo, de 34.98±2.7mmHg no grupo da grelina e de 36.1±3.11mmHg no grupo da des-acil grelina. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre o pico de pressão atingido pelos diferentes grupos. No grupo controlo verificou-se um aumento sustentado da PIO durante 2 horas e 30 minutos, com posterior diminuição e retorno aos valores basais às 5 horas.

No rato a injecção da solução salina hipertónica no seg-mento posterior também induziu um aumento marcado da PIO logo aos 5 minutos. Este aumento foi de 59.28±4.26 mmHg no grupo controlo, de 49.63±4.31mmHg no grupo da grelina e de 49.70±3.61 mmHg no grupo da des-acil gre-lina, não se evidenciando diferenças estatisticamente signi-ficativas nos valores máximos de PIO entre os grupos. No grupo controlo verificou-se um aumento sustentado da PIO durante 20 minutos, altura a partir da qual a pressão dimi-nuiu atingindo os valores basais às 2 horas.

Efeitos dos peptideos derivados da Progrelina na PIONo coelho, a grelina induziu uma diminuição na PIO

que se tornou evidente desde os 90 até aos 165 minutos (fig. 4a). A diminuição máxima da PIO observou-se ao minuto 165, correspondendo a uma diminuição de 43.82±10.81% relativamente ao controlo (fig. 4a). A des-acil grelina não provocou diminuição estatisticamente significativa na PIO

expressão é vizinha de células que expressam marcação pela lectina. Por seu turno o receptor GHSR 1 foi também detectado no globo ocular e apresenta uma expressão mar-cada na base do corpo ciliar e na coroideia (fig. 2d-f).

Calibração do tonómetroExiste uma correlação entre os valores de PIO obtidos

com o tonómetro TonoVet® e os valores obtidos por mano-metria directa (fig. 3a e 3b). O coeficiente de determinação foi de R2=0.87 no coelho (fig. 3a), e de R2=0.97 no rato (fig. 3b). Verifica-se que as leituras de PIO feitas pelo tonó-metro são constantemente inferiores aos valores obtidos por

manometria. Todas as medidas de PIO obtidas pelo tonó-metro foram ajustadas usando as seguintes equações:

No coelho:PIOmanométrica =

fig. 3 (A-B) | Correlação entre as medidas de PIO obtidas por manometria e tonometria no coelho e n rato.

Fig. 4 (A) | Efeito da grelina na PIO de olhos glaucomatosos de coelho. *p<0.05 vs controlo.

Expressão de grelina no olho e a sua implicação na redução da pressão intraocular.

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114 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

(fig. 4b). No final do protocolo, enquanto no grupo controlo os valores de PIO tenderam para os valores iniciais, nos olhos injectados com des-acil grelina o valor PIO manteve--se maior do que no grupo controlo (17.42±2.38mmHg ver-sus 10.92±0.94mmHg ao minuto 300). Quando se procedeu à inibição das vias do óxido nítrico (fig. 5a) e da produção

das prostaglandinas (fig. 5b), o efeito hipotensor da grelina foi completamente anulado. No rato, a grelina promoveu a diminuição da PIO, a qual se verificou estatisticamente significativa face ao controlo desde os 10 até aos 30 minu-tos (fig. 6a). A diminuição máxima da PIO observou--se ao minuto 30, correspondendo a uma diminuição de 34.42±11.62% relativamente ao controlo (fig. 6a). A des--acil grelina provocou uma descida estatisticamente signi-ficativa da PIO entre os minutos 10 e 75, com uma percen-tagem máxima de queda face ao controlo de 45.84±10.77% ao minuto 45 (fig. 6b).

DISCuSSãO

O RNAm da grelina foi identificado anteriormente no epitélio posterior da iris e nas células do corpo ciliar9. Esta identificação associada à sua identificação no humor aquoso14 levantou a hipótese da existência de um sistema de produção e regulação local relativo a este peptídeo. No nosso estudo localizamos por imunofluorescência a

fig. 4 (B) | Efeito da des-acyl-grelina na PIO de olhos glauco-matosos de coelho. *p<0.05 vs controlo.

Fig. 5 (A) | Influência do L-NAME no efeito da grelina na PIO de olhos glaucomatosos de coelho. *p<0.05 vs con-trolo.

fig. 5 (B) | Influência do ceterolac no efeito da grelina na PIO de olhos glaucomatosos de coelho. *p<0.05 vs controlo.

Fig. 6 (A) | Efeito da grelina na PIO de olhos glaucomatosos de rato. *p<0.05 vs olhos controlo.

fig. 6 (B) | Efeito da des-acil-grelina na PIO de olhos glaucoma-tosos de rato. *p<0.05 vs olhos controlo.

Rodrigues-Araújo J., Pereira-Silva P., Azevedo-Pinto S., Tavares-Silva M., Pinho S., Rocha-Sousa A.

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presença de grelina no globo ocular do rato. Esta está presente no estroma dos processos ciliares rodeando, por dento as células do epitélio ciliar. A este achado junta-se a sua vizinhança com células endoteliais vasculares. Por seu turno o receptor GHSR-1 está expresso no segmento anterior, prioritariamente na zona basal de transição entre o corpo ciliar e a esclera. Assim conseguimos acrescentar alguns dados que permitem inferir a presença de um sis-tema de produção e acção local da grelina, no corpo ciliar.

A medição da PIO usando tonómetro de impacto subes-tima os valores de PIO no coelho e no rato, à semelhança do que ocorre com outros tonómetros16, pelo que foi feita a calibração do tonómetro tal como descrito de forma a obter os valores reais de PIO. Esta calibração permite o uso do Tonovet® em experimentação animal em espécies diferen-tes daquelas para o qual ele estava calibrado.

O modelo animal de glaucoma agudo no coelho atra-vés da injecção de solução salina hipertónica (NaCl a 20%) no segmento posterior, permitiu um aumento agudo (valor máximo aos 15 minutos após injecção) e sustentado (até ao minuto 165) da PIO com valores equivalentes no grupo con-trolo. A consistência dos resultados obtidos com este modelo agudo de glaucoma comprova a sua estabilidade e reproduc-tibilidade. Este modelo mantém uma hipertensão ocular mais sustentada daquela descrita anteriormente por Orihashi17.

O envolvimento da grelina na patofisiologia do glaucoma já foi proposto pelo nosso grupo devido à observação de que os doentes glaucomatosos têm níveis diminuídos de grelina no humor aquoso14, 15. Esses resultados sugerem que: (i) a diminuição da grelina pode estar etiológicamente envolvida em algumas formas de glaucoma; (ii) a diminuição dos níveis deste peptídeo no glaucoma pode ocorrer devido a alterações na sua produção provocada por um aumento da PIO; (iii) os níveis de grelina estão diluídos num maior volume do glau-coma. Os nossos resultados demonstram o efeito hipotensor da grelina em olhos com hipertensão ocular. Nos nossos modelos o efeito da grelina é muito marcado, atingido uma diminuição de 18.98±5.22 mmHg na PIO, o que corresponde a uma diminuição percentual de 43.82±10.81% relativa-mente ao controlo, no caso de coelho, e de 18.57±6.27 mmHg (34.43±11.63%) em rato. Foi também previamente demons-trado pelo nosso grupo que em doentes com glaucoma os níveis de des-acil grelina14 não estava alterado. Nestes mode-los de glaucoma agudo a des-acil grelina não promoveu a diminuição da PIO no coelho, apesar de a ter promovido no rato. Os resultados de ambos os estudos indicam papéis diferentes para a des-acil grelina conforme a espécie. Este efeito pode ser devido ao papel do fluxo uveoescleral que é muito importante para a drenagem do humor aquoso no rato e pouco importante para o do coelho18.

Passando para as vias sub-celulares envolvidas em todo este processo, as prostaglandinas foram já implicadas como mediadoras da acção da grelina, como acontece no relaxa-mento do músculo esfíncter da íris mediada por este peptí-deo9. A injecção sub-conjuntival de ceterolac, tal como foi realizada no protocolo supra-mencionado, leva ao estabele-cimento de uma elevada concentração do mesmo no humor aquoso durante algumas horas19. Visto que inibindo a sín-tese de prostaglandinas o efeito hipotensor da grelina foi completamente abolido, podemos concluir que esta é uma das vias envolvidas no processo. Estes resultados aumentam a importância das prostaglandinas na regulação da tensão ocular e complementam o seu efeito hipotensor já previa-mente descrito. Sendo o seu uso clinico uma das melhores armas terapêuticas para o controlo crónico da tensão ocular a grelina poderá ter um efeito importante na potenciação do seu efeito. Outro dos mecanismos sub-celulares estudados foi a via do óxido nítrico, uma vez que já tinha sido previa-mente descrito que este leva a uma diminuição da PIO e a um aumento do fluxo sanguíneo ocular em coelhos20. Tal como se verificou com a inibição da ciclooxigenase, tam-bém bloqueando a síntase do óxido nítrico através da adição de L-NAME se anulou completamente o efeito da grelina na modulação da PIO. Previamente foi também descrito o efeito hipotensor dos dadores de NO20. Estes promovem a redução da tensão ocular de forma aguda. No entanto e ao contrário do que acontece em relação às prostaglandinas, não são usados como arma terapêutica. Assim a grelina pode descer mais significativamente a tensão ocular por estimu-lar duas vias hipotensoras conhecidas e complementares.

A presença de grelina no interior dos processos cilares bem como a sua ação no seu receptor GHSR, presente na base do corpo ciliar acrescenta importância ao efeito hipo-tensor observado. Podemos assim estar na presença de um novo sistema regulador da tensão ocular.

O possível envolvimento da grelina na patofisiologia do glaucoma, bem como o seu potencial uso como agente terapêutico, quer isoladamente, quer em combinação com outros fármacos, está a tornar-se cada vez mais sustentável.

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Rodrigues-Araújo J., Pereira-Silva P., Azevedo-Pinto S., Tavares-Silva M., Pinho S., Rocha-Sousa A.

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Como Classificar os Buracos Maculares

Nuno Gomes Secção de Retina Cirúrgica do Hospital de Braga

Flash Look

Oftalmologia - Vol. 38: pp.117

Até ao final de 2013, a classificação mais conhecida e mais utilizada pelos Oftalmologistas para classificar os Buracos Maculares era, sem dúvida, a classificação pro-posta por Gass em 19951. Sem a ajuda do OCT, ainda não disponível naquela altura, Gass classificou os Bura-cos Maculares em 4 graus, de 1 a 4. A fase mais precoce, de acordo com Gass, seriaa de buraco macular iminente (“impending macular hole”), caracterizado por um ponto amarelo (Grau 1a) ou um anel amarelo (Grau 1b) na fóvea, sem um defeito a toda a espessura da retina. No Buraco Macular grau 2, existiriajá um defeito a toda a espessura da fóvea mas com menos de400μm de menor diâmetro. No Buraco Macular grau 3 o diâmetro do defeito é superior a 400μm, mas ainda não há um descolamento completo da hialóide posterior, o que acontece nos Buracos Maculares grau 4.

Com o desenvolvimento do OCT e o advento de novas formas de tratamento das patologias da interface vítreor-retiniana, como a Ocriplasmina2, entendeu-se que seria necessário uma reclassificação dos Buracos Maculares, de forma a desenvolver um sistema objectivo, estritamente baseado no OCT, sem critérios dependentes da sintomato-logia ou da observação clínica. O sistema deveria ser sim-ples, fácil de usar e com valor preditivo para o tratamento desta patologia (tratamento cirúrgico ou farmacológico).

Um painel de especialistas internacionais publicou em 2013 a nova classificação das patologias da interface vitreorretiniana, alterando a forma de descrever os Buracos Maculares3. Estes passam a ser descritos de acordo com 3 parâmetros, tamanho, presença ou ausência de tração vítreomacular e etiologia do Buraco Macular. Em rela-ção ao tamanho, falamos de Buracos Maculares pequenos quando o seu menor diâmetro émenor ou igual a 250μm. Os Buracos Maculares médios têm um menor diâmetro superior a 250μm mas menor ou igual a 400μm. Buracos com menor diâmetro superior a 400μm são classificados

como grandes. Em relação a presença de tração vitreoma-cular falamos em Buracos com tração vítrea presente ou já libertada e em relação à etiologia, separamos em 2 gran-des grupos, os primários, causados por tração vítrea (ante-riormente chamados de idiopáticos) e os secundários, não associados a tração vitreomacular mas sim a outras pato-logias concomitantes ou pré-existentes (como os traumá-ticos, os miópicos, os causados por edema macular, etc.).

Este sistema deixa de ser gradativo, passando a ser apenas descritivo. De notar que desaparecem os buracos maculares grau 1 de Gass. Estes, por não terem defeito a toda a espessura da fóvea, deixam de ser considerados Buracos Maculares, passando a ser referidos como Síndro-mes de tração vitreomacular. Também a classificação de “Impending macular hole” se altera, passando a ser reser-vada para o olho adelfo de doentes com Buraco Macular, quando existir neste olho um Síndrome de tração vitreoma-cular, isto é, uma adesão do vítreo à fóvea, com distorção da normal arquitetura desta.

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Como classificar os pterigia?

Andreia Martins RosaSecção de Córnea

Centro de Responsabilidade Integrado de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Flash Look

Usamos 3 critérios muito simples:

1 - Consoante a existência de cirurgia prévia: primário ou recorrente.

2 - Consoante a extensão da invasão na córnea: a. Grau 1: invasão que se estende menos de 2 mm

para além do limbo b. Grau 2: invasão da córnea entre 2 e 4 mm (não

atinge a pupila) c. Grau 3: invasão da córnea superior a 4 mm

(atinge ou ameaça a pupila)

3 - Consoante a sua espessura: a. Grau T1: aspeto atrófico, vendo-se bem os vasos

da episclera b. Grau T2: vasos da episclera parcialmente

obscurecidos c. Grau T3: aspeto “carnudo”, obscurecendo com-

pletamente os vasos da episclera

Assim, um pterígio pode ser por exemplo: Primário, invasão: grau 2, espessura: T1.

Como bibliografia de apoio sugiro:

1. Capítulo 7 (Pterigium: patogénese e abordagem tera-pêutica) do livro “Superfície ocular”, editado pela Sociedade Portuguesa de Oftalmologia e coordenado pelo Professor Paulo Torres.

2. Options and Adjuvants in Surgeryfor Pterygium: A Report by the American Academy of Ophthalmolo-gyOphthalmology 2013;120:201–208

3. Effect of pterygiummorphology on pterygium recur-rence in a controlled trialcomparing conjunctivalau-tografting with bare sclera excision.Arch Ophthalmol 1997;115:1235– 40.

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Flash Look

A queratite herpética é uma infecção viral causada pelo vírus herpes simplex podendo atingir qualquer estru-tura corneana, nomeadamente o epitélio, o estroma ou o endotélio.

A queratite herpética poderá ter as seguintes apresenta-ções clinicas em função das estruturas corneanas afectadas:

1. Queratite epitelial2. Queratite neurotrófica3. Queratite estromal: necrotizante ou não necroti-

zante (imune)4. Endotelite

1. Queratite epitelialCaracteriza-se pela infecção da camada epitelial da cór-

nea, tendo como manifestação típica a presença de lesões epiteliais arboriformes, denominada de úlcera dendrítica. A nível de orientação terapêutica o objectivo é a elimina-ção rápida da carga viral. Está proposta a terapêutica com ganciclovir gele a 1,5mg/g (5 aplicações por dia) ou aci-clovir pomada oftálmica 30mg/g (5 aplicações por dia) durante 14 dias. A corticoterapia tópica não esta recomen-dada para o tratamento desta entidade clinica excepto se houver envolvimento estromal concomitante.

2. Queratite NeurotróficaA etiologia desta entidade é a neuropatia corneana e as

alterações da função lacrimal associadas a infecção herpé-tica previa, podendo também estar exacerbada pela toxi-cidade medicamentosa. Clinicamente caracteriza-se por defeito epitelial persistente, diminuição da sensibilidade corneana e alterações estromais. A abordagem terapêutica é a diminuição da agressão tóxica corneana e o aumento da lubrificação. O uso de corticoides nesta entidade fica reservada apenas se houver processo inflamatório da base da úlcera, caso contrario estão contraindicados pois atra-sam a re-epitelização.

3. Queratite estromal3.1. Queratite estromal necrotizanteEntidade clinica rara da infecção por herpes simplex

e caracteriza-se pela invasão directa do vírus no estroma da córnea. Os achados clínicos são a necrose, ulceração e infiltração densa do estroma corneano associado a defeito epitelial. Esta inflamação severa poderá originar adelgaça-mento corneano e eventualmente perfuração.

3.2. Queratite estromal não necrotizante (imune)A queratite estromal imune é uma manifestação

comum da doença herpética corneana. Esta entidade é possivelmente causada pela retenção de antigénios virias no estroma corneano associado a activação do sistema imunológico e assim a existência de inflamação estromal crónica com epitélio integro. Numa fase aguda caracteriza--se por opacidades estromais puntactas associadas a haze estromal, podendo o padrão ser focal, multifocal ou difuso. Pode ainda surgir o anel imunológico estromal ou mesmo a neovascularização corneana inicialmente sectorial com exsudação lipídica.

O tratamento destas 2 entidades clinicas passa pela paragem do processo inflamatório activo. Assim , e tendo como base os resultados do estudo HEDS “Herpetic Eye Disease Study”, verifica-se que os corticoides tópicos nas situações de queratite herpética estromal são eficazes na redução do curso da doença, do tempo de doença e da inten-sidade da cicatrização anómala da córnea. Nesta situações deverá o doente ser medicado com acetato de predniso-lona 10mg/ml ou fosfato de dexametasona 1mg/ml tópico (1gota 5 x ao dia) associado a cobertura antiviral tópica (ganciclovir gele a 1,5mg/g ou aciclovir pomada oftálmica 30mg/g (5 aplicações por dia)). A redução do corticoide deve ser feita lentamente e sempre dependente da resposta clinica, mas não se deve reduzir mais de 50% da dose para evitar o efeito rebound inflamatório. Nos casos em que há

Queratite herpética. Quando e como devo usar os corticoides?

Vitor Maduro1

1Assistente Hospitalar – Unidade de Córnea e Transplantação do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC)

Diretor de Serviço: Dr. Miguel Trigo

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queratite epitelial activa concomitantemente deve-se ini-ciar primeiro a terapêutica dirigida para a infecção epitelial e cerca de 48-72H depois e com resposta clinica positiva iniciar a corticoterapia tópica.

4. EndoteliteEsta manifestação clinica da infecção herpética caracte-

riza-se por edema estromal sem infiltrado estromal. Podem ainda aparecer precipitados queráticos, irite e hipertensão ocular (HTO). A etiologia desta entidade esta relacionada com reacção inflamatória ao nível do endotélio , porem a patogénese ainda é desconhecida. A nível terapêutico a opção passa pela associação de corticoterapia tópica agres-siva e terapia antiviral oral associada a hipotensor tópico se necessário. Assim, acetato de prednisolona 10mg/mlou fosfato de dexametosona 1mg/ml tópica de 2 em 2horas durante 1 semana e redução lenta conforme a resposta tera-pêutica associado a aciclovir 400 mg/5x ao dia ou valaci-clovir 1g (12 em 12H).

BIBlIOGRAfIA

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Oftalmologia - Vol. 38: pp.123-124

Flash Look

A Toxoplasmose Ocular (TO) é uma doença autolimi-tada, mas a proliferação do parasita e a inflamação intra--ocular associada podem causar perda visual, sendopor vezes necessária a instituição de terapêutica. Várias revisões da literatura concluíram não haver evidência científica a suportar o tratamento por rotina da retinocoroiditeassociada aTO. O fármaco ideal deveria eliminar os parasitas, destruir os quistos, atingir concentrações elevadas no segmento pos-terior e ter um perfil de tolerância aceitável. Nenhum dos fármacos atualmente disponíveis preenche todos estes crité-rios. Por não existir o tratamento ideal e pelo fato de se tratar de uma doença autolimitada, o tratamento só é realizado em casos selecionados,aqueles que comportam um maior risco de perda visual. É consensual tratar as lesões do pólo pos-terior localizadas para dentro das arcadas vasculares, as que se localizam sob um vaso retiniano de grandes dimensões (para prevenir a sua oclusão) e as adjacentes ao disco ótico. A presença de papilite, de vitrite densa ou de descolamento de retina também são critérios de tratamento.Todosos doen-tes imunocomprometidos devem ser tratados.

O tratamento clássico da TO consiste na associação de pirimetamina (75 a 100 mg nos primeiros dois dias, seguido de 25 a 50 mg/dia) esulfadizina (2 a 4g nos primeiros dois dias, seguido de 500mg a 1g de 6-6 ou 8-8 horas). As doses não são consensuais, nem mesmo a necessidade da dose de indução. O ácido folínico (5mg/dia)diminuiu o risco de leucopénia e de trombocitopénia associado à pirimetamina e deve ser prescrito, embora não invalide a necessidade da realização do hemograma semanal. A sulfadiazina,por outro lado,pode provocar uma reação alérgica grave. Os efeitos secundários da terapêutica clássica, o elevado número de comprimidos diários necessário para cumprir as doses refe-ridas (diminuindo a compliance ao tratamento) e a dificul-dade na obtenção destes fármacos fez proliferar a procura de um regime alternativo. E na realidade o trimetoprim-sul-fametoxazol, a clindamicina, a azitromicina, a minociclina e

a espiramicina, todos têm demonstrado uma eficácia seme-lhante à terapêutica clássica. Estes antibióticossão hoje a terapêutica de eleição de muitos oftalmologistas para a generalidade dos doentes com TO, sendo o trimetoprim--sulfametoxazol (160-800 mg 2x/dia) o mais prescrito.

Os corticóides sistémicos (1mg/kg/dia) são usados para acelerar o controlo da inflamação ocular e diminuir a des-truição dos tecidos endoculares. A corticoterapia é geral-mente instituída dois dias após o início da antibioterapia, mas pode ser necessária de imediato em alguns casos, como por exemplo no envolvimento grave do nervo ótico.

A antibioterapia é habitualmente realizada durante 6 semanas, mas este período é apenas indicativo, devendo a duração da terapêutica ser guiada pela resposta clínica. O mesmo acontece com a descontinuação dos corticóides. Períodos de tratamento mais longos são necessáriospor exemplo para tratar doentes imunocomprometidose lesões que demoram mais tempo a apresentar sinais de cicatri-zação (definição dos bordos da lesão e aparecimento de pigmentação).

A administração intravítrea pode ofereceruma superior concentração intraocular dos fármacos e reduzir os seus efeitos secundários sistémicos. Estas potenciais vantagens, associadas à generalização do tratamento intra-vítreo em outras doenças oculares, tem aumentado o interesse por este tipo de terapêutica. Um estudo recente comparou a eficácia da administração intra-vítrea da clindamicina associada a dexametasona com a terapêutica clássica. Não se regista-ram diferenças de eficácia entre os dois planos terapêuti-cos. No grupo do tratamento intra-vítreo foram necessárias em média 1.6 injeções por doente, com um intervalo de duas semanas entre administrações. A terapêutica intra--vítrea, apesar de ainda pouco estudada, poderá ser uma opção em situações particulares, como em grávidas ou em doentes com baixa tolerância sistémica aos antibióticos ou corticóides.

Que lesões ativas da Toxoplasmose Ocular devem ser tratadas? E como?

Vanda Nogueira1, Marco Liverani2

1Assistente Hospitalar - Departamento de Inflamação Ocular do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

2Responsável pela Consulta de Inflamação Ocular do Hospital Reynaldo dos Santos

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BIBlIOGRAfIA

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Randomized Trial of Intravitreal Clindamycin and Dexamethasone versus Pyrimethamine, Sulfadiazine, and Prednisolone in Treatment of Ocular Toxoplasmosis

Ophthalmology 2011;118:134–141

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Hipertensão Intracraniana Idiopática em Idade Pediátrica: Revisão teórica

e 2 casos clínicos

Josefina Serino1, João Martins2, Bruna Vieira1, José Alberto Lemos1, Carlos Menezes1, Rita Gonçalves1, Isabel Ribeiro3

1Interna (o) Complementar, Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal2Assistente Hospitalar, Serviço de Neurologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal.

3Assistente Hospitalar, Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal.

RESuMO

A Hipertensão intracraniana idiopática (HII) é uma condição definida por pressão intracraniana elevada sem evidência clínica, laboratorial, ou radiológica de causas secundárias, nomeadamen-te infecção, anomalia vascular, lesão ocupando espaço, ou hidrocefalia. A HII em idade pediátri-ca é rara com características clínicas e demográficas diferentes da do tipo adulto. Distinguem-se dois grupos, o grupo pré-pubertário e o grupo pubertário e discutem-se os critérios diagnósticos com as respectivas modificações adaptadas às crianças. Os autores descrevem 2 casos clínicos um pré-pubertário, de uma menina de 9 anos, e outro pubertário, de uma adolescente de 12 anos, respectiva abordagem terapêutica e evolução clínica.A associação de hipertensão intracraniana com causas secundárias em idade pediátrica é fre-quente, pelo que é fundamental excluí-las. Trata-se de uma causa evitável de perda visual que requer uma estreita colaboração interdisciplinar entre a neuropediatria, a oftalmologia, e neuror-radiologia, desde o início do quadro clínico, e um longo período de follow-up com monitoriza-ção regular da função visual.

Palavras-chaveHipertensão intracraniana idiopática em idade pediátrica; Pseudotumor cerebri; Papiledema; Ce-faleia; Perda visual.

ABSTRACT

Idiopathic intracranial hypertension (IIH) is a condition defined by elevated intracranial pres-sure but without clinical, laboratory, or radiographic evidence of responsible infection, vas-cular abnormality, space occupying lesion, or hydrocephalus. Pediatric idiopathic intracranial hypertension is rare and its clinical profile differs from the adult type. There are two groups: prepubertal and pubertal. Diagnostic criteria with modifications to adapt to children are dis-cussed.The authors describe two case reports, one prepubertal, a girl of 9 years old, and one pubertal, a female adolescent of 12 years old. Therapeutic approach and clinical evolution are discussed.The association of secondary causes of intracranial hypertension in children is frequent and it

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Comunicações Curtas e Casos Clínicos

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INTRODuçãO A Hipertensão intracraniana idiopática (HII) é uma

condição definida por pressão intracraniana elevada sem evidência clínica, laboratorial, ou radiológica de causas secundárias, nomeadamente de infecção, anomalia vas-cular, lesão ocupando espaço, ou hidrocefalia1,2. Vários outros termos, incluindo “meningite serosa”, “hipertensão meníngea”, “hidrópsia meníngea hipertensiva”, “ pseudo-tumor cerebri” e “hipertensão intracraniana benigna” têm sido usados para descrever esta síndrome3. Inicialmente, “pseudotumor cerebri” era o termo preferencial, uma vez que os sintomas na apresentação eram consistentes com uma massa cerebral. Mais tarde, “hipertensão intracra-niana” foi o termo que prevaleceu, pois o mecanismo da doença está relacionado com pressão intracraniana aumentada. A possível perda visual faz com que o termo “benigna” tenha caído em desuso e que uma intervenção rápida e eficaz seja necessária.

A patogénese não é totalmente compreendida. Tem sido dada especial importância ao aumento da pressão do seio venoso e diminuição da absorção do líquido cefalor-raquidiano (LCR)4.

A incidência da HII na população geral é de 0,9/100 000 indivíduos, enquanto que nas mulheres jovens obe-sas é superior, 19/100 0004. A HII nas crianças é rara1,5,6, sobretudo nas mais jovens. Babikian et al demonstraram que pelo menos 60% das crianças que desenvolvem HII têm mais de 10 anos de idade7.

Distinguem-se dois grupos com características clíni-cas e demográficas diferentes, um pré-pubertário e outro pubertário, com base no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. Vários autores relatam que a doença nas crianças pré-pubertárias não tem predilecção pelo sexo feminino nem tendência para a obesidade. Por outro lado, o quadro clínico das crianças pubertárias é semelhante ao dos adultos.4,8 Na população mais jovem, as causas secundárias de hipertensão intracraniana são comuns3,9.

As cefaleias são a queixa isolada mais frequente em

crianças com HII (62-91%)7,10,11. As suas características são variáveis, mas têm sido descritas como frontais, gra-ves, pulsáteis, que pioram em decúbito e com manobras de Valsalva12. Os acufenos pulsáteis estão presentes em apro-ximadamente 50% dos doentes13. A incidência e tipo de défice visual nas crianças são semelhantes aos dos adul-tos. Na apresentação, a perda de acuidade visual tem sido descrita em 6-20% dos casos pediátricos11, 13, 14, embora a perda de campo visual (CV) ocorra em 91% dos casos13,14. Os defeitos do campo visual mais frequentes incluem alar-gamento da mancha cega, perda do campo ínfero-nasal, defeito arciforme, depressão do campo visual4,15,16. O papi-ledema é o sinal típico de HII. Na maior parte das vezes é bilateral embora possa ser assimétrico ou unilateral4,5. Neuropatias cranianas também podem estar presentes, sendo a parésia do VI par a mais comum entre as crianças com HII, ocorrendo entre 9-48% dos casos7,11.

De um modo geral, o diagnóstico na idade adulta é efectuado com base nos critérios modificados de Dandy que incluem: 1) sinais e sintomas de pressão intracraniana aumentada, como papiledema ou cefaleia; 2) exame neu-rológico normal; 3) pressão intracraniana aumentada docu-mentada por punção lombar realizada em decúbito lateral, com composição do LCR normal; 4) sem evidência de hidrocefalia, massa, lesão estrutural ou vascular na RMN com ou sem contraste e venoRM; 5) sem outras causas identificáveis de hipertensão intracraniana1, 17. No entanto, as manifestações clínicas e demográficas da HII em idade pediátrica, tornam necessária a revisão destes critérios sob pena de excluir inapropriadamente alguns casos e incluir outros. Assim, Rangwala propôs critérios de diagnóstico para doentes pediátricos. Nestes critérios, sugeriu que o termo “pediátrico” fosse atribuído a doentes pré-pubertá-rios, sem caracteres sexuais secundários desenvolvidos. A pressão de abertura diagnóstica é dependente da idade: > 76 mm H2O nos recém-nascidos; > 180 mm H2O nas crianças com < 8 anos e > 250 mm H20 em crianças com ≥ 8 anos. Incluiu a presença de parésias dos nervos cranianos sem etiologia conhecida e estreitamento dos seios transversos4.

Josefina Serino, João Martins, Bruna Vieira, José Alberto Lemos, Carlos Menezes, Rita Gonçalves, Isabel Ribeiro

is imperative to exclude these secondary conditions. IIH is a preventable cause of vision loss, that requires close collaboration between pediatric neurology, ophthalmology, and neurora-diology since the beginning of the disease, and long-term follow-up, with regular monitoring of visual function.

KeywordsPediatric idiopathic Intracranial hypertension; Pseudotumor cerebri; Papilledema; Headache; Visual loss.

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CASOS CLíNICOS

Apresentam-se 2 casos clínicos, um pré-pubertário, de uma menina de 9 anos, e outro pubertário, de uma adoles-cente de 12 anos e respectivas abordagens terapêuticas e evolução clínica.

Caso 1Menina, de 9 anos, sem caracteres sexuais secundários

desenvolvidos, sem antecedentes pessoais de relevo, sem medicação habitual, foi observada em oftalmologia por cefa-leia holocraniana pulsátil e vómitos refratários à terapêutica sintomática. A acuidade visual era de 10/10 em ambos os olhos. A fundoscopia mostrou edema da papila bilate-ral assimétrico (fig. 1). A tomografia de coerência óptica (OCT) apresentou um espaço hiporreflectivo com aumento da espessura da camada de fibras nervosas. A campimetria Humphrey 30-2 revelou depressão do CV de ambos os olhos

Hipertensão Intracraniana Idiopática em Idade Pediátrica: Revisão teórica e 2 casos clínicos

(fig. 2). Fez TC e Angio-RMN cerebral que excluíram lesões ocupando espaço, trombose dos seios venosos e estreita-mento dos seios transversos. Realizou punção lombar (PL) que mostrou saída de LCR de 46 cm H2O, citoquímico sem alterações. O estudo laboratorial efectuado foi normal/ nega-tivo. Foi medicada com acetazolamida 500 mg tid, depois 500 mg qid durante 5 meses. Dois meses após suspensão do tratamento, observou-se recorrência da sintomatologia e papiledema bilateral tendo retomado acetazolamida 500 mg bid com resolução dos sinais e sintomas passados 2 meses. No entanto, mantém defeito do CV, embora menos grave que inicialmente (fig. 3).

Caso 2Adolescente do sexo feminino, de 12 anos, com ante-

cedentes de miopia desde os 10 anos e obesidade (IMC: 31,8 Kg/m2), sem medicação habitual, foi observada por oftalmologia por queixas de cefaleia frontal, grave, pulsá-til, pior em decúbito e vómitos refractários ao tratamento sintomático. A melhor acuidade visual corrigida (MAVC)

Fig. 1 | Retinografia ODE.

Fig. 2 | CV Humphrey 30-2 no início do quadro clínico.

Fig. 3 | CV Humphrey 30-2 no após resolução do quadro clínico.

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128 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

foi de 10/10 em ambos os olhos. O exame do fundo ocular mostrou papilas com bordos elevados e ausência de pulso venoso (fig.4). Realizou PL que mostrou saída de LCR de 28 cm H2O, citoquímico sem alterações. O estudo labora-torial, a RMN e venoRM cerebrais foram normais. O CV de Goldmann revelou aumento da mancha cega, maior no OE (fig.5). Foi medicada com acetazolamida 500 mg tid e submetida a dieta alimentar, tendo emagrecido 10 Kg com evolução favorável, resolução do quadro clínico e das alte-rações do CV passados 4 meses (fig. 6).

DISCuSSãO

O diagnóstico de HII é de exclusão e envolve várias especialidades. O risco de perda visual permanente asso-ciado a HII requer uma abordagem rápida e integrada. Fig. 4 | Retinografia ODE.

Fig. 5 | CV Goldmann no início do quadro clínico.

Fig. 6 | CV Humphrey 30-2 no após resolução do quadro clínico.

Josefina Serino, João Martins, Bruna Vieira, José Alberto Lemos, Carlos Menezes, Rita Gonçalves, Isabel Ribeiro

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Embora as causas secundárias de hipertensão intracraniana sejam menos frequentemente identificáveis nos adultos (a maior parte são obesos), 53,2%-77.7% dos casos pediátricos têm sido associados a condições identificáveis, sobretudo anomalias endócrinas, fármacos e infecções9,18. Para excluir causas secundárias de hipertensão intracraniana são neces-sários exames laboratoriais incluindo: hemograma, bioquí-mica, PCR, VS, tiroxina sérica, TSH, ACTH, cortisol, PTH, vitamina A, vitamina D, ecografia ovárica19. Estudos de neuroimagem normais são mandatórios antes do diagnóstico HII pediátrica4. A TC-CE é adequada para excluir ventri-culomegalia e lesões ocupando espaço. A RMN é superior porque permite uma melhor visualização das estruturas intracranianas, incluindo o sistema venoso e evita os poten-ciais riscos da exposição à radiação. No entanto, a RMN tem limitações na visualização dos vasos pelo que a venografia RM é um exame não invasivo que permite avaliar patência dos seios venosos4. Depois do exame de neuroimagem nor-mal, a punção lombar é fundamental para medir a pressão de abertura do LCR e excluir meningite4.

A relação entre HII e obesidade nos casos clínicos apre-sentados está de acordo com a literatura. No caso clínico 1 retratamos uma criança pré-pubertária, não obesa e no caso clínico 2 uma adolescente com obesidade. Segundo uma meta-análise, apenas 30% das crianças com HII apre-sentam excesso de peso7. Há uma associação fraca entre HII pediátrica e obesidade, que se fortalece à medida que aumenta a idade das crianças, tornando-se semelhante à população adulta.

O caso pré-pubertário descrito mostrou um papiledema mais exuberante, com hemorragias em chama de vela e uma depressão global do CV. Após a resolução do quadro clí-nico, aos 9 meses, esta criança manteve um défice do campo visual, embora menos grave que o inicial. Na criança puber-tária o papiledema e as alterações do CV foram menos gra-ves, com resolução completa após tratamento médico. Em nenhum dos casos se registou perda de AV. A gravidade do papiledema está positivamente relacionado com o risco de perda visual4. Depois do diagnóstico e tratamento, défices da AV estão presentes em 0-10% dos doentes, enquanto que os defeitos do CV ocorrem em 17-33%4,20. Segundo alguns autores, o resultado visual nas crianças parece ser melhor do que nos adultos, com remissão espontânea mais frequente, podendo mesmo seguir-se à PL diagnóstica e terapêutica1. No entanto, outros autores acreditam que as crianças com HII são mais susceptíveis que os adultos em desenvolver perda visual permanente, apesar do tratamento precoce21 e apontam a puberdade como factor de risco para um pior prognóstico visual10,22. No entanto, nós registamos um pior resultado visual na criança pré-pubertária.

Na HII o tratamento médico ou cirúrgico é empirica-mente ditado pelo nível de perda de visão e gravidade das cefaleias. O objectivo do tratamento é prevenir a perda visual e eliminar os sintomas. A maioria das crianças res-ponde ao tratamento médico. A acetazolamida é a tera-pêutica de primeira linha, reduzindo a produção de LCR. Quando ineficaz pode associar-se a furosemida ou introdu-zir-se o topiramato, que também reduz a produção de LCR. Nos obesos, a perda de peso tem sido associada a uma recuperação mais rápida5, tal como se verificou no segundo caso. Habitualmente, o papiledema nas crianças resolve-se em 3 a 6 meses com tratamento médico, embora em algu-mas possa permanecer vários meses e levar a atrofia óptica.

As indicações para uma eventual intervenção cirúrgica, como a fenestração da bainha do nervo óptico e derivação ventricular externa, são: 1) alterações visuais graves na apresentação; 2) agravamento do exame visual; 3) cefaleia resistente ao tratamento médico máximo5.

A taxa de recorrência da HII na população pediátrica está descrita em 6 a 22% dos casos e é rara no primeiro ano20.

A HII em idade pediátrica é rara e diferente da do tipo adulto. Distinguem-se dois grupos, o grupo pré-pubertário e o grupo pubertário. A associação com causas secundárias é frequente e é fundamental excluir estas condições secun-dárias. Trata-se de uma causa evitável de perda visual, que requer uma estreita colaboração entre a neuropediatria, a oftalmologia e a neurorradiologia, desde o início do quadro clínico e um longo período de follow-up com monitoriza-ção regular da função visual.

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Trabalho apresentado no 56º Congresso da Sociedade Por-tuguesa de Oftalmologia a 5 de Dezembro de 2013.

Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.Os autores declaram não existir qualquer conflito de interesses relativa-mente ao presente artigo.Os autores declaram que este trabalho nunca foi publicado, cedendo os seus direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia. CONTACTOJosefina Serino, Serviço de OftalmologiaHospital Pedro Hispano, Rua Dr. Eduardo Torres4464-513 Senhora da Hora, Matosinhos, PortugalE-Mail: [email protected]

Josefina Serino, João Martins, Bruna Vieira, José Alberto Lemos, Carlos Menezes, Rita Gonçalves, Isabel Ribeiro

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Síndrome de Cohen -dois casos clínicos

Josefina Serino1, Bruna Vieira1, Carlos Menezes1, José Alberto Lemos1, Pedro Rodrigues2, Ana Duarte3, Paula Tenedório4

1Interna (o) Complementar, Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal2Assistente Hospitalar, Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal.

3Ortoptista, Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal.4Directora do Serviço de Oftalmologia, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos, Portugal.

RESuMO

Síndrome de Cohen (SC) é uma doença rara, autossómica recessiva, com fenótipo complexo, in-cluindo atraso mental, aparência facial característica, hipotonia, laxidão articular, microcefalia, leucopenia benigna, obesidade troncular, distrofia coriorretiniana e miopia progressivas. Estão descritos cerca de 150 casos. No entanto, a SC permanece subdiagnosticada. O conhecimento desta síndrome pelos oftalmologistas é importante, uma vez que as alterações oftalmológicas típicas podem conduzir ao diagnóstico. A sua detecção precoce é fundamental não só porque o doente pode beneficiar da intervenção de uma equipa multidisciplinar, mas também para o acon-selhamento genético das famílias com uma criança afectada.Os autores descrevem dois casos clínicos, um irmão e uma irmã de 31 e 28 anos e fazem uma revisão das características clínicas, dando ênfase às manifestações oftalmológicas. Palavras-chaveSíndrome de Cohen; atraso mental; retinite pigmentar; miopia; queratocone..

ABSTRACT

Cohen syndrome is a rare autossomal recessive disorder with a complex phenotype including mental retardation, characteristic facial appearance, hypotonia, joint hyperextensibility, micro-cephaly, benign neutropenia, truncal obesity, progessive retinal dystrophy and myopia. More than 150 individuals have been reported in the literature, and many remain undiagnosed. Awa-reness of this syndrome among ophthalmologists is important because these typical ophthal-mologic findings may lead to suspicion of Cohen syndrome. Early diagnosis of the syndrome has crucial importance since these patients may benefit from the appropriate intervention by a multidisciplinary team and counselling of families with one affected child.The authors report two clinical cases of siblings, aged 31 and 28, review clinical features with emphasis on ophthalmic features.

KeywordsCohen syndrome; mental retardation; pigmentar retinitis; myopia; keratoconus.

Oftalmologia - Vol. 38: pp.131-134

Comunicações Curtas e Casos Clínicos

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INTRODuçãO

A Síndrome de Cohen (SC) é uma doença rara, autos-sómica recessiva, com fenótipo complexo, incluindo atraso mental, aparência facial característica (filtrum curto, inci-sivos proeminentes, fissuras palpebrais inclinadas para baixo e em forma de onda), hipotonia, laxidão articular, microcefalia, leucopenia benigna, obesidade troncular, dis-trofia coriorretiniana e miopia progressivas1-4. É causada por mutações do gene COH1 no cromossoma 81,5,6. Desde 1973, foram descritos na literatura cerca de 150 casos. No entanto, estima-se que estejam diagnosticados entre 500 a 1000 indivíduos e muitos permaneçam por diagnosticar3,7. São apresentados dois casos clínicos, um irmão e uma irmã de 28 e 31 anos e é feita uma revisão das características clí-nicas, dando ênfase às manifestações oftalmológicas.

CASOS CLíNICOS

Os dois doentes são os únicos filhos de pais saudáveis consanguíneos. Ambos com antecedentes de atraso do desenvolvimento psicomotor, foram referenciados à con-sulta de oftalmologia aos 3 anos de idade por suspeita de diminuição da acuidade visual (AV) e a doente do sexo feminino também por exotropia intermitente. O diagnóstico da SC foi efectuado aos 18 anos do irmão e aos 15 anos da irmã, no Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães.

Ao exame físico ambos apresentavam obesidade tron-cular e características dismórficas: microcefalia, nariz alongado, micrognatia, boca sempre aberta, incisivos cen-trais superiores proeminentes, dedos afilados, pés planos e clinodactilia do 5º dedo (figuras 1A e B). O exame de desenvolvimento revelou atraso mental moderado a grave,

personalidade amigável e défice de atenção grave. O estudo hematológico mostrou neutropenia.

Caso 1Doente do sexo masculino, aos 18 anos apresentava

microftalmia, miopia elevada e astigmatismo em ambos os olhos (OD: -11,0 -2,00 x 180º; OE: -8,50 -3,00 x 180º). Biomicroscopia e equilíbrio oculomotor sem alterações. À fundoscopia papilas pálidas, atrofia óptica, vasos retinia-nos finos, alguns hialinizados e retinite pigmentar. Actual-mente, com 31 anos de idade, apresenta miopia acentuada e astigmatismo em ambos os olhos (OD: -16,0 -6,50 x 60º; OE: -12,0 -6,50 x 165º). À biomicroscopia identifica-se queratocone bilateral, clinicamente evidente pela córnea com protusão cónica, diminuição da espessura estromal central e inferior, estrias de Vogt, anel de Fleischer e sinal de Munson (figura 2). Fundoscopicamente mantêm-se as alterações já descritas. O doente deambula acompanhado e tropeça facilmente.

Caso 2Doente do sexo feminino, que aos 15 anos apresentava

microftalmia, miopia alta e astigmatismo em ambos os olhos (OD: -12,5 -6,25 x 180º; OE: -12,50 -5,00 x 170º). Biomi-croscopia e equilíbrio oculomotor sem alterações. À fun-doscopia papilas pálidas, vasos retinianos finos, retinite pig-mentar, mácula com esboço de “bull´s-eye”. Actualmente com 28 anos de idade, apresenta miopia acentuada e astig-matismo em ambos os olhos (OD: -15,0 -2,00 x 180º; OE: -14,0 – 3,00 x 180º). O OE na análise por topografia cor-neana mostra queratocone (figura 3). Fundoscopicamente identificam-se atrofia óptica, retinite pigmentar, estreita-mento arteriolar e maculopatia em ”bull´s-eye” (figura 4).

A electrorretinografia (ERG), na altura do diagnóstico, mostrou uma diminuição da amplitude das ondas, indi-cando distrofia retiniana. O atraso mental e a miopia alta impediram a realização de outros exames oftalmológicos.

Josefina Serino, Bruna Vieira, Carlos Menezes, José Alberto Lemos, Pedro Rodrigues, Ana Duarte, Paula Tenedório

Fig. 1 | Características corporais dos casos 1 (A) e 2 (B).

Fig. 2 | Queratocone clínico, demonstrando o sinal de Munson (conformação em V da pálpebra inferior produzida pela ectasia da córnea quando olha para baixo).

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DISCuSSãO

Em 1973, Cohen et al8 descreveram uma síndrome em 3 doentes, dois irmãos e um não relacionado. As anomalias oculares consistiam em distrofia coriorretiniana e miopia progressivas, estrabismo, microftalmia, coloboma da íris, coróide e retina. Desde então, novos achados oftalmológi-cos têm sido descritos: astigmatismo, microcórnea, reacção

pupilar lenta, atrofia da íris, opacidades e subluxação do cristalino, atrofia óptica, maculopatia em “bull´s-eye”, coloboma das pálpebras, ptose, exoftalmia, diminuição acentuada da acuidade visual, nictalopia e constricção dos campos visuais7,9. Até ao momento, após uma revisão da lite-ratura, encontramos apenas três casos de SC documentados com queratocone7,10-12.

Todos os doentes com SC têm alterações visuais13. Acha-dos consistentes são o início precoce de miopia e retinopatia pigmentar progressivas4,9. A miopia, habitualmente, inicia--se antes dos 5 anos e progride para miopia alta ( >-6 diop-trias)7. Está associada a um elevado poder da córnea e do cristalino14.

A distrofia da retina é acompanhada de nictalopia. Inicia--se, frequentemente, antes dos 5 anos, tem progressão lenta, mas inevitável. Verifica-se a acumulação de pigmento em espículas ósseas na média periferia, com perda progressiva do campo visual. A retina no pólo posterior permanece pre-servada durante várias décadas, muitos doentes têm função macular e boa visão ao perto na presença de maculopatia em “bull’s-eye”. Nos casos avançados, os vasos são dificil-mente visíveis, com atrofia peripapilar e coriorretiniana. A AV pode diminuir para conta-dedos ou percepção luminosa. Sintomas de constrição dos campos visuais, tais como, invi-sualização de objectos no chão quando caminha, são eviden-tes em quase todos os doentes com mais de 20 anos9.

A SC tem manifestações diferentes nos vários grupos etários. O diagnóstico na infância é difícil. Com o cres-cimento, as características clínicas tornam-se mais evi-dentes. No entanto, trata-se de uma síndrome com grande variabilidade fenotípica. O diagnóstico é baseado na pre-sença das seguintes características clínicas típicas, como originalmente descrito por Cohen et al8 e posteriormente delineadas por Norio et al2: atraso mental, microcefalia, aparência facial característica (fissuras palpebrais em forma de onda e inclinadas para baixo, nariz proeminente, filtrum curto e expressão de boca aberta), extremidades afiladas com obesidade troncular na infância, hipotonia, laxidão das articulações, neutropenia, anomalias oftal-mológicas (miopia e/ou retinopatia pigmentar). Para res-ponder à variabilidade fenotípica são consideradas, como necessárias, 75% das características, pois algumas são dependentes da idade (por exemplo obesidade troncular, retinopatia) ou intermitentes (por exemplo, neutropenia). A análise de mutações do gene COH1 pode melhorar a sensibilidade diagnóstica1.

O diagnóstico diferencial deverá incluir sín-drome Prader-Willi, síndrome Bardet-Biedl, síndrome Mirhosseini-Holmes-Walton1,3.

A SC tem sido associada a mutações do gene COH1 (VPS13B), localizado no cromossoma 8, tendo sido já detec-tadas mais de 96 mutações15. Este gene codifica uma pro-teína transmembranar com função presumida no transporte intracelular de proteínas e na classificação de vesículas1,5. A descrição de ectasia corneana em doentes com SC, tem

Síndrome de Cohen- dois casos clínicos

Fig. 3 | Mapa tangencial posterior compatível com queratoco-ne (inferior steepening).

Fig. 4 | Retinografia OD (A) e OE (B) mostrando atrofia óptica, retinite pigmentar, estreitamento arteriolar e maculopa-tia em ” bull´s-eye”.

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sugerido o envolvimento desta proteína no desenvolvimento corneano e metabolismo do colagéneo11.

CONCLuSãO

Apesar da baixa frequência mundial desta síndrome, o diagnóstico precoce é fundamental, não só porque o doente pode beneficiar da intervenção de uma equipa multidiscipli-nar, mas também, para o aconselhamento genético das famí-lias com uma criança afectada. As alterações oftalmológicas associadas à SC, alta miopia e distrofia coriorretiniana têm início precoce e frequentemente resultam numa incapaci-dade visual grave. O conhecimento desta síndrome pelos oftalmologistas é importante, pois as alterações oftalmológi-cas típicas podem conduzir ao diagnóstico. A SC deverá ser considerada em qualquer criança com atraso do desenvolvi-mento associado a miopia e nictalopia.

Os doentes com SC beneficiam de uma avaliação oftal-mológica cuidada na altura do diagnóstico e de um follow-up regular, para corrigir os erros de refracção, estrabismo, ava-liar a retinopatia pigmentar, constrição dos campos visuais e alterações do segmento anterior. A melhor AV corrigida tem um efeito positivo no desenvolvimento cognitivo9.

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Trabalho apresentado no 54º Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.

Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.Os autores declaram não existir qualquer conflito de interesses relativamente ao presente artigo.Os autores declaram que este trabalho nunca foi publicado, cedendo os seus direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.

CONTACTOJosefina Serino, Serviço de OftalmologiaHospital Pedro Hispano, Rua Dr. Eduardo Torres4464-513 Senhora da Hora, Matosinhos, PortugalE-Mail: [email protected]

Josefina Serino, Bruna Vieira, Carlos Menezes, José Alberto Lemos, Pedro Rodrigues, Ana Duarte, Paula Tenedório

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Indicações aos Autores e Normas de Publicação

RESuMO

Nota: consultar texto completo das normas de publicação em: www.spoftalmologia.pt/normas.publrevistaspo

Oftalmologia é a revista oficial da Sociedade Portu-guesa de Oftalmologia (SPO) e publica de forma prioritária trabalhos de investigação básica e clinica, como artigos de revisão, artigos originais, casos clínicos, relacionados com oftalmologia nas suas diferentes especialidades, bem como temas de áreas de conhecimento fronteira com interesse para a prática médico-cirúrgica e processo clínico na pers-pectiva da governação clínica em oftalmologia.

PROCESSO EDITORIAL

1. Condições gerais – Os artigos serão preferencial-mente redigidos em português ou inglês. Poderão ser publi-cados artigos numa outra língua (espanhol ou francês). Uma vez recebidos os trabalhos, passarão ao editor da revista, que fará uma primeira avaliação editorial com o fim de comprovar a adequação no âmbito temático e de interesse para a revista e o cumprimento dos requisitos de apresenta-ção formal exigidos nas normas de publicação. Caso con-trário poderão ser liminarmente devolvidos ao autor para correção das deficiências com vista a nova apresentação.

Uma vez o trabalho publicado todo o material enviado será destruído, pelo que não devem ser enviados originais. Os ficheiros de texto devem ser enviados em formato Word (.DOC ou .DOCX), com texto seguido e sempre com o mesmo tipo de letra. Devem ser dactilografados em Arial, tamanho 11, ou outro tipo de letra com tamanho equiva-lente, com espaçamento de 1,5 linhas. Os títulos e sub títu-los deverão estar assinalados a negrito e em tamanho 12. A primeira página conterá somente os elementos descritos adiante na rubrica “Organização do Artigo”.

O texto do artigo em tamanho 11 deverá ainda ser enviado simultaneamente em formato PDF, em 2 colunas (excepto o resumo em Português e Inglês) com as imagens, quadros e tabelas com legendas e bibliografia em tamanho 10 no local desejado do artigo e com ”layout” e número de páginas semelhante ao que aparecerá na revista.

Os documentos submetidos para publicação serão pro-priedade da revista Oftalmologia da SPO transferindo os seus autores o direito de propriedade (copyright) a partir do momento que seja recebido pelo editor. Este direito manter-se-á até indicação do editor de que o artigo não será publicado.

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2. Sistema de revisão por pares – Uma vez compro-vado que o trabalho cumpre os requisitos formais, será enviado a avaliação por parte de dois ou mais revisores, de forma confidencial e anónima. Os autores receberão a informação da avaliação dos revisores, de forma anónima e através do editor, para que estes possam realizar as corre-ções oportunas. A selecção dos revisores realiza-se através do conselho redatorial da revista, que têm em conta os méri-tos académicos, científicos e experiencia profissional, em cada uma das subespecialidades oftalmológicas, incluindo investigadores nacionais ou internacionais.

3. Política editorial – a decisão do Conselho Redacto-rial para aceitação-rejeição de um trabalho apresentado para publicação baseia-se nos seguintes factores:

I. Originalidade: assunto e/ou método original, com informação valiosa e apresentação de resultados novos ou confirmação de resultados já anteriormente verificados.

II. Actualidade e/ou novidade – tema que está na agenda das reuniões ou comunicações científicas ou é novo.

III. Relevância – aplicabilidade dos resultados para a resolução de problemas concretos da prática oftalmológica.

IV. Inovação e significância – avanço do conhecimento científico, técnico e/ou prática clínica.

V. Fiabilidade e validade científica – boa qualidade metodológica evidenciada.

VI. Apresentação – boa redacção e organização do texto (boa coerência lógica e apresentação do material).

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SECçõES

1. Editoriais e notas - Os editoriais e notas serão enco-mendados pelo editor da revista a quem considere oportuno ou da responsabilidade do editor. O convite faz-se acompa-nhar das normas especiais para publicação em cada caso.

2. Cartas ao editor - As contribuições para esta sec-ção podem incluir comentários sobre artigos previamente publicados na revista ou comentários sobre outras matérias de interesse para oftalmologia. Esta correspondência estará sujeita à revisão por parte do editor e será publicada na medida em que o espaço, as prioridades e interesse o per-mitam. Não devem ultrapassar as 500 palavras. As cartas ao editor que versem sobre artigos previamente publicados terão direito de resposta.

3. Artigos de revisão e “guidelines” – O objectivo da secção é actualizar determinados temas de oftalmologia, discutir novos conceitos ou rever conceitos clássicos tendo em vista os novos avanços de diagnóstico e tratamento e a divulgação das boas práticas em oftalmologia. Deverão relacionar os conhecimentos científicos básicos com os clínicos. Serão encomendados pelo Conselho Redactorial a personalidades reconhecidas e ou grupos de trabalho. O convite faz-se acompanhar das normas especiais para publi-cação em cada caso.

4. Artigos originais – Podem incluir-se tanto trabalhos experimentais como clínicos, sempre que se trate de traba-lhos de investigação. Os trabalhos de investigação devem ser inéditos e não podem ter sido submetidos para publica-ção em outra revista estrangeira indexada. Incluem-se nesta rubrica os prémios atribuídos no âmbito da SPO.

5. Comunicações curtas e casos clínicos – Deverão ser manuscritos resumidos descrevendo inovações téc-nicas e tecnológicas, manobras cirúrgicas inovadoras, aspectos de outras áreas do conhecimento relacionados com a prática oftalmológica, nomeadamente laboratório em Oftalmologia, Gestão, Economia da Saúde, Qualidade, Acreditação e Certificação, Ética médica e Gestão do risco em Oftalmologia, bem como casos clínicos com informa-ção de prática clínica relevante. Serão temas variáveis em cada revista.

6. Histórias da História da Oftalmologia Portuguesa – Será uma rubrica curta realçando aspectos relacionados com personalidades ou acontecimentos da oftalmologia portuguesa.

7. Caso clínico mistério – Pretende-se uma secção inte-ractiva entre Conselho Redactorial e os oftalmologistas e internos de oftalmologia. Deverá haver lugar a apresenta-ção de sugestões diagnósticas e terapêuticas simulando as condições de efectividade da prática clínica perante um caso clínico de difícil resolução.

ORGANIzAçãO DO ARTIGO

1. Página do titulo/identificação – (página separada) Contendo título do artigo, nome (s) dos (s) autor (es), serviço (s) hospitalar (es) e departamentos ou organismos onde foi realizada a investigação, títulos académicos e/ou hospitala-res dos autores. Nesta página deve ainda figurar o endereço postal completo para envio de correspondência e o endereço electrónico do autor principal. Se o trabalho já tiver sido apre-sentado, indicar onde e em que data bem como a referência a prémio obtido se for o caso. Os autores deverão manifestar se têm algum interesse comercial no produto, equipamento ou processo e certificar que o trabalho não foi publicado e que cedem os direitos de autor à SPO.

2. Resumo – Em português e em Inglês com o máximo 250 palavras. Escritos num único parágrafo e com as seguin-tes partes: Objectivos, Desenho do estudo, Participantes, Métodos, Resultados primários e secundários, Conclusões.

3. Palavras chave – Duas listas de cinco palavras chave, em português e em inglês, que indiquem os principais assun-tos focados no texto para fins de codificação no índex.

4. Texto – Recomenda-se que o texto tenha as seguintes secções separadas: Introdução, Material e Métodos, Resul-tados, Discussão; poderá ser necessário fazer adaptações a circunstâncias particulares, como por exemplo no caso de se tratar de um caso clínico. O autor deverá indicar no texto, em local apropriado, em numeração árabe e em superscript, as citações bibliográficas que fizer. É da exclusiva responsa-bilidade do autor a verificação da exactidão das referências bibliográficas e da sua colocação no texto.

5. Agradecimentos – Tanto a pessoas, como a entidades, quando tal for justificado.

6. Declaração de interesses financeiros7. Bibliografia – De modo geral segue-se o sistema de

Vancouver, com a diferença principal de que a lista das refe-rencias bibliográficas deve ser alfabetada e subsequentemente numerada. Se houver mais de uma referencia do mesmo autor, serão indicadas em primeiro lugar aquelas em que o autor apa-rece isolado e só depois aquelas em que há mais que um autor.

8. Quadros, gráficos e figuras – são enviados em for-mato electrónico, em ficheiros separados do texto. Os qua-dros podem ser feitos num processador de texto ou numa folha de calculo (em Excel). Os gráficos devem ser feitos em PowerPoint ou em programa compatível. As figuras devem ser enviadas no formato .TIF ou .JPG, um ficheiro para cada imagem com qualidade de impressão (≥ 300 dpi).

9. Abreviaturas e símbolos – Só devem ser usadas abre-viaturas de uso corrente. Se for imprescindível recorrer a abreviaturas menos usuais, na primeira vez em que o termo aparece no texto ele deve figurar por extenso, logo seguido pela abreviatura entre parêntesis.

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