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Título original:

War of the Worldviews

(Science vs. Spirituality)

Copyright © 2011, Deepak Chopra e Leonard

Mlodinow

Copyright da edição brasileira © 2012:

GMT Editores Ltda.

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Preparação: Angela Ramalho Vianna | Revisão:

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Eduardo Farias, Vania Santiago

Indexação: Nelly Praça | Capa: Sérgio Campante

Fotos da capa: © Adrien Dewisme/Getty Images

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DELIVROS, RJ

C476c

Chopra, Deepak, 1946-

Ciência x espiritualidade [recurso eletrônico]

/ Deepak Chopra e Leonard Mlodinow

[tradução de Cláudio Carina]; Rio de Janeiro:

Sextante, 2012.

recurso digital; il.

Tradução de: War of the worldviews

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12-5491

Formato: ePub

Requisitos do sistema: Adobe Digital

Editions

Modo de acesso: World Wide Web

ISBN 978-85-7542-841-2 (recurso eletrônico)

1. Religião e ciência. 2. Livros eletrônicos. I.

Mlodinow, Leonard, 1954-. II. Título.

CDD: 201.65

CDU: 2-67

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A todos os sábios e cientistasque expandiram a mente humana

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SUMÁRIO

Prefácio

Parte I: A GUERRA

1. PerspectivasA perspectiva espiritual: DeepakA perspectiva científica: Leonard

Parte II: O COSMO

2. Como surgiu o Universo?

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Leonard | Deepak

3. O Universo é consciente?Deepak | Leonard

4. O Universo evolui?Deepak | Leonard

5. Qual a natureza do tempo?Leonard | Deepak

6. O Universo está vivo?Deepak | Leonard

Parte III: VIDA

7. O que é a vida?Leonard | Deepak

8. Há um projeto no Universo?

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Leonard | Deepak

9. O que nos torna humanos?Deepak | Leonard

10. Como funcionam os genes?

Leonard | Deepak

11. Darwin deu errado?

Deepak | Leonard

Parte IV: MENTE E CÉREBRO

12. Qual a conexão entre mente ecérebro?

Leonard | Deepak

13. O cérebro determina o

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comportamento?

Deepak | Leonard

14. O cérebro é como um computador?

Leonard | Deepak

15. O Universo pensa através de nós?Deepak | Leonard

Parte V: DEUS

16. Deus é uma ilusão?

Deepak | Leonard

17. Qual o futuro da fé?

Deepak | Leonard

18. Existe uma realidade fundamental?

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Leonard | Deepak

EpílogoLeonard | Deepak

Créditos das figuras

Agradecimentos

Índice remissivo

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PREFÁCIO

Nada é mais misterioso que o ponto devista de outra pessoa. Cada um de nóstem uma perspectiva. Acreditamos quenossa visão de mundo expressa arealidade. Os ameríndios do sudoeste dosEstados Unidos viajavam centenas dequilômetros para caçar bisontes, masjamais comiam os peixes dos riachoslocais. Do ponto de vista deles, os peixes

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eram os espíritos de seus ancestraismortos. No Velho Testamento, osacrifício de animais realmente mitigavaa ira de Deus. Para o povo romano, eramesmo possível ler o futuro nasentranhas de uma galinha. Os antigosgregos consideravam uma realidade ofato de que a moral de cada umpermitisse ter escravos, de que houvessemuitos deuses, para o amor, a beleza, aguerra, o mundo subterrâneo, a caça, acolheita, o mar.

O que acontece, então, quando duasvisões de mundo se chocam? Em 399a.C., três cidadãos de Atenas acusaram

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Sócrates de não reconhecer os deusestradicionais e propor novas divindades(foi incriminado também por corromperos jovens). A pena para esse choque devisões de mundo, ou de deuses, era amorte. Durante o julgamento, Sócratesrecusou-se a abjurar para escapar dasentença de culpado, tida como certa. Deacordo com Platão, ele teria dito:“Enquanto eu respirar e conservarminhas faculdades, não cessarei depraticar a filosofia.” Infelizmente, emmuitas partes do mundo atual, esse tipode colisão de pontos de vista aindaprovoca violência e morte.

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Este livro versa sobre um choque devisões de mundo, mas não haverá trocade golpes. A ideia surgiu quando doisestranhos se encontraram num debatetelevisado sobre “o futuro de Deus”. Ocenário era um auditório do Instituto deTecnologia da Califórnia (Caltech), e aplateia se compunha de muitosestudantes e cientistas, mas também deleigos, inclusive admiradores locais deDeepak. Cada pessoa tinha suas própriasconvicções pessoais – sem dúvidaalgumas eram religiosas –, mas tambémsuas visões de mundo, algo muito maisprofundo que a fé.

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No debate da Caltech, Deepak seapresentou como defensor de uma visãode mundo em geral conhecida comoespiritualismo. Um dos temas versavasobre as noções da física, e, no período deperguntas e respostas, Deepak indagou:“Temos algum físico na casa?” NemLeonard nem qualquer outroresponderam. Mas, depois do debate, omoderador, sabendo que Leonard erafísico, chamou-o da plateia a fim deformular uma pergunta para Deepak. Emvez de interrogá-lo, Leonard se ofereceupara lhe ensinar física quântica. Deepakaceitou – ao fundo, ouviu-se um misto de

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risos e aplausos. Quando começaram aconversar, descobriram que suas visõesde mundo eram muito discordantes. Aoperceber a profundidade do choque,decidiram expor isso em um livro.

A ciência pôs a humanidade nocaminho da descoberta dos segredos danatureza, de dominar suas forças edesenvolver novas tecnologias usando arazão e a observação – em lugar de umatrajetória emocional – como ferramentaspara revelar a verdade das coisas. Aespiritualidade se orienta para umaregião invisível e transcendente, internaao indivíduo. A ciência estuda o mundo

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tal como ele se oferece aos nossos cincosentidos e ao cérebro, enquanto aespiritualidade considera que o Universotem um projeto e é dotado de significadopróprio. Na visão de Deepak, o grandedesafio da espiritualidade é oferecer algoque a ciência não pode dar – em especial,respostas que estão no domínio daconsciência.

Qual dos pontos de vista está correto?Será que a ciência descreve o Universo,ou será que ensinamentos antigos, comoa meditação, revelam mistérios que estãoalém da perspectiva científica? Paradescobrir isso, este livro aprofunda o

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choque de pontos de vista em três níveis:o cosmo, ou Universo físico, a vida e océrebro humano. No fim, será analisadotambém o mistério maior, Deus. Em “Ocosmo”, o debate é sobre a origem doUniverso, sua natureza e para onde elevai. Em “Vida”, discuti-se evolução,genética e origem da vida. “Mente ecérebro” aborda a neurociência eenfrenta todas as questões sobre a mentee o corpo. E “Deus” refere-se não só auma divindade reguladora, comotambém ao conceito mais abrangente deuma presença divina no Universo.

Este livro abrange dezoito tópicos, no

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total, com ensaios dos dois autores. Cadapensador contou seu lado da história, umtema de cada vez. Porém, em cadatópico, quem escreveu depois fez issocom o texto do outro à mão, sentindo-seà vontade para apresentar uma réplica.Como as réplicas tendem a convencer asplateias, buscou-se ser justo sobre quemteria essa vantagem.

Nós dois estamos convencidos dospontos de vista que representamos.Escrevemos de maneira impetuosa,porém cortês, para definir a verdade daforma como a vemos. Não é possível

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ignorar a questão a respeito de comoperceber o mundo. O melhor quepodemos fazer – tanto os autores quantoos leitores – é entrar na contenda. O quepoderia ser mais importante?

DEEPAK CHOPRA

LEONARD MLODINOW

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PARTE I

A GUERRA

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1. Perspectivas

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A PERSPECTIVAESPIRITUAL: DEEPAK

“Quem olha para fora sonha; quem olha

para dentro desperta.”

CARL JUNG

e quiser vencer a luta pelo futuro, aespiritualidade primeiro deve superar

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Suma grande desvantagem. Naimaginação popular, há muito tempo

a ciência já desacreditou a religião. Osfatos substituíram a fé. A superstição foigradualmente vencida. É por isso que aexplicação de Darwin sobre adescendência do homem a partir dosprimatas inferiores prevalece sobre oGênesis, e é por isso que vemos o bigbang como a origem do cosmo, e nãocomo um mito de criação povoado deum ou mais deuses.

Por isso é importante começardizendo que religião não é o mesmo queespiritualidade – longe disso. Nem Deus

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é a mesma coisa que espiritualidade. Asreligiões organizadas podem ter perdidoo crédito, mas a espiritualidade nãosofreu essa derrota. Milhares de anosatrás, em culturas que se espalhavam portodo o planeta, mestres espirituaisinspirados, como Buda, Jesus e Lao-Tsé,propuseram profundas visões sobre avida. Eles ensinaram que existe umdomínio transcendente além do mundocotidiano de dor e luta. Ainda que osolhos contemplem rochas, montanhas,árvores e céu, isso é apenas o véu queencobre uma realidade mais vasta,misteriosa e invisível. Além do alcance

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dos cinco sentidos, há um domínioimperceptível de infinitas possibilidades;e a chave para desenvolver esse potencialé a consciência. Olhe para dentro,declararam os sábios e videntes, e vocêencontrará a verdadeira fonte de tudo:sua própria consciência.

Foi essa extraordinária promessa quea religião deixou de realizar. As razõesnão nos dizem respeito, aqui, pois estelivro é sobre o futuro. Basta dizer que, seo reino de Deus está no interior de nós,como declarou Cristo, se o nirvanasignifica liberdade de todo sofrimento,como pensava Buda, e se o conhecimento

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do cosmo está encerrado dentro damente humana, como propunham osrishis, ou sábios da Índia, hoje nãopodemos olhar ao nosso redor e dizerque esses ensinamentos deram frutos.Cada vez menos gente pratica a devoçãodos tempos antigos, no mundo todo;mesmo que os mais velhos lamentemesse declínio, os que se afastaram dareligião nem precisam mais de umadesculpa. Há muito a ciência nosmostrou um admirável mundo novo quenão exige qualquer crença numa esferainvisível.

A verdadeira questão é o

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conhecimento e como atingi-lo. Jesus eBuda não tinham dúvida de quedescreviam a realidade a partir doverdadeiro conhecimento. Mais de 2 milanos depois, nós achamos que sabemosmais.

A ciência comemora seus triunfos,que são muitos, e pede desculpas porsuas catástrofes, que também sãoinúmeras – e aumentam a cada dia. Abomba atômica nos levou a uma era dedestruição de massa que provocapesadelos só de pensar. O meio ambientefoi abalado de forma desastrosa poremissões expelidas de máquinas que a

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tecnologia nos oferece para tornar a vidamelhor. Mas os que apoiam a ciênciadescartam essas ameaças como efeitoscolaterais ou falhas da política social. Amoralidade, como nos dizem, não éresponsabilidade da ciência. Mas, seolharmos mais detalhadamente, a ciênciaestá diante do mesmo problema que areligião. Esta perdeu de vista ahumildade diante de Deus, a primeiraperdeu o sentido de reverência,encarando cada vez mais a naturezacomo uma força que devemos conquistare a que devemos nos opor, desvelandoseus segredos em benefício da

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humanidade. Agora pagamos o preçodisso. Quando indagados se o Homo

sapiens está em risco de extinção, algunscientistas acenam com a esperança deque, em algumas centenas de anos, asviagens espaciais estejam avançadas obastante para abandonarmos o refúgioplanetário que agora poluímos. Lá vamosnós estragar outros mundos!

Todos sabem o que está em jogo: ofuturo previsível paira sombrio sobrenós. A solução-padrão contra os nossosinimigos atuais é muito conhecida. Aciência vai nos resgatar com novastecnologias – para recuperar o meio

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ambiente, substituir os combustíveisfósseis, curar a Aids e o câncer, acabarcom a ameaça da fome. Explique a suadoença, e sempre haverá alguém paradizer que há uma solução científica ali naesquina. Mas será que a ciência não estáprometendo nos resgatar dela mesma?Por que devemos confiar nessapromessa? O ponto de vista que triunfousobre a religião, e que vê a vida comoalgo essencialmente materialista, nosconduziu por um caminho que leva a umbeco sem saída. Literalmente.

Mesmo que, por milagre, eliminemoso desperdício e a poluição, tão

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desastrosos, as gerações seguintescontinuarão sem um modelo para viverbem, a não ser aquele que nos fezfracassar: consumo desenfreado,exploração dos recursos naturais ediabólica criatividade na guerra. Comoum estudante chinês comentou comamargura sobre o Ocidente: “Vocêscomeram o banquete todo. Agora nosdão o café e a sobremesa, mas nosapresentam a conta da refeição inteira.”

A religião não pode resolver essedilema – ela já teve sua chance. Mas aespiritualidade pode. Precisamos voltar àfonte da religião. Essa fonte não é Deus. É

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a consciência. Os grandes mestres queviveram milênios atrás ofereciam algomais radical que a fé num poder superior.Apresentavam uma forma de ver arealidade que não começa nos fatosexteriores e numa existência físicalimitada, mas na sabedoria interior enum acesso ilimitado à consciência. Aironia é que Jesus, Buda e outros sábiosesclarecidos também eram cientistas.Tinham uma maneira de chegar aoconhecimento que corre em paralelo àciência moderna. Primeiro vinha umahipótese, uma ideia que precisava sertestada. Depois vinha a experimentação,

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para verificar se a hipótese eraverdadeira. Finalmente vinha a revisãodos pares, oferecendo novos achados aoutros pesquisadores e pedindo quereproduzissem a mesma descoberta.

A hipótese espiritual apresentadamilhares de anos atrás tem três partes:

1. Há uma realidade invisível que é afonte de todas as coisas visíveis.

2. Essa realidade invisível pode serconhecida pela nossa consciência.

3. A inteligência, a criatividade e o poderde organização estão entrelaçadas nocosmo.

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Esse trio de ideias equivale aosvalores platônicos na filosofia grega, quenos diz que amor, verdade, ordem erazão moldam a existência humana apartir de uma realidade superior. Adiferença é que mesmo as antigasfilosofias, com suas raízes plantadas há 5mil anos, nos dizem que a realidadesuperior está conosco aqui e agora.

Nas próximas páginas, enquantoLeonard e eu debatemos as grandesquestões da existência humana, meupapel será oferecer respostas espirituais –não como um padre ou praticante dequalquer fé, mas como um pesquisador

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da consciência. Existe o risco, eu sei, dealienar os fiéis mais devotos, os muitosmilhões de pessoas de todas as crençaspara as quais Deus é muito pessoal. Masas tradições de sabedoria do mundo nãoexcluem um Deus pessoal. (Para sersincero, quando criança, eu não aprendi avenerar um deus. Mas minha mãe, sim, etodos os dias de sua vida rezava numtemplo para Rama.) Ao mesmo tempo,todas as tradições de sabedoria incluemum Deus impessoal que permeia todos osátomos do Universo e todas as fibras denosso ser. Essa diferença incomoda osque acreditam numa única e verdadeira

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fé – e querem se apegar a ela –, seja qualfor a escolha. Mas um Deus impessoalnão precisa ser visto como uma ameaça.

Pense em alguém que você ama.Agora pense no próprio amor. A pessoaque você ama dá rosto a esse amor, masvocê sabe que o amor existia antes deessa pessoa nascer, e que vai sobreviver aela. Nesse exemplo simples, vemos adiferença entre o Deus pessoal e oimpessoal. Quem acredita pode dar umrosto a Deus – é uma questão de escolhapessoal –, mas espero que você percebaque, se Deus está em toda parte, asqualidades divinas de amor, clemência,

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compaixão, justiça e todos os outrosatributos relacionados a Deus seestendem infinitamente por toda acriação. Não surpreende que essa ideiaseja uma vertente comum em todas asprincipais religiões. O alto nível deconsciência permitiu que grandes sábios,santos e visionários chegassem a um tipode conhecimento que faz a ciência sesentir ameaçada, mas que é totalmenteválido. Nesse caso, nosso entendimentocomum da consciência é limitado demaispara ser aqui devidamente apreciado.

Se eu perguntasse, “Do que você estáconsciente neste exato minuto?”, você

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provavelmente começaria por descrevero aposento onde está, as imagens, os sonse aromas ao seu redor. Ao refletir, vaicomeçar a perceber seu estado deespírito, as sensações de seu corpo, talvezuma preocupação escamoteada ou umdesejo mais profundo que ospensamentos superficiais. Mas essajornada interior pode ir bem além disso,levando a uma realidade que não dizrespeito a objetos “lá fora” ou asentimentos e pensamentos “aquidentro”. Esses dois mundos podem àsvezes se fundir numa condição do ser queestá além dos limites do espaço-tempo,

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numa região de infinitas possibilidades.

Mas agora nos vemos diante de umacontradição. Como podem duasrealidades opostas se tornar a mesma(torrar um pão não é o mesmo quesonhar com um pão torrado)? Essaperspectiva improvável é descrita demodo sucinto no Isha Upanixade, umaantiga escritura indiana. “Aquilo écompleto, e isto também é completo. Esta

totalidade foi projetada a partir daquela

totalidade. Quando este todo se fundircom aquele todo, o que resta é atotalidade.” Num primeiro olhar, essetrecho parece um enigma, mas pode ser

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decifrado quando entendemos que“aquilo” é o estado de pura consciência,enquanto “isto” é o Universo visível. Asduas coisas são completas em si mesmas– como nos diz a ciência, que há quatroséculos se contenta com a pesquisa doUniverso visível. Mas, na perspectivaespiritual do mundo, existe um todooculto subjacente a qualquer criação; emúltima análise, é esse todo invisível quemais importa.

A espiritualidade está entre nós hámuitos milhares de anos, e seuspesquisadores foram brilhantes –verdadeiros Einstein da consciência.

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Qualquer um pode reproduzir e verificarseus resultados, como ocorre com osprincípios da ciência. Ainda maisimportante, o futuro que essaespiritualidade promete – de sabedoria,liberdade e realização – não desapareceunas épocas de declínio da fé. Realidade érealidade. Só existe uma, e ela épermanente. Isso significa que mundointerno e mundo externo devem seencontrar em algum ponto; nãoprecisamos escolher entre os dois. Esta,em si mesma, será uma descobertarevolucionária, pois o debate entreciência e religião vem persuadindo quase

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todos a encarar a realidade e a lidar comas difíceis questões da vida cotidiana(ciência), ou se retirar passivamente econtemplar uma região para além davida cotidiana (religião).

Essa escolha de tipo e/ou nos foiimposta quando a religião fracassou narealização de suas promessas. Contudo, aespiritualidade, a fonte mais profunda dareligião, não fracassou e está pronta paraenfrentar a ciência, oferecendo respostascoerentes com a maior parte das teoriascientíficas. Foi a consciência humana quecriou a ciência, e esta, agora,ironicamente, age para excluir a

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consciência, seu próprio criador! Masclaro que isso iria nos deixar em piorescondições, com uma ciência órfã eencolhida – habitaríamos um mundoempobrecido.

Essa época já chegou. Vivemos umaera de inclemente ateísmo, e seusadeptos veem a religião comosuperstição, ilusão ou engodo. Mas overdadeiro alvo não é a religião: é ajornada interior. Estou menospreocupado com os ataques a Deus quecom um perigo muito mais insidioso: asuperstição do materialismo. Para osateus cientistas, a realidade sempre é

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externa; de outro modo, todos os seusmétodos desmoronam. Se o mundo físicoé tudo que existe, a ciência tem razão emesquadrinhá-lo em busca de dados.

Mas é aqui que a superstição domaterialismo se rompe. Nossos cincosentidos nos estimulam a aceitar que háobjetos “lá fora”, rios e florestas, átomose quarks. No entanto, nas fronteiras dafísica, onde a natureza fica muitopequena, a matéria se desfaz edesaparece. Aqui, o ato de mensurarmuda o que vemos: todos osobservadores acabam entrelaçados como que observam. Trata-se de um

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Universo já conhecido pelaespiritualidade, em que a observaçãopassiva dá lugar à participação ativa, edescobrimos que somos parte datessitura da criação. O resultado é umpoder e uma liberdade enormes.

A ciência jamais atingiu umaobjetividade pura, nem jamais atingirá.Pois negar o valor da experiênciasubjetiva é descartar boa parte do que faza vida valer a pena: amor, confiança, fé,beleza, espanto, maravilha, compaixão,verdade, arte, moralidade e a própriamente. O campo da neurociência jáacredita que a mente não existe, é apenas

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um produto colateral do cérebro. Océrebro (um “computador feito decarne”, como definiu Marvin Minsky,especialista em inteligência artificial) é onosso chefe, decidindo quimicamentecomo nos sentimos, determinandogeneticamente como crescemos,vivemos e morremos. Essa imagem não éaceitável para mim, pois, aodescartarmos a mente, eliminamos nossoportal para o conhecimento e a visãointerior.

Enquanto Leonard e eu debatemos osmais importantes mistérios, os grandessábios e visionários nos lembram de que

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só existe uma pergunta: O que é arealidade? Será o resultado natural de leisde causa e efeito que funcionamrigorosamente, ou será algo mais? Háboas razões para que nossos pontos devista estejam em choque. Ou a realidadeé limitada pelo Universo visível ou não é.Ou o cosmo foi criado a partir de umabismo vazio e sem sentido ou não foi.Enquanto não entendermos a naturezada realidade, estaremos como os famososseis cegos, tentando descrever umelefante ao apalpar apenas uma de suaspartes. O que está na perna diz: “Umelefante é como uma árvore.” O que está

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na tromba fala: “Um elefante parece umacobra”. E assim por diante.

Essa fábula infantil sobre os cegos e oelefante na verdade é uma alegoria daantiga Índia. Os seis cegos são os cincosentidos e a mente racional. O elefante éBrahma, a totalidade do que existe. Nasuperfície, a fábula é pessimista: se vocêsó tiver os cinco sentidos e a menteracional, jamais verá o elefante. Mas háuma mensagem oculta, tão óbvia que amaioria das pessoas não percebe. É que oelefante existe. E já estava lá antes denós, esperando pacientemente para serconhecido. Esta é a verdade mais

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profunda da realidade unificada.

O fato de a religião não ter dado certonão significa que uma novaespiritualidade, baseada na consciência,também não vai dar certo. Nósprecisamos enxergar a resposta, e, nesseprocesso, vamos despertar os poderesprofundos que nos foram prometidosmilhares de anos atrás. O tempo estáesperando. O futuro depende da escolhaque fizermos hoje.

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A PERSPECTIVACIENTÍFICA: LEONARD

“Quanto mais avança a evolução

espiritual da humanidade, mais certo me

parece que o caminho genuíno da

religiosidade não reside no medo da

vida, no medo da morte ou na fé cega,

mas passa pela luta em prol do

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A

conhecimento racional.”

ALBERT EINSTEIN

s crianças vêm ao mundoacreditando que tudo gira em torno

delas – e a humanidade também. Aspessoas sempre se sentiram ansiosas paraentender o Universo, porém, durante amaior parte da história humana, nós nãodesenvolvemos os meios para isso.Como somos animais antecipatórios eimaginativos, no entanto, não deixamosque a ausência de ferramentas nosdetenha. Simplesmente usamos a

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imaginação para conformar imagens.Estas não se baseiam na realidade, sãocriadas para atender às nossasnecessidades. Todos nós gostaríamos deser imortais. Desejaríamos acreditar queo bem triunfa sobre o mal, que umgrande poder cuida de nós, que somosparte de algo maior, que fomos postosaqui por alguma razão. Gostaríamos deacreditar que nossas vidas têm umsignificado intrínseco. Antigos conceitossobre o Universo nos consolavam, aoreafirmar esses desejos. De onde vem oUniverso? De onde surgiu a vida? Deonde vêm as pessoas? As lendas e

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teologias do passado nos asseguravamque éramos criados por Deus e que anossa Terra era o centro de tudo.

Hoje a ciência pode responder ainúmeras das mais fundamentaisquestões da existência. As respostas queela dá nascem da observação e deexperimentos, não das preferências oudos desejos humanos. A ciência oferecerespostas em harmonia com a naturezaenquanto tal, não com a natureza talcomo gostaríamos que ela fosse.

O Universo é um lugar espantoso, emespecial para os que sabem alguma coisaa respeito dele. Quanto mais

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aprendemos, mais admirável ele nosparece. Newton disse que enxergou maislonge porque se apoiava sobre os ombrosde gigantes. Hoje podemos todos nosapoiar sobre os ombros dos cientistas eenxergar respostas incríveis e profundassobre o Universo e o nosso lugar nele.Podemos entender como nós e a nossaTerra somos fenômenos naturais,surgidos a partir de leis da física. Nossosancestrais olhavam o céu noturno comuma sensação de alumbramento, mas verestrelas que explodem em segundos ebrilham com mais luminosidade quegaláxias inteiras dá uma nova dimensão

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ao espanto. Hoje, um cientista podeajustar o telescópio para observar umplaneta semelhante à Terra, a trilhões dequilômetros de distância, ou estudar umespetacular mundo interior, em quemilhões e milhões de átomos conspirampara criar um pequeno ponto. Sabemosagora que a Terra é um planeta entremuitos, e que nossa espécie surgiu deoutras espécies (cujos integrantes nãopodemos convidar para o jantar, masainda assim são nossos ancestrais). Aciência revelou um Universo muitovasto, antigo, violento, estranho e lindo,com variedades e possibilidades quase

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infinitas, que talvez um dia acabe numburaco negro, e onde seres conscientesevoluem a partir de uma sopa deminerais. Nesse Universo, as pessoasparecem insignificantes. Maissignificativo e profundo é o fato de quenós – conjuntos de um número quaseincontável de átomos que não pensam –nos tornamos conscientes e entendemosnossas origens e a natureza do cosmo emque vivemos.

Deepak acha que as explicaçõescientíficas são estéreis e reducionistas,que elas resumem a humanidade a umasimples coleção de átomos não muito

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diferente de qualquer outro objeto noUniverso. Mas o conhecimento científiconão reduz nossa humanidade, assimcomo saber que nosso país é um entremuitos não reduz a avaliação quefazemos de nossa cultura nativa. Naverdade, o contrário está mais próximoda verdade. Emoção, intuição, apego àautoridade – traços que levam à crençana religião e a uma explicação mística –são características que podem serencontradas em outros primatas e até emanimais inferiores. Mas os orangotangosnão conseguem pensar nos ângulos dostriângulos, e os chimpanzés não olham

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para o céu e se perguntam por que osplanetas percorrem órbitas elípticas. Sóos homens podem se envolver nosmaravilhosos processos da razão e dopensamento chamados de ciência; só elespodem entender a si mesmos ou como oplaneta chegou até aqui; só os sereshumanos teriam como descobrir quesomos formados por átomos.

O triunfo da humanidade é nossacapacidade de entender. O que nosdestaca é nossa compreensão do cosmo,nossa visão acerca da nossa origem,nossa visão sobre o lugar que ocupamosno Universo. Um dos subprodutos dessa

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compreensão científica é o poder deadministrar a natureza em nossobenefício ou, verdade seja dita, de usá-lacontra nós mesmos. As escolhas éticas emorais específicas que as pessoas fazemdependem da natureza e da culturahumanas. As pessoas jogavam pedrassobre o inimigo muito antes de entendera lei da gravidade. E já despejavampoluição no ar bem antes decompreender a termodinâmica daqueima do carvão.

A promoção do bem e a inibição domal fazem parte do papel das religiõesorganizadas. E foram essas empreitadas –

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e não a ciência – que em geral deixaramde cumprir o que prometeram. Asreligiões orientais não evitaram umahistória de guerras brutais na Ásia, assimcomo as religiões ocidentais nãopacificaram a Europa. Na verdade, maispessoas foram chacinadas em nome dareligião do que por todas as bombasatômicas criadas pela física moderna.Apesar de ser um instrumento debondade e amor, as religiões têm sidousadas como ferramentas de ódio, desdeas Cruzadas até o Holocausto. Aabordagem pacífica e universalista queDeepak tem da espiritualidade é portanto

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uma alternativa bem-vinda. Suametafísica vai além da orientaçãoespiritual, para oferecer perspectivassobre a natureza do Universo. Aconvicção de Deepak, de que o Universotem um projeto e está penetrado deamor, pode ser atraente, mas serácorreta?

Deepak critica a ciência por sua visão“essencialmente materialista” da vida.Por materialista, ele não está sugerindoque os cientistas se concentram apenasnas coisas e no desejo de possuí-las, masque eles lidam somente com fenômenosque podem ser vistos, ouvidos,

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cheirados, detectados por instrumentosou medidos por números. Deepakcompara o Universo visível (oudetectável) estudado pela ciência a uma“região de infinitas possibilidades”,implicitamente superior, mas invisível,que se encontra além de nossos sentidos,um “domínio transcendente” que é afonte de todas as coisas visíveis. Deepakargumenta de forma apaixonada que,apenas aceitando esse domínio, a ciênciapode evoluir para além de seus limites eajudar a salvar o mundo. Mas alegar queesse domínio pode expandir os limites daciência, que pode ajudar a humanidade,

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ou que os sábios antigos já o ensinavam,não o torna verdadeiro. Se você acha queestá comendo um hambúrguer, e eu digoque em alguma outra região invisível seusanduíche na verdade é de filé mignon,você vai querer saber como eu sei disso,em que evidências se baseia minha ideia.Só essas respostas fazem com que umacrença transcenda a realização do desejo.Portanto, se Deepak quiser serconvincente, deve encarar o desafiorepresentado por essas questões.

O verdadeiro problema, como dizDeepak, é o conhecimento e como obtê-lo. Ele critica a ciência por negar “o valor

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da experiência subjetiva”. Mas a ciêncianão teria ido muito longe se um cientistadescrevesse um átomo de hélio como“bem pesado”, enquanto outro dissesseque, para ele, o átomo “parece leve”. Oscientistas empregam medidas e conceitosobjetivos por boas razões, e o fato detentarem garantir que suas medições econceitos não sejam influenciados por“amor, confiança, fé, beleza, espanto,maravilha, compaixão” etc. não significaque eles descartem o valor dessasqualidades em outras áreas da vida.

Cientistas muitas vezes se guiam porsuas intuições e seus sentimentos

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subjetivos, mas reconhecem anecessidade de outro passo: a verificação.A ciência avança numa espiral deobservação, teoria e experimento. Aespiral é repetida até que teoria e provaempírica se harmonizem. Mas o métodonão funciona se os conceitos não foremdefinidos com precisão e se osexperimentos não forem rigorosamentecontrolados. Esses aspectos do métodocientífico são cruciais, eles quedeterminam a diferença entre a boa e amá ciência, ou entre ciência epseudociência. Deepak disse que Jesus foium cientista. Será? Jesus não reuniu uma

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amostragem da população e, depois deser insultado, ofereceu a outra face parametade dela, enquanto nocauteava aoutra metade com um bom e sólidogancho de direita, a fim de calculardepois a estatística da eficácia das duasabordagens. Pode parecer tolice eu fazeruma objeção quando Deepak chamaJesus de cientista, mas isso introduz umtema – o uso da terminologia – que setornará importante adiante, neste livro,em contextos mais substantivos: quandodebatemos questões científicas, devemoster cuidado para não usar as palavrasassim tão livremente. É fácil empregá-las

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de forma imprecisa num argumento, mastambém é perigoso, pois a substância doargumento, em geral, depende da nuancedas palavras.

Não estou sugerindo que a ciênciaseja perfeita. Deepak diz que ela nuncaatingiu uma objetividade pura, e temrazão. Uma dessas razões é que osconceitos usados pela ciência sãoconcebidos pelo cérebro humano.Alienígenas com estruturas cerebrais,processos de pensamento e órgãossensoriais diferentes poderiam consideraro problema de forma bem distinta, masigualmente válida. Se existe certa

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subjetividade em nossos conceitos eteorias, também há subjetividade emnossos experimentos. Na verdade,experimentos realizados comexperimentalistas mostram umatendência de os cientistas verem o quequerem ver e se deixarem convencer pordados que desejam considerarconvincentes. Sim, os cientistas sãofalíveis, assim como a ciência. Contudo,todas essas razões não levam a duvidardo método científico, e sim a segui-lo daforma mais escrupulosa possível.

A história mostra que o métodocientífico funciona. Como são apenas

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seres humanos, alguns cientistas podemde início resistir às ideias novas erevolucionárias. No entanto, se asprevisões de uma teoria foremconfirmadas pelos experimentos, ela logose torna consagrada. Por exemplo, em1982, Robin Warren e Barry Marshalldescobriram a bactéria Helicobacter pylori,e lançaram a hipótese de que elaprovocava a úlcera. Na época, otrabalho, não foi bem-recebido, pois oscientistas acreditavam com firmeza que oestresse e o estilo de vida eram asprincipais causas das doençasenvolvendo úlceras pépticas. Porém,

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novos experimentos comprovaram ahipótese, e em 2005 ficou estabelecidoque a Helicobacter pylori é causa de maisde 90% das úlceras de duodeno e de maisde 80% das úlceras gástricas, e Warren eMarshall ganharam o Prêmio Nobel. Aciência também poderia aceitar Deepakse suas afirmações fossem verdadeiras.

Quando teorias que encantamalgumas pessoas são descartadas pelacomunidade científica, em geral surgemacusações de caretice. Mas a história daciência mostra que o verdadeiro motivopara a rejeição de algumas teorias é queelas se chocam com evidências

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observacionais. De fato, por uma únicarazão, algumas ideias muito estranhas,surgidas de áreas obscuras e inesperadas– como a relatividade e a incertezaquântica –, logo foram aceitas, apesar dedesafiar o pensamento convencional: elaspassaram por testes experimentais. Osproponentes da metafísica e daespiritualidade de Deepak estão muitomenos abertos para revisar ou expandirseus pontos de vista de modo a abrangernovas descobertas. Em vez de se mostrarreceptivos a novas verdades, eles emgeral se aferram a ideias, explicações etextos antigos. Mesmo que em algumas

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ocasiões recorram à ciência para tentarjustificar suas ideias tradicionais, sempreque ela parece recusar esse apoio, eleslogo lhe dão as costas. E quandoempregam métodos científicos, fazemisso de forma tão livre que os significadossão alterados, e, por isso, as conclusões aque chegam não são válidas.

Não se espera que a ciência respondaa todas as questões do Universo. Podemuito bem haver segredos na naturezaque permanecerão para sempre além doslimites mais avançados da inteligênciahumana. Outras problemáticas, como asrelacionadas às aspirações humanas e ao

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significado da nossa vida, são mais bem-avaliadas a partir de múltiplasperspectivas, tanto científicas quantoespirituais. Essas abordagens podemcoexistir e respeitar umas às outras. Oproblema surge quando a doutrinareligiosa e espiritual se pronuncia sobre oUniverso físico contradizendo o queobservamos como verdade.

Para Deepak, a chave de tudo é acompreensão da consciência. É verdadeque a ciência apenas começou a lidarcom essa questão. Como esses átomosnão pensantes de que somos feitosconspiram para criar amor, dor e alegria?

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Como o cérebro produz o pensamento ea experiência consciente? O cérebro temmais de 1 bilhão de neurônios, mais oumenos o número de estrelas numagaláxia, porém, as estrelas quase nãointeragem, enquanto um neurônionormalmente está conectado a milharesde outros. Isso faz do cérebro algo muitomais complexo e difícil de decifrar que oUniverso de galáxias e estrelas. Essa éuma das razões de termos dado grandespassos na compreensão do cosmo,enquanto nosso autoconhecimentocontinua a engatinhar. Será isso um sinalde que nossa mente não pode ser

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explicada?

É uma espécie de miopia acreditarque, se hoje a ciência não consegueexplicar a consciência, esta está além doseu alcance. Contudo, mesmo que aorigem da consciência seja complexademais para ser entendida pela mentehumana, isso não prova que aconsciência resida num reinosobrenatural. Na verdade, embora osurgimento da consciência aindarepresente um enigma, já temos muitasevidências de que ela funciona de acordocom as leis da física. Por exemplo, emexperimentos de neurociência,

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pensamentos, sentimentos e sensações namente dos sujeitos – o desejo de moverum braço, pensar em alguma pessoaespecífica, como Jennifer Aniston oumadre Teresa, ou a fissura por uma barrade chocolate – já foram localizadas emáreas e atividades específicas no cérebrofísico. Cientistas chegaram a descobrir oque chamam de “células conceituais”,que disparam quando o sujeito reconheceum conceito como uma pessoa, um lugarou um objeto específicos. Esses neurôniossão o substrato celular de uma ideia. Elesdisparam, por exemplo, cada vez quealguém reconhece madre Teresa numa

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foto, não importa sua posição ou o queesteja vestindo. Disparam até se o sujeitosó vê o nome dela escrito num texto.

A ciência pode responder à intratávelquestão de como o Universo começou, ehá razões para acreditar que acabeexplicando as origens da consciênciatambém. Ela é um processo sempre emmovimento, cujo final não está à vista. Seem algum dia, no futuro, conseguirmosexplicar a mente em termos de atividadede um conjunto de neurônios, se ficarprovado que todos os nossos processosmentais são produzidos no fluxo de íonscarregados no interior das células

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nervosas, isso não significa que a ciênciairá negar o valor de coisas como “amor,confiança, fé, beleza, espanto, maravilha,compaixão, verdade, arte, moralidade ea própria mente”. Como já disse, explicaruma coisa não significa reduzir ou negarseu valor. Também é importantereconhecer que, embora uma explicaçãocientífica dos nossos processos depensamento (ou de qualquer outra coisa)seja considerada insatisfatória ou nãopalatável em termos estéticos ouespirituais, isso não significa que ela sejafalsa. Nossas explicações devem se guiarpela verdade, e a verdade não pode ser

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ajustada para se conformar ao quedesejamos ouvir.

Infelizmente, a atual ausência de umateoria científica bem desenvolvida sobrea consciência dá margem ao tipo deraciocínio impreciso que leva aconclusões conflitantes com as leis físicasconhecidas. A filosofia e a metafísica nãopodem explicar um aparelho deressonância magnética, uma televisão ouuma torradeira. Será que podem explicara consciência, ou por que o Universo é talcomo o percebemos? Talvez, mas,enquanto Deepak oferece suasexplicações de uma consciência

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universal, eu pretendo manter umimportante princípio da ciência, oceticismo. Deepak diz que, em nossodebate, ele é o injustiçado. Os dadosmostram o contrário. Segundoamostragens aleatórias, somente 45%dos norte-americanos acreditam naevolução, mas 76% acreditam emmilagres. Nenhum candidato apresidente seria viável se nãoproclamasse sua fé em algum poder maiselevado, e muitos percebem que podemobter vantagens políticas negando ateoria de evolução. A ciência não é asenhora da vida moderna como imagina

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Deepak, mas sua desvalorizadaservidora.

As respostas da ciência não vêm comfacilidade. O físico Steven Weinberg,ganhador de um Prêmio Nobel, temdedicado a vida ao incansável estudo dateoria de partículas elementares como oelétron, o múon e o quark. Ele jáescreveu que jamais considerou essaspartículas muito interessantes. Por queentão se dedica a entendê-las? Poracreditar que, neste momento da históriado conhecimento humano, seu estudoindica o caminho mais promissor para acompreensão das leis fundamentais que

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regem toda a natureza. Alguns dos 10 milcientistas que trabalharam, muitos pormais de uma década, para construir emGenebra o Grande Colisor de Hádrons, oacelerador de partículas que custouvários bilhões de dólares, talvez nãoachassem fascinantes as inúmeras horaspassadas calibrando delicadosinstrumentos e sintonizandoespectrômetros (embora algunsrealmente gostem da tarefa!). Elesfizeram isso pela mesma razão queWeinberg estuda os múons. Os sereshumanos são diferentes dos outrosanimais na maneira de formular

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perguntas sobre o ambiente. Colocadonum novo ambiente, o rato o explora porum tempo, forma um mapa mental,sente-se seguro e para de fuçar. Noentanto, uma pessoa iria perguntar: Porque estou nesta jaula? Como chegueiaqui? Há um bom café por perto? Osseres humanos estudam ciência porquetêm necessidade de saber como nossavida se encaixa no esquema maior doUniverso. Essa é uma das característicasespecíficas que nos tornam humanos.Mas as respostas só podem serproveitosas se forem verdadeiras. Avocê, leitor, eu recomendaria que, ao

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ponderar sobre a visão de mundo àsvezes muito atraente de Deepak, tivesseem mente as palavras do ícone da físicado Caltech, Richard Feynman: o primeiroprincípio é não enganar a si mesmo – evocê é a pessoa mais fácil de serenganada.

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PARTE II

O COSMO

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2. Como surgiu o Universo?

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T

LEONARD

odas as civilizações têm suas históriassobre a criação. Os europeus vieram

com uma esquisitice, no começo doséculo XX, que desde então é refinada ereelaborada por estudiosos de todas aspartes do mundo. Ela foi chamada de bigbang, mas se metamorfoseou em algoconhecido como modelo-padrão da

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cosmologia. Nós achamos que é umateoria, enquanto chamamos as outrasexplicações de mitos. O que torna o bigbang diferente da proposta dos maias, deque somos todos feitos de milho branco eamarelo? Será que a fé da ciência em suaexplicação se justifica? Quais os limitesdo conhecimento atual?

A ideia do big bang surgiu da teoria darelatividade geral de Einstein, concluídaem 1915, depois de mais de uma décadade trabalho. A relatividade geral é umconjunto de equações que descreve aforma como gravidade, espaço, tempo,energia e matéria interagem. Com sua

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formulação, Einstein pedia às pessoasque descartassem a muito bem-sucedidae satisfatória teoria de Isaac Newton,para aceitar em seu lugar algumas ideiasmuito estranhas, que pareciamcontradizer o que eles vivenciavam nocotidiano. A metafísica é um cortejo deargumentos só com a abertura e oencerramento, sem necessidade deapresentar evidências no meio. Naciência, só importa a evidência. Por isso,quando Einstein disse que há umarealidade oculta subjacente, bem diversado mundo que percebemos com nossossentidos, nenhum cientista acreditaria

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nele se não encontrasse uma série deprovas. E elas foram encontradas.

Embora a relatividade geral possa seraplicada ao Universo como um todo, asaplicações que fornecem as verificaçõesmais fáceis de sua validade são as queconseguem explicar sistemas simplescomo um planeta orbitando o Sol, ou umraio de luz estelar passando ali por perto.Foram essas aplicações que forneceram aprimeira evidência física de que Einsteintinha descoberto alguma coisa. No casodo planeta, a teoria esclarecia umairregularidade já observada na órbita deMercúrio, que se desviava das previsões

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das leis de Newton. Era umairregularidade pequena, por isso, amaioria dos cientistas antes de Einsteinsimplesmente coçou a cabeça, esperandoque algum dia se encontrasse umaexplicação trivial para aquilo. Einsteinmostrou que a explicação não era nadatrivial. Como essa irregularidade já eraconhecida, o teste ainda maisimpressionante da teoria foi sua novaprevisão (na época, espantosa) de que,por efeito da relatividade, a gravidadecurvaria os raios de luz, e, portanto,nossa observação das estrelas distantesseria alterada quando a luz passasse

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perto do Sol. Para confirmar esse efeitosem que a luz da estrela fosse ofuscadapela do Sol, era preciso realizar asobservações durante um eclipse solartotal. O experimento foi feito, e a teoriade Einstein se mostrou correta, ao prevernão apenas que a luz se curva comotambém o ângulo do desvio.

O triunfo de Einstein – e o igualmenterevolucionário triunfo da teoria quântica– não significou que de repente toda avisão de mundo de Newton ficavainvalidada. Não é o caso de a civilizaçãoacordar de manhã e perceber que tinhaconstruído seus prédios e pontes da

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forma errada, que a lâmpada de Edisonna verdade é um laser quântico, ou que,se você dirigir mais rápido que avelocidade da luz, nunca mais vaiprecisar de creme antirrugas. A teoria deNewton já havia passado por muitostestes e, à parte o problema da órbita deMercúrio, nunca falhou; mas as ideias deEinstein não negavam o fato de que ateoria de Newton fornecia uma excelentedescrição dos eventos que vivenciamosno cotidiano. Na verdade, quandoaplicada a essas situações, a teoria deEinstein resulta em previsões tãopróximas das de Newton que a diferença

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só pode ser detectada por instrumentosmuito sofisticados. Porém, sob certascondições, importantes para astrofísicos eem alguns laboratórios de experimentos,as previsões de Newton diferem deforma significativa daquelas decorrentesda teoria de Einstein. Então, quando oscientistas afirmam que a teorianewtoniana está “errada”, estão dizendoque ela é correta apenas de formaaproximada. Ainda assim, a teoria deEinstein é uma descrição mais acertada efundamental da natureza, revelandocaracterísticas do espaço e do tempo numnível muito mais profundo que o

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vislumbrado por Newton.

A confirmação experimental de suasteorias transformou Einstein emcelebridade internacional, mas asimplicações mais espantosas dessas ideiasainda estavam por vir. Nos anos 1920,um padre e astrônomo belga chamadoGeorges Lemaître aplicou as equações deEinstein ao Universo como um todo. Eledescobriu o que na época podia parecerao mesmo tempo óbvio e chocante.Primeiro, a parte óbvia. Como agravidade é uma força de atração,quando você joga uma maçã no ar, aforça da gravidade faz com que ela caia

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de novo na Terra. Ou seja, a maçã seafasta da Terra, depois volta a cair, masnão paira no ar (a não ser naqueleinstante único que marca o limite de suatrajetória). A parte chocante surgiuquando Lemaître demonstrou que, damesma forma, graças à atração mútua damatéria e à energia que ela contém, oUniverso pode se expandir, desacelerar etalvez se contrair, mas não permanececom um tamanho fixo, como todos naépoca acreditavam – inclusive Einstein.Se o Universo estiver se expandindo, issosignifica que, se você reverter a históriado Universo no tempo, vai vê-lo ficar

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cada vez menor. Por essa razão,Lemaître foi adiante e especulou que oUniverso começou como um só ponto.Essa ideia hoje é conhecida como teoriado big bang.

A teoria do big bang estavaintimamente relacionada à relatividadegeral de Einstein, mas, se não resultasseem previsões verificáveis, seria só umpouco melhor do que dizer que oUniverso era feito de milho. Um doselementos críticos da teoria foiconfirmado pouco depois do trabalho deLemaître, quando Edwin Hubbledescobriu que o Universo está em

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expansão. Porém, a implicação maisespecífica do cenário de Lemaître é que,quando essa bola de fogo primordialesfriou até 1 bilhão de graus centígrados,nos primeiros minutos após o big bang,diversos elementos leves foram criadosem certas proporções definidas. Emparticular, cerca de 25% da matéria noUniverso deveria estar sob a forma dehélio – e é exatamente o queconstatamos. Outra implicação é que oUniverso deve ter esfriado muito maisdesde então. Segundo a teoria, o espaçohoje deveria estar permeado por umaradiação numa temperatura de 2,7°C

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acima do zero absoluto, na média. Maisuma vez, isso está de acordo com asobservações.

Nos anos 1970, o modelo do big bangjá tinha explicado com sucesso a maiorparte da história do Universo. Mas aindarestavam algumas aparentes anomalias.Por exemplo, considere uma frigideiranuma temperatura uniforme, comexceção de um ponto que esteja maisquente que o resto. Pouco depois, esseponto mais quente vai estar mais frio,enquanto a região da frigideira maispróxima a ele estará ligeiramente maisaquecida. Mais tarde ainda, o ponto

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quente esfria mais, transferindo seu calorpara áreas cada vez maiores da frigideira.No fim, a frigideira toda estará numatemperatura uniforme. Mas essatransição para a uniformidade levatempo. O Universo é como essa frigideiradepois de um longo tempo – suatemperatura é quase uniforme. Oproblema é que nós sabemos que aindanão se passou o período necessário paraisso ocorrer. Então, por que o Universoestá tão próximo dos 2,7°C em todas asdireções? Por que não existe um pontoquente aqui e outro ponto frio ali? Osfísicos deram a isso o nome de problema

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do horizonte.

O chamado problema do Universoplano era outro enigma. A relatividadegeral diz que a quantidade de matéria eenergia no Universo determina acurvatura do espaço. O que significa isso?A curvatura do nosso espaçotridimensional pode ser difícil devisualizar, mas a ideia é similar quandopensamos em duas dimensões. Então,vamos considerar esse caso. Um planosimples é uma superfície bidimensional,sem curvatura. A superfície de umaesfera, por outro lado, curva-se sobre simesma, e é um exemplo de superfície

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com o que se chama de curvaturapositiva. Em comparação, uma sela écurvada para fora, portanto, afirma-seque ela tem uma curvatura negativa. Asequações da relatividade geral nos dizemque, se existir mais que certa quantidadecrítica de matéria e energia por unidadede volume no Universo, o espaço securva numa forma esférica e acabadesabando sobre si mesmo. Se essadensidade crítica for menor, o espaço securvará para fora, como uma sela. Oespaço só poderá ser plano se aconcentração média de matéria e energiaestiver exatamente dentro do valor

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crítico. Essa densidade crítica varia com aidade do Universo. Muito tempo atrás,era muito alta, mas hoje equivale a cercade seis átomos de hidrogênio por metrocúbico de espaço.

Podemos medir diretamente acurvatura do espaço em grande escala, eele parece mesmo plano, pelo menoscom a precisão com que conseguimosrealizar a medição. O problema é que asequações da relatividade geral mostramque, se a densidade do Universo sedesviasse do valor crítico, esse desviologo seria imensamente amplificado.Assim, se, no início, a densidade de

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matéria fosse apenas ligeiramente menorque a densidade crítica, o Universo hojeteria a forma de uma sela e seria muitomais diluído do que podemos perceber.Ou que, se a densidade fosse só umpouco mais alta que o valor crítico, oUniverso há muito teria desabado sobresi mesmo, como um balão que perdesse oar. Por causa desse efeito deamplificação, para que o modelo do bigbang responda pelo aspecto plano queobservamos, quando o Universo tinhaum segundo de idade, a concentração dematéria e energia devia estar afinadacom o valor crítico numa precisão de

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uma parte em mil trilhões.

Alguém poderia perguntar: “E daí? OUniverso não poderia simplesmente terse formado dessa maneira?” Poderia, masisso ilustra um ponto importante naciência. Os aspectos-chave de uma teoriadevem seguir algum princípio, e nãoserem projetados de modo a fazer ateoria funcionar. Para um cientista,afirmar que a existência do Universodepende do fato de ele ter se formado hámuito tempo e de um modo bastantepreciso não é algo muito satisfatório. Oscientistas querem entender a razãosubjacente, as leis naturais que explicam

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essa circunstância específica.

O problema do horizonte, oproblema do espaço plano e outrasdificuldades na teoria do big bang foramresolvidos no final dos anos 1970, quandoos físicos descobriram um novo capítulona evolução do Universo, um capítulochamado inflação, descoberto por AlanGuth, jovem teórico de partículas que,segundo ele próprio admitiu, não tinharealizado muita coisa até então. Guthmudou a situação quando percebeu quecertas condições que os físicosacreditavam estar presentes quando oUniverso tinha uma fração de segundo de

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idade teriam levado o cosmo aenlouquecer, dobrando de tamanho emmenos de 1 bilionésimo de trilionésimode trilionésimo de segundo. Supondo-seque esse aumento continuasse por“apenas” cem ciclos, uma parcela doUniverso com o diâmetro de uma moedateria aumentado para mais de 10 milhõesde vezes o diâmetro da Via Láctea.

Como pode a inflação beneficiar umcosmólogo confuso? Imagine quepassemos um filme do Universo de tráspara diante, a partir de hoje. Quandochegarmos à inflação, o Universoobservável será esmagado para uma

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região minúscula. Por isso, a inflaçãosignifica que regiões do Universo hojemuito separadas estavam tão próximas,nos tempos pré-inflacionários, que suasdiferenças de temperatura poderiam terse uniformizado antes da expansão. Issoresolve o problema do horizonte. Ainflação também soluciona o problemada forma plana. Para entender por que,imagine o que aconteceria com umminúsculo balão que de repente enchesseaté atingir o diâmetro do Sol, porexemplo. Ainda que fosse fácil medir acurvatura do balão antes de ele encher,quando estivesse do tamanho do Sol,

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alguém que estivesse sobre a suasuperfície veria o balão muito maisplano. De uma forma análoga, a inflaçãoachatou nosso Universo.

A teoria de Guth não poderia ter sidoprevista por Einstein, Lemaître ouqualquer outro estudioso solitário darelatividade geral. Ela dependia de ideiasextraídas de outra revolução do séculoXX, a teoria quântica. Esta não é naverdade uma teoria, mas um conjunto deprincípios que definem um tipo de teoria.As ideias desenvolvidas de acordo comesses princípios quânticos são chamadasde teorias quânticas. A relatividade geral

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não é uma teoria quântica, e ainda nemsabemos exatamente como formularuma. Mas há meios de extrair previsõeslimitadas que se baseiam nos princípiosdas duas teorias. Em seu trabalhos, Guthapoiou-se em muitas ideias quânticasdesenvolvidas entre os anos 1930 e 1970.

Uma das doutrinas básicas dequalquer teoria quântica moderna é quepara cada partícula existe um campo,algo como os campos de força que vemosnas obras de ficção científica. Segundoessa teoria, os campos não podempermanecer constantes em magnitude,pois estão sujeitos a contínuas flutuações

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quânticas, em escala microscópica.Quando a inflação começou, e as rugasdo espaço começaram a se esticar,surgiram novas rugas quânticasmicroscópicas para substituí-las. Àmedida que progredia, a inflação esticouessas rugas até uma dimensãomacroscópica, resultando num padrãoespecífico de variação na densidadematéria/energia do Universo pós-inflacionário. Como a gravidade é umaforça de atração, as áreas surgidas com ainflação, mais densas que os arredores,atraíram ainda mais matéria, criando assementes das galáxias. Dessa forma, as

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flutuações quânticas expandidas levaramà estrutura que hoje observamos noUniverso – aglomerados de galáxias,galáxias e estrelas. Sem as flutuaçõesquânticas, o Universo seria uma sopauniforme e inespecífica.

O padrão de variação da densidadecriado pela inflação pode ser detectadoaté hoje. Há pouco dissemos que o fatode a temperatura do Universo ser amesma em qualquer lugar era ummistério explicado pela inflação, mas elavai um pouco além: a inflação prevê que,embora seja quase constante em qualquerdireção em que você olhar, a

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temperatura varia levemente, e segundoum padrão específico. Essa é umaprevisão muito precisa, demonstrada porinúmeras evidências, mas já seobservaram variações exatamente comoas previstas pela inflação ocorrendonuma gama de menos de 100milionésimos de grau centígrado.

Este é, em resumo, o retrato científicode como o Universo chegou até aqui – ealgumas provas desse cenário. O começodo Universo não foi a grande explosão dobig bang, mas o período de inflação, umaexpansão muitas vezes mais drástica quea prevista pelo cenário original do

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modelo, que aconteceu um instantedepois do início do Universo.

O que aconteceu antes da inflação?Por enquanto, as respostas científicas sãomuito mais especulativas e menosprecisas que a imagem que acabamos dedescrever. Respostas melhores estão àespera de progressos na construção deuma versão quântica da relatividadegeral (se for verdadeira, a teoria dascordas conseguirá fazer isso). Muitosfísicos argumentam que essa nova teoria,quando a tivermos, mostrará que, emalgum momento antes da inflação, nãoexistia o tempo tal como o conhecemos.

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Contudo, a mais chocante especulaçãosobre o que uma teoria quântica, queinclua a relatividade geral, poderia nosdizer vem de um princípio chamadoflutuações do vácuo.

Mencionei que as galáxias sãoprodutos de microscópicas flutuações decampos quânticos. As flutuações dovácuo se referem à previsão quântica deque até o “nada” – que, na teoriaquântica, tem uma definição matemáticaprecisa – apresenta flutuações, e portantoé instável, em certo sentido. Isto é,mesmo que você esteja numa região doespaço onde não haja matéria nem

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energia, a situação não permanece amesma. Em vez disso, o nada é umcaldeirão em ebulição no qual aspartículas estão sempre aparecendo edesaparecendo. Trata-se de um conceitoestranho ao contexto da experiênciacotidiana, mas é um efeito conhecidopara os que passam seus dias estudando ocomportamento das partículaselementares. As flutuações do vácuo sãoum dos resultados mais bem confirmadosde toda a ciência e já foram medidas coma precisão de dez casas decimais. Elasdevem ser consideradas em todos oscálculos e experimentos da moderna

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física das partículas. Aliás, a maior partede sua massa vem dos prótons nosátomos de que somos compostos, e amaior parte da massa de um próton nãovem da massa dos quarks que o formam,mas da energia do espaço “vazio” entreesses quarks, um turbulento cadinho departículas saídas do nada e que nele logodesaparecem. Por isso, da próxima vezque você pensar em quanto você pesa,lembre-se de que a maior parte de seupeso corresponde a espaço vazio.

Muitos físicos acreditam que asflutuações do vácuo indicam umaassombrosa previsão: o Universo teria

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surgido espontaneamente do nada. Será?Ainda não sabemos, pois nãoentendemos exatamente como se podemcombinar a teoria geral da relatividade ea teoria quântica. Mesmo se acharmosque entendemos, primeiro é precisoelaborar previsões específicasrelacionadas aos fenômenos observáveis,que depois devem ser testadas. Os físicosvão conseguir fazer isso, pois, em últimaanálise, esse é o trabalho da ciência. Aocontrário das especulações filosóficas,metafísicas e místicas, que não sãolimitadas pela restrição das evidências,uma teoria científica sobre a origem do

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Universo deve passar por testesobservacionais. A imagem resultantepode não satisfazer aos que procuramuma fonte divina na nossa origem, masserá a resposta da ciência.

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O

DEEPAK

primeiro e maior de todos osmistérios é como o Universo

começou. Para a espiritualidade, o temaparece uma causa perdida antes mesmode a discussão começar. A física modernaassumiu a questão da gênese, e suaresposta – o big bang e tudo o queaconteceu nos 13,7 bilhões de anos

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seguintes – conseguiu acabar com acredibilidade da Bíblia, do Corão, dosVedas e de todas as outras versõesnativas da criação. Mas agora, nomomento exato em que a ciência pareceestar pronta para aplicar o golpe demisericórdia, alguma coisa emperrou. Afísica quântica foi obrigada a parar à beirado abismo que precedeu a criação, semmeios de seguir adiante até que esseabismo seja transposto por umaexplicação. A opinião de Leonard,partilhada pela física em geral, é de que aexplicação plena será encontrada pelamatemática. Meu parecer, partilhado por

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estudiosos da consciência em geral, é deque o próprio significado da existênciaestá em questão. Nos tempos modernos,deixamos a cosmologia para osespecialistas, da mesma forma comodeixamos os genes para os geneticistas.Mas não se pode pendurar uma placa nacriação dizendo “Entrada proibida; vocênão sabe a matemática necessária”.Todos nós nos interessamos pela gênese,e isso é bom, pois, na nossa época, estána iminência de brotar uma nova históriada criação, e todas as versões préviasterão de passar por uma revisão radical.

Esse abismo é o ponto de partida para

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qualquer história da criação, seja elacientífica ou espiritual. O Gênesis nos dizque “a terra não tinha forma, era vazia, ea escuridão jazia sobre a face dasprofundezas”. Porém, arranjar um lugarpara Deus nesse abismo não satisfaz amente científica, e a espiritualidade devesuperar algumas fortes objeçõessuscitadas pelos céticos, que incluem asseguintes, entre outras:

• Não há prova científica da existência deDeus nem de qualquer criador.

• Não se pode provar que o Universosegue um projeto.

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• O pré-Universo pode ser inimaginável.À medida que nossa experiênciaacontece no tempo e no espaço, nãoseria inútil tentar explicar a realidadeantes do surgimento do espaço e dotempo?

• A aleatoriedade parece ser a vencedorade longo prazo no Universo, pois asestrelas morrem, e a energia seaproxima do zero absoluto.

Essas parecem objeções esmagadoras,e Leonard exemplifica a teimosaresistência da ciência a outras formas deexplicar o cosmo. Ele vê com

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desconfiança as explicações nãocientíficas, ou até pior: encara-as comosuperstições primitivas (“milho branco eamarelo”) ou ilusões. Para ele, todos osprocessos no cosmo, visíveis ouinvisíveis, podem ser explicados emtermos materialistas. Mas é fascinanteperceber como a espiritualidaderessurgiu no debate; e por que, do meuponto de vista, vencerá no final. Todas asobjeções da ciência podem ser rebatidas.Nesse processo, vamos fincar as bases deuma nova história da criação.

Stephen Hawking é considerado, nacultura popular, o gênio do momento, e

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assim como Einstein carrega o peso totalda ciência em seus pronunciamentos.Hawking ganhou manchetes no mundotodo em 2010, ao declarar que “não énecessário invocar Deus … para fazer oUniverso funcionar”. O mundo dosdevotos tinha mais uma razão para verna ciência a inimiga da fé. Pessoalmente,Einstein se mostrava reverente emaravilhado diante do mistério que pairano horizonte longínquo do cosmo. Mas,desde então, o Universo da física teóricase tornou aleatório, complexo,paradoxal, árido demais para umapresença divina.

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Hawking e outros dizem que osprincípios quânticos tornam possível osurgimento do Universo a partir do nada.Mas, para diferenciar isso do vácuo ondecomeça o Gênesis, a física se enroscouem um nó. Se esse “nada” deu origem aoanseio humano de significado, por queele não será importante? O Universo semanifesta de forma aleatória, mas essealeatório criou o cérebro humano, quefaz todos os tipos de coisas não aleatórias(como os escritos de Shakespeare e dizer“Eu te amo”). Então, como a ausência deprojeto deu origem ao projeto?

A natureza ainda não comprovada do

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“nada” é uma abertura para aespiritualidade, que, ao contrário do quediz Leonard, não precisa voltar aos mitospré-científicos. Pelo contrário, podeapresentar vislumbres sobre o que existealém do espaço e do tempo. A novahistória da criação irá se basear noseguinte:

1. Totalidade: O Universo, incluindo onada que precede a criação, é umsistema. A base da existência não é ovazio inerte, mas um campo dinâmicoque envolve a criação numa totalidadesingular. Processos menores no campo

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quântico podem estar relacionados a essesistema, mesmo que a anos-luz dedistância. Vemos vários tipos de coisasocorrer ao nosso redor que não podemestar totalmente desconectadas: comoum vaga-lume, numa abafada noite deverão, se relaciona com os pinguinsimperadores marchando centenas dequilômetros pelo gelo antártico, ou comuma tempestade tropical na ÍndiaOcidental? A verdade mais profunda éque a totalidade deve incluir tudo isso.

Nossos cinco sentidos são confundidospela diversidade, e parte do trabalho dadiversidade é parecer desconectada; é

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isso que nos fascina na infinita variedadeda vida. A totalidade, por outro lado, éinvisível. Só pode ser conhecida comuma sondagem mental, numa análisemais profunda – esta é a perspectivaespiritual. A única forma externa devislumbrar a totalidade é com amatemática. Como Einstein observou,ele elaborou o conceito de relatividadeem termos matemáticos e ficou surpresoquando a natureza se pôs de acordo comisso. Mas uma experiência interna datotalidade – o que Buda e outros sábiosrelatam – é uma forma igualmente válidade conhecimento, afinal, até mais

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satisfatória, como espero demonstrar.

2. Regularidade: As leis naturais queregem o Universo são regulares porquepodem ser explicadas matematicamente.Eventos que parecem aleatórios, dadispersão da luz ao bombardeio deátomos ou erupções de ventosvulcânicos, nos distraem da verdade maisprofunda: o aleatório é apenas umaforma de passar de um estado deregularidade a outro. Dizendo de outramaneira, a aleatoriedade é o modo de oUniverso quebrar os ovos para fazeromeletes cósmicas. À medida que ordens

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superiores vão surgindo, elas passam portransições caóticas que parecem umamanifestação aleatória – a forma como osvegetais se empilham num compostopara decair e se transformar em solo fértil–, mas o aleatório não é o estágio final, éapenas o passo intermediário para umnível de organização novo e maiscomplexo. É apenas um passo darealidade ao significado, e isso implicaque o Universo na verdade significaalguma coisa.

3. Evolução: Um dos parentes próximosda aleatoriedade é a entropia, a lei

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segundo a qual o calor é constantementedisperso pelo Universo. A entropia faz ocosmo minguar em direção ao zeroabsoluto, ao congelamento que aguardatodas as coisas. Mas existe outra forçaque cria o oposto – zonas quentes decriação, onde o calor se concentra,levando ao DNA e à vida na Terra. Essaforça opositora é a evolução, a tendênciaque faz tudo crescer. A espiritualidadeacredita que a evolução é dominante nanatureza. O crescimento, quandocomeça, nunca termina.

4. Criatividade: A evolução não monta

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velhos ingredientes em novas fôrmas;nem apenas transforma pequenospedaços de matéria em pedaços maiores.A evolução dá saltos de criatividade. Issoacontece de maneira quântica – isto é, háo surgimento repentino de umapropriedade que não existia antes. Aágua surge a partir de dois gasesinvisíveis, o hidrogênio e o oxigênio.Nada a respeito desses gases poderiaantecipar o que é a água. Os saltosquânticos predominam na criação ondequer que a observemos, mas sãoespeciais na linda e espantosa novidadedas formas de vida na Terra. O cosmo é

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regido pela criatividade.

5. Consciência: Para ser criativo épreciso ser consciente. A espiritualidadeafirma que a consciência é a base dacriação. Ela sempre existiu, e o Universovisível se desdobra como uma amostrado que a consciência deseja analisar. Atotalidade não poderia se desdobrarseguindo apenas leis mecânicas como agravidade. Olhando ao nosso redor,podemos ver muita experimentação,inventividade e imaginação na natureza.Em vez de dizer que essas coisas sãofantasias não científicas da mente

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humana, muitos pensadoresespeculativos fazem o contrário. Parachegar ao DNA, à vida na Terra e àmente humana, o Universo estavaconsciente de si mesmo e podia entendero que fazia. A ciência é obrigada a aceitaras explicações mais singelas e elegantespara as coisas. É muito mais simplesaceitar a consciência como uma premissado que elaborar torturantes esquemasque se tornam cada vez mais complexosao negar o papel central da consciência.

Criação sem consciência é como afábula do quarto cheio de macacosteclando aleatoriamente uma máquina

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de escrever até que por fim produzem asobras completas de Shakespeare, milhõesde anos depois. Na verdade, umpesquisador chegou a criar um geradorde números aleatórios (um macacoatualizado) para cuspir letras e ver sesurgiam algumas palavras coerentes. Elassurgiram, mas houve inúmeras tentativasaté se formar uma simples frase. Aimprobabilidade de produzir um Hamlet

é astronomicamente grande. (Opersonagem Hamlet tem 1.495 linhas defala. Se o nosso computador-macacoescrevesse a última sílaba errada –registrando “O resto é silente”, em vez

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de “O resto é silêncio” –, ele teria derepetir todo o processo aleatório desde oinício. Depois disso, só haveria mais 36peças a serem escritas!) O DNA humanoé milhares de vezes mais complexo emestrutura que as letras nos textos deShakespeare. Em lugar de achar que anatureza teve de voltar ao começo cadavez que aleatoriamente esqueceu umtraço genético, é mais razoável supor queo Universo se lembra dos passos daevolução e é capaz de construir a partirdaí. Em outras palavras, o Universo temconsciência de si mesmo, ele éconsciente.

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Assim, a espiritualidade dispõe deargumentos viáveis sobre como oUniverso começou, argumentostranscendendo o modelo matemático deLeonard, que se mostra incompleto. Amatemática não começou a explicar porque os ingredientes do Universoprimordial se parecem estranhamenteaos materiais necessários para a vidaconsciente. Como observou o físicoteórico Freeman Dyson: “Contra todas asprobabilidades, a vida pode terconseguido moldar o Universo segundoos seus propósitos.” Para os que insistemna primazia da matéria, também há

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convincentes dados materiais que levama jogar o aleatório pela janela. Na épocado big bang, o número de partículascriadas foi só um pouco maior que onúmero de antipartículas. Para cadabilhão de antipartículas, havia 1 bilhão departículas mais um. Essas partículas eantipartículas colidiram e se aniquilaraminstantaneamente, enchendo o Universode fótons. Porém, por causa dominúsculo desequilíbrio inicial, aindarestaram algumas delas depois daaniquilação, e foi daí que se criou o queconhecemos como mundo material. Quala probabilidade de isso acontecer? Mais

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ou menos a mesma de explodir umarranha-céu com dinamite e encontrarum novo arranha-céu formado pelapoeira que restou.

Leonard apresentou descrições aindamais intricadas dos primeiros segundosdepois do big bang, porém, prefiro ficarcom um conceito mais simples. Se só oque importa são os dados, então você,eu, todas as espécies vivas, bem como asestrelas e galáxias no nosso Universo, sãoresultado de um pequeno e aberrantedesequilíbrio no momento da criação. OUniverso físico tinha todas asprobabilidades de não acontecer. Mas

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aconteceu. E ocorreu algo mais: umaforça organizadora que, sem se tornarvisível, moldou a semente do conturbadoe caótico cosmo.

Na ausência dessa força modeladora,as probabilidades de você ou eu termosaparecido são pequenas demais para setornar críveis. Os físicos acrescentarammuitas outras coincidências àsenumeradas por Leonard, mas eleminimiza o espantoso estado das coisasdaí resultante: as partes do Universo seencaixam com precisão infinita einfinitesimal. Não importa se empequena ou em grande escala, o cosmo

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continua tão exato que descarta oaleatório. Alguma coisa deve ter causadoisso, e ela deve existir além do Universovisível. Mesmo segundo sua própriaótica, os materialistas estão diante deuma região transcendental, e expulsarDeus dessa região não vai torná-lo menosverdadeiro.

Mesmo assim, para chegar a umanova história da criação, não hánecessidade de invocar Deus no sentidotradicional (ainda que, segundo Leonard,a sensação de espanto e alumbramentoseja necessária para alguém que queirarealizar descobertas científicas). O

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crucial, para o meu lado do debate, é quea ciência foi obrigada a olhar para oabismo existente além do tempo e doespaço, abrindo a porta para consciência,criatividade, evolução, regularidade etotalidade como princípios básicos danatureza. Como vou demonstrar, semessas características, o Universo nãopoderia ter produzido o DNA, a vida naTerra, a espécie humana e a civilização.Como tudo isso existe, a causa daespiritualidade nem de longe estáperdida. Ela apenas começa a se afirmar.

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3. O Universo éconsciente?

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DEEPAK

egundo uma velha piada judaica,Deus cria o mundo, senta para

apreciar sua obra e diz: “Vamos ver sefunciona.” No mito de criação adotadopela ciência, nada cria o mundo nem sesabe se ele vai funcionar. O Universo nãotinha uma mente até a chegada docérebro humano, que olhou para sua

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própria evolução no passado e declarou:“Nada pode ser consciente, só eu. Não háconsciência fora nem antes de mim.”

O curioso é que, ao propor umUniverso onde não havia consciênciadurante 13 milhões de anos, a física cortaseus próprios alicerces. O mais avançadoaspecto da física, a teoria quântica, dizque o mundo do subatômico nos fornecea melhor descrição da natureza – ocampo quântico, que mantém unida arealidade. Contudo, os físicos situam essecampo fora de nós: em outras palavras, aconsciência humana conhece a si própria,mas não se permite que o campo faça o

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mesmo. Essa exclusão força a ciência aelaborar algumas alegações tortuosas.Por exemplo, Stephen Hawking declaroupublicamente seu apoio à existência detrilhões e mais trilhões de outrosUniversos (o número exato é um seguidopor quinhentos zeros). Nenhum dessesUniversos alternativos foi visto oucomprovado. Eles atendem ànecessidade de haver muitos estepes parajogar fora; pois, se você afirmar, comofaz Hawking, que a consciência é oresultado de processos físicos aleatórios,é preciso um bocado de desacertos atéque um Universo de sorte – o nosso –

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receba o grande prêmio.

Contra essa concepção fantástica detrilhões de Universos jogados fora, eugostaria de citar o Bhagavad Gita, nomomento em que o Deus Krishnadescreve sua natureza divina: “Eu sou ocampo e o conhecedor do campo.” Embreves palavras, ele destaca o ladoespiritual do debate. Existe um campoque compreende toda a criação, tantovisível quanto invisível, e está imbuídode uma mente que se conhece. (Emboraa física defina “campo” num sentido maistécnico e restrito, o significado antigorefere-se apenas à base da existência.)

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Quando analisaram a própriaconsciência, os grandes sábios da antigaÍndia descobriram o “Aham Brahmasmi”,que significa “tudo que existe está dentrode mim”, ou, em termos mais simples:“Eu sou o Universo.”

O Aham Brahmasmi afirma uma coisabásica: há consciência em toda parte danatureza. Se você rejeitar essa ideia, aalternativa é quase absurda, porquetransforma a consciência num acidente,no resultado aleatório de um DNAborbulhando numa sopa química, nosoceanos da Terra, 2 bilhões de anos atrás.Depois de passar por uma cadeia de

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eventos igualmente improváveis, ainteligência humana evoluiu até olharpara o cosmo e dizer: “Eu sou a única quepode pensar por aqui. Que sorte, não?”(Uma física que se interessou por umUniverso consciente me contou que foiinterrogada por físicos seniores duranteuma conferência, sendo que um delesgritou: “Volte atrás e comece a fazer boafísica outra vez.” Ela percebeu que oscolegas mais jovens pareciaminteressados, mas se mantiveram emsilêncio.)

Como já vimos, o elo mais fraco noatual argumento da ciência é a

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aleatoriedade. Vamos substituir oUniverso visível por uma fábrica deautomóveis. A linha de montagem dafábrica produz máquinas muito bem-feitas, intrincadas e eficientes, os projetosmostram imaginação e criatividade. Masse você for até o local de trabalho eobservar de perto, vai encontrar umanuvem de átomos de ferro, silício epolímeros plásticos girando loucamenteenquanto são sugados para a fábrica. Seráque se pode mesmo acreditar que essanuvem de matéria e energia, mais umindeterminado período de tempo, foi porsi só suficiente para produzir um

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automóvel? Essa é a atual tese da ciênciasobre como o big bang se desenvolveuaté o cérebro humano. O mais incrível éque, quando indagada se o big bangtinha, incorporado nele, o potencial decriatividade e inteligência, a reaçãoconvencional da ciência é um tonitruantenão. A resposta é que o caos podeproduzir essas coisas, dados o devidotempo e trilhões de interações aleatórias.

Importunados com essa criação àscegas, alguns cientistas tentam despertarum pouco – às vezes até bastante – ocosmo. Sir James Jeans, eminente físicobritânico da primeira metade do século

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XX, ponderou: “O Universo parece cadavez mais um grande pensamento, e nãouma grande máquina.” Nos nossos dias,sir Roger Penrose, outro renomado físicoinglês (e opositor contumaz de StephenHawking), propõe que as sementes daconsciência estão entranhadas noUniverso, no nível mais sutil da natureza,no ponto de esvaecimento da matéria eda energia (tecnicamente conhecidacomo escala de Planck da geometria doespaço-tempo).

Penrose fala da verdade matemática,por exemplo, como um valor platônico,inspirado no filósofo grego Platão, que

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propunha que todas as característicashumanas nasciam de uma característicauniversal – por exemplo, o amor é umvalor platônico por ser inerente à criação,e não algo inventado pelos sereshumanos para definir suas emoções.Sentimos amor porque somos parte dacriação. Penrose ressalta o fato de quetoda a ciência se baseia na matemática,mas vê esta última como algo mais quenúmeros a serem calculados. Paraalguém que realmente a entenda, amatemática expressa valores querefletem o cosmo, incluindoregularidade, equilíbrio, harmonia,

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lógica e beleza abstrata. Não é possíveldesnudar os números e deixar essesvalores para trás.

Todos os físicos concordam quanto àimportância da matemática, por isso, édifícil ver como a ciência pode seguirrejeitando as qualidades queacompanham o raciocínio matemático.Em outras palavras, se você está embusca da verdade, será que ela não fazparte da estrutura de sua mente? Nãofosse assim, como você saberia o queprocurar? Quando atribuímos harmoniae lógica à fábrica do cosmo, fica muitomais difícil excluir a consciência. A

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espiritualidade dá o passo lógicoseguinte: tudo que vivenciamos acontecena consciência; portanto, não existe umarealidade “lá fora”, divorciada daconsciência. Penrose não vai tão longe,pois já declarou publicamente queabomina a ideia de um Universosubjetivo. Mas a beleza de invocar umaconsciência cósmica é que com issopodemos acabar com a guerra entresubjetivo e objetivo. No estado de pré-criação do Universo já existia o potencialpara ambos, como sementes no útero.

Outros pensadores respiraram fundoe assimilaram a coisa toda. Em vez de

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isolar a mente humana do campo dacriação – como uma criança faminta como nariz encostado na vitrine da padaria –,alguns cientistas optaram por romper abarreira entre o Universo e nós mesmos.O falecido John Wheeler, de Princeton,afirmava que o Universo visível sópoderia existir se houvesse alguém paraobservá-lo; sem esse observador, nãohaveria Universo. Sem a participação deum observador, o Universo ainda estariaem estado puramente potencial. Quandoolhamos para as estrelas, é esse ato quefaz com que elas apareçam?

Brados de “solipsismo” podem encher

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o ar, mas não levam a crer,necessariamente, que o Universoesperou os seres humanos para começara existir. O observador pode ser Deus.(Agora brados de “fé” e “superstição”enchem o ar.) Mas tampouco precisamosde Deus. Só precisamos de um Universoque contenha a consciência como aspectoinseparável de si mesmo. Com issoestabelecido, quaisquer e todos osobservadores – divinos, humanos ou deoutro tipo – são expressões deautoconsciência. Todos partilham domesmo status, todos participam dacriação. A grande ocasião para a

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espiritualidade resgatar a ciência da ideiade uma criação cega é permitir que osseres conscientes (nós) participem de umUniverso consciente.

O que significa realmente“participar”? Quando um físico comoWheeler argumenta que no início haviasomente probabilidades, ele está falandode um conceito muito conhecido nafísica, o colapso da função de onda. Umapartícula elementar, como um fóton, nãoexiste no tempo e no espaço como umabolinha brilhante pendurada na árvorede Natal do cosmo. Os fótonstransportam a luz em minúsculos

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pacotes, mas também se comportamcomo ondas. Estas se estendem em todasas direções, formando o campoeletromagnético que abarca o Universo.Há probabilidade de se encontrar umfóton em qualquer lugar desse campo,porém, assim que um deles é detectadoem algum lugar, você não precisa maisda probabilidade. O próprio ato daobservação transformou a onda empartícula.

Para mim, o fato de uma partículapoder existir em estado invisível temenormes implicações (algumasinaceitáveis para os físicos, que lidam

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com o dia a dia), porém, a maisimportante para a espiritualidade é aseguinte: antes do big bang, o estado doUniverso tinha todas as possibilidades.Tudo o que existe – ou poderia existir –deriva daquele estado original. Isso nãoparece ter efeitos práticos na vida diária,mas tem. Considere o uso da linguagem.Antes de escolher qualquer palavra paradizer “elefante”, por exemplo, ela éapenas uma possibilidade. Você pode ounão escolhê-la. Talvez preferisse“paquiderme”, que está ali como outrapossibilidade. Mas quando você escolheuma palavra, ocorreu um evento no

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Universo físico, e as possibilidades doque poderia ter sido escolhido naquelemomento (mas não foi) continuam emestado de puro potencial.

A coisa mais estranha, do ponto devista lógico, é que não importa quantaspossibilidades se tornam realidade, poisseu número continua infinito. OUniverso visível é só um pedacinho doque poderia existir. Todas aspossibilidades que não se concretizaramainda estão ali, tão reais quanto as queocorreram. A consciência funciona damesma forma. Quando você escolhe apalavra “elefante”, seu vocabulário

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continua a conter milhares de palavrasque você não empregou. As que nãoforam usadas não são destruídas ouesquecidas, continuam comopossibilidades. Aí estamos, você e eu,participando da gênese neste e em todosos momentos. O Deus Krishna diz sobreesse processo: “Curvando-me sobre mimmesmo, eu crio muitas e muitas vezes.”

Se o campo contém tudo que poderiaexistir, não podemos excluir dele aconsciência ou os valores humanos. É aíque a espiritualidade pode enriquecer afísica. Os físicos descartam sumariamentea necessidade demasiado humana de um

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cosmo que seja um lar significativo, umlugar de alimento para amor, verdade,compaixão, esperança, moralidade,beleza e todos os outros valoresatribuídos a Deus. Como essascaracterísticas não têm qualquer valormatemático, a ciência se sente à vontadepara descartá-las. Mas, na verdade, nóscolhemos esses valores das infinitaspossibilidades do Universo, comocolhemos palavras do nosso vocabulário.

Roger Penrose – e quase todos osdemais estudiosos seniores no campo daciência – abomina a ideia de umUniverso subjetivo, e ela não é imposta a

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ele. Espiritualidade não quer dizersubstituir o objetivo pelo subjetivo.Alguns paranoicos esquizofrênicos estãoconvencidos de que o mundo vai acabarse eles dormirem, e por isso tentam ficaracordados 24 horas por dia, para o bemda humanidade. Todavia, Buda e ossábios védicos não dizem que isso eranecessário. Eles afirmam que há umestado primal abrangendo tanto asubjetividade quanto a objetividade, umapremissa totalmente coerente com arealidade quântica. Quando uma funçãode onda entra em colapso, há umadivisão entre sujeito e objeto: agora “eu”

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estou olhando para uma “coisa”. Mas,antes dessa divisão, a realidade é umaentidade infinita. E deve ser assim, paraque todas as possibilidades estejam nelacontidas.

Há muito mais a dizer sobre a formacomo se ligam a mente humana e amente cósmica. Quando se admite que oUniverso pode ser consciente de simesmo, fica sem sentido especular sobreo mistério de por que nós, sereshumanos, somos inteligentes, criativos econscientes. O Universo está no ar querespiramos; está na vizinhança do lugaronde crescemos. Na verdade, o mundo

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de infinitas possibilidades sempre foi acoisa mais próxima de nós. Como opoeta místico persa Rumi expressou:“Olhe esses mundos surgirem do nada.Isso faz parte do seu poder.”

O que for que o Universo contenha,inclusive nós, isso deve existir primeiroem potencial. A origem põe etiquetas nacriação porque, na verdade, estárotulando a si mesma. Esse é o papel daconsciência. E, ao não reconhecer isso, aciência cega a si mesma. Do ponto devista espiritual, as ondas deprobabilidade da física quântica habitama mesma dimensão da mente de Deus –

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que os grandes cientistas, ao longo dahistória, sempre tiveram a esperança decompreender.

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F

LEONARD

riedrich Nietzsche escreveu:“Antigamente, buscava-se a sensação

de grandeza do homem traçando suaorigem divina: este se tornou umcaminho proibido, pois em seu portalestá o macaco, ao lado de outras ferashorríveis, sorrindo, com ar superior,como se dissesse: não há mais nada nesta

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direção!” Isso foi em 1881, dez anosdepois de Darwin ter escrito A

descendência do homem, no qual propunhaque mesmo os aspectos mais nobres doshomens eram resultado dos processosaleatórios e de seleção natural queproduziam o grasnado do pato ou osmovimentos da serpente. A teoria daevolução de Darwin vem incomodandoas pessoas desde que foi publicada em Aorigem das espécies. Num encontroanterior, diz a lenda, SamuelWilberforce, bispo de Oxford, perguntoua T.H. Huxley, firme partidário deDarwin, se ele “achava que sua suposta

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descendência de um macaco vinha departe do avô ou da avó?” Dizem queHuxley respondeu, em resumo, que nãose aviltava por descender de um macaco,mas se sentiria envergonhado de serelacionar com um homem queargumentasse como Wilberforce. Hoje,ironicamente, o físico Stephen Hawking,homem que muito fez para banir anecessidade de uma origem divina emnosso entendimento da criação, tem suasala, na Universidade de Cambridge,justamente na Wilberforce Road. Esseespírito de abertura não é universal. Atéhoje inúmeros estudiosos, religiosos ou

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não, sentem necessidade de atribuir agrandeza da humanidade à nossa relaçãoespecial com o divino.

Deepak chama a explicação científicasobre como chegamos até aqui de “mitode criação da ciência”. Ao empregar talterminologia, ele nivela a cuidadosaobservação e o trabalho teórico daciência com lendas e especulações deantigas civilizações, algumas das quaisformam a base de suas própriasconvicções. Mas essa abordagem do tipo“vale tudo” não é um caminho produtivopara a verdade. Deepak consideradetestável um Universo em que a

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consciência não existia antes da chegadados seres humanos. Prefere a pintura cor-de-rosa de uma consciência universal jápresente desde a criação. No entanto,quando não endossamos essa abordagemdo tipo “vale tudo”, a questão não é seum Universo consciente é preferível, masse um Universo consciente é possível.Excessos de otimismo (whishful thinkings)não deveriam moldar nosso ponto devista.

O que significaria um Universoconsciente? Os cientistas têm dificuldadede atribuir uma definição precisa à“consciência”, ainda que tenhamos uma

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vaga ideia do significado do termo. Umadas características sempre incluídas naconsciência é a autoconsciência. Emcomparação, os processos cerebrais, quesão automáticos, estão além do nossocontrole voluntário e dos quais nãotemos consciência, são consideradosinconscientes. Experimentos comespelhos parecem indicar quechimpanzés, orangotangos e até a pegasão conscientes de si mesmos, poisreconhecem a própria imagem noespelho. Supõe-se que os nematódeos eas moscas-das-frutas não façam o mesmo,portanto, a autoconsciência estabelece

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uma linha entre as espécies. Ainda assim,a autoconsciência por si só é umreferencial tosco de classificação, e amaioria de nós gostaria de pensar que osque estão dando as bananas têm um nívelpelo menos um pouco maior deconsciência do que os que as recebem,por conseguinte, talvez haja níveis deconsciência.

A consciência também varia deacordo com o estado da mente. Porexemplo, todos nós temos períodos denão consciência, que ocorrem no que sechama de sono de ondas lentas, ou sonoprofundo. Se você pedir a uma pessoa

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acordada para descrever o que estavapensando ou vivenciando um poucoantes, ela vai responder. Isso também éverdade se você acordar alguém duranteo sono de movimento rápido dos olhos(ou sono REM), ou enquanto estásonhando, ainda que o sonho logodesapareça da memória. Mas se vocêacordar alguém durante o sono profundo,ele não terá nada a dizer. A mente seráuma folha em branco. Na verdade, osregistros da função neural durante o sonoprofundo mostram apenas atividadesassociadas aos processos cerebraisinconscientes, automáticos.

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Outra complicação de se definirconsciência é que nossa mente conscientee a inconsciente são sistemas pareados.Há inúmeras pesquisas recentes sobre oefeito do inconsciente no que vemoscomo comportamento social consciente ena tomada de decisões. O exemplo maisvívido de atitudes conscientes baseadasem informações que a menteinconsciente desconhece vem de umfenômeno chamado “visão às cegas”(blindsight). Ela é um sintoma resultantede danos numa parte do cérebrochamada córtex visual primário. Pessoasatingidas por essa disfunção não

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conseguem enxergar conscientementenada que esteja em parte ou natotalidade de seu campo visual, situaçãoque pode ser confirmada por exames deimagens do cérebro. Mas já sabemos que,nesses casos, as imagens captadas peloolho são transmitidas para o cérebro,onde influenciam o comportamentoconsciente, sem chegar no nível daexperiência consciente. Por isso, pessoascom visão às cegas podem estender amão e tocar as coisas, catar objetos quelhes forem lançados, distinguir rostossorridentes ou zangados e até, em umdos casos, transpor uma pista de

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obstáculos sem consciência de estarvendo nada.

Nós inferimos a consciência de outrosseres humanos ou de animais interagindocom eles. Mas não podemos pôr oUniverso diante de um espelho parasaber se é vaidoso. Se ele é consciente,como vamos saber? Seria o mesmo queuma célula das paredes estomacais saberque causa dor no indivíduo do qual fazparte quando está inflamada. É tentadoracreditar que a consciência (depreferência, uma consciência amorosa ecompassiva) desempenha algum papelno Universo físico. Na verdade, durante

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séculos os filósofos da naturezaacreditaram que as leis da física eramanálogas às leis humanas, e que osobjetos do Universo obedeciamconscientemente essas leis para evitar ocastigo dos deuses. Ainda no século XVII,o grande astrônomo e físico JohannesKepler acreditava que as leis domovimento dos planetas eramassimiladas por suas “mentes”. Mas essaideia não resultou em consequênciasobserváveis, por isso foi abandonada pelaciência. A noção de uma consciênciauniversal é igualmente estéril. Por isso émelhor também abandoná-la.

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Deepak diz que a ciência mostra umateimosa resistência a outras formas deconsiderar o cosmo, mas essas “outrasmaneiras” a que a ciência resiste sãoafirmações sem evidências de apoio.Deepak lamenta que “deixamos acosmologia para os especialistas, damesma forma que deixamos os genespara os geneticistas”. Mas eleconcordaria que algumas tarefasprecisam do trabalho especializado, eoutras, não. Por exemplo, acho que nósdois pensamos que qualquer um podefazer um sanduíche de pasta deamendoim e geleia, mas, se um de nós

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fosse passar por uma cirurgia de coração,os dois iríamos querer o melhor cirurgiãocardíaco do ramo. Aquilo em que eupareço discordar de Deepak é que euvejo a cosmologia mais como cirurgia, eele a julga mais parecida com fazer umsanduíche.

Deepak também alerta que não sepode dizer “Entrada proibida; você nãosabe a matemática necessária.”Concordo que as pessoas devem debaterlivremente as questões intelectuais quelhes interessam, mas não devemosconfundir debate e aprendizado com acriação de uma teoria significativa sobre

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essas questões. Qualquer um podeespecular se o Sol vai continuar brilhandodesse jeito para sempre, mas só com amatemática as especulações podemganhar substância de modo a fornecerdetalhes como o de que em 7 bilhões deanos o Sol vai estar 250 vezes maior eengolirá os planetas internos.

Eu reconheço a importância damatemática para a ciência. Ela permiteaos cientistas calcular os números edeterminar as consequências lógicas desuas afirmações científicas. Também nosajuda a elaborar definições precisas, semambiguidades. É fácil se convencer de

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ideias dúbias se os argumentosempregados para apoiá-las foremconstruídos em torno de palavras comsignificados incorretos, vagos oumúltiplos. Aliás, um dos teoremas damatemática diz que, se você aceitar umafalsa afirmação como verdadeira, podeusá-la para demostrar que outra falsaafirmação também é verdadeira. Porisso, a precisão da linguagem éimportante, e as ferramentas damatemática são de grande auxílio paragarantir que os conceitos sejam definidoscom exatidão.

Concordo quando Deepak diz que a

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matemática é mais que números a sercalculados. Concordo que a matemáticatem a ver com regularidade, equilíbrio,harmonia, lógica e beleza abstrata(embora lide também com aleatoriedadee desordem). Os cientistas não rejeitamos valores de Deepak. Não banimos donosso pensamento amor, verdade,compaixão, esperança, moralidade ebeleza, mas os banimos de nossas teorias.Será que Deepak preferiria que nossasequações dissessem que o Sol se sentetonto quando um belo cometa passa porperto? Será que os físicos deveriamencher a matemática de teoremas sobre

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o estado emocional de uma nebulosa?Será que podemos apelar para acriatividade do Universo para comprovaro big bang? A subjetividade é uma parteimportante da experiência humana, masnão significa que devemos incorporar oamor em nossa teoria sobre a órbita deMercúrio, nem uma consciênciauniversal em nossa teoria do Universofísico.

O deus Krishna pode ter dito: “Eu souo campo e o conhecedor do campo”, masainda bem que ele não inventou o rádio.Há muito espaço na experiência humanapara os ensinamentos do Deus Krishna,

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mas isso não significa que se ganhealguma coisa incorporando-os à ciência.A física propõe um Universo em que aconsciência tem um lugar entre os sereshumanos – entre outros animais da Terrae possivelmente de outros planetas –,mas parece que aí a natureza traça umalinha demarcatória. Stephen Hawkingpode teorizar trilhões de trilhões deoutros Universos, mas nem por isso vaiachar que eles existem Até que nossasobservações do cosmo indiquem outrocaminho, poucos cientistas estãopropensos a considerar o Universo umaentidade consciente.

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4. O Universo evolui?

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A

DEEPAK

evolução é o porrete que a ciênciacriou para vergastar a religião.

Sempre que ideias religiosas ameaçamganhar vida nova, a ciência corre paragolpeá-la mais uma vez. Essas ideiasincluem, em primeiro lugar eprincipalmente, a perfeição de Deus. Deacordo com a religião, a divindade não

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precisa ficar mais inteligente, pois Deus éonisciente. Ela não precisa se expandirpara novos lugares, pois Deus éonipresente; nem aumentar seu poder,pois Deus é onipotente. Tendo declaradoque o criador é perfeito, a religião nãopoderia chamar de imperfeita a suacriação: portanto, o Universo tampoucoprecisa evoluir. Mas é inegável aascensão da vida inteligente a partir deformas de vida primitivas. A físicaprovou que o Universo está emexpansão, que a energia se aglomera emgrandes massas conhecidas como estrelase galáxias, mais organizadas que a poeira

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interestelar. A derrota do perfeccionismoparece totalmente justificada. Vivemosnum Universo em evolução.

Por isso, a espiritualidade não podevoltar ao jogo nos mesmos termos que areligião. Ela precisa acrescentar algonovo ao conceito de Universo emevolução. E acho que pode fazer isso. Sea consciência subjaz a tudo na natureza,ela é a força que orienta a evolução. Senão, a evolução se torna, como tudomais, resultado de uma cega atividadealeatória. A física escolheu a segundasuposição, que tem levado a algumasfalsas conclusões.

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Primeiro, a ciência se concentra naexpansão física como premissa básica daevolução. No instante do big bang, oUniverso conhecido era bilhões de vezesmenor que o ponto no fim desta frase.Agora está espalhado por bilhões deanos-luz. Mas esse expandir-se é umaevolução tanto quanto a explosão de umacasa por dinamite. Com certeza a casavai se expandir, se for explodida,espalhando fragmentos em todas asdireções, mais ou menos como fez o bigbang com o Universo, quando umainimaginável rajada de energiadisseminou partículas elementares em

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todas as direções. Porém, por trás damáscara da matéria, algo mais misteriosoestava acontecendo.

Para chegar a esse mistério, vamosseguir o caminho que um átomo dehidrogênio poderia percorrer nesses 13bilhões de anos desde a criação. Primeiroele flutua pelo espaço de formadesorganizada e aleatória, pairandocomo uma pluma infinitesimal no ventocósmico. Alguns átomos continuam afazer isso até formar nuvens de poeirainterestelar. Mas esse átomo cai numcampo gravitacional mais forte e se tornauma das unidades estruturais de uma

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estrela, que absorve átomos primitivoscomo o hidrogênio e o hélio,transformando-os em elementos maispesados e complexos. Por uma série dereações nucleares, nosso átomo dehidrogênio específico se torna parte doelemento conhecido como ferro, o metalmais pesado a se formar no interior dasestrelas.

O ciclo de vida dessa estrela chega aofim no dramático espasmo mortalconhecido como supernova, uma enormeexplosão que espalha átomos de ferropelas regiões próximas do cosmo. Nossoátomo original de hidrogênio não existe

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mais enquanto tal, mas seuscomponentes são atraídos em direção aoutra estrela centenas de vezes menor: oSol.

A essa altura da história do Universo,o Sol já projetou muita matéria duranteas dores do parto, formando anéis depoeira na sua órbita. Essa poeira seaglomera em planetas, e nosso átomo deferro, atraído pela gravidade, integra-seao planeta Terra. Calcula-se que o núcleoda Terra contenha até 70% de ferrofundido, mas nosso átomo chega depois ese estabelece na superfície, que contémcerca de 10% de ferro.

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Agora já se passaram 10 bilhões deanos. Muitos átomos de ferro passarampor interações aleatórias com diversassubstâncias químicas, mas o nossocontinua intacto. Passa-se mais tempo, eesse átomo é absorvido por uma folha deespinafre, que é ingerida por um serhumano. Então nosso átomo de ferrotorna-se parte de uma molécula milharesde vezes mais complexa que ele, comcondição de absorver e expelir oxigênio àvontade: a hemoglobina. A capacidadede a hemoglobina fazer esse truquetorna-se crucial, porque outra molécula,milhões de vezes mais complexa ainda,

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conseguiu criar a vida. Isso é conhecidocomo DNA, que reúne ao seu redor oscomponentes básicos da vida conhecidoscomo substâncias químicas orgânicas,entre as quais a hemoglobina é uma dasmais necessárias, pois sem ela os animaisnão podem converter oxigênio em célula.

Na nossa história, um átomo primalde hidrogênio passou por uma incríveltransformação até chegar a ponto decontribuir com a vida na Terra, e cadapasso do caminho envolve umaevolução. Como todo o ferro da Terra jáfoi parte de uma supernova (mais algumferro foi depositado no planeta quando os

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meteoritos colidiram com a Terra, emseus primórdios), a jornada desde o bigbang pode ser observada e medida. Maso nosso ferro ainda deve sofrer outratransformação. Agora ele entrou nacorrente sanguínea de um ser humano –você ou eu, talvez – para se tornar partede uma criatura pensante e sensível,capaz de olhar para o passado, para suaprópria evolução. Aliás, foi essa criaturasensitiva que criou a ideia de evoluçãopara explicar a si mesma. De algumaforma, um átomo primal se tornoupensante.

Dei-me ao trabalho de seguir um só

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átomo por 13,7 bilhões de anos porque ospassos que ele deu para chegar ao meucorpo ou ao seu, permitindo-me escreveresta sentença, e a você, lê-la, abrange ascaracterísticas invisíveis de que trata aespiritualidade: criatividade, saltosquânticos de transformação, emergênciade propriedades inesperadas e, acima detudo, uma enorme demonstração deinteligência. Como criaturas evoluídas,atribuímos todas essas qualidades a nósmesmos. Mas de onde elas vieram? Afísica afirma que tiveram origem emprocessos físicos aleatórios, mas aresposta não faz sentido. A cada passo de

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sua jornada, o nosso átomo dehidrogênio resistiu à aleatoriedade.Tornou-se mais complexo; contribuiupara aumentar a energia; finalmente, deuo salto para a inteligência humana. Oferro, que permite que você e euestejamos vivos e sejamos dotados desentidos, não é diferente do ferro numcano de esgoto enferrujado ou na poeiraestelar. Mas a evolução tinha em menteum destino diverso para o nosso átomo, ea espiritualidade afirma que seu destinofoi orientado pela consciência.

A evolução direcionada pelaconsciência não implica evocar um Deus

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criador. Ao contrário, introduz umapropriedade inerente ao cosmo: aautoconsciência. A beleza dessapropriedade é que ela pode incluir oaleatório; não há necessidade de umaescolha do tipo e/ou. Se tomarmos umamolécula altamente organizada como ahemoglobina, que contém milhares deátomos perfeitamente arranjados, comomilhares de gotas de orvalho numa teiade aranha, poderemos examiná-la emníveis cada vez mais detalhados. Quandose chega ao plano quântico, os átomossão considerados nuvens deprobabilidade. As gotas de orvalho

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evaporaram e se transformaram emnévoa. Por ser reducionista, a ciênciaafirma que elétrons aleatórios,emergindo de ondas de probabilidade,fornecem a explicação última para oUniverso visível; diz que esses átomostêm base no acaso e são guiados porforças elementares, como oeletromagnetismo.

Em termos espirituais, essa é umaexplicação confusa. É muito difícil chegarà vida na Terra começando do caos total– bem mais difícil que agitar uma provetade células-tronco, sair um pouco e depoisvoltar para encontrar Leonardo da Vinci.

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Por que não explicar a criação pelo queela realiza, e não por seus componentes?A grande pirâmide de Quéops pode servista como um monte de diferentes tiposde poeira, mas isso não a explica, assimcomo reduzir o corpo humano apartículas subatômicas não explica quemsomos. Como argumenta o conhecidofísico inglês David Bohm: “Em certosentido o homem é um microcosmo doUniverso; portanto, o homem é umapista para o Universo.” A música de Bachpode ser reduzida a ondas sonoras, mas,quando se chega a essa matéria bruta,perde-se Bach. Sua genialidade foi

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reduzida ao mesmo nível de informaçãoque o ruído de um trovão ou o estrondode um terremoto.

O grande furo do reducionismo éafastar os aspectos invisíveis da criação,pensando que assim aumenta nossacompreensão sobre ela. Fazer o contrárioe dizer que os dados são na verdademelhores que a bagunça da coisa sempreem mudança que chamamos deexperiência é um desatino total. Comoexplica o grande pioneiro da físicaquântica, Niels Bohr:

“Tudo que chamamos de real é feitode coisas que não podem ser

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consideradas reais.” Para alguém queinsiste em que os objetos sólidos são asúnicas coisas reais no Universo, isso é umgolpe fatal.

A evolução não chega a ser Deus. Elaestá mais próxima da tendência de oUniverso se desenvolver em estágioscada vez mais inteligentes. Resta umenorme campo aberto paraexperimentações, viagens colaterais,desvios e saltos repentinos. Essarealidade efervescente, incerta efermentada tem estado conosco desde oinício do tempo.

A espiritualidade vai vencer a corrida

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para o futuro ao resgatar a consciência doreino da evolução. O passo seguintedepende de nós. Se quiserem continuar aevoluir, os seres humanos precisamromper com o materialismo. Comoespécie, podemos transcender sozinhos abiologia. Na verdade, esse processo estáem andamento. Já atravessamos a linhadivisória crucial. A ciência é a prova deque assumimos o controle consciente danossa evolução, e isso é espiritualidade.A mão condutora nos soltou, deixando-nos cada vez mais livres. Quandoaceitarmos isso, nossa participação noUniverso terá um salto quântico: nós nos

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tornaremos realmente cocriadores darealidade. A evolução não é toda fruto damente de Deus. É apenas um aspecto,aquele que vamos assumir como nosso.

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U

LEONARD

ma das maneiras rápidas detransformar ciência em ficção

científica é brincar com o significado dostermos. Quando uma astrônoma diz queo céu está vivo de estrelas, ela não querdizer que você vai poder trocar receitascom o céu. Por isso, quando afirmamos,de maneira bem capciosa, que “a

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evolução é o porrete que a ciência crioupara vergastar a religião”, e depoisperguntamos se o Universo estáevoluindo, é melhor esclarecer bem osignificado de “evolução”. No sensocomum, evolução é “qualquer processode formação ou mudança progressiva”.Em biologia (o campo queostensivamente usou a evolução paravergastar a religião), ela significa “umprocesso que produz mudanças noacervo genético de um grupo – viamecanismos como mutação e seleçãonatural – transmitidas de uma geração àoutra”. Há duas diferenças nessas

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definições. Primeiro, o significadocientífico de evolução se refere a umamudança específica, uma alteração nosgenes de um grupo de organismos.Segundo, ele especifica o mecanismo demudança. A seleção natural é umprocesso no qual organismos mas aptospara lidar com o meio ambiente tendema ser mais férteis, dando origem a umanova geração que, em média, terá maiscaracterísticas favoráveis para sobrevivere se reproduzir que a anterior.

A seleção natural é o que torna aevolução mais que um processoaleatório. Se isso for ignorado, a teoria da

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evolução pode parecer absurda efantasiosa. Como, por exemplo, quandoDeepak escreve que “criação semconsciência é como a fábula do quartocheio de macacos teclandoaleatoriamente uma máquina deescrever até que por fim produzem asobras completas de Shakespeare, milhõesde anos depois”. Ou quando fala de “umpesquisador que chegou a criar umgerador de números aleatórios (ummacaco atualizado) para cuspir letras ever se surgiam algumas palavrascoerentes”. Como foram necessáriasincontáveis tentativas para formar uma

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única frase simples, e como o DNAhumano é milhares de vezes maiscomplexo em sua estrutura que as letrasque formam as palavras de Shakespeare,Deepak conclui que a teoria da evoluçãonão pode ser responsável pela estruturado nosso DNA.

O experimento da datilografiaaleatória é o tipo de argumento falaciosoque surge quando se ignora a seleçãonatural. Richard Dawkins abordou essetema no livro O relojoeiro cego. Eledescreve um programa de computadorque incluía um mecanismo análogo àseleção natural. Quando começou a

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rodar o programa, Dawkins esperou paraver quanto tempo levaria até ele chegar àfrase de Shakespeare “Acho que pareceuma doninha”, digitando palavras deuma forma que imita a evolução. Nomodelo puramente aleatório descrito porDeepak, a probabilidade de digitar a fraseinteira da maneira correta é uma em 10mil bilhões de bilhões de bilhões debilhões, por isso, um computadorpoderia gerar fileiras e mais fileiras deletras aleatórias até o Sol se apagar, enem assim chegar à frase correta. Mas, aoincorporar a seleção natural em seuprograma de digitação aleatória,

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Dawkins mostrou que a frase podia serproduzida em apenas 44 gerações – umou dois minutos, num bom computador.Essa é a magnitude do erro que podesurgir quando não nos atemosrigorosamente à definição dos conceitoscientíficos!

Não se pode aplicar o conceitodarwiniano de evolução ao Universocomo um todo, porque conceitos comohereditariedade e seleção natural –segundo a qual indivíduos menos aptospara sobreviver em seu meio morrem, eos acervos genéticos dos mais aptosprevalecem – não fazem sentido nesse

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contexto. Não se pode dizer que umanuvem que mudou seu formato de umelefante para o rosto de Jesus evoluiu,segundo o sentido biológico da palavra.O mesmo se aplica a uma nuvem depoeira e gás interestelares, que se achatae se condensa numa estrela e seusplanetas. Pode-se dizer que esse sistemaestá evoluindo no sentido comum dalinguagem cotidiana, e os físicos às vezesempregam a palavra nessa acepção. Masessa progressão nada tem a ver com ateoria da evolução que “vergasta areligião”. Então, o Universo estáevoluindo? O Universo está passando por

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uma mudança progressiva, mas não poruma evolução, no sentido da palavra quetornou Darwin famoso.

Agora que trancamos Darwin noporão por um tempo, podemos lidar coma verdadeira questão. Será que oUniverso está evoluindo, no sentidocoloquial, para uma maior complexidadeou inteligência? E, se for o caso, existealguma pista de que a tendência sejaresultado de uma força diretiva como aconsciência? A marcha do cosmo é umaevolução rumo a algo mais elevado? Seráque os cientistas deixaram de perceber aexistência de uma mudança progressiva

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importante nesse Universo que é a nossacasa?

A resposta, mais uma vez, é não. Nospróximos capítulos, veremos que nem aevolução biológica precisa ter um ímpeto“inato” em direção à inteligência e àcomplexidade. Mas, no que diz respeitoao Universo físico, acontece o oposto: oUniverso – e lamento muito dizer isso –está se encaminhando para um finalsimples e sem vida.

Por que é esse o futuro do Universo?Como já expliquei, ele está seexpandindo. Essa expansão vai continuarnuma velocidade cada vez maior. Como

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consequência, a matéria e a energia doUniverso vão ficar cada vez mais frias ediluídas. As galáxias mais distantes seafastarão tanto que não poderemos maisobservá-las. Chegará um tempo em quetodo o Universo observável se reduziráao nosso grupo local de galáxias, ligado anós pela gravidade, ainda quetenuemente. Os astrônomos queviverem nessa época poderão concluirque nossa galáxia e talvez algumas outraspróximas de nós são tudo que existe ou jáexistiu no Universo. Talvez eles nãotenham como saber da rica história queos precedeu.

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Infelizmente, esses mundos isoladostambém vão chegar ao fim, pois asestrelas se apagam. Elas podem encerrarseu ciclo de vida de diferentes maneiras:colapsam em buracos negros ou estrelasde nêutrons; esmaecem como brasasincandescentes, tornando-se um tipo deestrela chamado de anã branca; ouexplodem como supernovas. Nesteúltimo caso, novas estrelas e outrossistemas solares podem se formar a partirdo gás e dos detritos interestelares,levando a um novo ciclo de vida. Mas,com o tempo, as explosões desupernovas se tornarão cada vez mais

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raras até acabar, e o reservatório de gásinterestelar irá se diluindo até “secar”.Quando isso acontecer, o Universoconsistirá apenas em corpos de estrelasmortas: anãs brancas, buracos negros(que no fim vão “evaporar”) e estrelas denêutrons. Nada disso pode sustentar avida, por isso o Universo estaráinapelavelmente morto. Se os físicos queacreditam na instabilidade do prótonestiverem certos, até esses corpos vão seromper e se dissipar, deixando umUniverso que nada será além de umtênue gás de partículas flutuando numgrande vazio. Essa imagem pode parecer

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deprimente. Mas, como disse minha mãequando eu tinha três anos e soube que aspessoas morrem: não se preocupe, amorte do Universo ainda está muitolonge: talvez uns10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000de anos.

Se Deepak estiver certo, e o Universoestiver propositalmente se tornando cadavez mais complexo, o retrato que acabeide pintar é incorreto, e alguns dosprincípios mais fundamentais e bemcomprovados da física também estãoerrados. Mas, se a imagem estivercorreta, se o desenvolvimento do

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Universo não obedece a um projeto enão evolui para uma complexidade aindamaior, como interpretar a história deDeepak sobre o núcleo de hidrogêniosolitário, nascido nos primórdios doUniverso e subindo na vida ao se tornarparte desse esplêndido metal, o ferro, echegar até a consciência humana? Comoum evento tão improvável poderiaocorrer? Será que isso seria realmentepossível num processo aleatório?

O tempo todo objetos lindos eregulares surgem a partir de leis danatureza sem propósito algum, de arco-íris a flocos de neve. Mas os seres

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humanos tendem a procurar padrões e,assim que os encontram, a pressupor queeles nasceram por alguma causa. Em O

andar do bêbado eu escrevi sobre o caso deum corretor de fundos de investimentochamado William Miller, famoso porgerenciar uma carteira que rendeu maisque o índice da Standard and Poordurante quinze anos. Milhares decorretores como ele tentaram realizar amesma façanha ao longo de décadas, massó ele conseguiu. Mesmo para osinúmeros que consideram o mercado deações algo na melhor das hipótesesperiférico, parecia que a proeza só

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poderia ser praticada por quem tivesseum incansável e brilhante talento paraprever o futuro das ações individuais einvestir a partir disso. Mas a matemáticada probabilidade gera um resultadosurpreendente: se você substituir essesmilhares de corretores por jogadores queatiram uma moeda para o ar, uma vezpor ano, com o objetivo de obter cara,vai perceber que também são muito altasas probabilidades de esses jogadoresconseguirem quinze anos ou mais deacerto. A tão alardeada façanha deWilliam Miller pode ter sido resultadoapenas da aleatoriedade.

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A história do átomo de hidrogênioque “evolui” é parecida: nossa admiraçãodiante da improbabilidade de um feitoraro pode ser neutralizada peloconhecimento do grande número deoportunidades para que esse feito ocorra.As supernovas, por exemplo, são eventosextremamente improváveis. Setomarmos uma galáxia típica, digamos,de 100 bilhões de estrelas, seria precisoolhar para ela durante um século, emmédia, para ver uma das estrelasexplodir. Mas se você estender o braço ebloquear o céu com o polegar, há tantasgaláxias nessa porção de espaço que se

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torna possível ver dez supernovas pornoite, caso esteja munido de umtelescópio com a potência certa. Eventosraros acontecem o tempo todo.

No caso do próton, são 1080 delescarambolando pelo Universo observável,e apenas uma minúscula fração acabacomo engrenagem em alguma forma devida. Aliás, há na Terra algo em torno de1042 prótons na biomassa. Então, mesmose imaginarmos que cada estrela noUniverso observável tem sua própriaTerra propícia à vida – e o mais provávelé que poucas o tenham –, podemos verque, para cada próton que encontra

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caminho para um organismo vivo,haverá pelo menos10.000.000.000.000.000 de prótonssaracoteando por aí, sem chegar a tanto.Assim como só em raras ocasiões umamoeda pode dar cara quinze vezesseguidas, sem a intervenção de qualquerforça consciente, um próton tambémpode acabar dentro de uma coisa viva, enão numa estrela ou no espaçointerestelar. A ciência não diz que anatureza sacudiu uma proveta de células-tronco, deu uma saída e voltou paraencontrar Leonardo da Vinci. Ela diz quea natureza mandou matéria para 1 bilhão

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de trilhões de sistemas estelares, deixoufermentar durante 13,7 bilhões de anos esó depois produziu um Leonardo da Vinci.A primeira hipótese é realmentefantasiosa; a segunda é uma lindaconsequência das forças desgovernadas esem sentido da natureza.

Quando os cientistas afirmam que oUniverso funciona por meio de leis queatuam sem um projeto, não é apenaspara se opor a um Universo intencional:é porque o Universo em que vivemosnão parece ser assim. Talvez soeinspirador acreditar que ele estáevoluindo no sentido de uma maior

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complexidade e inteligência, dirigido poruma consciência universal. Mas, para oscientistas, essas elucubrações não estãono fim das observações; elas estão nocomeço. Deepak ataca o reducionismo daciência como abordagem para entender oUniverso, mas os cientistas não estãocomprometidos com um método só.Quando um fenômeno pode serfacilmente explicado pela redução a seuselementos mais simples, os cientistasfazem isso. Quando não pode, e eledepende das interações coletivas degrande número de componentes, nóstambém reconhecemos isso. Assim, ao

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estudar as propriedades da água, osquímicos analisam seus componentesmoleculares. Mas quando osoceanógrafos estudam as marés, eles nãoestão interessados nos constituintes maissutis da água. A ciência tem teorias sobreas moléculas da água e teorias sobre osmovimentos da água, e uma não exclui aoutra. Uma investigação chega ao fimquando conseguimos encontrarevidências para provar se a teoria estácerta ou errada, independentemente dasimpatia que se tenha por uma ideia.

Se o Universo estiver evoluindosegundo as leis da física, sem uma

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direção, um projeto ou uma consciência,será que isso nega o valor da humanidadeou tira o sentido da nossa vida? Será quea visão científica da vida não temcoração? Minha mãe, agora com quasenoventa anos, uma vez me contou sobreum dia frio, quando ela tinha unsdezessete anos e a guerra devastava aEuropa. A cidade em que ela morava, naPolônia, estava ocupada pelos nazistas.Nesse dia, um desses nazistas mandouuma dúzia de judeus da cidade, incluindominha mãe, ficar em fila e se ajoelhar naneve. O homem percorreu a fila, e, acada tantos passos, se inclinava,

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encostava a arma na cabeça de alguém edisparava. A visão espiritual diz que asobrevivência de minha mãe não foi obrado acaso. Diz que minha mãe escapoupor alguma razão. Será que isso tambémimplica a existência de uma razãocósmica para a chacina dos que não

escaparam? Como a maior parte deminha família morreu no Holocausto,para mim, a explicação “espiritual”parece mais fria e sem coração.

A ciência oferece um ponto de vistadiferente: o animal humano evoluiu atéter discernimento para ser bom ou mau,e faz muito das duas coisas. Mas não há

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um propósito universal ou umaconsciência ocultos por trás do quefazemos; só há a nossa consciência, osnossos propósitos. Cada um de nós podeescolher entre o amor e o ódio; nósdamos e recebemos; deixamos nossamarca em nossa família, nos amigos e nasociedade. Não precisamos de umUniverso eterno e consciente para darsignificado à nossa vida. Somos nós quedamos significado a ela.

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5. Qual a natureza dotempo?

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A

LEONARD

lguns anos atrás, pesquisadoresinteressados na percepção subjetiva

do tempo conseguiram fazer com quevoluntários fossem amarrados a umaplataforma, içados a uma altura de trintametros e jogados numa rede, numparque de diversões em Dallas, Texas.Antes que chegasse a sua vez, os

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participantes observavam alguém seratirado. Depois dessa visão prévia, elestinham de fechar os olhos e imaginar aqueda dessa pessoa. Foram instruídos aapertar um botão no momento em que aimaginassem sendo lançada, depois outravez quando a imaginassem aterrissar. Emseguida, eles eram jogados, um de cadavez. Os participantes tiveram então deimaginar a própria queda e, como antes,apertar um botão no início e no fim. Oregistro mental da experiência própria decada um demorou bem mais do quequando eles imaginavam a experiênciados outros e do que o tempo real de sua

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própria experiência. Os pesquisadores jáesperavam por isso, pois pessoas quepassavam por acontecimentos perigosossúbitos, como ataques violentos ouacidentes de automóvel, em geralrelatavam a impressão de que eleshaviam ocorrido em câmera lenta. Masnossa lembrança de um evento dependede dois sistemas neurais – o que coordenanossa percepção do evento e o quecoordena o registro e a lembrança namemória. Então, pode-se perguntar, seráque realmente percebemos os momentosde perigo em câmera lenta, ou apenasnos lembramos deles dessa forma?

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Temos uma só sensação de tempo que sedistorce, ou o relógio da nossa percepçãodo evento anda no ritmo normal,enquanto o relógio da memória andamais devagar?

Para estudar a questão, os sujeitosreceberam relógios que piscavamnúmeros aleatoriamente, e eles tinhamde ler os dígitos durante a queda. Oproblema é que os dígitos piscavam umpouco depressa demais para serdistinguidos – isto é, rápido demais emcircunstâncias normais. Se oalongamento do tempo que afeta amemória desses eventos também

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afetasse a percepção, os sujeitos veriamos números piscando mais devagardurante a queda, e conseguiriam lê-los.Mas os sujeitos não foram capazes de leros números. As lembranças dos eventoseram em câmera lenta, mas a percepçãodo relógio permanecia inalterada.

Os relógios da percepção e damemória não são nossas únicas medidasde tempo. Parece que temos diversosrelógios internos, apoiados em diferentesmecanismos neurais. Muito da nossasensação de tempo vem dos relógiosconstruídos no nosso corpo e visíveis nonosso ambiente. O principal marcador no

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ambiente, o ritmo de dia e noite, luz eescuridão, está intimamente ligado a pelomenos um relógio do nosso corpo, oritmo circadiano. Coisas vivas – atéorganismos unicelulares – têm esse ritmobiológico que funciona em ciclos de sonoe vigília, no período de um dia. Emmuitos animais isso é regido por umprocesso bioquímico no qual certasproteínas se acumulam, entram nonúcleo celular, se degradam e voltam aoestado original. Esse processo é maiscomplexo nos seres humanos, e acontecenuma parte do nosso cérebro chamadahipotálamo. Em qualquer animal, o

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relógio de 24 horas é apenas aproximado.Seres humanos que vivem em escuridãototal terão ciclos de sono/vigília de maisou menos 25 horas, enquantocamundongos e moscas-das-frutasmantidos na escuridão têm ciclos de umpouco menos de 24 horas. Mas, emcircunstâncias normais, esses relógiosbiológicos são acertados todos os dias:nos homens, quando as célulasfotorreceptoras nos olhos e na pelecaptam a luz solar. Os animais têmoutros ritmos corporais pré-construídoscom ciclos muito mais curtos, como aentrada e saída de ar na respiração e o

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batimento cardíaco, assim como algunspadrões de onda que acontecem nocérebro. É por meio desses relógiosinternos que sentimos a passagem dotempo.

A multiplicidade dos relógiosbiológicos leva a algumas ilusõesinteressantes – por exemplo, em umexperimento, os sujeitos foramenganados para pensar que um raio deluz vinha antes de eles apertarem umbotão, quando na verdade vinha depois.Biólogos e neurocientistas estãointeressados nos aspectos subjetivos danossa sensação de tempo, bem como nos

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mecanismos físicos, químicos ebiológicos que os produzem – e esses sãotemas realmente fascinantes. Contudo,embora nosso relógio da memória possadesacelerar quando somos jogados deuma plataforma, no resto do Universo, ascoisas continuam iguais. Por isso, osfísicos, ao contrário de biólogos ouneurocientistas, ou santos e sábios, veemos mistérios do tempo de umaperspectiva menos pessoal

O ponto de partida dos físicos éexaminar o que o tempo significa paranós. A linguagem humana é ótima paracaptar sentimentos, mas não devemos

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deixar a linguagem definir nosso conceitode realidade. Se você ainda não pensoumuito a respeito, o tempo é difícil de sedefinir. Trata-se de um conceito abstrato,derivado e destilado da nossaexperiência. Usamos o tempo paradescrever o movimento de projéteis eplanetas, mas ele não é um objetomaterial. Pode-se pensar no tempo comose pensa no espaço, uma coordenada quenos possibilita classificar os eventos. Aabertura do heliporto no alto do WorldTrade Center aconteceu nas coordenadasde 40°43' de latitude norte, 74°1' delongitude oeste, a 412 metros acima do

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nível do solo, no ano de 1972. A partirdessa perspectiva, podemos considerar oUniverso um espaço quadridimensionalsemelhante ao espaço tridimensional quevemos ao nosso redor. Mas o tempo nãosó rotula os momentos em que oseventos ocorrem, ordenando-os: elemarca também sua duração.

Um dos primeiros relógios utilizadosna física, ao menos de acordo com alenda, foi uma pulsação de Galileu, queusou esse ritmo para medir o balanço deum lustre na catedral de Pisa. Hojeempregamos relógios mais confiáveis,como a oscilação natural dos átomos. Por

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exemplo, quando um átomo salta de umestado de energia mais alto para um maisbaixo, ele emite radiação, que oscila comuma frequência determinada peladiferença de energia entre os estados. Aradiação correspondente à transiçãoentre dois níveis de energia específicos doátomo de césio 133 tem exatamente9.192.631.770 ciclos por segundo. Possodizer “exatamente” com confiançaporque, desde 1967, esta tem sido,segundo o Sistema Internacional deUnidades, a definição de segundo. Então,quando dizemos que o cristal de umrelógio de quartzo vibra 32.768 vezes por

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segundo, estamos falando que, secomeçarmos a contar simultaneamenteas oscilações do cristal e a radiação, noexato momento em que a radiação docésio 133 chegar a 9.192.631.770 ciclos, ocristal de quartzo terá chegado à sua32.768ª vibração. Isso destaca umimportante conceito correlato, crucialpara a definição do tempo como duração:o conceito de sincronia. Medimos otempo que um processo leva emcomparação a outro processo-padrão –como o tique-taque de um cronômetro –,tendo em conta a partida e a chegada.

Essa agradável imagem do tempo

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funciona bem na vida cotidiana, mas,entre 1905 e 1916, Albert Einsteinmostrou que isso é apenas umaaproximação da maneira como anatureza realmente funciona. Aaproximação opera muito bem se vocênão medir o tempo de forma muitoprecisa, se considerar que os objetos semovem muito mais devagar que avelocidade da luz, e que estão em umcampo gravitacional não muito maisforte que aquele vivenciado por nós naTerra. Mas, na verdade, Einsteinmostrou que esses conceitos sobre osquais a nossa ideia de relógio se baseia,

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em especial a sincronia, e mesmo numaordem fixa de eventos, dependem doestado do observador – e ele não estavase referindo ao estado emocional.

O fato de dois eventos percebidoscomo simultâneos por alguém poderocorrer em tempos diferentes daperspectiva de outro observador talvezpareça esquisito ou errado. Quem sabeele nos ajude a observar o mesmo efeitoem relação ao espaço. Vamos imaginaruma pessoa no corredor de um aviãoquicando uma bola no chão. Opassageiro vai dizer que a bola bateu nochão no mesmo ponto, todas as vezes.

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Para um observador no solo, no entanto,a bola não estaria voltando para omesmo ponto, mas traçando uma linhapelo céu a mais de 750 quilômetros porhora. Os dois observadores estão certos,de seus respectivos pontos de vista. Deforma análoga, diferentes observadorespodem discordar sobre eventos queacontecem ao mesmo tempo; e, se osobservadores estiverem se movendo acerta velocidade um em relação ao outro,essa disparidade pode ser incrível. Esse éum aspecto importante para a nossafutura análise da natureza da realidade,por isso voltaremos a ele adiante.

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A impossibilidade de observadoresem movimento concordarem quanto àsimultaneidade significa que os relógiospodem discordar, e que diferentesobservadores podem divergir quanto àduração dos eventos. Os árbitros quetrabalharam no livro Guinness World

Records 2010 viram o mais rápidocomedor de cachorro-quente do mundodevorar 66 sanduíches em doze minutos,mas algum observador que passassevoando em alta velocidade teria achadoque o banquete durou muito mais. Deacordo com a relatividade, cada relógiomede seu fluxo de tempo local, e

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observadores que se movem em relaçãoum ao outro, ou que estão em camposgravitacionais diferentes, vão constatarque seus relógios não coincidem.

É possível pensar num relógio comouma espécie de hodômetro do tempo.Um hodômetro mede a distânciapercorrida no trajeto entre um evento eoutro, enquanto um relógio mede aduração de tempo transcorrido entre osdois. A distância medida por umhodômetro depende da diferença dascoordenadas espaciais entre os doiseventos – como suas latitudes elongitudes – e do trajeto percorrido pelo

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hodômetro para chegar do primeiro aosegundo. De acordo com a relatividade, otempo entre dois eventos medido por umrelógio depende também do trajeto dorelógio entre os eventos. Por exemplo,vamos supor que duas gêmeas de quinzeanos tenham assistido à inauguração doWorld Trade Center em 1972, mas logodepois uma delas foi raptada poralienígenas e partiu num foguete muitoveloz, talvez até passando por perto (masnão perto demais) do poderoso campogravitacional de um buraco negro. Se agêmea abduzida fosse devolvida à Terrapara se reunir à irmã na inauguração do

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World Trade Center Memorial, em 2013,a irmã que ficou na Terra teria 46 anos,enquanto a irmã abduzida só estaria comdezesseis anos. Entre a abdução e areunião, o hodômetro da gêmea queficou na Terra teria registrado muitosquilômetros, e o tempo transcorrido seriade 41 anos. O hodômetro de sua irmãteria registrado muito mais quilômetros –mas o relógio, talvez apenas um ano –entre os mesmos dois eventos. Einsteindemonstrou que não existe contradiçãonisso: essa é apenas a maneira como otempo funciona. O efeito foi confirmadoem 1971, por experimentos em que um

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relógio atômico muito exato saiu voandoao redor da Terra e foi comparado a umrelógio idêntico no solo. O efeito noandamento do relógio, àquela velocidaderelativamente baixa, chegou a umadiferença de 180 bilionésimos de segundopor circuito.

Como uma hora passeando numanoite de luar com uma namorada nãoparece igual a uma hora explicando seutrabalho para um chefe chato, ainda bemque dispomos de nossos confiáveisátomos de césio, cuja luz passará por33.093.474.372.000 ciclos a cada hora,independentemente do nosso estado de

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espírito. Tanto o biólogo quanto oneurocientista e o físico concluem que otempo depende do observador, mas pordiferentes motivos. Para o físico, o tempodepende somente do movimento e dagravidade, e temos fórmulasmatemáticas que levam em conta essesimportantes fatores. Isso permite queeles façam a correspondência, para afrente e para trás, entre os diferentesrelógios dos observadores, sem qualquerpredisposição advinda dos sentimentosdos observadores que entram nasfórmulas da física.

Quando os seres humanos

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desaceleram o passo para sentir operfume das rosas, as moléculas dedamascenina beta, que transportam ocheiro, continuam em seu movimentosem ser afetadas pelos nossos desejossubjetivos. Mas quando a Terra exercesua força gravitacional, isso afeta, sim, osrelógios dos sistemas de GPS queindicam como você deve chegar àfloricultura mais próxima. É assim que anatureza funciona, e é por um presenteda natureza – ainda que possa ter sidoum presente aleatório – que evoluímospara nos transformar em seres commentes que conseguem compreender

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essa diferença.

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O

DEEPAK

“A eternidade é apaixonada pelas

produções do tempo.”

WILLIAM BLAKE

tempo confere à espiritualidade umaoportunidade de ouro. As pessoas

precisam de uma nova maneira de viver,

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onde o tempo ainda não se tornou umaespécie de inimigo psicológico. Os prazosnos pressionam. O dia só tem tantashoras. Por mais depressa que nosmovimentemos, todos corremos contra otempo. A religião também não ajudou,pois tende a ser severa com o nossotempo na Terra. O que poderia ser maisdepressivo que a doutrina puritana de“pecado na pressa, arrependimento noócio”? Se a espiritualidade conseguissenos libertar dos aspectos psicológicosadversos do tempo, a vida cotidiana setransformaria.

Leonard tem dificuldade para definir

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e medir o tempo com precisão. Apelatambém para um dos argumentosfavoritos da ciência, de que asubjetividade não é confiável. Um físicocoletando dados sobre hádrons, bósons ecoisas assim não pode dizer: “Minhasmedições mudaram porque estou comenxaqueca.” Mas as pessoas não usam asubjetividade para medir o tempo; nós aempregamos para vivenciar o tempo. Enão há outra maneira. Sob todos osaspectos, o tempo chega a nós, através donosso sistema nervoso, como umaexperiência da consciência. Estarconsciente do tempo não é abstrato nem

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objetivo. É pessoal e participativo.Quando aprendemos como participar dotempo, temos uma pista importantesobre como participar daatemporalidade.

Atemporalidade? A essa altura possoimaginar uma sombra de dúvida noleitor, mesmo que ele me seja favorável.Não estou contestando a precisão dorelógio atômico de césio 133 porque nãohá necessidade de fazer isso. Qualqueraspectos do tempo, inclusive o temporelativo de Einstein, é um produtoderivado da atemporalidade: antes doUniverso, o tempo não existia. Nossa

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fonte verdadeira é a esfera daatemporalidade. A história de como otempo surgiu da eternidade é um grandemistério, um enigma que aespiritualidade pode resolver. Quandovocê ou eu conseguirmos vivenciar aatemporalidade, expressões como “vidaeterna”, “alma imortal” ou “um Deustranscendente” deixam de ser somenteum excesso de otimismo. Quandoobservamos de perto, a eternidade nãosignifica um período de tempo longo,muito longo. Significa uma realidade emque o tempo não está presente. Mascomo podemos chegar lá?

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Vamos estabelecer um ponto em quea espiritualidade e a ciência concordam.O tempo é relativo. Não é fixo. Nãoprecisamos de Einstein para confirmarisso, pois a vida cotidiana já o faz.Dependendo do estado de consciênciaem que se está, o fluxo do tempo muda.Em sono profundo, não existe aexperiência do tempo. Nos sonhos, otempo é completamente fluido: uma erapode se passar num momento, ou ummomento passageiro pode durar umaera. (Uma das histórias sobre Buda dizque ele fechou os olhos por algunsmomentos, mas que por dentro estava

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vivenciando milhares de anos nopassado.) Leonard desceu do trem antesde chegar à estação. Ele argumenta que otempo que percebemos com “nossossentidos” não é o mesmo que o“produzido pelo Universo inanimado”.Mas a consciência é muito maior que oscinco sentidos. Os pássaros, abelhas eleopardos-das-neves veriam umamontanha, o céu e a Lua de formasdiferentes porque essas criaturas têmsistemas nervosos específicos.

Se você mudar o sistema nervoso, aideia de objetividade se esfacela. Isso éverdade não só para os animais, mas

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também para nós. Um recenteexperimento mostrou que mongesbudistas apresentam ondas cerebraisduas vezes mais rápidas que o normal naregião gama: oitenta ciclos por segundo,em vez de quarenta ciclos. Supõe-se queas ondas gama são a maneira pela qual océrebro mantém o mundo coeso, comouma experiência consciente. Por isso, osmonges budistas, que recebem duasvezes o número de sinais por segundo,estão duas vezes mais despertos, ouconscientes. Em comparação a eles, asoutras pessoas, funcionando com metadeda vigília, estão sonolentas ou inertes.

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Podemos confrontar essa descobertacom outras experiências. O jogador defutebol americano Joe Namath relatouque, quando estava “na zona de perigo”,o tempo parecia parar. A bola saía damão dele como se estivesse em câmeralenta, ao mesmo tempo que os gritos damultidão desapareciam, e ele sabiaexatamente para onde ia a bola; sabia atéque ela seria recebida. Em outraspalavras, o tempo não pode ser isoladoda experiência pessoal, o que, por suavez, indica que duas pessoas não podemvivenciar o tempo exatamente da mesmamaneira.

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Longe de ser uma ilusão, o temposubjetivo entrosa-se bem com a físicapós-newtoniana, na qual a noção de umobservador objetivo foi há muitodescartada pela relatividade. Se a naveestelar de um espaçonauta começar aviajar próximo da velocidade da luz, seutempo desacelera, quando observado poralguém na Terra. Este é um princípiobásico da relatividade. Mas enquanto otempo fica tão lento quanto o meladonum dia de inverno, se observado daTerra, o viajante do espaço registraria osrelógios ao seu redor tiquetaqueandosegundos, minutos e horas no ritmo

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normal. Da mesma forma, como ocampo gravitacional se torna cada vezmais poderoso na vizinhança de umburaco negro, um observador distanteveria o tempo do viajante espacialencurtar tanto até virtualmente pararquando ele se aproximasse do horizontede um buraco negro – dando a impressãode que levaria um período infinito detempo para atravessar esse horizonte eentrar no buraco. No entanto, arelatividade é secundária em relação aoponto principal: não se pode descartar osistema nervoso, que, portanto, tem umpapel central na experiência. A ciência

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pode não se importar, em termosobjetivos, se Joe Namath sente o tempodesacelerar; o cronômetro do árbitro dizque isso não aconteceu. Cabe a mim,então, mostrar como a subjetividade éconfiável. Na tradição espiritual da Índia,o estado zero de consciência é chamadode samadhi, quando a mente entra naconsciência pura. Esse estado é aexperiência de um eterno agoraatemporal. O tempo deixa de existircomo evento mensurável. Só quando aconsciência pura se divide em sujeito eobjeto é que vivenciamos o fluxo dotempo.

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Mais uma vez, as descobertas degrandes sábios se entrosam com arealidade quântica. (Peço desculpas pordar a impressão de que todos os sábiossão indianos ou antigos. Eles sempreexistiram, no Oriente e no Ocidente.Concedo um peso especial aos antigos sóporque suas observações espirituais jápassaram pelo teste do tempo – seja lá oque for o tempo!) O estado subjacente doUniverso é atemporal. Antes do primeironanossegundo do big bang havia apenas opotencial para o tempo, numa dimensãode todas as possibilidades. Só depoissurgiram os objetos quânticos (ou seja,

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energia, spin, peso, gravidade). Umpotencial não tem ciclo de vida. Eleabrange passado, presente e futuro. Oestado básico da física é análogo aoestado zero do samadhi. Quando essaspossibilidades atemporais começam adesabar nos eventos espaço-temporais,nossa conexão com a eternidade pareceperdida. Mas essa é uma ilusãofomentada pela nossa dependência demedir o tempo. Você sempre foi eterno –e sempre será.

Sem dúvida, há grandes objeções àafirmação de que é possível vivenciar aeternidade. Como pode a mente humana

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pensar em atemporalidade quando ospensamentos levam tempo para serformulados? Tudo que é humano levatempo, desde o nascimento até o leito demorte. Mas os grandes sábiosperceberam que o movimento dopensamento é importante para o tempo.Se os pensamentos param de semovimentar, o tempo faz o mesmo.Todos já tivemos uma mostra disso.Quando alguém diz, “Desculpe, me deuum branco de um segundo”, é porquenão está participando do tempo: orelógio parou. Buda tomou uma atitudemais radical. Ele (e muitos outros

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mestres espirituais) declarou que quandoa mente para, tudo cessa. Não só o tempoé o movimento do pensamento – todo oUniverso é o movimento dopensamento.

Se você levar essa visão a sério, vaiacabar com uma ideia que fará a Terratremer: o estado da pré-criação se pensa

em tornar-se o Universo. O infinito setransforma no finito. Usando ovocabulário que preferir, uma mente emsilêncio (pertencente a Buda, Brahma, nonirvana, no absoluto) cria a realidadefísica por meio de um pensamento, poissem uma vibração e uma frequência o

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tempo não pode ter início. O mesmo seaplica ao espaço. Sem alguma espécie devibração, não existe big bang, não há umUniverso em expansão.

As vibrações emergem de uma fontesilenciosa e imóvel. Então, quando otempo entra na criação, ele é adaptadoaos sistemas nervosos que o empregam,inclusive o nosso. As lesmas, porexemplo, têm um sistema neural quevivencia o tempo em grandes intervalosde até cinco segundos, como se vissem omundo numa série de fotos tiradas nesseespaço de tempo. Se você se abaixar etirar depressa uma folha de alface do

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caminho da lesma, a faminta criatura vaiachar que a folha desapareceu no ar.Uma lesma não pode acelerar o tempo,mas nós seres humanos temos umaaptidão especial: podemos vivenciar otempo em diferentes velocidades. Hámuitas versões do tempo disponíveispara nós, não apenas o movimentoregular para adiante medido no relógio.Nós vemos o passado se repetir;observamos o ciclo da vida; podemostransportar nossa imaginação para afrente ou para trás; sentimos o tempo searrastar, acelerar ou até parar.

Os médicos se preocupam com a

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“doença do tempo”, um termo genéticopara disfunções resultantes da velocidadeda vida moderna. O excesso de pressaleva ao estresse, que por sua vez leva aníveis mais altos de hormônios deestresse ligados a muitas disfunçõescausadas pelo estilo de vida, comoataques cardíacos e hipertensão. Otempo literalmente acaba logo para certapercentagem de viúvos recentes, ou tiposcronicamente solitários, para os quais otempo é tão pesado que há risco demorte prematura. Por isso é tãoimportante não apenas definir o tempo,como faz a ciência, mas compreendê-lo.

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Mudar a própria sensação de simesmo pode nos dar mais tempo emelhorar sua qualidade. Muitaspesquisas têm sido feitas com atelomerase, uma proteína específica queparece ajudar as células a viver mais.Segundo a teoria subjacente, atelomerase impede que os genes sedesfibrem e passem por mutaçõesnocivas; por isso, níveis maiores detelomerase podem ter efeito benéfico. Osestudos vêm mostrando que essaproteína aumenta se houver mudançaspositivas no estilo de vida; mais que isso,a sensação pessoal de bem-estar – em

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particular as alterações positivascausadas pela meditação – promove aatividade da telomerase. (Uma dascoautoras desse estudo de 2010 foi a dra.Elizabeth Blacburn, professora daUniversidade da Califórnia, SãoFrancisco, que dividiu um Prêmio Nobelde Medicina pela descoberta datelomerase.) Assim como podemosalterar a forma como metabolizamos oalimento, temos controle sobre comometabolizamos todas as experiências, atéas abstratas, como o tempo.

Em resumo, os seres humanos estãonum vértice entre o tempo e a

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atemporalidade. Somos uma lâmpada naporta, para usar uma antiga imagemvédica. A qualquer momento podemosolhar para o manifesto ou para o nãomanifesto, para o visível ou para oinvisível, para o mundo do tempo oupara a expansão infinita da eternidade.Quando escapamos da armadilha feitapela mente – que a ciência sem quererimplantou –, nos encontramos diante deuma enorme liberdade e de um imensopoder, mas esse domínio da natureza nãoé um endosso para o uso da força bruta.Em vez de coagir o mundo físico a fazer oque desejamos, podemos usar a

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consciência para conseguir qualquercoisa. Quando nossa mente consegueregressar até a fonte, nos reconhecemoscomo parte do processo criativo que dáorigem ao espaço, ao tempo e aoUniverso físico. Este é o verdadeiropoder do agora.

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6. O Universo está vivo?

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H

DEEPAK

á séculos a possibilidade de vivermosem um Universo que tem vida

própria intriga os homens. A religião nosdiz que o Universo está imbuído da forçadivina do criador, portanto, ele está vivo.Mas minha responsabilidade é revertodos esses conceitos de acordo com umaperspectiva que leve a sério tanto a

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ciência quanto a espiritualidade. Isso nãoé fácil, uma vez que a ciência defende aideia de que as primitivas formas de vidasurgiram 3,8 bilhões de anos atrás, o quevale afirmar que a Terra – e o Universo –estava morta antes desse momento. Porque será tão necessário fazer da morte afundação da vida, como se a morte fossemais real? É nisso que insiste a ciência.

Mais real que a morte, contudo, é ofluxo. O cosmo é parte de uminterminável processo que reciclamatéria e energia. Nada tem umaidentidade fixa: nem uma estrela, umelétron ou uma pessoa – nem você ou eu.

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Nada, então, é de fato real. Isso não éapenas filosofia, mas uma verdadeobservável. Cada átomo de seu corpo seoriginou da explosão de uma supernovaou de gases interestelares; você e eusomos feitos de poeira estelar. Nossasvidas se estendem muito além do queacontece pessoalmente conosco, e, numnível mais sutil, a natureza tambémrecicla informação e memória. Cada vezque se divide, uma célula precisa lembrarcomo fazer isso a partir das células quevieram antes; quer dizer, dentro de umacélula, as moléculas produtoras deenzimas e proteínas são programadas

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com a informação ou têm código sobre oque fazer.

Você é a personificação de umUniverso dinâmico; isso significa quevocê se estende bem além de identidadesrestritas como “eu sou um homembranco”, ou “eu tenho quarenta anos esou feliz no casamento”. Formar umavisão de si mesmo de um modo limitadoé uma ilusão, apenas uma lufada depensamento flutuando num eternocontinuum. A espiritualidade ofereceuma maneira de se conhecer além dopessoal, e que leva ao esclarecimento. Seique isso parece imponente. Para botar o

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pé no chão, precisamos elaborar umargumento baseado em fatos críveis. Oprimeiro fato é o que acabamos dedebater: o Universo é um processo vivo,apesar das afirmações em contrário.

É óbvio que presenciamos aspectosfísicos da morte em toda parte. Masrelacionar isso à própria morte é umafalta de visão. A ciência e aespiritualidade discordam de formadecisiva nesse aspecto, pois a primeiradefine a morte em termos puramentefísicos. Sem um traje espacial, um serhumano (ou qualquer coisa viva, supõe-se) morreria em segundos no vácuo

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congelativo do espaço exterior. Esse fato,no entanto, é irrelevante para determinarse o cosmo é animado. O que está emquestão em decidir entre um Universomorto e um Universo vivo é aconsciência. Se o cosmo estáparcialmente consciente, comoargumentei, é porque ele é vivo.

Descobrir a consciência no Universo émuito mais importante que descobrir agravidade, ainda que a ciência não penseassim. Há boas razões para essaresistência. No esquema materialista, amatéria deve preceder o surgimento davida. O Universo é considerado morto

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antes da ocorrência do DNA. Mesmoassim, parece um milagre – ou a maisremota probabilidade no Universo – queo DNA, uma molécula que de algumaforma consegue se dividir em imagensespeculares idênticas, tenha aprendido ase reproduzir. Nenhuma outra moléculatinha essa capacidade antes dele (emboraos cristais sejam capazes de replicaçõessimples, como as estalactites numacaverna). A espiritualidade não precisade um milagre para explicar a vidaquando se descarta o conceito deUniverso morto. O que quero é espalharluz, não defender um caso de magia.

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Muito mais forte é o argumento de que oUniverso originou a vida complexaporque a vida sempre existiu, mesmoantes da criação.

Uma célula que cresce e se multiplicaparece um robô que aprendeu a seconstruir. Logicamente, é impossívelhaver robôs sem um criador, pois alguémou alguma coisa teve de montar eprogramar o primeiro deles. Aplico amesma lógica ao cosmo. O Universo criaa si mesmo, e, se isso é fisicamenteimpossível sem algum tipo deprogramação, o milagre executado peloDNA – a autorreplicação – deve ser

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somente um aspecto do programacósmico. A cada segundo o Universodesaparece no nada e volta a se recriar. Afísica explica esse renascimento pelas leisque regem o Universo: elas atuam comoas engrenagens entrosadas de um velhorelógio, só que, nesse caso, asengrenagens são invisíveis.

Eu argumento que a receita para avida na Terra está entrelaçada àexistência subjacente da autocriaçãocósmica. O termo técnico empregado éautopoiesis: “auto”, em sentido literal,combinado com a palavra grega quesignifica “fazer”. Ninguém pode negar

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que o Universo se cria e se mantém,assim como o paramécio ao flutuar numalagoa sob a luz solar.

No plano da célula, cada paramécionão descende do primeiro, que evoluiubilhões de anos atrás: ele é o primeiro.Versões completamente idênticas sãoproduzidas por divisão celular, sem nadase acrescentar ou subtrair. É verdade quenovas matérias-primas devem sercoletadas para construir cada geração deparamécios (e pode haver mutações nocaminho, como a morte da maioria), masisso é secundário. A vida é como umacasa que se mantém de pé, parecendo a

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mesma, dia após dia, embora cada tijoloseja constantemente substituído poroutro. Ar e alimento estão sempreentrando e saindo de todas as célulasvivas, mas alguma coisa permaneceintacta.

Posso escolher chamar de “vida” esseinvisível poder de organização, porém,uma explicação mais específica só podesurgir quando observamos mais de pertoa autopoiesis, ou autocriação. Quatroelementos estão envolvidos, e peçodesculpas antecipadas pela explicaçãotécnica. Para se autocriar, é preciso:

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1. Um mecanismo unificado, comcapacidade de se autoconstruir.

2. Partes componentes que se auto-organizam nesse mecanismo.

3. Uma teia de processos que pode setransformar em qualquer coisa exigidapelo mecanismo.

4. Um espaço autocontido que nãodepende de uma causa exterior.

Isso é muito mais abstrato que dizer“Nós moramos num Universo vivo”,embora as quatro exigências levem a essaconclusão. Vou começar aplicando essascondições a um embrião em gestação no

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útero. O embrião é unificado – vemosuma célula se dividir em dois, quatro,oito, dezesseis e assim por diante,passando por cinquenta replicações,todas orientadas para o mesmo objetivo:um bebê. O embrião vai crescendo àmedida que seus componentes (alimento,ar e água) se juntam para servir a umameta em comum. Uma teia de processosconstrói cada célula, levando a outra teia,que transforma células-tronco em órgãosespecializados, como coração, fígado ecélulas cerebrais. Finalmente, não hámais necessidade de uma causa externa.O óvulo fertilizado pode ser posto num

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tubo de ensaio. Mesmo nessas condiçõesde isolamento estéril em relação à mãe,enquanto forem fornecidos os trêsprimeiros ingredientes, o bebê vaicomeçar a crescer.

Um cético pode argumentar que oUniverso não funciona dessa maneira.Por analogia, os cristais de açúcar quecrescem em fio, ao pingar numa soluçãosaturada de açúcar, não estão vivos,ainda que se desenvolvam e sereproduzam. Mas a autopoiesis não podeser comparada aos cristais. O Universonão tinha um meio onde crescer, nadaequivalente à solução de açúcar. Ele

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criou a si mesmo a partir do nada. Aautocriação simplesmente muda deroupa quando nasce um bebê. Umrecém-nascido, uma galáxia, um fóton e aecologia de uma floresta tropical não seassemelham, mas, quando se examina avida no nível mais profundo, o nada estácriando cada aspecto do Universo vivo. Avida é a maneira pela qual o Universoinventa olhos e ouvidos para ver e ouvira si próprio. O cérebro humano é umposto de observação para o cosmovivenciar a si mesmo.

Quando se segue esse caminho deinvestigação, são inúmeras as evidências

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de que, desde o começo, o potencial dasformas de vida complexas estáentrelaçado ao cosmo. Como, nospróximos capítulos, vamos nos prolongarno debate sobre a vida, apresento umresumo para montar o cenário.

O Universo pode ser entendido comouma coisa viva, pois:

1. Autopoiesis: Todas as coisas vivascrescem a partir de dentro.

2. Totalidade: As coisas vivas funcionamcomo um processo simples, unificandomuitas partes separadas.

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3. Consciência: As coisas vivas, sejamelas primitivas ou complexas, sãodotadas de consciência. Ao contrário dassubstâncias químicas inertes, elasrespondem ao meio ambiente.

4. Ciclo de vida: As coisas vivas passamdo nascimento à morte, e sustentam a simesmas entre esses dois momentos.

5. Reprodução espontânea: As coisasvivas se multiplicam e se reúnem empopulações. No interior dessaspopulações, existe uma relação entre osmembros individuais.

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6. Criatividade: As coisas vivas evoluem;elas não reproduzem clones de formamecânica. Por isso, temos uma constantedemonstração de criatividade.

7. Manifestação: Um organismoanimado capta ingredientes abstratos eos projeta no espaço-tempo como umholograma vivo. Essas projeções podemser vistas; elas se comunicam, entram nadança da vida. Quando esquadrinhamosqualquer coisa viva, inclusive oUniverso, chegamos outra vez ao planoabstrato. No caminho, parece que acentelha da vida desapareceu.

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Examinado sob um microscópio capaz derevelar sua estrutura molecular, o tecidovivo se reduz a substâncias químicasinertes. Na verdade, contudo, a centelhada vida não apagou, porque não há umacentelha a ser apagada. A vida tambémestá no vazio, mas de forma tão abstrataque é preciso um holograma – como euou você – para se manifestar.

Do ponto de vista espiritual, perguntar seo Universo é hospitaleiro à vida é umaquestão sem sentido. O Universo e a vidasão a mesma coisa. Não podemos nosdeixar enganar pela máscara do

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materialismo. Atrás dessa máscara, odançarino é a dança – sempre foi esempre será.

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E

LEONARD

m 1944, os psicólogos Fritz Heider eMarianne Simmel fizeram um curta-

metragem que mostrava um círculo, umtriângulo grande e um pequeno. A açãoenvolve essas figuras geométricasperseguindo umas às outras até a cenafinal, quando uma delas sai da tela eoutra se despedaça. Podemos achar que

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esse filme tem a ressonância emocionalde um texto sobre geometria euclidiana.Mas quando Heider e Simmel pediramaos sujeitos pesquisados para “escrever oque aconteceu”, verificaram que osespectadores pareciam ter assistido a umfilme indicado ao Oscar, interpretando asformas geométricas como pessoas,atribuindo motivações humanas àsfiguras e inventando um enredo paraexplicar os movimentos. Nós gostamostanto de uma boa história que vemosuma em quase qualquer coisa.Antropomorfizamos tudo, de gatos e cãesa carros, e parece que até figuras

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geométricas; por isso, é fácil entender porque nos sentimos atraídos por uma teoriametafísica sobre o Universo vivente epensante.

Deepak apresenta uma históriaenvolvente, segundo a qual equacionar oaspecto físico da morte com o fim da vidaé sinal de “miopia”, pois todos somosparte de um Universo “autoconsciente”,e, portanto, “vivo”. Para dar sentido àafirmação de que o Universo é umaentidade viva, precisamos entender oque significa alguma coisa estar viva.Pode-se dizer que uma torrada está viva,mas tente fazer com que ela passe

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manteiga em si mesma. Pode-se declararque uma pedra está viva, mas não éprovável ver uma pedra dar à luz. Emgeral, quando pensamos em algo vivo,devemos imaginar, no mínimo, que elereaja ao ambiente e seja capaz de sereproduzir. O que esses critériossignificam quando falamos do Universo?

Deepak relaciona sete exigências paraa vida, e diz que o Universo as satisfaz. Aprimeira da lista é o crescimento. OUniverso cresce? Crescer significaaumentar de tamanho e substância. OUniverso não está aumentando emsubstância, e os físicos acreditam que ele

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seja infinito, por isso, a questão dotamanho é sutil. Mas se estabelecermosqualquer região no interior do Universo,essa região cresce porque, comoexpliquei antes, o espaço se expande.Então, podemos dizer que a exigência decrescimento está preenchida. O segundocritério, o de totalidade, requer que umacoisa viva funcione como unidade. Esse éum argumento piegas. Pegue um time doseu esporte preferido. Ele funciona comounidade? Um bom time funciona, ummau, não, e técnicos, comentaristas e fãspodem argumentar até o fim da vida semchegar a uma conclusão. Mas, por

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definição, o Universo inclui tudo, por issoseria difícil argumentar que ele nãosatisfaz ao conceito de “totalidade”. Aexigência do ciclo de vida, que as coisasvivas seguem do nascimento até a morte,é satisfeita por qualquer objeto que nãodure pela eternidade. O nascimento deuma criança não é a mesma coisa que onascimento de um bolo de chocolate,mas, ainda assim, poderíamos dizer queo Universo também satisfaz a essecritério.

Por outro lado, a maior parte dosfísicos não diria que o critério dereprodução é preenchido. Podemos

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deixar isso como uma questão em aberto,já que alguns modelos não testados ealtamente especulativos, em cosmologia– como o chamado Universo epirótico –,chegam perto disso, permitindo que osUniversos renasçam, como uma fênix, apartir de seus próprios remanescentes.Mas, mesmo nesses modelos, osUniversos recém-nascidos não “semultiplicam e se reúnem empopulações”, como requer Deepak, porisso, só se pode concluir que o critério dereprodução não é satisfeito. A condiçãode consciência – um organismo respondeao seu ambiente – não pode ser aplicada

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ao Universo, porque ele, sendo “tudo”,não está num ambiente. Da mesmaforma – como argumentei no Capítulo 4–, uma vez que o cosmo não existe numambiente externo e não passa por umaseleção natural, não se pode dizer que eleesteja evoluindo no sentido biológico dotermo. Por isso, o Universo também nãosatisfaz a esse critério. O conceito deDeepak, de um Universo vivo, éinteressante, mas os últimos três critériosmostram que, mesmo de acordo com aprópria definição de Deepak, o Universonão está vivo.

Será que se poderia considerar o

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Universo vivo, num sentido maisabstrato ou generalizado? Deepak fala demudanças que acontecem no cosmo,como o desenvolvimento de galáxias e davida, e avalia que “a vida é a maneirapela qual o Universo inventa olhos eouvidos”. O verdadeiro critério parajulgar se o Universo está vivo, ele sugere,não é sua listagem de característicasusuais, mas o seguinte: se o cosmo éautoconsciente, ou consciente, ele estávivo.

Deepak acredita que descobrir aconsciência no Universo é maisimportante que a descoberta da

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gravidade, “ainda que a ciência nãopense assim”. Na verdade, a ciênciapensaria assim. Claro, haveria avociferante oposição que em geralacompanha as novas hipóteses. Mas ahistória mostra que, caso se descobrisse – enão meramente se propusesse – que oUniverso é consciente, os cientistas seatirariam de cabeça sobre o achado, elogo haveria ganhadores de PrêmioNobel e milhares de artigos escritos sobrea psicologia do cosmo, com títulos como“As supernovas são autodestrutivas?”, ou“Os buracos negros são sintoma dedepressão?” Os cientistas constroem suas

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trajetórias com ideias novas erevolucionárias – em especial jovenscientistas, cuja reputação não depende damanutenção das ideias revolucionáriasantigas. Contudo, para ganhar aceitaçãona ciência, a ideia deve ter implicaçõesverificáveis, coisa que não pareceacontecer com esse conceito deconsciência universal.

A prova que Deepak apresenta é aseguinte: ele diz que a consciênciauniversal explica como a vida se originouno Universo. Logo iremos chegar a essaafirmação. Antes quero esclarecer aquestão. Deepak compara a aparência do

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DNA a um zíper que de alguma formaconsegue se abrir. De onde veio o DNA?– ele pergunta. Isso requer umaexplicação. Sabemos o que acontecequando organismos unicelulares seconstituem: a evolução promove oincessante desenvolvimento de formasde vida, desde células simples acomplexas, depois à vida multicelular e aseguir a criaturas como insetos, peixes,anfíbios, répteis, pássaros, mamíferos,finalmente primatas e nós. Mas embora aevolução crie organismos cada vez maiscomplexos, todos eles, desde a maissimples bactéria, têm algo em comum:

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estão envolvidos em máquinasmoleculares que criam energia,transportam nutrientes, transmitemmensagens, constroem e consertamestruturas celulares, além dedesempenhar outras tarefas fascinantes.Essas moléculas costumam ser de umtipo chamado enzima, um catalisadorfeito de proteínas (catalisador é umamolécula que muda a velocidade de umareação química). À medida que todas asformas de vida utilizam essas moléculas,pode-se concluir que elas são uma dasexigências da vida, ao menos como aconhecemos. A questão é: se até os

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primeiros organismos vivos simples, apartir dos quais todos evoluíram,incluem até hoje essas estruturas, comoas moléculas surgiram pela primeira vez?

A origem da vida é um campo depesquisa em andamento, com muitasperguntas a responder; mas asexperiências sugerem que é possível asmoléculas genéticas semelhantes aoDNA se formarem de modo espontâneo;outros experimentos indicam que épossível que elas se desdobrem para agircomo catalisadores. Isto é, as primeirasformas de vida, ou o que chamamos de“pré-vida”, poderiam consistir em

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membranas formadas a partir de ácidosgraxos – outro tipo de molécula quesabemos se formar espontaneamente –que encapsularam uma mistura de água emoléculas genéticas. Mutações aleatóriaspodem ter assumido o comando,capacitando essas células a se adaptar aoambiente e criando a vida como aconhecemos. Lembre-se: mesmo queessa origem espontânea, ou pré-vida, sejaimprovável em alguns sistemas estelares,isso não excluiria sua ocorrência, dada aexistência de 10 bilhões de trilhões deestrelas no Universo observável. Se“improvável” não se refere a menos de

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um em 1 trilhão, dá para imaginar maisde 1 bilhão de sistemas estelares capazesde abrigar a vida.

Vamos supor que a vida num dadosistema estelar seja uma probabilidadeem 1 trilhão. Como podemos explicar asorte que tivemos? Se um sistemadesenvolver a vida num grupo de 1trilhão de estrelas, pelos processosnormais da natureza, pode parecer aosseres desse sistema estelar que suaexistência é um milagre. Se elestentassem escolher um lar lançando umdardo num mapa do céu, a probabilidadeseria de uma em 1 trilhão de acertar um

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sistema solar portador de vida. Mas nãofoi o que aconteceu. Esses seres nasceram

num sistema estelar no qual a vida sedesenvolveu. E, independentemente dequanto for rara a vida, por definição, seos seres vivos olharem ao redor, irãoperceber que nasceram num sistemaestelar que favorece a vida. Por isso, nãose trata de um milagre, nem mesmo deboa sorte. É apenas uma consequêncialógica.

Os cientistas podem não ter resolvidoainda o problema da origem da vida, masnossa civilização não avançou tanto emsuas descobertas a ponto de chegar à

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conclusão de que, se a ciência ainda nãoexplicou alguma coisa, é porque nuncamais explicará. Como alternativa àciência, o que a metafísica de Deepakoferece? Como um Universo vivo econsciente explica o surgimento da vida?Ele diz: “A espiritualidade não precisa deum milagre para explicar a vida quandose descarta o conceito de Universomorto. … Muito mais forte [que o apeloao milagre] é o argumento de que oUniverso originou a vida complexaporque a vida sempre existiu, mesmoantes da criação.” Esse argumento podeparecer profundo quando aplicado à vida

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no Universo, mas vamos examinar alógica num contexto mais terreno –digamos, nas refeições matinais. Oargumento ficaria mais ou menos assim:“Nós não precisamos de um milagre paraexplicar como o ovo frito apareceu nomeu prato quando o conceito de pratosem ovos foi descartado. Muito maisforte que o apelo ao milagre é oargumento de que o Universo originou osovos fritos porque eles sempre existiram,desde que o prato foi fabricado.” Essaexplicação realmente não esclarecemuito.

O argumento de Deepak é

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semelhante à “primeira prova da causa”da existência de Deus, de são Tomás deAquino, no século XIII. É algo como:nada pode causar a si mesmo, por isso,tudo tem uma causa prévia. Cada causaprévia também deve ter uma causaprévia. A única maneira de terminar essacorrente é a existência de alguma coisaextraordinária que não exija uma causa, eisso é Deus. Ele é aquele que pode criar,mas não precisa de um criador para sipróprio. Mesmo se aceitarmos oargumento, há um passo gigantesco entreesse conceito de Deus e o conceito maisespecífico de Deepak, de uma consciência

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universal, ou o Deus bíblico em que sãoTomás de Aquino se baseou parajustificar sua argumentação. Essaexplicação não faz mais do que transferiro mistério do surgimento do Universo donada para o mistério de como Deus podeter vindo do nada. A simples asserção deque Deus é Deus porque Ele não precisade causa não nos leva muito longe.

Quando Stephen Hawking e euterminamos de escrever O grande projeto,tentei explicar o livro para minha filhaOlivia, que na época tinha nove anos,enquanto esperávamos uma mesa nalanchonete IHOP. A ciência trabalha

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com as grandes perguntas, falei, equeremos explicar nossas entusiasmantesrespostas para pessoas que não sãocientistas. De onde nós e o Universo viemos,

por que isso é do jeito que é? Ela ouviu comatenção. Depois pensei em verificarquanto ela tinha absorvido. “Por que nósestamos aqui?”, perguntei. Ela me olhoucom uma expressão curiosa. “Porqueestamos com fome!”, respondeu. Achoque eu não devia tentar debater questõesintelectuais profundas antes do café damanhã.

Todos nós temos abordagens pessoaisdas questões importantes, mas, quando

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nossa fome vai além do gosto porpanquecas e parte para anseios humanosmais profundos, é melhor tomar cuidadoantes de começar a interrogar a fada dosdentes. A rigorosa abordagem da ciência,que Deepak acredita obscurecer ariqueza da vida, serve para nãoacreditarmos em ideias sedutoras quenão se apoiem em evidências extraídasda natureza.

Deepak escreve que “o alto nível deconsciência permitiu que grandes sábios,santos e visionários chegassem a um tipode conhecimento que faz a ciência sesentir ameaçada”. Podemos todos

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concordar que os grandes sábios, santos evisionários exploraram umconhecimento que está fora do domínioda ciência; também podemos concordarque há muitos tipos de conhecimentosubjetivo importantes para nós. Porexemplo, interessa muito saber o que fazum filho se sentir amado, seguro e feliz.Por exemplo, quando Olivia diz que oadjetivo que melhor a descreve é“alegre”, isso dá um grande significado àminha vida. A importância desse tipo deexperiência subjetiva não ameaça umcientista. Mas o perigo de pôr asubjetividade num pedestal e aceitar sem

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críticas as especulações metafísicas, comose elas fossem verdadeiras, é negligenciara mais importante compreensãointelectual que podemos atingir:conhecer o verdadeiro lugar que ahumanidade ocupa no cosmo físico. Paramim, isso também faz parte da riquezada vida.

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PARTE III

VIDA

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7. O que é a vida?

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N

LEONARD

o antigo Egito, a cada primavera, orio Nilo transbordava sobre as terras

vizinhas. Quando a água baixava,deixava para trás um lodo rico emnutrientes que possibilitava às pessoasplantar e colher para se sustentar. O lodotambém dava origem a algo que nãoexistia nos tempos de estiagem: um

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grande número de sapos. Os animaissurgiam tão de repente que pareciamvindos da lama – e era a maneira comoos egípcios explicavam a origem deles.Os europeus medievais viveramexperiências análogas. Açougueirosdescobriram que vermes e moscasapareciam na carne deixada à exposição.Gansos que migravam durante a noiteapareciam de repente na costa oeste daEuropa, como que saídos de restos denaufrágios. Camundongos tambémpareciam gerar a si mesmos nos grãosarmazenados nos celeiros. No séculoXVII, um místico e químico chamado Jan

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Baptist van Helmont chegou a criar uma“receita” para fazer camundongos:depositar roupas de baixo sujas numrecipiente aberto, com alguns grãos detrigo, e esperar 21 dias. Apesar de furada,a ideia dava certo. Durante a maior parteda história da humanidade, parecia óbvioque organismos vivos simples podiamsurgir do nada, num processo que ficouconhecido como geração espontânea.

Mas logo começaram a aparecerexplicações diferentes. Em 1668, umfísico e naturalista italiano chamadoFrancesco Redi desconfiou que os vermesque surgiam na carne – e as moscas que

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eles originavam – nasciam de ovosinvisíveis postos por outras moscas. Redirealizou uma das primeiras experiênciasverdadeiramente científicas da biologiapara verificar sua ideia. Pôs amostras decarne de cobra, peixe e vitela em vidrosde boca larga, deixando alguns delesdestampados e cobrindo outros, algunscom papel, outros com um tecidosemelhante à gaze. Sua hipótese era deque, se sua teoria estivesse errada,moscas e vermes apareceriam na carne,independentemente da situação. Seestivesse certa, eles deveriam infestar acarne destampada, mas não a recoberta

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com papel. Imaginou também quehouvesse moscas zunindo ao redor dovidro coberto de gaze, mas não dentro dorecipiente. Pensou que depois iamaparecer vermes na gaze, e eles cairiamna carne dentro do vidro. Foi exatamenteo que aconteceu.

O experimento de Redi foi uma duchafria na teoria da geração espontânea, masesta última ideia não foi abandonada.Com o desenvolvimento eaperfeiçoamento do microscópio, nosanos 1700, as pessoas conseguiram pelaprimeira vez observar várias formas devida desconhecidas, como bactérias e

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outros organismos unicelulares.Ninguém sabia de onde vinham, mas amaioria dos pesquisadores suspeitavaque estivessem associados ao refugo decarnes e outros alimentos emdeterioração. Mesmo assim, algunscontinuaram a adotar a hipótese dageração espontânea, pois ela pareciacomprovar a existência de uma forçavital imanente no Universo. Tambémpodia ser considerada indício de queDeus teria criado a vida a partir do nada.Em 1745, um biólogo e padre católicochamado John Needham realizou umexperimento semelhante ao de Redi, mas

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em escala microscópica. Sabendo que ocalor matava as bactérias associadas àputrefação, ele aqueceu uma canja degalinha por alguns minutos para matartudo que estivesse vivo ali dentro; emseguida, deixou a sopa esfriar e vedou orecipiente. Alguns dias depois, a canjamostrou sinais de putrefação. Um abadeitaliano chamado Lazzaro Spallanzanirepetiu a experiência de Needham comum protocolo de esterilização maisrigoroso, e a canja não estragou. Mas aexperiência de Needham já tinha dadonova vida à tese de geração espontânea,e o trabalho científico mais meticuloso do

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abade não foi suficiente para descartar aideia.

A crença de que havia uma espécie deessência – uma força vital – presente noUniverso era (e ainda é) atraente paramuitos cuja religião ou visão espiritualafirmava que a vida está impregnada deuma qualidade especial não explicávelpelas forças da natureza. Desde o iníciodos tempos, as pessoas perceberam queas coisas vivas parecem essencialmentediferentes das inanimadas, por isso, àparte motivos religiosos, era natural verna geração espontânea a prova dealguma força portadora dessa essência.

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Mais ou menos um século depois dacontrovérsia entre Needham eSpallanzani, Louis Pasteur resolveu aquestão da geração espontânea comexperimentos acurados, provando, demodo convincente, que os micro-organismos trazidos pelo ar estragavam acanja, e não seres nascidos no próprioalimento.

Então, o que é a vida? O que significaestar vivo? Deepak considera aconsciência o alicerce de um Universovivo. Seu ponto de vista é remanescentede uma teoria conhecida como vitalismo,segundo a qual a vida surge a partir de

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um princípio ou força vital que permeia ocosmo e está fora do domínio da químicae da física. Se houvesse uma força dessetipo no interior de todos os organismosvivos, o ato de determinar o que é vivoequivaleria, digamos, a estabelecer se umobjeto é um ímã. Assim como o ímã éuma fonte de – e reage à – forçamagnética, se houvesse força vital, umobjeto vivo interagiria com ela, epoderíamos usar essa interação paradefinir e mensurar o que é vivo. Mas, senão existe uma força vital, o que torna ascoisas vivas “essencialmente diferentes”?Como decidir o que está vivo?

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Os biólogos não concordam quanto àmelhor forma de definir a vida. Osorganismos vivos que encontramos nonosso mundo cotidiano têm algumaspropriedades em comum, semelhantesaos critérios que Deepak apresentou noCapítulo 6: eles possuem ummetabolismo que os faz converter eutilizar nutrientes e energia; eles sereproduzem; crescem; respondem aestímulos, como quando as folhas de umaplanta se voltam para a luz solar; numaescala de tempo maior, as espéciesmudam ao adaptar suas características àsexigências do meio ambiente; e são

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dotados de homeostase, o processo deautorregulação (relacionado a tudo nocorpo, desde a temperatura corpórea aoequilíbrio de substâncias bioquímicas nacorrente sanguínea) que permite aosorganismos manter um estado internocoeso. Por exemplo, um cubo de gelojogado numa piscina é mais frio que aágua, mas, em pouco tempo, vai aquecere derreter, enquanto a piscina fica umpouco mais fria. As forças do calor e dofrio, em outras palavras, lutam entre si eatingem o equilíbrio sob a forma detemperatura uniforme. Do mesmomodo, um pote de água fervente

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colocado numa corrente fria vai esfriar,enquanto a corrente aquece um pouco,até os dois chegarem à mesmatemperatura. No entanto, uma pessoajogada numa piscina ou numa correntefria é capaz de realizar a homeostase, emantém a temperatura do corpo.

Embora a lista dessas propriedadesfuncione bem como definição de vidapara tartarugas, sequoias e fungos, ela setorna controversa nos casos-limite, comovírus, proteínas autorreplicantes e vírusde computador. Quem sabe quais outrascriaturas vivas exóticas poderemosdescobrir um dia, em outros planetas,

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que se encaixam nas nossas definições? Jávimos que, aqui na Terra, num ambienterico em arsênico, a sagrada molécula deDNA funciona de uma maneiraalternativa, na qual os átomos de fósforode sua estrutura são substituídos porarsênico, elemento da mesma família dofósforo, mas bem diferente.

Pode-se argumentar que os biólogosnão precisam de uma definição única devida – a solução talvez seja aceitardiversas categorias de vida, cada qualexibindo diferentes combinações decaracterísticas vitais. Um vírus pode nãopreencher todos os critérios tradicionais,

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a halita satisfaz um ou dois, e um micro-organismo de Marte, três – mas osdetalhes de como escolhemos definir avida não são importantes se todosconhecermos os critérios a que cada umde nós recorre.

Os biólogos querem saber comofuncionam as coisas vivas, e precisam deuma definição de vida por razõesoperacionais. Mas, aqui, Deepak e euestamos interessados numa questão maisprofunda: qual a relação das coisas vivascom o Universo físico? Ou seja, seconsiderarmos que esquilos, sequoias efungos estão vivos, e que os vírus, até os

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de computador, são no mínimo “formasde vida”, quais características físicasdistinguem os átomos e moléculas quecompõem cada uma dessas coisas dosátomos e moléculas num pedaço demetal ou no sal marinho?

Se houvesse uma força vital,poderíamos dizer que ela instila em cadauma de nossas moléculas um quantum devitalidade, tornando vivo cada átomodentro de nós. Seríamos como um bolono qual a doçura de cada migalha seacrescenta à doçura do todo. Uma coisaviva, porém, não é tão viva quanto asoma de suas partes. A vida é o que os

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cientistas chamam de “propriedadeemergente”. Uma onda no oceanodepende de interações entre diversasmoléculas; portanto, para analisar umaonda, é preciso entender conceitos comotemperatura e pressão, que não têmsentido quando se fala apenas de algumasmoléculas. Da mesma forma, é difícil ouimpossível entender o que significa estarvivo estudando apenas moléculasindividuais. Átomos e moléculas de umacoisa cujas características se encaixam nadefinição de vida não são diferentes dosátomos e moléculas de um pedaço demetal. O que difere é a organização.

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Do ponto de vista da física, as coisasvivas se distinguem pela organização epela capacidade de mantê-la. Há muitomais formas de rearranjar oscomponentes num caldeirão de sopa delegumes sem destruir sua identidadecomo sopa do que de rearrumar as partesde um gato sem destruir sua identidadecomo coisa viva: portanto, a organizaçãoe a ordem são mais importantes para ogato que para a sopa. Se começamos amexer com a maneira como nossasmoléculas se encaixam, ou como osórgãos estão ligados um ao outro, nãovamos viver muito tempo. Quando

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paramos de manter a ordem, morremos,voltando a um estado altamentedesordenado.

Essa ideia começou a serpopularizada por Erwin Schrödinger, umdos fundadores da teoria quântica, numasérie de palestras públicas ministradas naIrlanda e publicadas em 1944, no livro Oque é a vida? Não costumo citar físicos quemorreram há algum tempo, e isso poralgumas razões. Uma delas é que, aocontrário dos religiosos, os físicos nãoatribuem muito peso à autoridade. Semdúvida eles ouvem com atenção osargumentos dos colegas brilhantes – e

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depois vão verificar as equações. Maisimportante ainda: como a ciênciaprogride, qualquer estudante graduadoem física hoje sabe muito mais sobrefísica quântica ou qualquer outra teoriafísica fundamental que Schrödinger,Heisenberg, Bohr, Planck, Einstein ouqualquer dos pioneiros das ideiasquânticas. Qualquer leitor da revistaScientific American conhece mais sobre océrebro e a neurociência do que elessabiam. Não quer dizer que tudo o queesses cientistas falaram está errado, masnem tudo o que disseram estava certo, epor boas e compreensíveis razões.

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Parte da fama de O que é a vida? vemda especulação apresentada porSchrödinger sobre como a informaçãogenética pode ser codificada nas coisasvivas. Depois o livro foi reconhecidocomo fonte de estímulo pelo físico edepois biólogo molecular Francis Crick.Ele, James Watson e Rosalind Franklindescobriram a estrutura de dupla hélicedo DNA. Ao lidar com a questãoformulada no título do livro, Schrödingeroferece também uma pérola que aindainspira a maneira como os físicosentendem a vida, descrevendo seuscontornos com muita clareza:

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Qual o aspecto característico da vida?

Quando se pode dizer que uma porção

de matéria é viva? Quando é capaz de

“fazer alguma coisa”, se movimentar,

trocar material com o meio ambiente e

assim por diante; quando faz isso

durante um período de tempo maior do

que, em circunstâncias similares, um

pedaço inanimado de matéria

“permanece o mesmo”. … Um

organismo parece enigmático por evitar

a célere decadência rumo ao estado

inerte de “equilíbrio”.

Coisas vivas não são como pedras

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inanimadas rolando por uma montanha:graças à homeostase, nossos fluidosconservam uma mistura exata, nossasestruturas internas preservam suacomposição, e, no caso dos animais desangue quente, a temperatura se mantémdentro de certo intervalo.

Quando falei de homeostase,mencionei que a água fervente despejadanuma corrente fria vai perder calor,enquanto isso não acontece com um serhumano. Claro, se você continuar ali pormuito tempo, seus mecanismoshomeostáticos serão desarmados a pontode produzir uma hipotermia, e você

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acaba morrendo – no momento em que atemperatura de seu corpo for igual à daágua e você estiver em equilíbrio com oambiente. No entanto, a maioria daspessoas se sente desconfortável com ofrio e sai do riacho. Por isso, há duascaracterísticas ativas fundamentais navida para resistir ao destino da águafervente: o metabolismo (que ajuda amanter a temperatura do corpo, aomenos por algum tempo) e a resposta aosestímulos. Isso é a vida operando no seunível mais fundamental – como umcomplexo de moléculas famintas deenergia, organizadas temporariamente e

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resistindo a voltar ao equilíbrio.

Mas o retorno é inevitável. Nessecaso, eu acredito literalmente no que diza Bíblia, no Gênesis: “Para fora [do solo]foste arrancado; pois do pó viestes e aopó voltarás.” O pó é um conglomeradodesordenado que reúne todos os tipos departículas; mas, entre o nosso começo apartir do pó e o nosso fim como pó, oUniverso provê às coisas vivas acapacidade de manter uma ordemestrita. Para os seres humanos, esse domrepresenta que, durante algum tempo,nossas células podem se manterorganizadas e preservar a integridade de

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seu conteúdo; nosso sangue pode fluirpelos canais adequados no interior docorpo; nossos músculos, órgãos e ossosmantêm sua estrutura e função. E, maisimportante para a nossa sensação do quesomos, nosso cérebro funciona,propiciando-nos a faculdade da razãopara armazenar momentos queridos dainfância, para se ligar a outras pessoas.

Conversei com meu pai enquantoescrevia este livro. Desde que meentendo por gente, eu me preocupavacom a saúde dele. Quando conversamos,numa noite dessas, ele me garantiu queestá vivo e passa bem, como faz todas as

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vezes que nos encontramos, nos últimosvinte anos… nos meus sonhos. Meu paimorreu há duas décadas, mas eu aindanão aceitei isso. Prefiro acreditar que elese reuniu ao Universo ou foi viver sobalguma outra forma. Infelizmente, paramim, esse desejo não é forte o bastantepara superar o ceticismo. A metafísica deDeepak não é uma religião, mas, assimcomo em muitas religiões, suas respostassão tranquilizadoras. É preciso umacoragem especial para acreditar naciência – para encarar o fato de que,depois da morte, nosso corpo volta àtemperatura dos objetos inanimados ao

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nosso redor; que nós e nossos entesqueridos entramos em equilíbrio com oambiente; que de novo nos tornamos pó.

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É

DEEPAK

preciso uma perspectiva bem amplapara saber o que é a vida. Se ela surgiu

dos mecanismos físicos mais básicos queLeonard descreve, como a homeostase ea troca de calor, as algas azul-esverdeadas entenderiam melhor a sipróprias. Mas as ricas profundezas davida não foram sondadas pela ciência, e é

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para aí que a espiritualidade deseja sedirigir. Em capítulo anterior, Leonarddefendeu a superioridade da ciênciaafirmando que a metafísica não consegueconstruir um aparelho de ressonânciamagnética. É verdade, mas o outro gumeda espada é que a metafísica também nãoconstrói armas de alta tecnologia. Aciência talvez torne a vida melhor emtermos materiais, mas ninguém podedizer que o mundo está sofrendo por faltade materialismo; na verdade, o mundosofre pela razão oposta: falta deautoconhecimento.

A ciência poderia ajudar no

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autoconhecimento se expandisse seushorizontes. Poderia prestar atenção àessência daquilo em que Einsteinacreditava: “Afirmo que o sentimento dereligião cósmica é o motivo mais forte enobre para a pesquisa científica.”Segundo minha maneira de pensar,Einstein, Schrödinger, Pauli e outros,chamados de místicos quânticos,mostraram grande sabedoria ao honrar olado espiritual da mente humana. Depoisde dedicar uma vida inteira à pesquisacientífica, eles chegaram à conclusão deque a espiritualidade oferece umaexploração muito mais abrangente da

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vida do que a ciência, por si só, jamaisconseguirá realizar.

Então, o que é a vida? A vida é aessência da existência. “Essência” nãosignifica um elixir divino que Deusdespejou no ouvido de Adão e Eva.Tampouco é a “força vital” (falarei sobreisso adiante). A essência se refere a algomais básico, àquilo que não podemosafastar sem negar a criação. A evoluçãodá origem a milhões de diferentesformas, mas não vamos nos deixardistrair pelo fato de que plantas e animaissão diferentes de estrelas e galáxias. Avida está embrenhada na própria trama

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do Universo. Você não pode afagar umaestrela ou levar um elétron para passearno parque, mas, no fundo, as duas coisasestão vivas.

Por quê? Porque, como vimos, oUniverso passa pelos mesmos testes quea biologia aplica a micróbios, vírus,células hepáticas, ratinhos brancos eassim por diante. Todas as criaturas vivasnascem e morrem. A parte física decai e éreciclada em nova vida. As folhas que sedesprenderam no ano passado tornaram-se fertilizantes para os brotos daprimavera seguinte. (Talvez você sintaum pouco de nojo, porém, quando uma

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minhoca morta injeta nitrogênio na terra,fazendo com que um carvalho cresça e dêfrutos comidos pelos porcos, se vocêcome bacon no café da manhã… Bem,você pode tirar suas conclusões sobre aorigem do nosso corpo.) Mas esse ciclode renascimento não está no pilotoautomático. Se uma ameba morre e sedecompõe, a matéria-prima não precisavoltar como outra ameba. Qualquerforma de vida, inclusive o corpo humano,pode usar esse material.

Em outras palavras, nascimento erenascimento são manifestações muitocriativas. Algo antigo e conhecido leva a

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algo novo e original. O Universo vemaperfeiçoando sua capacidade criativa hábilhões de anos. Esse impulso criador é oque eu chamaria de “força vital”.Leonard acredita que as verdadeirasforças podem ser mensuradas, que algumtipo de aferidor, como o relógio deenergia elétrica instalado em sua casa,deve ser capaz de medi-las. A força vitalparece ser mais o poder da imaginação.Se você conseguisse medir as caloriasemitidas pelo cérebro de Leonardo daVinci, estaria calculando o poder deimaginação do artista. O cérebro emitecalor, mas esse é um efeito colateral, não

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o verdadeiro poder, que é invisível eimensurável.

Os materialistas podem menear acabeça em desacordo, mas há forças queos instrumentos científicos não podemregistrar. (A força do desejo, a força dacuriosidade e a força do amor poderiamestar no topo da lista.) A espiritualidadeargumenta que a criatividade está nocerne de tudo que pode ser definidocomo vivo. Quer dizer então que umapedra no seu sapato está viva? Sim, pois éparte do mesmo processo criativo queinclui você, um processo que sempreaparece com novos produtos. (É

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fascinante notar que as pedrasprecisaram de vida para evoluir. Aprimeira fase da história da Terracomeçou com 250 minerais, que, comovimos, vieram com a poeira desupernovas e as colisões de asteroides. Asturbulentas forças da crosta terrestre,inclusive o imenso calor liberado pelosvulcões, elevaram o número de mineraispara mais ou menos 1.500. Porém, cercade 2 bilhões de anos atrás, organismosvivos começaram a processar essesminerais – como alimento e paraconstruir conchas e esqueletos.Minúsculos plânctons oceânicos, cujos

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esqueletos são basicamente feitos decálcio, formaram os Penhascos Brancosde Dover e a maior parte das outrasformações calcárias. De modosurpreendente, coisas vivas fizeram comque os minerais continuassem evoluindoaté chegar ao atual número de 4.500. Aevolução cósmica confiou na vida comoum grande cocriador.)

Leonard pede para não cairmos nasilusões da metafísica, por maisreconfortante que elas possam ser: a vidaé apenas o intervalo antes que o pó volteao pó. Mas a ciência tomou sua própriadecisão metafísica ao depositar sua fé na

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matéria. Dizer “Nós não precisamos deDeus” é metafísica. Dizer “A vida foicriada somente a partir de moléculas”também é metafísica. Aliás, eu diria queé uma metafísica fraca. A fisiologia básicaafirma que nosso cérebro é alimentadopor glicose, ou o açúcar no sangue. Eunão seria capaz de escrever uma palavraou formular um pensamento sem usarmoléculas de glicose. Contudo, mesmoque, no futuro, um superequipamento deressonância magnética consiga identificaruma molécula de sangue no exatoinstante em que um neurônio dispara osinal correspondente a uma palavra desta

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página, isso não seria a prova de que aglicose pensa.

Vamos tentar rastrear uma célulaneural até os átomos que a formam,depois seguir até as partículassubatômicas, para afinal atravessar afronteira do mundo invisível, do que estáalém. Ninguém pode apontar umprocesso físico específico e dizer: “Ah, édaqui que vem o pensamento”, ou “Aquia glicose ganha vida”. O empenho paraencontrar esse ponto de partida continua,mas o materialismo se engana. Se umacriança perguntasse como a gasolinaaprendeu a dirigir o automóvel, ela

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estaria cometendo o mesmo tipo de errode alguns de nossos mais destacadoscientistas.

Toda molécula que se transformanum processo vivo apresenta umenigma. Como ela consegue passar deum estado inerte, aleatório (morte), paraum estado vital, criativo (vida)? Aespiritualidade afirma que nada estámorto. Como temos medo de nossaprópria desintegração e dissolução,projetamos em nossa morte mais poderdo que ela realmente tem. A morte éapenas um estado de transição, quandouma coisa viva renasce em outra. (Não

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estou fazendo uma declaração religiosasobre a alma, mas ainda vou chegar lá.)O materialismo, como hipótese, podeseguir o caminho de um átomo deoxigênio no fluxo de ar até entrar nopulmão de um futuro Mozart ou de umMichelangelo, mas não consegue explicarcomo aquele átomo se relaciona agenialidade, beleza e arte.

Para explicar como a matéria derepente se torna parte da dança da vida,com toda a criatividade que a vidaapresenta, é preciso chegar a um nívelmais essencial. Tenho argumentado quea consciência é inata na natureza. É parte

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da nossa essência. Assim como outrascaracterísticas que diferenciam a vida,inteligência, criatividade, organização eevolução são essenciais para os seresvivos. O DNA não cria essas coisas. Dizerque ele cria a vida é como afirmar que atinta cria a pintura. Creio quechegaremos à verdade revertendo asequência: a vida veio primeiro, amatéria acabou levando-a à sua formavisível. O físico Freeman Dyson indica ocaminho da aceitação do ponto de vistaespiritual como parte de uma ciênciaampliada: “Descobri um Universocrescendo sem limites em complexidade

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e riqueza, um Universo de vida quesobrevive para sempre.”

Alguns cientistas querem ampliar adiferença. Deixem que a biologia nosdiga como a vida surgiu, afirmam eles,enquanto a religião e a metafísicaperguntam por quê. Mas trata-se de umamaneira educada de declarar vitória, aoreivindicar a vida só para a ciência.Depois de identificar o DNA e mapeá-lo,a genética tenta açambarcar tudo. Devehaver um gene do amor, um gene docrime, até um gene da fé. Mas, naverdade, esses genes nunca foramencontrados, e especula-se que jamais o

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serão. Um problema aparentementesimples, como prever a altura de umacriança, envolve mais de vinte genes eminteração; mesmo que cada um delespudesse ser isolado, os pesquisadoresadmitem que menos da metade dahistória teria sido contada. Por que osholandeses são o povo mais alto domundo? Por que o país dos japoneses estáentre as dez maiores potências? Os genesnão mudaram. As respostas têm a vercom dieta, ambiente, um comutadorgenético desconhecido ou talvez um fatorX (como a possibilidade de a menteafetar o corpo durante o crescimento.

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Não duvide. A medicina já sabe que oabuso psicológico pode levar a bebêsatarracados, por um processo conhecidocomo nanismo psicológico).

A ciência está ficando cada vez maisambiciosa quanto aos temas quepretende abarcar. Como diria Leonard,não há espaço para os excessos deotimismo, que devem ser esquecidos nainfância. “Não me venha falar de coisasfantasiosas, como haver inteligência emtoda parte.” Minha melhor réplica é ahistória de uma cadela collie de oito anoschamada Betsy, que mora perto deViena, na Áustria. A dona e treinadora de

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Betsy ensinou a cadela a buscar coisasdizendo o nome delas. Se falar “osso”,Betsy vai buscar um osso. Se disser“bola”, Betsy busca uma bola. Qualquerum que tenha um cão vai dizer que issonão é difícil, mas essa dona em particularfoi mais ambiciosa. Ela ensinou Betsy apegar bonecas, queijo e um chaveiro –até que, contra todas as probabilidades,Betsy conseguiu compreender 340comandos sem se confundir.

A psicóloga cognitiva JulianeKaminski verificou esse fenômeno,filmado para o programa científico Nova,da TV pública. Os bebês humanos

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entendem cerca de trezentas palavrasquando têm dois anos de idade. O estágioseguinte do desenvolvimento humano, aque nenhum outro primata conseguechegar, é a compreensão de símbolos.Por exemplo, se você mostrar umcarrinho de brinquedo e pedir a umacriança de três anos para encontrar amesma coisa no aposento, ela sabe que ocarrinho é um modelo, por isso nãoencontrará dificuldade em pegar umcarrinho maior. Agora, a grande notícia:a collie Betsy também consegue fazerisso. Ela entende que o modelorepresenta coisas, na condição de

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símbolo. (Não posso deixar de mencionarque os cães são as únicas criaturas, alémdos seres humanos, que sabem o quesignifica apontar um objeto. Com seismeses, um filhote vai até um objeto quevocê apontar. Com seis meses, um bebêhumano faz o mesmo. Mas oschimpanzés, nossos parentes primatasmais próximos, não são capazes disso. Sevocê apontar para uma xícara queesconda qualquer ameaça, oschimpanzés não sabem o que você estádizendo. Não conseguem entender nemdepois de centenas de repetições.)

Betsy não é único cachorro esperto;

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pelo menos dois outros cães conseguementender até duzentas palavras, o que vaicontra quase todos os antigospressupostos sobre inteligência, cérebro eescalada evolutiva, e também contra oorgulho humano em relação àexclusividade de seus dons mentais.Betsy consegue realizar façanhas quedeveriam nos tornar mais humildes. Hámuito se afirma que só os homensentendem as representações abstratas. Seeu mostrar a imagem de um osso, porexemplo, você pode sair e me trazer umosso de verdade. Betsy também. Quandovê a imagem de qualquer objeto que sabe

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onde está, a cadela vai buscá-lo. Ospesquisadores ficaram maravilhados, nãodiante da grandeza do Universo, masdiante de um animal que,cientificamente, não tem o direito defazer o que faz. Mesmo assim, ela faz.

Uma vez que abrirmos nossa mente,Betsy pode ser a ponta de lança para umaabrangente teoria da vida. O leitor estádiante de uma nítida escolha entre atotalidade e as partes. Se a ciência estivercerta, a vida é um enigma, um monte depedacinhos que, uma vez reunidos,transformaram a matéria inerte emcriaturas vivas. Se a espiritualidade

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estiver certa, a vida é parte da totalidadeda natureza, um aspecto que se tornavisível por meio das criaturas vivas, masnão depende delas. A escolha a ser feitaaqui reflete sua visão de mundo, e oUniverso se apresentará em acordo comela.

O verdadeiro problema da teoria deuma força vital surge quando ela tentaser materialista. Contudo, como nãopode ser medida, a parte “vital” dessaforça não tem valor material.Ironicamente, o DNA apresenta a mesmaobjeção. Sei muito bem que a genética éconsiderada o maior triunfo da biologia

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moderna, a brecha que tornou possíveldecodificar a própria vida. O DNA é oportador químico de uma mensagemincrivelmente complexa, mas não é aprópria mensagem, assim como as letrasde um telegrama não são a informaçãonele contida. A vida é a naturezavivenciando a si mesma de todas asformas possíveis. Podemos escolheroutras palavras que não “natureza”. Estaé a mensagem. Podemos falar de Deuscontemplando sua criação ou de umamente universal. Cada termo aponta nadireção de um cosmo que criou a simesmo e que se desdobra como entidade

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viva. A espiritualidade não precisa de ummomento especial marcado pelo súbitoaparecimento da vida. A vida sempreexistiu.

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8. Há um projeto noUniverso?

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S

LEONARD

e projeto significar um diagrama oupadrão, os cientistas e os que veem o

mundo de forma religiosa e espiritualpodem dizer que sim, o Universo temum projeto. Todos vemos isso comnossos olhos, e os cientistas procuramrepresentar esse aspecto em suasequações, pois acreditamos que as leis da

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física são o diagrama do Universo. Criarou simplesmente entender uma teoriamatemática, depois observar que até osminúsculos átomos, nas maiores e maisdistantes estrelas, agem de acordo com asleis da física presentes nessas equações,essa é uma das maiores maravilhas ealegrias de ser físico.

É um mistério por que a naturezasegue leis. Por que há leis específicasobserváveis também é. Mas está claroque as leis da natureza são suficientespara demonstrar como a vida surgiu semnecessidade de apelar para qualquer mãoou olho imortais encarregados de

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executar esse projeto. As leis ditam que,a partir da sopa cósmica primordial, asestrelas se condensariam e criariamcarbono e outros elementos necessários àvida das coisas. Determinaram quealgumas dessas estrelas explodiriam,formando novos sistemas solares com osdetritos da explosão. E estabeleceramque, a partir da sopa química primordial,pelo menos em um planeta, o nosso,esses processos levariam naturalmente aobjetos de lindas formas, desde asgeodésicas até tigres e pessoas.

A questão que me aparta de Deepaknão é se o Universo tem um projeto, mas

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se alguma coisa é responsável por ele e seesse projeto tem um propósito.Criacionistas e adeptos do “projetointeligente” acreditam, como Deepak,que o emaranhado de criaturas vivas nãopoderia ser resultado de leis naturais.Essa perspectiva possui uma longatradição. Em 1779, o filósofo britânicoDavid Hume publicou um livro chamadoDiálogos sobre a religião natural, no qualtrês personagens fictícios debatem otema. Um deles, Philo, argumenta daseguinte maneira: “Junte diversospedaços de aço, sem molde ou fôrma;eles nunca se organizarão de modo a

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compor um relógio.”

Em 1802, o teólogo William Paley fezsua famosa elaboração sobre o tema:

Ao atravessar uma charneca, suponha

que tropecei numa pedra, e me

indagaram como a pedra foi parar

naquele lugar: eu possivelmente

responderia, a despeito de tudo que sei

em contrário, que a pedra sempre

esteve lá; talvez nem fosse muito fácil

demonstrar o absurdo dessa resposta.

Mas se encontrasse um relógio no chão,

e me perguntassem como ele foi parar

ali, eu dificilmente pensaria na resposta

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dada anteriormente, que, até onde eu

sabia, o relógio podia estar ali desde

sempre. … A inferência, acreditamos, é

inevitável: que o relógio deve ter tido

um fabricante; que, em algum momento

e lugar, deve ter existido um artífice, ou

artífices, que o montou com o propósito

na verdade cumprido pelo relógio; que

o artífice compreendeu sua construção e

estipulou seu uso.

O ponto crucial desses argumentosinacreditáveis é que coisas tão fabulosascomo um relógio ou sua avó sãorealmente complicadas. Por isso, só

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poderiam ter surgido como produto daextraordinária perícia de algum ser. Essessão argumentos sinceros e atraentes,baseados na melhor ciência da época,que não estava à altura da tarefa deexplicar como a vida veio a acontecer.Mas, parafraseando Arthur C. Clarke,qualquer consequência suficientementeavançada de uma lei científica que aindanão compreendemos é indistinguível daação de um “poder superior”.

Muitas e muitas vezes na históriapessoas atribuíram qualquer aspecto danatureza que não conseguiam explicar auma origem sobrenatural. O personagem

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Philo, de Hume, estava certo ao dizerque as peças de aço reunidas nãoformariam um relógio, mas essa analogiaparecia convincente só porque as pessoasda época de Hume, quase um séculoantes de Darwin ter publicado seu grandetrabalho, não estavam cientes doprincípio de seleção natural – que deixaclaro como uma natureza sem rumopode produzir objetosextraordinariamente complexos (como oDNA e, em última análise, como nós). Seum cientista do futuro mostrasse a umfilósofo do século XVIII um avião, umaparelho de raios X ou um telefone

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celular, o filósofo também ficaria confusoe poderia muito bem conferir a essesdispositivos uma origem divina. Talvezentão algum filósofo argumentasse:

• Junte diversas asas numa fuselagem deaço; elas nunca poderão se arranjar deforma que a fuselagem voe.

• Jogue a luz que quiser na cabeça dealguém; ela jamais permitirá que seenxergue a parte de dentro do cérebrodessa pessoa.

Ou:

• Grite o quanto quiser numa caixinha;

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você nunca será ouvido do outro ladodo oceano.

Hoje a ciência explica como essesaparelhos podem ser construídos – domesmo modo que justifica comoprocessos naturais levam aodesenvolvimento da vida inteligente.

Há uma diferença entre a explicaçãocientífica da vida e a explicação dessesaparatos. A ciência por trás do avião, doaparelho de raios X e do telefone celularnão ameaça as crenças preferidas daspessoas. Ninguém acusa os cientistas deserem bitolados por acreditar na

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aeronáutica. Ninguém propõe que asimagens em raios X de ossos quebradosnão vêm dos fótons. Ninguém diz que oeletromagnetismo é “apenas umateoria”, nem sugere que cursos detelecomunicação também deveriam lidarcom pombos-correios, só para segarantir. Mas a evolução se refere a comotodos nós chegamos aqui – o que dificultasua aceitação por parte de algumaspessoas. Os William Paley de hoje usamde bom grado os miraculosos prodígioscientíficos que produzem mensagens detexto oferecendo duas quesadillas pelopreço de uma para codificar algum tipo

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invisível de energia, transmitida pelo ar ereconstituída em seus aparelhosportáteis, mas questionam a integridadedo método científico aplicado ao milagrebiológico da vida. Sentem-se felizes aorecorrer às invenções e aos produtoscriados por uma ciência que nãoentendem, porém hesitam em aceitar as“teorias” científicas que explicam aspróprias origens da vida.

Os biólogos nos dizem que oresponsável pelo projeto da vida não foium ser, mas o ambiente. A suposiçãoimplícita no argumento de que coisascomplexas devem ter sido criadas por

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uma inteligência superior é que seriamais simples chegar à criação da vidadessa forma que pela evolução. É umacrença compreensível, sobretudo para osque ignoram o papel da seleção naturalna evolução, considerando-a apenas umtipo de enganação aleatória. Na verdade,contudo, graças ao incrível poder daseleção natural, a verdade pode ser ocontrário. É por isso que a seleção natural(tecnicamente, “seleção artificial”)tornou-se a base de um novo métodorevolucionário de projetar moléculas,chamado “evolução dirigida”, no qualquímicos e engenheiros químicos

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estabelecem ambientes que estimulam aevolução das moléculas em produtoscomerciais úteis. A evolução dirigida temse mostrado proveitosa, ao permitir asíntese de muitas proteínas que ninguémsabia como “projetar”, no sentidotradicional. Portanto, ao se admirar comas espantosas capacidades da vida, talvezo mais natural não fosse dizer que isso sópoderia ser trabalho de um criador, masque “só pode ser produto da evolução”.

A seleção natural explica como osorganismos mudam de geração ageração; até aquilo que começou comoum tipo de organismo simples,

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responsável por dores de estômago, podeevoluir, depois de bilhões de anos, notipo de organismo complexo que odetecta. Darwin escreveu sobre oselefantes. Vamos supor que Noé tenhasalvado um só casal de elefantes em suagrande arca, por volta de 3000 a.C., naépoca do dilúvio. Embora os elefantesestejam entre os animais que maisdemoram para se reproduzir, em apenascinco séculos eles teriam produzido 15milhões de descendentes. Por volta de2000 a.C., haveria trilhões, muitosmilhares de elefantes para cada pessoaviva. Seríamos então esmagados por uma

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montanha de paquidermes. O que nossalvou? Ferimentos, doenças, inanição emorte. Esses fatores garantem quesomente uma fração dos elefantessobreviva para produzir crias. Essa nãofoi uma depuração imparcial. Pelocontrário, ao determinar quais deveriamviver e quais deveriam morrer, oambiente agiu como um projetistainteligente. Os animais que não fossemresistentes, grandes, altos ou espertos obastante para encontrar o alimentonecessário, para se defender depredadores e sobreviver às doençastendiam a morrer antes de passar adiante

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suas características ineficazes. Os maisbem-adaptados ao ambientesobreviveram e criaram uma progêniecapaz de competir com a geraçãoseguinte, mais nova e aperfeiçoada. Eassim por diante. No Capítulo 4,mencionei que, incluindo um processocomo a seleção natural, em apenas 44gerações a evolução poderia criar a frasede Shakespeare “Acho que parece umadoninha”, o que teria exigido de umgerador de letras aleatório mais tempoque a vida do sistema solar. Esse é opoder da evolução.

A evolução diz que o projeto dos

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seres vivos surge a partir de mutaçõesaleatórias e de seleção na luta pelasobrevivência. Por conseguinte, quandose estuda um organismo vivo em seusdetalhes, é impossível não se surpreendercom o fato de que em geral seu “projeto”não é otimizado nem elegante. Em vezdisso, é “bom o bastante”. Os organismosvivos podem ser maravilhosos do pontode vista de suas funções, mas não sãobonitos da perspectiva do projeto. Isso émuito diferente do esperável, caso oprojeto fosse criado por um “projetistainteligente”, ou que pelo menos possuísseuma inteligência sobre-humana. A

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evolução cria projetos deselegantesporque, à medida que as espéciesevoluem, a natureza não derruba tudo ereconstrói a partir do zero, porém adotaa via mais vantajosa, alterando o que jáestava ali. Às vezes acabamos com umdente do siso, um apêndice ou, como ireiabordar no próximo capítulo, com o genepara uma cauda, características que antesserviam a uma função, mas não são maisnecessárias. É provável que um projetistaintencional tivesse feito outras escolhas,mas, como os organismos vivos nãoprecisam ter um projeto perfeito, aevolução torna os organismos apenas

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bons o bastante para sobreviver.

A evolução explica a origem da vidainteligente em um nível, mas há mais aser explicado. Embora os biólogostenham dado grandes passos nacompreensão do mecanismo daevolução, chegando até a escalamolecular, a biologia é apenas a camadamais externa da cebola que representa aexplicação científica. Ela descreve osorganismos, seus órgãos, células e, comonas últimas décadas, até de que é feito oDNA, ou as proteínas e outras moléculas.Mas as descrições e leis da biologia têmcomo elemento fundamental objetos que

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também podem ser desmembrados emcomponentes mais elementares. No nívelmais profundo – no núcleo da cebola –está a física. Ela estuda as forças epartículas elementares que, aos trilhões etrilhões, agem para criar as estruturasque os biólogos analisam. Nesse caso,alguém poderia também perguntar: seráque o desenvolvimento da vida sem oauxílio de um projetista faz sentido noplano da física? É nesse nível que está aresposta ao desafio de Deepak: a partirdas equações fundamentais que regem amatéria e a energia, sem nenhumaorientação ou um propósito, será que a

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vida pode ser espontaneamente criada?Se acreditarmos que não foi necessárionenhum projetista, precisamos forneceruma resposta que funcione não só noplano onde se dão os processosbiológicos, mas também naquele em queoperam as leis da física.

Para averiguar, do ponto de vistafísico, se o projeto na natureza exige umprojetista, precisamos traduzir a questãopara a linguagem da física. A Terraprimitiva era uma turbulenta mistura derocha, areia, ar e água, com várioscomponentes dissolvidos ou emsuspensão. As coisas vivas, por outro

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lado, são feitas de moléculas e estruturascomplexas. O ponto crucial da questãopara a física é: será que essa ordem podesurgir sem um direcionamento? Aferramenta usada pelos físicos paraanalisar esse tipo de questão é umconceito chamado entropia. Grossomodo, entropia é a medida de desordemnum sistema. Quanto mais desordenado,em geral, mais alta a entropia, que éinimiga da vida e de qualquer conceito de“projeto”.

Os físicos do século XIX perceberamque, com o tempo, as coisas tendem a setornar mais desordenadas – ou seja, a

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entropia aumenta. De certa forma, isso éum reflexo da falta de projeto oudirecionamento das leis físicas. Paraentender por que a entropia, ou adesordem, aumenta, vamos considerarum exemplo simples (e clássico): umacaixa de moléculas de gás, com umadivisória onde há um furo. Vamos suporque comecemos com mil moléculas dolado esquerdo e nenhuma do lado direitoda caixa. Como as moléculas se agitam,algumas da esquerda vão passar para ooutro lado pelo furo da divisória. Com otempo, mais moléculas vão se deslocarda esquerda para a direita, mas às vezes

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algumas do lado direito vão passar para oesquerdo. Isso não acontece muitoenquanto o lado direito estiversubpovoado. Mas chegará um momentoem que haverá muitas moléculas no ladodireito, o que reduzirá o êxodo. Depoisde mais algum tempo, haverá mais oumenos o mesmo número de moléculasdos dois lados; o número, por unidade detempo, que passa do lado esquerdo parao direito será aproximadamente omesmo que o número se deslocando dadireita para a esquerda. Esse é o exemplode um estado de equilíbrio, como foiexplicado no capítulo anterior.

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Embora a palavra “equilíbrio” sejavaga e subjetiva, o mais correto talvezfosse afirmar que a configuração inicial,com toda a congregação de moléculas nolado esquerdo, parece mais ordenada queo estágio final, com as moléculasespalhadas pela caixa inteira.Acreditamos que o arranjo inicial éordenado porque tem regularidade – nãohá moléculas do lado direito da caixa. Oestágio final da caixa não tem nenhumarestrição em sua organização – asmoléculas estão em toda parte, por issoessa etapa é desordenada. Enquantoestamos vivos, é como se o nosso corpo

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estivesse no arranjo inicial. Por exemplo,nossas células sanguíneas devem mantercerto equilíbrio bioquímico interno, semse misturar com o entorno, e nossosangue deve ficar dentro dos vasos epermanecer puro, sem se mesclaraleatoriamente com outros fluidoscorporais.

No cenário da caixa, na configuraçãoinicial, com todas as moléculas no ladoesquerdo, existe um sistema de baixaentropia, enquanto a configuração final,com todas as moléculas em toda parte,apresenta uma situação de alta entropia.Com o passar do tempo, e sem nenhuma

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consciência ou poder superiortrabalhando para influenciar adistribuição das moléculas, o sistemaatingiu uma divisão mais ou menosigualitária, a mais desordenada, ou oestado de máxima entropia (sendo queeste é o significado técnico do termo“equilíbrio”). Essa é uma tendência detoda a natureza – caminhar em direção aestados mais altos de entropia. Comoexpliquei antes, a vida resiste a esseimpulso. E, quando termina, o impulsoem direção à entropia prossegue.

A lei que explica por que as coisasvivas precisam trabalhar para se manter

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vivas – ou seja, manter sua ordem – sechama segunda lei da termodinâmica.Ela determina que a entropia de umsistema fechado nunca diminui. Essa é aformulação científica do que diz opersonagem de Hume: “Junte diversospedaços de aço, sem molde ou fôrma;eles nunca se organizarão de modo acompor um relógio.” Mas a segunda leitambém diz: “Deixe um relógio semmanutenção na natureza, e o tempo farácom que ele se torne apenas diversaspeças de aço, sem molde ou fôrma.” Porcausa da segunda lei, se deixarmos cairum ovo já quebrado, ele nunca chegará

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ao chão como aquele gracioso eestruturado objeto que chamamos deovo intacto; mas, se deixarmos cair umovo intacto, ele vai se esparramar numadesordem aparentemente aleatória. Domesmo modo, se encontrarmos umacaixa contendo moléculas distribuídas deforma igual, nunca mais veremos todasessas moléculas se reunirem em um sódos lados; mas, se encontrarmos umacaixa com todas as moléculas de um sólado, com o tempo elas vão acabar se

distribuindo de maneira uniforme pelacaixa. Em vista dessa lei, o desafio queum físico precisa enfrentar é: como

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começamos com átomos distribuídos àvontade pelo Universo e descobrimosque, depois de algum tempo, essesátomos se condensaram no estadoordenado que chamamos de seres vivos?Em outras palavras: se a tendêncianatural do Universo é a desordem, deonde vem a ordem da vida?

O termo “sistema fechado” é a chave.A entropia não pode declinar se nãohouver uma interferência externa. Noentanto, a entropia de um sistema podediminuir se a entropia de outro sistemaaumentar na mesma quantidade ou emmaior proporção. A mão de Deus pode

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interferir e manter todas as moléculas emum lado da caixa, mas essa mão vaisofrer uma desordem cada vez maior.Impedimos que a desordem do nossocorpo aumente consumindo ordemdisfarçada em coisas como brócolis efrango (mesmo decompostos, eles aindamantêm certa ordem) e expelindodesordem sob a forma de excremento ecalor. Por isso, também o nosso planetadeve respeitar o equilíbrio da entropia.Para que a vida se desenvolva em nossabiosfera a partir de materiais inorgânicos,a Terra precisa exportar entropia – isto é,importar ordem. Como? De onde vem

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essa ordem?

A cada dia a Terra recebe uma boaquantidade de energia do Sol, e tambémlibera uma quantidade mais ou menosigual de radiação de volta para o espaço –esse equilíbrio de radiações impede que atemperatura do planeta continue a subir.Mas a qualidade da energia que a Terrairradia não é a mesma da que recebe. Asuperfície do Sol tem uma temperaturaem média vinte vezes mais alta que atemperatura média da superfície daTerra, o que significa que o planeta deveirradiar vinte vezes mais fótons – aspartículas de luz – para chegar à mesma

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quantidade de energia. Os físicos nosdizem que isso corresponde a vinte vezesa entropia, e, por conseguinte, dia apósdia, a Terra irradia vinte vezes maisentropia do que recebe. Como calculouum físico da Caltech, Sean Carroll, aentropia líquida gerada pela Terra aolongo dos anos é muito mais quesuficiente para acertar as contas pelaredução de entropia experimentada peloplaneta na geração da vida.

Portanto, o dom da vida não é o domde um deus, ou de uma “consciênciauniversal”; é um presente do Sol.

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É

DEEPAK

uma pena que a palavra “projeto”tenha se tornado um símbolo do

fundamentalismo cristão, um eixo para afé na história da criação do Gênesis. Derepente a palavra se tornou radioativaem outros círculos. Os cientistas ficarampreocupados, como se a própria razãoestivesse sob ataque. Céticos e ateus

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soltaram seus cachorros na luta, sempreprontos para refutar as superstições. Poressa razão, tornou-se impossível separarintensas emoções dos problemas queestavam em jogo. Apresentar um“projeto inteligente” como alternativa àteoria da evolução de Darwin nunca tevequalquer validade. Só gerou influênciapolítica. Governantes eleitos quequeriam aplacar os eleitores religiosostentaram contornar o forte protesto dacomunidade científica.

Tendo isso em mente, é muito bomquando um respeitável cientista comoLeonard concorda que o Universo

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apresenta realmente as características deum projeto. Mas a forma como ele chegalá é completamente materialista,significando que confia no acaso e nosditames das leis da natureza. Existe umenorme vão entre “ditame” e“permissão”: não há dúvida de que as leisda natureza permitem que os sereshumanos estejam aqui e inventem coisascomo aviões e relógios, mas será que oprincípio de Bernoulli, que permitiu aosirmãos Wright moldar uma asa de formaa sustentar um avião, foi uma imposiçãopara eles? O estabelecimento doUniverso primordial não pode ditar

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minhas ações bilhões de anos depois.

Nós aceitamos tacitamente aexistência de meios para contornar as leisfísicas, em geral usando uma contra aoutra. Quando ergo o braço, eu desafio agravidade evocando oeletromagnetismo, a força que controlaos músculos. Posso afastar dois ímãs,utilizando uma lei contra ela mesma. Daforma como existe hoje, o Universo nospermite um enorme espaço para jogarcom as leis da natureza. Claro que hálimites. Eu não poderia erguer meu braçoaté Júpiter, pois meus músculos seriammuito fracos para vencer o forte campo

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gravitacional daquele planeta. Mas omaterialismo não pode determinar comouma pessoa escolhe quais leis deveobedecer, refutar ou ponderar.

A liberdade está embutida nanatureza. Quando carbono, hidrogênio,oxigênio e nitrogênio se encontram, seuselétrons livres ditam como eles vão seligar; toda a vida baseia-se nessasligações, e, como observamos, há bilhõesde combinações possíveis. A naturezadeixou muitos campos em aberto paravariações; portanto, o exemplo simplesque Leonard apresenta, das moléculas degás flutuando do lado esquerdo para o

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direito de uma caixa, não é apenasreducionista, ela também não fazsentido. O mesmo vale para todo oargumento baseado na entropia.Ninguém nega que a entropia governaestados de troca de calor. Ninguém negaque as formas de vida são ilhas deentropia negativa. Mas o verdadeiromistério é como chegaram até aqui.Todo o cosmo está seguindo em direçãoà morte do calor, como explica Leonard.Mas a morte do calor é apenas umaversão ampliada das moléculas flutuandonuma caixa. Essa flutuação não explicacomo ilhas de entropia negativa, a

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exemplo de Sol, Terra e vida na Terra,podem durar bilhões de anos e se manterem crescimento cada vez maisautossustentável.

O reducionismo nunca passará peloteste de saber como as leis naturais, semuma mente, podem criar algo tãointrincado quanto um relógio. Leonardtenta escapar dos furos do reducionismocom esgrima verbal. Diz que um relógioé complexo, e é mesmo. Mas ele é maisque isso. O relógio foi projetado. Nasencostas dos Alpes suíços, um esquiadordeixa uma trilha em linha reta na neve.Cem esquiadores descendo a mesma

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encosta deixam muito mais trilhas,formando uma rede emaranhada. Aslinhas serão mais complexas, mas estãolonge de seguir um projeto. Um relógiosuíço não é apenas uma pilha deprocessos simples, uns sobre os outros:ele tem um objetivo e um significado. Foiprojetado para desempenhar uma tarefaespecífica. Pode não ser bonito, mas semdúvida é preciso. E quando desliza para aimprecisão pode ser corrigido. Todosesses aspectos do projeto devem tervindo de algum lugar. A espiritualidadeargumenta que eles são aspectos daconsciência, a projetista invisível nos

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bastidores do mundo visível.

Não fico chateado quando Leonardconfunde meus argumentos com os doscriacionistas convictos do “projetointeligente”. Ele não está dizendo que eusou um deles. Mas sua confusão implicacerta cumplicidade que devo refutar. Ocriacionismo e o projeto inteligente estãotão distantes das tradições de sabedoriado mundo quanto o materialismo. Aoescolher um lado no debate vigente entrefé religiosa e racionalidade científica, aespiritualidade está mais do lado daciência, pois a sabedoria é oflorescimento da razão, e não sua

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inimiga.

Acho lamentável quando umpronunciamento conservador da CasaBranca diz que não há nada de errado emensinar uma alternativa à evolução paraos estudantes, que as crianças vão sebeneficiar com um debate aberto. Opúblico parece concordar. No final, ostribunais federais precisaram afirmar averdade mais óbvia: o projeto inteligenteé um conceito religioso, não científico, eportanto não pode ser considerado uma“alternativa” à ciência nas salas de aula.Não há nada a debater.

Numa era de fé, a abundância de

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padrões na natureza foi usada paradefender a existência de Deus. Leonardnos apresenta a analogia do relojoeiro,que ele associa ao tipo de mentecientífica primordial e primitiva. Não ébem verdade. O chamado argumento emfavor da ideia de projeto foi respeitávelnos meios intelectuais dos séculos XVIIou XVIII. Mas desapareceu com todas asoutras alegações que tentavam manter anoção de um propósito no Universo(conhecida na filosofia como teleologia).Os cientistas de hoje oferecem o oposto,um argumento contra o projeto, emborareconheçam que ele pode aparecer

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temporariamente na rodopiantealeatoriedade que governa todas ascoisas.

O lindo projeto encontrado nanatureza – em comparação à meracomplexidade das ilhas de calor – nãopode ser descartado. A ciência é obrigadaa explicar como esse projeto surgiu numUniverso acidental. De sua parte, aespiritualidade está obrigada a explicar ocontrário, como a aleatoriedade surgiunum Universo que tem um projeto. Mas,se a criação está imbuída de consciência,não existe uma guerra entre o acaso e opropósito, entre a aleatoriedade e o

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projeto. Podemos ter os dois ao mesmotempo.

Examine sua própria vida. Você é umser consciente. Às vezes pode andar aesmo apreciando a paisagem; outrasvezes você sabe para onde está indo.Uma hora você rabisca, depois vocêdesenha. Vagar sem rumo não nega umadestinação, assim como um rabisco numbloco de rascunho não nega o estudo debelas-artes. O mesmo se aplica a umaescala cósmica. Num plano maisprofundo, o acaso do aleatório podebeneficiar um projeto. Na esfera humana,resolver um problema, abrindo-o para

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novas possibilidades costuma ser amelhor maneira de chegar a umasolução. A natureza parece concordar. OUniverso combina matéria e energia,aparentemente ao acaso, só para chegar asúbitos saltos de forma e padrão. Antesdo DNA havia uma sopa de aminoácidos.A sopa borbulhou por aí sem um“projeto” visível, mas dela surgiu umprojeto incrivelmente complexo. Isso éobra da criatividade, não de uma guerra.

O aleatório pode facilmente viver navizinhança do desígnio, do projeto, dosignificado. Tudo existe a um só tempona natureza. Glóbulos vermelhos fluem

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aleatoriamente na minha correntesanguínea, mas eu não estou escrevendoessas palavras de forma aleatória. Forçaruma escolha do tipo e/ou – comoacontece quando a ciência diz “escolha omaterialismo” e a religião diz “escolhaDeus” – impõe um obstáculo no caminhoda verdade. Não adianta sequerargumentar antes que todos estejamdispostos a avaliar as questões maisprofundas, com a mente aberta.

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9. O que nos tornahumanos?

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D

DEEPAK

arwin representa um enormeobstáculo numa estrada que a

religião jamais conseguiu trilhar. A teoriada evolução foi um sucesso tão completoque a maioria das pessoas não consegueimaginar alternativa razoável. Mas épossível aceitar todas as heranças denossos ancestrais, traçando a linhagem

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do Homo sapiens a partir dos primeirosprimatas, e, mesmo assim, extrairdiferentes respostas sobre a origem davida humana. A espiritualidade afirmaque essas origens estão num mundotranscendental, para além de qualquerprocesso físico. Antes somos mente,depois matéria. Segundo ErwinSchrödinger: “O que observamos comocorpos materiais e forças nada mais sãoque formas e variações na estrutura doespaço.” Se essa afirmação for verdadeirapara o Universo, também deve valerpara nós, e isso significa que o espaço nãoestá vazio; em sua fonte, ele é humano

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(além de muitas outras coisas). Jesusafirma a mesma coisa de maneira maispoética, no Evangelho de Tomé, quandodiz: “Rachai um pedaço de madeira, e euestarei lá. Levantai a pedra, e ali meencontrareis.”

Então, o que significa “humano”?Somos tão complexos e diversos quepodemos ver nossa espécie daperspectiva que escolhermos. Acho fácilsentar-me numa poltrona e concordarcom Hamlet quando ele exclama: “Queobra-prima, o homem! Quão nobre pelarazão! Quão infinito pelas faculdades!Como é significativo e admirável na

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forma e nos movimentos! Nos atos, quãosemelhante aos anjos! Na apreensão,como se aproxima dos deuses!”

De repente sinto-me transportadopara o período do fim do Renascimento,para um mundo cheio de confiança,ainda ancorado na origem divina dosseres humanos. Mas outra pessoa poderiaescolher um livro-texto sobreantropologia e se transportar, na mesmavelocidade, para o Triângulo de Afar, nonordeste da Etiópia, onde paleontólogosescavaram o mais antigo fóssilremanescente de nossos ancestraishominídeos. As pessoas dos tempos

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modernos tendem a ver essas coisasmateriais – esqueletos, dentesfossilizados, uma fratura no crânioindicando o ataque de outro animal –como provas científicas convincentes. Aomesmo tempo, ossos e fósseis superaramconceitos há muito reconhecidos. Não foisó a religião que Darwin desbancou, mastambém séculos de antropocentrismo, daconvicção de que os seres humanos eramas criaturas mais privilegiadas da criação.De repente, nos tornamos nada mais queum elo na corrente biológica. Lucy, omais famoso exemplo de Australopitecos

afarensis, está muito distante de Hamlet,

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cerca de 3,2 milhões de anos. Cada passoatrás nos deixa mais perto do reinoanimal e mais longe da especial atençãode Deus.

Mas temos de ir até o extremooposto, a fim de avaliar o que significa serapenas humano – ou principalmentehumano –, a partir de restos enterrados.Alguém já disse que entender a mentehumana por meio de evidências físicas éo mesmo que encostar um estetoscópiodo lado de fora do estádio Astrodome deHouston para aprender as regras dobeisebol. A espiritualidade não contestaos paleontólogos e suas arrebatadoras

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descobertas de hominídeos ainda maisantigos que Lucy. (O mais recentecandidato, anunciado em 2009, é Ardi,abreviatura para Ardipithecus ramidus – oesqueleto de um macho datado de 4,4milhões de anos atrás, mais de 1 milhãode anos mais antigo que Lucy, e distantede um ancestral comum ainda nãodescoberto de todos os hominídeos,situado mais ou menos há 10 milhões deanos.) O que a espiritualidade contesta éque qualquer estrutura física, seja elaremota ou atual, nos conte a históriatoda. O reducionismo pode rastrear aestrutura física do corpo até os níveis

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atômico e molecular, mas em nenhummomento dessa trajetória ascaracterísticas físicas nos informam quesomos criativos, cheios de sonhos edesejos, únicos e diferentes uns dosoutros, dotados de memória e capazes demuitas coisas importantes para a nossahistória. Assim como precisamos de umateoria de tudo na física, necessitamos deuma teoria de tudo no que diz respeito aoser humano.

Ao perguntar de onde surgiu a vidahumana, a espiritualidade tem duasvantagens sobre a ciência. A primeira,que parece ser a mais simples, é na

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verdade a mais profunda: aespiritualidade aceita aimprevisibilidade. Para os antigos sábiosvédicos, todo o Universo era Lila, umaexpressão brincalhona e extravagante deDeus. O elemento de espontaneidadenão pode ser descartado da históriahumana. No laboratório, é possíveltornar os ratinhos felizes alimentando-os,e cada vez que eles dão uma mordiscadana comida, um centro específico deprazer se ilumina em seu cérebro. Pode-se dar um passo adiante e treinar osratinhos a esperar a comida sempre queouvem uma campainha ou um zumbido

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(uma variação do famosocondicionamento de cães de Pavlov).Quando os ratos ouvirem esse som, oscentros de prazer em seu cérebrotambém vão se iluminar, mostrando queos animais antecipam o prazer, assimcomo nós, quando pensamos naspróximas férias nas Bahamas ou numpresente de Natal perfeito.

As estruturas do cérebro nos ratos enos homens são parecidas, mas essasemelhança prova muito pouco, pois, aover um prato de comida os homenspodem pensar coisas como “Estoufazendo regime”, “Está malpassado

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demais; eu gosto de carne bem-passada”,“Estou muito ocupado agora para comer”ou “E o que fazer com as criançasfamintas na África?” Nós seres humanostemos incontáveis respostas para omesmo estímulo. Nenhum modelo docérebro humano pode prever queresposta você ou eu escolheremos, nãoapenas diante da comida, mas dequalquer outra coisa. A imprevisibilidadedestrói todas as formas de determinismo,o que é fatal para as explicações físicas,pois os sistemas físicos são regidos porprocessos fixos. Um átomo de carbononão pode escolher se ligar ou não a um

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átomo de oxigênio. Ao se encontrarem, ainteração está determinada. Quando doisseres humanos se encontram, eles podemnão partilhar nenhuma química!

Se você perguntar em que momento aimprevisibilidade entrou no registro daevolução (isto é, quem foi o primeirohomem a dizer “Pode ficar com o meuosso de mastodonte, não estou comfome”?), as respostas científicas semprerecuam. Ouvimos sobre genes egoístas egenes altruístas fazendo com que noscomportemos de uma maneira muitohumana. Mas ainda que pudéssemoslocalizar um gene para o egoísmo e outro

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para o altruísmo, não seria necessário umterceiro gene para escolher entre os dois?Afinal, podemos ser egoístas e altruístas.Onde está o gene que me mostra comoselecionar esta palavra entre as mais de30 mil do meu vocabulário, ou qualreação química determina onde eu voualmoçar entre centenas de restaurantesde uma cidade de tamanho médio?

A segunda vantagem daespiritualidade sobre a ciência é valorizara riqueza da experiência. Você podereduzir qualquer resposta do cérebro aação e reação, estímulo e resposta.Imagine um limão com uma faca ao lado.

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Na minha imaginação, vejo uma mãopegar a faca e cortar o limão ao meio,depois observo o suco ser espremido.Quase todos nós vamos salivar ao fazeresse exercício, o que demonstra, para umreducionista, que somos como os cães dePavlov, salivando quando ouvem acampainha. Mas cães não salivam porlimões imaginários, enquanto nós fazemosisso e muito mais: criamos mundosinteiros em nossa imaginação. A riquezada experiência interior abrange tudo queé humano; e também nos define. Nósvicejamos nos significados, definhamos eatrofiamos em sua ausência.

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A neurociência procura essascaracterísticas no tecido cerebral. Seuponto de vista e seus métodos exigemessa abordagem. Mas isso dá margem auma estranha cegueira. Na minhaexperiência, não é possível convencer osreducionistas a deixar de acreditar nummundo em que os processos físicosacabam explicando o significado, odesígnio e tudo mais. Estariam mais bem-servidos se percebessem um fato simples:não é possível começar em um cosmosem sentido e chegar até a riqueza dosignificado da vida humana. Aespiritualidade inverte o telescópio e

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observa a experiência em primeiro lugar.Depois, se você perguntar de onde veio avida humana, a resposta será: o querealmente importa não tem começo nemfim. A vida humana está imbricada numdomínio além do espaço-tempo, comotudo mais. A seguinte passagem vem doEvangelho de Tomé: “Se elesperguntarem ‘de onde vens?’, diga-lhes:‘Nós viemos da luz, do lugar onde a luzse fez por conta própria.’” A beleza dessapassagem é que ela vale tanto para aciência quanto para a espiritualidade.

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E

LEONARD

m 1522, os habitantes do distrito deAutun, na França, ficaram furiosos ao

descobrir que os ratos tinham comido acolheita de cevada. Os animais não eramdonos da cevada, nem tinham sidoautorizados a comê-la. Os aldeões foramao tribunal e conseguiram uma intimaçãoordenando que os ratos fossem julgados.

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Parece estranho, mas o Êxodo diz: “Seum boi atacar um homem ou umamulher, e eles morrerem, o boi terá deser apedrejado.” Então, por que os ratosdeveriam estar acima da lei? Na verdade,segundo os registros, em toda a Europa,entre o século IX e o XIX, uma grandevariedade de animais que violaram leishumanas foram a julgamentoexatamente como as pessoas. Bois,porcos e touros eram encarcerados,torturados para confessar e atéenforcados pelo mesmo verdugo queexecutava os homens. Em Autun, umoficial de justiça foi até uma área onde se

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acreditava residir os supostos ofensores,e foi lida uma solene notificação, em altoe bom som, exigindo que os ratoscomparecessem ao tribunal. Quando elesnão apareceram, um advogado de defesadesignado pela corte argumentou queseria preciso mais tempo para quefizessem a viagem até o tribunal. Quandonão apareceram pela segunda vez, oadvogado arguiu que não se podiaesperar que os ratos corressem o risco deser mortos por gatos hostis para atenderà intimação. Esses julgamentos, naverdade, não diziam respeito a vingançacontra animais malignos. Os sistemas

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legais tratam de algo mais que castigo eintimidação: a questão é manter a ordemsocial, e, nesses casos, a necessidade deseguir os papéis sociais atropelava todasas dúvidas para saber se pássaros têmalma, se abelhas são dotadas de másintenções ou se ratos do campo sãocapazes de armar uma trapaça.

A organização em redes sociais é umaspecto diferenciador da nossa espécie.Claro que não encontramos ordem socialapenas entre os seres humanos, mastambém em animais como formigas,cupins e abelhas. Um de nossoscompanheiros mamíferos também vive

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em sociedades altamente organizadas – orato-toupeira pelado. Esses animaisconstroem sua casa em colmeiassubterrâneas apoiados numa força detrabalho especializada e mantidos poruma só rainha procriadora. Sozinho, umrato-toupeira pelado não poderia semanter aquecido, conseguir alimento ouevitar os predadores, por isso, nãoduraria muito. Mas mesmo esse animalaltamente socializado, ao esbarrar comoutros de sua espécie, não conjectura se abusca por alimento o deixou estressado,não analisa o que sente sobre a situaçãodos predadores nem formula questões

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sobre os roedores famintos na África. Umser humano, por outro lado, pode ajudarum estranho idoso a atravessar a rua,conjecturar sobre como outra pessoa sesente e não confiar num médico que useargola no nariz. Além disso, os homensdesenvolveram uma cultura, o queoutras espécies só apresentam sob formamuito rudimentar. As pessoas sãonaturalmente miméticas. Por isso,mesmo quando ainda vivíamos nafloresta, éramos capazes de aprendercoisas novas, atitudes que iam além doinstinto, ao observar uns aos outros,vantagem que a maioria das outras

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espécies não possui. Podem ter sesucedido milhares de gerações de ursosaté se desenvolver a densa pelagem, masnossa espécie só precisava que um sóhomem tivesse a ideia de esfolar um ursopara fazer um casaco de pele,possibilitando assim que nossa espécieficasse sempre aquecida. Hoje nosbaseamos em descobertas humanas feitasao longo de milhares de anos epartilhamos nosso conhecimento com omundo todo.

Os laços que cimentam a sociedadehumana são muito mais complexos queos existentes entre outros animais.

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Mesmo comparada aos de nossosparentes mamíferos mais próximos,nossa capacidade social se destaca. Afamília taxonômica a que os sereshumanos pertencem é chamadahominídeos, e nosso gênero, uma espéciede “subfamília” de parentes maispróximos, se chama Homo. Nossaespécie, o Homo sapiens, é uma entre maisde uma dúzia de gêneros de Homo, sendoque os mais conhecidos, além de nós, sãoos neandertalenses, o Homo habilis e oHomo erectus, todos eles, claro, mortos hámuito tempo – talvez por falta daquelashabilidades sociais mencionadas. Muitas

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dessas espécies não humanas seenvolveram em atividades semelhantesàs dos homens, como o uso deferramentas, o domínio do fogo, oenterro dos mortos e rituais culturais,como pintar o próprio corpo. Masnenhuma vivia numa sociedade tãocomplexa quanto a nossa.

Quais são os talentos específicos quenós homens desenvolvemos e que nospossibilitam interagir de forma tão eficazcom tantos outros seres humanos, viverem cidades com mais de 1 milhão ou até10 (ou mais) milhões de habitantes? Umdesses talentos é a linguagem. A

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linguagem não só facilita muito asinterações sociais como tambémpossibilita a transmissão deconhecimento pela sociedade e ao longodas gerações. Golfinhos e macacospodem trocar sinais, mas só os sereshumanos têm capacidade de explicar aseus filhos os matizes complexos. Umcódigo moral também é importante.Nossos ancestrais primatas podem nãoter tido necessidade de se preocupar comuma sociedade em crise por causa defraudes em investimentos, mas em geralas pessoas que vivem juntas sãomelhores na relutância que demonstram

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para bater na cabeça dos outros com umapedra. Talvez pareça que os sereshumanos estão sempre em guerra, masnossa resistência em matar é na verdadetão forte que uma pesquisa feita peloExército dos Estados Unidos durante aSegunda Guerra Mundial concluiu que80% dos combatentes não conseguiamatirar no inimigo, mesmo quandoatacados.

Os seres humanos também sãocapazes de gestos altruístas maisdeliberados e abrangentes que outrasespécies, e certas estruturas do nossocérebro relacionadas ao processo de

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recompensa entram em ação quandoparticipamos de atos de cooperaçãomútua. Até bebês de seis meses avaliamos outros baseados no comportamentosocial. Em uma experiência, alguns bebêsobservavam um “escalador” queconsistia em um disco de madeira comgrandes olhos na superfície. O escaladorcomeçava a subir uma rampa, tentavachegar ao topo, mas não conseguia.Passado algum tempo, às vezes um“triângulo auxiliar” – com olhossemelhantes na superfície – vinha debaixo e ajudava o escalador com umempurrão. Outras vezes, um “quadrado

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daninho” se aproximava do alto darampa e empurrava o escalador circularpara baixo. Os organizadores doexperimento investigavam se os bebês,sem interferência ou envolvimento deum espectador, tomariam alguma atitudeem relação aos quadrados daninhos. E foio que aconteceu, a julgar pela tendênciados bebês de tentar pegar os triângulosauxiliares, e não os quadrados daninhos.Mais ainda, quando o experimento foirepetido com um espectador auxiliar ouneutro, e depois com um daninho ouneutro, os bebês preferiram os triângulosamigos ao bloco neutro, e preferiram o

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bloco neutro aos antipáticos quadrados.Muito antes de conseguir verbalizar aatração ou o repúdio, nós temos umsentido de moralidade – somos atraídospelos bons e repudiamos os não bons.

Outra característica que distingue osseres humanos de outras espécies é nossodesejo e nossa capacidade de entender oque outros da nossa espécie pensam esentem. Essa capacidade é chamada de“teoria da mente” ou “TdM”, paraabreviar. A TdM nos permite entender ocomportamento passado de outraspessoas e prever os desdobramentos desua atitude em circunstâncias presentes

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ou futuras. Só os seres humanos têm umaorganização social e relações que exigemmuito da TdM de cada um, e, embora oscientistas ainda debatam se algunsprimatas não humanos usam a TdM,caso usem, parece ser num nívelrudimentar. Nos homens, porém, umasimples TdM se desenvolve nosprimeiros anos de vida, e aos quatro anosquase todas as crianças já são dotadas dacapacidade de avaliar os processosmentais de outras pessoas. É isso que nospossibilita organizar grandes esofisticados sistemas sociais, desdecomunidades agrárias até grandes

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corporações. Quando essa característicaé disfuncional, como no caso dos autistas,as pessoas podem ter dificuldade paraviver em sociedade.

Todas essas características – emespecial a TdM – exigem certaquantidade de poder cerebral, e por issoas vantagens da interação social para asobrevivência podem ser um fator aindamais importante na evolução do cérebrohumano que as habilidades ou acapacidade de tomar decisões,possibilitadas pelo cérebro.

As características em debate vão aocerne do que nos torna humanos, e

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estamos nos aperfeiçoando cada vez maisno mapeamento das áreas do cérebroresponsáveis por elas. Mas Deepak vêcomo fonte da nossa humanidade, algomenos tangível, que vai além do físico.

Deepak argumenta que aespiritualidade tem a vantagem de incluira imprevisibilidade e a espontaneidadecomo elementos-chave na “históriahumana”. Diz que a busca da base físicada essência humana vai fracassar, poissomos imprevisíveis, que “aimprevisibilidade destrói todas as formasde determinismo”, e por isso é “fatal paraas explicações físicas”. Isso não é

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verdade. A teoria quântica, por exemplo,é famosa pelos limites que impõe àprevisibilidade, e os físicos se dão muitobem com ela. Mesmo sem apelar para asleis esotéricas da teoria quântica,podemos encontrar inúmeros exemplosde imprevisibilidade que não violam asleis do mundo material. Um exemplo é oplaneta anão Plutão, que apresenta umaórbita caótica: seu trajeto não pode serprevisto a longo prazo – mas isso nãoquer dizer que Plutão desobedeça as leisde Newton. Ou considere o caminho deum simples pedregulho rolando por umaencosta rochosa. Nenhum físico acredita

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que pode prever o trajeto, mas ninguémacha que o caminho percorrido pelopedregulho está além de uma explicaçãofísica. Ao tomar um caminhoimprevisível, um furacão parece se movercom intenção própria, mas não é o queacontece.

A verdadeira questão no argumentode Deepak é o livre-arbítrio. Embora elatenha importantes implicações na nossavisão de nós mesmos, do ponto de vistaprático sua relevância é problemática.Isso porque, tenhamos ou não livre-arbítrio em princípio, na prática pareceque temos, pois nosso comportamento é

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muito difícil de prever. Não existecontradição em dizer que nossas decisõessão determinadas pelas leis da física,ainda que ainda não saibamos comoprever esse comportamento comexatidão. Assim como o planeta anãoPlutão, os seres humanos podem muitobem ser tão complexos que nossasatitudes e decisões continuem parasempre imprevisíveis, até certo ponto.Mas dizer que não podemos prever asatitudes das pessoas é uma afirmaçãosobre nossos poderes de previsão, nãosobre se temos livre-arbítrio.

Deepak escreve que um átomo de

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carbono não tem escolha a não ser seligar a outro átomo de carbono, mas (eleinsinua) o que torna os seres humanosespeciais é que podemos escolher, portermos livre-arbítrio. O livre-arbítrio éum tema extremamente fértil. Apsicologia moderna e a neurociênciaabordaram o assunto utilizando umasérie de técnicas, desde estímuloselétricos diretos a sofisticadas imagens docérebro e à neurofisiologia animal. Naverdade, a ciência está desafiando nossacompreensão intuitiva e tradicional arespeito das escolhas humanas:experimentos diversos parecem indicar

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que elas são muito mais automáticas erestritas do que gostaríamos. Vamosconsiderar nosso gosto em relação àbeleza facial. Parece algo muito pessoal,definido por nossa sensibilidadeindividual, embora talvez tambéminfluenciado pela cultura em quevivemos. Inúmeros estudos mostram quehomens e mulheres, a despeito de culturae de raça, costumam concordar sobre osrostos mais atraentes – e que essaspreferências surgem muito cedo na vida.A chave? Rostos com feições maispróximas da média são consideradosmais atraentes. Então, se você estiver em

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busca de astros de cinema, a receita ésimples: jogue uma centena de rostosaleatórios de homens e mulheres numcomputador gráfico especialmenteprogramado e tire uma média. Não éromântico, mas funciona – os rostosresultantes dessas manipulações são osque consideramos atraentes. Nosso sensode moralidade também parece serbasicamente inato. Estudos mostramque, quando confrontados com umasituação que envolve questões morais, aspessoas chegam a um julgamento moralde forma rápida e inconsciente, e só umafração de segundo depois estabelecem

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uma razão consciente para justificar oque sentem, baseadas em valorespráticos ou religiosos.

Até agora as evidências apoiam avisão de que os arranjos físicos de todosos átomos e moléculas, bem como as leisda natureza que os governam,determinam nossas ações futuras, damesma forma que determinam as açõesdo Sol ou o crescimento de um botão derosa. Mas a ciência não provou que nãoexiste uma consciência imaterialmoldando nossas decisões, nem estáclaro se algum dia conseguiremos provara ausência de um fenômeno, como a

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“alma”, que não tenha uma manifestaçãofísica. Tudo que a ciência pode dizer naverdade é que, se isso existisse, seusefeitos no mundo material já teriam sidonotados, e até agora inexiste qualquerevidência concreta desses efeitos.

Pode ser difícil acreditar que anatureza governe nossas ações, e nãoalguma versão de um eu imaterial quetranscende as leis da natureza. É muitodifícil nos enxergarmos de forma precisae objetiva. Todos os nossos julgamentossão feitos em referência às nossasconvicções e expectativas anteriores,que, por sua vez, são influenciadas por

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nossos desejos. O especialista em ilusõesAl Seckel me apresentou uma fantásticademonstração de como a expectativapode moldar nossas convicções.Começou com um trecho de uma cançãoda banda Led Zeppelin: “Se houver umagito na sebe, não se assuste, /É apenasuma faxina da primavera para a rainhade maio.”1

Os versos seguintes dizem que,embora haja diversas maneiras de viver avida, sempre se pode mudar de direção.Depois de me mostrar a canção, Seckelapresentou-a outra vez de trás para afrente, efeito fácil de obter usando-se um

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aplicativo de edição de som. Pareceabsurdo esperar que a voz de um cantorfaça sentido linguístico tocada tanto paraa frente quanto para trás, e realmenteouvi a versão de trás para a frentediversas vezes. Como eu tinhaimaginado, ela soou totalmentedescabida. Mas Seckel garantiu queaquela canção fazia sentido quandotocada ao contrário, e que Led Zeppelinteve essa intenção. Para me ajudar aentender a mensagem codificada naquelaversão, ele me ofereceu uma referência –uma versão impressa do texto de tráspara a frente, para eu ler enquanto ouvia.

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Eis o que dizia:

Ó aqui está meu doce Satã. Aquele cujo

Pequeno caminho me deixou triste, cujo

poder é Satã.

Ele dará aos que estiverem com ele 666,

existe uma pequena oficina onde ele nos

fez sofrer, triste Satã.2

Pensei que quando ouvisse a cançãode novo eu iria continuar achando a letrasem pé nem cabeça, mas, quando aacompanhei com o texto impresso, fiqueichocado ao perceber como as palavras

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realmente combinavam. Eu agora estavaconvencido de que Seckel estava certo, etive dificuldade para entender como nãoconseguira distinguir aquelas palavrasdas primeiras vezes! Fiquei atônito. Emseguida Seckel disse que o Led Zeppelinna verdade não tinha codificado amensagem satânica, que as palavrashaviam sido inventadas. Era possívelarranjar outras que se encaixassemnaquela incoerência, ele explicou, e euteria acreditado que estavam na canção,se tivesse me apresentado antes comoletra.

Quando percebemos a realidade sem

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preconceito, como eu fiz da primeira vez,a mente julga o mundo de forma bemdiferente do que quando o avalia nocontexto de uma convicção ouexpectativa, como fiz quando Seckel medeu o texto. Isso também se aplica àforma como percebemos a nós mesmos.Nosso “eu” é o elemento maisfundamental do nosso mundo, e nãoconseguimos abordar o sujeito do “eu”sem vieses ou preconceitos. Será quenosso sentimento intuitivo quanto aolugar especial que nossa espécie ocupa noUniverso (e quanto ao livre-arbítrio quenos torna tão especiais) está correto,

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como na compreensão das letras dacanção? Ou será uma ilusão de nossasubjetividade, como na compreensãodaquela letra quando tocada de trás paraa frente?

Como podemos julgar a nós mesmose a humanidade a partir do lado de fora,como se não fôssemos um de seusintegrantes? Alienígenas avançadostalvez nos agrupassem com esquilos eratos – seres inferiores, meros autômatos– e vissem a si mesmos como seresdiferentes, como se fossem a únicaespécie realmente inteligente, a únicadotada de livre-arbítrio. Mas, segundo as

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provas da ciência até agora, eles tambémestariam enganados. Todos nós somosregidos pela mesma física, a física destemundo material. Admito que é estranhopensar em mim como uma máquinabiológica regida pelas mesmas leis quegovernam Plutão. Mas a compreensão daminha essência não diminui meureconhecimento do valor que é estarvivo, até o amplia. Este não é umprincípio científico, é só a maneira comoeu me sinto.

1 If there’s a bustle in your hedgerow, don’t be

alarmed now, /It’s just a spring clean for the

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May queen. (N.T.)

2 Oh here’s to my sweet Satan. The one whose

/Little path would make me sad, whose power

is Satan. He’ll /Give those with him 666, there

was a little tool shed where /He made us suffer,

sad Satan. (N.T.)

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10. Como funcionam osgenes?

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N

LEONARD

o dia 25 de abril de 1953, dois jovenspesquisadores da Universidade de

Cambridge, na Inglaterra – JamesWatson e Francis Crick – publicaram umtrabalho na revista Nature argumentandoque a estrutura do DNA consistia emduas fitas entrelaçadas, organizadasnuma dupla hélice, algo parecido com

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uma escada de corda retorcida. Nomodelo proposto, cada degrau da escadaconsistia em uma molécula chamada debase para uma corda, pareada com umabase complementar da outra corda.Assim, se você separasse as cordas, cadauma agiria como modelo a partir do qualpoderia se criar uma nova parceiracomplementar. Dessa forma, umamolécula de DNA poderia se transformarem duas. O artigo de Watson e Crick eracurto e tinha só uma frase sugerindo suasimplicações: “Não nos passoudespercebido que o pareamentoespecífico aqui postulado indica um

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possível mecanismo de cópia do materialgenético.”

O artigo de Watson e Crick foipublicado quase exatamente dois anosdepois da morte de Einstein. Aocontrário da relatividade geral, otrabalho dos dois não representava umgrande salto conceitual; nenhum avançoteria deixado de acontecer caso eles nãotivessem chegado ali. Mas ele marcou oinício de uma nova era na biologia, quepermitiu aos cientistas estudar osdetalhes da hereditariedade no planomolecular. Ninguém sabia onde aquelainvestigação ia dar, embora Watson e

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Crick tenham divulgado, um mês depois,um texto especulativo sobre o significadodo primeiro trabalho. Em junho, o New

York Times publicou um artigo com umtítulo tímido: “Encontrada pista para aquímica da hereditariedade”, com umaadvertência do famoso químico LinusPauling, da Caltech, declarando “nãoacreditar que haviam afinal resolvido oproblema da compreensão da genéticamolecular”. Pauling – que no anoseguinte ganharia o primeiro de seus doisPrêmios Nobel – estava certo.

Quanto pode ser complexo omecanismo da hereditariedade? Hoje,

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quase sessenta anos depois, foramrealizados incríveis progressos, porém,milhares de cientistas continuamtrabalhando nos detalhes.

A ideia da evolução retrocede até osgregos antigos, mas o que muitosconsideram a primeira teoria coerentesobre o assunto – envolvendo o conceitode traços hereditários – foi proposto porvolta de 1800, décadas antes de Darwin,pelo cientista francês Jean-BaptisteLamarck. Segundo a evoluçãodarwiniana, novas características, comoo longo pescoço da girafa, surgiam pormeio de mutações; isso queria dizer que

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as características de uma criança nãonecessariamente correspondiam àscaracterísticas de seus pais. Se, numdeterminado ambiente, o novo traço semostrasse vantajoso, a criança sedesenvolvia, se reproduzia e transmitia amutação para as gerações seguintes.Contudo, Lamarck acreditava que ostraços dos animais não se limitavam aosefeitos da hereditariedade. Ele achavaque essas características podiam mudarao longo da vida de um organismo, a fimde permitir que ele se adaptasse melhorao ambiente; e que o traço recém-desenvolvido podia então se transmitir

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para a geração seguinte. Segundo essavisão, por exemplo, se uma girafa fossetransladada de repente para umambiente com árvores mais altas, seupescoço ficaria mais longo, o que fariacom que seus filhotes também nascessemcom pescoços mais longos. Hojechamamos esse processo de herançabranda. Não é o caminho em geralpercorrido pela evolução, ainda que,recentemente, os cientistas tenhamdescoberto que tais processos ocorrem,dando origem a um campo chamadoepigenética, ao qual voltaremos adiante.

As teorias da evolução de Darwin e

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Lamarck suscitam uma questão crucial:como as características passam de paipara filho? Em 1865, o monge tchecoGregor Mendel publicou um artigomostrando que certos traços das ervilhas,como formato e cor, são transmitidos empacotes discretos que agora chamamosde genes, mas seu trabalho não foireconhecido até o fim do século XIX.Enquanto isso, a molécula agoraconhecida como DNA era descoberta em1869 por Friedrich Miescher, físico suíçoque estudava glóbulos brancos extraídosdo pus em gazes cirúrgicas. Miescher nãoimaginava para que servia aquela

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substância, mas sabia que era muitoimportante – na verdade, em quase todasas células humanas, existe DNAsuficiente para fazer um fio de quase doismetros. A relação entre genes e DNA sófoi percebida em 1944. Antes disso, sehavia algo em que os cientistasacreditavam, era que a o DNA não era amolécula da hereditariedade. Isso porqueele era simples demais – pensava-se queera formado apenas por quatrocomponentes diferentes, chamadonucleotídeos. (Cada nucleotídeo consisteem uma base, como mencionei – entrequatro tipos diferentes –, mais duas

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outras pequenas moléculas, uma deaçúcar e uma de fosfato, que agorasabemos formar a espinha dorsal doDNA.) Em 1944, depois de muitos anosde complicados experimentos, um tímidopesquisador de 27 anos chamado OswaldAvery e seus colegas mostraram que, seextraído de uma bactéria morta einjetado numa cepa viva, o DNA injetadoprovocava mudanças permanentes noDNA da cepa e em suas característicasvivas, e isso era passado para as geraçõessubsequentes. O trabalho de Averyinspirou a pesquisa para descobrir aestrutura daquela misteriosa molécula,

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culminando na descoberta da duplahélice por Watson e Crick, em 1953.

Grosso modo, no jargão moderno,um gene é a região do DNA de umorganismo que contém instruções paragerar uma proteína específica. Osbiólogos dizem que o gene “serve decódigo” para a proteína. O código, oureceita, é escrito com apenas quatroletras – A, C, G e T, que são as quatrobases do DNA –, mas o livro de receitas ébem grande, contendo mais de 3 bilhõesde pares de bases. Quando a receita ébem-preparada para criar o produto daproteína, diz-se que o gene foi

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“expressado”. Todas as proteínas são“cozidas” a partir de uma despensa deapenas vinte aminoácidos. As proteínasconstituem boa parte de qualquerestrutura física de um organismo, estãoenvolvidas em quase todas as funçõescelulares e controlam todos os processosquímicos dentro da célula. Nosso corpocontém mais de 100 mil diferentesproteínas, incluindo hormônios, enzimas,anticorpos e moléculas transportadoras,como a hemoglobina.

Os traços que herdamos sãodeterminados pelas proteínas que onosso corpo produz; estas, por sua vez,

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são ditadas pelas receitas contidas emnossos genes. O livro de receitas comtodas essas receitas é uma obra em váriosvolumes chamado genoma, sendo que osdiferentes volumes se denominamcromossomos. Todos nós temoscaracterísticas distintas, algumasproduzidas pelo ambiente e pelasexperiências, outras derivadas dahereditariedade. Como cada um temelementos de hereditariedadedessemelhantes, meu genoma é diferentedo seu. O que significa, então, falar de“genoma humano”?

Nossas diferenças pessoais nos

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parecem grandes. Alguns preferem cavara neve a ouvir ópera, enquanto outrosnão conseguem se imaginar num mundosem A traviata. Alguns fazem um pedidode casamento num tranquilo piqueniquena praia, outros, numa mesa dachurrascaria Outback, perto de umaequipe de rúgbi bêbada. No nível dosgenes, contudo, o que nos distingue émuito, muito mais que aquilo que nostorna diferentes: os genomas dequaisquer dois seres humanos diferemapenas uma letra em cada mil. Eles sãovirtualmente idênticos, como cópias domesmo livro, diversos apenas nos erros

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tipográficos.

A metáfora dos erros tipográficoscabe bem nesse caso: nossasdessemelhanças genéticas surgiram pormeio de mutações – alterações aleatóriasnas letras genéticas – que ocorreram aolongo de milênios. Essas alterações sãoresponsáveis pela parte de variabilidadehumana que não se deve a diversidadesde experiência ou de ambiente, como asdiferenças de tipos sanguíneos, cor dosolhos e cabelos, traços faciais e talvez atéda razão por que alguns conseguemcantar, enquanto outros podem serusados para espantar ratos do porão.

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Levando em conta tudo isso, constaque os humanos têm 23 mil genes, atéagora. Menos que uma salamandra ouuma uva, e isso vai incomodar um poucoos que acreditam que tamanho édocumento. O exemplo ilustra os perigosde um pensamento simplificado demais,pois, embora eu tenha feito um apanhadogeral de como os genes se ligam àscaracterísticas, é importante ter emmente que essa é uma versão muitosimplificada. Por exemplo, cada célulanão tem só uma, mas duas cópias do livrode receitas, pois recebemos um genomaintacto de cada genitor. Quando as

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receitas entram em conflito, umaprevalece sobre a outra. Às vezes sela-seum acordo, ou cria-se uma proteínacompletamente diferente. Além disso,muitos genes contribuem com receitaspara mais de uma proteína – quasemetade dos nossos genes divide-se paraproduzir proteínas múltiplas, razão pelaqual temos mais de 100 mil proteínas,mas só 23 mil genes.

O efeito de um gene dependetambém de uma grande quantidadedaquilo que se chama de “regulaçãogenética” – processos que determinam sea receita ditada pelo gene é mesmo

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levada adiante ou expressada. No planomolecular, a regulação genética acontecequando certas substâncias químicasinteragem com partes da molécula doDNA para desativar um gene. É isso quefaz, por exemplo, com que dois gêmeosidênticos – que por definição têm omesmo DNA – sejam tão diferentes.Entre os roedores chamados ratos aguti,um dos gêmeos pode ser magro ecastanho, enquanto o outro é obeso eamarelo. Os ratos amarelos obesos sãoresultado de efeitos ambientais. Às vezeseles ocorrem em condições naturais, masquando as ratas aguti grávidas são

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expostas a uma substância chamadabisfenol A, presente em muitas garrafasplásticas de bebidas, nasce um númeromaior de ratos amarelos e obesos.Descobriu-se que, como resultado dessaexposição, o DNA dos filhotes temmenos “metilação”, processo que desligagenes. Isso resulta na excessiva produçãode certa proteína que, em alguns ratos,têm dois efeitos distintos – um na pele(impedindo que as células gerempigmentos pretos) e outro no cérebro(afetando o comportamento alimentar).Embora as girafas não desenvolvampescoços mais longos esticando-se para

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alcançar as árvores, como acreditavaLamarck, a expressão dos genes – eportanto a formação de um indivíduo –pode ser profundamente afetada peloambiente, por meio da regulaçãogenética, e não é preciso haver toxinasquímicas para isso. Coelhos do Himalaia,por exemplo, são portadores de um genepara o desenvolvimento de pigmentos.Mas o gene permanece inativo emtemperaturas acima de 35°C, mais baixasque a temperatura do corpo do animal,exceto as extremidades, que são maisfrias. Por isso, os coelhos do Himalaia sãobrancos, com orelhas, ponta do nariz e

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patas pretos.

Mudanças como essas, atribuíveis amecanismos outros que não umaalteração no DNA subjacente, sechamam epigenéticas. Por causa daregulagem do gene e das alteraçõesepigenéticas, pode haver muitascaracterísticas em um organismo (dequalquer espécie) que não estavam ali naconcepção, mas refletem a interaçãoentre o genoma e a informação recebidado ambiente do organismo, durante operíodo no útero e depois, ao longo davida. Em alguns casos, essas alteraçõesepigenéticas podem ser observadas ao

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longo de muitas gerações. Essesexemplos correspondem a uma visãolamarquiana da evolução, segundo a qualcaracterísticas que mudam durante otempo de vida de um indivíduo podemser transmitidas para os descendentes.

Outra complicação nessa imagemsimples é que apenas 1% ou 2% dogenoma correspondem aos genes quedescrevi acima, as receitas para asproteínas. O restante foi mal batizadopelos cientistas como “DNA lixo” antesmesmo que alguém entendesse para queservia; mas, desde então, descobriu-seque a maior parte desse DNA

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“intergênico” ou “não codificado” –termos preferidos agora pelos cientistas –na verdade desempenha uma importantefunção. Mais ou menos metade deleestabiliza a estrutura do cromossomo,que é uma sequência de DNAempacotada numa proteína. Outrassequências definem onde os genescomeçam e terminam, algo parecido coma letra maiúscula e o ponto final, nalinguagem escrita. Sequênciasdenominadas pseudogenes são cópias degenes normais contendo um defeito queevita sua expressão como proteína.Costumam ser consideradas vestigiais –

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talvez o único verdadeiro “lixo” do nossogenoma. Porém, uma descoberta feitaem 2010 indicou que elas podem terimportante papel epigenético, ao impedirque seus genes irmãos sejam desativados.

Se tudo isso parece complicado, ébom que assim seja, pois coisas vivas são

complicadas. Em programação decomputadores, um kludge é umaalteração ad hoc e inteligente (mas nãoelegante) em um programa, para se obteralgum propósito adicional, ou talvez paraconsertar um bug. Um programa commuitos kludges pode ser complexo e difícilde decifrar, para o leigo. Mas é assim que

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funciona a evolução. Por exemplo,nossos ancestrais precisavam de umacauda quando ainda tínhamos o genepara fazer uma cauda; mas, em lugar desimplesmente extirpar o gene com odesaparecimento da necessidade dacauda, a seleção natural o desligou.

Embora, de maneira geral, as ideiasda ciência possam ser descritas de formasucinta, a incrível complexidade dossistemas biológicos não se encaixamnesse panorama. É possível definir ohipocampo como uma minúsculaestrutura no fundo do cérebro, comimportante função nas emoções e na

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memória de longo prazo, e até aí adefinição é bem precisa; mas o livro-textopadrão sobre o hipocampo tem algunscentímetros de espessura. Outro trabalhorecente, um artigo acadêmicoresenhando as pesquisas dosinterneurônios – um tipo de célula neuralde outra parte do cérebro, chamadahipotálamo –, tinha mais de cem páginase citava setecentos intrincadosexperimentos. Poucos de nós teriamcapacidade ou paciência para digeriressas publicações. Contudo, e felizmentepara o arcabouço de conhecimentohumano, há os que se sentem atraídos

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por esses textos, graças a sabe-se lá qualinteração entre genomas e meioambiente.

Como somos seres humanos,costumamos preferir ligações simples,como uma correspondência fácil entreum só gene e uma característica oudoença, e os cientistas às vezesconfirmam isso – como na fibrose císticaou na anemia falciforme. A metafísica deDeepak sempre se sente à vontade parafornecer respostas fáceis, porém vagas, eafirmações sem base, como “não épossível começar em um cosmo semsentido e chegar até a riqueza do

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significado da vida humana”, ou “a vidahumana está imbricada num domínioalém do espaço-tempo”. Mas a ciênciaprecisa dar respostas que sejamverdadeiras, determinadas porexperimentos, e a verdade raramente éuma coisa simples.

A riqueza da vida vem de suacomplexidade. É uma grande dádivapoder viver, amar e funcionar como umser, com o esforço cooperativo demilhares de trilhões de célulasorganizadas de forma intrincada eelaborada. Mas, mesmo em meio àcomplexidade da vida, é possível

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encontrar uma unidade. Eu disse acimaque só 0,1% de nossos genes diferenciaum ser humano de outro. Adessemelhança genética entre umapessoa e um chimpanzé é apenas quinzevezes mais que isso – nós partilhamos98,5% de nossos genes com nossosprimos primatas, mais de 90% com oscamundongos e 60% com as moscas-das-frutas. Parece existir uma integridade navida na Terra, resultado de sua basecomum, a molécula de DNA.

Estamos todos aqui – da uva àsmoscas-das-frutas e aos seres humanos –,seguindo em frente com nosso DNA.

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Todas as criaturas da Terra são umaexpressão única disso. Porém, por maisque sejamos únicos, todos os organismostêm em comum o mesmo mandamentoevolutivo: promulgar sua própria versãoespecífica da extraordinária molécula quedescobriu sua própria existência em 1869– disfarçada num ser chamado FriedrichMiescher.

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N

DEEPAK

uma perspectiva espiritual, meupapel não é argumentar contra o

belo relato tecido por Leonard sobrecomo os genes evoluíram até a ricacomplexidade que hoje exibem. Emtodas as grandes questões que temosdiante de nós, a ciência é nossa melhorforma de descrever eventos físicos. Mas,

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falando em termos espirituais, os genesexistem para fazer mais que oferecer umlivro de receitas para a vida. Vamos ver oque é esse “mais”, que contém muitassurpresas.

Considero de grande importância opequeno número de genes humanos, masé preciso certa discussão para explicarpor quê. Quando o Projeto GenomaHumano estava próximo da conclusão,em 2003, houve certas apostas informais.Será que teríamos 80 mil ou 120 milgenes? O pressuposto era de que, comoespécie mais avançada do planeta, nossacomplexidade exigisse muito mais genes

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que qualquer outra. Que assombro,então, quando o número ficou entre 20mil e 25 mil, mais ou menos o mesmoque a galinha ou uma forma inferior,como o nematódeo. O milho tinha mais

genes, o que foi espantoso. Vivenciamosuma versão minorada do choque queabalou os vitorianos quando Darwinrevelou que o Homo sapiens, assim comotodos os mamíferos, era descendente dospeixes.

Em ambos os casos, o choque semostrou muito producente. ComoLeonard descreveu tão bem, ahereditariedade é muito mais flexível do

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que se poderia supor cinquenta oumesmo vinte anos atrás. Naquela época,nós estávamos chegando no ponto emque dizer que “meus genes me levaram afazer isso” se tornara uma explicaçãouniversal: meus genes me faziam comerdemais, causavam minha depressão,reduziam meu apetite sexual, metornavam um suicida ou me faziamacreditar em Deus. O código da vida erainterpretado como um código legal. Noentanto, as células não são estruturasfixas: elas são fluidas, mutáveis edinâmicas; respondem a pensamentos esentimentos; adaptam-se ao ambiente

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com toda a imprevisibilidade de umapessoa. Para qualquer um que valorize asricas possibilidades da vida, essa foi umaótima notícia.

Quando as crianças aprendem naescola sobre a dupla hélice, o exemplousado é sempre o de que existe um genepara olhos azuis, outro para cabelo loiroe ainda outro para as sardas. Isso dá aimpressão de que um gene é igual a umacaracterística, mas essa é a exceção, não aregra. Já mencionei como foi frustrantepara os geneticistas verificar que aquiloque deveria ser uma simples indicação daaltura a ser atingida por uma criança se

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transformara num processo dinâmico ecomplexo, envolvendo não só vintegenes diferentes, mas também um montede fatores externos, ambientais. Pareceque a doença de Alzheimer e o câncerabrangem ainda mais genes.

Como resultado desse emaranhado,geneticistas ansiosos para realizar apromessa do DNA, de prolongar a vidahumana, redobram seus esforços. Essatambém é uma meta espiritual, portanto,como as duas partes podem uniresforços? Uma forma é deixar logo odeterminismo químico de lado. Opúblico continua sendo informado de que

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pode existir um “gene do crime”, porexemplo, explicando o comportamentoantissocial. Especula-se inclusive se essegene poderia ser usado como defesa numtribunal, e não estamos muito longe daproposta de que os genes antissociaissejam removidos por algumprocedimento médico, digamos, para obem do criminoso e da sociedade comoum todo. Mas como os geneticistas sãoobrigados a descartar a noção simplistade um só gene para cada anomalia, surgeuma abertura para a espiritualidade, quese posiciona a favor do livre-arbítrio, daconsciência, da criatividade e da

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transformação pessoal – o contrário dodeterminismo químico. Deveríamoscomemorar a libertação de nossasalgemas genéticas, e buscar ao mesmotempo a melhor compreensão de comoos genes se relacionam com aconsciência.

O DNA é tratado pelos cientistascomo qualquer outra sequência química,mas seu comportamento rompe as regrasde mero objeto ao se dividirespontaneamente ao meio,transformando-se em duas versõesidênticas de si mesmo. Ele não só codificaa vida como também a morte, já que

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existe um gene para o câncer, disparadoquando a doença se desenvolve. Mas porque a evolução reteria esse gene, se oúnico propósito dela é sustentar a vida?Num nível mais básico, como os genesoperam para fazer com que substânciasquímicas inanimadas, a exemplo dohidrogênio, do carbono e do oxigênio,ganhem vida?

Rastrear essas questões até o genomaé um dos aspectos do materialismo. Emlugar de fugir diante dos fatos, aperspectiva espiritual evoca fatosampliados. Sem eles, não podemosresolver, por exemplo, a questão de

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como o DNA lida com o tempo. Os genessincronizam suas ações com exatidãoanos ou décadas antes. Dentes de leite,puberdade, menstruação, padrão decalvície masculina, começo damenopausa – tudo isso aparece numadeterminada hora; o mesmo pode seraplicado ao câncer, que em grande parteé uma doença da velhice. Como umasubstância química se relaciona com otempo? Fiz essa pergunta a um biólogocelular, e ele me falou da telomerase, omaterial genético que reveste osterminais dos genes como uma caudapendurada. (Já esbarramos com ele

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quando debatemos a natureza dotempo.) A telomerase termina umasentença genética, da mesma forma queum ponto final encerra esta frase. Mas elase degrada com o tempo, e oenvelhecimento pode estar relacionadoao seu crescimento cada vez menor,levando à deterioração celular e ao maiorrisco de mutações prejudiciais.

Porém, se a telomerase parecemesmo um relógio, de onde vem seusentido temporal? As pedras são erodidaspelo vento e pela chuva, mas isso não astransforma em relógio. Além do mais,como a telomerase pode ter efeitos ao

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mesmo tempo prejudiciais, na velhice, ebenéficos, na perda dos dentes de leite ena transição para a puberdade? Aindamais misterioso: o DNA coordena muitosrelógios diferentes ao mesmo tempo,pois as sincronias dos processos quemencionei são muito diferentes umas dasoutras. A menopausa segue um relógioque demora décadas para sedesenvolver, enquanto a produçãoregular de enzimas numa célula levaalguns centésimos de segundo, osglóbulos vermelhos seguem um ciclo dealguns meses e assim por diante.

O leitor vai perceber aonde isso vai

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chegar. Os genes não se comportamcomo coisas comuns, pois servem àconsciência. A sincronia requer umamente, e deixar a mente fora da equaçãoé fatal para qualquer teoria genética.Para um materialista, imaginar umamente fora do corpo é um absurdo, mas ofato é que existe muita coisa que simplesreações químicas aleatórias e semconsciência não podem explicar. Nofundo está uma profunda questãoespiritual: liberdade versusdeterminismo. No início, o determinismoera só físico, mas recentemente tem sidoinvocado também para ditar o

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comportamento humano; esteja vocêagindo de forma criminosa, estejadeprimido ou maravilhado diante deDeus, o argumento é o mesmo: se osgenes causam X e você não pode mudaros genes com que nasceu, então X veiopara ficar.

A experiência cotidiana contraria essalógica: nenhum de nós se sentecontrolado pelo núcleo de nossas células.Leonard admite que o ambienteinfluencia nossos genes. Eu diria que issoé um fator decisivo. Gêmeos idênticosoferecem um bom caso de estudo. Elesnascem com os mesmos genes, mas, ao

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longo da vida, fazem diferentes escolhase passam por diferentes experiências. Umdos gêmeos pode fugir para trabalharnum circo, enquanto outro pode entrarpara um convento. Um pode se tornaralcoólico, enquanto outro se tornavegano. Aos setenta anos, a expressão deseus genes será completamente diferenteda combinação perfeita exibida nonascimento. Em outras palavras, oscromossomos não se alteraram, mas osgenes disparados, assim como osprodutos que eles criaram nos tecidos,terão divergido bastante. A rota de fugado determinismo químico sempre esteve

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aí, esperando para ser usada.

Os genes só fazem efeito quando sãodisparados; até então, permanecemmudos, por assim dizer. Quando elesfalam, as experiências de toda uma vidamoldam as palavras expressadas, aindaque o ponto de partida seja o mesmoalfabeto. Os genes não contam nossahistória; eles nos dão as letras paracontarmos nossa própria história, e essaexpressão genética pode ser positiva ounegativa. Se o gêmeo A dorme pouco,vive estressado, come mal e não fazexercícios, é provável que esse estilo devida leve a resultados dramáticos, se

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comparados aos do gêmeo B, que optoupor um etilo de vida oposto. Estudossobre escolhas positivas de estilo de vida,realizados pelo dr. Dean Ornish e suaequipe de pesquisa, mostraram que maisde quatrocentos genes mudam suaexpressão de forma positiva quandoalguém pratica as bem conhecidasmedidas preventivas de dieta, exercícios,controle do estresse e boas noites desono.

Em uma palavra, trata-se de virar amesa. Onde os genes costumavam tirar aresponsabilidade dos nossos ombrospelas coisas de que não gostamos em nós

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mesmos, agora eles se tornaram servosdas escolhas que fazemos. A “herançabranda” acontece a cada segundo,quando nossas células se adaptam àsinstruções que transmitimos a elas. Hádécadas sabemos que pessoas deprimidascorrem mais risco de adoecer, assimcomo os solitários, os viúvos recentes eos executivos demitidos de seusempregos. O corpo não pode responder atais traumas sem envolver os genes. Mas,quando os genes eram consideradosfixos, permanentes e incontestáveis,ninguém pensava muito sobre a relaçãoentre ambiente e DNA. (Neste caso,

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“ambiente” é um termo abrangente,abarcando qualquer influência exterior auma célula.) Agora é rotina os médicosalertarem mulheres grávidas quanto aorisco, para o feto, do cigarro e da bebida,por exemplo, pois sabemos que essassubstâncias tóxicas, na correntesanguínea, degradam o ambiente de umbebê ainda não nascido.

O próximo passo é mostrar que ocomportamento nocivo pode ter omesmo efeito. Durante um bom tempo,pensava-se que os embriões sedesenvolviam automaticamente a partirda cópia do DNA herdado dos pais. À

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medida que o feto recebia os nutrientescorretos no útero, afirmava a teoria, acópia se desenvolvia passo a passo, até onascimento do bebê. Como explica oprofessor Pathik Wadhwa, especialistaem obstetrícia e ciência comportamentalda Universidade da Califórnia, em Irvine:“Essa visão foi mais ou menos invertida.… A cada estágio do desenvolvimento, [ofeto] usa pistas de seu ambiente paradecidir como se construir melhor dentrodos parâmetros de seus genes.”

De repente descobrimos quepodemos acrescentar um novo capítulo àautopoiesis, ou autocriação. O embrião

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não nascido é parte de um complexocírculo de retroalimentação, avaliando opresente e criando um futuro por simesmo. O DNA faz a mesma coisa.Segue as pistas de pensamentos,humores, dieta e níveis de estresse deuma pessoa (para resumir os milhares desinais químicos que chegam a uma célulaem qualquer dado momento) para seexpressar baseado nelas. Uma mãeestressada transmite mais hormônios deestresse ao feto, há risco de nascimentoprematuro, e muito mais. O professorWadhwa prossegue: “O feto se forma demodo contínuo para lidar com esse tipo

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de ambiente de alto estresse; quandonasce, corre mais risco de desenvolveruma série de patologias relacionadas aoestresse.”

Aonde isso nos leva? Nossoconhecimento de medicina e biologia foiabalado em sua essência. Os genes nãocontrolam a si mesmos. São controladospor todo o sistema corpo-mente: emoutras palavras, não somos peões, massenhores de nossos genes, querespondem a tudo que pensamos efazemos. Os sinais da epigenia, a bainhade proteínas que rodeia nosso DNA,podem provocar 30 mil expressões

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diferentes a partir de um só gene. Oprograma da vida é dinâmico, está emconstante mudança e sob nossainfluência, de acordo com as escolhasboas ou más que fazemos.

Os pesquisadores percebem, a cadadia, que os genes estão mais parareostatos do que para interruptores queligam e desligam. Algumas áreas do“DNA lixo” são de importância vital,como Leonard menciona, pois decidemquais genes ligar, quanta atividade umgene expressa, quando essa atividade vaiocorrer e como se relaciona commilhares de outros genes. Contudo,

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como sabemos agora, esses genes nãocontrolam a si mesmos. Ninguém podecontar a história final do gene sem incluira maneira como metabolizamos aexperiência. A epigenia nos mostra queaté coisas invisíveis, como o estresse, setransformam em processos corporais; oque você sentir, todas as células do seucorpo também sentirão. Nada dissosurpreende aqueles que, como nós,trabalham no mundo da espiritualidade.A própria base do ponto de vistaespiritual é que tudo está imbricado einterligado; um processo se diversificaem milhares de processos específicos sem

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perder sua totalidade.

Sinto-me muito comovido quandoreleio alguns trechos do grande poe tabengali Rabindranath Tagore, ao sedirigir a seu criador. “O tempo não temfim em tuas mãos, meu Senhor. Não háquem conte os teus minutos. Dias enoites se passam. Tu sabes como esperar.Teus séculos seguem-se uns aos outros,aperfeiçoando uma flor silvestre.” Nãointerpreto essas palavras no sentidoteísta, baseado na existência do Deus dequalquer fé específica. O que me comoveé a paciência e o complexo trabalho dainteligência cósmica, que se move

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através de nós para nos criar – e como avida se desdobra em si mesma.

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11. Darwin deu errado?

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A

DEEPAK

espiritualidade deve agradecer decoração a Charles Darwin, mesmo

que ele se surpreendesse ao ouvir isso.Quando as pessoas acordam no mundointeiro com as mesmas aspirações –“Quero melhorar, quero crescer, querorealizar o meu potencial” –, elas estão sebeneficiando pessoalmente da grande

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descoberta de Darwin, a evolução. Elenão pretendia que as pessoas pensassemna evolução pessoal, muito menos naespiritual. Desiludido estudante deteologia que nutria uma amargadesconfiança quanto ao Deus vitoriano –benigno, piedoso e pai amoroso dahumanidade –, Darwin desferiu o golpedecisivo contra Ele. A teoria da evoluçãolibertou a ciência da religião, derrubou omito da perfeição da natureza eapresentou um mecanismo a toda provade como surgiram as espécies.

Porém, grandes ideias se difundiram,muito além do controle do descobridor.

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O golpe de Darwin contra a perfeição foitambém um golpe contra o pecado, o“estigma humano” que podia serexpiado, mas que sempre voltaria. Aevolução abriu caminho para escapar daarmadilha do pecado, ao oferecer aesperança de progresso em todos osaspectos da vida – embora tenhademorado muito tempo para que essaimplicação humana ganhasse sentido. Noinício, as pessoas aderiram a outroaspecto da teoria de Darwin: a violentabatalha pela sobrevivência, que sódeixava os mais aptos de pé. Os machosalfa industriais podiam abusar de seus

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empregados baseados no fato de que anatureza dizia aos fortes para dominar osfracos, e os tiranos podiam se justificar damesma forma. Hoje, contudo, é dointeresse da espiritualidade promover aevolução sobre o materialismo. Darwinse enganou em ver a evolução como ummecanismo sem mente. A espiritualidadepode restaurá-la, de forma a tornar a vidamelhor, por meio de uma consciênciamais plena. Despertar e evoluir.

É fascinante seguir o jovemnaturalista de olhar brilhante zarpandopara a América do Sul, em 1826, a bordodo HMS Beagle, numa viagem que levaria

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cinco anos. Darwin desenterrou crâniosfossilizados de gigantescos mamíferosextintos e conjecturou como serelacionavam com os mamíferos atuais.Refletiu sobre a razão de as iguanas dasilhas Galápagos, entre todas as iguanasdo mundo, tirarem seu alimento do mar.Passeou sobre o casco de tartarugas dasGalápagos, de trezentos quilos (é fácilconduzi-las com um pequeno bastão,mas é muito difícil não escorregar e cair),e especulou sobre a razão de os cascosdas tartarugas de uma ilha apresentaremdiferenças sutis em relação aos das outrasilhas próximas, com um alargamento

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maior em baixo, uma cor levementediferente ou uma saliência frontal emforma de capacete sobre a cabeça doanimal.

Esses estranhamentos e observaçõesse juntaram na mente de Darwin.Quando ele voltou para sua casa, naInglaterra, seus pensamentos entraramem efervescência. Depois de acessos deescrita, quando as ideias brotavam de suacabeça como que por vontade própria,ele afinal chegou à noção que já foidefinida como a mais brilhante de todosos tempos: a árvore da evolução que ligatodas as coisas vivas. No sistema de

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Darwin, a adaptação é a força motriz portrás da evolução. As gazelas seadaptaram para escapar dos leões. Opeixe-palhaço se adaptou para seesconder em segurança no meio dosvenenosos tentáculos das anêmonas-do-mar. Os seres humanos se adaptarampara usar polegares opostos, de forma aconstruir melhores ferramentas (earmas). As espécies mudam. Umasimples árvore evolutiva gera milhares emilhares de galhos; alguns morrem,outros brotam e florescem.

A evolução foi invocada pelos ateus,ansiosos por transformar em pó qualquer

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coisa implícita na palavra “Deus”. Mas osateus estão lutando batalhas do passado.Hoje a evolução aproxima as pessoas deDeus. Dar win divisou um perfeitomecanismo físico que só se aplica àsformas de vida que nos precederam.Enquanto os gorilas-das-montanhaslutarem por comida e pelo direito aoacasalamento, alguns serão mais bem-sucedidos que os outros. Os machosdominantes podem transmitir seus genes,enquanto os submissos continuaminvejosos e emburrados. As árvores maisaltas vão chegar à luz solar, enquanto asmais baixas fenecem à sombra. Mas o

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Homo sapiens evoluiu para além da merasobrevivência do mais apto. Nósplantamos alimentos uns para os outros.Cuidamos das pessoas debilitadas, dandoa seus genes a oportunidade de setransmitir, assim como os genes dos maisfortes. O mecanismo universal deDarwin deixou de se aplicar a nós nomomento em que nossa espécieaprendeu a proteger seus genes, mesmoos recessivos, das forças da natureza.Gazelas e peixes-palhaço não colamlembretes no espelho dizendo“Observação: Não se esqueça de evoluirhoje”. Para eles, a evolução é

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automática. Isso não é mais verdade paranós.

A espiritualidade pode ser vista comouma forma elevada de evolução, maisbem-definida como “metabiológica” –além da biologia. Já estamos nessecaminho há pelo menos 200 mil anos.Nossos ancestrais, como o homem deNeandertal e o Homo erectus, preparavamo caminho 1,8 milhão de anos atrás.Quando construíram machados de sílex,nossos ancestrais sabiam o que estavamfazendo. Quando você acorda comvontade de realizar alguma coisa além decomer ou beber, já começa a escolher

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entre X e Y. As decisões conscientes noslevam a transformar o futuro numa sériede escolhas. Os neandertalenses eramavançados o bastante para depositar seusmortos em tumbas nas cavernas, ealgumas evidências sugerem que osdefuntos eram enfeitados comornamentos. Parece que a belezatambém tinha se tornado uma escolha,além da reverência e talvez até de umsentido de sagrado.

Mas o darwinismo moderno agecomo se os seres humanos aindaestivessem no estado primal da natureza.Não que o primal já tenha sido simples. A

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sobrevivência é uma coisa complexa –uma tapeçaria intrincada – mesmo entreas criaturas inferiores. Os pinguins têmnadadeiras em vez de asas há mais de 36milhões de anos. A capacidade demergulhar atrás dos peixes foi umsucesso espetacular em termosevolutivos, embora o pinguim originaltivesse penas marrons ou cinzentas (issofoi descoberto com o exame de células depigmentos fossilizadas). Por que essamudança para o preto e branco naroupagem do pinguim, que hoje nos fazsorrir? O darwinismo só tem umaresposta: vantagem competitiva. O

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pinguim original tinha um 1,50m dealtura e pesava duas vezes mais que opinguim imperador atual. Por queficaram menores? Isso também deve tercontribuído para a sobrevivência. Odarwinismo é obrigado a explicarqualquer mudança da mesma forma,porque não consegue ultrapassar o focoúnico na batalha por comida eacasalamento.

Mas as espécies não competem sópela sobrevivência, elas tambémcooperam, numa relação chamadamutualismo. O bizarro verme tubícula,que habita as proximidades de fontes

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hidrotermais, no fundo do mar,sobrevive sem vísceras, graças abactérias que providenciam uma funçãodigestiva em troca do sulfito dehidrogênio ou metano fornecido peloverme. O peixe-palhaço que jámencionei desenvolveu um mucoadaptativo para se proteger do venenodos tentáculos da anêmona-do-mar.Usando esses tentáculos para se abrigardos predadores, o peixe-palhaço retribuio favor protegendo a anêmona-do-mardos peixes para quem elas servem dealimento. Diante desses fatos, dizer quesó a competição orienta a evolução é um

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nítido equívoco.

O mesmo vale para o chamado geneegoísta. A teoria genética ainda precisadescobrir por que a evolução às vezesfavorece a morte em detrimento da vida.A sobrevivência nem sempre é amotivação única de uma criatura. Asabelhas são equipadas com um ferrãopara proteger a colmeia, mas, quando ousam, o ferrão é expelido, ferindo demorte a abelha. Não se pode dizer queesse sacrifício contribui para asobrevivência, pois o animal morre. Porisso os evolucionistas tiveram de dar umpasso atrás. É o gene da abelha que está

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lutando pela sobrevivência, não o insetoindividual. Especificamente, os genes daabelha rainha é que devem sobreviver, eas abelhas situadas na parte inferior dahierarquia sacrificam suas vidas se acolmeia como um todo se beneficiardisso. O mesmo argumento se aplica àsaranhas fêmeas, que arrancam a cabeçado macho durante o acasalamento; ou,por extensão, aos milhões de ovas depeixe que navegam pelo mar, fornecendoalimentos para outros peixes sem jamaister tido uma chance de eclodir. Se cemovas sobrevivem enquanto milhõesperecem, o acervo de genes se perpetua.

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Como explicação viável, a noção degene egoísta beira o absurdo que não nosleva à essência da mudança evolutiva, acélula inteligente. O DNA não podecontrolar o modo como um generesponde ao ambiente, por exemplo,porque, em si, o DNA é surdo, cego emudo. Ele se está passivo no núcleo deuma célula, só se replica quando o RNAproduz as enzimas e proteínasnecessárias ao crescimento celular. Emnenhum lugar dessa cadeia de eventosquímicos há possibilidade de o gene olharpara o mundo e decidir ser egoísta oualtruísta. Só se pode explicar o sacrifício

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próprio incluindo o único elemento queos materialistas abominam: aconsciência.

Uma abelha pode servir à colmeiaquando existe um propósito maior –manter o todo vivo, a despeito da mortede algumas partes. O corpo humanonitidamente preserva o todo emdetrimento das partes. Os glóbulosbrancos, por exemplo, morrem depois deingerir bactérias invasoras. Cada célulado corpo tem um ciclo de vidaprogramado, desde algumas semanas, nocaso de células da pele e do estômago,até a vida inteira do próprio corpo, no

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caso das células cerebrais. O cautelosoprincípio de que o todo é maisimportante que suas partes se estendepelo planeta. O propósito da ecologia ése manter, não manter uma planta ou umanimal específicos. Ainda assim, esseesquema permite que centenas demilhares de espécies prosperem, mesmoas que são inimigas mortais.

Um mecanismo sem mente nuncaserá o bastante para explicar como a vidaevolui e prospera. Há muitos paresopostos, como competição ecolaboração, egoísmo e altruísmo. Asescolhas conscientes são feitas pela

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natureza. Não só os críticos dodarwinismo encontraram furos na teoria.Hoje, cerca de onze reinterpretações ourevisões disputam a primazia entre ospróprios evolucionistas (na acepçãoclássica de Darwin). Cada revisão tentapreencher uma falha ou corrigir umequívoco. Os darwinistas progressistas,por exemplo, tentam explicar como umavariedade infinita se desenvolve a partirde um material genético limitado. Osseres humanos têm apenas 23 mil genes,dos quais 65% são tão básicos que nós ospartilhamos com a banana. Essesdarwinistas progressistas estão mais

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atentos aos estágios de desenvolvimentodo crescimento – daí o apelido que lhesderam “evo devos” (evolucionistasdesenvolvimentistas) – e descobriramque sequências em aparência aleatóriasem nosso DNA ajudam a ligar e desligargenes, agindo como “dedos moleculares”que manipulam um painel de controle,de forma que os embriões no úteropossam se desenvolver segundodiretrizes específicas.

Outra vertente, a dos coletivistas,reconhece que a evolução exigiucooperação e competição. Eles destacamque os enormes saltos, desde organismos

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unicelulares até os eucariontes, ouorganismos multicelulares, resultaram deum empreendimento cooperativo com asplantas, que tinham desenvolvido afotossíntese. Os darwinistas estritostinham razão para resistir, pois acooperação desafia a noção de um geneegoísta, e só depois de uma batalha devinte anos ela foi aceita como a base davida.

Outras áreas separam diferentespeças do quebra-cabeça, para resolvê-las.Os teóricos da complexidade estudamcomo um sistema pode se tornar tãointrincado a ponto de gerar

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espontaneamente uma complexidadeainda maior. Sem essa capacidade, umsimples óvulo fertilizado não poderia sedesenvolver em 50 trilhões de células –nossa melhor estimativa do número decélulas num ser humano adulto médio.Os chamados direcionistas lidam com amaneira como a complexidade e acooperação jamais cessam – 2 bilhões deanos atrás, dois tipos de organismosunicelulares cooperaram para resultar,como uma bola de neve, num planetaonde todas as criaturas vivas afetamumas às outras. Sete outros campos deespecialização ocupam-se em injetar

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bioengenharia, desígnio, Deus emetafísica no esquema, para ver sealguma coisa se encaixa. Todas as partesdessa colcha de retalhos se orientam nosentido de entender exatamente comofunciona o mecanismo da evolução.

Mas que tal observarmos a figura todade uma vez? Como há bilhões de partesenvolvidas, é quase impossível divisar otodo; todavia, dá para ver que a vidaevolui aqui e agora. É hora de adotaruma abordagem holística da evolução, ea melhor amostra disso é a nossa própriaespécie. Os primeiros hominídeosvagando pela savana africana 4 milhões

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de anos atrás, como Lucy, evoluíram emseres humanos como o Homo erectus hácerca de 1,8 milhão de anos. O Homo

erectus era incrivelmente parecidoconosco. Tinha bem mais de 1,50m dealtura (enquanto Lucy tinha menos de1,20m). Já tinha perdido os caninos deprimatas como os chimpanzés; os quadriseram mais largos; andavam sempreeretos, em vez de às vezes engatinhar ousubir em árvores; já haviam perdidoquase todos os pelos do corpo; glândulassudoríparas substituíram o ofegar pelalíngua como regulador de temperatura.(Um corpo capaz de reduzir a própria

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temperatura consegue percorrer longasdistâncias atrás da presa, o que osprimeiros homens precisavam fazer, poisnão conseguiam lutar contra animaismaiores; hoje, os selvagens do deserto deKalahari continuam a caçar antílopesdurante horas, até o animal cair decansaço e ser morto com facilidade.)Cérebros maiores se desenvolveram forado útero, depois do nascimento dacriança. (Isso foi necessário porque umcérebro humano totalmente formado nãoconsegue passar pela via natural denascimento.) É difícil acreditar que todasessas adaptações tenham gotejado no

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acervo genético dos hominídeos comoeventos aleatórios. O surgimento doHomo erectus parece holístico e fruto deuma intencionalidade.

Mas onde se origina esse desígnio?Parece que a inteligência orienta aestrutura. Alguns antropólogosespeculam se o Homo erectus deu umgrande salto em algo além de suascaracterísticas físicas. Como primitivoconstrutor de ferramentas, ele aprendeua julgar que sílex dava boas lâminas equal não servia. Isso implica capacidadede raciocínio. Para afastar os predadoresdurante a noite, o Homo erectus pode ter

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dominado o fogo duas vezes antes que os750 mil anos hoje estabelecidos. Estudosdo formato do cérebro indicam que osprimeiros seres humanos podem ter tidoos mesmos centros de linguagem quenós: então, eles falavam? Como umaespeculação suscita outra, pareceprovável que múltiplos traços surgirammais ou menos ao mesmo tempo, masnão como traços individuais aleatórios.Cada mudança fornecia um catalisadorpara outras. A posição ereta permitiu queeles percorressem distâncias mais longas,propiciando mais alimento edesenvolvendo um cérebro maior (o

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órgão mais faminto de calorias do corpo),o que abriu caminho para o elaboradoraciocínio necessário para descobrir ofogo e cuidar dos indefesos bebêsenquanto seus cérebros amadureciam.

Além do darwinismo, há umamaneira melhor de observar a vida nonosso planeta: os círculos deretroalimentação. A vida cria uma novacaracterística, melhora com isso e seobserva enquanto melhora. Esse círculode retroalimentação não é aleatório: temum propósito, tem desejo e intenção. Porexemplo, qualquer pessoa é dotada desentido de equilíbrio. Isso é inato, um

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dom sobre o qual nem pensamos. Vocêpode aperfeiçoá-lo, como as pessoas queaprendem a esquiar, andar de skate oucaminhar na corda bamba. Quando seobserva com atenção o que acontecequando um iniciante está aprendendo aesquiar, para todos os efeitos, há muitasquedas e erros. Mas esse comportamentocaótico não é o que parece. Cada errocontribui para um círculo deretroalimentação dentro do cérebro, queestá aprendendo, passo a passo, adominar a nova habilidade. Ocomportamento parece aleatório, mas naverdade serve a um propósito, mesmo

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que ele não seja percebido apenas pelaobservação de eventos aleatórios.

Se continuar tentando esquiar, vocêestará treinando ainda mais seu senso deequilíbrio. Em uma palavra, está fazendocom que ele evolua. O corpo inteiroparticipa do empreendimento. Seusmúsculos longos se ajustam nas torçõespara um lado e para o outro. Ostornozelos se adaptam às rígidas botas deesqui; sua respiração muda com o esforçode concentração. Os olhos passaminformações ao cérebro sobre a encostaem que você desliza. Nenhuma dessasatividades é isolada, tudo conflui para a

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intenção concentrada de seu corpo.Embora esquiar seja uma atividade nova,você tem potencial para aprendê-la desdeo nascimento.

O que se aplica ao uso de umaretroalimentação inteligente numarampa de esqui pode se estender paratoda a natureza. O darwinismo ficarestrito se insistir em que cadacaracterística surgiu como resultado demelhorias progressivas na busca decomida e acasalamento. As criaturasganham uma identidade que descobre asi mesma por círculos deretroalimentação. Cavalos aprendem a

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ser cavalos melhores, cobras, a ser cobrasmelhores. Cada um é um conjunto únicode qualidades que se mesclamlindamente. O erro que cometemos éhumanizar essa inteligência. A evoluçãonão precisa de um cérebro complexo, Oscírculos de retroalimentação sãouniversais. Animais unicelulares tambémos utilizam, pois mesmo as criaturas maisprimitivas organizam alimentação,respiração, divisão celular emovimentos.

A espiritualidade restaura o desígnio ea direção em seus devidos lugares, nocerne da evolução. Como seres humanos,

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sabemos para aonde queremos ir (aomenos esperamos que sim); nossasintenções nos levaram a um mundo ondebombas atômicas coexistem comconferências de paz, automóveis compedestres, madeireiras comconservacionistas. Estamos emaranhadosnuma teia de desejos, alguns tendendo auma vida melhor, outros, àautodestruição. Se quisermos evoluirpara além dos nossos piores impulsos, aúnica maneira será buscar um propósitomais elevado que beneficie a todos. Areligião tentou fornecer esse desígniomais elevado com a figura de Deus, mas,

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como vimos nas guerras sagradas, aviolência sectária, o terrorismo e Deustambém podem servir à destruição. É porisso que a espiritualidade, a raiz mestrada religião, é a nossa última esperança,por manter a possibilidade da evoluçãoda consciência.

O darwinismo (ao contrário dopróprio Darwin) apresenta um enormeobstáculo à nossa salvação, o que éprofundamente irônico, emborainegável. A teoria da evolução é usadapara apoiar as seguintes falsas premissas:

• A vida é completamente física.

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• A evolução acontece por mutaçõesacidentais.

• A mente e os propósitos mais elevadossão ilusões.

• A sobrevivência é o único objetivo detodas as coisas vivas.

• A competição é a força motriz danatureza.

Darwin em si não pode ser culpadopor essas noções: seu objetivo era apenasmostrar como uma espécie dá origem aoutra. Ele não inventou a expressão“sobrevivência do mais apto”, muitomenos a sombria visão vitoriana de uma

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“natureza sangrenta, com garras edentes”. Mas, com Darwin, foramplantadas as sementes de aversão a Deuse o foco no mecanicismo. Seus seguidorese descendentes desenvolveram essesgermes numa teoria em que aaleatoriedade e a falta de sentidoprevalecem. Enquanto essa teia de ideiasmacular nosso ponto de vista, não haverárazão para acreditar que a consciênciapossa evoluir. Porém, quandodescartamos essas falsas suposições,torna-se claro que a consciência temevoluído desde o início, e não vai pararjamais.

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D

LEONARD

eepak defende apaixonadamente anecessidade de os homens se

desenvolverem para além de seus pioresimpulsos, argumentando que isso podeser realizado por meio de um propósitosuperior que beneficie a todos. Está certoao dizer que a religião tem fracassado emoferecer esse propósito, propiciando, em

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vez disso, motivações para conflitos edestruição. Acredito que ele também estácerto ao afirmar que podemos ir além denossos mecanismos mais básicos de“sobrevivência do mais apto”, por contados comportamentos sociais e altruístasque nos diferenciam de outros animais,também produtos da evolução, e por issoparte da nossa natureza, comoexaminarei mais adiante. São essescomportamentos que podem nospermitir encontrar a salvação dos muitosperigos que enfrentamos agora. Aabordagem espiritual de Deepak servepara essa finalidade também, sobretudo

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quando nos estimula a expressar nossoaltruísmo inato, ou a nutrir nossoaltruísmo baseado na cultura. Masprecisamos estar atentos, no sentido deevitar que ideias sobre o que devemosfazer para melhorar a vida humanainfluenciem nossa crença sobre o que é avida humana.

Deepak nos diz que a espiritualidadedeve muito a Charles Darwin, mas aimagem que ele pinta sobre as ideiasdarwinianas atuais são o retrato de umateoria assolada pelo caos e pela confusão.“Como explicação viável, a noção degene egoísta beira o absurdo”, escreve

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ele. E: “Não só os críticos do darwinismoencontraram furos na teoria. Hoje, cercade onze reinterpretações ou revisõesdisputam a primazia entre os própriosevolucionistas (na acepção clássica deDarwin). Cada revisão tenta preencheruma falha ou corrigir um equívoco.”

Será que Darwin deu errado? Será queos cientistas estão na verdade subindouns em cima dos outros para tapar furosno casco de um navio afundado ou parachegar até um bote salva-vidas?

A resposta é absolutamente não. Comexceção de meia dúzia de criacionistasmotivados por suas convicções religiosas,

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nenhum cientista duvida da ideia básicada evolução darwiniana, nem de que aseleção natural seja seu motor. É por essemotivo que cientistas profissionais não serotulam como “evolucionistas” ou“darwinistas”. Esses são termos comunsentre criacionistas (dos quais Deepak temrazão em querer se distanciar), mas o usodesses termos gera a impressão errôneade que, entre os biólogos, há os queacreditam e os que não acreditam naevolução. Chamar um biólogo de“evolucionista” ou de “darwinistas” é omesmo que chamar um físico de “adeptoda Terra redonda” ou de “fernão de

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magalhanista”. A ideia original de uma“Terra redonda”, datada dos antigosgregos, afirmava que nosso planeta eraperfeitamente esférico. A teoria da Terraplana ressurgia de tempos em tempos,até Fernão de Magalhães realizar suafamosa viagem, fornecendo provasdrásticas para a teoria da Terra redonda.Mesmo assim, durante anos, haviaaqueles que faziam “revisões” – pessoascomo Isaac Newton – e percebiam que oplaneta não era uma esfera perfeita. Elas“reinterpretaram” a teoria da Terraredonda, prevendo e medindo a formalevemente achatada e estudando seus

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detalhes, causas e implicações. Cabedizer que a necessidade de revisões ereinterpretações significa que devemosvoltar à teoria da Terra plana? Claro quenão. Mas o preenchimento desses“equívocos” ou “falhas” na teoria nãoelimina a verdade de que a Terra éredonda, e os físicos atuais dariam pulosse encontrassem alguém preocupado emcair do planeta. Da mesma forma, hádebates quanto às contribuições relativasà seleção natural pelos genes, porindivíduos ou grupos de indivíduos, e éverdade que a compreensão dos padrõesdetalhados da evolução em diferentes

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espécies é complicada. Mas a ideia básicade uma seleção natural não está emquestão, e tampouco o papelfundamental do aleatório nesse processo.

Como devemos entender, então,todos esses biólogos estudando diferentesaspectos da evolução? Deepak os definecomo áreas, e observa que as ideiascientíficas sobre a evolução são por simesmas competitivas na “acepçãoclássica de Darwin”. O comentárioparece condenatório, como se houvesseuma guerra que pudesse tirar Darwin deseu lugar de honra no panteão científico.Mas isso é apenas o debate científico

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habitual que cerca qualquer teoria. Aliás,o debate esclarece uma importantediferença entre a ciência e a metafísica.Na metafísica, podemos nos dar ao luxode acolher qualquer ideia atraente. Naciência, novas ideias podem serincorporadas em teorias – comoaconteceu no exemplo da Terra redonda–, porém, as únicas ideias novas quesobrevivem são as que têm sua validadecomprovada por evidênciasexperimentais. Uma coisa é dizer que,“como explicação viável, a noção de umgene egoísta beira o absurdo”, masprovar essa afirmação é bem diferente.

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O que é necessário para “provar”alguma coisa em ciência? Claro quealguém vai querer verificar as previsõesóbvias da teoria e reunir evidências deque ela explica o que pretende explicar.Mas isso é só o começo. Na verdade,mais importante que reunir provas deque uma teoria está certa – o maisestimulante para um cientista – é tentarencontrar situações em que as previsõesda teoria possam estar erradas. Cientistassão como advogados do diabo – ou comoseu irmãozinho chato: eles questionamtudo, sempre prontos a tramar umasituação excepcional que demonstre um

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equívoco. Não se trata de um furo nacaracterística fundamental da ciência: aocontrário, é o modo como a ciênciaprogride. Por isso, quando os cientistasfalam que encontraram provas em apoioa uma teoria, em geral querem dizer quebuscaram novas formas de confrontar ateoria, e ela passou pelo desafio. Issoacontece até com teorias bem-estabelecidas, a exemplo da evolução,mas não deve ser interpretado como umsinal de que ela tem problemas.

Vamos tomar a lei da gravidade deNewton, por exemplo, que descreve comprecisão a força de atração gravitacional

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entre os objetos nas condições da vidacotidiana. Os físicos experimentais aindaestão testando essa lei, embora, nos maisde trezentos anos desde que Newton apropôs, ninguém jamais tenhaencontrado um desvio, a não ser emcircunstâncias extraordinárias, como asdescritas do Capítulo 2. Então, por que oscientistas ainda estão procurando furos?Porque em todos esses séculos desdeNewton eles conseguiram verificar que alei newtoniana da gravidade descrevecorretamente a atração de objetos adistâncias que variam de milionésimosde centímetro a um ano-luz. Contudo,

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agora, novos métodos experimentaispermitem que os cientistas verifiquem oque acontece em distâncias ainda maiscurtas. Seria uma descoberta deimplicações arrebatadoras se a lei nãopudesse ser aplicada a todas as distâncias.Isso é ciência válida, mas não se trata deuma indicação de que os físicos estãoabandonando a teoria newtoniana.

E se uma teoria não passar por umteste experimental? Isso significa que eladeve ser alterada, mas nãonecessariamente que seus princípiosbásicos estejam errados. A teoria daTerra redonda é um exemplo simples – a

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Terra não é perfeitamente “redonda”,mas, ainda que os detalhes da teoriatenham mudado ao entendermos maissobre o formato do planeta, a ideiaprincipal de que ele não é planosobreviveu. A genética, como vimos,também evoluiu desde os primeirosmodelos simples, surgidos quando aestrutura do DNA foi revelada, até acomplexa realidade que os cientistas têmdescoberto nas décadas decorrentesdesde então. Ainda que uma teo ria possaser resumida de forma sucinta, ocabeçalho que telegrafa seu significadoem geral desvirtua uma considerável

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complexidade, tanto no conceito quantoem sua aplicação às situações no mundoreal. Boa parte do trabalho dos cientistasestá relacionada aos detalhes dessacomplexidade, e, ao ajustar e elaborarmais sobre a teoria, nós continuamos aaprender, como aconteceu nas teoriasque acabei de mencionar.

Ao criticar Darwin, Deepakconcentrou-se numa faceta da teoria daevolução relevante para seu objetivohumanitário, e há algo que ele acreditanão ser explicável pela teoriadarwiniana: a cooperação entreindivíduos, que parece contradizer a

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ideia de seleção por competição.Concordo que esse é um desafioimportante para a evolução, uma dasfalhas críticas que precisamos superar. Opróprio Darwin escreveu que é “de longea mais séria dificuldade específica queminha teoria já encontrou”. Eleacreditava que a resposta estava nosbenefícios comunitários, que a seleçãonatural, nesse caso, estaria funcionandono plano do grupo, e não do indivíduo.Como veremos, há muito mais que isso,mas existe uma resposta, e o trabalho desuperar essa falha não está nem alémnem aquém de superações análogas, nas

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teorias eletromagnética ou quântica,responsáveis pela maior parte datecnologia moderna.

Deepak escreveu que a evoluçãodarwiniana deve estar errada porque, seestivesse certa, “competição ecooperação, egoísmo e altruísmo” nãopoderiam coexistir. É verdade que oscabeçalhos da teoria da evolução –seleção natural por meio de competição esobrevivência do mais apto – parecemexcluir a cooperação. Mas, comoacontece muitas vezes na ciência, se vocêler a história toda vai chegar a umaimagem mais detalhada, e nesse caso

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maravilhosa – o tipo de imagem que atéDeepak receberia bem.

Consta que Einstein disse que todas ascoisas devem ser feitas da forma maissimples possível, mas não da forma maissimples. Por isso, ao abordar essaquestão, vou tentar caminhar por essalinha tênue. Será que competição ecooperação, egoísmo e altruísmo podemcoexistir? Richard Dawkins, que cunhouo termo “gene egoísta” 35 anos atrás, emseu livro de mesmo nome, diz agora quetem outras opiniões sobre a expressão,que pode ser enganosa. Realmente existeum problema no fato de o título dessa

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obra ser agora amplamente citado atépor pessoas que nem chegaram a ler,segundo as palavras de Dawkins, “asgrandes notas de rodapé do livro”. Umbom título alternativo, ele propõe, teriasido “O gene cooperativo”. Pareceestranho que um gene possa ser definidocomo cooperativo e egoísta. Vamos verpor que ele diz isso.

Consideremos o exemplo das abelhascamicases de Deepak. Elas pertencem auma ordem de insetos chamadosHymenoptera, que também inclui formigase vespas, organismos sociais que descrevianteriormente. Esses insetos são famosos

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pelo aparente altruísmo e ocomportamento cooperativo. Para eles, asociedade como um todo é semelhante aum organismo. A maioria dos indivíduosé formada por operárias estéreis.Algumas formigas cuidam do ninho,outras lutam, outras buscam alimento.Entre as abelhas, intrusos sãoreconhecidos e atacados, e os indivíduosdesempenham o papel das células donosso sistema imunológico; ometabolismo das abelhas individuaisregula a temperatura da colmeia quasetão bem quanto o corpo humano regulasua própria temperatura – embora as

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abelhas não tenham “sangue quente”.Em cada colônia de Hymenopteras hátambém uma minoria de indivíduos (emgeral um de cada sexo) que se reproduz –as rainhas fêmeas e os zangões machos –,e é por meio desses insetos que flui alinha genética. Nas sociedadesavançadas, as rainhas e os zangões nãofazem nada além de reproduzir,enquanto as tarefas de buscar alimento,se defender e de babá são totalmenterealizadas pelas operárias. Todas asfêmeas da ordem Hymenoptera sãoportadoras de genes para se tornarqualquer tipo de operária ou até uma

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rainha. Mas, como vimos no capítuloanterior, o tipo de gene a ser ligadodepende do ambiente, e, nesses casos, oambiente – em especial o alimentodisponível – determina se uma fêmea sedesenvolve como um tipo específico deoperária ou rainha.

Em vista dessa estrutura social, ocomportamento camicase das abelhasoperárias que morrem depois da ferroadafaz perfeito sentido em termosevolutivos, pois não diminui asobrevivência de seus genes – as abelhasoperárias nunca põem ovos –, naverdade, aumenta a sobrevivência da

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colmeia, e portanto das abelhas quepodem se reproduzir. Como escreveDarwin: “A morte de uma abelhaoperaria estéril não é mais grave paraseus genes que a queda de uma folha nooutono para os genes da árvore.”

Mas ainda resta uma importantequestão: por que a capacidadereprodutiva das operárias definha, comoum apêndice não utilizado? Será que, dealguma forma, é mesmo mais eficiente asabelhas passarem seus genes ajudando nareprodução da rainha – a mãe delas – doque ter suas próprias crias? A resposta éespantosa. Na maioria dos animais

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(exceto no caso de gêmeos idênticos),uma fêmea está mais próxima – emtermos genéticos – de suas descendentesque de suas irmãs. Mas, ao examinar oprocesso reprodutivo das Hymenoptera, oscientistas encontraram uma coisa bemestranha. Por causa de particularidadesna reprodução das abelhas, uma fêmeaestá mais próxima geneticamente dasirmãs que de seus descendentes deambos os sexos. Um gene que estimule osacrifício para o bem da colmeia, queajude na criação de abelhas irmãs, éfavorecido pela evolução em detrimentode um gene para gerar descendentes

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diretos; por isso, a fertilidade das abelhasoperárias tornou-se geneticamenteirrelevante e desapareceu. As abelhascamicases parecem altruístas, mas seucomportamento atende aos melhoresinteresses de seus genes!

Há muitos outros detalhes na história,como sempre. Um deles é que, apesar dese relacionar mais de perto com as irmãs,as fêmeas Hymenoptera não são tãopróximas dos machos. Por isso, se osistema que descrevi funciona,deveríamos esperar que houvesse muitomais fêmeas que machos. É até possívelprever uma proporção otimizada entre

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os sexos, e acontece que essa previsãoestá bem próxima do que observamos.Outro detalhe é que há espécies deinsetos sociais em que a rainha se acasalacom vários machos, resultando emmeias-irmãs – ou seja, não tão próximasem relacionamento –, mas essassociedades mostram o mesmocomportamento altruístico. Esse mistériofoi afinal explicado por um esclarecedorestudo de 2008, no qual uma sofisticadaanálise do DNA mostrou que, quando aatual estrutura social dos insetos evoluiu,milhões de anos atrás, as rainhas de todasas linhagens eram monógamas, e todas as

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irmãs se relacionavam muito de perto. Acooperação entre os insetos sociais, umdesafio que a evolução tinha deresponder, acabou não representandoum furo na teoria. Ela forneceu umconvincente apoio à sua exatidão.

Associações de benefícios mútuosacontecem também entre outros animaisque não os insetos. Mas há limites para oaltruísmo. Considere o caso de umanimal que distribuísse comida quandotivesse bastante, e outro que estivesse àbeira da inanição. As chances de o animalaltruísta não morrer de fome diminuiriaum pouquinho, enquanto as chances do

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outro sobreviver poderiam aumentar.Mas, se o organismo no terminalreceptor não partilhar seus genes com odoador, o doador reduzirá asprobabilidades de transmitir seus genespara a próxima geração, pois eles nãoobterão qualquer benefício em troca.Esse animal poderia ter sempre umpouco menos para comer que o parceiroegoísta, que só recebe, mas nunca dá.Como resultado, de acordo com aseleção natural, animais portadores dessetipo de altruísmo protetor seriameliminados – porém, se um altruísta forseletivo em relação aos animais com

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quem divide sua comida, as coisasmudam. Nós observamos esse tipo dealtruísmo em muitas espécies.

Uma forma de ser seletivo éapresentar a sofisticada capacidade dereconhecer e lembrar quem retribui ofavor e parar de dividir com osindivíduos que não fazem isso. Animaisdesse tipo ajudam os outros em ocasiõesde necessidade, mas em troca de ajuda,quando estiverem necessitados. Isso sechama altruísmo recíproco. Todos nóstemos alguma tendência a praticá-lo, e oseconomistas comportamentais a estudamem detalhes, criando experimentos em

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que voluntários cooperam e competemem troca de recompensas monetárias.

Um estilo menos egoísta deseletividade biológica é dividir só com osparentes – um tipo de altruísmoconhecido como seleção de parentesco.Quando um organismo divide com osparentes, em especial parentes maispróximos, há uma boa probabilidade deque quem recebe os favores partilhe osgenes. Por conseguinte, embora umorganismo possa reduzir um pouco suaspróprias chances de sobrevivência, nessadivisão, ao aumentar as chances doparente, amplia também a probabilidade

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de sobrevivência do próprio gene. Oresultado líquido dessas atitudes talvezseja a boa probabilidade de o genealtruísta ser transmitido, por isso, essetipo de altruísmo tende a sobreviver. Aseleção de parentesco tem consequênciasverificáveis. Por exemplo, ela podeprever que o altruísmo no mundo animalé mais provável em relação a parentes doque a animais não correlatos; e que,quanto mais próximo o relacionamento,maior o grau de altruísmo. Essasprevisões foram confirmadas portrabalhos empíricos entre espécies quevariam de pássaros a macacos-japoneses.

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Darwin não estava errado. Mas,como diz Deepak, Darwin só nos leva atécerto ponto. A maioria das pessoas, aosair hoje na rua – mesmo que ela estejadeserta –, vai olhar para os dois lados,sem nem pensar a respeito. Nósdispomos de genes para habilidadescomo detectar o perigo, mas não existenada em nossos genes que nos faça olharantes de atravessar uma rua. Nãoprecisamos desenvolver um mecanismogenético para isso, porque cada geraçãoconsegue resolver com facilidade essetipo de problema de novo – e esseconhecimento é transmitido pela cultura.

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Hoje a evolução da cultura talvez sejamais importante para a humanidade quea evolução genética. Os seres humanos jáviveram em incontáveis civilizações, masas poucas centenas de gerações desde aGrécia Antiga não foram suficientes paraque uma evolução genética naturaltivesse muito impacto sobre nós. Nãoque não tenhamos mudado: mudamos;contudo, o que mais nos diferencia dascivilizações dos últimos mil anos não éefeito das mudança nos genes, mas demudanças na cultura. Stephen Jay Gouldobservou que, em outras espécies demamífero, a taxa de “assassinatos” é

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muito mais alta que nas cidades. Dessa ede outras maneiras, nossa cultura podenos elevar acima de nossa maquiagemgenética. Isso é uma chave para nossasobrevivência porque, graças ao rápidoprogresso tecnológico, o ambiente emque operamos mudou drasticamente nosúltimos séculos. A tecnologia atual nostraz muitas coisas boas; hoje, contudo,tanto os grupos quanto os indivíduos têmpoder para provocar grandes danos, sejapor más intenções (terrorismo), sejasimplesmente por descuido em relaçãoaos efeitos prejudiciais da tecnologia(poluição e aquecimento global). Nossas

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esperanças para um futuro melhorpassam pelo desenvolvimento de valoresque estimulem o cuidado de uns com osoutros, fomentando o conhecimento e oaprendizado, preservando os recursosnaturais e minimizando os danos aonosso ambiente. Só esse tipo deevolução, mais cultural que biológica, nanatureza, pode nos salvar.

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PARTE IV

MENTE E CÉREBRO

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12. Qual a conexão entremente e cérebro?

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A

LEONARD

ciência ainda não consegue explicar aconexão entre os padrões neurais e a

mente quando se trata de sensações,emoções e da questão principal daconsciência. Podemos caracterizarmuitas emoções de acordo com asreações psicológicas que as acompanham– um rubor e uma mudança na

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condutividade elétrica da pele, porexemplo; também fizemos progresso nacompreensão do que acontece em nossocérebro, tanto anatômica quantoquimicamente, quando vivenciamosessas emoções. Então, entendemosbastante sobre como o cérebro funciona.O que entendemos pouco é a experiênciasubjetiva dessas emoções, a “qualidadesentida” da experiência, como define ofilósofo David Chalmers.

O que significa “sentir-se mal”, ousentir uma queimadura, perceber a corazul ou ter um desejo sexual?

Em 1915, um cientista chamado

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Alfred Sturtevant observou atentamenteo que vemos como o estereótipo docomportamento num bar – dois machosbrigam por uma fêmea, arremetem umcontra o outro e terminam numacontenda caótica. O que tornou apesquisa valiosa foi que os vértices dessetriângulo amoroso eram moscas-das-frutas. Até criaturas mais simples comoos nematódeos, dos quais muitas espéciessão microscópicas, também exibemcomportamentos especiais relacionadosao acasalamento. Os nematódeosprocriam como loucos – pegue umpunhado de humos do solo, e

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provavelmente você vai ter nas mãosmilhares desses prolíficos vermes.Portanto, desista de tentar entender ascomplexidades da mente humana – quala “sensação de sexo” para uma criaturado filo dos nematódeos? Pode parecertolice perguntar sobre sentimentos numaespécie tão simples que conseguesobreviver em nitrogênio líquidocongelado. Mas, para uma das espéciesde nematódeos, a C. elegans, nós temos odiagrama completo de formação – ummapa de todas as suas 959 células,inclusive a tessitura de sua rede neural de302 nós (você pode encontrar na

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internet); havia a esperança de que elenos ajudasse a compreender comosurgem as sensações a partir dessa redede neurônios. Mas não foi possível, nemnuma criatura tão simples.

Qual a natureza da experiênciainterna e como isso pode ser o resultadode processos neurais? Como os processosneurais criam a mente? Chalmers definiuisso como “o problema difícil”. Tão difícilque há milênios filósofos, poetas,teólogos, cientistas e físicos vêm sedebatendo com o problema da conexãoentre os mundos material e imaterial.

Platão, por exemplo, achava que as

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pessoas tinham uma alma imortal dentrode um corpo mortal. O cristianismoadotou essa ideia, assim como muitasoutras religiões e também alguns dosprimeiros cientistas. O grande físico,matemático e filósofo do século XVIIRené Descartes, como muitos antes dele,diferenciava substância física e substânciamental. De seu ponto de vista, o cérebroera uma estrutura física, uma máquina,mas a mente – nossos pensamentos e aconsciência – era algo totalmentediverso, não funcionava de acordo comas leis da física. Hoje chamamos essanoção de “dualismo mente-corpo”.

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Parece que a motivação de Descartes– como é a de Deepak – eram asconsiderações filosóficas. Em parte eletentava refutar os “irreligiosos”, que sódepositavam fé na matemática, nãoaceitavam a imortalidade da alma, a nãoser que pudesse ser demonstradamatemática e cientificamente. MasDescartes também lidava com oproblema de como abordar fenômenosfísicos de uma forma coerente com suavisão de mundo. Nisso ele se diferenciavada tradição aristotélica, convicçãofilosófica dominante na época, queafirmava, assim como Deepak, a

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existência de um desígnio no Universo.Segundo a versão de desígnio deAristóteles, todos os objetos da natureza,tanto animados quanto inanimados, secomportam como tal em nome de algumfim ou objetivo, às vezes chamado de“causa final”. Por exemplo, dizia-se queuma pedra jogada ao ar cairia de volta àTerra para tentar chegar ao centro doplaneta. Ao contrário da maioria doscientistas e professores de sua época,Descartes se opôs a essa ideia e àaparente implicação de que as pedraspodem ter conhecimento de um objetivoe de como alcançá-lo. Em vez disso, ele

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preferia uma abordagem mecanicista,afirmando que objetos não humanosseguem as leis da física. Sua teoria dodualismo mente-corpo em parte era umatentativa de dissuadir as pessoas deatribuir propriedades mentais a objetosinanimados e animais não humanos – e,portanto, de diferenciar o mundohumano, que em última análise ele viacomo dirigido pela mente e por umpropósito, do inanimado e do nãohumano.

Descartes estava ciente de certasdificuldades que assolavam o dualismomente-corpo do ponto de vista científico.

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Por exemplo, por qual mecanismo físicoa mente controla o cérebro? Anatomistapraticante, ele acabou chegando àconclusão de que a interface entre amente e o cérebro era uma estruturafísica chamada glândula pineal, situadaentre os dois hemisférios do cérebro.Como é uma das únicas estruturas nãoespelhadas no hemisfério esquerdo e nodireito, Descartes julgava que aí estava olocal onde mente e cérebro secomunicavam, e qualificou-a como “aprincipal sede da alma”.

A teoria de Descartes, baseada naanatomia, hoje não é aceita nem pelos

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que acreditam no dualismo mente-corpo.O “problema difícil” – a questão de saberde onde vem a experiência interna –continua sem solução. Mas os cientistasnão se envergonham por não teremainda chegado às respostas. Elas podemvir no próximo século ou no próximomilênio. Ou, se forem complexas demaispara a compreensão humana, talvez nãocheguem jamais. Em todo caso, mesmobaseado no nosso limitado conhecimentoatual, é difícil defender a existência deuma diferença entre a mente imaterial eo cérebro material. Uma das razões é: seum domínio que obedece às leis da física

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interagisse com um domínio que não asobedece, será que a interação nãocausaria exceções perceptíveis às leis danatureza no mundo físico? Hojeconseguimos medir fenômenos físicossem dificuldade, inclusive no interior docérebro humano, e com alto grau deprecisão. Mas não observamos evidênciade tais exceções. Se elas existem, por quenão as vemos? Por outro lado, abundamevidências de que os pensamentos emesmo os sentimentos subjetivos são

manifestações do estado físico deneurônios que se conectam.

Por exemplo, durante o tratamento

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de pacientes epilépticos, às vezes osneurocirurgiões implantam minúsculoseletrodos no cérebro e estimulam otecido com breves pulsações de correnteelétrica. O que eles observam vai bemalém das respostas mecânicas queestudantes de biologia no ensino médiocostumam obter quando aplicam umacorrente elétrica para fazer a perna deum sapo se contrair. Dependendo dolugar onde colocam o eletrodo, oscirurgiões podem fazer os pacientes ouvirsons identificáveis, como uma campainhaou o canto de pássaros (quando nãoexistem esses sons na vizinhança);

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rememorar de repente algumacontecimento da infância; ou sentirdesejos, como a vontade de mexer umbraço ou uma perna. Esses sentimentos eexperiências, que todos nós concordamosque se processam na “mente”, podem serretraçados diretamente a partir daestimulação física do cérebro, provaconvincente de que ele controla asexperiências da mente, e não vice-versa.

Uma indicação ainda mais drásticavem de pacientes com epilepsias tãograves que os cirurgiões precisamsecionar um feixe de nervos, chamadocorpo caloso, para lhes propiciar algum

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alívio. Diz-se que esses pacientes têm“cérebros divididos”, pois osecionamento do corpo caloso parte océrebro nos dois hemisférios quaseespeculares, deixando-os sem ligação.Sem a ponte do corpo caloso entre eles,os hemisférios direito e esquerdo nãoconseguem mais se comunicar,coordenar ou integrar informação. O quea divisão do cérebro faz com a mente deum paciente? Se a mente existe numdomínio imaterial, a cirurgia não deveriaafetá-la. Mas se a mente for parte docérebro físico, a divisão do cérebrodeveria também dividir a mente.

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O neurocientista Christof Kochescreveu sobre um desses casos, o deuma paciente com o cérebro secionado aquem se perguntou quantos ataques elativera nos últimos tempos. A mulherergueu a mão direita, mostrando doisdedos; depois, a mão esquerda,controlada pelo hemisfério oposto docérebro, se ergueu e forçou para baixo osdedos da mão direita. Após uma pausa, amão direita ergueu-se outra vezindicando três, mas a mão esquerdasubiu e indicou só um. A paciente pareciater duas mentes, e as duas estavam emdiscussão. Afinal, a mulher reclamou

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verbalmente que sua mão rebeldeandava “fazendo coisas por contaprópria”. A linguagem, como se sabe, éuma das poucas funções que resideapenas num dos lados do cérebro, emgeral o esquerdo, que controla a mãodireita. Embora não falasse, o hemisfériodireito da paciente podia ouvir aobservação. E parece que não gostava doque ouvia, pois a certa altura irrompeuuma briga entre as duas mãos. Se amente não fosse redutível ao cérebro,não haveria motivo para que a partiçãodo cérebro em dois não dividissetambém uma consciência em “duas

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mentes conscientes num crânio”, comoescreveu Koch.

Deepak escreve que não adianta“rastrear uma célula neural até os átomosque a formam, depois seguir até aspartículas subatômicas. … Ninguémpode apontar um processo físicoespecífico e dizer: ‘Ah, é daqui que vem opensamento.’” Embora seja verdade queainda temos muito a aprender sobre aconexão entre neurônios e pensamentos,não saber de onde “vem o pensamento”não prova que sua fonte resida numdomínio imaterial. Os cientistas nãonegam o que parece específico na

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experiência humana, mas tentam evitarexplicações contrárias à evidência. Hojehá um número estimado de 50 milcientistas em todo o mundo estudando océrebro, e nenhum deles, nem qualquerde seus predecessores, jamais encontrouprovas viáveis e cientificamentereprodutíveis de que as experiênciasmentais das pessoas sejam resultado dequaisquer outros processos que nãofísicos; e que, portanto, obedecem àsmesmas leis de qualquer outro conjuntode moléculas.

Já foi repetidas vezes demonstradopela biologia que a origem da mente está

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na substância física do cérebro, e issotambém é confirmado pela física. Claroque se alguma entidade imaterial deoutro mundo derrubar o abajur de umamesa as leis da física foram violadas.Você não precisa estudar mecânicanewtoniana para saber que as leisnaturais não permitem que coisas saltemsem uma causa física. Mas a menteimaterial, tal como divisada por Deepak,não sai por aí derrubando abajures demesas. Deepak a vê como umaarruaceira mais sutil. No entanto, uma desuas principais atividades não é nadasutil: a mente imaterial, segundo Deepak,

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processa conhecimento. Em sua visão, aessência do que somos é essa mente nãofísica; ela sabe o que sabemos, sente oque sentimos, faz nossos julgamentos etoma decisões. Mas, de acordo com asleis da física, a existência deconhecimento, pensamentos,sentimentos ou de qualquer outro tipo deinformação numa mente imaterial – istoé, num domínio sem substância física – éuma impossibilidade.

O tipo de problema que podemosencontrar quando admitimos a existênciade informação imaterial foi ilustrado porum famoso experimento mental

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concebido pelo físico James ClerkMaxwell em 1867. Imagine, comofizemos no Capítulo 8, uma caixa de gáscom uma divisória no meio. Desta vez,em lugar de um buraco na divisória,imagine uma minúscula porta – tãopequena que possa ser aberta e fechadasem se gastar uma quantidade apreciávelde energia. Quando a porta está fechada,as moléculas nos dois lados estão numestado de movimento constante,chocando-se contra a divisória e asparedes da caixa, mas sempre do ladoonde já estavam. Em seguida, imagineuma criatura, também de tamanho e

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massa insignificantes, parada na porta,observando as moléculas e deixando-aspassar para um lado ou para o outro, deacordo com seus caprichos. Da formacomo Maxwell mentalizou, essa criaturatem livre-arbítrio e inteligência, massubstância negligenciável. Em outraspalavras, ela pertence a um mundoimaterial, exatamente como Deepakacredita acontecer com nossaconsciência. William Thomson,contemporâneo de Maxwell, apelidouessa criatura de “o demônio deMaxwell”.

Vamos supor que esse demônio

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resolva deixar apenas moléculas velozes,de alta energia, transitar da esquerdapara a direita; e somente moléculaslentas, de baixa energia, transitar dadireita para a esquerda. Como atemperatura do gás é a medida davelocidade de suas moléculas, com otempo o gás no lado direito da caixaficará quente, e o gás no lado esquerdo,frio. No Capítulo 8, expliquei por que asmoléculas de gás numa caixa nunca sereúnem espontaneamente num só lado,mas também podemos dizer que jamaisvão se separar em frias e quentes. Se talcenário fosse possível, seria uma

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revolução. Por exemplo, seria possívelusar o diferencial de temperatura paraacionar uma máquina, o que significamover um veículo sem combustívelalgum. Mas isso seria uma violação dasegunda lei da termodinâmica,determinando que a entropia – oudesordem – de um sistema fechado nuncadecresce. A entropia dos gases na caixade Maxwell, no entanto, decresce, quandoo demônio as organiza de forma tão bem-ordenada.

Essa violação da segunda lei, quedeixa os físicos matutando para aondeteria ido a entropia que falta, acontece

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porque se supõe que o demônio tem umamente imaterial. Por outro lado, se amente do demônio tiver uma basematerial, o “sistema fechado” quedescrevi incluiria não apenas a caixa degás, mas também a mente do demônio.Vamos examinar como isso mudaria aequação da entropia. Para o demôniofazer seu trabalho, ele precisa anotar elembrar as informações sobre avelocidade das moléculas. À medida queessas informações se acumulam em suamente (ou num bloco de anotações ou namemória de um computador, se odemônio for um robô), a entropia da

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mente aumenta. Para entender por que,compare um recinto vazio com uma salamobiliada. Por mais que você arrumemesas, cadeiras e outros móveis, a salanunca vai estar em ordem, como ela seencontra quando está vazia. As mesas ecadeiras são como bits de informaçãoatulhando a mente do demônio: quandovocê acrescenta informação, aumenta aentropia. Resultado final: a redução daentropia das moléculas de gás na caixa écompensada pelo aumento da entropiacausado pela informação acumulada namente física do demônio. Dessa forma,entendemos para onde foi a entropia que

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faltava, e descobrimos que a segunda leinão foi violada. (Para os inteligentesleitores conjecturando por que não sepode apagar periodicamente a memóriado demônio, a resposta é que isso sótransfere a entropia para outro lugar, pormeio do processo de apagamento!)

Os físicos definem não apenas oconhecimento do tipo que o demôniopossui como informação, mas todas asideias, memórias, pensamentos esentimentos; isso significa, segundo asleis da física, que eles devem residir emalgum lugar do Universo físico – sejaincorporado aos padrões neurais do

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nosso cérebro, seja codificado numcircuito de computador, ou aindaimpresso com letras numa página.Mesmo nossa experiência com a beleza,a esperança, o amor e a dor se originamde um cérebro que obedece às leiscomuns da física. Infelizmente, aceitarque uma mente portadora de informaçãonão pode existir em algum reinoimaterial não significa que entendemos ofuncionamento da consciência. Osdesafios que enfrentamos ao tentarcompreender como um sistema neuralque obedece às leis comuns da física podedar origem à experiência subjetiva

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constitui um dos grandes projetoscientíficos do nosso tempo. EmboraDeepak talvez considere a tentativa delocalizar a mente no mundo material umsonho reducionista sem sentido, muitoscientistas estão trabalhando nesseprojeto, por mais complexo e impossívelque possa parecer. E estão fazendograndes progressos.

Koch escreveu que, quando começoua fazer pesquisas sobre as questões daconsciência, no fim dos anos 1980, issoera considerado um sinal de decadênciacognitiva – uma atividade malvista nacarreira de um jovem professor, que fazia

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os estudantes já formados arregalar osolhos. Mas ele e outros resolveramtrabalhar nisso, e hoje essa atitudemudou. Existe toda uma nova ciência daconsciência. É uma ciência legítima e temnos ajudado a entender quais estruturasdo cérebro produzem emoções,sensações e pensamentos, como sãoquimicamente reguladas e eletricamenteconectadas. Ainda não estamos perto dedescobrir a base da “mente” ou daconsciência como um fenômeno queresulta das interações entre neurônios.Mas todos os dias surgem novasevidências em apoio à ideia de que

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experiências mentais como beleza, amor,esperança e dor são produzidas pelocérebro físico. Pesquisadores dolaboratório de Koch, por exemplo,desenvolveram uma forma de os sujeitosativarem células nervosas individuais nasprofundezas de seus cérebros – célulasconceituais como as mencionadas noCapítulo 1 –, permitindo que controlem oconteúdo de uma imagem sobre uma telade computador externa, apenas porpensar na imagem que desejam ver.Experimentos como este, e o trabalhofeito em muitos outros centros ao redordo planeta, nos fazem achar que nos

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encontramos no caminho certo, emboraainda estejamos muito mais perto docomeço que do fim da estrada.

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A

DEEPAK

lguns anos atrás, algumas faculdadespara negros, nos Estados Unidos,

quiseram angariar recursos muitonecessários, e para isso elaboraram umabrilhante campanha publicitária. Oslogan era “Uma mente é algo terrível dese desperdiçar”. Mais terrível ainda seriaeliminar a mente de todo. Leonard faz

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isso quando afirma que o amor pode serentendido como um processoessencialmente cerebral. Em todas ascircunstâncias, seria uma afirmaçãobizarra, embora possa parecer maisrazoável quando a sentença toda éreunida: “A beleza, a esperança, o amor ea dor se originam de um cérebro queobedece às leis comuns da física.” Amor ebeleza são experiências centrais na vidaespiritual. Precisamos chegar ao fundo dolocal de onde elas vêm. Existe umaresposta. Mas, para aceitá-la, você deveperceber a diferença entre o amor e osprodutos de um laboratório de química.

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Leonard se apoia em 50 milpesquisadores do cérebro e apresentabem sua posição. No campo daneurociência, a mente é considerada umproduto residual do cérebro, assim comoo suor é um produto residual da queimade calorias, ou as bochechas coradas sãoum produto residual da excitação sexual.Contudo, os pensamentos não podem serreduzidos a dados. Tampouco o amor e abeleza. Como escreve o eminente físicobritânico Russell Stannard: “Não hácomo quantificar conceitos comoesperança, medo e dor.” Para seguir ainjunção de Cristo, de procurar o reino

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do céu dentro de si, ou o ideal grego, deconhecer a si mesmo, a estrada só podepassar pela mente. Por isso aespiritualidade coloca a mente emprimeiro lugar, no lugar que lhe épróprio.

Mas como o cérebro conseguiudestronar a mente? Vinte ou trinta anosatrás, o cérebro humano ainda era muitomal compreendido. Um neurologistagracejou que sabíamos tão pouco sobre amemória que o crânio podia estar cheiode serragem. Mas o advento de novastecnologias estimulou a pesquisa sobre océrebro, e, hoje, uma sondagem com um

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aparelho de fMRI (sigla em inglês paramapeamento funcional por ressonânciamagnética) não apenas revela os centrosde memória do cérebro: pode mostrá-losse iluminando em tempo real, ou seapagando, caso o paciente sofra de malde Alzheimer. Esperança, dor e medonão podem ser quantificados, mas aomenos conseguimos filmar imagensdessas emoções como atividadescerebrais.

No entanto, a lógica que situa océrebro antes da mente ésurpreendentemente fraca. Vouapresentar uma analogia: sei que você

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vai concordar em que não é possíveltocar “Twinkle, Twinkle, Little Star” nopiano sem um piano. Isso é o óbvio, tãoóbvio quanto não ser possível pensar semum cérebro. Mas, se alguém dissesse queo piano compôs “Twinkle, Twinkle, LittleStar”, a afirmação não faria sentido. Umpiano é só uma máquina; não cria novasmúsicas. Não se pode descartar esse fatoexaminando as moléculas de cada teclade marfim com um microscópioeletrônico para explicar de onde surgiuMozart. Só que os pesquisadores docérebro fazem exatamente isso quandosondam a estrutura molecular dos

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neurônios em busca da origem oculta dospensamentos e dos sentimentos. Antes deum piano produzir música, uma menteteve de escrever as notas. Antes de umcérebro registrar um pensamento, umamente deve pensar.

Durante séculos o mistério de como amente se relaciona com o corpo tem sidouma questão filosófica, e não prática. Navida comum do dia a dia, o debatecérebro versus mente não chega a serimportante. Nós dizemos “Eu mudei deideia”, não “eu mudei de cérebro”. Amédia das pessoas passa pela vida semquestionar o que torna humana uma

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mente. Mas essa questão, que pareceestar numa torre de marfim, temimplicações práticas incríveis. Não sepode ficar indiferente à questão da menteversus cérebro se a mente serve comoportal para uma realidade mais profunda;se chegar a essa realidade podetransformar sua vida, esse problema setorna o mais importante de todos.

Nós também temos nossos viajantesinteriores. Os neurocientistas jádemonstraram que sondagens no cérebrode monges budistas avançados são muitodiferentes da norma. (Já mencionei adescoberta de que os cérebros dos

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monges funcionam com o dobro dasfrequências de cérebros normais naregião das ondas gama.) A maiordescoberta foi que a atividade geral nocórtex pré-frontal era muito intensa –mais intensa, aliás, do que jamaisobservado antes –, alteração que surgeapós anos de se meditar sobre acompaixão. Assim, o córtex pré-frontal éo centro da compaixão, entre outrasfunções superiores. Nesse caso, não seriainexato dizer que o cérebro mudou a simesmo. Primeiro os monges tiveram aintenção se ser compassivos, depoismeditaram sobre isso, e seus cérebros

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foram atrás.

Isso é o contrário do que esperava aciência. Um dos enfoques muitodivulgados entre médicos ocidentais foique visionárias como santa Teresad’Ávila ou santa Bernadete, figuras queviveram experiências místicas, poderiamsofrer de lesões cerebrais, epilepsia, ouqualquer outra doença que as tivesselevado a crer que tinham umaexperiência divina. (Entre os ateusdeclarados, a maneira de explicar umavisão sagrada se reduz a uma escolhaentre embuste, ilusão e doença mental.Esta última, na verdade, é a explicação

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mais piedosa.) Os céticos podemargumentar o que quiserem sobre quantoum cérebro desequilibrado é capaz deenganar os pacientes mentais, levando-osa acreditar em ilusões. Algunsesquizofrênicos com delírios de grandezacreem poder parar uma locomotivapostando-se à frente dela e desejando queela pare. Curandeiros acreditam debelarum câncer pedindo a ajuda de Deus.Gozadores chamam todas essas crençasde pensamento mágico. Todo mundosabe que não é possível mover objetoscom a mente. Mas é precisamente o quefazemos quando fechamos o punho ou

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lançamos uma bola: nossa mente não sómobiliza milhares de moléculas nocérebro como nossa intenção se difundepelo sistema nervoso, chegando amúsculos e ossos – e cada passo docaminho é uma questão da mente sobre amatéria. Quanto a relacionar santidade àdoença mental, este é um julgamentoinsultuoso e tolo.

O que importa, na verdade, é umforte desejo de estar próximo de Deus.Como vimos no caso dos mongestibetanos, a intenção se traduz em novofuncionamento do cérebro. Por que isso étão inacreditável? Ninguém pode explicar

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por que temos qualquer pensamento,então, uma experiência divina não é maismisteriosa que provar um suco de laranjaou assistir à final de um torneio. Sópodemos mudar numa direção espiritualse o cérebro também mudar, e nossodesejo é alterar a paisagem material docérebro, e não o contrário.

De diversas maneiras, a neurologiaescamoteia fatos ao decidir sobre avalidade da experiência humana, já que ocórtex visual não acende apenas quandovocê vê um cavalo, mas também quandosonha com um cavalo. Uma imagem éuma imagem é uma imagem,

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parafraseando Gertrude Stein. Aespiritualidade adota uma perspectivamais ampla. O cosmo não teve deesperar bilhões de anos até o cérebrohumano evoluir. O cosmo já secomportava como se tivesse uma mentemuito antes disso. Eis o que diz oeminente físico Freeman Dyson: “Pareceque a mente, tal como se manifesta nacapacidade de fazer escolhas, até certoponto, está em todos os elétrons.”

Então, o que veio primeiro, a menteou o cérebro? A ciência está acostumadaa resolver problemas difíceis, mas este,como observa Leonard, é considerado o

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problema difícil. Gostaria de propor quejogar a mente contra o cérebro é umaproposta sem vencedores. O problemadifícil pode ser resolvido sem quenenhum dos lados saia perdendo. Paracomeçar, por que devemos afirmar que amente cria a matéria – ou vice-versa?Essa necessidade desaparece seconcordarmos que não há um pontoespecífico, nos últimos 13,7 bilhões deanos, em que a matéria de repenteaprendeu a pensar e a sentir. Quandoabandonamos a busca superficial dessemomento fictício, surge uma respostamelhor: a mente sempre esteve aqui, se

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não pela eternidade, ao menos pelomesmo tempo que a gravidade e as leisda natureza.

Nessa visão alternativa, a mentecósmica está tão à nossa volta que nãodesaparece, não importa o que fizermos.Está em nossos corações, no fígado e nascélulas das entranhas, assim como emnosso cérebro, provendo inteligência,poder de organização, criatividade e tudomais. Mesmo quando alguém perde asfunções mentais por efeito de psicose,drogas ou algum acidente catastrófico, oaspecto da inteligência que mantém ocorpo funcionando estará intacto (como

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observamos em pacientes em coma). Issoresolve de vez o enigma do tipo “o ovoou a galinha”, sobre o que veio primeiro,a mente ou o cérebro. “O que veioprimeiro” não vale nem é relevante novácuo quântico, que está fora do espaço edo tempo. Se a matemática e a gravidadecomeçaram lá, é um pequeno passoconferir o mesmo status à mente. Afinal,não há como vivenciar a matemática, agravidade e tudo o mais sem uma mente.

Sei que esse pequeno passo conduz aciência para uma direção que muitos nãoquerem assumir, para o domínio decoisas que não podem ser quantificadas.

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Mas a ciência já está lá. (Uma digressãopessoal: certa vez debati a questão daconsciência com um preeminente físicoversado nesse problema difícil. Quandoperguntei se gostaria de discutir o temaem público, ele recuou. “Você nãoentende. Consciência é um esqueleto noarmário. Nós não discutimos isso. Se eu odiscutisse, minha reputação profissionalestaria arruinada.”) Rumi, o adoradomístico sufi, entendia que a mente estáem todo lugar quando disse: “Todo oUniverso existe dentro de você. Perguntea si mesmo.” Situar a mente no centro dopalco do Universo resolve um enigma

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constrangedor, envolvido no problemadifícil: quando vejo um pôr do sol naminha imaginação, a luminosidadealaranjada tingindo o céu cor de safira,onde está esse pôr do sol? Não está nomeu cérebro, pois dentro dele não háluzes nem imagens. Não há nada nocérebro a não ser tecido mole egelatinoso, bolsões de água e escuridãosombria. Mas o pôr do sol que vislumbrotem de estar em algum lugar, e a melhorresposta é o espaço mental.

No espaço mental, mente e matéria semovimentam como uma coisa só. Se euquiser lembrar o rosto de minha mãe, eu

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o evoco no mesmo instante. Não importaquantos milhares de neurônios precisamser orquestrados, quais centros docérebro devem ser acesos paratransformar a memória em imagemvisual. Mente e matéria são inseparáveis.Como instrumento da consciência, océrebro humano precisava de tempopara evoluir. Quando evoluiu osuficiente, um pensamento e umneurônio se ligaram de modo perfeito,como um pianista e o seu piano – só que,nesse caso, o cérebro toca a música davida.

Leonard lançou mão do demônio de

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Maxwell para defender as leis básicas dafísica. Não tenho problema com isso,desde que as “leis básicas” incluam omundo quântico, onde se originam todasas possibilidades. Permita-me recorrer aodemônio de Deepak para defender amente. Esse demônio está empoleiradono alto do Empire State Building,olhando para o trânsito lá embaixo. Osautomóveis na Quinta Avenida às vezesviram para a direita e às vezes para aesquerda. O demônio sabe que todos osautomóveis obedecem às leis da física,assim como os átomos nos corpos dosmotoristas. Ele sabe que se pode fazer a

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previsão estatística quanto aos carros queirão virar à direita ou à esquerda. Issosignifica que as leis da probabilidade nosdizem o que cada motorista está fazendo?De jeito algum, pois o demônio deDeepak entende que cada automóvelrepresenta uma mente que toma umadecisão. Será que vou para a Macy’s oupara as Nações Unidas? Uma fica àesquerda, outra à direita. Sem umadecisão da mente, os carros não fazem acurva.

Por isso, o problema difícil pode serresolvido, mas ele requer uma visão maisabrangente da questão. O reducionismo

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não é suficiente. Quando indagados sobreo que o mundo quântico significa na vidacotidiana, os físicos costumam dar deombros e continuar em seus afazeresdiários. Essa atitude é sintetizada naordem “Cale a boca e faça os cálculos”.Os físicos se orgulham de sua vontade dese manter afastados da metafísica. Mas,gostem ou não, precisamos trazer o cerneda existência para o centro do palco.Nossas mentes não podem descansarenquanto não soubermos o que é amente. A espiritualidade sempre recebeubem essa missão; agora chegou a hora dea ciência fazer o mesmo.

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13. O cérebro determina ocomportamento?

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U

DEEPAK

ma pessoa normal não pode serfacilmente convencida de que o livre-

arbítrio não existe. Se você for a umrestaurante chinês, vai ter de escolherentre a coluna A e a coluna B. Você nãoacha que alguém ou alguma coisa estáescolhendo por você. O Universofunciona de acordo com as leis da física,

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mas continuamos livres para fazer nossasopções. Depois, podemos duvidar denossas decisões, é verdade. Ceder a maushábitos mostra como algumas escolhas secristalizam e não podem ser alteradascom facilidade. Os vícios dão um passoadiante. Fazem nos sentir escravos danossa fissura e sem alternativa a não serobedecer.

A espiritualidade tem a ver comampliar as suas escolhas. A ciência podeajudar ou atrasar esse projeto. Ela ajudaquando nos dá controle sobreinterruptores mecânicos, estejam eles nonosso cérebro ou em nossos genes. Mas

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atrasa o projeto quando insiste em quenosso cérebro ou nossos genes noscontrolam. Não há questão mais críticaque esta, pois, em última análise, sóexiste um mestre, você ou osmecanismos construídos no seu corpo. Amaioria de nós não enfrenta essa questão.Algumas vezes exercemos nossasescolhas, porém, no resto do tempo,funcionamos no piloto automático. Daí aresistência a divulgar as informaçõesnutricionais do Big Mac no menu.Nutrição envolve reflexão; fast-food nãoenvolve a mente. Às vezes somoslúcidos, outras, confusos; às vezes

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estamos no comando, outras, somosvítimas de nossos condicionamentos.Mas a vida não precisa estar tãocomprometida.

No momento, a ciência vigente éaltamente determinística. Como observaLeonard num dos primeiros ensaios,“nossas escolhas são muito maisautomáticas e restritas do quegostaríamos”. Considero essa afirmaçãomelancólica e irreal. Num scannercerebral, a mesma área do córtex pré-frontal associada ao sentimento maternalde alimentação se acende quando osujeito vê fotos de um bebê ou de um

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cachorrinho. Um determinista diria queocorre uma reação idêntica. Mas, quandoalguém entra num recinto onde existaum bebê, não o trata como um cãozinho,nem vai cuidar do soluço do setter. Nóssobrepujamos nosso cérebro o tempotodo.

Isso é de extrema importância, pois éfácil demais abrir mão do próprio poder ecair na inconsciência. Quando você comeum saco de batatas fritas inteiro semperceber o que está fazendo, você estáinconsciente. Quando deixa outra pessoalhe dominar ou até lhe maltratar paranão se aborrecer, você também está

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inconsciente. Reivindicar o poder deescolha é o mesmo que reivindicarconsciência; o primeiro passo desseprocesso é querer estar acordado, alerta,flexível e livre de velhos hábitos.

A neurociência não ajuda a esserespeito quando reduz o pensamento e ossentimentos a reações químicas e sinaiselétricos no cérebro. Os caminhos quesupostamente ditam os comportamentossão mapeados em ressonânciasmagnéticas ou varreduras com raios X. Aessa altura, todo mundo já viu programasde TV mostrando como um cérebronormal se ilumina em comparação a um

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cérebro deformado, distorção que pode irde tumor cerebral, depressão, insônia atécriminalidade ou esquizofrenia. Essasdescobertas não podem ser ignoradas,claro. A mente não tem escolha a não serseguir o cérebro. E quando o cérebro estáfisicamente desequilibrado, ocorrerãoalterações mentais. Mas isso está longede significar que o cérebro controla amente.

Seu comportamento éconstantemente influenciado a partir demuitos ângulos, de dentro e de fora. Naverdade, uma das provas de que océrebro não controla a mente é que ele se

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ilumina da mesma forma quando você selembra de um estresse – como um graveacidente de automóvel ou ter sidodemitido do emprego – e quando sofre oestresse na realidade. Mas não temosproblema para perceber que a lembrançaé diferente do fato real. Algunsdeterministas afirmam que opensamento deve estar enraizado nassubstâncias químicas do cérebro porqueos dois têm uma correlação exata. Umadescarga de adrenalina acontece quandouma pessoa de repente sente-se agitadaou com medo. Os sinais físicos do medosem dúvida são disparados pela

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adrenalina, mas isso não representa que aadrenalina, ou qualquer outra substância,é a causa do medo.

Vamos nos aprofundar um poucomais na questão. Há um estudo de 2010,da Escola de Medicina Monte Sinai, sobrea relação entre um hormônio chamadooxitocina e a maneira como uma criançacrescida se sente em referência à mãe. Aoxitocina, conhecida popularmente como“hormônio do amor”, por se manifestarem altos níveis quando as pessoas estãoapaixonadas, está presente no corpointeiro; no cérebro, ela tem sidoassociada a vários aspectos positivos,

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como confiança, prazer sexual e baixaansiedade. Quando as mães dão à luz, osníveis de oxitocina no cérebro sobem, oque é relacionado a um poderososentimento de nutrição. Parece que, emmães que rejeitam seus bebês ou sentemdepressão pós-parto, falta essa descargade oxitocina.

Nesses casos, os deterministasquímicos parecem ter um poderosoargumento, ao dizer que a oxitocina fazcom que as pessoas se sintam melhor devárias maneiras, e que esse estado deespírito leva-as a ter pensamentosotimistas. Por exemplo, uma dose de

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oxitocina faz as pessoas se sentirem maisgenerosas diante de situações em quepodem escolher ser ou não generosas.Então, quer dizer que uma taxa baixa deoxitocina é responsável pelo vilãoScrooge, e uma alta taxa gera umfilantropo como Warren Buffett?a Issorealmente seria determinístico. Noentanto, alguns novos estudos lançamsérias dúvidas. Quando adultos quemantinham boas relações com as mãesingeriam oxitocina, eles se lembravam deter mais sentimentos positivos. Aí está aquestão. Em sujeitos que declaradamentetinham má relação com a mãe, uma dose

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de oxitocina aumentava os maussentimentos. O “hormônio do amor”possui seu lado obscuro. Em outraspalavras, não existe uma relação pontualcom os sentimentos amorosos, e menosainda uma causa estabelecida.

Já mencionei que a mais cruametáfora usada pelos proponentes dainteligência artificial é afirmar que océrebro humano é uma máquina feita decarne. Muitos estudiosos do cérebro nãoveem isso como metáfora, mas como umfato literal para o qual existe umaresposta simples, porém devastadora:uma máquina não pode decidir não ser

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uma máquina, e nós fazemos isso otempo todo. Nosso sistema nervosoadministra o corpo em piloto automático– é por isso que pacientes em coma nãoestão mortos –, mas, se você não estiverem coma, esse mesmo sistema nervosopode liberar os controles sobre a mente.Dizer que é a própria máquina quedecide quando está ou não no controledesafia o senso comum: seria como se omotor de um carro que pudessedeterminar que “é a minha vez dedirigir”.

A existência do livre-arbítrio, assimcomo o domínio da mente sobre a

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matéria, já foi apoiada pela neurociência.Nos anos 1930, um pioneiro cirurgiãocanadense chamado Wilder Penfielddescobriu que, se estimularmos a área docérebro que controla os grandesmúsculos (o córtex motor), essesmúsculos se movem involuntariamente.Em um experimento, Penfield inseriu umpequeno filamento na área específica docórtex motor que controla o braço;quando emitiu um pequeno choque pelofilamento, o braço do paciente se ergueu.Em seguida ele perguntou ao paciente oque acontecera. A resposta era: “Meubraço simplesmente se ergueu.”

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(Cirurgias no cérebro costumam serrealizadas com o paciente acordado econsciente, pois os tecidos internos docérebro não sentem dor.)

Até aqui, os resultados de Penfieldparecem altamente determinísticos. Eledemonstrou uma relação causal entre océrebro e o corpo, o que parecia estarapenas a um pequeno passo de dizer queo cérebro deve controlar o corpo. MasPenfield acreditava na existência damente. E disse a seus pacientes paraerguer o braço (sem emitir um pequenochoque pelo filamento), o que elesfizeram com facilidade. Depois

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perguntou: “O que aconteceu agora?” Aresposta era: “Eu ergui o braço.” Emoutras palavras, os pacientes sabiam adiferença entre “Meu braçosimplesmente se ergueu” e “Eu ergui obraço”. Um gesto é automático, o outro évoluntário. É profundamente irônico,então, que os estudiosos do cérebrodefendam agora a noção dodeterminismo ao repetir esse mesmoexperimento para provar que o cérebronos controla, quando de fato ele prova ocontrário. (Em sua notável carreira,Penfield sempre continuou insistindo emque o cérebro é um servo da mente.)

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Quando praticam disciplinasespirituais como ioga, meditação,autorreflexão ou devoção, as pessoasdescobrem que é possível dominarprocessos involuntários. Em algunsminutos, por exemplo, eu poderiamostrar como reduzir o ritmometabólico e a pressão sanguínea comum simples exercício de concentração.Quando plenamente desenvolvida, ameditação pode diminuir o batimentocardíaco e a frequência respiratória atéquase zero, façanha demonstrada poriogues orientais e swamis. Poderiamostrar como aquecer mais as palmas

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das mãos, ou até a desenvolver umamancha vermelha na pele das costas damão. Monges tibetanos usam a mentepara aquecer seus corpos, a ponto deconseguir passar a noite nas enregelantescavernas do Himalaia trajando apenasuma túnica de seda. O ponto de vista queestou propondo quer que as pessoasdesenvolvam esse domínio.

Como você seria se tivesse essaperícia? Vamos responder a essapergunta sem as conotações religiosas ouas imagens exóticas de iogues ou monges.A mestria, ou o domínio, significa quevocê seria capaz de buscar a

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autodeterminação – ou seja, terialiberdade para escrever o roteiro de suaprópria vida. Pode haver tantos roteirosquanto o número de pessoas, mas háuma coisa em comum: o desejo de umapessoa aumentaria seu bem-estar. Nomomento, poucos de nós somos capazesde combinar nossos desejos ao nossobem-estar de forma confiável. Somosmuito limitados pelos hábitos e pelarepetição. É nesse ponto que o livre-arbítrio se choca contra uma parede, comforça e com frequência. Mas por quê?

Você e eu somos paradoxosespirituais. Dotados do mais flexível

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sistema nervoso do Universo, estamosatados a milhares de minúsculas cordas,como Gulliver foi amarrado pelosliliputianos na praia. Estamos atreladosao nosso jeito de fazer as coisas, aosnossos gostos e não gostos, semmencionar memórias, condicionamentospassados e botões emocionais que aspessoas podem apertar. Um psicólogocognitivo chegou a calcular que 90% dosnossos pensamentos hoje são os mesmosde ontem. Pagamos um alto preçodeixando nosso sistema nervosofuncionar no piloto automático.

É tentador pôr culpar da nossa falta de

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controle no cérebro. Atrelada aodeterminismo, a ciência do cérebrocostumava fazer avaliações básicas queacabaram se mostrando falsas. Umadessas avaliações afirmava que o cérebroestava inexoravelmente programadopara uma dada resposta. Um bomexemplo é o medo. Quando eramameaçados por animais selvagens, nossosancestrais entravam no modo “lutar oufugir”, e a razão anatômica para isso énosso cérebro inferior, herdado de nossosancestrais primitivos, como peixes erépteis. Em cima do cérebro inferior,exatamente como numa escavação

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arqueológica, onde novas cidades seempilham sobre ruínas das mais antigas,está o cérebro superior, ou córtex. É como cérebro superior que lidamos com omedo. Podemos observar uma ameaça edizer a nós mesmos: “Calma. Isso não foio disparo de uma arma, foi o cano deescapamento de um automóvel”, ou“Estou com medo, mas não quero quemeus filhos percebam”.

Há inúmeras maneiras de lidar com omedo usando a razão e as emoçõessuperiores, como devoção à família ousentido de dever. Mas o medo vemprimeiro. Lutar ou fugir tem um caminho

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privilegiado no cérebro, e é a razão desaltarmos ao disparo do escapamento deum carro e só depois refletir a respeito. Opensamento faz com que você decida queo disparo do escapamento foi inofensivo.Não é preciso lutar nem fugir. Por simesma, a sequência em duas partesparece benéfica. É bom reagirrapidamente ao perigo, mesmo que eleacabe se mostrando ilusório. O problemaé que, se for repetida um númerosuficiente de vezes, a reação cria trajetosfixos no cérebro, caminhos neurais quefuncionam de modo automático,restringindo a liberdade de escolha. Cada

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um de nós sabe o que é perder o controlediante da raiva, de hábitos alimentares,de excesso de peso, ansiedade, depressãoe todos os tipos de compulsões. Hásabedoria no ditame do Talmude quediz: “Nenhum homem é dono de seusinstintos.” Mas a civilização nos ensinacomo transformar nossos instintos emaliados, não em inimigos.

Em termos espirituais, perder ocontrole é o mesmo que adormecer.Materialistas convictos acreditam que, dequalquer maneira, o cérebro conduz oespetáculo: estar acordado (isto é, maislivre para escolher) é um conto de fadas

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que contamos a nós mesmos. Eles creemque somos marionetes que se recusam aver os cordões de controle, e, como océrebro maneja cordões invisíveis feitosde substâncias químicas e sinais elétricos,somos levados a acreditar que nossossentimentos de amor, coragem ebondade, bem como nossas aspirações,têm alguma força ou significado.

E quanto ao fato óbvio de quealgumas pessoas conseguem rompervelhos hábitos e superarcondicionamentos passados, trabalhar ospróprios medos e se recuperar dos vícios?Obedecer a um hábito e descartá-lo são

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coisas opostas. Não pode ser verdade queo cérebro dite rigidamente ocomportamento A e o comportamentooposto a A. É inevitável que a ciência docérebro amaine sua insistência na redeelétrica rígida e chegue a uma teoria darede elétrica flexível, que permita aocérebro mudar da forma que a pessoaqueira mudar. O termo técnico para issoé “neuroplasticidade”, e se refere àmaneira como os caminhos neuraispodem ser alterados à vontade.

De repente a perspectiva da mestriase abre bastante. A cegueira é umexemplo espetacular. Ao contrário da

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crença popular, os cegos não mergulhamna total escuridão. Em geral, resta algumtipo de visão interior. Um homem queficou cego por causa de um borrifo deácido industrial passou a visualizar edesenvolver intrincadas caixas deengrenagens com dezenas de partesinterligadas. Outro começou a trabalharconsertando telhados, e assustava osvizinhos fazendo seu trabalho em beiraismuito altos, nos quais subia à noite. Àsvezes outras faculdades assumem o lugarda visão. Certa vez li sobre um biólogomarinho cego, cuja especialidade eracolecionar caramujos marinhos do

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oceano Índico, altamente venenosos: elelocalizava as criaturas com os pés,identificava-as por meio do toque enunca foi envenenado. Esses inspiradoresexemplos de neuroplasticidade acabaramlevando a uma nova tecnologia,conhecida como BrainPort, que confereao cérebro uma forma controlada desubstituir um sentido por outro.

O dispositivo BrainPort, que pareceum boné equipado com eletrodos,começou como uma cadeira eletrificada,com uma câmera em cima e umaalmofada nas costas da pessoa cega, quetransmitia um padrão de sinais elétricos à

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pele. A pessoa sentada na cadeira recebiauma imagem registrada pela câmera, queera enviada para suas costas por meio dotoque. O cérebro transformava a imagem“sentida” em imagem “vista”. Essadescoberta, ocorrida quarenta anos atrás,mostrou que um sentido pode substituiroutro.

Mais tarde, depois de descobrir isso, oneurocientista Paul Bach-y-Ritaencontrou uma forma de restaurar oequilíbrio de pessoas cujo cérebro foradanificado nessa região. A perda do sensode equilíbrio pode sersuperdesorientadora, como se a pessoa

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andasse sempre num navio que jogamuito no mar. Bach-y-Rita colocou nalíngua do paciente uma pequenaalmofada que enviava minúsculos sinaiselétricos para a direita, a esquerda, para afrente ou para trás da língua, dependendoda maneira como a pessoadesequilibrada se inclinava. Seuspacientes aprenderam logo a levar o sinalpara o meio da língua, o que significavaque estavam retos. Depois de um tempo,o cérebro assumiu a tarefa para si. Umapessoa que antes não conseguia ficar empé sem cair agora podia ser curada peloBrainPort e andar por conta própria, até

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de motocicleta.

O cérebro é guiado peladeterminação, como a família de Bach-y-Rita aprendeu bem cedo. Em 1959, o paide Paul, Pedro, sofreu um derrame quelhe deixou um lado do corpo paralisado eprejudicou sua fala. O segundo filho,George, era psiquiatra, e, ao confrontar aconvicção da época de que tais danoseram irreversíveis (acreditava-se que océrebro não poderia curar a si mesmo),ajudou o pai a recuperar a vida normal.Anos depois, quando Pedro morreu, seucérebro foi examinado, e descobriu-seque o tronco cerebral prejudicado pelo

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derrame tinha de fato se recuperado.

Devemos essas descobertas a um dosaspectos da ciência, embora outrosestejam atrelados ao determinismo. Abifurcação na estrada não poderia sermais nítida. Se você ou eu escolhermosalcançar o domínio, nosso objetivoespiritual encontrará um aliado físico. Océrebro humano, assim como o próprioUniverso, corresponde ao que vocêespera dele, de acordo com suas maisprofundas convicções. Então, por quenão acreditar que seu cérebro é capaz depropiciar esse domínio? Se um sentidopode ser substituído por outro, se o

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cérebro pode curar a si mesmo e se novoscaminhos neurais se desenvolvemquando a pessoa decide que isso épossível, há muito mais liberdade paranós do que qualquer um já imaginou.

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E

LEONARD

m seu livro The Incoherence of the

Philosophers, o filósofo sufido século XIAbu Hamid al-Ghazali escreveu que,quando o fogo encosta no algodão, esteúltimo não é queimado pelo fogo, masdiretamente por Deus. Segundo tal pontode vista, nossa expectativa de que o fogofaça o algodão queimar vem do fato de

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que, cada vez que jogamos algodão nofogo, Deus quer que ele queime; mas ofogo em si não pode determinar aqueima, pois isso deixaria as mãos deDeus atadas, e Deus é livre para fazer oque quiser. De uma forma mais genérica,Al-Ghazali argumentava que as leis danatureza são uma espécie de ilusão naqual passamos a acreditar porque Deus éracional e em geral coerente (exceto nocaso dos milagres). A relação entre causae efeito só parece seguir leis inalteráveis,mas as verdadeiras causas dos eventosestão além do reino físico.

Deepak e muitos outros demonstram

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atitude semelhante quando se trata daligação entre o cérebro físico e aconsciência humana. Podemos estudar océrebro e compreender suas leis, mas,segundo sua visão, o substrato físico donosso córtex é controlado pela mãoinvisível da consciência, a verdadeiraforça motriz de nossos pensamentos,sentimentos e ações. Deepak acreditaque o cérebro é a marionete da menteimaterial – que, por ser imaterial, não éregida pelas leis da física.

Deepak compara os neurônios donosso cérebro a um piano, e nossa menteconsciente à música tocada pelo

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instrumento. Segundo essa perspectiva, aconsciência é expressa por nosso cérebrofísico como as notas musicais são trazidasà vida por um piano físico. Deepak dizque “não é possível tocar ‘Twinkle,Twinkle, Little Star’ no piano sem umpiano … Mas se alguém dissesse que opiano compôs ‘Twinkle, Twinkle, LittleStar’, a afirmação não faria sentido.” Éverdade. Mas se alguém dissesse que“Twinkle, Twinkle, Little Star” foicomposta num mundo imaterial, daconsciência universal, isso tambémpareceria ilógico – e é esta a alternativaque ele oferece, se seguirmos sua lógica.

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Não devemos nos deixar levar poranalogias. Embora os dois pontos de vista– que a consciência vem de um domínioexterno ou que emana do própriocérebro – sejam reconhecidamentedesafiadores, a maneira comoprogredimos na elucidação do elo entremente e cérebro é examinar o cérebro ever o quanto do que fazemos e sentimospode ser atribuído à sua ação. Deepakescreve que não se pode entender nadasobre a relação entre um piano e o modocomo a música é tocada “examinando asmoléculas de cada tecla de marfim comum microscópio eletrônico”, o que ele

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acredita ser comparável ao que osestudiosos do cérebro tentam fazerquando examinam o cérebro em buscade uma base física para a mente. Mas,quando se observa o cérebro, pode-seperceber que há muitas evidências de queo cérebro é a fonte da consciência.

Deepak e eu estivemos fazendo todoo trabalho até agora, o que é justo, já quesomos os autores do livro. Mas aqui vaium pequeno exercício para você, leitor.Dê uma olhada nos blocos da Figura 1(p.216). Uma das superfícies negrasparece longa e estreita; a outra, maiscurta e larga. Contudo, não são – se você

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medir as duas, vai ver que são idênticas.Você se engana porque as perspectivasdos desenhos foram projetadas para tirarvantagem de uma idiossincrasia na formacomo o cérebro percebe as figuras.Agora, por favor, olhe outra vez para osblocos e, como você já sabe que sãoidênticos, tente ver os dois dessa forma.Você vai perceber que não conseguefazer isso. Essas ilusões e aimpossibilidade de superá-las são umaprova de que não existe uma menteexterna separada do cérebro físico ecapaz de dominá-lo. Nós não podemostranscender as funções do cérebro físico.

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Aqui vai outro exemplo. Dê umaolhada nos dois rostos da Figura 2(p.216). O que acha que podem ser? Umhomem e uma mulher igualmenteatraentes, a mulher à direita? Todos nóstemos nossas idiossincrasias quando setrata de avaliar o que nos atrai, mas aprimeira exigência para uma vidaamorosa bem-sucedida é ser capaz dereconhecer o sexo de sua preferência. Ese você pensa que os rostos abaixopertencem a pessoas de sexo diferente,está enganado. É o mesmo rosto,diferenciado apenas pelo grau decontraste das fotos. Tanto entre asiáticos

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quanto entre caucasianos – a populaçãoestudada –, o rosto feminino mostra maiscontraste. Mesmo que isso seja novidadepara você, não é para o nosso cérebro.Ele interpreta automaticamente aimagem com menor contraste comomasculina, e, mesmo depois de saber queos rostos são idênticos, é difícil ouimpossível sobrepujar o julgamentoautomático do cérebro.

FIGURA 1

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FIGURA 2

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Há também exemplos notáveis deuma conexão determinística entre océrebro e a mente em animais nãohumanos. No capítulo anterior,mencionei o ritual de acasalamento damosca-das-frutas. É algo que ocupa boaparte da vida social desses insetos, e, deacordo com as palavras de umpesquisador, é “a atividade que elasfazem melhor”. O comportamento decorte do macho geralmente é seaproximar da fêmea, tocar nela com aspatas da frente, vibrar as asas, lamber afêmea, curvar o abdômen e esperar. Seestiver interessada, ela se aproxima; se

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não, zune as asas para o macho. A que sepode atribuir toda essa gabolice damosca-das-frutas? O comportamento foirelacionado a um gene responsável pelaprodução de uma proteína específica emcertos neurônios no cérebro da mosca.Parece que esses neurônios dirigem cadapasso da sequência coordenada da corte.Por exemplo, quando um biólogopreparou geneticamente moscas fêmeaspara produzir a versão masculina daproteína, elas perseguiram outras fêmeasde forma agressiva, desempenhando amesma dança masculina de namoro.

Os mamíferos também podem ser

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manipulados química ou geneticamente,de uma forma que parece reduzi-los arobôs. Por exemplo, embora a ovelhapossa ser bem antipática com cordeirosestranhos, elas são cuidadosas eamorosas com os próprios rebentos.Como se descobriu, esse admirávelcomportamento maternal pode estarrelacionado à oxitocina liberada nocérebro da mãe ao dar à luz. No períodoem que o nível de oxitocina está elevado(e permanece por cerca de duas horasdepois do parto), a ovelha amamentaqualquer cordeiro que se aproxime,memoriza seu cheiro e pode criá-lo até a

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idade adulta, seja ele ou não cria sua.Fora desse intervalo temporal, porém, aovelha vai afugentar qualquer cordeiro aquem não tenha se ligado antes – até opróprio filho, se ele for afastado da mãeenquanto os níveis de oxitocina estavamaltos. Mais ainda, o comportamento deapego da ovelha pode ser revertido aqualquer momento com uma injeção deoxitocina.

Outro animal em que o papel daoxitocina foi muito bem-estudado é oarganaz, um grupo com cerca de 150espécies, parecido com o camundongo.Um dos tipos de arganaz, o arganaz do

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campo, é um parceiro fiel, forma laçospara a vida toda e raramente toma umnovo parceiro, mesmo que o originaltenha desaparecido. Duas outrasespécies, contudo, o arganaz damontanha e o arganaz do prado, sãosolitários promíscuos. Assim como entreos carneiros, o comportamento dessesanimais pode ser relacionado à oxitocinae a um componente correlato chamadovasopressina. O aumento do nível dessassubstâncias no cérebro de um promíscuoarganaz da montanha ou do prado otransforma num pai e marido exemplar,enquanto a redução do nível dessas

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mesmas substâncias no arganaz docampo faz com que ele se comporte maiscomo seus primos solitários. Éinteressante notar que os cientistasencontraram um gene que rege osreceptores de vasopressina no cérebrohumano e observaram que provocamdiferenças análogas às que ocorrem entreos arganazes. Homens que se encaixamna categoria montanha/prado, emtermos de níveis de vasopressina, sãoduas vezes mais propensos a terproblemas matrimoniais, e metade tendea se casar.

Deepak pergunta: “Então, quer dizer

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que uma taxa baixa de oxitocina éresponsável pelo vilão Scrooge, e umaalta taxa gera um filantropo comoWarren Buffett? Isso realmente seriadeterminístico.” É óbvio que nossosexperimentos com seres humanos sãolimitados. Mas, quando os níveis deoxitocina no cérebro são manipulados,em animais, a resposta tem sido sim,essas manipulações resultam mesmo emmudanças comportamentais.

Sem dúvida a relação entre oxitocinae comportamento entre as pessoas é maiscomplexa que entre esses animais. Comomenciona Deepak, nos seres humanos, a

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oxitocina também parece ter uma ligaçãocom certos sentimentos negativos. Issonão é um sinal de que o cérebro nãodetermina o comportamento. Significaapenas que cérebros são complicados, eque os hormônios exercem muitasfunções. Mas entre as mães humanas,como entre as ovelhas, a oxitocina éigualmente liberada durante o parto e onascimento, e promove a união com orecém-nascido.

Por infortúnio, fica também evidenteque o cérebro dita comportamentos eemoções em pessoas com lesõescerebrais. Em nenhuma outra instância o

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efeito de um cérebro alterado é maischocante do que quando impacta ojulgamento moral de alguém. “Ojulgamento moral é, para muitos, aoperação quintessencial da mente alémdo corpo, a assinatura terrestre da alma”,escreveu o neurocientista Joshua Greene.Ele e outros pesquisadores fizerammuitos progressos na compreensão decomo o cérebro físico cria julgamentosmorais ao codificar memórias ouinterpretar informações. Uma área docérebro vital para essa função é chamadade córtex pré-frontal ventromedial, ouCPFvm, localizado a centímetros da

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testa. Pacientes com lesões graves noCPFvm não têm a capacidade intelectualalterada, mas demonstram menosempatia e uma diminuição dosentimento de repulsa em ferir os outros.Em um dos estudos, foi apresentada umasérie de escolhas morais hipotéticas –envolvendo matar uma pessoa inocenteem nome de um bem maior – a um grupocom lesões no CPFvm e a um grupo decontrole. Entre os portadores de lesões,era duas vezes maior o número dos queempurrariam alguém debaixo de umtrem a fim de salvar outras pessoas, ouque sufocariam um bebê chorando se isso

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atraísse soldados inimigos. Na vida real,lesões do CPFvm têm sido associadas acasos de divórcio, perda de emprego econduta social inapropriada. Aliás,muitos criminosos reincidentes sãopsicopatas que ainda novos começaram aexibir traços de crueldade e continuaramdemonstrando emoções superficiais efalta de empatia ao longo da vida. Osneurocientistas encontraram uma baseneural para esse comportamento,abrangendo uma área grande de regiõesdo cérebro como o CPFvm e a amígdala.“Pelas suas deficiências cerebrais, essespacientes têm emoções sociais

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anômalas”, disse o neurocientista RalphAdolphs, que pesquisa o CPFvm.

Nós aceitamos normalmente queincapacidades físicas em vítimas dederrames se devam a danos cerebrais,mas pode ser inquietante a perspectivade aceitar o “mal” como um déficitneurológico, como resultado direto daestrutura cerebral de uma pessoa. Talvezpareça que estamos desculpando oindivíduo (“Ele fez isso por causa docérebro”). No entanto, existe um grupoao qual permitimos lapsos éticos emorais identificados ao desenvolvimentodo córtex pré-frontal. Ele é facilmente

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identificável e muito caro ao coração demuitos de nós. Estou me referindo àscrianças, claro. Reconhecemos que,abaixo de certa idade, as crianças nãopodem ser consideradas responsáveiscomo os adultos, nem se deve exigirmuito delas. Nosso sistema legal faz essadistinção, assim como muitos de nós – e aprincipal razão é que o córtex pré-frontalsó completa seu desenvolvimento aosvinte e poucos anos. O comportamentode risco dos adolescentes e a falta decontrole dos impulsos diante daansiedade pela gratificação imediata sãode conhecimento comum. Agora, não

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apenas sabemos que isso existe comotambém por quê.

Concordo com Deepak: ocomportamento humano “éconstantemente influenciado a partir demuitos ângulos”. Esses ângulos incluemexperiências passadas e circunstânciaspresentes; e influenciam muitasestruturas do cérebro, cujas complexasinterações criam as pessoas que somos.Mas todos esses ângulos estão dentro donosso mundo físico. Não existe evidênciade que, como acredita Deepak, nossoscérebros são controlados por algo foradeles. Mesmo assim, não somos escravos

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de nossos genes. As pessoas podemmudar, e concordo com Deepak em que,quando “praticam disciplinas espirituaiscomo ioga, meditação, autorreflexão oudevoção, as pessoas descobrem que épossível dominar até processosinvoluntários”.

A neurociência não rejeita essasideias, fornece suporte para elas. Naverdade, os estudos que mostraramcomo monges budistas conseguemmodular a atividade do cérebro sãoilustrativos de um círculo deretroalimentação. Assim como ossujeitos do experimento que mencionei

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no Capítulo 12 podiam fazer seusneurônios disparar quando quisessem,para controlar imagens numa tela decomputador, os monges fornecem outroexemplo de uma decisão do sistemamente-cérebro que pode alterar osegundo.

Mestria, autodeterminação eliberdade para escrever o roteiro danossa própria vida são objetivosadmiráveis, e acredito que nós – isto é, onosso cérebro – podemos atingir essasmetas. E que não precisamos sair domundo material para fazer isso.

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a Ebenezer Scrooge: personagem principal de Um

conto de Natal, de Charles Dickens, o protótipo

do homem avarento e ganancioso; Warren

Buffett: magnata americano, um dos homens

mais ricos do mundo, prometeu doar 99% de

sua fortuna para causas filantrópicas. (N.T.)

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14. O cérebro é como umcomputador?

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E

LEONARD

m 1955, um grupo de cientistas dacomputação solicitou à Fundação

Rockefeller financiamento para umencontro de dez especialistas noDartmouth College. Eles alegavam quepretendiam

partir da hipótese de que todos os

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elementos do aprendizado ou qualquer

outro aspecto da inteligência podem ser

descritos com tamanha precisão que

uma máquina seria capaz de simulá-los.

Trata-se de uma tentativa de descobrir

como as máquinas podem usar a

linguagem, formular abstrações e

conceitos, resolver tipos de problemas

hoje exclusivos dos seres humanos e se

aperfeiçoar.

Os cientistas estabeleciam umprograma claro e conciso, contudo, asentença mais chocante da proposta era aque vinha logo a seguir à apresentação.

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Diziam eles: “Acreditamos que se possafazer um avanço significativo em um oumais desses itens se um gruposelecionado de cientistas trabalhar emconjunto, durante um verão.” Hojeparece óbvio que um significativo avançoda inteligência artificial só poderia surgirdepois de décadas, não de “um verão”.Como explica o neurocientista cognitivoMichael Gazzaniga, o grupo era “umpouco otimista”.

No cerne do superotimismo inicialencontra-se a metáfora do “cérebro comoum computador”, que, na melhor dashipóteses, é uma super-simplificação. As

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características funcionais do cérebrobiológico são muito diferentes das doscomputadores usados em 1955, oumesmo das mais sofisticadas máquinasatuais. Um computador convencionalconsiste em componentes eletrônicoscomo transistores – uma espécie deinterruptor que liga e desliga – queimplementam uma série de operaçõeslógicas chamadas portas. O lógicoGeorge Boole provou em 1854 quequalquer “expressão lógica”, incluindocálculos matemáticos complicados, podeser implementada por um “circuitológico” a partir de componentes em rede

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construídos com apenas quatro portasfundamentais, chamadas e, ou, não ecopiar. Essas portas se transformam emum ou dois bits de informação a cada vez(um bit é um registro – uma locaçãoarmazenada – que pode ter os valores 0ou 1). Por exemplo, um não altera o 0para 1, e vice-versa, enquanto a portacopiar altera o 0 para 00, o 1 para 11.Independentemente de seu uso, qualquercomputador aplica portas eletrônicaslógicas a bits, um ou dois de cada vez. Océrebro, por sua vez, executa operaçõesde maneira paralela, fazendo milhões decoisas ao mesmo tempo.

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Há muitas outras diferenças. Osprocessos cerebrais são cheios de ruí do –isto é, são sujeitos a perturbaçõeselétricas indesejáveis que degradam ainformação útil –, enquanto oscomputadores são confiáveis. O cérebroconsegue sobreviver com a remoção deneurônios individuais, enquanto asoperações de um computador falhamcom a destruição de um só transistorfuncional. O cérebro se ajusta pararealizar as tarefas que lhe são propostas,enquanto os computadores precisam serprojetados e programados para o númerofinito de tarefas que podem efetuar. As

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arquiteturas físicas também são muitodiferentes. O cérebro humanocompreende mil trilhões de sinapses (aslacunas entre neurônios pelas quais fluemos sinais químicos e elétricos), enquanto,hoje, o sistema de um computador demuitos milhões de dólares chega a ter 1trilhão de transistores. Além disso,embora as sinapses se pareçam um poucocom os transistores, o comportamento doneurônio é muito mais complexo que ode um componente de computador. Porexemplo, um neurônio dispara –mandando seu sinal para milhares deoutros – quando os sinais agregados nos

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neurônios que o alimentam chegam a umlimite crítico, mas deve-se considerar asincronia dos sinais que chegam. Aindahá sinais inibidores; os neurônios podemconter elementos que modificam o efeitodas mensagens recebidas. Esse é umdesign intrincado, de riqueza ecomplexidade muito maiores que asaplicadas em dispositivos eletrônicos.

Ainda assim, uma metáfora pode serútil quando as coisas comparadascorrespondem uma à outra em apenasum aspecto. Carson McCullers escreveuque “o coração é um caçador solitário”,observação maravilhosa, apesar de o

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coração não usar espingarda. Por isso,talvez seja proveitoso pensar no cérebrocomo um computador, apesar dasdiferenças de design físico e de operação,quando, por exemplo, o cérebrobiológico e o “cérebro” do computadorproduzem comportamentossemelhantes. Entre animais simples ecomputadores avançados (pelos padrõesatuais), esse pode ser bem o caso.

Vamos considerar a vespa fêmeacaçadora Sphex flavipennis. Quando umafêmea dessa espécie está pronta parabotar seus ovos, ela cava um buraco ecaça um grilo. A ansiosa mãe dá três

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ferroadas na presa, depois arrasta oinseto paralisado para o buraco e oarruma de forma que as antenas apenastoquem na abertura. Quando o grilo estáposicionado, a vespa entra no túnel parafazer uma inspeção. Se estiver tudo bem,ela arrasta o grilo para dentro e põe seusovos ao lado, para que o grilo sirva dealimento quando as larvas nascerem.Concluído seu papel de mãe, ela veda aentrada e sai voando. Assim como asovelhas que descrevi no capítuloanterior, essas vespas fêmeas parecemagir de forma pensada, com lógica einteligência. Mas, como notou em 1915 o

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naturalista francês Jean-Henri Fabre, se ogrilo expressar o menor movimentoenquanto a vespa inspecionar o buraco,quando sair, ela vai reposicionar o grilona entrada e mais uma vez descer aoburaco para dar uma olhada – como setivesse chegado com o grilo naquelemomento, pela primeira vez. Naverdade, não importa quantas vezes ogrilo se mover, a vespa repete todo oritual. Afinal, parece que a vespa não étão inteligente e racional assim, masapenas segue um algoritmo pré-programado, um conjunto de regrasfixas. Fabre escreveu: “Esse inseto, que

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nos espanta e nos assusta com suaextraordinária inteligência, nossurpreende no momento seguinte comsua burrice, quando confrontado comalgum fato simples que aconteça fora desua prática habitual.” O cientistacognitivo Douglas Hofstadter chama essecomportamento de “sphexinicidade”.

Se criaturas vivas podem parecerinteligentes, mas nos desapontar quandocaem até o nível de sphexinicidade, oscomputadores digitais podem nosentusiasmar quando sobem no méritodesse mesmo rótulo modesto. Porexemplo, em 1997, uma máquina de

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jogar xadrez chamada Deep Blue venceuo campeão mundial da época, GarryKasparov, num torneio de seis jogos.Kasparov disse que viu inteligência ecriatividade em alguns movimentos docomputador e acusou o Deep Blue dereceber ajuda de especialistas humanos.No limitado domínio do xadrez, o DeepBlue não somente parecia humano, eleparecia super-humano. Embora opersonagem humano Deep Blue exibidono tabuleiro fosse muito mais complexo,detalhado e convincente que os cuidadosmaternais demonstrados pela vespa, elenão surgiu de um processo que a maioria

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de nós gostaria de considerar inteligente.A máquina de 1.500 quilos tomou suasdecisões que parecem humanasexaminando 200 milhões de posições dexadrez por segundo, permitindo-lheantever de seis a oito movimentosadiante, em alguns casos, vinte ou mais.Além disso, armazenava uma bibliotecade movimentos e respostas aplicáveis aoinício do jogo e outra de estratégiasespeciais para o fim do jogo. Kasparov,por sua vez, declarou que só podiaanalisar algumas posições por segundo,confiando mais na intuição humana queno poder de um processador. Mesmo

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sem examinar o que havia debaixo docapô, há uma maneira fácil de esclareceressas diferenças de inteligência: é sómudar um pouco o jogo. Por exemplo,alterando a posição das peças no começodo jogo – ou eliminando a regra,importante no final do jogo, que permiteque um peão seja trocado por uma peçamais importante para ganhar umaposição melhor no final, avançando parao outro lado do tabuleiro. Kasparovconseguia adaptar seu raciocínio a isso.Mas o Deep Blue agia mais como avespa, incapaz de se adequar àscircunstâncias e fazer julgamentos, com

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sua enorme inteligência dizimada pelainflexibilidade.

O Deep Blue tinha uma capacidadesobre-humana no xadrez, mas não é oque a maioria de nós define como“inteligente”. O mesmo pode ser ditosobre Watson, o computador da IBM quejogava Jeopardy e em 2011 venceu osgrandes campeões humanos. Paraequipá-lo para o jogo, a IBM atulhou ocomputador com 200 milhões de páginasde conteúdo armazenadas em 4 milgigabytes de espaço em disco, tudo issoturbinado com 16 mil gigabytes dememória ram e cerca de 6 milhões de

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regras de lógica para ajudar a chegar àsrespostas. Mesmo assim, apesar deacertar quase sempre, Watson obtinha asrespostas a partir de pesquisas grosseiras,baseadas em correlações estatísticas, semnada do que poderíamos chamar de uma“compreensão” da pergunta. Essaquestão fica bem-esclarecida por algumasde suas respostas erradas, como a escolhade Toronto como resposta na categoria“Cidades. EUA”. Por trás de sua grandebase e da impressionante capacidadepara responder perguntas feitas emlinguagem coloquial, não havia nada quese pudesse definir como inteligência.

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O programa Jeopardy é uma invençãorelativamente recente. Assim como oscomputadores. A primeira proposta deprogramar um computador para jogarxadrez como um ser humano inteligentefoi feita pelo matemático Alan Turing em1941, antes da construção da primeiramáquina que pudesse ser chamada decomputador eletrônico. Turing, um dospensadores mais influentes do século XX,propôs muitas das ideias que formam asbases da ciência dos computadores e danossa era digital. Ele reconhecia aslimitações de um computador com umainteligência sphexiniciana, confinada a

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um domínio específico, e argumentavaque máquinas pensantes deviam sercapazes também de aprender e de alterarsuas próprias configurações.

Como julgar se um computador éinteligente? Segundo Turing, ainteligência não deve ser avaliada deacordo com o processo pelo qual seres oumáquinas funcionam, mas a partir defora, examinando-se seucomportamento. É assim que julgamos aspessoas no dia a dia – afinal, em geral nãotemos acesso aos sentimentos e aosraciocínios de pessoas que nãoconhecemos. Pouco se sabia na época de

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Turing sobre o detalhado funcionamentodo cérebro biológico, mas ele acreditavaque, fossem quais fossem as semelhançase diferenças, acabaríamos por construirum computador com inteligência ecomportamento semelhantes aos de umser humano.

A vida de Turing e sua brilhantecarreira foram abreviadas de formatrágica quando ele se suicidou, em 1954,depois de ser obrigado pelo governobritânico a passar por uma terapiahormonal, por ser gay. Mas, poucos anosantes de sua morte, ele publicou umtexto intitulado “Computing machinery

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and intelligence”, no qual propunha umteste de inteligência agora conhecidocomo teste de Turing. Em sua formaatual, o teste de Turing consiste em umser humano e um computadorinteragindo por meio de mensagens detexto, com um juiz humano imparcial. Seo juiz não conseguir diferenciar qual dosparticipantes é humano, diz-se que amáquina é inteligente. Turing previu queos computadores passariam por esseteste em meio século, ou seja, antes doano 2000.

O teste de Turing disseminou-se nacultura popular em 1966, com um

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programa de computador simples, deapenas duzentas linhas, chamado Eliza,que empregava um monte de truquespara gerar respostas simples, soandosurpreendentemente humanas. Nasdécadas que se seguiram, os cientistas dacomputação criaram muitos outros“robôs falantes”. Veja a seguir o trechode um diálogo em um recente concursocom o teste de Turing. Você conseguedistinguir qual falante é o juiz humano equal é o robô?

BILL: Você conhece alguma boa piada?

JOAN: Sei até algumas piadas ruins. Mas não

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consigo me lembrar delas por muito

tempo.

BILL: Por favor, conte uma piada.

JOAN: O que você ganha se andar por baixo

de uma vaca? Bill: Não sei.

JOAN: Uma patada na cabeça.

BILL: Essa é muito boa.

JOAN: Eu sei.

Essa conversa se prolongou por 25minutos. Na verdade, Joan é ocomputador. Porém, ao contrário dosprojetistas de Eliza, que simplesmente

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seguiram roteiros fixos, o criador de Joanseguiu o conselho de Turing e construiuessa máquina para obter “inteligência”por aprendizado: o programa“conversou” on-line durante anos commilhares de pessoas reais, construindoum banco de dados de vários milhões delocuções que ele busca estatisticamentequando compõe suas respostas.

Os cientistas da computação aindanão criaram um programa que consigaenganar juízes humanos por muitotempo. Mas o reconhecimento do nívelem que programas como Joan trabalha ecomo eles funcionam leva a duas

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conclusões. Primeiro: chegar à“inteligência” num teste como o deTuring num computador digital é muitomais difícil do que a maioria a princípiopensava. Segundo: há algo errado noteste de Turing – pois uma máquina quemonta um discurso repetindo respostasencontradas previamente não mostrainteligência maior que um nematódeoquando exibe sua sofisticação culinária aorastejar por um McDonald’s.

Embora o teste de Turing sejaquestionável – e de já ter caído emdesuso entre os pesquisadores dainteligência artificial –, até hoje nenhum

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exame de avaliação do pensamentointeligente obteve a aceitação geral. Háalguns bem interessantes por aí. ChristofKoch e seu colega Giulio Tononiargumentam que – ao contrário do queacreditava Turing – o pontochave é

avaliar o processo que o ser ou a máquinaem questão utiliza, algo mais fácil dedizer que de fazer, se você não tiveracesso ao funcionamento interno docandidato. Os dois propõem que umaentidade deve ser considerada inteligentese, diante de uma cena aleatória, puderextrair o ponto principal da imagem,descrever os objetos presentes e suas

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relações – tanto espaciais quanto causais–, e fazer extrapolações e especulaçõesrazoáveis que ultrapassem o que estiversendo retratado. A ideia é que qualquercâmera pode captar uma imagem, mas sóum ser inteligente é capaz de interpretaro que vê, raciocinar a respeito e analisarnovas situações. Para passar pelo teste deKoch-Tononi, um computador teria deintegrar informações de muitosdomínios, criar associações e empregarlógica.

Por exemplo, olhe para a imagem dofilme Repo Man, nas Figuras 3 e 4 (p.230).Um inseto rastejando pela página

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poderia detectar as característicaspuramente físicas da foto – um conjuntoretangular de pixels, cada um num tomde cinza. Mas, num instante e semesforço aparente, nossa mente percebeque a imagem mostra uma cena,identifica os elementos visuais,determina quais são importantes einventa uma provável história acerca doque está acontecendo. Para atender aoscritérios do teste de Koch-Tononi, umamáquina inteligente deveria ser capaz defocar no homem armado, na vítima comas mãos para o alto e nas garrafas nasprateleiras. E deveria também concluir

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que a foto mostra uma loja de bebidassendo assaltada, que o assaltante está nolimite, que a vítima está apavorada e queo carro de fuga espera do lado de fora.(As cenas precisam estar sintonizadascom a base de conhecimentos culturaisda pessoa ou do computador sob teste.)Até agora nenhuma máquina chegouperto disso. Qualquer abordagemgrosseira e não inteligente que tenhaconseguido um limitado sucesso no teste-padrão de Turing não terá chance depassar no teste de Koch-Tononi. Os doispesquisadores acreditam que ainda épreciso muito tempo até haver um

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pequeno sucesso nesse teste. Aliás, só hápoucos anos os computadores chegaramao que qualquer criança de três anosconsegue fazer – distinguir um cão de umgato.

Será que o pouco sucesso doscomputadores até agora em chegar aomesmo tipo de inteligência do nossocérebro é um problema técnico que umdia conseguiremos resolver? Ou seráessencialmente impossível replicar océrebro humano?

Num sentido abstrato, o propósitotanto do cérebro quanto de umcomputador é processar informação, ou

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seja, dados e relações entre os dados. Ainformação depende do meio que atransporta. Por exemplo, vamos suporque você estude uma cena, tire uma fotoe a escaneie no computador. Nem suamemória nem a do computador conterãouma imagem literal da cena. Em vezdisso, por um arranjo de seuscomponentes físicos, a mente e ocomputador vão simbolizar a informaçãodefinida pela cena de uma maneiraprópria. A informação da cena físicaagora seria representada de três modos: aimagem fotográfica, a representação noseu cérebro e a representação no

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computador. Descartando-se asdistorções e questões de resoluçãolimitada, essas três representaçõesconteriam as mesmas informações.

Turing e outros transformaram essesinsights sobre a informação e como ela éprocessada numa ideia conhecida como“teoria computacional da mente”.Segundo ela, estados mentais como suamemória da fotografia e, de maneiramais geral, seu conhecimento e até seusdesejos, são chamados de estadoscomputacionais. Eles são representadosno cérebro por estados físicos dosneurônios, assim com dados e programas

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são simbolizados como estados dos chipsdentro dos computadores. Da mesmaforma como um computador segue seusprogramas para processar os dados querecebe e produzir uma resposta, pensar éuma operação que processa estadoscomputacionais e produz outros novos. Énesse sentido abstrato que a mente écomo um computador. Mas Turing deuum passo adiante. Ele projetou umamáquina hipotética, chamada máquinade Turing, que em tese poderia simular alógica de qualquer algoritmo decomputador. Isso mostra que, se océrebro humano seguir um conjunto de

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regras específicas, é possível construiruma máquina – em princípio – que façaessa simulação.

FIGURA 3

FIGURA 4

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A teoria computacional da mente semostrou útil como uma estrutura que oscientistas podem usar para pensar sobreo cérebro; termos comuns da teoria dainformação agora são usadosamplamente na neurociência, como“processamento de sinais”,

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“representações”, “códigos”. Isso nosajuda a pensar sobre os processosmentais de uma forma teórica, e aentender melhor como desejos econvicções não precisam residir emoutros domínios, mas podem serincorporados ao mundo físico.

Mesmo assim, o cérebro biológiconão é uma máquina de Turing. O cérebrohumano pode fazer muito além deaplicar uma série de algoritmos aosdados e produzir uma resposta. Como foidescrito antes, o cérebro pode alterar suaprópria programação e reagir amudanças no ambiente – não apenas aos

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estímulos sensoriais externos, mas até aseu próprio estado físico. Ele tem semostrado espantosamente elástico. Se ocorpo caloso for secionado, dividindo océrebro em duas partes, a pessoa nãomorre, algo continua em funcionamento,e isso é um maravilhoso testemunho decomo somos diferentes das máquinas decomputação que construímos. O cérebrohumano pode sofrer degradação oudoença, ter grandes seções obliteradaspor um derrame ou pelo impacto de umacidente, mas, ainda assim, consegue sereorganizar e seguir em frente. O cérebrotambém pode reagir psicologicamente, e

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é tão plástico em seu espírito como nacapacidade de se curar. Em Stumbling on

Happiness, o psicólogo Daniel Gilbertescreveu sobre um atleta que, depois demuitos anos de desagradávelquimioterapia, sentiu-se alegre e disse:“Eu não mudaria nada.” E sobre ummúsico que ficou aleijado, mas depoisafirmou: “Se eu tivesse de fazer tudo denovo, gostaria que acontecesse domesmo jeito.” Como eles conseguemdizer coisas assim? O que for queaconteça, nós encontramos um caminho.Como diz Gilbert, a flexibilidade está aonosso redor. São essas características da

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mente humana que a elevam acima deuma simples máquina algorítmica,propiciando a beleza de ser humano e omistério maior que a ciência ainda teráde desvelar.

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D

DEEPAK

a última vez que alguém lheperguntou se estava chovendo, será

que você respondeu “Vou ter de fazer aamostra de algumas variáveis aleatóriaspara isso”? Se uma pessoa lhe pedir paratraduzir o Kalevala, o épico nacionalfinlandês, você responderia “Sinto muito,isso não está programado no meu

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software”? À primeira vista, as pessoasnão pensam como computadores –máquinas que alternam dois números, 0e 1, para chegar aos “pensamentos”.Mesmo se você acreditar, como parece ocaso de Leonard, que o cérebroeventualmente irá revelar os segredos damente, o cérebro também não operausando 0 e 1. Na verdade, não hánenhuma semelhança entre o nossocérebro e qualquer máquina “pensante”já planejada. Isso significa que essespontos de interrogação não vãodesaparecer.

Como era inevitável, o outrora

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promissor campo da inteligência artificial(IA) nem chegou perto de reproduzir umverdadeiro pensamento. Leonard faloudos problemas básicos relativos à IA, e eupoderia aquiescer e passar adiante. Masexiste uma questão crucial pairando noar. Já que não é igual a um computador, oque o cérebro faz para produzirpensamentos? Acredito que a respostaseja clara: o cérebro não produzpensamentos, ele os transmite a partir damente. E o que a mente faz, então? Elacria significado. Não só isso, o significadoevolui e, com isso, o cérebro vai atráspara alcançá-lo, guiado pela próxima

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coisa interessante sobre a qual a mentequer pensar.

Se um computador conseguisseabarcar os significados, a IA seria umadescoberta de fazer tremer o planeta. Aficção científica se tornaria realidade,pois um de seus enredos favoritosenvolve computadores mais inteligentesque seus mestres homens, seja voltando-se contra eles, seja tornando-se tambémhumanos. O computador HAL, a bordoda nave no filme 2001: uma odisseia no

espaço, soa mais simpático que osastronautas robôs viajando pelo espaçosideral. A plateia fica chocada quando

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HAL resolve matar a tripulação, para obem da missão, mas, ainda assim, éimpressionante quando o últimoastronauta sobrevivente começa adesmantelar a memória de HAL, e a vozdo computador moribundo pede: “Porfavor, não faça isso, Dave. Estou mesentindo estranho.” O livro Eu, robô, deIsaac Asimov, explora o mesmo tema, eos escravos mecânicos da humanidade serevoltam contra seus senhores.

A capacidade que os computadorestêm de nos imitar não é apenas umabrincadeira. Já mencionado por Leonard,o Eliza foi um dos mais engenhosos

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programas de computação. Ele usava umtruque esperto, baseado numa escola depsicoterapia desenvolvida pelo psicólogoCarl Rogers nos anos 1940 e 1950, quedeixava os pacientes à vontade fazendoobservações empáticas de um tipoaparentemente simples, como “Entendi”,“Fale mais a esse respeito”, ousimplesmente “Hum”. A programaçãodessas declarações no Eliza contornou anecessidade de o computador saber tudosobre o mundo real. Observações fáceis eenfáticas têm o poder de fazer as pessoasse sentirem ouvidas e compreendidas.Pronto, um computador que parece

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humano. (Aliás, diversas pessoas queconversavam com seus computadoresusando o Eliza relataram resultadosterapêuticos tão bons quanto os obtidospor um psiquiatra de verdade.)

Minha opinião é de que o computadornunca vai pensar – alguns truques podemapresentar uma boa imitação, masnenhuma máquina é capaz de criarsignificado, de atravessar a linha quesepara a mente da matéria. Porém, noinstante em que digo isso, um grandeobstáculo se interpõe no caminho. Océrebro é matéria e parece transitar noplano do significado. Se bits esponjosos

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de substâncias químicas flutuando numaaquosa célula cerebral podem transmitiras palavras “Eu te amo” e esperar, comsensível vulnerabilidade, que a outrapessoa responda “Eu também te amo”,um computador no futuro pode ser capazde fazer o mesmo. Por que não?

Antes de mergulhar de cabeça numcomplexo argumento sobre mente esignificado, vamos considerar o seguinteexperimento. Voluntários de Harvard seinscreveram para um estudo sobre jogosde estratégia. Foram postos diante de ummonitor e informados a respeito dasregras de um jogo específico.

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Vocês estão jogando com um parceiro

que está escondido atrás de uma tela.

Cada um de vocês tem dois botões para

apertar, marcados com 0 e 1,

respectivamente. Se os dois apertarem

1, você ganha um dólar, assim como o

parceiro. Se os dois apertarem 0, você

não ganha nada, nem seu parceiro. Se

você apertar 0 e o seu parceiro apertar

1, você ganha cinco dólares e ele não

ganha nada. O jogo vai durar meia

hora. Podem começar.

Imagine que você fosse um dosjogadores – qual seria sua estratégia?

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Você cooperaria, pressionando 1 todas asvezes, de forma que você e seu parceirotivessem a mesma recompensa? Ou iapreferir apertar 0, enquanto ele,inocentemente, pressionava o 1, e vocêconseguiria a recompensa maior? Você sesentiria tentado a fazer isso, mas, se eleficasse zangado, poderia retaliarapertando 0 todas as vezes e obrigando-oa fazer o mesmo, e os dois acabariamsem nada.

Quando o experimento foi concluído,os sujeitos foram interrogados sobrecomo os jogadores atuaram, e muitosdisseram que seus parceiros eram

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irracionais. Mesmo quando os sujeitospressionavam 1 muitas vezes seguidas,por exemplo, sinalizando vontade decooperar, os parceiros recusavam.Continuavam apertando 0 para ganharcinco dólares, enquanto, em outrasocasiões, pareciam envolvidos numasabotagem sem sentido. Era necessáriocastigá-los apertando 0 todas as vezes,mas isso também não os dissuadia.

Na verdade, não se tratavaabsolutamente de um experimento sobrejogos de estratégia, mas sobre projeçãopsicológica, pois não havia parceirosocultos. Cada sujeito jogava contra um

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gerador numérico aleatório, que emitia 0ou 1 sem nenhuma ordem específica.Mas quando indagados sobre como eramseus parceiros, os sujeitos projetavamneles características humanas, usandopalavras como “desonesto”, “nãocooperativo”, “volúvel”, “desleal”,“estúpido”, e assim por diante. Aimpressão é de que a mente humana criasignificado até mesmo quando não hásignificado algum.

A mente é cheia de significados, masas máquinas não podem trafegar por essaregião. Se não tivermos um Beethoven àmão para criar uma sinfonia n. 10, um

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Shakespeare para produzir sua peçaperdida Cardênio, ou um Picasso paraprogramar um estilo de pintura quenunca chegou a expressar nas telas, amáquina não vai fazer isso. A inspiraçãocriativa não pode ser reduzida a umcódigo escrito. A inteligência artificialestava condenada desde o início, pois“inteligência” foi definida em termos delógica e racionalidade, como se outrosaspectos do pensamento humano –emoções, preferências, hábitos,condicionamento, dúvidas, originalidade,absurdos etc. – não fizessem parte docenário. Na verdade, eles são a glória de

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nossa muito fantasiosa e perversamentedeliciosa inteligência. O significadofloresceu através de nós em todas as suasfacetas, não apenas como manifestaçãoda razão. Essas facetas incluem airracionalidade. A guerra atômica é umexemplo desse tipo de comportamentoirracional, que nos faz encolher de terrordiante de nossa própria natureza, mas aMona Lisa e Alice no País das Maravilhas

são igualmente irracionais, e nósgravitamos fascinados em torno dessasobras.

Computadores são limitados porregras e precedentes, sem os quais as

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máquinas lógicas não conseguem operar.Eles não dizem “Quando eu sonhavaacordado, alguma coisa me ocorreu”.Mas Einstein estava sempre sonhandoacordado, e a estrutura do benzeno foirevelada ao químico Friedrich AugustKekulé em sonho. (Ironicamente para aIA, graças a um sonho, o fisiologistaalemão Otto Loewi, que ganhou oPrêmio Nobel de Medicina em 1936,descobriu como os nervos transmitemsinais.) Portanto, devemos ser gratos àirracionalidade. O filósofo francês Pascaltinha razão quando disse: “O coraçãotem razões que a própria razão

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desconhece.”

Imagino que Leonard concorde comquase tudo isso. Mas também imaginoque se apegue à convicção de que, umdia, o entendimento mais profundo docérebro – e ele aponta na direção dasredes neurais – nos revelará o que é opensamento. Mas, e se não existir talsolução? Talvez não haja um modelo docérebro mais simples que o própriocérebro. Isso não quer dizer que aconexão mente-cérebro não estejaevoluindo. Com certeza está. Quando amente criou a leitura e a escrita, milharesde anos atrás, uma região do córtex

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adaptou-se para torná-las fisicamentepossíveis. Logo que novas formas de artemoderna foram produzidas, as pessoascoçaram a cabeça, como fizeram aosurgir a teoria da relatividade, deEinstein. Com o tempo, todos aceitaramos novos fatos, e, para essas pessoas epara as gerações seguintes, o cubismo e arelatividade se tornaram uma segundanatureza, assim como ler e escrever.Quando você treina seu cérebro para lere escrever, não pode mais voltar atrás ese tornar analfabeto. Essas marcas pretasde tinta na página sempre serão letras, enão traços aleatórios. De maneira

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irrevogável, o significado levou você aoutro patamar.

A vida espiritual é uma questão dedesenvolver os significados. Eu afirmoque a ciência, por si só, nunca estará àaltura desse projeto. O fato de a mentenão ser matéria vai até o cerne do meuargumento, mas há também um pontomais técnico, que envolve um famosoargumento matemático conhecido comoteoremas da incompletude de Gödel.Para entender o que esses teoremasrepresentam na vida cotidiana, devemosobservar a natureza dos sistemas lógicos.Somos as únicas criaturas que adoram

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todos os tipos de absurdo. “Solumbrava,e os lubriciosos touvos/ Em vertigirospersondavam as verdentes”,b mas é osentido das coisas que nos faz sentir emcasa.

Em nossa ânsia de sentido, a lógica énossa principal ferramenta paradeterminar o que faz sentido e o que nãofaz. Mas como podemos saber queestamos certos? As leis da natureza fazemsentido porque podem ser reduzidas àmatemática, um sistema totalmentelógico. Por isso dizemos que dois maisdois são quatro, e não três ou cinco. Masserá que a lógica não engana a si própria?

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Se assim for, o mundo talvez pareça fazersentido quando na verdade não faz.(Milhares de anos atrás, os antigos gregosdebateram-se com essa questão eencontraram enigmas desconcertantes,como alguns paradoxos. Um filósofo deCreta chamado Epimênides declarou:“Todos os cretenses são mentirosos.”Pode-se acreditar nele? Não há comosaber. Ele poderia estar dizendo averdade, mas isso significa que estavamentindo. A autocontradição estáembutida na sentença.)

De forma simplificada, esse era oproblema enfrentado por Kurt Gödel

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(1906-1978), matemático austríaco que sejuntou à onda de ilustres emigrantesfugidos da Europa assolada pela guerrapara morar nos Estados Unidos. A áreade Gödel era a lógica que rege osnúmeros. Não precisamos entrar nessecampo especializado, a não ser para dizerque os números naturais (números decontagem como 1, 2, 3 etc.) sãoconsiderados fatos da natureza, eportanto podem representar outrascoisas que encaramos como fatos. Osnúmeros devem ser coerentes; quando aeles se aplicam procedimentos, osresultados devem ser comprováveis. O

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mesmo pode ser dito de fatos sobre ocorpo, como a frequência cardíaca e apressão sanguínea, pois também sãoregidos por números. Os médicosaprendem os intervalos numéricosjulgados normais, e nossa saúde é medidapor esses padrões.

Gödel destilou os números até chegarà sua essência mais pura, os processoslógicos que levaram a coisas como oscomputadores. E ele descobriu que ossistemas lógicos têm furos inerentes. Elescontêm afirmações que não podem sercomprovadas – daí a noção deincompletude. O primeiro teorema de

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Gödel afirma que a incompletude é odestino de qualquer sistema lógico;nunca haverá um sistema que expliquetudo. O segundo teorema diz que, sevocê está olhando um sistema a partir dointerior, ele pode ser coerente, mas vocênunca terá certeza disso enquantocontinuar dentro dele. Há um ponto cegoinerente, pois certas suposições nãoprováveis fazem parte de todo sistema.Quem quiser escapar desses furos fataisterá de arranjar um modo de sair dosistema. A lógica não pode transcender asi mesma.

A espiritualidade argumenta que a

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consciência pode ir até onde a lógica nãoconsegue chegar. Há uma realidadetranscendente, e, para atingi-la, é precisovivenciá-la. Leonard, que é umsofisticado matemático, pode demonstrarcomo alinhavei mal essas questõesaltamente técnicas. Mas é difícil escapardos principais pontos sugeridos porGödel: os sistemas matemáticos incluemcertas afirmações aceitas como verdade,mas que não podem ser comprovadas.Transportando isso para o reino dosnúmeros, Gödel está dizendo que coisasnão provadas estão tecidas na nossaexplicação da realidade. Os estudiosos

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das religiões fazem afirmações baseadasna suposição de que Deus existe, emboranão possam provar. Os materialistasfazem afirmações baseadas na suposiçãode que a consciência pode ser ignorada, oque também não conseguem provar. Porque continuamos a viver com essesimprováveis fatores X? Várias respostasme vêm à cabeça.

1. Fé: Nós acreditamos em algumascoisas, e isso nos basta.

2. Necessidade: O mundo precisa fazersentido para nós, mesmo que hajafalhas no caminho.

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3. Hábito: As suposições improváveisainda não perturbaram ninguém atéagora, portanto, adquirimos o hábitode nos esquecer delas.

4. Conformidade: O sistema pode serfurado, mas todo mundo usa, então, eutambém estou nessa. Quero participar.

Quando juntamos todas essas razões,os meros mortais – até os meros mortaiscom educação científica – acham fácildefender sistemas com furos que nãodesejam admitir. Porém, não é só ocalcanhar de aquiles da lógica que nosatormenta. Estamos aprisionados nas

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implicações do segundo teorema deGödel, de acordo com o qual um sistemalógico não pode revelar suasincoerências; a cegueira é inerente a ele.Sei que estou humanizando amatemática, o que faz de mim umcompleto outsider, mas os sistemas nospegam a cada curva – sistemas políticos,religiosos, morais, de gênero,econômicos e, acima de tudo,materialistas. É vital saber que fomoscondicionados a aceitar esses sistemassem considerar suas suposições nãocomprovadas. (Observem que nãocomprovada não quer dizer errada. Não

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posso provar que minha mãe me amava,mas, ainda assim, isso é verdade.)

Leonard declarou diversas vezes quenão podemos ansiar por coisas infantiscomo Deus, vida após a morte ou alma, eesperar que sejam verdadeiras. Não achoque a espiritualidade se origine de umexcesso de otimismo. Ela surgiu porqueos sábios, santos e visionários do mundoconseguiram escapar das limitações dosistema lógico em que Leonard tanto crê.

A percepção de Gödel pode serestendida para nos mostrar quemáquinas lógicas não podem dar saltoscriativos, pois qualquer sistema que não

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consegue revelar seus furos internosestará sempre confinado à prisão de sualógica. Imagine um computador quepossa detectar 1 milhão de matizes devermelho. Se você perguntar qual é amais bonita, ele não terá nada a dizer.“Bonito” está fora de sua lógica.Felizmente a natureza se recusa a seraprisionada pela lógica, e os sereshumanos entenderam essa dica. QuandoPicasso criou o cubismo, quando Tolstóiimaginou Anna Karenina pulando nafrente de um trem, quando Keatsescreveu o esboço final de “Ode a umrouxinol” em poucos e frenéticos

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minutos, transformando um poemapromissor numa obra-prima, acriatividade deu saltos baseados numamistura e na comparação dosingredientes daquilo que existia antes. Alógica não fez parte desse processo.

Leonard menciona o Deep Blue, ocomputador que joga xadrez. Em 11 demaio de 1997, o Deep Blue ganhou umtorneio de seis jogos contra o campeãomundial Garry Kasparov. A vitória,derivada do projeto de um estudante daUniversidade Carnegie Mellon, levoudez anos para ser arquitetada. Foi umchoque emocional e angustiante para

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Kasparov (sabemos que o computadornada sentiu por ter vencido), que haviaderrotado o Deep Blue um ano antes.Mas gostaria de virar essa façanha decabeça para baixo. O Deep Blue é oexemplo perfeito de um sistema lógicoautocontido, que não pode fugir de suaspressuposições básicas.

A máquina só sabia calcular números,portanto, não sabia absolutamente jogarxadrez. Só tinha capacidade paravistoriar, na velocidade da luz, oconhecimento humano programado emseus circuitos. Os grandes mestres dexadrez mostram uma adorável

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arrogância quanto ao que fazem. Quandoembasbacados admiradores perguntaramao lendário campeão russo AlexanderAlekhine quantos movimentos à frenteconseguia enxergar num jogo, elerespondeu friamente: “Só consigo ver ummovimento à frente, o movimentocerto.” Jogar xadrez é intuitivo. Envolvea compreensão de todo o tabuleiro,interpretar o oponente, assumir riscos eassim por diante. Os grandes mestres nãomemorizam milhares de jogos de corpara chegar onde estão. Eles aprendem apartir desses milhares de jogos, o que émuitíssimo diferente. A mente treina o

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cérebro, que por sua vez confere à menteuma plataforma mais elevada, e assimcontinua o processo, mente e cérebroevoluindo juntos. O Deep Blue sóconseguiu engolir esse conhecimento ecuspi-lo de volta.

Finalmente, uma das áreas da IA estádesenvolvendo mãos artificiais – parasubstituir mãos perdidas em batalhas –das quais incontáveis veteranosincapacitados e outros amputados sebeneficiarão, se o projeto der certo.Rastrear os complexos sinais enviados erecebidos pela mão humana éincrivelmente difícil. Será que uma mão

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protética um dia conseguirá moldar umaescultura como a Vênus de Milo? Seráque conseguirá sentir a dura e friasuperfície do mármore? Opor-se a umtipo de trabalho tão altruísta pareceerrado, e os críticos da IA costumam sertratados como inimigos do progresso.Mas precisamos levar em conta apesquisa do neurocientista VilayanurRamachandran e seu incrível trabalho,no Salk Institute de San Diego, compessoas que tiveram membrosamputados.

Depois de uma amputação, muitospacientes experimentam a sensação de

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membros fantasma. Sentem que a mãoou o braço perdidos continuam ali, eesses membros fantasma podem causarmuita dor, em geral pela sensação de queos músculos estão sempre contraídos. Oprofessor Ramachandran sabia que, paraesse tipo de dor, as drogas, mesmograndes doses de potentes analgésicos,são de pouca ajuda. Refletindo sobre oproblema, ele deu um salto decriatividade. Pôs um paciente cujo braçodireito fora amputado em frente a umacaixa com um espelho dentro, dividindo-a em dois. Pediu-se ao paciente queintroduzisse o braço esquerdo na caixa e

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olhasse lá para dentro. O que ele viuforam dois braços – o direito era osimples reflexo do esquerdo. Mas, paraquem olhava, a imagem do espelhoparecia real.

Pediu-se então que o paciente abrissee fechasse as duas mãos, a real e afantasma. Para surpresa de todos, essasimples ação podia causar alívio, às vezesinstantâneo, a uma dor aguda eintratável. O cérebro era enganado pelavisão de um braço direito “real”.Ramachandran sugere que a área docérebro que recebia os sinais dosmembros (o córtex somatossensorial)

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estava em curto-circuito – mapeando obraço perdido e adaptando outras regiõespróximas, reservadas para os pés e orosto. Mostrar a imagem de um braçodireito dentro da caixa espelhada fez comque o cérebro remanejasse o processo,possibilitando o relaxamento dosmúsculos fantasma. (Um curioso efeitocolateral da teoria de Ramachandran, deque o cérebro tinha entrado em curto-circuito, é que às vezes as sensações dobraço amputado eram transferidas para aárea que recebia sensações do rosto.Dessa forma, um toque no rosto dopaciente fazia com que ele relatasse a

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sensação de um toque no braço perdido.)

Isso só podia acontecer porque amente, diferente do cérebro, arranjouuma forma de enganá-lo e a seus sinais dedor. Os métodos de Ramachandran estãosendo testados em hospitais de veteranosde guerra. Nem todos os amputados sebeneficiam totalmente deles, e varia aquantidade de tempo passado diante dacaixa com o espelho. Mas o importantefoi demonstrar a possibilidade de umasúbita mudança. A neuroplasticidade, acapacidade de antigos caminhos setransformarem em novos, ganhou umnovo alento.

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Gostaria de ir um passo além. Seconseguíssemos descobrir o que hádentro da mente, uma porta se abririapara a inteligência superior. O truque – otruque de sempre – é que a mente sópode ser explorada pela mente. Qualquerpessoa sabe como olhar para si mesma.Nós refletimos, temos palpites, tentamosentender nossos próprios motivos.(Alguns exemplos familiares: “Por que eudisse uma coisa tão estúpida?”, “Não seicomo eu sabia isso, simplesmente sabia”,“O que me fez comer aquilo tudo?”)Conhecer sua mente não é fácil. Adiferença entre a vida espiritual e

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qualquer outra vida se reduz a isso. Naespiritualidade, você descobre o que é amente na verdade. A consciência exploraa si mesma e, longe de chegar a um becosem saída, os mistérios se revelam. Sóentão a sabedoria floresce. O reino de Deus

está dentro de nós; eu sou o caminho e a vida;ama teu próximo como a ti mesmo. Estasnão são afirmações de fatos objetivos.Não podem ser deduzidas por meio dacomputação. A mente olhou fundo, em simesma, e descobriu sua fonte, que étranscendente.

Sobre a presença de Deus, há, emHebreus 11:3: “O que pode ser visto não

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foi feito do que é visível.” Se você quiser,pode comparar essa afirmação com afísica quântica, mas, no final, a origem éoutra, é a capacidade da mente conhecera si mesma. Esta também é umasuposição que não pode ser comprovada,contudo, o que nos salva é que essaafirmação específica é verdadeira.

b Primeiro verso do poema “Pargarávio”, de

Lewis Carroll, na tradução de Maria Luiza X. de

A. Borges. Em Alice: edição comentada (Zahar,

2002). (N.T.)

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15. O Universo pensaatravés de nós?

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U

DEEPAK

ma das organizações mais admiradasdo mundo são os Médicos Sem

Fronteiras, cujos corajosos integrantesviajam para os locais mais conturbados afim de curar pessoas. Seria inspirador seas fronteiras em disputa no planeta aospoucos se dissolvessem, porém, oslimites mais inflamados são os mentais –

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os primeiros que precisam ser desfeitos.Mesmo as pessoas de espírito maisaberto estão aprisionadas nessasfronteiras.

Digamos que você esteja lendo estecapítulo sob uma árvore, num diaensolarado. Você se recosta no troncoáspero e fresco para pensar. A fim dehaver pensamentos, os glóbulosvermelhos precisam circular pela suacorrente sanguínea; é assim que océrebro obtém a energia para pensar.Você também precisa da luz solar, sem aqual não poderia existir vida. Precisa daárvore, pois, sem a fotossíntese, os

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animais que respiram oxigênio jamaisteriam surgido. Isso não quer dizer que aárvore e o Sol também fazem parte doseu sangue? Os limites queestabelecemos entre mente, corpo emundo natural são convenientes, claro, eviver dentro desses limites se torna umasegunda natureza quando aprendemos anos definir como mães, pais, filhos,esposos ou pessoas solteiras, ao voltarpara casa. Mas o cosmo esqueceu de seespecializar, por isso, apresenta arealidade de uma vez só, num grande econfuso pacote.

Esse fato pode ser avassalador (o que

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em geral leva as pessoas de volta aoconforto de seus ninhos). Implica que oUniverso – todo o Universo, não só nossocantinho aconchegante – estáfuncionando através de cada um de nós.Para você inalar sua próxima inspiração,o Universo inteiro teve de colaborar –você é um rebento que cresce no cosmo,uma nova centelha de vida impulsionadapor tudo que existe, como a ponta dobroto verde de uma sequoia do Pacíficoimpelida pela floresta e, em últimaanálise, pela Terra toda.

Reúna coragem para se ver dessaforma. Ponha de lado qualquer definição

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limitada de quem você é, e por ummomento sinta-se sem fronteiras. Minhaproposta é que não somente o Universofísico atua através de você. Quando vocêultrapassa a máscara da matéria, percebeque o Universo também ama, cria eevolui através de você. Essa é umaverdade muito pessoal. Para aceitar avida espiritual, essa verdade deve ser realpara você, pois ela é a conexão com arealidade superior. A ciência vê os sereshumanos como manchas isoladas nocosmo, um afloramento da mente numacriação sem mente. Mas a mente é aconexão que torna a espiritualidade real.

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Como age através de você, o Universo oenvolve na mente cósmica.

Como você sabe que tem uma mente?Sem fazer nenhum curso de filosofia, amaioria aceita intuitivamente a máximade René Descartes: “Penso, logo existo.”Mas ninguém diria o mesmo em relaçãoa uma árvore, uma nuvem, um nêutronou uma galáxia. As fronteiras sãoteimosas; as paredes são espessas.Precisamos de mais definições ilimitadasda mente, abrangendo tudo isso.

Em seu intrigante livro Mindsight: a

nova ciência da transformação pessoal, o dr.Daniel Siegel, pesquisador e psiquiatra da

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Universidade da Califórnia, Los Angeles(Ucla), nos fornece exatamente essadefinição, e se deu ao trabalho deverificá-la. A princípio, ele tentou definira mente perguntando a vários colegas(todos supostamente dotados de umamente), mas ninguém conseguiu dar umaresposta satisfatória. Siegel estavaespecialmente interessado nascaracterísticas da mente que não podiamestar circunscritas ao cérebro – eencontrou: a capacidade de observar. Amaneira como observamos o mundo é omaior de todos os mistérios. Quando setenta afirmar que o cérebro é a mesma

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coisa que a mente, é preciso responder auma simples pergunta: nenhum dosingredientes das células cerebrais –proteínas, potássio, sódio ou água –podem observar, mas você pode; então,como esses objetos adquirem talcapacidade?

Vamos ver como um escritor exploraesse mistério de forma eloquente: “Souuma câmera com o obturador fechado,bastante passivo, registrando, nãopensando. Registrando o homem que sebarbeia na janela em frente, e a mulherde roupão que lava o cabelo. Algum diatodas essas coisas terão de ser reveladas,

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cuidadosamente impressas, fixadas.” Ocenário é a Alemanha nazista. Onarrador é o personagem sem nome dofascinante conto “Adeus a Berlim”, deChristopher Isherwood, cujospersonagens ficariam famosos no filmemusical Cabaré. O narrador é o próprioIsherwood, que queria manter a verdadeviva tornando-se um observador objetivoda história, enquanto Hitler mergulhavaa Europa nos horrores da SegundaGuerra Mundial. Mas alguns fatostrabalham contra Isherwood: o olho nãoé uma câmera. O cérebro não temimagens fotográficas em seu interior. A

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percepção é uma função da consciência,portanto, a mente vem primeiro, antesde qualquer aparato físico – olhos,ouvidos ou cérebro. É por isso queIsherwood diz “Eu” sou uma câmera.

Nitidamente, a lealdade básica deLeonard é em relação aos mecanismosfixos. Ele oferece atraentes ilusões deótica para provar que algumas coisas sãovistas automaticamente da mesmaforma; não importa se você tenta vê-lasde outra maneira. Para mim, ilusões deótica provam exatamente o contrário.Vou dar um exemplo clássico.

O que você vê na Figura 5 – um vaso

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branco no centro da imagem ou doisrostos em silhuetas pretas olhando umpara o outro? As duas são possíveis, e aquestão toda é que você tem condiçõesde decidir que imagem deseja ver. Podepassar de uma para outra à vontade.Assim como todos os aspectos do cérebrode um observador, trata-se de umprocesso mental.

Se a percepção viesse de ummecanismo físico, de uma câmera, nãohaveria escolhas. O cérebro tiraria uminstantâneo, revelaria a imagem e faria aimpressão. Na verdade, o cérebro não faznada disso. Ele só representa a mente que

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vê, interpreta, seleciona os detalhes,escolhe diferentes perspectivas etc.Diante de uma ilusão de ótica, sua mentetem a capacidade de ver pelo menos doisdiferentes pontos de vista. Para umsegundo exemplo, olhe para o X naFigura 6.

FIGURA 5

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FIGURA 6

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Se você vir o X mais perto, ele vaiestar na frente da caixa. Se vir no fundo,ele vai estar atrás da caixa. É você quemescolhe; seu cérebro não faz isso porvocê. As ilusões de ótica de Leonardforam selecionadas para nos obrigar a ver

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de maneira fixa. Mas isso aconteceporque o cérebro é um órgão falível. Porexemplo, o córtex visual tem uma regiãoespecífica para o reconhecimento derostos, mas não pode fazer essereconhecimento se os rostos estiveremde cabeça para baixo. Tente fazer isso.Pegue uma foto de uma famosa estrela decinema e mostre a um amigo, mas decabeça para baixo. Seu amigo não vaiconseguir ver que a foto é de ElizabethTaylor, ou Robert Redford. Mas a mentesabe como superar essa falibilidade. Elapode procurar indicações, mesmo numafoto de cabeça para baixo – por exemplo,

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identificando o cabelo despenteado deBob Dylan ou o tapa-olho do CapitãoGancho. Depois disso, torna-se possívelsobrepujar, ao menos parcialmente, aslimitações de um órgão físico.

O cérebro pode limitar a mente,claro. Se por acaso você estiver com umaviolenta enxaqueca ou tiver um tumor nocérebro, talvez não consiga ver imagemalguma. Com certeza seu córtex visualnão está calibrado para registrar luzultravioleta ou infravermelha, comofazem as abelhas e as cobras. Por isso,devem-se considerar as limitações físicas.Mas elas sozinhas não fornecem provas

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do que a mente pode ou não fazer.

Voltando a Daniel Siegel e sua buscapor uma definição da mente, ele fez umaboa escolha ao se concentrar em nossacapacidade de observação, em especialna capacidade da mente observar a simesma. É impossível imaginar umcomputador que consiga meditar e, semfazer mais nada, chegar a insights einovações, e muito menos mudar suaprópria fiação. Mas nós podemos fazertudo isso. Siegel acabou formulando suaprópria definição da mente,apresentando-a ao público científico em1993, sem enfrentar objeções. A mente,

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diz ele, é um “processo corporificado erelacional que regula o fluxo de energia einformação”. Isso é um bocado, contudo,o que torna forte a definição é quenenhum dos termos pode ser omitido.Vamos analisar uma palavra de cada vez.

Corporificado: A mente se faz conheceratravés de um órgão do corpo, o cérebro.

Relacional: Nossa mente reflete oambiente ao seu redor. Somosconstantemente moldados pelas pessoasà nossa volta, respondendo a seushábitos, discursos, gestos e expressões

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faciais.

Processo: A mente é atividade. Não éestática, mas dinâmica.

Regular: O monte de dados que oUniverso produz seria caótico se nãofosse organizado numa realidadecoerente. Para manter a realidadeintacta, cada parte deve estar regulada deacordo com todas as outras.

Fluxo: Há uma corrente ininterrupta deconsciência em paralelo à ininterruptacorrente de eventos externos.

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Energia: Manter o fluxo em movimentorequer energia em todos os níveis, desdea imensidão do big bang até o microníveldos íons, passando pela membrana deum neurônio.

Informação: Cada quantidade de dadospode ser vista como informação,contendo um bit de significado.

O mais apropriado desses termos é queeles podem ser aplicados a todos osaspectos da natureza. Por mais que nosorgulhemos de sermos humanos, amente está presente numa ameba, num

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rato, num neurônio e numa galáxiadistante. Informação e energia fluem emtoda parte; elas devem ser processadas edistribuídas; suas atividades formam umateia firme que conecta tudo que existe.Como definição universal da mente, estaé difícil de ser aperfeiçoada.

Agora nós temos uma base paraperguntar se o Universo está pensandoatravés de nós, ou, para ser mais pessoal,através de você. A resposta é sim. É umaresposta tão simples que, na minhaexperiência, quase ninguém resiste a ela.Diante das plateias, eu começoapontando que os objetos sólidos são

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ilusórios. Na realidade, tudo no Universoé um processo com começo, meio e fim.No que concerne à natureza, “fótons” e“elétrons” não são nomes, são verbos.Em seguida, peço que a plateia olhe parasi mesma.

Vocês também são um processo noUniverso, com um começo, um meio e um

fim? Eles aquiescem.

O seu cérebro é parte do processo? Sim.

A tempestade eletromagnética no seucérebro está dando origem a pensamentos?

Sim, outra vez – e estamos quase lá.Então o Universo está pensando através de

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vocês? A maioria não encontra muitosproblemas em responder que sim. Se oUniverso pode iluminar o céu comirregulares arcos de relâmpagos numaúmida noite de verão, também podedisparar as tempestades de raios queaparecem nas nossas imagens cerebrais.Tudo o que fiz neste capítulo foi definir o“pensamento” como um processo damente, e não do cérebro, e a maioria daspessoas não se opõe a isso.

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F

LEONARD

ui criado numa família judia religiosa,por isso fiquei surpreso, um dia,

quando minha mãe disse que nãoacreditava em Deus. Pedi que seexplicasse, e ela falou que antesacreditava, mas não conseguiu conciliarDeus com sua experiência de perder afamília no Holocausto. Nos meus dias

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ruins, lembro-me de que seiperfeitamente o que ela quis dizer.

Anos atrás, eu acabara de deixar meufilho Nicolai para seu quarto dia nojardim da infância, e parei a caminho dometrô para conversar com outro pai.Ouvi um som estranho. Olhei para cimae vi um jumbo vindo em minha direção,mas voando tão baixo que parecia umailusão. Um ou dois segundos depois, elepassou por cima de mim, parecendo seinclinar um pouco, e entrou em silênciono nonagésimo nono andar da TorreNorte do World Trade Center, a poucadistância dali. Os andares superiores

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cuspiram fogo quase de imediato. Oestrondo da colisão chegou meio segundodepois, como se houvesse caído um raio.A rua se transformou num caos, o ar seencheu de gritos e de uma chuva defragmentos em chamas. O que mais meobceca é pensar nas 92 pessoas que eu viserem dizimadas naquele momento –meu involuntário sentimento de conexãocom aquelas pessoas, que eu nãoconhecia, mas cujos últimos momentoseu não conseguia deixar de imaginar,olhando aterrorizadas pelas janelas.Nicolai, com seu rostinho de cinco anosde idade encostado à grande janela na

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sala de aula da escola, ali perto, viu tudotambém, inclusive os que pularam dotelhado para não morrer queimados.

Deepak escreveu que nós sereshumanos somos como um rebento “quecresce no cosmo, uma nova centelha devida impulsionada por tudo que existe”, eque o Universo está amando e criandoatravés de nós. Diz que, “para aceitaruma verdadeira vida espiritual”, essaverdade deve ser real para nós. Aoassumir o ponto de vista da ciência, e aorejeitar a versão de espiritualidade deDeepak, às vezes me vejo como ocalejado e barbado Humphrey Bogart

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mandando a linda Ingrid Bergmanembora no fim do filme Casablanca. Écomo se eu apresentasse minha fria ecalculada avaliação de que os problemasdos simples mortais – e nossossentimentos – não chegam a ser ummontinho de feijões nesse Universolouco. Mas se Deepak estiver certo sobrea consciência universal, ao dizer que oUniverso está amando através de nós,então ele deve também estar odiandoatravés de nós, matando e destruindoatravés de nós, fazendo todas as coisasque os seres humanos fazem além deamar, inclusive os atos que implodiram a

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fé que minha mãe tinha em Deus.Deepak evita falar sobre esse lado escuro,porém, se o Universo está trabalhandoatravés de cada um de nós, essa conexãouniversal deve ser uma faca de doisgumes.

Ainda que eu não acredite no Deus daBíblia nem no mundo imaterial queDeepak defende, não concordo quandoele diz que adotar um ponto de vistacientífico é o mesmo que virar as costaspara a espiritualidade. O grande físicoRichard Feynman perdeu sua namoradade infância e “grande amor” da sua vidapara a tuberculose, quando os dois

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tinham vinte e poucos anos, logo depoisde terem se casado. Uma vez ele medisse que não se sentia revoltado comisso, pois “não se pode ficar revoltadocom uma bactéria”. Que afirmaçãoracional e científica, lembro-me de terpensado. Mas depois fiquei sabendo queFeynman escreveu uma carta à esposa –mais de um ano depois da morte dela:

Querida Arline,

Eu adoro você, querida. … Faz tanto

tempo desde que lhe escrevi pela última

vez – quase dois anos, mas sei que vai

me desculpar porque entende como eu

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sou, teimoso e realista; e achei que não

fazia sentido escrever. Mas agora eu sei,

querida esposa, que está certo fazer o

que tenho adiado, e que tanto fiz no

passado. Eu quero dizer que amo você.

Acho difícil entender na minha

mente o que significa amar você depois

de morta – mas ainda quero confortá-la e

cuidar de você. E quero que me ame e

cuide de mim.

Richard Feynman não foi somente umdos maiores físicos da história, eletambém ficou famoso entre os físicos porsua apaixonada insistência em que todas

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as teorias deveriam estar intimamenteligadas às observações experimentais.Feynman considerava uma sorte terencontrado sua alma gêmea, mesmosabendo que o que sentiam um pelooutro poderia ser reduzido a processosfísicos – assim como a morte de suaamada podia ser reduzida a umabactéria. E mesmo ciente de que ela nãoestava realmente ali com ele, continuousentindo o espírito de Arline pelasdécadas seguintes, até o dia em quetambém morreu. Não diminuiu em nadaa intensidade dos sentimentos deFeynman, nem o tornou menos espiritual

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em sua abordagem da vida, o fato de queesse amor fosse um fenômeno mentalregido pelas leis da natureza que eleestudava. Isso também não fez com queele não soubesse o que significava o amorpor Arline; nem desejar que ela o amassedepois da morte fez com que ele negasseesse amor. Feynman sabia que oempenho para entender os mistérios danatureza, da nossa mente e da nossaexistência não o poria em conflito com oque sentia em seu coração. Na verdade,penetrar esses mistérios é um dostriunfos máximos entre as característicasque nos tornam humanos.

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Como diz Deepak, a ciência traçafronteiras: os cientistas acreditam queisso é feito por uma boa razão – excluirde nossa visão de mundo o que não é averdade. Mas existe muito espaço nointerior dessas fronteiras para asemoções, o significado e aespiritualidade. Uma vida científica podecoexistir com uma vida espiritual.

O Universo está pensando através denós? Os cientistas são cautelosos até nasespeculações. Queremos ver nossasideias citadas em publicações comoPhysical Review e Nature, não naEncyclopedia of the Wrong. Como costuma

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acontecer quando as questões sãoexpressas em palavras, e não emmatemática precisa, a resposta científicadepende da definição dos termos. NoCapítulo 14, descrevi a teoriacomputacional da mente. Se “pensar”significa, como querem alguns,computar, então, sim, o Universo está

pensando, pois todos os objetos seguemleis matemáticas e, portanto, seucomportamento incorpora os resultadosda computação ditados por essas leis. Ofísico Seth Lloyd escreveu: “O Universo éum computador quântico”, e nós somosparte dele. Nesse sentido, eu poderia

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concordar com Deepak: somos parte deuma mente universal e o Universo pensaatravés de nós.

Todavia, ao argumentar que oUniverso pensa através de nós, Deepakestá dizendo mais que isso. Ele nos vê atodos conectados por uma consciênciauniversal imbuída de maravilhosascaracterísticas como o amor, mastambém, presumivelmente, o ódio.Embutida nessa consciência, de algumaforma, está nossa mente imaterial, quecontrola e se expressa por meio do nossocérebro físico. Como prova dessa visão,ele oferece a imagem rostos/vaso, como

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na Figura 7.

FIGURA 7

Deepak diz que nossa capacidade de

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escolher entre enxergar dois rostos emsilhuetas negras ou o vaso branco é provade que a mente não é um mecanismofísico, pois este só pode “tirar uminstantâneo, revelar a imagem e fazer aimpressão”. Ele afirma que, por outrolado, a mente não física “interpreta,seleciona os detalhes, escolhe diferentesperspectivas etc.”. Mas Deepak estáenganado quanto ao nosso grau decontrole na ilusão do vaso/rostos. Vocênão pode escolher ver o vaso ou osrostos. Não há uma mente imaterial quepossa sobrepujar a estrutura do cérebrofísico.

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Tente. Se você prestar bastanteatenção, vai perceber que – seja qual foro objeto que focalizar – seu cérebroatropela a escolha e ativa um lapsovisual, e agora você vê o outro objeto.Por exemplo, se você focar no vaso, nãovai conseguir considerar indefinidamentea extensão ao redor dele como espaçomorto, sem interpretá-la como doisrostos. Algumas pessoas com distúrbiosde humor apresentam longos períodos delapso, até de alguns minutos, mas todosacabam mudando o foco de atenção (ospesquisadores não confiaram em relatospara saber disso, as mudanças foram

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medidas com instrumentos externos).

Sua experiência visual, ao olhar umaimagem “biestável” como essa, dependede muitos fatores, como esforçoconsciente, exposição prévia à imagem eseus detalhes, tais como osombreamento, mas depende tambémdas limitações impostas pelo seu cérebrofísico. Por exemplo, os cientistas queestudaram as pessoas quando elasobservavam a imagem focalizando osrostos, e não o vaso, verificaram que elasativavam uma parte do lóbulo temporalespecializado em reconhecimento facial –a região especializada mencionada por

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Deepak. Essa área, chamada de áreafusiforme da face, depende de o rostoestar numa orientação normal; e, comodisse Deepak, sua eficácia diminui muitoao olhar um rosto de cabeça para baixo,por exemplo. Inverta o sentido do rosto,e a hipotética mente imaterial não sedeixa enganar, mas o cérebro físico se

comporta de forma diferente. Então,vamos a um teste: observe os rostosinvertidos e o vaso na Figura 8 (p.258).Como seu cérebro está no comando,você vai considerar os rostos menosóbvios que antes, mas continua alterandoo ponto de vista.

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Em outro exemplo, Deepak diz que,se você olhar o X no cubo da Figura 9(p.258), estará fazendo a escolha entrever o X na frente ou atrás da caixa. Eudiscordo. Vamos considerar um desafiomais simples. Sabendo conscientementeque a imagem da Figura 9 não érealmente um cubo, mas apenas algumaslinhas em uma página plana, ordene quesua mente imaterial assuma o controle deseu cérebro físico. Tente se concentrar noseu conhecimento de que são apenaslinhas sem significado numa página, nadamais que isso. Você consegue olhar paraa Figura 9 e não ver um cubo? Se o

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cérebro é um simples servo da mente,como diz Deepak, uma câmera ouinstrumento que a mente usa enquantovocê – a sua mente – faz a escolha, vocêdeveria ser capaz de olhar a figura e nãover o cubo. Mas isso é impossível.

FIGURA 8

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FIGURA 9

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Deepak recorre a esses exemplosquando acha que eles podem apoiar suaargumentação, e os descarta quando nãofazem isso, explicando que acontecemporque a mente é expressa por meio deum “órgão falível”. Mas é exatamenteesse o problema: os cientistas

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conseguiram mostrar que todos osaspectos do pensamento e docomportamento humanos já estudadossão expressos através desse órgão físicofalível.

Para onde quer que olhemos,detectamos evidências de que a mente éum fenômeno do cérebro. Daniel Siegel,professor de psiquiatria na Ucla, cujolivro Mindsight: a nova ciência da

transformação pessoal Deepak tenta usarcomo prova do contrário, abre suanarrativa com uma história que ilustramuito bem a base física do quechamamos de “mente”. O caso diz

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respeito a uma família em que a mãe,Barbara, antes uma presença cálida eamorosa, sofre um acidenteautomobilístico que danifica gravementea parte do córtex pré-frontal responsávelpela “criação de empatia, insight,consciência moral e intuição”. Resultado:agora ela era uma pessoa que, embora sã,racional e suficientemente funcional, nãosentia emoções em relação à família.Como ela própria definiu a diferença quesentia em sua nova maneira de ser:“Acho que eu poderia dizer que perdiminha alma.”

Siegel foi chamado a trabalhar com a

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família, pois os filhos foram muitoafetados pela mudança decomportamento da mãe. Ele mostroupara a família um mapeamento docérebro de Barbara e indicou onde estavaa lesão, para que todos entendessem queo “cérebro dela estava machucado”,como definiu depois um dos filhos. Mas aoutra filha, não satisfeita com aexplicação, contestou: “Eu pensei que oamor vinha do coração.” Siegelrespondeu que ela estava certa, que arede de células ao redor do coração e aolongo de todo o corpo se comunicadiretamente com a parte social do nosso

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cérebro e “envia esses sentimentos docoração para as áreas pré-frontaismédias”. Com essa parte do cérebrodanificada, Barbara não conseguia maisreceber os sinais. Com o passar dotempo, a família começou a reagirmelhor, mas Barbara nunca serecuperou. Siegel escreveu que “a lesãona parte frontal do cérebro era gravedemais, e ela não mostrava sinais derecuperação relativos à maneira de sesentir mais conectada”. O cérebro estavamachucado, assim como a mente.

Uma vez perguntaram ao famosofilósofo do século XX, Bertrand Russell, o

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que ele diria se morresse e fosseconfrontado por Deus, exigindo saber porque Russel tinha sido ateu. A famosaresposta foi que era culpa de Deus. “Nãohá provas suficientes, Deus! Não háprovas suficientes”, teria dito Russell.

Deepak retrata a insistência científicanos dados como algo frio e impessoal. Euseria desonesto se o contestasse quandoele declara que a ciência vê os sereshumanos como “manchas isoladas nocosmo, um afloramento da mente numacriação sem mente”. Há muita coisa nahumanidade que merece serreconhecida, mas negar que somos

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manchas isoladas no cosmo está maispara fugir da verdade do que para levá-laem conta. Deepak disse que é precisocoragem para nos vermos do modo comoele sugere, mas pinta um quadro cor-de-rosa, que, como na citação mencionada,gosta de contrastar com o ponto de vistada ciência. O que exige muita bravura éaceitar a realidade como nós aobservamos, sem se importar se ela éuma imagem rósea ou estéril. É precisocoragem para envelhecer, ver os amigosmorrerem, os aviões caírem, continuarexperimentando amor e perda sem areconfortante ilusão de um Universo

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vivo e pensante, imbuído de umaessência divina.

Ao mesmo tempo, eu prefiro mesmouma visão mais estéril. Para mim, aindaque os seres humanos sejam manchasisoladas num afloramento acidental damente, o importante é que temos umamente, que sentimos emoções e somoscapazes de apreciar a arte, a beleza e aalegria. Somos feitos de química e física,mas não somos “apenas” frutos delas.Somos mais que a soma de nossoscomponentes e mais que apenas seresvivos. Somos átomos e moléculasindiferentes que se reuniram para cuidar

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uns dos outros, para sentir amor – einfelizmente ódio, também –, bem comomuitas outras emoções, algumasexaltadas, outras não. Eu me sintoconectado. Sendo essa pequena manchano vasto cosmo, sinto familiaridade comtodas as outras pequenas manchas e mesinto grato por meu breve momento deexistência como fenômeno físico,conectado a todos os outros fenômenosna natureza. Eu me alegro em sersomente uma pequena parte de umUniverso não pensante, porémmaravilhoso e em constantetransformação.

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PARTE V

DEUS

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16. Deus é uma ilusão?

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N

DEEPAK

ão há como escapar ao fato de que omundo não é o que parece. Entre os

grandes pioneiros da física quântica, eumencionei Niels Bohr, quando declarouque o que aceitamos como real se baseiano irreal. Em seu discurso, ao receber oPrêmio Nobel de 1932, WernerHeisenberg concluiu que o átomo “não

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tem absolutamente propriedades físicasdiretas ou imediatas”. Na época, oUniverso passava por um esmaecimento,e decerto não se tornou mais sólido desdeentão. O mistério e a maravilha nãoprecisam da permissão da ciência paraexistir, contudo, nesse caso, elesobtiveram a permissão.

Isso ainda nos deixa longe do Deusbenigno e criador, mas a espiritualidadenão defende o Deus patriarcal daconvenção. Ela lida com a alteração daconsciência. O famoso mestre espiritualindiano J. Krishnamurti falava, umatarde, diante dos Alpes Suíços.

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Krishnamurti sempre insistia em travarum rigoroso debate com sua plateia –uma de suas principais doutrinas era queninguém devia seguir cegamente umguru ou alguém que se declarasse umhomem santo –, e, nessa ocasião, a trocade repente eclodiu. As pessoas pareciamatônitas com a mudança de consciênciaque ele propunha.

Em vez de se aprofundar,Krishnamurti virou-se na direção de umpico nublado, a distância. “Se, por ummomento, vocês conseguissemrealmente ver aquela montanha, vocêsentenderiam tudo”, murmurou. “A

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realidade está escondida de nós, mas estáem toda parte esperando para serpercebida.”

Se você não conseguir perceber ascoisas de uma nova maneira, osensinamentos espirituais não passam deficção. Mas como aqueles que têm umapercepção normal, como nós, chegam aesse estado? Como podemos, na verdade,ver a montanha? Primeiro, precisamosentender o que quer dizer essa visão“normal”. No estado de vigília, nocotidiano, nós estamos:

1. Ofuscados por sensações corpóreas,

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informações vindas dos cinco sentidose condicionamentos passados.

2. Restringidos pelo cérebro e suaslimitações físicas.

3. Embotados, seguindo os desgastadoscanais de percepção e vendo o mundohoje exatamente como o víamosontem.

4. Hesitantes quanto ao nosso propósito enossa destinação.

5. Assolados pelos medos ou lembrançasocultas do passado.

6. Cegos para o que jaz além dasfronteiras que separam a vida e amorte.

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Como se pode perceber, o ato de verapresenta alguns problemas. Felizmente,há formas de se escapar dessas limitaçõesda consciência cotidiana. As escriturasreligiosas baseiam-se nessas jornadas do“normal” ao extraordinário, porém, omesmo acontece com uma músicainspirada, com a arte e a poesia, semmencionar as súbitas experiênciasespirituais que a vida pode proporcionara quase qualquer um. (Mais da metadedas pessoas que responderam a umapesquisa do Instituto Gallup relatou queao menos uma vez na vida vira luzes ao

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redor de outra pessoa, entrou ela mesmanum halo de luz, sentiu a presença dosmortos ou percebeu uma aura.) Noentanto, a ciência só irá se satisfazerquando essas experiências puderem serreplicadas; sempre que uma pessoa“entra na luz” – expressão genérica parao ingresso num estado mais elevado deconsciência –, em geral, falta algumacoisa: uma forma de repetir a jornada emoutra ocasião.

A vida espiritual preenche esse vazio.Propicia um caminho para umaconsciência mais elevada, que éuniversal. Vou tentar oferecer um mapa

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viável para essa jornada, pois se trata deuma região cujo valor foi comprovadomuitas vezes ao longo dos séculos.

Estágio 1: Abertura. Temos umapoderosa experiência pessoal que noseleva para fora de nossa consciência dodia a dia. Pode ser uma súbita visãointerior, capaz de mudar a vida parasempre, ou uma sensação de consciênciada unidade; ou, ainda, uma simplessensação de saber que você está seguro,que tudo em sua vida tem uma razão eum propósito.

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Estágio 2: Revisar o significado da vida.Seja aos poucos, seja de repente,percebemos que a vida material não é oque parece na superfície. Há umpropósito mais alto, que implica umamente e uma consciência, maior que amente do indivíduo.

Estágio 3: Tornar-se parte do plano. Sea realidade mais elevada passa a fazermais sentido que a vida cotidiana,começamos a encontrar maneiras de nostransformar. Aumenta nosso desejo deviver num plano diferente.

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Estágio 4: Seguir o caminho. Com umavisão em mira, agora nós levamos a sérioo processo de atingir uma realidadesuperior. A meta é Deus ou umaconsciência mais elevada, e deve-seencontrar uma maneira de chegar lá.

Estágio 5: Iluminação. A consciênciasuperior se torna uma realidade viva. Amudança está completa. Não temos maisoutra forma de ver o mundo a não sercomo um aspecto do divino. Na verdade,o sagrado e o não sagrado não têm maissignificados distintos. Existe apenas a luzda consciência para onde olhar.

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Acredito que qualquer vida com umsignificado mais profundo se encaixanesse modelo, sem levar em conta areligião. Aliás, uma das maiores falhasdas religiões é afirmar que têm a patentedo caminho para Deus. No Ocidente,sentimos falta de um modelo nãoreligioso para a iluminação, mas estamoschegando lá. Ironicamente, podemosagradecer à ciência por nos forçar adescartar noções preconcebidas e a sóconfiar em provas concretas. A razão nosdiz que Buda, são Paulo, santa Bernadetede Lourdes e Sri Ramakrishna passarampor uma experiência em comum. Assim

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como os cientistas averiguam que a maçãe a rosa se ligam pelo mesmo gênero,podemos acomodar exemplos únicos dedespertar espiritual no mesmo modelo.

Thoreau escreveu sobre “o solitárioassalariado de uma fazenda nosarredores de Concord, que passou pelorenascimento” e conjecturou se sua“experiência religiosa específica” nãoseria verdadeira. Isso leva a umapassagem em Walden que me assombroupor décadas, desde que li o livro pelaprimeira vez:

Zoroastro, milhares de anos atrás, fez o

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mesmo percurso e teve a mesma

experiência, que, sendo sábio, sabia ser

universal, e tratou seus vizinhos de

acordo, e dizem até que inventou ou

estabeleceu a adoração entre os

homens.

Podemos sorrir diante da ingenuidadede se referir à religião de um visionárioda antiga Pérsia e à sua “experiênciareligiosa específica”. Nascido em algumaépoca entre os séculos VIII e X a.C.,aquele era um recém-chegado, quandocomparado aos visionários védicos daÍndia. Mas compartilho o aspecto

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essencial realçado por Thoreau, etambém o que ele aconselha ao solitárioassalariado de uma fazenda perto deConcord: “Que ele comungue entãohumildemente com Zoroastro, e com ainfluência libertadora de todos os grandesvultos, inclusive de Jesus Cristo, permitaque a ‘nossa igreja’ seja defenestrada.”

Em linguagem contemporânea, issoquer dizer que a pessoa que tem umsúbito despertar deve se espelhar nagrande tradição da iluminação. Asegunda referência, para deixar a igrejade lado, já ocorreu numa escala maisampla.

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Sua vida e sua mente estão em algumlugar no continuum do despertar, mesmoquando damos as costas para as religiõesde massa. O processo consciente dechegar a bons termos com uma realidadesuperior é pessoal e espontâneo, jamaisprogramado. Incontáveis pessoasrevisaram sua visão do mundo material edecidiram trilhar o caminho espiritual –mas depois pararam. Infelizmente,enquanto divindade for sinônimo doDeus das religiões organizadas, ocaminho espiritual tem pouca chance dese tornar um pensamento dominante. Ascrenças promovem sua própria agenda.

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Elas querem seguidores que nãoapresentem dúvidas. Insistem em queseus dogmas foram transmitidos porDeus, mesmo quando a história revelaque foram elaborados por poderosossacerdotes. Tantas agendas trabalhamcontra o encontro com o divino que asituação originou uma piada cínica. Deusrevelou a verdade, e o demônio disse:“Pode deixar que eu organizo.”

Mas o caminho espiritual existe epode ser seguido. Quando você deixa deprocurar o Deus tradicional, surge umobjetivo diferente em seu lugar: atranscendência. Transcender significa ir

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além. O processo deveria serconsiderado natural; aliás, nóstranscendemos o tempo todo. Quandouma criança de três anos tem um acessode raiva para obter alguma coisa, a mãenão desce até o nível da exigência infantildo filho. Ela sabe que existe algo por trásdaquilo: a criança está cansada, nervosaou ansiosa. A mãe transcende o contextocriado pelo acesso de raiva para atingirum plano diferente de experiência. Budae Jesus fizeram a mesma coisa. Nocontexto de uma humanidade confusa esofredora, eles não recomendavam oprazer como substituto da dor.

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Apontavam soluções que iam além donível do problema. Sem transcendência,nossa experiência do sofrimento nuncavai mudar.

O pioneiro psicólogo americanoWilliam James resumiu o mistério deencontrar Deus numa afirmação simples:“Em toda nossa volta há infinitosmundos, separados pelos mais tênuesvéus.” O segredo é que esses véus sãofeitos de consciência bloqueada econstrita, enquanto os outros mundos sãofeitos de consciência livre e expandida. Ocaminho espiritual significa remover osvéus que cobrem nossa própria

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percepção, e isso exige dedicação. O quefaz com que o esforço valha a pena ésaber que o despertar pode surgir aqualquer momento.

Uma parábola simples me vem àmente. Numa remota cidade, vivia umtalentoso escultor. Suas obras enfeitavamas ruas e parques da cidade, e todosachavam que eram muito bonitas. Mas oartista vivia recluso, estava sempre forado alcance. Um dia, chegou um visitante.Admirando muito as estátuas, ele insistiuem conhecer o escultor. Mas ninguémsabia dizer onde encontrar o artista. Naverdade, ficou evidente que ninguém na

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cidade já o vira alguma vez; as esculturassimplesmente apareciam, como que porconta própria. Então, um ancião deu umpasso à frente e disse que tinha a sorte deter conhecido o esquivo escultor.

“Como o senhor conseguiu isso?” –perguntou o visitante. O anciãorespondeu: “Fiquei diante dessesmaravilhosos trabalhos, em contínuaadmiração. Quanto mais olhava, mais euvia. Enxerguei uma complexidade e umasutileza que ultrapassam tudo que eu játinha visto antes. Não conseguia deixarde me maravilhar. De alguma forma, oescultor deve ter percebido meu

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envolvimento, pois, para minhasurpresa, ele apareceu a meu lado. Eu lheperguntei: ‘Por que me escolheu para semostrar, quando ninguém nunca oencontrou, não importa quanto o tenhaprocurado?’ Ele respondeu: ‘Nenhumcriador consegue deixar de se revelarquando seu trabalho é apreciado daforma como você aprecia o meu.’”

Podemos ver nessa historieta o únicoartigo de fé necessário. Se vocêmergulhar fundo na própria consciência,vai encontrar um lugar de paz e silêncio.Mas, com o tempo, esse lugar vai revelarmuito mais que isso. A fonte da criação

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reside ali, e, quanto mais você vivenciá-la, mais rica e bonita torna-se a criação.Para além do sofrimento está a alegria; atranscendência leva ao mundo da luz. Váaté lá e veja por si mesmo, não em buscade Deus, mas em busca da realidade.

No fim, talvez o artista não consigaresistir – sua apreciação do que ele criouo atrairá até você. Com isso, o divino nãoserá mais uma projeção ou fantasia. Nãoserá um pai ou uma mãe desejados. Asescoras da realização do desejo não serãomais necessárias quando você estiverface a face com sua experiência internado divino. Você não vai dar muita

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importância a coisas como visões demundo. Elas são apenas o caminho daspedras para a mente. Enfim, seráirrelevante se o inominável assumir ounão o rosto de Deus. A realidade em si émuito melhor quando vista com amesma clareza que a luz do dia.

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D

LEONARD

écadas atrás, quando eu aindacaminhava até a escola todos os dias,

carregando uma lancheira, decidi que aciência física tinha a chave dos mistériosque eu queria compreender – tanto os doUniverso ao meu redor (que fazia o Solbrilhar, as estrelas cintilarem, a eleganteborboleta ser como era) quanto os da

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minha mente. Por milhares de horas eudigeri leituras, artigos e livros, por outrasmilhares de horas explorei o cosmo coma ajuda da matemática. Será que eupoderia entender tudo? Ou qualquercoisa? O que significa entender?

Na faculdade, meus amigos e euacreditávamos numa hierarquia deverdades, como as camadas da atmosferada Terra. A matemática formava acamada mais externa e a mais sagradaesfera das verdades – o céu, o mundo dasideias puras. Logo abaixo estava aestratosfera, consistindo na física teórica,as verdades fundamentais de tudo que é

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palpável. As regiões menos rarefeitas,mais abaixo, eram aquelas ondelocalizávamos as ciências aplicadas,espessas, turbulentas e poluídas de fatosintermináveis e intrincados detalhes. Masa filosofia, a metafísica e a teologia erammais difíceis de localizar. Nossa atitudeem relação a esses temas variava deacordo com o filósofo, com a obraespecífica que estávamos lendo, comnosso estado de espírito e até com quantohavíamos bebido. Baruch Spinoza, ogrande filósofo racional e artesão delentes, por exemplo, escreveu um livrochamado Ética, uma inesquecível crítica

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da religião e da moralidade tradicionaisdo século XVII. Ele parecia celestial emsua estrutura matemática de definições,axiomas, provas e proposições, masdecepcionante nos argumentos poucoprecisos em termos matemáticos, querelacionava à estrutura formal. Meusamigos e eu descobrimos que podíamosnos banquetear em suas ideias, masdepois não sabíamos ao certo o quetínhamos comido. No fim, tínhamossimpatia pela abordagem de Spinoza,mas éramos céticos quanto à baseconvincente de suas ideias.

As disciplinas da ciência e da

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matemática eram diferentes. Nós nosdeleitávamos com sua precisão.Comemorávamos as metodologiasdesenvolvidas para evitar as armadilhasda subjetividade e dos desvios humanos.E, ao sabermos como se havia chegadoàquelas conclusões e como tudopermanecia em aberto para mudá-las,caso as evidências assim odemonstrassem, nos sentíamos segurosde que podíamos confiar no que nosdiziam.

Embora muitos discutam hoje avalidade das “teorias meramentecientíficas”, essas mesmas pessoas

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dependem da ciência em todos osaspectos da vida, sem ao menos pensar aesse respeito. O poder do métodocientífico é a razão pela qual ospublicitários proclamam que seusdetergentes foram “cientificamente”aprovados para remover manchas,enquanto ninguém gastaria um centavopara anunciar que a metafísicademonstrou como os adstringentesadoçam o hálito. Contestadoresaparecem na televisão e no rádio paranegar a realidade da evolução ou dateoria do big bang, mas se, por algumarazão, o debate se resume a manchas de

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café em vestidos brancos, ou como trataruma pneumonia, eles acham fácildistinguir a realidade da ilusão – e ficamao lado dos cientistas.

Claro, ninguém emprega o métodocientífico para distinguir verdade e ilusãono que diz respeito às próprias vidas.Você pode pensar que a pessoa comquem se casou é o parceiro ou parceiraideal, mas essa mesma pessoa iria franziro cenho se você se casasse uma dúzia devezes para reunir provas acerca de suateoria. Você pode pensar que seusgrandes talentos lhe garantem o sucessoprofissional, mas não vai recomeçar a

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carreira para verificar essa hipótese.Pode acreditar em vida após a morte,mas não vai se apressar a realizar o únicoexperimento que poderia confirmar sevocê está certo. Nós construímos nossasvisões de mundo por meio deexperiência, intuição, educação, doslivros e diálogos com pessoas cujas ideiasrespeitamos e em quem confiamos.Tomamos decisões sobre o que éverdade e o que é mentira, mas a maioriade nós pouco pensa sobre comochegamos a nossas convicções.Acreditamos que somos racionais – eportanto estamos certos – e depois

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corremos para o próximo compromisso.No entanto, há fatores que afetam nossasconvicções mais do que a maioriapercebe. Isso se manifesta de formavisível quando chegamos, em particular,a temas de grande importância pessoal. Éfato conhecido entre os psicólogos, porexemplo, que o peso da prova que aspessoas em geral exigem varia com aimportância do que está sendo “provado”– e que é nossa mente subconsciente queajusta o dial.

Há muitos exemplos dessa atividadesubconsciente na literatura científica.Estudos mostram que: é preciso um

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monte de provas irrefutáveis para nosconvencer de que somos imbecis, masbasta a mais tênue informação para nospersuadir de nosso talento ougenialidade; integrantes de um partido,ao examinar as pesquisas sobre umaquestão política, podem encarar amesma metodologia como errada oucoerente, caso os resultados se encaixemou não com suas convicções; os juradostendem a ignorar sólidas evidências deculpa quando simpatizam com o réu,mas as consideram convincentes se nãogostarem do acusado.

Em um estudo, os pesquisadores

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apresentaram a dois grupos devoluntários documentos adaptados deum julgamento por homicídio em quetanto a promotoria quanto a defesahaviam se servido de argumentos depeso. Os documentos incluíam partes datranscrição do julgamento, bem como oartigo de um jornal da época que semostrara neutro a respeito daculpabilidade do réu. Mas os dois grupostiveram acesso a material um poucodiferente. O artigo de jornal mostrado aum grupo citava os vizinhos descrevendoo réu como alguém desagradável.Quando indagados se consideravam que

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a promotoria tinha comprovado a culpa,baseados na transcrição do julgamento,os sujeitos que haviam sido levados aacreditar que o réu não era simpáticotendiam muito mais a concluir que apromotoria realmente provara seu pontode vista.

Em todas essas instâncias, as pessoaspensavam estar sendo objetivas, mas aobjetividade era uma ilusão. Na verdade,nossas análises cotidianas dependem deconvicções e desejos preexistentes.Quando queremos chegar a certaconclusão, nosso cérebro pode alterar amaneira como percebemos e pesamos os

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dados e analisamos os argumentos. E –mais importante – nosso cérebro age,assim, abaixo do nível de consciência.Por isso, é bem possível crerhonestamente no que desejamosacreditar, ainda que um observadorobjetivo possa chegar a outra conclusão.Às vezes os psicólogos chamam isso deraciocínio motivado, uma força a serlevada em conta ao examinar por quepodemos escolher acreditar numasedutora visão de mundo envolvendo aconsciência universal e um universoamoroso.

Vamos analisar a interpretação de

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Deepak sobre a experiência de “entrar naluz” ou enxergar uma aura ao redor dealguém. Segundo um estudo publicadono periódico britânico The Lancet, cercade 10% dos pacientes cardíacosressuscitados de morte clínica relatamexperiências “fora do corpo” ou“semelhantes à morte”. Como devemosinterpretá-las? Deepak associa essasexperiências a um “estado mais elevadode consciência”. A explicação se encaixabem na visão de mundo de Deepak, que,assim como o budismo, postula um reinomental impalpável. Mas essa é apenasuma forma desejável de interpretar o

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evento, ou há provas de apoio a essavisão? Por meio de muito esforço e pelaaplicação de novas tecnologias paraexaminar o cérebro, cientistas vêmestudando esses eventos e chegaram auma conclusão bem diferente.

Por exemplo, David Comings,neurocientista especializado em estadosde consciência alterados, descobriu queexperiências de quase morte parecemocorrer quando o cérebro é privado deoxigênio por prolongado período detempo, pouco antes de uma lesãocerebral. Experiências fora do corpotambém parecem ter uma base física.

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Isso foi ilustrado recentemente, de formadramática, no caso de uma mulher de 43anos que relatou sentir certa “leveza” eafirmava estar flutuando mais ou menosdois metros acima da cama, perto doteto, vendo-se de cima, deitada no leito.Ela não estava à morte, mas tinhaeletrodos implantados numa parte dolóbulo temporal chamada giro angulardireito. Os eletrodos faziam parte dotratamento para um caso grave deepilepsia, mas também permitiram queos pesquisadores sondassem os efeitos deum pequeno estímulo elétrico nocérebro. Como relatou o cético

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profissional Michael Shermer em The

Believing Brain, os pesquisadoresdescobriram que, ao variar esse estímulo,eles podiam não somente induzirexperiências fora do corpo como tambémcontrolar a que altura da cama o pacientedizia estar flutuando.

Richard Dawkins escreveu que, aoassistirmos a um grande truque demágica, é difícil não pensarmos: “Deveser um milagre” – embora se saiba muitobem que não se trata disso. É mais difícilainda acreditar no miraculoso quandotemos algum interesse velado numainterpretação que a ciência contradiz.

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Fenômenos exóticos e mal-compreendidos, como as experiênciasfora do corpo, são um refúgio para“provas” de ideias não encontradas emcontextos já bem-compreendidos. Noentanto, ainda que um fenômeno nãoseja bem-compreendido, vale a penalembrar que, ao longo da história, muitasvezes o inexplicável, a longo prazo,acabou por ganhar uma explicaçãonatural. Até hoje, nenhum cientista foiobrigado a preencher qualquer lacuna namensagem da famosa charge de SidneyHarris que diz: “Então, aconteceu ummilagre.”c

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Podemos ter boas razões objetivaspara os pontos de vista que maisprezamos, ou não. De qualquer forma, émelhor saber avaliar o quanto umaevidência se mostra convincente. Nemsempre é fácil. Se você perguntar a umaamiga por que ela acredita em Deus ounuma presença superior, elaprovavelmente não vai responder quechegou àquela convicção a partir de umasérie de experimentos controlados. Omais provável é que diga que sentiu, ouque apenas sabe. Será que Deus é umailusão só percebida pelos que estão embusca de uma presença divina? A ciência

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é o melhor método que conhecemos paradescobrir a verdade sobre o Universomaterial, mas os poderes dela têm umlimite. A ciência não lida com osignificado da vida, nem pode, porenquanto, explicar a consciência. Elanunca será capaz de explicar por que oUniverso segue leis. Então, por mais quelance dúvidas sobre convicçõesespirituais e doutrinas comorepresentações do mundo físico, a ciêncianão concluiu – e nem pode concluir – queDeus é uma ilusão.

Já que Deepak gosta de parábolas,também vou apresentar uma história

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ilustrativa, simbólica, porém verdadeira.Em 1969, Richard Feynman inventou ummodelo de hádrons – partícula como opróton e o nêutron, que interage atravésde uma força chamada força forte e que,como o nome indica, é a mais poderosaforça da natureza. No modelo deFeynman, um hádron é como um sacocontendo pártonsd se agitandolivremente dentro dele, mas que sãorestritos e não saem dali. Feynman usousua imagem dos pártons para explicarcertos dados relativos ao que acontecequando hádrons colidem uns com osoutros em altas energias, e funcionou

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bem, o mesmo que dizer que a teoria foiconfirmada. Mas como os pártonsprecisam ficar dentro do saco – dentro dohádron –, nós não os vemos. Será que sãoverdadeiros ou apenas uma ilusão, merosconstrutos do modelo intelectual deFeynman? Essa é uma questão metafísica,porém, embora tenha ficado famoso aodeclarar que fora “proibido pelosmédicos de discutir metafísica”, eleabordou o tema. Feynman escreveu que,à medida que nos ajudam a entender oque está acontecendo, os pártons podemser úteis como um “guia psicológico”; se“continuarem a servir dessa forma para

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produzir outras expectativas válidas, elesacabariam claramente se tornando‘reais’, talvez tão reais quanto qualqueroutra estrutura teórica inventada paradescrever a natureza”.

Se esses “guias psicológicos” são úteisna física, não há razão para não empregarguias semelhantes na nossa vidaespiritual, desde que nos ajudem aentender o Universo – e que sejamcompatíveis com nossas observações.Muita gente acredita intuitivamente numpoder superior, extraindo consolo, forçae coragem dessa convicção. Quando a féparece real para uma pessoa, e quando

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essa convicção específica não leva a umconflito com aquilo que observamos nomundo físico, a ciência não dirá nada emcontrário. Se, no entanto, nos pedirempara acreditar num Deus que criou oUniverso alguns milhares de anos atrás,enquanto temos provas convincentes deque o Universo é muito mais velho queisso, então surge um conflito. Mas asexigências da ciência não excluem asrecompensas da espiritualidade. Naverdade, até Albert Einstein, quasesobre-humano em sua clareza depensamento e capacidade de raciocínio,exultava com seu sentido de conexão

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espiritual com o Universo. Nesse caso,era a própria “racionalidade” desseUniverso que moldava sua vidaespiritual:

Quem já passou pela intensa experiência

dos bem-sucedidos avanços [na ciência]

é tocado por uma profunda reverência

pela racionalidade tal como ela se

manifesta na existência. Por meio do

entendimento se atinge uma

emancipação de longo alcance dos

grilhões de esperanças e desejos

pessoais. … Assim, me parece que a

ciência … contribui para uma

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espiritualização religiosa do nosso

entendimento da vida.

c Sidney Harris: famoso cartunista americano,

publica sobretudo charges sobre ciência,

matemática e tecnologia, em revistas como

New Scientist e Playboy. Na charge aqui citada,

dois homens estão diante de um quadro-negro

onde se vê um imenso cálculo matemático; na

passagem da primeira para a segunda parte do

cálculo, vem a frase: “Então, aconteceu um

milagre”. (N.T.)

d Hipotética partícula elementar que seria

constituída de nêutrons e prótons. (N.T.)

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17. Qual o futuro da fé?

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E

DEEPAK

u equiparo o futuro da fé ao futuro deDeus. A fé moderna numa divindade

é muito diluída, o que requer umaconversa mais direta. É fácil ver asdiscussões acerca de Deus se transformarem murmúrios educados, no chá dascinco, a respeito de questões bemdistantes das coisas práticas da vida

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cotidiana. Para um incontável número depessoas, a fé pessoal é fonte deconstrangimento e de hesitações. Poroutro lado, eu tenho defendido ocaminho espiritual como algo urgente evital. O futuro do planeta depende daelevação de nossa consciência. ComoDeus está intimamente ligado ao quesomos e ao que a vida significa, não háum futuro de Deus separado do porvirindividual. Você e eu tomaremosdecisões que irão determinar se Deusterá um amanhã viável.

O aspecto principal é fazer com queDeus deixe de ser uma força externa para

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se tornar uma experiência interna, dareligião para a espiritualidade. Nãoestamos falando de uma volta aomisticismo. A vida moderna se apoia emduas coisas: informação e satisfaçãopessoal. Mas não há fatos concretosprovando que Jesus Cristo se levantoudos mortos, que o arcanjo Gabriel ditou oCorão ou que Moisés realmente existiu.Com isso, resta apenas a satisfaçãopessoal, e é aqui que a espiritualidadeencontra sua porta de entrada.

As pessoas anseiam por valores esignificados em suas vidas. Se umaexperiência interna de Deus conseguir

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satisfazer esse anseio, poderá suplantaras antigas formas de abordagem dodivino. Um Deus externo e acima dasnuvens, como o representado pelasreligiões populares, tem uma perspectivasombria. Atrás de cada púlpito há umrelógio invisível tiquetaqueando,contando as horas, enquanto milhares defiéis fogem dos templos e das igrejas. Emquase todos os países desenvolvidos, opúblico religioso diminuiu para menos de20% da população, e, em muitos lugares,como a Escandinávia, o número ficaabaixo de 10%. Deus não é maispessoalmente satisfatório. Religiões que

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enfatizam o pecado, a culpa e o castigonão conseguem mais atrair pessoas quedesejam se realizar sem serestigmatizadas (um exemplo é acondenação da meditação oriental pelaIgreja católica, por considerá-la herética).

Estou convencido da necessidade deuma mudança para dentro. Precisamosnos libertar do peso do dogma religioso,mas também não podemos ceder aomaterialismo. Mesmo quando defendidopor uma voz simpática, como a deLeonard, o determinismo mecanicistanão propicia satisfação pessoal a não serpor uma austera valorização da coragem

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exigida para encarar um Universo frio eoco. A espiritualidade pode fazer melhorque isso. Contudo, os céticos têm odireito de exigir mais especificidade, poiscertas armadilhas devem ser evitadas.

Certa vez, um visitante procurou umfamoso mestre espiritual. Foi convidadoa se sentar no assoalho de uma salagelada e vazia. Em frente estava omestre, vestido de branco e em silêncio,enquanto um atendente servia o chá. Ovisitante tinha dificuldade de esperar;estava claramente agitado.

Assim que o atendente saiu, ovisitante se pronunciou, falando:

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“Senhor, ouvi dizer que o senhor éum sábio reverenciado. Mas já encontreimuitos outros como o senhor e,francamente, demorou muito tempopara eu me convencer a vir aqui falarsobre o meu problema. O mais provávelé que o senhor também me decepcione,como todos os outros.”

O mestre continuou imperturbável.“Qual é esse seu problema?”

O visitante suspirou. “Estou comsessenta anos, e desde a infância me sentiatraído por Deus. Continuei em minhabusca enquanto ganhava a vida esustentava minha família. Rezei, meditei

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e fiz retiro. Li toda a escritura. Passeimeses na companhia de homensconsiderados santos.”

“E o que sua busca revelou? Vocêencontrou Deus?”

O homem meneou a cabeça comtristeza. “Tive incontáveis experiênciasque pareciam certas. Tive visões. Fuiinundado de luz. Todos os budas e sinosdourados que possa imaginarapareceram para mim. Mas tudo viroupó. Sinto-me vazio e deprimido,abandonado por Deus. É como se eu nãotivesse vivenciado nada.”

“Claro”, murmurou o mestre

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espiritual. O homem ficou assustado.“Quer dizer que Deus não existe?”

“Quero dizer que a mente podeprojetar o que você pedir. Se estiverprocurando por budas dourados, eles vãoaparecer. Assim como todos os deuses,ou o Deus. Cada caminho leva a umobjetivo previamente conhecido. Masserá mesmo Deus? Deus tem a ver comliberdade. Você seguiu intensamentetodas essas disciplinas, mas ainda nãochegou ao seu destino” – e o mestre deuum sorriso enigmático. “Agora vou fazeruma pergunta: você consegue sedisciplinar para ser livre?”

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Esse diálogo, que por acaso éverdadeiro, lança uma dúvida radicalsobre os caminhos convencionais paraDeus. Mas aponta também outrocaminho, às vezes chamado de “ocaminho sem caminho”. Nessa trilha, nãoexiste um objetivo fixo e nenhumprocesso prescrito a seguir. Ao seexaminar intimamente, a cada momento,você descasca os aspectos irreais de simesmo até restar apenas o real. Muitascoisas são irreais, de acordo com assábias tradições do mundo. A ignorânciaé irreal, em particular a ignorância sobrequem você realmente é. O ego e suas

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necessidades urgentes são irreais. Comoesses desejos compõem os alicerces davida da maioria das pessoas, dá paraperceber como é profunda atransformação exigida.

Chegar lá parece difícil, eu sei. Tendose despedido das religiões organizadas,será melhor enfrentar a própria dor e osofrimento? Será que alguém realmenteconsegue se livrar dos intermináveisdesejos do ego? A graça salvadora docaminho espiritual é que ele surgenaturalmente. Embora a vida seja cheiade sofrimento e o ego exija ser satisfeito,essas coisas não são tão substanciais

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quanto parecem. Se você andar por umjardim cheio de plantas e flores, elasparecem reais. Mas as aparênciasenganam – a realidade mais profunda é osolo rico do jardim e a renovação davida, que não se pode deter. No nossocaso, o alimento do solo é a alma, e arenovação da vida acontece por dentro.Você não precisa dizer ao seu corpo parase renovar; ele faz isso naturalmente.Você não precisa obrigar a mente a ternovas percepções; bilhões de bits dedados sensoriais inundam a mente todosos dias. O processo de renovação orientaa vida em todos os níveis. Para mim, um

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futuro viável do espírito está centrado nadescoberta de que o ímpeto criador eevolutivo da natureza é a mesma forçaque reside no núcleo do que somos.

Sempre pensei que qualquer umpoderia levar uma vida espiritual sóobservando as crianças com maisatenção. As crianças não resistem ao seudesenvolvimento interior. Elas não têmmedo de que a vida possa parar aos três,aos cinco ou aos dez anos; quando chegao momento de abandonar as bonecas depapel e aprender a ler, esse novo estágiosurge de modo espontâneo. Como umacriança de três anos se prepara para ter

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quatro anos? Ela não se prepara. Cadacriança faz o que faz, deixando queaquilo que vem depois se desenvolvacom naturalidade. Esse é um segredo quea natureza dominou – como permitir quesurja o novo sem destruir o velho, masbrotando de dentro, de forma invisível esilenciosa, até o novo florescer natural.

No caminho sem caminho ocorreprocesso semelhante. Novascaracterísticas surgem em nossaconsciência, não lutando contra o nossoantigo eu, mas estimulando ocrescimento natural a partir de dentro.As pessoas atuais se surpreendem ao

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olhar o passado e ver uma era de fé, maso fato de vivermos em outra época nãoinvalida o despertar da consciência.Aliás, muito ao contrário. Desbastadodas ervas do dogma e da superstição, ocaminho espiritual ficou mais fácil detrilhar. A melhor maneira de satisfazersuas aspirações é despertar, não escolhera renúncia ao mundo em nome de Deus,mas escolher abrigá-lo dentro de si. Noentanto, para tornar possível essamudança tão radical, precisamosdescobrir o que significa despertar.

O processo de despertar estáconcentrado na transcendência, como já

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argumentamos. Além do nosso despertoestado cotidiano, há um nível maisprofundo de silêncio interior. Isso não éuma busca de paz e tranquilidade; o quefazemos é transcender o remoinho dospensamentos diários para encontrar afonte da mente. Em termos práticos,existem muitos níveis de transcendência.O mais profundo é a meditação, que,como já se sabe, altera a estrutura docérebro e leva a transformaçõesduradouras. Na parte mais superficialencontra-se o entusiasmo que torcedoresexperimentam numa partida de futebolou que consumidores de carteirinha

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sentem quando fazem uma boa compra.Esses dois polos parecem não ter nadaem comum, mas há um vínculo invisível.Sempre que você vivenciar qualquerestado de pura consciência, mesmo quepassageiro, terá transcendido.

Consciência pura não é uma maneirade pensar ou um ponto de vista. É opotencial invisível do qual tudo seorigina. As qualidades da consciênciapura parecem sutis a princípio, mastornam-se mais poderosas enquantoseguimos em frente no caminho. Eis osprincipais atributos definidos pelasgrandes tradições de sabedoria.

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AS DEZ QUALIDADES DA CONSCIÊNCIA

PURA

1. A consciência pura é silenciosa epacífica. Ao vivenciar essacaracterística, você se sente livre dosconflitos interiores, da raiva e domedo.

2. A consciência pura é autossuficiente, oucentrada em si mesma. Aoexperimentar esse atributo,desaparece a necessidade dedistrações. Você se sente confortávelsimplesmente em estar aqui. A mentenão fica inquieta e em busca de

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estímulos.

3. A consciência pura está totalmentedesperta. Essa qualidade é vivenciadacomo um estado mental de alerta efrescor. A mente não se sente maisembotada ou fatigada.

4. A consciência pura contém potencial

infinito; está aberta para qualquerresultado. Ao viver essa característica,você deixa de estar limitado porhábitos e convicções fixos. O horizonteparece aberto, o futuro, cheio depossibilidades. Quanto maior for suaexperiência de puro potencial, maiscriativo você se torna.

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5. A consciência pura organiza a si mesma.Sem esforço, ela coordena todos osaspectos da existência. Você vivenciaesta qualidade quando as coisas seencaixam em seus lugares de ummodo próprio. Há menos luta paraobrigar diferentes partes da vida a seharmonizar, pois você está maisafinado com a harmonia natural queperpassa todas as coisas.

6. A consciência pura é espontânea.Cronogramas, limites e regras nãomais se aplicam; nem são necessários.Libertar-se das antigas restrições, ondeelas estiverem, faz você se sentir mais

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seguro para expressar o que é e o quedeseja sem restrições. É o estado deliberdade absoluta, que vocêexperimenta sempre que se sentelivre.

7. A consciência pura é dinâmica. Emboranão esteja em movimento, ela forneceenergia para todas as atividades noUniverso. Você vivencia estacaracterística quando sente que podeacolher a vida de maneira total. Vocêtem energia e vontade para fazergrandes coisas.

8. A consciência pura é um estado de

graça; é a raiz da felicidade em sua

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mais elevada expressão. Qualquersurto de felicidade, seja qual for suacausa, é uma sensação de êxtase. Umorgasmo é benéfico, mas a compaixãotambém. Qualquer experiênciaamorosa pode ser retraçada até suasorigens na bem-aventurança.

9. A consciência pura é sabedoria; tem asrespostas para todas as perguntas e, demaneira mais crucial, o conhecimentoprático necessário para odesenvolvimento do Universo, docorpo humano e da mente. Qualquerexperiência de intuição, insight ouverdade deriva desse atributo.

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10. A consciência pura é integral; abrangetudo. Portanto, apesar das infinitasadversidades do mundo físico, numnível mais profundo, só ocorre umprocesso: a totalidade se move comoum só oceano que contém todas asondas. Você experimenta essacaracterística quando sua vida fazsentido e você passa a fazer parte danatureza; sente-se à vontadesimplesmente por estar vivo.

Como se pode ver, eu não useinenhum termo religioso, mas essa é umadivindade, despida das exigências de fé e

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obediência. A essa altura, não se podeesperar que você admita que as dezqualidades são divinas em sua essência.Mas pode usar essa ideia como hipótesede trabalho. Nesse sentido, você vai ser oexperimentador e o experimento. Sequiser transcender a realidade do dia adia, os dez atributos irão se desenvolverem sua vida. Você vai perceber umamaior realização e a criatividade. Suasensação de segurança vai aumentar aosaber quem você realmente é.

Agora sabemos com certeza que tipode ação exige o caminho espiritual. Não énecessário se preparar para se tornar

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“espiritual” entre aspas. A únicaexigência é medir sua atividade, interiore exterior, segundo um critério: o quepode desenvolver a manifestação daconsciência pura? Na espiritualidade, háespaço para pessoas muito religiosas epara pessoas “temporais” (inclusive oscientistas). Fazer um bom trabalho e serprestativo não são garantias detranscendência, contudo, são marcosnum caminho espiritual reconhecido;muitos dos que os procuram percebemque isso aumenta a sensação de graça,paz, concentração e autossuficiência.Outro caminho reconhecido é a

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contemplação profunda; outro, ainda, é aatenção – conscientizar-se de que seuspensamentos são apenas pensamentos,indo e vindo como nuvens no eterno céuda consciência. O experimento espiritualpode ser realizado à medida que você odesejar.

Não estou sugerindo que você adoteum regime e se apegue a ele. Aconsciência faz esse trabalho por você,assim como os genes fazem o trabalhonecessário para o embrião sedesenvolver. A diferença é que ocrescimento espiritual exige escolhas.Quando você souber o que é a

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consciência pura, irá orientar sua mentenessa direção. Para não parecer místicodemais, vou contar uma parábola dosUpanixades da antiga Índia.

Um cocheiro conduz uma parelha decavalos, usando o chicote para quegalopem cada vez mais depressa. O dia éensolarado; ele está exaltado, como sefosse dono do mundo. De dentro dacarruagem, soa uma voz longínqua:“Pare.” Em seu entusiasmo, o cocheiroignora aquela voz; nem sabe ao certo seouviu alguma coisa. De novo, a mesmavoz suave ordena de dentro dacarruagem: “Pare.”

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Dessa vez o cocheiro sabe que ouviuuma ordem, o que o deixa raivoso, porisso chicoteia os cavalos para correremainda mais depressa. Mas a voz dentro dacarruagem continua a repetir sua ordem,sem jamais aumentar de tom, até ococheiro se lembrar de uma coisa. Opassageiro é o dono da carruagem! Ococheiro puxa as rédeas, e, lentamente,os cavalos param de correr.

Nessa parábola, os cavalos são oscinco sentidos e a mente, semprefustigados pelo ego para seguir adiante.O ego sente que controla tudo. Mas odono da carruagem é a alma, cuja voz

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suave espera paciente até ser ouvida.Quando é afinal escutada, o ego seafrouxa. Desiste da falsa posse. A mentereduz sua atividade frenética e, com otempo, aprende a parar. Parar não é umfim em si mesmo; é a base para saberquem você realmente é: uma alma comseus atributos divinos. Esses atributos sãoas características da consciência pura.

Acredito que todas as casas deveriamter um recanto dedicado à divindade –uma capela de rosas ou um altar delavanda perfumada. Uma lasca de cristaltambém serve, ou um pequeno Buda debronze, em um local ensolarado. Se

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quisermos que o divino tenha um futuro,precisamos de lembretes diários.Lembretes do quê? Da voz dentro dacarruagem.

Essa tentativa de definição não vairestringir a alma. Faz parte doexperimento descobrir isso por simesmo. Mas não consigo deixar de citarum trecho do Bhagavad Gita, escrito doponto de vista da alma:

Este Universo inteiro está permeado

por Mim, o Brâman não manifesto.

Todos os seres dependem de Mim. Eu

sou a origem, a semente de todos os

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seres.

Não há nada, animado ou

inanimado, que não seja permeado por

Mim. Sou encontrado em toda a criação.

Estou dentro e fora de tudo o que existe.

No fim, o caminho espiritual sórealiza uma coisa bem simples: faz comque essas palavras atemporais semostrem verdadeiras para você. Acrença se torna um conhecimento emque se pode confiar, e, sobre essa base,Deus pode ser reverenciado outra vez.

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A

LEONARD

ugusto Comte, um dos maisinfluentes filósofos franceses da

primeira metade do século XIX, escreveumuito sobre a natureza doconhecimento, o que ele significa e comopodemos obtê-lo. Aliás, Comte escolheuum exemplo infeliz para ilustrar suafilosofia, baseado no que considerava um

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fato científico infalível: “Sobre o tema dasestrelas, … não seremos capazes dedeterminar sua composição química oumesmo sua densidade. … Julgo que nosserá negada para sempre qualquer noçãoa respeito da verdadeira temperatura dasvárias estrelas.” Apenas quatorze anosdepois, Gustav Kirchhoff e RobertBunsen descobriram que era possíveldeterminar as propriedades das estrelasanalisando a luz que emitem, e hojeusamos esse método, a espectroscopia,para medir substâncias químicas,temperatura, densidade e muitas outraspropriedades de planetas, estrelas e

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galáxias distantes. Alguns objetosastronômicos que estudamos dessamaneira estão a mais de 10 bilhões deanos-luz de distância.

Segundo o dicionário, a diferençaentre fé e conhecimento é que a primeiraimplica confiança, enquanto o segundoenvolve certeza. Embora haja questõesde coerência (e os filósofos podemdebater esse tema), é possível chegar aum tipo de certeza pela matemática –aplicando as regras e derivando asconsequências, num exercício de puralógica. Mas, na nossa vida cotidiana, emesmo na ciência, é difícil, talvez até

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impossível, estabelecer a diferença entreo que “sabemos” e aquilo em quemeramente “acreditamos”. Talvezachemos que é possível estabelecer adiferença entre acreditar que não vamosadoecer por causa do peixe cru do nossosushi-bar local e saber que amanhã o Solvai nascer a leste. Será verdade? Emparte, nós baseamos o que achamos quesabemos – as convicções de que temoscerteza, ou ao menos as que nãoquestionamos – nas evidências empíricas.

Já vimos e ouvimos falar que o Solnasce todos os dias de nossas vidas, emesmo antes de termos nascido. Por isso,

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“sabemos” que ele vai nascer amanhãoutra vez. Em 1812, o astrônomo ematemático Pierre-Simon Laplaceutilizou a teoria das probabilidades paraavaliar o grau de certeza que justificavaessa previsão baseado apenas no fato deo Sol ter nascido nos últimos 5 mil anos (aidade aproximada da Terra, segundo osrelatos bíblicos). Ele chegou àprobabilidade de 1.826.214:1 a favor. Masnós não usamos somente evidênciasempíricas para construir nossasconvicções. Assim, Laplace concluiu quetalvez as pessoas confiassem muito maisno fato de que o Sol iria nascer do que a

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proporção indicada em seus cálculos: elassabiam que as leis da natureza –tecnicamente, a gravidade e a mecânicacelestial – fazem isso acontecer.Ironicamente, as teorias atuais da físicanos dizem que é provável que o Sol nãová nascer para sempre, nem existir parasempre. Como eu já disse, em mais oumenos 7 bilhões de anos o Sol estará 250vezes maior (e 2.700 vezes maisluminoso) que hoje, inchando até ocupartodo o céu, e provavelmente vai engolir aTerra. Bilhões de anos depois, iráincinerar e encolher, para se transformarnuma espécie de cadáver estelar

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chamado anã branca. Em certo sentido,tudo o que dizemos que “sabemos” –com exceção talvez das verdadesmatemáticas – é apenas uma questão defé, e por isso o futuro das crençasteológicas está ligado a como e por queacreditamos nas coisas da vida comum,até na ciência.

Bertrand Russell escreveu que“acreditar parece a coisa mais mental quefazemos”. É também uma das maiscomplexas e variadas. Não são só aobservação e a compreensão teórica queinteragem, mas nossos desejos,necessidades, preconceitos, emoções,

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estado de espírito e nosso arcabouço deconvicções interatuam de modocomplexo para afetar a maneira comoformamos nossas crenças.

Por exemplo, consideremos umexperimento relativo ao que ospsicólogos chamam de ilusão de controle:a convicção inconsciente de que somossenhores de nosso destino, mesmoquando temos consciência de que issonão acontece. No estudo, funcionários deuma agência de seguros e de uma fábricade Long Island participaram com US$1,00 para comprar um bilhete de loteriano escritório, e podiam optar entre

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escolher o número ou receber qualquerbilhete oferecido pelo vendedor,aleatoriamente. Na manhã do sorteio, osvendedores abordaram individualmenteos compradores dizendo: “Alguém querparticipar da loteria, mas, como eu nãotenho mais bilhetes para vender, ele mepediu para descobrir por quanto vocêvenderia o seu. Para mim, não fazdiferença, mas o que devo dizer a ele?”Não há dúvida de que muitos dosparticipantes conscientemente não seconsideravam capazes de escolher obilhete vencedor numa oferta aleatória;porém, de alguma forma, eles

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acreditavam nisso: os que receberam osbilhetes sem escolher o númeroconcordaram em vendê-los por um preçomédio de US$ 1,96, enquanto os quetinha escolhido os bilhetes pediram umamédia de US$ 8,67. Nossa avaliaçãointerna das evidências não segue umcuidadoso cálculo matemático resultantede uma estimativa probabilística daverdade. Está mais para um remoinho,misturando o objetivo e o pessoal. Oresultado é uma série de convicções –conscientes e inconscientes – que nosorientam na interpretação de todos oseventos da nossa vida.

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O pedido dos pais para umadolescente vestir um casaco antes desair no frio, por exemplo, pode ser vistocomo tentativa de exercer controle,como atitude protetora originada de ummedo exagerado de doenças, ou comouma expressão de amor e preocupação.Um computador que analisasse somenteas palavras dos pais poderia não fazernenhuma inferência, ou talvez pedissemais dados. Mas o adolescente no ladoreceptor vai tirar algumas conclusõesbaseado em suas convicções prévias arespeito dos pais, sem pensar muito naspossíveis interpretações alternativas.

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Assim como Comte, nós achamos quesabemos.

Nosso cérebro, por boas razões, tendea tirar conclusões baseadas emexperiências passadas, regras básicas e noarcabouço de convicções vigente. Nósnão chegaríamos muito longe na vida se,antes de parar para assistir à beleza donascer do sol, ficássemos discutindosobre a probabilidade de aquiloacontecer. De fato, a evolução favoreceuos que deixaram que suas escolhasfossem guiadas por reações viscerais.Quando a terra começa a tremer e vocêestá no alto de um penhasco, é melhor

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correr primeiro, e só depois se envolverna formulação de teorias sobre o que estáacontecendo. Se os instintos não tivessemfeito uma conexão entre causa e efeito, ecatalisado um plano de ação imediatocomo resposta, nossos ancestrais teriamsido devorados enquanto ponderavamsobre aqueles misteriosos movimentosdos arbustos. Como observou WilliamJames: “O intelecto é formado porinteresses práticos.”

Seja qual for o futuro das crençasteológicas, as pessoas sempre vão adotarsistemas que gratifiquem suasnecessidades emocionais. Nenhum de

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nós consegue funcionar sem ter fé, de ummodo ou de outro. Empresárioscomeçam negócios com fé; imigrantessem nenhuma perspectiva concretamudam-se para outro país baseados nafé; escritores labutam horas a fio tendo féde que as pessoas irão ler sua obra. Háateus com fé em números da sorte, assimcomo advogados racionais que comematum, cheeseburger ou salada solar maianos dias de julgamento porque acreditamque esses pratos lhes trarão sorte. “Semdúvida você não gostaria de saber queseu cirurgião cardíaco ou o piloto do 747usa sempre a mesma cueca na hora de

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fazer uma operação ou de pilotar”, disseum advogado crítico dessas práticas. Massem dúvida há cirurgiões e pilotos quefazem exatamente isso. Um político deIsrael era famoso por usar sempre suacueca da sorte nos dias de eleição. Ofísico George Gamow contou umahistória envolvendo Niels Bohr, que teriauma ferradura pregada na porta de seuchalé no campo. Quando lhe indagaramcomo um famoso cientista podia ter fénum amuleto, Bohr respondeu que nãoacreditava naquilo, mas declarou:“Dizem que traz boa sorte mesmo paraos que não acreditam.”

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Chamamos isso de superstição, mas éo reflexo de uma profunda necessidadeemocional de justificar a crença de quevamos nos sair bem ao assumir umgrande desafio. William James escreveusobre a possibilidade de estar preso nosAlpes numa posição de que só poderiaescapar com um incrível salto.

Sem ter passado por experiência

semelhante, não possuo provas da

minha capacidade de obter bom êxito,

mas a esperança e o crédito em mim

mesmo garantem-me que não vou errar

o alvo, e vou estimular meus pés para

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executar algo que, sem essas emoções

subjetivas, talvez fosse impossível. Mas

vamos supor o contrário: … eu sentir

que seria pecaminoso atuar a partir de

uma suposição não verificada por

experiência prévia; ora, nesse caso, vou

hesitar por tanto tempo que, afinal,

exausto e trêmulo, ao me lançar num

momento de desespero, vou falhar e

rolar abismo abaixo.

James escreveu: “Todos os filósofos,ou também os homens de ciência, cujasiniciativas têm algum valor na evoluçãodo pensamento apoiaram-se numa

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espécie de convicção burra de que averdade deve estar numa direção, e nãona outra … e produziram os mais belosfrutos ao tentar fazer isso funcionar.”

Se não tivessem fé, muitos físicosteóricos que enfrentaram anos detrabalho em cálculos complexos,confinados em úmidos gabinetes e sempromessa de sucesso, talvez nãosentissem coragem para saltar sobreesses abismos. Por exemplo, hoje, umadas pesquisas essenciais na físicafundamental é a busca de uma teoriadefinitiva e elegante que unifique asquatro forças observadas na natureza.

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Uma dessas forças, a gravidade, segue aseguinte equação simples, formulada porEinstein:

Claro que a equação de Einstein não étão simples quanto parece – é precisoestudar muito para conseguir aplicá-la eentender o que significa, sendo uma dasequações mais difíceis de resolver emtoda a física. Mas ela apresenta umainterpretação física simples, e é umamaneira muito econômica de expressar

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matematicamente um pensamentocomplexo, com o lado esquerdo daequação representando a estrutura doespaço-tempo, enquanto o direitorepresenta seu conteúdo de matéria-energia. Para um físico, trata-se de umaequação elegante. Agora dê uma olhadana teoria atual das outras três forças,chamada “modelo-padrão”. Não importao verdadeiro significado dos símbolos,pois mesmo o leitor desinformado serácapaz de perceber que essa sequência desímbolos é bem mais confusa edeselegante que a anterior:

FIGURA 10

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Tanto para o especialista quanto parao leigo, o modelo-padrão é feio – parecemais o diagrama do circuito de umdispositivo de alta tecnologia que aexpressão de princípios físicos simples.Mas funciona muito bem. Ainda haveráuma teoria mais elegante para essasforças? Richard Feynman responde:

As pessoas me perguntam: “Você está

procurando as leis definitivas da física?”

Não, não estou. Apenas tento saber

mais sobre o mundo. Se por acaso

houver uma lei simples e definitiva que

explique tudo, OK, seria muito bom

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descobrir isso. Se, por acaso, ela for

como uma cebola, com milhões de

camadas, e acabarmos cansados de

olhar para elas, então o jeito é esse.

Contudo, apesar do ceticismo deFeynman, se você perguntar para quemtrabalha na área, não vai ser fácilencontrar alguém que não tenha fé naexistência de uma teoria mais atraente.Os físicos se alimentam da fé de que, nofundo, a natureza é simples e elegante.Para eles, assim como para todos, a fébaseada em sentimento, desejo,necessidade ou intuição é um aspecto

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essencial da mente humana.

Sempre que enfrentamos dificuldades,desafios ou incertezas, esses fatorespodem ajudar a manter crenças que vãoalém do que consideramos uma verdadeinquestionável. A fé, como define James,pode ser uma grande “hipótese detrabalho”. Isso vale para os cientistas epara qualquer pessoa. Aliás, é importantepara os cientistas formular essashipóteses de trabalho (e depois saberdescartá-las, se não derem certo), pois, senão fizéssemos isso, jamais avançaríamosno nosso conhecimento do Universo.Mas hipóteses de trabalho como a de

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Deepak, que insistem na primazia de ummundo imaterial, em crenças que negama evolução ou afirmam os milagressobrenaturais, não combinam com nossoconhecimento do mundo e costumamestar em conflito direto com as leis dafísica que o regem. Por isso estão erradas.

Concordo com Deepak: seria bomque, com o passar do tempo, aabordagem teológica deixasse de verDeus como uma força externa que criouas regras do Universo, para considerá-louma experiência interior. Porém, o Deusregulador tem uma longa história. Oforte desejo humano de entender o

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Universo e de atribuir causas a eventosque acontecem no nosso mundo deulugar a mitos e crenças elaborados deforma sintética para explicar situaçõesque as pessoas não entendem desdeperíodos ancestrais. A atração dessesmitos não foi tanto pelas verdadesobjetivas que codificavam, mas por suacapacidade de oferecer respostasanimadoras à pergunta “Como chegamosaqui e por quê?” Antes do advento daciência, o Deus regulador era a resposta.Ele atendia a outras ansiedades humanastambém – como satisfazer à nossanecessidade de acreditar que as coisas

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acontecem com um propósito, que omundo é justo e que a morte não é o fim,mas um começo.

Muitos preveem a morte desse Deusfamiliar e pessoal, à medida que a ciênciatriunfa cada vez mais. Porém, a ciência jámostrou seu poder no mundo físico –desde demonstrar que a Terra é redondaaté provar que o espaço é curvo. Já vimosa evolução ser estudada até o nívelmolecular, o Universo ser explorado atéo início, no big bang, a vida bacterianasintetizada, ovelhas clonadas, cirurgiasfeitas com laser, pessoas indo à Lua,robôs enviados a Marte, imagens

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tridimensionais do nosso cérebro,teletransporte quântico… No entanto,mesmo assim, o entusiasmo pelasexplicações religiosas do mundo físicocontinua forte.

A ciência do futuro pode chegar aproduzir um laser capaz deteletransportar uma ovelha sintética paraMarte, a fim de abastecer robôsastronautas, mas não há razão parapensar que este ou qualquer outro feitoespetacular aumentem o prestígio daciência em detrimento das crençasreligiosas. Há um tema em que podemosconcordar com Mahmoud Ahmadinejad,

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o presidente do Irã; só precisamos leruma carta que ele escreveu a George W.Bush, em 2006, dizendo que, “gostemosou não, o mundo gravita em torno da féno Todo-Poderoso”.

Para comprovar isso, uma pesquisado Instituto Gallup, realizada poucoantes de Ahmadinejad escrever essacarta, revelou que 94% dos norte-americanos acreditam em Deus, 82%dizem que a religião tem um papelrazoavelmente importante para eles, e76% afirmam que a Bíblia é uma obra deDeus ou inspirada em Deus. Mesmo queesses números tenham diminuído, com

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certeza não caíram muito. Acreditar éhumano, e acreditar no Deus tradicionalparece uma tendência viva que continuamuito bem, com a perspectiva de umfuturo longo e estável.

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18. Existe uma realidadefundamental?

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N

LEONARD

o dia 17 de dezembro de 1999, umamulher conhecida como F.B., na

literatura neurocientífica, sofreu umderrame no lado direito do cérebro. Emdecorrência disso, perdeu o tato do ladoesquerdo do corpo, não conseguia mexera perna e o braço esquerdos nemenxergar nada no lado esquerdo de seu

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campo visual. Embora a memória delanão tenha sido examinada, já severificara que, em pacientes com lesõessemelhantes, o acesso às memórias dolado esquerdo do cérebro também éobliterado, provavelmente porque esseacesso envolve a ativação de algunscircuitos neurais que são intensificadosdurante a percepção de uma cena.

Quando se pedia a F.B. para tocar suamão esquerda, ela não conseguiaencontrá-la; quando lhe apontavam amão, F.B. dizia não ser dela. A mulherestava bem lúcida, saía-se bem nosexames mentais prescritos pelos médicos

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e não mostrava qualquer sinal dedeterioração mental. Mas estava muitomal-informada em relação à sua mãoesquerda, pois insistia que se tratava damão de sua sobrinha.

O fenômeno de um paciente quedeixou de reconhecer um membro foidocumentado pela primeira vez em 1942.A ilusão foi chamada de “somatofrenia”.O mais impressionante na somatofrenia éque os pacientes não conseguemperceber a ilusão, mantendo sua certeza,apesar das fortes provas em contrário.Quando pressionados, em geral elesadmitem que o que dizem é estranho,

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contudo, apresentam provas em apoio àsua história. Como pode um indivíduointeligente, com os pés na terra, teimarnuma convicção tão absurda? Diante deum membro que não consegue mexer,sentir nem lembrar, o cérebro dessespacientes tenta elaborar uma históriacoerente levando a uma conclusãoaparentemente razoável: o membro nãopertence a eles. Do ponto de vista daspessoas com cérebros normais, asconclusões do paciente são errôneas porcausa da lesão nos sistemas sensoriais enas estruturas específicas do cérebro queinterpretam esses dados. Mas mesmo

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cérebros humanos sadios têm restrições epeculiaridades de projeto, por isso,pessoas saudáveis também sofremrestrições na forma como observam einterpretam o mundo.

Seria uma limitação acreditar quenossa imagem do mundo é definitiva.Alienígenas dotados de sentidos ecérebros que funcionassem de mododiferente dos nossos poderiam considerarnossas percepções tão ilusórias quanto asde F.B. Ou, se tivessem cérebrossuperiores, iriam refletir sobre nossavisão de mundo primitiva, da mesmaforma que fazemos com um gafanhoto ou

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um morcego. No entanto, estamos tãocertos quanto à validade de nossainterpretação da realidade como ossomatofrênicos a respeito das deles.

A maioria das pessoas se define comoo que os filósofos chamam de “realistaingênuo”. Elas acreditam que há umarealidade objetiva externa, povoada deobjetos com propriedades definidas quepodem ser identificadas e codificadas.Experimentos em psicologia apoiam aideia de que as pessoas pressupõemautomaticamente suas experiênciassubjetivas como uma fiel representaçãodo mundo real. Todavia, bem antes do

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conhecimento de síndromes como asomatofrenia, bem antes de se ter acessoa tecnologias como a fMRI, quepermitem a sondagem do cérebro, algunspensadores reuniram argumentosimpressionantes contra as convicções dorealismo ingênuo. Em 1781, porexemplo, o filósofo alemão ImmanuelKant postulou que a realidade quevivenciamos foi elaborada e moldadapela nossa mente, uma mente limitadapor convicções, sentimentos,experiências e desejos.

Um século depois de Kant,desenvolvimentos na física passaram a

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exigir cada vez mais que consideremos arealidade em outro nível, além daquelesvivenciados na vida cotidiana. Entidadesinvisíveis, como campos elétricos emagnéticos, átomos e elétrons,começaram a se infiltrar nas teoriasintelectuais dos físicos. Einstein chegariaa definir a noção de campo como “talveza mais profunda transformação por quepassaram as fundações da física desde otempo de Newton”; Feynman teria amesma opinião a respeito do conceito doátomo. Essas entidades são modelosmentais. Os físicos os consideraram úteispara a análise de fenômenos que

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estudavam, ajudando-os a visualizar oseventos que observavam, e tambémampliando sua capacidade de raciocinar arespeito desses eventos e de sugerirnovas previsões. Mas esses elementosestavam fora de nossa experiêncianormal. De início, não eram observadosnem nos laboratórios, por isso, nãoestava claro até que ponto podiam serencarados como reais. Como escreveuLudwig Boltzmann, o físico do séculoXIX tido como o pai da moderna teoriaatômica, essas noções poderiam serconsideradas “apenas uma imagemmental dos fenômenos, relacionando-se

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com eles da mesma forma que umsímbolo se relaciona com a coisasimbolizada”. Em outras palavras,átomos e campos são uma espécie delinguagem.

Galileu disse: “O Universo é umgrande livro escrito na linguagem damatemática”, e, desde então, ele temsido o objeto da ciência. Mas será queestamos lendo o grande livro doUniverso, ou o estamos escrevendo?

Numa série de artigos que começamcom “Conversation on Mathematics witha visitor from outer space”, o matemáticoDavid Ruelle sugeriu que os seres

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humanos lidam com a matemática (eportanto com a física) com partes docérebro que evoluíram para outrospropósitos. Nosso pensamentomatemático, diz ele, é limitado por umamemória fraca, por um curto período deatenção e pela nossa peculiar insistênciahumana na visualização. Isso sugere que,ao menos no que diz respeito às novasteorias elaboradas pelos cientistas sobreo Universo, as peculiaridades inatas doestilo humano de teorizar devem seracrescentadas à lista de influências queafetam nosso conceito de realidade.

Considere, por exemplo, a ideia do

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átomo. No mundo cotidiano, nóspercebemos a matéria gasosa por meiode características como pressão,temperatura e fluxo. Os cientistas jáhaviam destacado relações entre essaspropriedades, mas foram pioneiros comoBoltzmann que compreenderam serpossível derivar conclusões a partir deum modelo em que os gases fossemconstituídos de átomos. O modeloatômico explica as propriedades dosgases em termos de entidades invisíveishipotéticas. Mais importante: a imagematômica pode também ser usada paraprever novos fenômenos. Muitos

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cientistas se opuseram a essas teorias,alegando que os átomos eram simplesconstruções matemática, não “existiamna realidade”. Depois, em 1905, Einsteindemonstrou que os processos atômicos emoleculares são responsáveis pelosaspectos quantitativos de um fenômenochamado movimento browniano, que évisível no microscópio. Foi o bastantepara muitos físicos passarem a ver oátomo como algo real. Mas só em 1981,pela primeira vez, os cientistas “viramdiretamente” uma molécula. Mesmoentão, o que fizeram na verdade foicompilar uma imagem escaneando uma

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agulha sobre a superfície de um material.Portanto, embora alguns afirmem queisso significa “ver” uma molécula“diretamente”, outros diriam que éapenas uma visualização artística ecientífica da construção matemática deBoltzmann, o “átomo”.

FIGURA 11

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Esta imagem de pentaceno, uma molécula

formada por cinco anéis

de carbono, foi obtida com um microscópio de

força atômica.

As sutilezas a que os físicos se referemquando falam que alguma coisa existelevaram Steven Weinberg a dar umpasso atrás e enunciar, no livro Dreams of

a Final Theory: “O que afinal significaobservar qualquer coisa?” Weinberganalisou a “descoberta” do elétron, emgeral creditada ao físico britânico J.J.Thomson, num experimento realizadoem 1897. O que Thomson fez na verdade

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foi medir a forma como os “raios”, numtubo de raios catódicos – em essência, umvelho tubo de imagem de TV –, securvam em campos elétricos emagnéticos. Ele descobriu que acurvatura era coerente com os raiosformados por partículas que transportamuma proporção definida entre carga emassa. Concluiu que essas partículasrealmente existem e são os constituintesde todas as formas de eletricidade, decorrentes a átomos. Mas Thomson naverdade não viu nenhum elétronindividual. Nem observou a curvaturados raios catódicos; ele simplesmente

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mediu a posição de um ponto luminosono tubo, seguiu-o até a fonte dos raios, edepois inferiu a curvatura e a razão entrecarga e massa usando a teoria aceita paracalcular como os campos aplicadospoderiam ter feito os raios se curvar parachegar ao ponto luminoso. E,“estritamente falando”, segundoWeinberg, ele não fez nem isso: apenas“percebeu certas sensações táticas evisuais” que interpretou como um pontoluminoso.

De todo modo, mais ou menos aomesmo tempo, o físico alemão WalterKaufmann realizou um experimento

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muito semelhante (porém mais preciso).Ele adotou uma abordagem diferentedaquilo que considerava real. Kaufmannacreditava que a física deveria se ocuparmais estritamente do que é observado,por isso não relatou que havia descobertoum novo tipo de partícula – o elétron.Preferiu dizer apenas que, não importado que fossem feitos os raios catódicos,eles apresentavam certa razão entremassa e carga elétrica. Enquanto isso,Thomson partia para a realização denovos experimentos, descobrindo queseu modelo do elétron se aplicava emoutras áreas, como a radioatividade, e

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também quando os metais eramaquecidos. Portanto, Thomson éconsiderado o único “descobridor” doelétron.

No século seguinte aos experimentosde Thomson e Boltzmann, a física mudoumuito. Hoje os físicos pouco hesitam emconsiderar reais os objetos que nãoconseguem observar – ou até objetos queacreditamos que não podem serobservados. Vamos considerar o quark,um tipo de partícula elementar quesupomos estar dentro do próton, donêutron e de muitas outras partículas. Noinício dos anos 1960, de forma

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independente, Murray Gell-Mann eGeorge Zweig criaram esse conceito. Ateoria era atraente, levando a novasprevisões que foram confirmadas efornecendo evidências convincentes domodelo do quark. Mas quando osexperimentalistas colidiram partículasque deveriam se esvaziar e isolar quarksindividuais, nenhum quark foiencontrado. Enfim, os físicos perceberampor que nós não os vemos: a atraçãoentre os quarks aumenta com a distância,como se eles estivessem ligados por umamola.

Se a imagem do quark lembra o

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modelo do párton, de Feynman, quedescrevi no Capítulo 16, é porque estesúltimos são na verdade as mesmaspartículas que os quarks de Gell-Mann eZweig. Mas Feynman usou seu modelomatemático para explicar os dados apartir de uma só classe de experimentos,e, para esse propósito menos ambicioso,ele não precisou pressupor que ospártons apresentavam todas aspropriedades específicas (e, em um caso,peculiares) que Gell-Mann e Zweigpostularam para os quarks. Na ocasião,muitos físicos sentiram-se inseguros paraconsiderar reais os quarks e pártons. Ao

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usar um nome diferente para aspartículas do seu modelo, Feynmanevitou endossar as especificidadesestabelecidas pelos outros dois. Afinal,como especulou Feynman, os modelos depártons e quarks – depois de provaremsua utilidade não apenas como “guiaspsicológicos”, mas também produzindo“outras expectativas válidas” – “setornaram reais” para os físicos, emboraeles nunca tenham observado nenhumadessas partículas – e a maioria acha quejamais irá observar.

Einstein enfatizou a importância daobservação ao escrever: “O pensamento

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puramente lógico não pode nosproporcionar qualquer conhecimento domundo empírico; todo conhecimento darealidade começa e termina naexperiência.” Hoje, no entanto, amatemática e as observações estão maisdo que nunca intimamente ligadas. Nafísica moderna, a observação não podeser desvinculada do sistema sensorial edo sistema de raciocínio humanos.

Desde que não entrem em conflito,diferentes teorias – cada uma delasválida, no sentido de que suas previsõessão confirmadas pela observação –podem nos apresentar diferentes imagens

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da realidade, todas elas legítimas. Comoexemplo de realidades diferentes, porémnão conflitantes, em O grande projeto,Stephen Hawking e eu escrevemos sobreo ponto de vista de um peixe-douradonum aquário de vidro curvo. Um objetoem movimento livre fora do aquário, queum observador acredita percorrer umalinha reta – como exige a lei de Newton–, seria visto pelo peixe-douradopercorrendo uma trajetória curva. Dessaforma, um peixe-dourado cientistapoderia formular leis considerando que omovimento dos objetos fora do aquárioseria diferente do estabelecido pelas leis

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de Newton. Apesar disso, as leis dopeixe-dourado possibilitariam que eleprevisse corretamente o movimento deobjetos do lado de fora, por isso, essasleis representariam uma imagem válidada realidade. Agora suponha que umpeixe-dourado excepcionalmentebrilhante propusesse outra teoria: que asleis de Newton se aplicassem além doslimites de seu Universo aquático, masque a luz desse outro mundo se curvasseao passar pela água, fazendo com que oscaminhos dos objetos externos sóparecessem curvos. Essa teoria iriaapresentar aos cientistas peixes-dourados

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uma concepção completamente diferentedo que acontece. Os que estão fora doaquário podem argumentar que asegunda teoria é a que realmentedescreve a “realidade”; porém, comoambas fornecem a seus formuladores asmesmas previsões exatas, as duas teriamde ser consideradas imagens igualmenteválidas.

Tenho argumentado que o Universoatual é resultado das leis da física, que ahumanidade surgiu aleatoriamente,guiada por nada mais que a evolução e aseleção natural, e que nossospensamentos e sentimentos são

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fenômenos originados no cérebro físico.Em vista do que a ciência conhece, hoje édifícil acreditar que um Deus criou oUniverso alguns milhares de anos atrás,pôs algumas criaturas nele e agora andapor aí evitando (ou causando) guerras,curando (ou afligindo) os doentes,ajudando esportistas universitários amarcar pontos (ou fazendo com que adefesa os bloqueie). Mas a ciência nosensinou que pode haver outrasrealidades; e que, se erguermos a tampada vida cotidiana, as ações da naturezasão muito diferentes das que percebemoscom nossos sentidos. Haverá lugar

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também para outra realidade oculta,uma realidade que inclui Deus?

Mesmo aqueles que entendem ateoria quântica vivem seu cotidianousando o modelo de realidade descritomatematicamente por Newton comohipótese de trabalho. Não se ganha nadacaracterizando as propriedades de bolasde bilhar a partir da mecânica quântica,ou se recusando a beber vinho pelaincerteza a respeito do momentum dasmoléculas que o compõem. Acreditartambém pode ser uma hipótese detrabalho. Uma vez perguntei a umaamiga, cuja racionalidade eu respeitava,

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por que ela acreditava em Deus e numaalma imortal, quando não havia provasnem de um nem de outra. Eu esperavaque ela discordasse da falta de provas,mas não fez isso. “As nossas convicçõesprecisam ser coerentes?” – perguntou.“Não se pode gostar de um filme mesmoquando não sabemos definir seusméritos? O filme não pode ser verdadeiroembora não represente uma obra-primacinematográfica? Por que está erradoacreditar num poder superior semtermos provas?” Depois ela falou sobreum livro em alemão, uma coleção deanotações e cartas escritas por pessoas

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prestes a ser executadas por teremajudado judeus a sobreviver durante aSegunda Guerra Mundial. Todos osrelatos eram escritos por pessoas quetinham muita fé ou por crianças. Haviauma só exceção, ela disse – um homemsem religião, de dezenove anos, que seenvolvera com o movimento deresistência em busca de aventura. Suascartas eram diferentes de todas as outras,ela explicou. Ele era o único que tinhamedo da morte.

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S

DEEPAK

e você puser um sapo dentro de umacaixa e entregar a um cientista, ele

pode dizer muitas coisas fascinantessobre a criatura. Luigi Galvani, físicoitaliano de Bolonha, aplicou umacentelha à perna de um sapo, em 1771, eobservou que os músculos se contraíam.O estabelecimento de uma relação entre

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a eletricidade e o funcionamento docorpo abriu um novo mundo. Seria justodizer que, sem essa simples observaçãode Galvani, não existiria todo o campo daneurociência.

Se você pegar outra caixa e colocarum cérebro humano dentro, mais umavez os cientistas vão descobrir coisasfascinantes, porém, alguns mistériosessenciais não poderão ser explicados –por exemplo, como as imagens sãovisualizadas no córtex, como uma célulacerebral armazena memória, ou comochegamos a nos identificar com umindivíduo. Portanto, da perspectiva

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científica, o cérebro é uma “caixa-preta”,um sistema cujo funcionamento interno érefratário a explicações. Quando vocêpõe alguma coisa numa caixa-preta, oscientistas só conseguem estudar o queentra e o que sai. O que acontece dentroda caixa pode ser apenas um tema para aespeculação.

Mas ainda há um terceiro tipo decaixa, com a qual Leonard tem lutado.Nela você põe a realidade. Quando sepede a um cientista para dizer o que hána caixa, ele enfrenta enormesproblemas. Por exemplo, Leonard sedebate com minha interpretação da

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maneira estranha como os átomos, osconstituintes básicos do mundo físico,estão numa região de sombra entre o reale o irreal. Eu confio no fato de que cadapartícula no Universo tem sua fonte no“nada”. Naturalmente é muito difícilrelacionar nada com alguma coisa, ovisível com o invisível. Na verdade,nossas idas e vindas têm sido umacontenda a respeito desse únicoproblema. Leonard conclui o ensaioanterior situando a ciência e aespiritualidade em compartimentosseparados, cada qual vendo o Universode sua própria perspectiva. Não acho isso

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muito satisfatório, não quando vemoscristãos racionais aceitando a evoluçãoem lugar do Gênesis, por exemplo. Épreciso observar a imagem toda,subjetiva e objetiva. Só então podemosdeixar de defender visões de mundodeficientes, sejam elas científicas ouespirituais. Pontos de vista não fazemsentido se não explicarem a realidadedentro da caixa.

Mesmo entre os físicos de mente maisaberta, o mistério da realidade beira oinsolúvel. É triste e comovente ler sobrea aflição dos pioneiros da física quânticaquando perceberam que tinham deixado

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o mundo físico em frangalhos – ummundo antes tão confiável,tranquilizador e disponível aos cincosentidos. Quando apresentou sua famosaequação explicando o comportamentoondulatório das partículas, Schrödingerdisse que preferia não ter feito adescoberta, pelos sofrimentos e conflitosdela decorrentes. Einstein recusava-se aaceitar a estranheza de um mundo regidopela mecânica quântica. Para ele, odesmantelamento da certeza eraenervante demais. Mas não há dúvida deque a teoria quântica está correta, atéonde vão os cálculos.

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Leonard representa uma geração defísicos que já fez as pazes com a realidadequântica, mas acredito que tenha pagadoum preço alto por isso. Na minha visão,ele se esquivou dos fatos maisinquietantes, embora a ciênciasupostamente seja regida por fatos. Oprimeiro deles é que toda experiênciaocorre na consciência. Isso é mais que umprocesso cerebral. O segundo fato é que,se houver uma realidade exterior àconsciência, nós nunca saberemos o queela é. Leonard reconhece que nada podeser conhecido fora do cérebro, mas, aomesmo tempo, acha que de alguma

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forma a ciência está no caminho certo detodas as respostas que teremos um dia.Talvez o mais destacado físico a tentarexplicar essa discrepância, sir RogerPenrose, ainda continue perplexo, poisdeclarou:

Não acredito que já tenhamos

encontrado o verdadeiro “caminho para

a realidade”, apesar dos extraordinários

progressos realizados nos últimos dois

milênios e meio, em especial nos

últimos séculos. Sem dúvida serão

necessários novos insights

fundamentais.

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No meu lado do debate, esses insightsvêm existindo há muito tempo. Arealidade é consciência pura. Nada existefora dela. Seus efeitos abrangem tudo.Não pode haver outra resposta. Parachegar a ela, contudo, a ciência precisadeixar de lado a ilusão de que existe ummundo físico “lá fora” ao qual se apegar.Leonard agarra-se a isso com todas asforças, mesmo quando cita provas emcontrário.

Isso me lembra os pescadores que searriscam nos mares gelados no invernodo Alasca para pegar caranguejos. Otrabalho é considerado o mais perigoso

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do mundo. Os pequenos barcos de pescase embrenham pelo gelo, é difícil ficar empé no convés, mais difícil ainda realizar operigoso trabalho de recolher as pesadasarmadilhas cheias de caranguejos, aosabor de ondas enormes.

Posso imaginar Leonard como ocapitão, gritando para o imediato medir apróxima onda prestes a se chocar com ocasco. O imediato leva um instrumentoao olho e verifica que se trata de umaonda de dez metros. “A que velocidadeela vem em nossa direção?”, brada ocapitão, preocupado com a possibilidadede o barco virar. O imediato pega outro

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instrumento, faz uma leitura e descobreque a onda está se aproximando aquarenta nós. Mas, quando está prestes agritar a resposta, a onda arrebenta sobreo barco, e tudo que a tripulação podefazer é se agarrar à amurada ou aomastro para salvar a própria vida.

Se você substituir uma onda de luz ouum fluxo de elétrons pelas ondas do mar,a situação é bem semelhante à queEinstein e seus colegas enfrentaram.Assim como o imediato, eles podiammedir massa, carga e spin, imobilizandoa realidade física no meio do processo edescrevendo o que era possível.

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Enquanto isso, as ondas continuavam abater no casco: a realidade está emmovimento perpétuo, não espera porninguém.

Penrose entendeu como a realidadenão é manejável ao dizer: “Algunsleitores ainda podem manter aperspectiva de que a própria estrada éuma miragem. Outros talvez tenham aimpressão de que a noção de ‘realidadefísica’, com uma naturezaverdadeiramente objetiva, independentede como optemos por vê-la, é um sonhovão.” Parece que Leonard não percebe aambivalência dessas questões. “Cale a

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boca e faça os cálculos” é sempre umlugar de recuo em potencial que a ciênciapura conserva. Mas a realidade não cala aboca, e a torturante verdade é que nossoconceito de senso comum sobre o mundofísico já se revelou um barco furado.

Deixe-me ajudar o leitor cético aentender por que a consciência deve ser aresposta certa para a pergunta “O que é arealidade fundamental?” O espinho queincomoda qualquer um diante dessaquestão é: seja o que for a realidadefundamental, ela não pode ser criada. Sevocê fincar uma estaca e disser, “É isso aí.X é o aspecto mais básico da realidade”,

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qualquer um pode levantar a mão e falar:“Mas quem ou o que criou X?” O criadorde X – seja ele Deus, a matemática, agravidade, a curvatura do espaço-tempoou qualquer outra especulação – sempredeve ser mais fundamental ainda.

Isso significa que a fonte da criação éincriada – um conceito que a ciência achaquase impossível admitir. Teorias sobremúltiplos Universos não nos ajudam,pois mesmo que se afirme a existência detrilhões de outros Universos, quem ou oque os criou? Um campo especula que osmundos se criaram entre si, ou queprogridem e decaem num ritmo cósmico

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de nascimento e morte. Isso também nãoresolve o problema. Quem ou o quedeterminou o ritmo? O incriado é umpesadelo intelectual.

Embora seja normal supor que somosas pessoas mais inteligentes que jáviveram, os antigos sábios da Índiasabiam o bastante para declarar que X, arealidade mais fundamental, não tempropriedades físicas. Recusavam-seinclusive a dar-lhe um nome, preferindochamá-la de “isso” (tat, em sânscrito).Cometi um pecado filosófico aodenominá-la consciência pura, tornandoX mais tangível do que na verdade é. No

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fundo, eu aceito a natureza inominada,informe e inconcebível do “isso”.

Aqui, ciência e espiritualidade podemse consolar num abraço. Assim como osátomos desaparecem quando vocêpercebe que eles “não têm nenhumapropriedade física” (Heisenberg), amente humana se desvanece quando sepercebe que ela tampouco tempropriedades físicas. Os átomos surgemde um vácuo que é puro potencial; ospensamentos surgem de um vácuo que épura consciência. No interesse da justiça,é preciso apresentar um desafio. Quandovocê descreve o vácuo, está

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simplesmente fazendo não afirmaçõessobre a não existência. Será que isso nãoé desistir?

Mas aqui somos salvos por um heróiimprovável, tecnicamente conhecidocomo qualia, palavra latina que se referea aspectos subjetivos da percepção. Otom vermelho, a suavidade e a fragrânciade uma rosa são qualia, por exemplo,assim como a salinidade do sal e a doçurado açúcar. Daniel Siegel juntou todasessas qualia no acrônimo de Sift(“peneirar”), em inglês, que representasensação, imagem, sentimento epensamento.e É um acrônimo inteligente,

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pois nós peneiramos o fluxo de dados quenos bombardeia de todos os lados,transformando-o em uma ou mais qualia.Voltando à famosa frase de ChristopherIsherwood, “Eu sou uma câmera”, arazão mais básica pela qual nem vocênem eu somos uma câmera – ouqualquer outra máquina – é que ela nãofiltra a realidade, enquanto nós temos aescolha de peneirá-la. Olhar para oGrand Canyon envolve um processoespecífico de filtragem. Cada um de nósvai notar várias cores em meio à luz quemuda, sentir o cheiro dos pinheiros aoredor e ouvir o som do vento farfalhando

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no fundo do cânion, para incorporar tudoisso numa sensação de pasmo (ou detédio, se seu trabalho for recolher o lixodeixado pelos turistas), e também nospensamentos pessoais despertados pelocenário.

Não há duas pessoas que apreciem oGrand Canyon da mesma maneira. Duascâmeras, no entanto, podem facilmentetirar duas fotos iguais. A ciência se lançasobre essa singularidade comentusiasmo, insistindo em que umexperimentador deve replicar osresultados de outro, para verificação.Mas, quando alega que uma câmera

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registra a realidade tal como ela deve serregistrada, a ciência joga a peneira pelajanela. As qualia que foram descartadas –sensações, imagens, sentimentos epensamentos – são na verdade as únicascoisas em que podemos confiar. Se eumandasse um pescador de caranguejospara o mar do Alasca com uma página dedados sobre as ondas que ele iráencontrar, seria tolice dizer que eleestaria preparado para as dificuldades.Aquelas ondas enormes são coisas frias,pesadas, temíveis e violentas – essa é arealidade delas, que nada mais são quequalia.

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Então, a questão óbvia é: de ondevêm as qualia? Os neurocientistasafirmam que elas vêm do cérebro. Umpensador da Antiguidade, como Platão,dizia que eram parte da natureza. Ambasas respostas são suposições. Não importao quanto se esmere na sondagem docórtex visual, um neurocientista jamaisencontrará o tom vermelho de uma rosanaquela pantanosa massa cinzenta; só vaiachar uma sopa eletroquímica. Nãoimporta com que profundidade umfilósofo se volte para o interior da mente,ele nunca encontrará o ponto exato ondea consciência de súbito produz um tom

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vermelho aveludado. A trilha terminacom a admissão de que sensações,imagens, sentimentos e pensamentosconstituintes da realidade sãoirredutíveis. É a lei das qualia.

É por isso que a conexão entre mentee cérebro – ou, para ser mais genérico,entre a mente e qualquer coisa física – éconhecida como o problema mais difícil.A consciência não vai deixar você espiaratrás da cortina. A realidade é tímida;não vai deixar você vê-la nua. Mas, e seinvertermos o problema difícil? Em vezde pedir uma explicação física darealidade subjetiva, podemos reivindicar

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uma explicação subjetiva do mundofísico. Essa tática funciona. Se vocêdecompuser uma célula cerebral embusca do lugar de onde vem o tomvermelho de uma rosa, a célula acabadesaparecendo em ondas de energia queirão colapsar em puro potencial. Se, aocontrário, você começar a experimentaro vermelho, ele também vai desaparecer,agora no silêncio da mente. Mas, quandoisso acontecer, você não vai se sentir demãos vazias. Ainda vai estar desperto eatento. Isso não pode desaparecer. Emais: ao ligar um interruptor mental,você pode transformar a silenciosa

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consciência na totalidade do mundofísico. Fazemos isso o tempo todo. Até oscientistas fazem, embora afirmem queestão sendo puramente objetivos. Aconsciência é a senhora de tudo que surgede si mesmo.

Leonard descarta ou ignoraargumentos que poderiam ameaçar seuapego à objetividade. Eu entendo. O Yoga

Vasistha, um dos principais textos dosvedantas da Índia, propõe uma ideiaassustadora. Ao descrever a realidadefinal, Vasistha diz: “É o que não podemosimaginar, mas é de onde se origina aimaginação. É o inconcebível, mas é

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onde se origina todo pensamento.” Paramim, essa afirmação está bem próximada realidade quântica em que ficopensando quando meus amigos cientistasresolvem afinal mergulhar na água – edescobrem que não apenas é segurocomo também familiar.

Não há nenhum mistérioaterrorizante, nada a temer. A questão éque estamos todos em contato com nossafonte inconcebível e inimaginável. Pormais que Schrödinger e seus colegastenham se sentido contrariados, elessuperaram a dor que acompanhou aaceitação de um mundo quântico. Agora

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chegou o momento de integrar essemundo na nossa vida prática docotidiano, pois a consciência é totalmentecapaz de abranger tanto os aspectossubjetivos da realidade quanto osobjetivos. As duas coisas não precisamviver separadas, e na verdade não podemfazer isso. Estamos sempre peneirando, acada segundo de nossa existência. Muitoscientistas não confiam em suas viagensinteriores, mas eu não confio emninguém que tenha uma fixação; e omaterialismo é uma fixação que observocom muita tristeza. Ele tem causadoinúmeras das lutas e dores que o mundo

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agora experimenta. Nosso desejo deposse anda de mãos dadas com nossavontade de guerrear com os querepresentam uma ameaça às nossasposses, ou com aqueles cuja derrota noslevará a possuir cada vez mais. Averdadeira segurança só existe na luz daconsciência que liga todos os sereshumanos.

e Respectivamente, sensation, image, feeling e

though. (N.T.)

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Epílogo

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E

LEONARD

m meados do século XIX, umdestacado físico da Inglaterra foi

convidado a averiguar o fenômenoconhecido como table-turning, verdadeiramania entre pessoas que julgavam que,nessas sessões, ocorria uma espécie deconexão espiritual, permitindo acomunicação com os mortos. O suposto

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contato acontecia com os participantessentados ao redor de uma mesa, as mãosespalmadas sobre o tampo. Depois deum tempo, a mesa se agitava. Virava, seinclinava e se movia, às vezes arrastandoas cadeiras. Determinado a empreenderuma investigação séria do fenômeno,Michael Faraday – inventor do motorelétrico, um dos fundadores da teoriaeletromagnética e um dos maiores físicosexperimentais de todos os tempos – foi aduas sessões, onde realizou uma série deexperimentos tecnicamente difíceis,intrincados e engenhosos, que o levarama entender o que acontecia. Faraday

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mostrou que o deslocamento começavacomo agitação aleatória; a certa altura, ospequenos movimentos dos participantescoincidiam e amplificavam uns aosoutros até a mesa se mexer de leve. Aexpectativa das pessoas aumentava semquerer, intensificando o movimentoainda mais, até parecer que a mesa tinhauma mente própria. O efeito era bastantedramático, e os participantes, queinconscientemente puxavam eempurravam a mesa, e não erampuxados por ela, acreditavam de verdadeque o movimento era uma comunicaçãocom outro mundo. Mas Faraday

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descobriu que não.

Todos nós, de tempos em tempos,encontramos algo misterioso einexplicável. Quando isso acontece, ébom manter a mente aberta. Mas aceitarpassivamente uma resposta pronta, semuma avaliação crítica das alternativas,nem qualquer exame mais sério da“prova”, não é ter a mente aberta, é ter acabeça oca. Infelizmente, parece que osseres humanos, por natureza, se sentemmais confortáveis com explicações vagas,porém definidas, do que com hipótesesque exigem maiores pesquisas e análises,antes que se considere resolvida a

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questão.

Não estou comparando aespiritualidade de Deepak, com suasraízes na filosofia e na religião orientaisda Antiguidade, com o “espiritualismo”do século XIX, que acreditava nomovimento voluntário da mesa. Apenasuso o exemplo para mostrar que, aolongo da história, a ciência tem levadoem conta ideias não tradicionais. Maisainda: às vezes chega até a aceitá-las. Porexemplo, antes do artigo de Einstein, de1905, a noção de que as medidas deespaço e tempo são subjetivas,dependem do movimento do

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observador, teria soado tão extravagantee implausível quanto são as ideias deDeepak para a maioria dos cientistasatuais. Alguns dos contemporâneos deEinstein nunca aceitaram a relatividade.Mesmo assim, em pouco tempo, ela setornou a física vigente. Por quê? Porqueas previsões da relatividade foramdemonstradas por observaçõesexperimentais. Infelizmente, as palavrase ideias de Deepak não o foram.

Tenho tentado indicar, neste livro,em que pontos os argumentos de Deepakcolidem com o que nos diz a ciênciamoderna. Como resposta, ele se referiu a

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uma “teimosa resistência da ciência aoutras formas de considerar o cosmo”.Argumenta que os cientistas se fechampara as maneiras de ver o mundo quenão passam por suas lentes“materialistas”. A visão de Deepak, doUniverso que tem um propósito e dodomínio imaterial da mente, nãoconstitui uma religião. Mas, assim comoas religiões que abordam esses temas, aperspectiva de Deepak é muito menosaberta a questionamentos e retificaçõesque a visão científica. A Catholic

Encyclopedia nos alerta explicitamenteque não acreditar na revelação cristã

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“envolve não apenas erro intelectual,mas também certo grau de perversidademoral”, e que a “dúvida relativa àreligião cristã é equivalente à sua rejeiçãototal”. Deepak não vai tão longe, masseus pontos-chave também chegaram aténós sem muitas alterações, ou são atéimutáveis desde suas origens, nosgrandes filósofos orientais de séculos ouaté milênios atrás. Na ciência, por outrolado, estamos sempre revisando nossospontos de vista, prontos a renunciar àsortodoxias de nossos sábios, de Newton aEinstein e a Bohr, toda vez que asevidências nos obriguem a fazer isso. A

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ciência se alimenta da dúvida. Mais quequalquer religião, ela tem se mostradoaberta e receptiva para aceitar as vastasrevoluções que eclodem em seus pontosde vista; por exemplo, as aparentesheresias em temas como a deterioraçãodo tempo e do espaço, e aimpossibilidade de se afirmar comcerteza as suas previsões. Até omaterialismo, que Deepak afirma sersagrado para a ciência, tem se alterado, àmedida que aumenta nossoconhecimento do Universo. A princípio,a ciência só considerava reais os objetosvisíveis, palpáveis; depois, ela passou a

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aceitar campos de força intangíveis,átomos invisíveis e até quarks, quejamais serão observados. A ciência estáaberta para aceitar novas verdades. Elasó se recusa a admitir falsas verdades.

A ciência mantém a mente abertaporque não tem uma agenda. Nãoimporta se a Terra é o centro doUniverso ou apenas um planetaqualquer, se a Via Láctea é a únicagaláxia ou uma entre muitos bilhões,nem se o nosso é o único Universo. Aciência não se ofende ao descobrir que osseres humanos evoluíram a partir dosmacacos ou das bactérias, que viramos

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pó ao morrer, ou que nossa consciêncianão possui um lado mágico. Darwin nãoabordou a questão da origem da vidadizendo “Precisamos eliminar o desígnioda criação”. Deepak, em compensação,escreve: “Se quisermos evoluir para alémdos nossos piores impulsos, a únicamaneira será buscar um propósito maiselevado que beneficie a todos”, ou “aespiritualidade restaura o desígnio e adireção em seus devidos lugares, nocerne da evolução”.

Concordo em que é bom ter umpropósito na vida, mas isso não pode seconfundir com acreditar que a natureza

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tem um desígnio construído em suas leis.Aplaudo também a visão de Deepaksobre como as pessoas devem viver umascom as outras e se tratar mutuamente.Contudo, por mais que Deepak e eupreferíssemos viver num mundo melhor,onde as pessoas transcendessem seuspiores impulsos, como cientista, nãoposso deixar que a forma como eu desejo

ver o mundo interfira na minhacompreensão sobre a maneira como omundo é.

Deepak observa a estreiteza daciência num aspecto – entre outros – queenvolve a vida de um mundo oculto ou

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invisível. É verdade que, historicamente,ela tem rejeitado muitas sugestões demundos invisíveis. Mas nunca por não oster examinado. Uma das maisimportantes características de um grandecientista é a curiosidade, e, ao longo deanos, físicos como Faraday e Feynmanrefletiram sobre esses assuntos. Todavia,outra grande característica do cientista éo ceticismo, pois não há alegria emsatisfazer a curiosidade com falsasexplicações. Até agora, a exigência deque nossas teorias correspondam ao queobservamos no mundo nos levou arejeitar ideias relacionadas a um mundo

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imaterial.

Eventos podem ser enganosos, e emgeral não é fácil descobrir suasverdadeiras explicações. O surgimentode galáxias, estrelas e pessoas a partir docaos às vezes parece exigir umaexplicação sobrenatural, assim como asmesas que se movem sem qualquerinterferência externa. Para o filósofo, élícito falar livremente de mundos nãovisíveis, realidades invisíveis e forçasorganizadoras que orientam a evolução.Podem-se ilustrar as ideias com históriase casos, e argumentar por analogia. Pode-se usar a linguagem do dia a dia, com

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suas falhas, pontos vagos e termos commúltiplos significados. É possíveltemperar a própria prosa com palavrasgratificantes como “amor” e “desígnio”. Éadmissível até apelar para textos e sábiosda Antiguidade. A argumentação talvezpareça atraente. Mas a ciência responde auma autoridade maior – à maneira comoa natureza realmente funciona.

Quando Richard Feynman teve aideia de reformular a teoria quânticabaseado em sua nova interpretação, numajuizamento que daria aos físicos umaimagem em tudo diferente e uma novacompreensão da realidade, ele também

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começou com exemplos e analogiassimples. Mas depois passou anosdetalhando suas ideias, imaginando todosos pormenores, definindo exatamente oque significavam suas palavras econcepções, recalculando quase tudo oque já tinha sido calculado antes pelosantigos métodos, a fim de verificar se ateoria produzia as mesmas previsões – etudo confirmado por experimentos. Sódepois Feynman sentiu-se confiante epublicou seu livro revolucionário. Não éincomum um físico teórico ter uma ideianova e interessante, nem elaborar umateoria atraente e plausível. O raro é

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enfrentar o teste da realidade e encontrara confirmação. A abordagem científica daverdade trouxe para os homens umariqueza de conhecimentos que nãopoderia ser alcançada de outrasmaneiras.

Deepak falou muito sobre asaplicações destrutivas da ciência.Contudo, não devemos nos esquecer deque um mundo que ignora a verdade daciência é um mundo entregue às trevasda superstição, à miséria da ignorância.Séculos atrás, a situação humana era depestilência, sujeira, doença e aflição.Pense na melhoria das condições de vida

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resultantes da revolução científica. Comomédico, Deepak sabe que, secontássemos com sua sabedoriatradicional para o nosso conhecimentosobre o Universo, e não com o métodocientífico, ainda estaríamos sujeitos adoenças avassaladoras como varíola,tuberculose, poliomielite e pneumonia;ainda seria comum as mulheresmorrerem no parto; seríamos vítimas deáguas poluídas e cheias de moléstias; eestaríamos com fome, porque aagricultura não poderia corresponder àdemanda mundial de alimentos, assimcomo não haveria métodos

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contraceptivos para as pessoas limitaremo número de filhos àqueles queconseguem alimentar e criar. Emresumo, ainda estaríamos morrendoantes da meia-idade, pois as antigastradições da sabedoria não substituem aciência moderna.

Não estou dizendo que a ciência temtodas as respostas. A consciência está nocerne da visão de mundo de Deepak. Étambém a última fronteira da ciência.Hoje, a ciência não tem sequer uma boadefinição operacional para ela. Estamoscomo Michael Faraday no início de suacarreira. Quando ele estudou o que agora

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chamamos de eletromagnetismo, até acaracterização da eletricidade comopositiva ou negativa era controversa.Hoje, muitos debates semelhantes sobrea natureza fundamental da consciência setravam no ambiente científico. Nósbisbilhotamos, realizamos observações,mas realmente não sabemos ao certo oque estamos tentando estudar. Mesmoassim, não há razão para acreditar que aconsciência não será explicada. Nãoprecisamos largar as armas e aceitar quea explicação está em algum domínioalém do físico.

Há muitos mistérios na física atual,

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desde a natureza da matéria escura àrecente descoberta de que a expansão doUniverso se acelera, ou até as possíveisobservações de novos e exóticos tipos deneutrinos que não se encaixam nomodelo-padrão. Esses mistérios podemresultar numa revisão das teoriascorrentes ou numa completa reviravolta.De uma forma ou de outra, é natural queas teorias científicas continuem a evoluir.Quando pergunto a outros cientistassobre a possibilidade de identificar umfenômeno que não se enquadre nasnossas teorias correntes, a resposta maiscomum fala do desejo de que tais

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anomalias ocorram. Pois enquanto ametafísica é algo fixo, dirigido porconvicções pessoais e pela satisfação dedesejos, a ciência progride e é inspiradapelo entusiasmo da descoberta. O sonhodos cientistas é fazer novos achados, emespecial quando isso significa a revisãodas teorias estabelecidas. Os cientistasdescobriram duas novas forças no séculoXX – as forças nucleares forte e fraca –, eo mesmo entusiasmo que acompanhouessas inovações persistirá seencontrarmos evidências reais de umdomínio da consciência. Só serãonecessários dados convincentes em apoio

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à ideia. Se isso acontecer, muitoscientistas vão se candidatar à busca denovas evidências que provem oucontestem afinal a existência dessedomínio.

Eu argumentei a favor de uma visãode mundo estabelecida na observação enas evidências, e aleguei que esse pontode vista não nega a riqueza do espíritohumano ou a maravilha do Universo.Como escreveu Einstein a respeito daideia de que o comportamento humano éregido por nada além das leis danatureza:

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Essa é a minha convicção, embora eu

saiba que não é totalmente

demonstrável. [Mas se] pensarmos na

última consequência do que podemos

saber ou entender com exatidão,

dificilmente haverá qualquer ser

humano refratário a essa visão, desde

que seu amor-próprio não se revolte

contra ela.

Admito que nosso amor-próprio tornadifícil aceitar uma visão de mundo emque os seres humanos não tenham umpapel central no Universo. Mas o triunfofinal da ciência está na integridade de

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seus métodos, na flexibilidade de seuponto de vista, em seu empenho dechegar à verdade. Talvez a ciência nuncavenha a ter todas as respostas, masjamais deixará de procurá-las, e jamaistomará o caminho fácil em sua buscapelo conhecimento.

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P

DEEPAK

ara muitos leitores, não há umaguerra entre dois pontos de vista. Se

houver, um dos combatentes é fraco eestá desarmado, enquanto o outro possuitanques, sondas robôs e bombasinteligentes. A ciência encontra-setotalmente armada, enquanto uma novaespiritualidade, divorciada dos dogmas

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religiosos, apenas começa seu ensaio devoo. Eu diria que a guerra não precisamais ser travada, pois já acabou. Aciência rígida está prestes a cair, abrindocaminho para um novo paradigma, emque a consciência ocupa o palco central.Não espere ver cadáveres de físicosjuncando os campos de batalha. Oresultado não será a derrota da ciência,mas sua expansão. Essa versão expandidaserá capaz de admitir a evidência de algoque Leonard rejeita: um Universo comum desígnio. (Leonard não pode estarfalando sério quando diz que estou meapegando a preceitos de milhares de anos

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atrás, pois essa nova espiritualidadeadotou muito da ciência atualizada.)

O próprio Leonard menciona oprincípio orientador de uma ciênciaexpandida, que “responde a umaautoridade maior – à maneira como anatureza realmente funciona”.Infelizmente, ele não conseguiu seguirsua própria prescrição. Diante dasevidências de uma evolução pós-darwiniana, da base quântica daconsciência e da superficialidade deequiparar cérebro e mente, Leonardcorre em busca de abrigo em acalentadasconvicções que a ciência voltada para o

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futuro está abandonando com velocidadecada vez maior. Eu o convido a entrar naágua – não é assustador –, pois, assimcomo a Catholic Encyclopedia, que ele citade forma bizarra, Leonard tempreocupações mais profundas (salvaçãocientífica, talvez?), que proíbem aaceitação de uma espiritualidadecoerente com a ciência. Qualquer adeptodo enraizamento da mente na matériacontinuará a ignorar as anomalias quepodem arranhar seu ponto de vista.

Leonard é a favor de viver a vida comum propósito, só que ele quer divorciá-loda ciência. Sempre me chocou a maneira

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como os cientistas se apegam ao dogmade um Universo aleatório, totalmentedespido de significado, quando é óbvioque todos os momentos da vida acolhemas coisas que nos importam, mesmo queo objetivo sejam coisas pequenas, comochegar ao fim do dia, terminar de ler umromance policial ou pegar os filhosdepois do treino de futebol. Se a vida temum significado, ele deve vir de algumlugar.

Para declarar que a guerra acabou, eupreciso apresentar provas. Os artigosdeste livro indicaram numerosas trilhasde evidências – da plasticidade do

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cérebro à fluidez dos genes, do vácuoquântico aos domínios fora do espaço edo tempo – para satisfazer ao apelo de“novas visões”, lançado por sir RogerPenrose. Vinte e cinco anos atrás, meuscolegas médicos, em Boston, serecusavam a acreditar numa conexãoentre mente e corpo. Agora já não hádúvida de que nossos pensamentos,sentimentos e estados de espírito setransmitem a todas as células do corpo. Amembrana celular recebe as notícias domundo interior e exterior, e, num nívelmicroscópio, isso é o mundo, escrito nasmoléculas. Naquela época, quando um

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professor de medicina zombava dapossibilidade de a mente afetar o corpo,eu replicava: “Como você mexe os dedosdo pé? Sua mente não envia sinais paraseus pés?”

Já disse várias vezes que não estoudefendendo nenhum Deus convencional.Mas a espiritualidade não pode sersegregada da essência da religião. Ambasdependem de uma jornada pessoal, que,no fim, leva à transformação daconsciência. O convite para iniciar essajornada vem da própria realidade.Acredito firmemente que a realidadequer ser conhecida, e que a evolução

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humana atende a esse chamado. Aciência é uma resposta, mas não esgota oassunto; a espiritualidade também é umaresposta válida.

A ciência não deveria ser inimiga dajornada interior, e fico desanimadoquando Leonard julga que essa visão deuma “autoridade maior” impede aexploração interna, como se uma mesamovente numa sessão vitoriana nosservisse de modelo para aespiritualidade. Será que alguém pensaque Buda ou Platão organizavam essassessões? Mas não há, aqui, razão paragrandes retóricas. Os maiores mestres

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espirituais do mundo foram espécies deEinstein da consciência. Forneceramprincípios e descobertas tão válidosquando os de Einstein, que tinha suasdúvidas religiosas, mas nunca perdeu devista a admiração e a reverência quereconhecia como essenciais para todas asgrandes descobertas científicas.

Leonard aposta muito na dúvidacomo ferramenta da ciência. Só possoconcordar. Mas um ceticismo muitorígido e hostil não faz bem a ninguém. Oscéticos ocupam a estrada como guardiõesda verdade: não deixam passar quemdiscorda de seus termos. Nunca

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percebem que só conseguem ver o queindica seus paradigmas. Se você julgaruma pessoa apenas porque ela joga bembilhar, Mozart não passaria no exame,mas a culpa é das suas lentes.

Certa vez, eu falava sobre mente ecorpo para uma plateia na Inglaterra,quando um homem estridente e de rostovermelho levantou-se e gritou: “Tudoisso é lixo. Não prestem atenção. Ébobagem!” A plateia se agitou comdesconforto, eu fiquei um poucochocado. “Quem é o senhor?”, perguntei.“Sou o presidente da Sociedade dosCéticos do Reino Unido”, ele respondeu.

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“Duvido”, falei. E a plateia caiu na risada.

Leonard chega perto de aderir àSociedade para a Supressão daCuriosidade, que é aonde leva o mantodo ceticismo. Mas imagino que ele sejaorientado pelo respeito e pela reverência,como Einstein, portanto, vou falar sobreessas características. No instante do bigbang, parece que as leis da naturezasurgiram em aproximadamente 10−43

segundo – um átimo inimaginavelmentecurto para reunir todos os ingredientesdo Universo conhecido dentro de umespaço trilhões de vezes menor que otempo transcorrido para terminar esta

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frase. Nada existia durante a “eraquântica” que precedeu esse instante, anão ser um oceano de energia turbulenta.Mesmo isso é conceitualmente frágil,pois não havia leis da natureza, portanto,não existia nada como oeletromagnetismo.

O cérebro humano, se você for ummaterialista estrito, também estavapredeterminado, nessa turbulenta sopaenergética de bilhões de anos atrás. Se forassim, nós somos o produto do que veiodepois: esse espantoso Universo afinadoem si mesmo, onde dezenas deconstantes se entrosam com perfeição, de

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modo que qualquer mudança de umaparte em 1 bilhão teria arruinado todo oempreendimento. Você é capaz de ler epensar – além de jogar bilhar ou fazer ojogo do amor – só em razão do que veiodepois daquele 10−43 segundo. Sem luz,gravidade ou elétrons, para não falar emtempo e espaço, nenhum de nós estariaaqui. O que existia antes não pode serconhecido, e apenas por essa razão aciência já fica reduzida a conjecturas nãomenos fantasiosas do que as queproponho. Quando debatemos sobre aorigem do cosmo, o campo do jogo ficamais plano a cada dia.

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Na verdade, chamar de fantasioso épouco. O materialismo não pode seaventurar em lugar nenhum antes dacriação da matéria. A objetividade nãopode se aventurar em canto algum antesde haver objetos para observar. Se odestino do Universo foi decidido numúnico momento, por que não pode tersido um momento criativo? O trovejante“Não!” de Leonard faz pouco sentido.Não quero dizer que o método dele vános levar a lugar nenhum. Nossasubjetividade nos conecta com o impulsoprimordial de fazer alguma coisa a partirdo nada; de outra forma, nos privaremos

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da criatividade, da inteligência profundae do livre-arbítrio.

Pessoas normais não vão desistir desuas emoções e inspirações só porque aciência torce o nariz para a subjetividade.A ciência não deveria ser tão suscetível edefensiva. Não haverá vândalosinvadindo seus laboratórios para atirarBíblias nos equipamentos. Apesar dasreacionárias atividades religiosasperiféricas, todos aceitamos que a ciênciarepresenta algo incrivelmente bom eprogressista. A torre de marfim seria umsubstituto moderno para a cidadesagrada em cima de uma colina, mas,

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infelizmente, dessa torre não saíramapenas coisas boas, vieram também abomba atômica, as armas químicas e ogás sarin.

A maior parte dos cientistas franze ocenho diante da existência de pesquisasarmamentistas, e depois continua atrabalhar. Mas a criatividade diabólicaparece incontrolável. Outros cientistasaderem com gosto ao lucrativo negócioda morte. Aqui é preciso ser firme: ummundo governado só pela ciência seriaum inferno na terra. Apegar-se aopensamento racional é aceitável dentrode um laboratório, contudo, quando a

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ciência tenta demolir a fé, o empenho, oamor, o livre-arbítrio, a imaginação, aemoção e um eu superior como uma dasmuitas ilusões elaboradas pelo nossocérebro falível, é preciso montar umaexpedição de resgate, e depressa.

Não desejo constranger ninguém commeu fervor – todos conhecemos o poderdestrutivo do fervor quando está ligado àintolerância religiosa. Mas o tempo estápassando. Milhões de pessoas jáabandonaram as religiões organizadas.Quase cem anos atrás, Freud zombou dafé religiosa comparando-a a uma ação deretaguarda em defesa do indefensável.

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Mas essa aspiração é defensável e nãopode ser preenchida pela ciência – a nãoser que ela esteja disposta a romper asmuralhas que falsamente separam osmundos interior e exterior. Há dez anosseria impensável mostrar interesse pelaconsciência e ainda assim preservar umacarreira científica respeitável. Hojepodemos ir a conferências em quecentenas de cientistas de todos os camposde conhecimento apresentam palestrassobre consciência, e se lança a palavra“quantum” para descrever processoscerebrais, fotossíntese, migração depássaros e formação celular. Sob o nariz

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dos físicos, mentes brilhantes estãocriando um novo campo, a biologiaquântica.

Isso significa que prever uma novaciência expandida não é mais sinal deloucura. Claro que a operação de resgateainda precisa se ampliar. À nossa volta,as pessoas sofrem com o vazio e aansiedade. Há um vácuo a serpreenchido, e este é um vácuo espiritual.Que outra palavra caberia melhor? Sóquando as pessoas tiverem esperança decurar esse sofrimento saberemos o que ofuturo nos reserva na verdade. Que aciência faça parte da cura, pois, de outra

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forma, podemos nos enredar emmaravilhas tecnológicas que só irãomultiplicar os corações vazios e as almasdesamparadas.

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Créditos das figuras

Figura 2. Richard Russel, GettysburgCollege.

Figura 3. Edge City/Universal/TheKobal Collection.

Figura 10. Reproduzida de W.N.Cottingham e D.A. Greenwood, AnIntroduction to the Standard Model of

Particle Physics, 2ª ed., Cambridge,Cambridge University Press, 2007, apud

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J.A. Shifflet, 28 jul 2010. Copyright ©2007, W.N. Cottingham e D.A.Greenwood. Reproduzida comautorização da Cambridge UniversityPress.

Figura 11. Leo Gross, Fabian Mohn,Nikolaj Moll, Peter Liljeroth, GehartMeyer, “The chemical structure of amolecule resolved by atomic forcemicroscope”, Science Magazine, 1º ago2009. Reproduzida com autorização daAAAS.

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Agradecimentos

DEEPAK CHOPRA

Nada é mais gratificante para um escritordo que descobrir que seu livro se tornouuma tarefa da família. Nesse caso, afamília inclui a equipe do Chopra Center,incansável em manter todos os detalhesno lugar e dentro do cronograma. Meusmais ardentes agradecimentos a Felicia

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Rangel, Tori Bruce e – maisindispensável ainda – Carolyn Rangel.Não consigo imaginar um apoio maissincero e compreensivo do que aquelerecebido de minha equipe de edição:Julia Pastore, Tina Constable, TaraGilbride e Kira Walton. Nenhum livropode ser publicado sem um editorpaciente e talentoso, e Peter Guzzardi,que tem viajado comigo há muitos anos,provou mais uma vez que é um dosmelhores de sua área. Encontrei emLeonard uma mente estimulante egenerosa, uma pessoa que logo se tornouum amigo querido.

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Essa família extensa começa em casa,com minha esposa, meus filhos e netos. Étambém aonde chegam todas asrealizações; aqui, nem todos osagradecimentos seriam suficientes.

LEONARD MLODINOW

Deepak e eu temos diferentes visões demundo, mas em uma coisa concordamos:na gratidão à nossa equipe editorial, emespecial a Julia Pastore, Tina Constable,Tara Gilbride e Kira Walton; nossoeditor Peter Guzzardi; e Carolyn Rangel,que trabalha para Deepak, mas foi

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indispensável também para mim. E aDeepak, encantador mesmo nas ocasiõesem que disputamos. Agradeço também aBeth Rashbaun, por seus esclarecedorescomentários a respeito do manuscrito.Sou grato igualmente a muitas outraspessoas que leram, em parte ou no todo,os vários esboços e deram suas opiniões –Donna Scott, Markus Poessel, PeterGraham, Mark Hillery, Christof Koch,Ralph Adolphs, Keith Augustine, MichaelHill, Uri Maoz, Patricia Mindorff e os“independentes” – Martin Smith, RichardCheverton, Catherine Keefe e PatriciaMcFall. E, claro, à minha maravilhosa

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agente, Susan Ginsburg, defensora,torcedora, crítica. Finalmente, agradeçotambém à minha família, que aguentouas longas horas de ausência e minhaperseverança em intermináveis eobsessivas conversas relacionadas aolivro – que levariam qualquer um, menosminha família, a querer me ver pelascostas.

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Índice remissivo

2001: uma odisseia no espaço, 1

abelhas, 1, 2, 3-4 ácidos graxos, 3“Adeus a Berlim” (Isherwood), 1Adolphs, Ralph, 1Aham Brahmasmi, 1Ahmadinejad, Mahmoud, 1Alekhine, Alexander, 1Al-Ghazali, Abu Hamid, 1alma, 1altruísmo, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8-9

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ameríndios norte-americanos, visão de mundodos, 1

aminoácidos, 1amor, 1, 2, 3, 4-5Andar do bêbado, O (Mlodinow), 1animais:

autoconsciência nos, 1comportamento entre os, 1, 2-3, 4-5comunicação entre, 1-2inteligência nos, 1-2ordem social entre, 1-2, 3percepção de tempo nos, 1-2relógios internos nos, 1semelhanças genéticas nos, 1-2tratamento de, na Idade Média, 1ver também seres humanos; primatas;

animais específicosantropocentrismo, 1-2antropomorfismo, 1Ardi (Ardipithecus ramidus), 1

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arganaz, 1-2Aristóteles, visão de mundo, 1-2arsênico, 1Asimov, Isaac, 1ateísmo, 1, 2átomos, 1-2, 3, 4, 5, 6

medição do tempo com, 1, 2, 3modelos de, 1-2

autismo, 1autoconhecimento, 1autoconsciência, 1, 2autopoiesis, 1-2, 164-5; ver também crescimentoAvery, Oswald, 1

Bach-y-Rita, George, 1Bach-y-Rita, Paul, 1Bach-y-Rita, Pedro, 1beleza, 1-2, 3Believing Brain, The (Shermer), 1

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Bhagavad Gita, 1, 2Bíblia, 1, 2, 3big bang, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7

condições preexistentes ao, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8material criado pelo, 1-2, 3-4ver também Universo, surgimento do

biologia:evidência da mente na, 1evolução na, 1, 2, 3-4, 5-6molecular, 1percepção de tempo na, 1quântica, 1vida na, 1-2

bisfenol A, 1Blackburn, Elizabeth, 1Blake, William, 1Bohm, David, 1Bohr, Niels, 1-2, 3, 4Boltzmann, Ludwig, 1Boole, George, 1

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BrainPort, 1Buda, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7Bunsen, Robert, 1Bush, George W., 1

cães, inteligência nos, 1-2câncer, 1, 2-3Carroll, Sean, 1catalisadores, 1Catholic Encyclopedia, 1cegueira, 1-2células, 1, 2

ciclo de vida das, 1divisão de, 1, 2, 3, 4

cérebro humano, 1, 2, 3-4capacidade para matemática do, 1círculos de retroalimentação no, 1como computador, 1-2complexidade do, 1-2, 3, 4

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compreensão científica no, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8,9-10, 11

controle do, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8determinismo e, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8-9e comportamento, 1-2, 3-4e glândula pineal, 1e moralidade, 1, 2-3, 4-5estimulação física do, 1, 2-3, 4-5evolução do, 1-2, 3, 4-5, 6experiência consciente no, 1-2, 3, 4-5experiência temporal no, 1-2, 3, 4, 5-6função da linguagem no, 1lesões ao, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10-11, 12-13, 14-

15neuroplasticidade do, 1-2, 3-4, 5-6percepção no, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11, 12-13,

14, 15-16processamento de informação no, 1-2, 3-4processamento do medo no, 1-2

Chalmers, David, 1, 2

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ciclo de vida, 1, 2ciência, 1, 2

choque com a religião, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10,11-12, 13, 14, 15

definições dos termos na, 1, 2, 3dependência da, 1, 2-3e fé, 1-2, 3-4e humanidade, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10, 11-12,

13, 14-15e moralidade, 1, 2fracassos da, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9observação na, 1-2ponto de vista da, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9-10

Clarke, Arthur, 1coelhos do Himalaia, 1coma, 1-2, 3Comings, David, 1compaixão, 1comportamento animal, 1, 2-3, 4-5comportamento humano, 1-2

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altruísmo no, 1, 2cérebro e, 1-2, 3-4genética e, 1, 2-3, 4-5influências sobre o, 1-2, 3-4ver também livre-arbítrio computadores, 1-2,

3-4, 5-6, 240-1; ver também inteligênciaartificial Comte, Auguste, 7

condicionamento pavloviano, 1, 2consciência:

compreensão humana da, 1-2ênfase na espiritualidade da, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7,

8-9evolução da, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8-9, 10pura, 1, 2, 3-4, 5, 6

consciência humana, 1-2, 3, 4-5compreensão científica da, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9,

10e livre-arbítrio, 1-2tempo e, 1, 2-3ver também cérebro humano; mente humana

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consciência universal, 1-2, 3-4, 5-6crenças científicas antigas sobre, 1, 2-3visão científica da, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10, 11-

12, 13, 14-15visão espiritual da, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10-11,

12-13, 14, 15, 16, 17-18, 19-20, 21-22, 23-24,25-26, 27-28, 29-30, 31, 32-33, 34, 35, 36-37,38-39

corpo caloso, 1córtex pré-frontal, 1, 2-3, 4-5córtex pré-frontal ventromedial (CPVM), 1-2cosmo, cosmologia, 1, 2-3

características físicas do, 1-2, 3ciclo de vida do, 1-2, 3-4, 5-6compreensão científica do, 1-2, 3-4expansão do, 1, 2-3, 4-5flutuações no vácuo no, 1-2inflação no, 1-2matéria no, 1-2o “nada” no, 1, 2, 3-4, 5, 6

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problema do plano no, 1-2, 3-4problema do horizonte no, 1, 2ver também teoria do big bang; Universo

crescimento, 1, 2, 3-4criacionismo, 1-2, 3, 4-5, 6-7crianças, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8criatividade, 1-2, 3, 4, 5-6, 7, 8-9, 10-11, 12-13Crick, Francis, 1, 2, 3cromossomos, 1cultura, 1, 2-3

Darwin, Charles, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21; ver tambémevolução, teoria da

Dawkins, Richard, 1, 2, 3Deep Blue, 1, 2-3demônio de Maxwell, 1-2, 3-4Descartes, René, 1, 2, 3Descendência do homem, A (Darwin), 1Deus, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7

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argumento de Tomás de Aquino sobre, 1-2e espiritualidade, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11, 12fé dos norte-americanos em, 1visão científica de, 1-2, 3-4ver também fé

Diálogos sobre a religião natural (Hume), 1-2DNA, 1-2, 3, 4, 5, 6

adaptação do, 1autorreplicação do, 1, 2, 3, 4-5complexidade do, 1descoberta do, 1-2e o meio ambiente, 1, 2-3estrutura do, 1-2, 3, 4genes no, 1importância do, 1-2não codificação, 1, 2-3surgimento do, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8-9, 10, 11ver também genética

Dreams of a Final Theory (Weinberg), 1

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dualismo mente-corpo, 1-2, 3Dyson, Freeman, 1, 2, 3, 4, 5

Einstein, Albert, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21

elefantes, 1-2elétrons, descoberta dos, 1-2Eliza (programa de computador), 1, 2embriões, 1, 2-3emoção:

base neurológica da, 1, 2, 3, 304-5 e fé, 4-5visão espiritual da, 1-2, 3-4

entropia, 1, 2-3, 4-5, 6envelhecimento, 1-2enzimas, 1epigenética, 1, 2, 3, 4-5epilepsia, 1equilíbrio, 1-2, 3-4, 5-6equilíbrio, sentido de, 1-2

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escala de Planck, 1espectroscópio, 1espiritualidade:

disciplinas na, 1-2, 3, 4-5, 6e Deus, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11, 12, 13, 14ensinamentos da, 1, 2, 3-4, 5fracassos da, 1, 2, 3-4importância da consciência na, 1, 2, 3, 4, 5impulso humano para a, 1-2objeções científicas à, 1-2ponto de vista ou visões de mundo da, 1, 2-3,

4, 5, 6-7, 8, 9princípios da, 1-2, 3-4, 5satisfação pessoal e, 1ver também religião

espiritualidade indiana, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8, 9, 10, 11-12, 13, 14

estrelas, 1-2, 3, 4Ética (Spinoza), 1-2Eu, robô (Asimov), 1

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evolução, 1-2círculos de retroalimentação da, 1cooperação na, 1, 2-3, 4, 5-6cultural, 1-2da mente humana, 1-2, 3-4definição de, 1dirigida, 1-2do cérebro humano, 1-2, 3, 4-5, 6do Universo, 1-2, 3, 4-5e genética, 1-2herança branda na, 1, 2-3instinto e, 1-2na biologia, 1, 2-3, 4-5, 6-7na física, 1-2progressão da, 1-2projeto deselegante na, 1, 2visão espiritual da, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9-10, 11,

12, 13, 14-15, 16-17evolução, teoria da, 1-2aceitação da, 1, 2, 3, 4

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adaptação na, 1aplicação da, 1-2e a sobrevivência do mais apto, 1, 2-3limitações da, 1-2oposição à, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8-9precursores da, 1, 2revisões da, 1-2, 3-4ver também seleção natural

Êxodo, 1experiências místicas, 1

Fabre, Jean-Henri, 1Faraday, Michael, 1, 2, 3fé:

visão científica da, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10visão espiritual da, 1-2ver também Deus

Feynman, Richard, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8, 9física, 1

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colapso da função ondulatória na, 1, 2e fé, 1-2evolução na, 1-2fronteiras da, 1-2, 3leis da, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8-9, 10medição do tempo na, 1-2mente e, 1-2mistérios na, 1modelos mentais na, 1-2, 3-4modelo-padrão na, 1-2newtoninana, 1-2, 3, 4-5partículas, 1, 2-3realidade na, 1-2, 3vida na, 1-2ver também cosmo, cosmologia; relatividade

geral; teoria quântica; ciência físicanewtoniana, 1-2, 3

fMRI (mapeamento funcional por ressonânciamagnética), 1, 2

formigas, 1

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fósforo, 1fótons, 1Franklin, Rosalind, 1Freud, Sigmund, 1

Galilei, Galileu, 1, 2Galvani, Luigi, 1Gamow, George, 1Gazzaniga, Michael, 1Gell-Mann, Murray, 1, 2gêmeos, 1, 2gene egoísta, 1-2, 3-4, 5Gênesis, 1, 2, 3, 4genética, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10

e altruísmo, 1-2, 3-4, 5-6e comportamento animal, 1-2e determinismo, 1, 2-3, 4e evolução, 1-2efeitos ambientais sobre a, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8

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e comportamento humano, 1, 2-3, 4-5visão espiritualista da, 1-2ver também DNA

genoma humano, 1-2, 3, 4, 5-6geração espontânea, 1, 2, 3Gilbert, Daniel, 1Gödel, Kurt, 1, 2, 3Gould, Stephen Jay, 1Grande Colisor de Hádrons, 1-2Grande projeto, O (Hawking e Mlodinow), 1, 2-3gravidade, 1, 2, 3

lei da, 1-2, 3Greene, Joshua, 1-2gregos antigos, 1, 2, 3-4guerra, 1-2Guth, Alan, 1, 2

hadrons, 1-2Hamlet, 1, 2, 3

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Harris, Sidney, 1Hawking, Stephen, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7Heider, Fritz, 1Heisenberg, Werner, 1, 2Helmont, Jan Baptist van, 1hemoglobina, 1hereditariedade, 1, 2, 3-4, 5hipotálamo, 1hipótese espiritual, 1-2histórias da criação, 1, 2, 3, 4-5, 6

bases espirituais para, 1, 2-3, 4ver também big bang

Hitler, Adolf, 1Hofstadter, Douglas, 1Holocausto, 1, 2, 3homeostase, 1, 2hominídeos, 1, 2-3, 4Homo erectus, 1, 2-3Homo habilis, 1

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Hubble, Edwin, 1humanidade, 1, 2-3

e ciência, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10, 11-12, 13, 14-15

evidência física da, 1, 2imprevisibilidade da, 1-2, 3-4, 5-6ordem social da, 1-2, 3visão científica da, 1-2, 3-4, 5-6visão espiritual da, 1-2ver também cérebro humano; mente humana

Hume, David, 1-2, 3Huxley, T.H., 1

IBM, 1Igreja católica, 1ilusões de ótica, 1-2, 3-4Incoherence of the Philosophers, The (Al-Ghazali), 1inteligência, 1, 2-3inteligência artificial, 1, 2-3

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medidas de, 1-2significado e, 1-2, 3, 4-5

Isha Upanixade, 1Isherwood, Christopher, 1, 2

James, William, 1, 2-3, 4Jeans, James, 1Jeopardy, 1, 2Jesus Cristo, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7Jung, Carl Gustav, 1

Kaminski, Juliane, 1Kant, Immanuel, 1Kasparov, Garry, 1, 2Kaufmann, Walter, 1Kekulé, Friedrich August, 1Kepler, Johannes, 1Kirchhoff, Gustav, 1Koch, Christof, 1, 2, 3, 4

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Krishna, 1, 2, 3Krishnamurti, J., 1

Lamarck, Jean-Baptiste, 1, 2Lao-tsé, 1Laplace, Pierre-Simon, 1Led Zeppelin, 1-2Lemaître, Georges, 1linguagem, 1-2, 3livre-arbítrio, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11-12Lloyd, Seth, 1-2Loewi, Otto, 1Lucy, 1, 2-3luz, curvatura da, 1

manifestação, 1máquina de Turing, 1Marshall, Barry, 1matemática, 1, 2

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e cérebro humano, 1e fé, 1e observação, 1importância da, 1-2, 3, 4incorporação das leis da física à, 1limitações da, 1, 2, 3-4probabilidade na, 1-2sistemas lógicos na, 1-2, 3-4suposições não provadas na, 1, 2-3

materialismo, 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12-13, 14,15, 16, 17-18, 19, 20, 21, 22-23

Maxwell, James Clerk, 1McCullers, Carson, 1Médicos Sem Fronteiras, 1meditação, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9-10medo, 1-2meio ambiente:

e genética, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8e seleção natural, 1-2, 3

membros-fantasma, 1-2

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memória, 1-2, 3, 4-5Mendel, Gregor, 1mente humana, 1-2

compreensão científica da, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8-9, 10-11, 12, 13-14, 15, 16, 17-18, 19-20, 21

evolução da, 1-2, 3-4fé na, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8ilusão de controle na, 1-2observação na, 1, 2-3, 4percepção na, 1-2, 3-4realismo ingênuo na, 1teorias históricas sobre, 1-2visão espiritual da, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11,

12-13, 14-15, 16-17, 18-19, 20-21, 22-23, 24-25

ver também comportamento humano;cérebro humano; consciência humana;

emoção; inteligência; sensação;pensamento

mercúrio, 1

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metabolismo, 1, 2-3método científico, 1-2, 3, 4, 5-6, 7, 8-9, 10, 11, 12-13,

14Miescher, Friedrich, 1-2Miller, William, 1, 2Mindsight (Siegel), 1, 2Minsky, Marvin, 1Mlodinow, Nicolai, 1Mlodinow, Olivia, 1moléculas, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9monges budistas, 1, 2, 3moralidade, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7-8morte, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8moscas-das-frutas, 1, 2movimento browniano, 1

Namath, Joe, 1neandertalenses, 1, 2Needham, John, 1

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nematódeos, 1-2neurociência, 1, 2-3, 4

avanços tecnológicos na, 1experimentos com a consciência na, 1percepção de tempo na, 1visão materialista na, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7-8, 9, 10-

11, 12, 13-14, 15-16ver também cérebro humano

neurônios, 1-2, 3Newton, Isaac, 1, 2, 3, 4Nietzsche, Friedrich, 1nucleotídeos, 1

O que é a vida? (Schrödinger), 1Origem das espécies, A (Darwin), 1Ornish, Dean, 1ovelhas, comportamento maternal das, 1oxitocina, 1-2, 3-4

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pacientes com o cérebro secionado, 1-2Paley, William, 1paramécios, 1Pártons, 1-2, 3Pascal, Blaise, 1Pasteur, Louis, 1Pauling, Linus, 1-2pecado, 1peixe-palhaço, 1, 2, 3Penfield, Wilder, 1Penrose, Roger, 1, 2, 3, 4, 5pensamento, 1, 2-3, 4

base neurológica do, 1, 2, 3, 4-5, 6-7visão espiritual do, 1-2, 3-4, 5, 6

percepção:do tempo, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9humana, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11, 12, 13-14,

15-16qualia de, 1

pesquisa Gallup (Instituto), 1, 2

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pinguins, 1-2Platão, 1, 2, 3, 4, 5Plutão, 1pontos de vista (visões de mundo):

científicos, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9-10conflitos entre, 1-2, 3-4espiritualistas, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8

primatas, 1, 2-3, 4-5projeto inteligente, 1-2, 3, 4propriedades emergentes, 1proteínas, 1, 2, 3, 4, 5prótons, 1, 2-3pseudogenes, 1psicologia, 1, 2-3, 4psicopatas, 1-2psicoterapia, 1

quarks, 1-2

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Ramachandran, Vilayanur, 1

ratos aguti, 1-2rato-toupeira pelado, 1realidade, 1, 2-3

na física, 1-2, 3visão científica da, 1-2visão espiritual da, 1-2, 3ver também consciência; teoria quântica;

UniversoRedi, Francesco, 1-2reducionismo, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7regularidade, 1-2, 3-4relatividade, 1-2, 3, 4 ver também relatividade geralrelatividade geral, 1-2, 3, 4religião, 1, 2-3, 4

choque com a ciência, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10-11, 12, 13, 14, 15, 16-17

abandono da, 1, 2-3, 4fracassos da, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10, 11

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Relojoeiro cego, O (Dawkins), 1Repo Man, 1reprodução espontânea, 1resposta a estímulo, 1, 2-3ritmo circadiano, 1rochas, 1Rogers, Carl, 1romanos (antigos), visão de mundo dos, 1Ruelle, David, 1Rumi, 1, 2Russell, Bertrand, 1, 2

Samadhi, 1, 2Schrödinger, Erwin, 1, 2, 3, 4Seckel, Al, 1-2seleção natural, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8-9, 10, 11-12seleção por parentesco, 1sensação, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8seres humanos:

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evolução cultural dos, 1-2evolução espiritual dos, 1, 2-3, 4-5, 6genoma dos, 1-2, 3, 4, 5-6irracionalidade nos, 1ordem física nos, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7relógios internos nos, 1-2ver também cérebro humano; consciência

humana; DNA; mente humanasessões, 1Shermer, Michael, 1-2Siegel, Daniel, 1, 2, 3, 4Simmel, Marianne, 1sincronia, 1Sistema Internacional de Unidades, 1-2Sócrates, 1Sol, 1, 2, 3, 4, 5somatofrenia, 1-2sono, 1, 2Spallanzani, Lazzaro, 1Spinoza, Baruch, 1-2

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Stannard, Russell, 1Stumbling on Happiness (Gilbert), 1Sturtevant, Alfred, 1substâncias químicas orgânicas, 1supernovas, 1, 2, 3

Tagore, Rabindranath, 1-2telomerase, 1, 2tempo, 1-2, 3-4teorema da incompletude de Gödel, 1-2, 3teoria computacional da mente, 1-2, 3-4teoria da mente, 1teoria das cordas, 1teoria de tudo, 1-2teoria do big bang, 1-2, 3, 4, 5teoria quântica, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10-11, 12

visão espiritual da, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10,11, 12, 13-14, 15

termodinâmica, segunda lei da, 1, 2

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Terra:composição da, 1, 2, 3, 4-5, 6ecologia da, 1-2entropia na, 1forma da, 1-2, 3-4vida na, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8

teste de Koch-Tononi, 1-2teste de Turing, 1-2, 3Thomson, J.J., 1, 2Thomson, William, 1Thoreau, Henry David, 1Tomás de Aquino, são, 1Tomé, Evangelho de são, 1, 2Tononi, Giulio, 1totalidade, 1, 2, 3, 4-5, 6transcendência, 1-2, 3-4Triângulo de Afar, 1Turing, Alan, 1, 2, 3-4

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Universo, 1, 2-3aleatoriedade no, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9-10, 11-

12, 13-14, 15, 16, 17-18, 19, 20, 21-22, 23Aristóteles, visão de, 1-2autoconsciência no, 1conceitos históricos de, 1, 2-3, 4-5, 6-7entropia no, 1, 2-3, 4epirótico, 1e projeto, 1-2evolução do, 1-2, 3, 4forças no, 1imprevisibilidade do, 1-2, 3limites no, 1-2morte no, 1, 2, 3potencial no, 1-2, 3-4, 5, 6renovação no, 1, 2, 3-4surgimento do, 1-2, 3, 4-5, 6-; ver também big

bang; histórias da criaçãovida do, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8visão científica do, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10-11,

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12-13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23,24-25, 26, 27, 28-29, 30, 31-32, 33, 34-35,36, 37, 38, 39, 40, 41-42, 43-44, 45, 46, 47,48-49

visão espiritual do, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10-11, 12-13, 14-15, 16, 17-18, 19-20, 21, 22-23,24-25, 26-27, 28-29, 30-31, 32, 33, 34-35, 36-37, 38-39, 40, 41-42

ver também consciência universal; cosmo,cosmologia

universos múltiplos, 1, 2

valores platônicos, 1, 2vasopressina, 1Velho Testamento, 1, 2-3verme tubícula, 1vermes, 1-2vespas, 1vida, 1, 2-3

complexidade da, 1-2, 3-4

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critérios científicos para, 1-2, 3-4critérios espirituais para a, 1-2, 3-4definição de, 1-2, 3-4, 5-6definição biológica da, 1-2definição física da, 1-2do Universo, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8na Terra, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7renovação da, 1, 2-3surgimento da, 1-2, 3-4, 5, 6visão científica da, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9-10, 11-

12, 13-14visão espiritual da, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10, 11-

12visões históricas da, 1-2, 3-4ver também DNA; evolução, teoria da;

humanidadevírus, 1vírus de computador, 1-2visão às cegas, 1vitalismo, 1

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Wadhwa, Pathik, 1Walden (Thoreau), 1-2Warren, Robin, 1Watson (computador que jogava Jeopardy), 1Watson, James, 1, 2, 3Weinberg, Steven, 1, 2, 3Wheeler, John, 1Wilberforce, Samuel, 1

xadrez, 1, 2-3, 4-5

Yoga Vasistha, 1

Zoroastro, 1Zweig, George, 1, 2