PENTAGRAMA · sua doutrina, apesar de todos os esfor-ços extremamente minuciosos para apagar da...

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PENTAGRAMA LECTORIUM ROSICRUCIANUM Outubro 1999 - ano vinte e um nº 5 Revista bimestral do MANI, UM MENSAGEIRO QUE ABALOU O MUNDO “CONTINUO FIRME DIANTE DA PORTA DA VERDADEUMA VISÃO REVOLUCIONÁRIA DO MUNDO E DA HUMANIDADE DA ILUMINAÇÃO À PROFECIA A SABEDORIA É MAIS IMPORTANTE NA LÍNGUA QUE NO CORAÇÃO A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA DE MANI O CAMINHO QUÍNTUPLO DA LIBERTAÇÃO SEGUNDO MANI TEXTO EXTRAÍDO DOS SALMOS DE MANI A CRIAÇÃO SEGUNDO A COSMOLOGIA DE MANI O RESTABELECIMENTO DO FOGO SERPENTINO “PERMANECE ETERNAMENTE VOLTADO PARA A TUA MISSÃO“VIM PARA FAZER RESSOAR UM GRITO EM TODO O MUNDOENCONTRO DO CAMINHO HORIZONTAL E DO CAMINHO VERTICAL MANUSCRITOS DO TEMPO DE MANI E DE SEUS DISCÍPULOS A SENDA DO MANIQUEÍSMO

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PENTAGRAMAL E C T O R I U M R O S I C R U C I A N U M

O u t u b r o 1 9 9 9 - a n o v i n t e e u m n º 5

R e v i s t a b i m e s t r a l d o

MANI, UM MENSAGEIRO

QUE ABALOU O MUNDO

“CONTINUO FIRME

DIANTE DA PORTA DA

VERDADE”

UMA VISÃO

REVOLUCIONÁRIA DO

MUNDO E DA

HUMANIDADE

DA ILUMINAÇÃO

À PROFECIA

A SABEDORIA É MAIS

IMPORTANTE NA LÍNGUA

QUE NO CORAÇÃO

A CONSTITUIÇÃO DA

IGREJA DE MANI

O CAMINHO

QUÍNTUPLO

DA LIBERTAÇÃO

SEGUNDO MANI

TEXTO EXTRAÍDO DOS

SALMOS DE MANI

A CRIAÇÃO SEGUNDO A

COSMOLOGIA DE MANI

O RESTABELECIMENTO

DO FOGO SERPENTINO

“PERMANECE

ETERNAMENTE VOLTADO

PARA A TUA MISSÃO”

“VIM PARA FAZER

RESSOAR UM GRITO EM

TODO O MUNDO”

ENCONTRO DO

CAMINHO HORIZONTAL E

DO CAMINHO VERTICAL

MANUSCRITOS DO

TEMPO DE MANI E DE

SEUS DISCÍPULOS

A SENDA DO

MANIQUEÍSMO

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ÍNDICE

2 MANI, UM MENSAGEIRO

QUE ABALOU O MUNDO

6 “CONTINUO FIRME DIANTE DA

PORTA DA VERDADE”

8 UMA VISÃO REVOLUCIONÁRIA

DO MUNDO E DA HUMANIDADE

15 A SENDA DO MANIQUEÍSMO

21 DA ILUMINAÇÃO À PROFECIA

24 “VIM PARA FAZER RESSOAR

UM GRITO EM TODO O MUNDO”

29 A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA

DE MANI

30 O CAMINHO QUÍNTUPLO DA

LIBERTAÇÃO SEGUNDO MANI

31 TEXTO EXTRAÍDO DOS

SALMOS DE MANI

32 A CRIAÇÃO SEGUNDO A

COSMOLOGIA DE MANI

33 O RESTABELECIMENTO DO

FOGO SERPENTINO

35 “PERMANECE ETERNAMENTE

VOLTADO PARA A TUA MISSÃO”

38 ENCONTRO DO CAMINHO HORI-ZONTAL E DO CAMINHO VERTICAL

40 MANUSCRITOS DO TEMPO DE

MANI E DE SEUS DISCÍPULOS

43 A SABEDORIA É MAIS

IMPORTANTE NA LÍNGUA QUE

NO CORAÇÃO

1999 ANO VINTE E UM

NÚMERO 5

A revista Pentagrama propõe-se a atrair

a atenção de seus leitores para a nova era

que já se iniciou para o desenvolvimento da

humanidade.

O Pentagrama tem sido, através dos tempos,

o símbolo do homem renascido, do novo

homem. Ele também é o símbolo do universo

e de seu eterno devir, por meio do qual o plano

de Deus se manifesta.

Entretanto, um símbolo somente tem valor

quando se torna realidade. O homem que

realiza o Pentagrama em seu microcosmo,

em seu próprio pequeno mundo, consegue

permanecer no caminho de transfiguração.

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

esta revolução espiritual em seu próprio interior.

© Stichting Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.

PENTAGRAMA

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“Vim do país de Babel, para fazer

ressoar um grito em todo o mundo.”

É assim que um escritor libanês,

Amin Maloouf, fala sobre o chamado

e a mensagem de Mani no livro “Jar-

dins de Luz”*. É este grito que Mani

fez ressoar durante quase sessenta

anos, no decorrer de uma longa

peregrinação através de inúmeros

países; e é a partir das regiões da

Luz que ele lançou seu chamado e

trouxe sua mensagem para toda a

humanidade.

Consagramos esta edição de Pen-tagrama a este homem tão especial e asua doutrina. Ele foi um destes enviadosdo Reino da Luz, como muitos que jávieram e ainda virão enquanto os ho-mens ainda continuarem a rodar emfalso no mundo dos opostos e das tre-vas. Hoje está surgindo um interessecada vez maior por sua pessoa e porsua doutrina, apesar de todos os esfor-ços extremamente minuciosos paraapagar da história os vestígios do cha-mado, dos ensinamentos de Mani e atémesmo de sua existência. Não é de seespantar, pois chegou a hora em que aVerdade universal pode ressurgir dastrevas da impostura e do erro para final-mente falar ao coração de muitos.

Graças às pesquisas de especialistasem religião, hoje Mani é objeto de inú-meros textos. Nestes últimos anos, adescoberta de textos maniqueístas ori-ginais lança um foco de luz diretamentesobre ele, sua Fraternidade, sua Igreja,e sua doutrina. Até bem pouco tempo,apenas possuíamos os textos de seus

adversários e os comentários impiedo-sos que sempre fluíam de suas penas,durante os 1200 anos de duração daIgreja maniqueísta. Mani foi um dosgrandes mensageiros da Luz, da Gno-sis, e ele tem seu lugar ao lado deJesus, de Buda, de Zoroastro e de Her-mes Trismegisto: com a diferença, entre-tanto, que ele redigiu um grande núme-ro de textos, sendo que somente algunsdeles sobreviveram à fúria destruidorade seus adversários. Estes textos teste-munham com grande evidência que suadoutrina era baseada no pensamentognóstico original.

Alguns especialistas o chamam de “oúltimo grande gnóstico de nossa era”,pois ele realmente cria raízes gnósticaspara seus alunos, falando claramentede duas ordens de natureza: o reino daLuz, em que o microcosmo ainda parti-cipa do Espírito e do campo espiritualda natureza divina, e o reino das Trevas,onde uma parte da humanidade originaltornou-se prisioneira: ou seja, onde elacaiu e afundou. Mani também fala sobrea centelha de Luz que está ligada àmatéria, ao ser mortal que vive nomundo material, e conta como ela aca-bou ficando prisioneira neste mundo.Ele também fala de dois princípios:Deus e a matéria; ou a Luz e as Trevas;a Verdade e a mentira. O chamado deMani é claro e profundo: a centelha deLuz deve voltar ao reino da Luz que elaum dia abandonou; e o homem terrestredeve se consagrar a esta tarefa de talmodo que o Homem original renascidopossa retornar ao Reino da Luz.

Naturalmente, a doutrina dualista deMani foi reprovada por muitos. Mas suadoutrina dos dois princípios diz respeitoa uma dualidade diferente da que geral-

MANI, UM MENSAGEIRO QUE ABALOU O MUNDO

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mente é admitida; ela tem um significa-do mais profundo. Tentaremos traçaruma imagem disto. O mundo das forçascontrárias, a natureza dialética, um diafoi separado da natureza divina. Mas,por mais que a natureza dialética nãofaça parte da Fonte original, ela nãopode ter existência sem esta fonte;assim, tornou-se, por assim dizer, umasombra do mundo original da Luz, que éo mundo do Espírito. Da mesma forma,o homem dialético é uma sombra, umaaparência do Homem-Espírito original.

Como todos os enviados, Mani esta-va consciente, desde sua juventude, desua missão particular. Com doze anos,esta missão lhe foi confirmada por umaprofunda revelação interior, que o tor-nou claramente consciente de sua tare-fa. Em seguida, ele estudou todas asreligiões e filosofias. Com vinte e quatroanos, aconteceu uma segunda revela-ção por intermédio do “Outro” dentrodele, que ele chama de seu “gêmeo” ou

de seu “companheiro”. Assim, a Alma--Espírito em seu microcosmo foi sendoseu guia no decorrer de sua longa via-gem. A Alma-Espírito e o Espírito-Santoestavam unidos dentro dele. A partirdeste momento, ele ficou consciente deque era um Apóstolo da Luz, um envia-do. A palavra “apostolos” em grego querdizer “enviado” ou “mensageiro”. O A-póstolo da Luz é chamado para transmi-tir aos homens a mensagem de Deus,do Reino da Luz, do Espírito.

Mani, que havia estudado todas asreligiões precedentes, assim como asreligiões de seu tempo, achou que aVerdade somente estava presente emparte nestas religiões. Para ele, atémesmo os evangelhos cristãos não sãoautênticos: as ervas daninhas pululamdentro deles. Ele também rejeita oAntigo Testamento porque, como diz,mistura erros e enganos ao puro cristia-nismo original e à mensagem de Jesus.Ele tinha a missão de restaurar a luz

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Mani instruindoseus discípulos.

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sobre o que restava da Verdade univer-sal nas grandes religiões, e daí arrancaras ervas daninhas: ele acreditava queuma nova era estava começando, eentão o Chamado deveria ressoar denovo, livre de qualquer desvio.

O chamado, a doutrina de Mani, as-sim como sua pessoa, abalaram omundo.

Seus pais provinham de uma famíliade príncipes: ele era filho de um rei. Masele se sobressai principalmente comoum portador de Luz, reunindo em sitodas as faculdades, tanto humanascomo divinas. Era um enviado da Luz,grande mestre da Gnosis; e, ao mesmotempo, era cirurgião, médico sob todosos aspectos, artista, pintor, escritor detalento. Resumindo: ele foi um homemque possuía dons incrivelmente diversi-ficados, que teve inúmeros amigos ediscípulos, mas que, por outro lado, foiferido por uma hostilidade impiedosa,pois seu chamado e sua doutrina ques-tionavam as doutrinas aberrantes deseu tempo. Aqueles que queriam resta-belecer e conservar as antigas religiões,que se tornaram caducas, para mantero poder sobre os homens, voltaram-secontra ele. Com força – pois era um ora-dor de talento dotado de um grandecarisma – ele proclamava que eles ape-nas estavam vendo a Verdade de formaalterada e incompleta nas religiões exis-tentes, pois ela havia perdido sua pure-za; e que, afinal, uma meia-verdade nãopassa de uma mentira. É por isso queera preciso re-ligar a humanidade à Ver-dade completa e pura.

Dizem que sua doutrina é um conjun-to de elementos tomados de outras dou-trinas. Não poderiam dizer melhor: ele re-colheu os fragmentos da Verdade exis-

tentes para colocá-los em plena luz.Também o reprovam por ter baseado se-us ensinamentos em revelações interio-res e pessoais. Mas não é isto o queacontece, tanto hoje como sempre, comtodos os mensageiros e enviados? Nãoestá escrito que tudo o que Jesus ensi-nava vinha de seu Pai? E não foi em umavisão que Hermes Trismegisto entrou emcontato com a Verdade universal?

Mani começava suas cartas à comu-nidade com a fórmula: “Mani, Apóstolode Jesus Cristo”. Ele a havia escolhidoporque se considerava um autênticoapóstolo de Cristo e sobretudo do Es-pírito Santo, do qual Jesus dizia: “Euvos enviarei o Consolador, o Paracleto”.Mani foi o fundador de uma religiãomundial que se espalhou do oceanoAtlântico ao oceano Pacífico e foi segui-da durante mais de mil anos, da Es-panha à China, incluindo o Egito e qua-se todo o mundo árabe.

Até bem pouco tempo, quase nadahavia sido descoberto destes aconteci-mentos tão poderosos, principalmenteporque sempre houve quem se esfor-çasse para fazer com que as pessoasse esquecessem da mensagem de Luze para que ela desaparecesse e fossedestruída. No epílogo de Jardins de Luz,Amin Maalouf resume brilhantementeeste drama:

“De seus livros, objetos de arte e defervor, de sua fé generosa, de suabusca apaixonada, de sua mensagemde harmonia entre os homens, a nature-za e a divindade, nada mais resta. Desua religião de beleza, de sua sutil reli-gião do claro-escuro, guardamos ape-nas estas palavras: “maniqueístas”,“maniqueísmo”, que em nossas bocasse transformaram em insulto, porque

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todos os inquisidores de Roma e daPérsia se uniram para desfigurar, paraapagar Mani. Seria ele tão perigoso quefoi preciso persegui-lo até mesmo emnossa memória?

–– “Vim do país de Babel, dizia ele,para fazer ressoar um grito em todo omundo.”

Durante mil anos, seu grito foi ouvi-do. No Egito era chamado de ‘O apósto-lo de Jesus’; na China, de ‘O Buda deLuz’; sua esperança florescia às mar-gens de três oceanos. Mas logo se ins-talou o ódio, a perseguição. Os prínci-pes deste mundo o amaldiçoaram; paraestes príncipes, ele se transformara no‘demônio mentiroso’, no ‘recipiente re-pleto do mal’ e, com seu humor raivoso,no ‘maníaco’; sua voz, num ‘pérfido en-cantamento’; sua mensagem, na ‘ignó-bil superstição’, na ‘heresia pestilenta’.Depois, os carrascos fizeram seu traba-lho, consumindo-lhe em um mesmofogo tenebroso os escritos, os ícones,os mais perfeitos dos discípulos e aque-las mulheres altaneiras que se recusa-vam a cuspir em seu nome.” *

Caro leitor, acabamos de entrar noano 2000. No decorrer destes últimosdois mil anos muitos mensageiros,assim como seus discípulos, foramexterminados. Mas nenhuma religião foitão perseguida, de forma impiedosa ecruel, como a de Mani. Inúmeros foramos mártires. Para confirmar isto, precisa-mos apenas mergulhar na história daGnosis. Na maior parte do tempo, infe-lizmente não sobraram mais do que amentira e o esquecimento milenar.Queremos colocar Mani em plena luz, aluz da Gnosis, pois chegou a hora emque muitos estarão buscando a Luz

dentro de suas almas, buscando o cami-nho de volta para o Reino da luz: e istovai acabar fazendo com que o Reinodas Trevas mergulhe no abismo.O único e poderoso “grito” ressoará pa-ra sempre!

A redação

* Amin Maalouf, Les Jardins de Lumière, p. 337, J.- C. Lattès, 1991 e edição brasi-leira (Jardins de Luz) pela Record, Rio deJaneiro, 1999, páginas 251 e 252.

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Salmo do Bema,festa da ressur-reição de Manas,o Homem original(Fayum, Egito,1930).

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Segundo a lenda, Mani nasceu na

Pérsia, no dia 14 de abril de 216, em

um local próximo de Selêucida-

Ctésifon, região que, de 2100 a.C.

até 602 d.C., foi o centro de uma

poderosa civilização. Daí veio o ape-

lido árabe de “al-babilyu” , o babilô-

nio, que as pessoas atribuíam a ele,

e seus títulos de “mensageiro do

Deus da Verdade, vindo da Babilô-

nia” e de “médico de Babel”.

Babel significa, ao mesmo tempo “aporta do céu” e “o lugar em que aconte-ceu a confusão das línguas”. Mani insis-tiu no papel central desempenhado pelaPérsia como mediadora entre o Orientee o Ocidente (designação simbólicapara o Céu e a Terra). Quanto ao restan-te, não é fácil descobrir o que há de mís-tico e de histórico a respeito do nasci-mento de Mani. “Sou um discípulo fiel”,diz Mani, “como o desabrochante botãode uma flor do país de Babel. Vim dopaís de Babel e continuo firme diante daPorta da Verdade. Sou um discípulo queveio do país de Babel –– e vou--me embora fazendo pregações. Vim dopaís de Babel para fazer ressoar umChamado no mundo.”

As condições maravilhosas de seunascimento anunciado por sonhos epredições assemelham-se às de Jesus,de Buda e muitos outros grandes instru-tores do mundo. O Compendium chinêsde 731d.C. relata que a mãe de Maniobservava as regras da continência eque ela ficou grávida depois de ter comi-do uma romã, que é o símbolo da uniãoespiritual [símbolo da pineal]. Os chine-

ses o chamavam de “Buda de Luz” e osegípcios de “Apóstolo de Jesus”. Pelolado paterno, ele pertencia a uma famí-lia de príncipes partas; pelo lado mater-no, a uma família próxima dos arsáci-das, que eram soberanos partas queestavam no poder, mas cuja supremacialogo iria sucumbir aos golpes do PersaArdashir. Esta transformação política,que coincidiu com a primeira revelaçãoque Mani recebeu aos doze anos, teveconseqüência importantes, pois a Pér-sia tornou-se novamente a primeiranação do mundo.

Na primeira metade do século III, aPérsia era a grande confluência em quese cotejavam as grandes religiões daépoca e as correntes filosóficas: a gno-sis de Bardesanes, de Marcion, deValentino, o judaísmo, o cristianismognóstico, o budismo, o bramanismo, otaoísmo, as religiões caldaico-babilôni-cas. Sob o império dos últimos arsáci-das, os pensamentos grego e indianohaviam penetrado na mentalidade reli-giosa dos persas, e o mazdeísmo, “areligião da Luz, de Zoroastro”, foi negli-genciada.

Para sustentar seus propósitos, osprimeiros soberanos sassânidas instituí-ram um novo regime teocrático quefavorecia o mazdeísmo como religião doestado, em detrimento do maniqueísmo.Mas foram favoráveis a ele durantemuito tempo, em razão de seu caráteruniversal e tolerante, e porque os per-sas o consideravam como uma forma dezoroastrismo e não como uma nova reli-gião.

Quando Mani fez quatro anos, seupai o tirou da guarda da mãe e o trouxepara perto de si, entre os elcassaítasque formavam uma comunidade religio-

“CONTINUO FIRME DIANTE DA PORTA DA VERDADE”

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sa à qual ele pertencia. Seus membroseram fiéis a Cristo, que representava oúltimo desenvolvimento do homemJesus. Eles seguiam as regras estritasde purificação do ritual mosaico.Podemos considerá-los como sendoaparentados, em espírito, aos essênios,entre os quais, segundo algumas tradi-ções, Jesus teria passado algum tempo.De acordo com o “Codex Keulse”, énesta comunidade de “puros” que Maniteria vivido durante vinte e um anos,antes de tomar consciência de que esta-va sendo chamado e de começar suaobra em 240.

Há duas citações no Codex (13 e 18)que dizem que o Espírito Santo revelou--se internamente a ele sob a forma de“Divino Companheiro”, o Anjo at-Taum,que o preparou para estabelecer umanova religião do Espírito, uma Igrejainterior, a serviço da Luz. Nos textosmaniqueístas coptas, este companheiroé chamado de Saís e nos Kephalaia eleé chamado de “O Paracleto Vivo”. Otransfigurista gnóstico Jan van Rijcken-borgh nos diz a respeito deste “Outro”em nós:

“O Companheiro mora em nosso ser,Maravilha do Jardim das Rosas.Sua voz fala sobre a única Vida,E canta Os louvores do Nirvana em nós.”

“O sublime espelho de mim-mesmo”

Estas “visões” que Mani teve aos 12 eaos 24 anos foram decisivas para sua“iluminação”. Assim, ele tornou-se um

“salvador”, como Buda (termo que signi-fica “o iluminado”, “o ressuscitado”, ou“o desperto”) e Jesus (que no hebraico“Iehoshuo” significa “Jeová salvador”).

”Quando meu corpo atingiu seudesenvolvimento, de repente, de impro-viso, desceu e surgiu diante de mimeste espelho de mim-mesmo, tão belo etão sublime. Quando fiz 24 anos, no anoem que Ardashir, o rei da Pérsia, sub-meteu a cidade de Atra, onde o reiShapur, seu filho, foi coroado com ogrande diadema, no mês de Farmutí, ooitavo dia da lua, o Senhor bem-aventu-rado envolveu-me em piedade e mechamou para a sua graça, e enviou-medo alto meu Gêmeo [...] Quando eleveio, ele me libertou, me apartou e meretirou do meio desta Lei na qual euhavia crescido. É assim que ele me cha-mou, me escolheu e me separou domeio destas pessoas”.*

Mani, apóstolo de Jesus Cristo(ilustração síria).

* Tardieu M., Le Manichéisme (O Maniqueísmo).

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Os ensinamentos de Jacob Boehme

(1575-1624) mostram uma grande

semelhança com a doutrina gnósti-

ca de Mani. Muitos “amantes da sa-

bedoria” e teólogos de sua época e

dos séculos que se seguiram foram

profundamente influenciados por

suas idéias.

Boehme escreveu em seu livro A assi-natura das coisas, as seguintes pala-vras, que Mani poderia ter dito: “ Ohomem é criado por Deus a sua ima-gem e a sua semelhança. Quaisquerque sejam suas atividades, a mais útil éde sempre meditar sobre sua condiçãoe perguntar-se o que ele é e de ondevêm o bem e o mal. É com estes pensa-mentos que ele encontrará a cura paraseu corpo e para sua alma e que eleaprenderá a operá-la; ele saberá comodeve se preparar para que seu corpo esua alma se abram ao trabalho de sal-vação. Ele conhecerá seu criador e osmistérios das sublimes maravilhas deDeus lhe serão revelados.” 2

Como outros gnósticos, Mani desen-volveu sua doutrina sob a forma de ummito que ele escreveu e pintou em seulivro Esboço dos dois princípios, quehoje está desaparecido.

O mito de Mani conta simbolicamen-te a história do universo e do homem.Sua visão destas duas histórias é gran-diosa, fantástica e muito pura, mas difí-cil de ser aceita por um materialista oupor um intelectual, a menos que estessejam atraídos pelos segredos da vida eestejam buscando o que se oculta pordetrás dela ou dentro dela.

Mani propõe sua doutrina represen-

UMA VISÃO REVOLUCIONÁRIA DO MUNDO E

DA HUMANIDADE

“O homem somente deve acreditar naquilo que vê com seus próprios olhos”. (Mani)1

UMA DOUTRINA QUE PARTEDA ÚNICA REALIDADE

A filosofia fala de dualismo e de monismo, ou da combinaçãodos dois. O dualismo parte da idéiade que há duas idéias opostas, por exemplo espírito e matéria,bem e mal, enquanto que o monismo vê o espírito e a matériacomo dois estados do mesmo prin-cípio. As combinações destes doisprincípios são o dualmonismo e omonismo. O dualmonismo expressaa idéia de que, se uma doutrinaespiritual se manifesta como dua-lista, o monismo nela está implícito. Por outro lado, quando uma doutrina parte de um princípio monista, ela é implicitamente dualista: portanto, é monodualista. Uma doutrina queexcluísse um dos dois termos nãopoderia dizer que é espiritual. Adoutrina gnóstica parte daRealidade em última instância, esta realidade adquirida pela supe-ração do estado de consciência dividida, lançando uma ponte sobre a separação entre espírito e matéria. Os doisprincípios estão unidos sem que a dualidade se perca nesta unida-de, como nos confirma o testemu-nho de Mani, de Buda, de Sohravardi, de Jacob Boehme e de Jan van Rijckenborgh.

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tando-a por imagens. A essência da“doutrina dos dois princípios e dos trêstempos” de Mani é resumida pelaseguinte fórmula, extraída do Compen-dium chinês, texto encontrado em 1911,no Turquestão oriental e que expõe àatenção do pesquisador da verdade asregras fundamentais para entrar na reli-gião: De início, é preciso distinguir osdois princípios. Quem pede para entrarpara a religião deve saber que o princí-pio da Luz e o princípio das Trevas têm,cada um deles, naturezas separadas;se ele não discernir isto, como poderáaperfeiçoar-se? Em seguida, é precisoentender os três momentos que são: omomento anterior, o momento médio eo momento posterior.” 3

Assim estão expostos, sem rodeios,os conceitos principais da concepçãomaniqueísta do mundo. É preciso, pri-meiro, fazer um esforço para pensar nouniverso antes do surgimento do espa-ço e do tempo. Antes que a criatura pu-desse ser formada, existiam dois princí-

pios separados que eram eternos einconciliáveis: a Luz e as Trevas, o Espí-rito e a Matéria.

Na doutrina não-dualista do livrosagrado Bhagavad-Gita, encontramosuma fórmula parecida: “Sabe que tantoPurusha (o Espírito Universal) comoPakriti (a Natureza) não têm origem esão eternos.”

O mistério das profundezas e das alturas

Mani relata suas experiências interio-res da seguinte forma: “Nos anos emque Ardashir reinava na Pérsia, fui cres-cendo e atingindo a maturidade. No pró-prio ano em que Ardashir [morreu], oParacleto vivo desceu sobre mim, e mefalou. Ele me revelou o mistério oculto,que estava escondido nos mundos enas gerações: o mistério das Profun-dezas e das Alturas. Ele me revelou o

Zoroastro em seu local de trabalho (miniatu-ra flamenga doséculo XV).

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dezas e das Alturas. Ele me revelou omistério da Luz e das Trevas, o mistériodo conflito e da grande guerra que asTrevas haviam provocado. Ele me reve-lou como a Luz venceu as Trevas jun-tando-se a elas e como este mundo foiestabelecido [...] Ele me esclareceu arespeito do mistério da formação deAdão, o primeiro homem. Ele me ins-truiu sobre o mistério da árvore doconhecimento, da qual Adão se alimen-tou e por meio da qual seus olhos pude-ram ver; o mistério dos Apóstolos queforam enviados ao mundo para estabe-lecer as Igrejas [...] Assim me foi revela-do, pelo Paracleto, tudo o que foi e tudoo que será, e tudo o que o olho vê etudo o que os ouvidos ouvem e o pen-samento pensa. Por meio dele aprendi aconhecer todas as coisas; vi o Todoatravés dele, e tornei-me um só corpo eum só espirito.” 4

Graças a trabalhos recentes, a ciên-cia e a mitologia já não nos parecem tãoopostas uma à outra. Parece que asdescobertas científicas corroboram cer-tos mitos, apesar de sabermos que otempo sem dúvida foi “podando” estashistórias de um passado imemorial.

Para Mani, o surgimento do cosmo esua organização a partir do caos são aconseqüência da mistura dos dois prin-cípios que, em sua origem, estavamseparados: o Espírito e a matéria, a Luze as Trevas. A ordem, a desordem e aorganização são inseparáveis na visãomaniqueísta: nosso universo físico seriaao mesmo tempo mecanicamente per-feito, determinado, justificado, racional;e também incoerente, demente, irracio-nal, portador de destruição e de morte.Nosso destino depende da aceitação eda resolução desta contradição lógica: ohomem deve escolher entre a vida e amorte. Entre a vida do Espírito e a morteda matéria, e a consciência que resultadesta decisão.

O inverso da teologia tradicional

Segundo Mani, o mundo é o produtode um acidente, de uma queda. A partirdesta maneira de ver o mundo, ele seopõe às doutrinas religiosas e teológi-cas tradicionais, que vêem a criaçãocomo um produto perfeito do criador, eassim não explicam a origem do mal. Asteorias evolucionistas também são,acima de tudo, monistas. Elas se voltampara a ciência (darwinismo ou neo-dar-winismo), filosofia e política, mística eprofecia. Aqui, a criação e seu desenvol-vimento são a evolução do Uno, do na-da rumo ao Espírito, que um dia irátransformar o Mal em Bem.

Na doutrina de Mani não pode havertransformação ou mudança, mas unicamen-te um retorno à situação original, quando osdois princípios estavam separados. Nestesentido, não se trata de um retorno à Uni-

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“A ALMA NÃO EVOLUI:ELA É!”

A alma guarda sua essência pró-pria, em todas as circunstâncias.No que diz respeito a essa essên-cia ela é imutável, porém ela possui um poder muito forte,radiante. A alma, portanto, nãovem a ser, ela é, pois existe antesmesmo que as forças entrem ematividade. Quando ela se move,por exemplo, então não ocorre aíalgo como um desenvolvimento oucrescimento; não, ela “é”. Ela “é”, diz Hermes, antes de qualqueroutra criação. Quando, em seu conjunto, vemos a alma, apersonalidade e o corpo como ohomem oculto, então a alma já éaí uma faculdade divina perfeita.A alma já vive internamente na perfeição. É por isso que dizemos: ela “é”!

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dade, percebido como a fusão de dois prin-cípios antagônicos, tal como aparecem namaioria das doutrinas religiosas e místicas.No momento em que cada entidade voltar àorigem, estes princípios antagônicos serãoneutralizados, pois já cumpriram sua tarefa.

A Igreja oficial e certos místicos cris-tãos condenavam a visão que Manitinha do mundo e a achavam escanda-losa. Agora que muitos textos perdidosforam descobertos e estudados comprofundidade, podemos dizer que Maniestava muito adiante de seu tempo, queseu pensamento e sua vida eram pro-fundamente gnósticos e que ele semprese dedicou a mostrar que a aventurainterior, espiritual, não é compatível comuma simples filosofia.

Uma doutrina que coloca a salvaçãodo homem ou do mundo em um futuropróximo ou longínquo e não no presen-te é “messiânica”: a salvação dependede um retorno do salvador. Ao contrário,a doutrina gnóstica coloca a salvaçãodo homem e da humanidade no presen-te. O gnóstico sabe que ele deve liber-tar-se das influências do mundo antesde começar o caminho da transfigura-ção. “Para melhorar o mundo, comecepor você mesmo”, diz um velho ditado.Os adeptos do messianismo querem ocontrário: primeiro, querem melhorar omundo e esperam que haverá umagrande mudança a partir disto; para a-tingir esta finalidade, eles justificam to-dos os meios.

A história da humanidade mostra queestas duas tendências opostas sempreestiveram presentes em todas as épo-

cas, particularmente nos períodos degrandes transformações cósmicas eintercósmicas, como acontece hoje como início da Era de Aquário que varretodos os valores antigos. A humanidadeinteira está sendo tocada por estas duascorrentes. De um lado, o chamado diz:“Não deixem para depois! Hora est!” e,

O texto gnóstico da Pistis Sophiaencontra-se no British Museum,em Londres (cat. MS. Add 5114)).Ele compreende 178 folhas depergaminho que formam 356 páginas de 22 X 16 cm. O textoaparece entre duas colunas esomente faltam 8 páginas ao todo.Ele é composto de quatro partes,sendo que 34 páginas contêm oEvangelho da Pistis Sophia.Sem nenhum justificativa, o nome Pistis Sophia foi dado aoconjunto do códex a partir dasnotas de um expert em linguagemcopta. A Pistis Sophia e as trêsoutras partes são conhecidascomo o Códex Askewiano pois foiadquirido em 1785 do legado deum médico londrino, o Dr. Askew.Sua assinatura se encontra na pri-meira página do manuscrito. Esteé escrito em puro saédico, dialetodo Alto Egito. Dois copistas traba-lharam nele. O conteúdo provémaparentemente da escola deValentino (século II d.C.) e apoia-se em textos mais antigos.

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de outro: “ Esperem!” Estes dois impul-sos chegam até o ser humano e neleressoam. A humanidade está sendotocada, e todos devem escolher: ou dei-xar para mais tarde, ou começar já; to-mar um atalho ou escolher o caminhoque leva direto a sua meta.

A Pistis Sophia nos lembra que aGnosis sempre se expressa por meio deduas correntes de força: uma que des-ce, e que é profética, chamada de Pistis(=fé ou inteligência) e outra que sobe,que é iniciática, chamada Sophia(=Sabedoria). Os maniqueus chamamde “correntes do Chamado e da Res-posta”; e os gnóstico muçulmanos shií-tas chamam de “ciclos da Profecia e doImâmat”.

O homem moderno opõe os concei-tos gnósticos de Pistis e Sophia ao evo-lucionismo messiânico. Os fundadoresda Escola Espiritual da Rosacruz Áurea,pelo contrário, alicerçaram sua doutrinasobre antigas revelações gnósticas por-que nelas o ponto crucial é a atividade

pessoal do ser. Esta franco-maçonariapessoal é realmente fundamental paraatingir a fonte original no interior do ser.

Um diálogo incessante dentro decada ser humano

Agora que a humanidade se encontradiante de um desenvolvimento radical-mente novo, chegou a hora da separa-ção definitiva entre as duas correntes,gnóstica e messiânica: exatamente co-mo aconteceu no início da era dePeixes.

Estas duas correntes existem emcada um de nós, mas nunca são ouvi-das, pois seus objetivos são opostos, oque faz com que cada um se coloquediante de uma escolha: seja para viverem conformidade com o plano originalda vida, seja para desviar-se dele. Estasduas correntes traduzem duas concep-ções antinômicas do mundo, do homem,do tempo e, principalmente, entre oEspírito e a Matéria. Uma defende aevolução biológica, ou materialismoespiritual, porque situa o centro dodesenvolvimento na personalidadehumana. Outra, retoma a visão dualistade Mani.

O que as distingue poderia expres-sar-se por esta questão eterna: seráque é preciso separar o Espírito daMatéria, ou unir o Espírito à Matéria?

Os acontecimentos mais recentes naárea da ciência, com o surgimento da

PODEMOS PROVAR A “QUEDA”CIENTIFICAMENTE?

Uma teoria recente do nascimento do universo toma como base os conceitos de matéria e de anti-matéria que semantêm em equilíbro. Quando a matéria e a anti-matéria seencontram, elas se neutralizam.Supõe-se, então, que quando se deu a explosão original, umaparte da matéria desapareceu, oque destruiu o equilíbrio, e que amatéria que permaneceu seguiuentão sua própria evolução, constituindo o universo visível.Assim, curiosamente, a ciência fala de uma espécie de queda,mesmo que não use o termo em sentido bíblico.

A maioria dos dados sobre o mani-queísmo ocidental provém de seus adversários. Para lutarcontra ele, estes adversários fizeram resumos detalhados de sua doutrina e de seus costumes.Um deles foi o pai da igreja deRoma, Agostinho, que foi membrode uma comunidade maniqueístadurante nove anos.

A Luz daRosa--Cruz, semaná-rio de difusãodo esoterismocristão e dasculturas resul-tantes dele,publicação daFraternidadeda Rosa-Cruzholandesa,Ordem dos

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física relativista e quântica, do conceitode complexidade, e da recente teoria docaos confirmam a visão paradoxal denosso universo, submetido a dinâmicascontrárias tal como Mani encarava omundo, e mostra que os conceitos deordem, de desordem e de organizaçãosão inseparáveis. Os conceitos de“acaso” e “desordem” somente surgiramcomo o desenvolvimento de teorias so-bre transferência de energia entre molé-culas, átomos e partículas; em seguida,com o princípio de Heisenberg, queenuncia a impossibilidade de determinarao mesmo tempo a velocidade e a posi-ção de uma partícula, e, finalmente,com a teoria do Big Bang.

À primeira vista, estas duas visões domundo não estão tão afastadas uma daoutra. Suas próprias descobertas obri-gam a ciência moderna a refletir sobreas semelhanças, concorrências e anta-gonismos a respeito dos conceitos deordem e desordem, ou caos. Para Mani,a saída era evidente, pois ele bebia deuma outra fonte.

Mas semelhança não significa identi-dade. Ciência e espiritualidade (que nãodevem ser confundidas com misticismo)aparecem como duas leituras conver-gentes do universo, mas sua essência eseus métodos continuam irremediavel-mente estranhos e irredutíveis como omostram de maneira exemplar as con-versas muito “maniqueístas” de Krish-namurti e do físico D. Bohm, relaciona-dos no livro Le temps aboli.

“Vejo as portas divinas em meu espírito”

O seguinte extrato do livro AuroraNascente, de Jacob Boehme tambémexplica isto: Certamente, caro leitor,compreendo bem o pensamento dosastrólogos [astrônomos]. Aliás, já lialgumas linhas de seus escritos e seimuito bem como eles descrevem asórbitas do sol e das estrelas; não tenho

nenhum desprezo por suas teorias, epenso que para maioria elas são boas ejustificadas. Se, de minha parte, escrevode forma diferente sobre inúmeras coi-sas, isto não se deve a uma vontadedeliberada nem a uma atitude de dúvidaem relação ao que eles afirmam [...]pois, de minha parte, não adquiri minha“ciência” por meio de estudo [...], mascomo vejo as portas divinas em meuespírito e sinto também o impulso ne-cessário para isto, escreverei o que éjusto aos meus olhos e não reconhece-rei sobre isto a autoridade de nenhumhomem.6

Mani ensina que há duas ordensde natureza: o Paraíso da Luz,que se estende ao Norte, a Lestee a Oeste; e o Reino das Trevas,ao Sul. O Paraíso da Luz é condu-zido pelo Pai do Universo.Em uma ilustração, ele está situa-do no centro de Doze Seres deLuz. Em uma outra, ele estárodeado por cinco elementos (oéter, o ar, a luz, a água e o fogo)que estão relacionados com arazão, o espírito, a inteligência, o pensamento e acompreensão. O Reino das Trevascompreende cinco regiões quetambém correspondem a estescinco elementos e aspectos huma-nos. A tarefa do homem é auxiliar os deuses a fazer a separação entre a Luz e as Trevas– a separação ente o Bem e oMal. Para sustentar o homemnesta tarefa, este recebe o “Nous”(espírito superior), que lhe comu-nica o conhecimento de sua Pátria original. O “ Nous” lhe fazver que ele está submetido às for-ças das trevas. Se ele despertardo sono do esquecimento, terá o poder de auxiliar todas as almas– todos os raios de Luz – a se libertarem da matéria.

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A doutrina de Mani, assim como a deJacob Boehme, que pode ser compara-da à dele, era em verdade uma revela-ção. Ora, o que é revelado não pode serencontrado pelo pensamento racional,por mais racional que seja, porque a re-velação deve ser compreendida aquicomo uma visão súbita e interior, ina-cessível à razão humana. Em termosmodernos, falamos aqui de “visão pene-trante” como as visões que alguns eru-ditos do passado tiveram, de modo par-cial, ou muitos dos gigantes espirituais,que as tiveram em sua totalidade.

Tanto ontem como hoje, esta revela-ção é recebida no momento em que aalma liberta religa-se ao Espírito divino.Em um momento como este, há uma“iluminação interior”. Os maniqueus e osgnósticos cristão chamavam esta efu-são do Espírito na alma de “Cristo” oude “Paracleto”. Enquanto esta experiên-cia interior não for vivida, o cientista ouo pesquisador espiritual terá dificulda-des em aprofundar-se no verdadeiroconteúdo dos textos de Mani e de JacobBoehme.

É claro que, nesta busca do verdadei-ro sentido da mensagem de Mani, opensamento especulativo ou a interpre-tação simbólica não são suficientes.“Deus nos revelou isto por meio de seuEspírito; pois o Espírito tudo sonda, atémesmo as profundezas divinas” (Pri-meira Epístola de Paulo aos Coríntios,2:10)

E Mani escreve: “O homem somentedeve acreditar naquilo que vê com seuspróprios olhos”.

1 Khephalaia 142, citada por H. C. Puech, O Maniqueísmo, no livro História das Reli-giões, tomo 2, edições La Pléiade, p. 5562 Jacob Boehme, Da assinatura das coisas,tradução francesa P. Deghaye, Grasset, p. 37.3 Nahal Tajadod, Mani, o Buda de Luz, edi-ções Cerf, p. 63.4 Kephalaia 1.5 Jan van Rijckenborgh, ArquignosisEgípcia, tomo 4, capítulo XXVIII.6 Jacob Boehme, A Aurora Nascente, citadopor G. Wehr em Jacob Boehme, ediçõesAlbin Michel, p. 54, edição brasileira pelaEditora Paulus, 1998.

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Com a morte de Mani começa um

dos períodos mais obscuros da his-

tória da Pérsia, que vive a instituição

do zoroastrismo como religião de

estado, a fusão entre o poder religio-

so e o temporal e a instituição de

uma ordem totalitária, baseada na

intolerância e na violência. É o final

de um mundo em que a convivência

entre as crenças era possível,

sendo que, desde a sua origem, a

religião de Zoroastro sempre havia

tolerado em seu país tanto os cultos

assírio-babilônicos como os cal-

deus, judeus, egípcios, hindus, e

também a religião grega.

Esta época trágica mostra o que sepa-ra radicalmente um sistema fechado,rígido e sectário de uma doutrina queengloba todas as crenças, que é toleran-te e totalmente não-violenta, como adoutrina de Mani. Sua religião de Luzoferecia a seus adeptos tanto mais liber-dade e espaço interior quanto mais elase afastava radicalmente de toda e qual-quer luta pelo poder religioso, político eeconômico. Esta é uma luta sempreatual quando um grupo atinge os limitesde suas possibilidades espirituais. A esterespeito, a história humana deve serencarada não como uma linha, mascomo um ciclo. Um povo surge, brilha edesaparece. O homem nasce, vive emorre. Um sistema elaborado surge, sedesenvolve, e depois é destruído, comovimos claramente há dez anos com ademolição do muro de Berlim, que era osímbolo de uma certa ideologia.

Esta luta acontece dentro de cada umde nós. Em nossa época, enquanto ahumanidade inteira se encontra dianteda necessidade de seu desenvolvimen-to espiritual, a luta vai-se agravando emtodas as frentes. Os cristãos esperam oretorno de Cristo; os judeus, a chegadado Messias; os budistas, a de Maitreya,e os hindus, a de Krishna: a esperançade um salvador, alimentada e cultivadapor todas as tradições religiosas domundo. Os muçulmanos sunitas espe-ram por Jesus ou Mahdi; os shiítas, porQa’im al qiyamat, o Imam da Ressur-reição. Cada religião ou corrente religio-sa tem uma imagem ideal à qual seusadeptos esperam identificar-se um dia.

Existe uma alternativa?

Agora que a humanidade inteira seencontra aprisionada na luta entre a Luze as Trevas, uma pergunta se impõe:como escapar a um novo tipo de totalita-rismo religioso e místico? Existe umaalternativa? Sim, se escolhermos por ba-se o que foi colocado em cada coraçãohumano pelo Criador: a Gnosis viva, queesclarece e ilumina não somente o men-tal mas que também conduz o homem aocaminho de sua transfiguração em umser que renunciou a toda e qualquer lutapelo poder.

É preciso estudar este assunto maisprofundamente, como Mani e seus discí-pulos o fizeram, pois uma compreensãoexata e uma orientação correta na dire-triz que ela implica pode romper o trági-co círculo vicioso que segue a históriada humanidade, e pode prevenir, assim,uma infinidade de sofrimentos.

A SENDA DO MANIQUEÍSMO

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“Que a religião da Luz circule!”

O “sacrifício de Mani”, o imenso “acon-tecimento no céu”, segundo a terminolo-gia dos gnósticos shiítas, não deveria serem vão. No decorrer do quarto século, omaniqueísmo deveria conhecer sua maisforte expansão, espalhando-se peloEgito, pela Tunísia, pela Argélia e até aHungria. Em direção ao Oriente, napenínsula arábica, no Turquestão orientale até às fronteiras da China e ao longoda fabulosa “rota da seda”, que aindaexiste, e que era uma poderosa via decirculação de pensamentos e de idéias.Mani dizia: “Que a religião da Luz circulecomo uma mercadoria de paz e de tran-qüilidade!”. À imagem de seu mestre, osmissionários maniqueus desejavam ar-dentemente espalhar a “religião da Luz”absolutamente sem luta. Suas palavras eseus atos tocavam as populações e portoda a parte as autoridades eram favorá-veis a eles: assim eles foram estabele-cendo suas comunidades.

Foi assim que, no século VIII os ma-niqueus chegaram ao país dos uiguros,um povo turco que dominou a Mongóliade 744 a 840. Os uiguros converteram-se à “religião da Luz” e o maniqueísmotornou-se durante oitenta anos a religiãode Estado deste povo.

O maniqueísmo (assim como outrosmovimentos gnósticos como o dos bogomi-los e dos cátaros) teve uma influência mar-cante sobre a cultura da época, dandoforma a uma autêntica “civilização gnósti-ca” que levou ao mais alto grau os valoressociais, morais e espirituais que se encon-tram tanto no budismo como no cristianis-mo ou no zoroastrismo originais.

Mas, por volta de 840, cem mil guerrei-ros quirguizes se abateram sobre a capitaldo estado dos uiguros. Os maniqueus fugi-ram para o Sul e tomaram a rota da seda,principalmente a cidade de Turfan. No iní-cio de nosso século, diversas missõescientíficas russas e alemãs encontraramprincipalmente vestígios arqueológicos deum mosteiro maniqueu, assim comoesplêndidos afrescos e manuscritos.Sob oimpulso das comunidades maniquéiasreagrupadas em torno de mosteiros e tem-plos, reconstituiu-se uma civilização nobree refinada que, depois das invasões ára-bes, integrou-se à cultura do Islã e da qualainda hoje encontramos vestígios na arqui-tetura, na escrita, na pintura, na música, namedicina e nos contos.

Também devemos aos missionáriosmaniqueus a lenda de Buda como ficouconhecida no Ocidente a partir do sécu-lo XIII, sob o nome de Conto de Josa-phat e Barlaam, e provavelmente o mitodo Graal. Se lembrarmos que o nomede Mani significa “vaso” ou “pedra”, es-tes dois sentidos nos ligam diretamenteao símbolo do Graal.

Parsifal, o “Persa louco”, o “Louco Perfeito”

A lenda do Graal, por intermédio deParsiwalnameh, de origem persa, che-

Ilustração tirada deParsivalnama,texto maniqueudo século XIII.

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gou à Europa no início o século XIII sobo nome de Parsifal de Wolfram vonEschenbach. Já G. de Sède, falandosobre Mani em seu livro O segredo dosCátaros, diz que “seus adversários liga-vam [...] seu nome à palavra grega“mania”, que significa “loucura” e fazemdele um “Parsi fol” (em francês = um“parsi” louco).

Este jogo de palavras não é inocentee lembra que os adeptos de Zoroastro, ofundador da religião da Pérsia antiga,chamavam-se uns aos outros de “par-sis”, ou seja, “os puros”, como os cáta-ros”, e deram seu nome à Pérsia.

Na narrativa do Graal, Perceval ouPerlesvaux, Parzival ou Parsifal, é cha-mado de “Louco Perfeito” por causa dapureza de suas intenções e de seudesejo, que ele impulsiona ao longo detoda a sua vida, de buscar o Absolutorepresentado pelo Graal.

Os trabalhos do professor austríacoF. von Sutschek estabeleceram a possi-bilidade de uma origem indo-iraniana domito do Graal cujos vestígios estão,segundo ele, evidentes em Parsifal. Alenda foi transmitida a W. von Eschen-bach por um trovador provençal que sechamava Kyot, e pensava-se que elemesmo teria descoberto essa lenda emToledo, em um manuscrito árabe desco-

ANULAR SISTEMATICAMENTE ANOVA DOUTRINA

Há algumas dezenas de anos, foi descoberto naHungria um manuscrito que expunha as regrasda fundação da “ fé cristã”. Este manuscrito mos-trava ponto por ponto como deveria ser estabelecida a igreja “ cristã”: primeiro, anulandosistematicamente tudo o que era maniqueísta;segundo, propagando a doutrina; e terceiro,suprimindo todo adversário da nova doutrina.É patente que o maniqueísmo na Hungria e ocristianismo original têm as mesmas raízes. Isto,por causa de sua descendência comum (os citase os hunos) e pelo fato de que, sob o reino dospartas, as tradições das comunidades mani-queístas do monte Ural correspondiam às doshunos, e que a arte pictórica desta época utiliza-va símbolos gnósticos. A própria coroa daHungria é constituída por símbolos maniqueus.

Fontes:L’ Inquisition au temps des Arpades, Feher M.Jenö, edições Transilvânia, Buenos Aires, 1956.La cosmologie orientale et les influences mytho-logiques qu’ évoque la couronne de Hongrie,Badiny Jòs Ferenc, Buenos Aires, 1986.L’ Enseignement de Mani, Szokoli, Katalin –Takàes, György, Vonzàskör, Miskolc, 1987.

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nhecido, cujo autor era um “pagão” ex-perimentado em ciências naturais, cha-mado Flégétanis. Além disso, existeuma narrativa persa de origem mani-quéia que foi descoberta em 1931 e quefoi intitulada Parsiwalnameh, cujo temacentral é O canto da pérola e algumasoutras lendas que serviram de base àlenda de Parsifal. As semelhanças entreestas narrativas e as versões ocidentaisde Parsifal são surpreendentes.

A influência da doutrina de Mani no Ocidente

O nome dos personagens em Parsi-walnameh e no Parsifal de W. von Es-chenbach assemelham-se estranha-mente: Gajmurat / Gaschmuret; Trefe-zand / Trevizent; Na Fartus / Amfortas;Clinschor / Klingsor; Arta Churus / Artus.Este manuscrito, que infelizmente nãopôde ser encontrado, confirmaria ainfluência que o Irã pré-histórico e islâ-mico exerceu sobre o cristianismo oci-dental por meio de seus textos simbóli-cos que veiculavam o ideal da “Cava-laria Espiritual”, por meio do zoroastris-mo, do maniqueísmo, do ismaelismo, oude movimentos sufistas da Espanhaandaluz. Certas tradições situavam ocastelo do Graal na Pérsia, atual Irã, nafortaleza de Alamut, sede da Frater-

nidade ismaelita, que sucumbiu dozeanos depois de Montségur, nas mesmascondições. O islamólogo H. Corbin lem-bra que a “Cavalaria espiritual” constitui,com o ciclo da Profecia e do Imamat, osequivalentes ao “Chamado e Resposta”de Mani. Ou de “Pistis Sophia” de Va-lentino, uma terceira corrente que per-mite transformar a revelação do Alcorãoem uma realidade vivenciada.

Setecentos anos mais tarde, é nocoração da antiga Pérsia doravante isla-mizada que o sacrifício de Mani ressur-giu por meio de figuras como Al-Hallâdj(cerca de 858 - 922), que foi morto, co-mo Mani, por ter dito “Eu sou a Ver-dade”; de Suhravardi (1155-1191), ofundador da “Filosofia da Luz”, por terclamado abertamente que “Deus podefazer surgir profetas depois de Maomé”;ou ainda Ibn Arabi (1165-1240), cujonome significa “o maior dos mestres”, “odiscípulo de Jesus”, que afirmou, depoisde ter tido uma visão, que “Soube entãoque minha palavra atingiria os dois hori-zontes: o do Ocidente e o do Oriente” eque escreveu: “Oh, maravilha, um jar-dim entre as chamas [...] meu coraçãotornou-se capaz de todas as formas;uma pradaria para as gazelas, um con-vento para os monges, um templo paraos ídolos, uma Ka’aba para o peregrino,as Tábuas do Tora, o Livro do Alcorão.Eu professo a religião do Amor, e qual-quer direção que tome sua montaria, oAmor é minha religião e minha fé”.

A obra imensa escrita e pintada deMani, os templos maniqueus, a civiliza-ção maniquéia, de tudo não resta quasenada: o maniqueísmo detém o títulopouco invejado de “a religião mais per-seguida de toda a história”. Serge Hutinescreve: “Com raros intervalos de tole-rância ou de favor, os maniqueus foramvítimas de uma repressão feroz, demassacres metódicos a ferro e a fogo.”

Até o século XIX, o conhecimento e oestudo do maniqueísmo somente sebaseou em testemunhos indiretos, geral-mente devidos a adversários como Agos-tinho, cuja obra deveria lançar as basesideológicas da Inquisição, a qual, a partir

Amuletos nestorianos emouro.

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de 1231, perseguiu sistematicamente “oabominável sacrilégio da heresia”.

Na Hungria, por exemplo, é evidenteque os cristãos conseguiram apagardesta forma todos os vestígios do mani-queísmo pacífico e não-violento. Isto po-de ser observado pelo fato de que nãofoi encontrado nenhum testemunho pro-vando que o maniqueísmo desempe-nhou um papel preponderante nestaregião.

Apesar de não terem um laço visívelcom os bogomilos e com os cátaros,podemos considerar que estes foramseus sucessores. Bastava pronunciar apalavra “maniqueu” para arriscar a pró-pria vida. “Ser confundido com a seitamaldita, esta era a pior sorte que pode-ria ameaçar um grupo cismático ouherético”, escreveu Decret. Foi precisoesperar a descoberta de um sítio ar-queológico que revelou uma comunida-de maniquéia no Turquestão chinês emanuscritos originais no Egito (em1930), especialmente os Salmos, asKephalaia, as Homílias, as Cartas deMani (que hoje se encontram destruí-

das) para que fosse conhecida e reco-nhecida a importância do maniqueísmocomo religião universal e para que aherança gnóstica do passado suscitas-se algum interesse.

Ressurgimento do pensamentognóstico

As traduções dos textos gnósticosdescobertos em Nag-Hammadi (em1945), no Egito, e de alguns textos es-sênios de Qumram (em 1947), inaugu-raram um movimento mundial do ressur-gimento do pensamento gnóstico quenão permite mais que se ignore a exis-tência e a doutrina de Mani. Hoje, é umfato conhecido de todos que as tradu-ções destes manuscritos demorarammuito tempo para surgir, e que foramlevadas a cabo sem muito entusiasmo.O que, porém, nem todos sabem é queJan van Rijckenborgh e Catharose dePetri não hesitaram em fundamentar

A Rota da Sedaligava o Ocidenteao Oriente até omar da China.

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sua doutrina gnóstica sobre o pensa-mento de Mani desde antes da Se-gunda Guerra Mundial, principalmenteno semanário da época A Luz da Rosa-Cruz, publicação da Fraternidade daRosa-Cruz, Ordem dos Maniqueus. Foiassim que foi-se preparando um renas-cimento mundial do gnosticismo. Atu-almente, o conceito de “Gnosis” não émais misterioso ou insólito. A propaga-ção da doutrina de Mani e a renovaçãodas idéias que decorrem deste fatolevaram um grande número de pessoasà prática da não-violência em ummundo de lutas incessantes. A imagemmarcante e atraente da alma que estáprisioneira da matéria sempre estáfalando de perto aos buscadores. Este éo drama do homem que luta para selibertar da escuridão, a fim de encontrara saída para o mundo da Luz, ou, comoexpressa um hino maniqueu: Um ventodo Norte que sopra sobre nós: este éMani. Levantemos a âncora com ele efaçamos a viagem rumo ao país daLuz.”

HINO

Eles o fizeram subir na cruzpara levá-lo à morte,e fizeram dele um rei.Eles o coroaram,porque ele havia rebaixado suas realezas.Eles o vestiram com um mantoporque ele havia roubado seus poderes.Eles o revestiram de púrpura,porque ele havia rompido suas paixões.Eles o colocaram um cravo nas mãos,porque ele havia registrado seus pecados.Eles lhe deram vinagre para bebermisturado com mirraporque estavam sofrendo.Eles o traspassaram com uma lança,porque ele havia destruído suas imagens.

(Texto extraído dos Hinos de Mani)

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Desde sua juventude, Mani foi refra-

tário à lei que seus correligionários

lhe impuseram. “No meio destes ho-

mens, caminhei com sabedoria e

malícia.” Depois, ele critica aberta-

mente certas práticas alimentares

seguidas por eles e destaca como

única pureza “a pureza da Gnosis”.

Trazido diante do conselho da ordem,ele foi acusado de dissidência e depoisexcluído da comunidade. Acompanhadode seu pai e de dois discípulos, ele voltoupara o local onde nasceu, e depois foipara a Índia, seguindo o rastro do apósto-lo Tomás. Depois da morte de Ardashir(242 A C.), ele voltou para a Pérsia. Se-gundo algumas fontes, ele já tinha elabo-rado o projeto do primeiro templo mani-queu. De Shapur, sucessor de Ardashir,ele recebe a autorização para ensinarsua mensagem no império persa.

Apesar de sua enfermidade (ele eramanco), percorreu o império a pé em to-dos sentidos. Em Kephalaia 76, ele decla-ra “Ter percorrido o mundo literalmentecorrendo sobre a ponta dos pés”, pregan-do a boa nova por toda a parte, oEvangelho vivente, implantando comuni-dades e edificando templos. Além disso,ele envia seus discípulos ao estrangeiro,intimando-os a “vagar perpetuamente pelomundo, pregando a doutrina e guiando oshomens na Verdade”. De acordo comMani, a nova religião da Luz não deveconhecer nenhum limite em sua difusão.“Minha esperança chegou até o Ocidentedo mundo e em todos os lugares da terrahabitada, e também na direção do Norte edo Sul. Nenhum dos apóstolos que meprecederam jamais fizeram algo assim!

(Keph. I) Sua mensagem foi ensinada emtodas as línguas, proclamada em todas ascidades e se espalhou mais longe do quequalquer outra religião.” Minha igreja sepropagará em todas as cidades, meuEvangelho atingirá todos os países” (Keph.154). Ele funde em uma só tradição espiri-tual o Oriente e o Ocidente, a gnosis deBuda, o dualismo de Zoroastro e o mono-teísmo do cristianismo. Sua intenção é queesta religião universal possa transformar omundo pela não-violência e pela ausênciade luta. A fim de assegurar a conservaçãoe a transmissão de sua doutrina, ele tomacuidado de registrar pessoalmente seuconteúdo por escrito, ilustrando-o com cali-grafias e pinturas. “Jamais foram escritosou revelados livros comparáveis aos queescrevi”, diz ele

“Minha esperança espalhou-se portoda a terra habitada”

A progressão da nova religião é fulgu-rante e aceita em inúmeros ambientes,em razão de seu realismo. Em 270, seteanos antes da morte de Mani, a “SantaIgreja”, como Mani a chamava, foi im-plantada em toda a Pérsia. No exterior, arede das missões se estendeu, como elemesmo dizia, “de Leste a Oeste”.

Mas a expansão considerável domaniqueísmo e o fato de que Mani pare-ce para muitos como o verdadeiro suces-sor de Zoroastro suscita a hostilidade e ainveja dos sacerdotes que haviam levadoos reis sassânidas ao poder. Nestaépoca, Mani fazia parte do séquito do reiShapur e o acompanhava em suas expe-dições como conselheiro e médico.Depois da morte de Shapur (em 271),

DA ILUMINAÇÃO À PROFECIA

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começa um período de perseguiçãoimpiedosa. Por instigação do sacerdoteKirdir, Mani é preso e deve comparecerdiante do novo chefe do império sob aacusação de “crimes contra Deus”. Con-denado à morte, ele foi lançado na prisãoem uma quarta-feira, preso a correntesque pesavam 25 quilos, que o impediamde movimentar-se.

“Liberai meu espírito de sua prisão!”

Os últimos momentos de sua existên-cia foram consagrados a sua Igreja: eletransmite o archote do Espírito a seuscompanheiros mais próximos. Dentreeles, Sissínio, que o sucederá comoguia da comunidade maniquéia. Esta

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designação pessoal de um sucessordesencadeia a permanência de umaautêntica hierarquia espiritual durante1000 anos. Aos discípulos que testemu-nharam o seu fim, ele dá a missão decontinuar “a guerra santa dos filhos daLuz contra os filhos das Trevas”, queacabará somente quando a última almativer sido salva do “abismo do mundo”.

O martírio do profeta, que durou 26 dias, encerra-se com esta precesublime, que é o último grito de umaAlma vivente que volta à quietude daVerdade:

Ó Pai, vê, o ferro está sobre mim.Ó, Tu que és o maior pela Justiça,ouve minha voz,escuta a voz do oprimido.Que minha prece que implorafaça cair todos os véus.Ó Cristo, ó Anjos gloriosos e luminosos,eu invoco vossos nomes:liberai meu espírito de sua prisão,arrancai de mim este manto de dor

e conduzi-me para fora deste mundo.Ó pai, ó homem original,abre as portas ao meu lamento,que ele chegue às alturas.Virgem de Luz,e vós, Anjos,escutai minha súplica,livrai o acorrentado de seus ferros.

Segundo uma Homília, este apelo foiassim respondido:

O Rei do Amorque o havia enviadoouviu sua voze falou com ele.O Homem perfeitoavançou sobre ele.A Virgem de Luz surgiu.E os mensageiros da Luzaproximaram-se em uma rodapara conduzir sua grande Almapara as Alturas.A Palavra protege a cabeça do justo.Ela o conduzpara as esferas da Luz.O enviado da Luzestá de volta para casa.Assim se eleva a pérola de Luz.

(Homílias, p. 5, 17 e seguintes. Polotsky-Ibscher).

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Página de rostode um livromaniqueu emsoguidiano tardio.No verso, seteeleitos (Chotscho,século VIII-IX d.C.)

“E descobri como os sábios haviam feito isto e comecei a falar a meu pai e aos anciãos da família sobre as coisas queNarjamig havia me ensinado.E, quando eles ouviram estas palavras, eles se converteram.”

(Turfan M 49-11)

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“Eu, Mani, apóstolo de Jesus Cristo

de acordo com a vontade de Deus,

do Pai da Verdade de onde prove-

nho, que vive e é por toda a eterni-

dade, que era antes de todas as coi-

sas e será depois de todas as coi-

sas. Tudo o que foi e tudo o que será

existe por sua Força. D’ Ele prove-

nho e d’ Ele serei. E assim fui ema-

nado de sua verdade. Esta verdade

eu a anunciei a meus irmãos. A paz,

eu a anunciei aos filhos da paz.

Preguei a esperança à raça imortal.

Fiz uma escolha e indiquei o cami-

nho do alto aos que desejavam a-

profundar-se nesta verdade”.

(Extraído da introdução do EvangelhoVivente de Mani)

Foi entre 215 e 276 d. C., quando aPérsia e Roma estavam envoltas emmuitas guerras, que Mani apareceu pu-blicamente. Desde sua juventude ele es-tava preparando sua vocação interior delibertar a humanidade. Com esta finali-dade, ele se serviu dos textos sagradosde seus predecessores de culturas dife-rentes, mas também de suas própriasexperiências no decorrer das quais aPlenitude que penetra tudo alimentouseu conhecimento interior.

Baseando-se neste alimento espiri-tual, ele fez a síntese da única mensa-gem anunciada em todas as religiõesautênticas: o Evangelho macrocósmicoe microcósmico universal da libertação,tal como ele se revela no mistério deJesus.

Desta maneira, ele pôde unificar osaspectos libertadores do passado, e no-vamente a mensagem de Jesus Cristopôde ressoar como a luz interior da al-ma e a força viva do Espírito divino.

A mensagem da Igreja cósmica da Luz

Em meio a um mundo invejoso e ciu-mento, que se esforçava para sobrevivercom seus dogmas e poderes ocultos,Mani espalhou a mensagem libertadorade uma Igreja de Luz cósmica e univer-sal, que está “mais perto do que pés emãos”. A semente da Luz a que nosreferimos aqui está oculta no coraçãode cada pessoa. Ela dá a compreensãoda força para se libertar da ignorânciaparalisante e dos desejos animais queimpedem que a alma possa se desen-volver.

O tempo estava maduro para isto e aintervenção de Mani encontrou eco eminúmeros corações. A reação destescorações foi tão poderosa que a novareligião se expandiu com toda a veloci-dade sobre as vastas regiões do mundodaquela época. O Livro dos Salmos deMani, que foi conservado, dá testemu-nho desta dinâmica irradiante, do entu-siasmo inspirado dos maniqueus. Eisum destes textos:

“Nós, que somos da raça dos filhosda Luz, oferecemos nossa flor a Mani!Jesus Cristo coloca a coroa sobre tuacabeça com alegria, Mani, filho bem-amado. Pois seu edifício que foi profa-nado, tu o reconstruíste; seu caminhoque continuava oculto, tu o iluminaste;sua doutrina que estava obscurecida, tu

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“VIM PARA FAZER RESSOAR UM GRITO EM

TODO O MUNDO”

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a clarificaste; sua sabedoria que estavamascarada, tu a elucidaste.

Citemos ainda um outro texto destelivro:“Quero glorificar-te,pedra angular, inalterável,eternamente a mesma.Alicerce inabalável,Cordeiro atado à cruz da natureza,tesouro oculto na terra,Jesus, filho do orvalho da manhã,seiva de todas as árvores,doçura de todos os frutos,olhar do céu,guardião de todos os tesouros,herói que carrega o universo,alegria de todas as criaturas,paz dos mundos.É uma maravilha falar de ti.Estás no interior, estás no exterior.Estás lá em cima, estás aqui embaixo.Estás perto e estás longe.Estás oculto e manifesto.Cala-te, e, no entanto, falas.Tu és a glória por inteiro.”

Na Igreja maniquéia trata-se do sétu-plo processo do despertar da Alma--Espírito libertando-se do mundo dasilusões. Isto somente poderá acontecerquando deslocarmos a importância denossas vidas para o coração espiritual:o coração do microcosmo que é unocom o coração do macrocosmo divino.Diante das Trevas, Mani opõe o Reinouniversal divino da Luz que é onipresen-te e tudo penetra. Para ele, o Reino daLuz é a origem e o fim de todas asalmas.

Muitos textos maniqueus afirmamque a Luz e as Trevas são inconciliáveisna alma. O mesmo acontece com aconsciência da alma vivente e a incons-ciência do homem da natureza. Esta é arazão porque Mani fala do Espírito daVerdade, que vem para libertar o ho-mem da ilusão deste mundo. Ele esten-de um espelho a seus contemporâneos,para que eles possam ver o universo epara mostrar, desta forma, que há duasordens de natureza: a natureza da Luz ea natureza das Trevas. A ordem da Luz

penetra a ordem das Trevas, mas asTrevas continuam separadas da Luz.

Esta idéia central das duas naturezasé fundamental na doutrina de Mani,assim como em todos os movimentosque se desenvolveram a partir destaGnosis. Ora, o homem que tem seu eixoajustado para a linha horizontal semprese oporá e sempre perseguirá os fiéisdo gnosticismo maniqueísta. O fato detantos perseguidores organizados du-rante séculos terem agido nas regiõesque se estendem da Europa Ocidentalaté a China demonstra o profundo enrai-zamento da doutrina da libertação e oquanto os homens de boa vontade esta-vam ligados a ela com seus corações esuas almas.

Uma falsa imagem da ordem da Luz

Havia realmente um dualismo navisão maniqueísta conforme condenadopela Igreja de Roma? O conceito de“dualismo” se refere a duas forças, doisprincípios equivalentes, porém opostos.Entretanto a ordem da Luz e a ordemdas Trevas sobre as quais Mani fala nãosão equivalentes! A ordem das Trevas éa imagem refletida e deformada daordem da Luz. A ordem da Luz é unida-de: nela não reina nenhuma dualidade.Na ordem das Trevas, que é a imagemdeformada da ordem da Luz, tudo temseu contrário e todos estes contrários,por sua alternância, vão se suprimindouns aos outros: aí reina a dualidade.

No centro do microcosmo se manifes-ta o próprio alicerce do universo. Esteprincípio superior é o elo que liga omacrocosmo e o microcosmo. É por issoque Jesus diz: “O Pai e eu somos um”.Mani qualificava o estado em que JesusCristo se encontrava de “a rosa sublimedo Pai”. Este princípio supremo da cons-ciência divina é a base de todas as cria-ções novas e verdadeiras. Enquantoesta criação continuar em união cons-

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ciente com sua origem divina, ela irá bri-lhar por causa desta consciência. Mas,se ela romper por iniciativa própria olaço que a une com a Luz, ela cairá naescuridão crescente das trevas. A an-gústia, a doença, o sofrimento e a mortecaracterizarão sua existência. Em ummicrocosmo ou em um cosmo comoeste, a Luz se apagará. Sua animação é ilusória e os pólos opostos da dualida-de irão determinar seu curso a partir de então.

É assim que surgiu a “mistura” da Luze das Trevas, de onde o homem devetentar sair. Com a mensagem do Reinouniversal da Luz, da qual todos oshomens tinham uma centelha, Mani ten-tou libertar seus contemporâneos dadesorientação e do obscurecimento desua consciência dividida.

“Escapei do mundo do erro”

A Fraternidade da Vida sempre estáempreendendo novas tentativas, portodos os meios, para libertar o homemdo dualismo que ele mesmo criou, e pa-ra restabelecer seu verdadeiro estado.

Mas este não é um caminho em quetoda a miséria e sofrimento podem sertransferidos a uma divindade personifi-cada que colocará automaticamentetodas as coisas em ordem. Trata-se,portanto, de um processo radical, nodecorrer do qual o ser humano deve tor-nar-se consciente da existência dasduas ordens de natureza. Mani diz:“Escapei da lei do destino da naturezaque não traz em si nenhum germe delibertação, mas que somente opera odeclínio e a decomposição. A alma semorgulho, humilde, sem fama, sem favo-recimento, não triunfa sobre nada naregião temporária do medo. Escapeideste mundo do erro. A pele de leão queencobria meus membros, eu a rejeitei.Em seu lugar, recebi uma veste santa.Da direita à esquerda, de alto a baixo,andei durante toda a minha vida. Não

permiti que meus inimigos apagassemminha lâmpada. Na longa corrida, che-guei onde raramente alguém chegou.Cumpri esta corrida até o seu bom fim.Voltei à minha pátria cantando e jubilan-do. Vê, consegui até escapar deste cor-po mortal”.

Em um outro fragmento, lemos:“A cruz de luz que a vida universal

nos estende, eu a reconheço e nelatenho fé, pois minha alma é um reflexodela e todas as vidas são alimentadaspela Luz. Mas os cegos não podemcompreender isto”.

Palavras parecidas com estas encon-tram-se no Novo Testamento: “Estou noPai e o Pai está em mim[...] O Pai e eusomos um [...] Sem mim nada podeis.”As trevas não compreendem estas pala-vras: elas as qualificam de blasfêmias epartem em luta contra a Luz, demons-trando, desta forma, que a dualidadeestá nelas.

Possibilidade de fugir da dualidade

Quando alguém tenta escapar dasTrevas e de suas ilusões, e orienta-se apartir do núcleo da Luz interior na vidaconcreta, esta pessoa tem a possibilida-de de fugir da dualidade. Dedicando-sea atacar a causa da escuridão dentrodela e aniquilando-a, esta pessoa podemudar a lei da morte pela a lei da vidaverdadeira e chegar à união com o maisAlto. Mani ensina que é preciso viven-ciar o mundo dos sentidos e abandoná--lo conscientemente para que a almapossa voltar a sua origem. “Os homensolham para longe, mas vê: há uma rea-lidade onipresente que está dentrodeles mesmos!”

Estas palavras sempre serão atuais:“Os homens olham para longe”. Elesvoltam seu interesse para o exterior,para os fenômenos já cristalizados, parao lado externo de um universo limitado epara ser entregue à alternância dos

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trários. Eles sofrem com o isolamento,que faz nascer o medo e a oposição.Eles percebem que o sofrimento, tanto oseu próprio como dos outros, vaiaumentando a cada dia. Eles observamque vão afundando cada vez mais pro-fundamente na matéria (chamando esteestado de “estar bem”) e que isto osaprisiona. E eles vão vendo que, debai-xo do colorido da “melhora”, a matériavai sendo desnaturada.

Quem aceita a Luz encontra a saída

Esta compreensão faz com que oshomens busquem uma solução. Elescolocam suas esperanças na política,em uma nova religião ou em uma des-coberta científica extraordinária. Masmuitos, no fundo, não querem uma solu-ção, pois isto significaria o fim destemundo ilusório que eles tão cuidadosa-mente edificaram. Outros bem que oquerem e dispensam toda a sua energiaem grupos militantes. Também estesacabam frustrados, mas um dia todosverão claramente que devem buscar asolução dentro de si mesmos. Ora, é aíque as Trevas se põem à corrente daLuz libertadora. Quem aceita a Luzencontra a saída. Quem não quer vernada, engana-se a si mesmo e continuamergulhado nas trevas.

A partir daí, formam-se dois gruposde homens: os que evitam e afastam aLuz e os que a buscam. É a estes queMani se dirige, quando diz:

“Toma a tua cruz.Despreza o mundo.Liberta-te dos laços de sangue.Submete o velho homem.Edifica o novo homem.Cumpre o santo mandamento.Dá lugar à pombade asas brancas.Não admitas aí nenhuma serpente.”

A pomba de asas brancas é a ima-

gem do princípio divino que está pre-sente dentro do ser humano. Este prin-cípio central deve ser libertado e preser-vado de qualquer desejo animal, dequalquer inconsciência e ilusão. Somen-te esta liberdade poderá permitir que ohomem voe rumo ao Espírito que ocriou.

Eles se espantam com a beleza de tuas asas

Mani fala, especificamente, dos tex-tos seguintes, dos quais ele é autor:

• O Evangelho Vivo, do qual apenasconhecemos um fragmento citado noinício deste artigo;• O Tesouro da Vida;• Pragmatica-mysteria, textos sobreos gigantes;• Cartas;• Kephalaia

Além disto, há um vasto conjunto derituais de Mani e de seus discípulosmais próximos reunidos no Livro dosSalmos de Mani. O conjunto, com algu-mas outras descobertas, não somentedá uma visão da Gnosis da igreja mani-quéia: antes de tudo, ele dá o testemu-nho de que a alma pode sair do mundodas Trevas para voltar ao mundo da Luz.É o que expressa, por exemplo, oseguinte fragmento do Livro dosSalmos:

Salve, ó alma.É jubilandoque conduziste tua lutaa um bom fim.Ficaste livre do antro do leão,da casa dos ladrões,deste corpo mortal,por quem todos choram.O mar e as ondas,tu os venceste pela fé.Os monstros que aí moravame que queriam engolir teu barco,tu os venceste a caminho:

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Eles nem te conheceram, nem te compreenderam.O pecado está em grande confusão,pois de repente escapaste delee não o seguisteem sua falta de rumo.E o fogo de seus demôniostu os extinguiste com tua crescente virtude.Confundiste os caçadores,que queriam caçar-te.Desfizeste suas armadilhas.E olha como eles se espantamcom a beleza de tuas asas;agora que, magnífica,te elevas com as águias,rumo ao pombal da liberdade”.

Transmissão perseverante da mensagem

Quando Mani voltou à corte do reiBahram, em 273, teve que se apresen-tar diante de um tribunal, que o acusavade traição em relação à igreja do Estadoda Pérsia, e que o condenou à morte.Assim terminou sua vida e sua Alma-Espírito voltou para a região da Frater-nidade da Vida.

A Igreja da Luz dos maniqueus tinhaperdido seu guia, mas ela mostrou-sesuficientemente forte para continuar, di-ante da organização inimiga que cresciarapidamente. Assim, foi sempre trans-mitindo a mensagem libertadora e fun-dando comunidades: no Oriente, noNorte da África, nos Balcãs, nosPirineus.

Os guardiães da Igreja interior da Luzforam combatidos por Roma e extermi-nados. Mas ele já tinham semeado lar-gamente, para que pudessem nascer asfuturas Fraternidades dos bogomilos,nos Bálcãs, e dos cátaros, nos Pirineus.Todas as fraternidades transmitiam amesma mensagem, mas adaptando sualinguagem ao tempo e às circunstâncias.

Nos primeiros séculos do cristianis-mo, a atenção se voltava essencialmen-

te para o mundo astral, onde as forçasdemoníacas roubavam a luz das almas.É por esta razão que os maniqueus ten-taram libertar-se de todos os desejos.Eles também evitavam prejudicar oshomens, os animais e as plantas, paranão ferir a cruz de luz cósmica nestascriaturas (e portanto a alma divina). Aosolhos de seus contemporâneos, elespassavam por loucos a maior parte dotempo, porque se mantinham afastadosdo mundo e por isso era preciso perse-gui-los e exterminá-los. Palavras comomania e maníaco mostram a profundi-dade do rastro que esta luta contra aLuz deixou na humanidade.

Em 276, Mani foi acusado de heresia, aprisionado e, sem dúvida, levado à morte. Morreudepois de 26 dias de prisão.Não é provável que tenha sido crucificado como se diz. É precisoconsiderar esta crucificação comoa imagem dos sofrimentos e damorte de Jesus. Segundo os textos de Turfan, parece que elepôde transmitir suas últimas instruções a seus discípulos na prisão.

(M. Boyce, A reader in manichaeanmiddle Persian and Parthian, edições Leyde, 1975).

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A igreja crístã de Mani era estru-turada a partir dos diversos grausdo desenvolvimento interior. Elemesmo a encabeçava, comoApóstolo de Jesus Cristo. Junto aele, eram mantidos doze instrutoresou Filhos da Misericórdia. SeisFilhos Iluminados pelo Sol doConhecimento assistiam a cada umdeles. Estes “epíscopos” (bispos)eram auxiliados por seis presbíterosou Filhos da Inteligência. O quartocírculo compreendia inúmeros elei-tos, chamados de Filhos e Filhas daVerdade ou dos Mistérios. Sua tare-fa era pregar, cantar, escrever e tra-duzir. O quinto círculo era formadopelos auditores ou Filhos e Filhas daCompreensão. Para este último gru-po, as exigências eram menores.Eles deviam seguir, sobretudo, osdez mandamentos seguintes comofio diretor de sua vida cotidiana:

1. Não adorar nenhum ídolo;2. Purificar o que sai da boca:não jurar, não mentir, não levantar falso testemunho oucaluniar;3. Purificar o que entra pelaboca: não comer carne, nemingerir álcool;4. Venerar as mensagens divinas;5. Ser fiel a seu cônjuge e man-ter a continência sexual duranteos jejuns;6. Auxiliar e consolar aquelesque sofrem;7. Evitar os falsos profetas;8. Não assustar, ferir, atormen-tar ou matar animais;9. Não roubar nem fraudar;10. Não praticar nenhumamagia ou feitiçaria.

A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA

DE MANI

Um irmão de uma comunidade maniqueísta.

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O método iniciático de Mani visa o

restabelecimento da unidade entre

a alma e o Espírito, pois é seu esta-

do de separação que é a causa da

dualidade. Esta unificação acontece

por meio de um processo quíntuplo,

simbolizado, entre outros, pelos cin-

co degraus do estrado que condu-

zem ao trono vazio do “Bema”.

Os dois princípios do Sol e da Lua, doEspírito e da alma existem desde sem-pre dentro de nós, mas eles não estãomais unidos. O processo do restabeleci-mento da ligação é descrito da seguintemaneira, em um salmo maniqueu:

“Cinco são as Grandezas que reinamdesde o princípio. Todas emanaram doEspírito único. O Espírito Santo vem emcinco forças. A alma o recebe em cincoórgãos. Ele liberta os membros da alma eos destaca dos cinco membros do pecado.Estes cinco membros do pecado, assimdesatados, ele os prende. Ele eleva entãoos membros da alma, os reconstrói, ospurifica e a partir deles, forma um novoHomem, que é o Filho da Justiça”.

Em um texto extraído dos Kephalaia,Mani ensina detalhadamente como aalma, ou o homem interior preso dentro docorpo, vai sendo pouco a pouco libertopelo Espírito de Luz. Ele mostra as cincoforças da alma: o pensamento, a razão, areflexão, a inteligência e o sentimento.

Elas estão ativas nas diferentes partesdo corpo (ossos, nervos, veias, carne epele) e são dominadas pelo espírito dasTrevas, que reina no corpo. É a lembran-ça de sua origem, de sua pura forma pri-mitiva, que desperta a alma que está pre-

sa. Então, ela chama pelo Espírito deLuz, que vem em seu auxílio:

“Ele coloca seu Espírito, que é Amor,no espírito do Novo Homem.

Seu Pensamento, que é Fé, no pensa-mento do Novo Homem, o qual ele liberta.

Seu Discernimento, que é a Perfeição,no discernimento do Novo Homem.

Sua Compreensão, que é Paciência,ele a coloca na compreensão do NovoHomem.

E a Sabedoria, que é Razão, na ra-zão do Novo Homem.

Ele purifica a imagem da Palavra pe-cadora e a coloca em sua palavra [..]

O espírito das Trevas é aprisionado. [...]Por outro lado, o Novo Homem reina

em seu Amor, sua Fé, sua Perfeição,sua Paciência, sua Sabedoria”

(Kephalaia 38, a partir da traduçãodireta do copta para o Inglês, por R.Allberry).

O Bema é a festa da Paixão deMani, assim como a festa daRessurreição de Manu, o Homemoriginal. Ele era celebrado emmemória da morte e da ressurrei-ção interior de Mani. O Bema, tronovazio no alto de uma escada decinco degraus, também é o símbolodo processo quíntuplo do renasci-mento da alma pelo método doChamado e da Resposta, queencontra-se na forma de rogação ede louvor dos salmos maniqueus.

Tradução Hannedouche S.,Maniqueísmo e Catarismo, ed. doscadernos de estudos cátaros, edições Arques, 1967, p.32.

O CAMINHO QUÍNTUPLO DA LIBERTAÇÃO

SEGUNDO MANI

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Uma mulher maniquéia (afresco de umtemplo em Chotscho, aproximadamente nofinal do século IX).

TEXTO EXTRAÍDO DOS SALMOS

Alma, Alma,lembra-te do éon da Luz.

Ó Alma, de onde vens?Vens do alto.És estrangeira no mundo.Estás apenas de passagem na terra.Tua morada é no alto,uma tenda de alegria.Aí, tens um verdadeiro pai e uma verdadeira mãe.Aí tens verdadeiros irmãos.

És uma batalhadora.És a ovelha que vagueia no deserto.Teu pai está te procurandoe por teu amoro pastor saiu em tua busca.

És a vinha de cinco ramos,que é o alimento de Deus,o alimento dos anjos,a veste dos justos,o manto dos santos,o conhecimento dos perfeitos,a memória dos crentes.

Ó Alma, levanta-tenesta casa cheia de pesares, ladrões e demônios.Não te enganes.Todos querem tua vida.Caçadores de morteeles pegam o pássaro na armadilhae quebram suas asas,para impedir que ele volte ao ninho.Ó Alma, levanta-te!Volta para tua Pátria.Já te libertaste dos laços que te prendem.Entra na morada da alegria.

Brilha por toda a eternidade.

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As forças contrárias se infiltraram no

mundo original divino. Se o Bem ori-

ginal fosse liberado no mundo da

queda, a separação entre o bem e o

mal desapareceria e todas as almas

seriam salvas.

De acordo com a doutrina revelada porMani sob a forma de uma religião mono-teísta, o Pai da Grandeza é o criador dedoze Éons ou Primeiros-nascidos. Estessão também chamados de “doze horas”,ou “fases”, do desenvolvimento do cos-mos, e constituem o Primeiro Dia demanifestação. No Segundo Dia, o Filhoque carrega o macrocosmo manifesta-se e cria os homens, os animais e asplantas. No Terceiro Dia, surge a almade luz em crescimento, que é o primeiro

homem. Entre estes Dias deManifestação caem as Grandes Noitesdas Trevas, que são períodos de repou-so para a preparação para o Dia seguin-te. Cada Dia traz novos elementos à Criação. No total, houve sete Gran-des Dias e quatro Grandes Noites, no decorrer dos quais completou-setoda a Criação.

A CRIAÇÃO SEGUNDO A COSMOLOGIA

DE MANI

O “santo combate” entre a Luz e as Trevas,decoração de espada de Snartemo encontradaem Veszekenyu, na Hungria. O princípio dadualidade era reconhecido pelas populaçõesdurante a Grande Migração.

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O primeiro homem, ou o homem

verdadeiro, é o veículo no qual o

Espírito universal pode manifestar-

se. O plano de desenvolvimento

deste homem foi depositado sob a

forma de uma centelha de fogo divi-

no na substância primordial. Mani

lhe dá o nome de “microcosmo” por-

que aí está gravada a imagem do

universo em toda a sua extensão.

Chavannes e Pelliot, pesquisadoresfranceses, citam um trecho da cosmolo-gia de Mani, em seu Tratado: “Neste[microcosmo], por transformação, eles[o Príncipe das Trevas e seus daimones[forças naturais] constituíram o corpo dohomem e aí aprisionaram as naturezasluminosas, a fim de imitar o grandemundo; assim pois o corpo carnal foi,embora em tamanho menor, a imagemfiel de ponta a ponta do universo doscéus e da terra”.

As regiões do espaço e do tempoficaram submetidas ao ciclo da vida e damorte, circuito fechado que mantém pri-sioneiro o princípio eterno do mundo doEspírito. Um hino maniqueu diz: “Vim daLuz e dos Deuses e vivo em exílio, apar-tado deles.[...] Sou um deus, nascidodos Deuses, que brilha, irradia, cintila,sendo luminoso, perfumado e belo, masque agora está fadado a sofrer”.

Jacob Boehme, o grande teósofo cris-tão do século XVII vê o microcosmo àimagem do macrocosmo (que não deveser confundido com o cosmo). “Seterodas giram umas dentro das outras;umas geram perpetuamente as outras,que vão de todos os lados e no entanto

nenhuma desaparece e nem sequervolta atrás...”

Podemos dizer também que estassete rodas são os sete espíritos diantedo trono de Deus. Elas não têm nenhumcentro, porém giram em volta de umcentro comum e vão gerando umas às outras.

O Espírito é o pólo dominante

O núcleo da manifestação divina é a“roda flamejante da Vida”. Este núcleoou mônada tem dois pólos. Um encon-tra-se no centro, mais ou menos naaltura do coração. É o pólo feminino,negativo, receptor e gerador: a Alma.O outro pólo, que está em ligação coma glândula pineal, situa-se na partesuperior da cabeça, diríamos que naperiferia da roda de fogo. É o pólo mas-culino, positivo, emissor e dominador: éo Espírito.

A personalidade temporária, comseus diferentes veículos ou envoltóriospode ser comparada a um órgão trans-plantado a cada nova encarnação nocampo de manifestação. Podemos defi-nir a personalidade como um sistemade veículos de matéria grosseira e sutil,em que a alma tem a possibilidade deexpressar-se, da mesma forma que aterra material é o meio de expressãoda Terra sétupla. Portanto, a alma dis-põe de diferentes corpos que se envol-vem e se interpenetram mutuamente:um corpo de matéria bruta, portadordos sentidos materiais; um corpo etéri-co, de matéria sutil; um corpo de senti-mento ou corpo do desejo, constituídode substância astral. É este corpo que é

O RESTABELECIMENTO DO FOGO

SERPENTINO

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qualificado como “espiritual” no ocultis-mo. De fato, ele é mais sutil do que osdois primeiros, mas tão material quantoeles. Enfim, o germe de um corpo men-tal ou corpo do pensamento é freqüen-temente chamado de intelecto. Noentanto, ele ainda não está desenvolvi-do e também pertence à região da vidamaterial.

O reflexo do homem celeste

O corpo triplo ou quádruplo dohomem terrestre é um reflexo de umaparte do Homem perfeito, o Homemceleste. Ele é mantido em bom estadopor cinco fluidos ou correntes de forçaque formam o que chamamos de sua“veste-de-luz”. Estes fluidos são:

• A chama da consciência• O fogo serpentino (o sistema nervo-so cérebro-espinal)• O fluido nervoso• Os órgãos de secreção interna• O sangue.

Um salmo maniqueu fala a respeitodesta alma quíntupla, desta pura veste-de-luz, evocando o sacrifício e a desci-da do Homem primordial nas trevas:

“Este (o Homem primordial) fez comque emanasse dele sua Serva, equipa-da com cinco forças, a fim de combateros cinco abismos das trevas.

Quando ele chegou às fronteiras dopaís da Luz, ele lhes mostrou sua Alma,a ‘Pura Serva’.

Então, do fundo de seus abismos,eles se rebelaram e, em seu desejo dese elevar acima d’ Ela, abriram sua goe-la para engoli-lo.

Mas o filho mantinha firmemente asrédeas da Alma.

Como uma rede sobre peixes, ele aestendeu acima deles; ele a fez cair co-mo chuva sobre as profundezas abis-sais, como nuvens de água pura.

Ela lançou-se em meio a eles, tal co-mo um lampejo fulgurante, penetrou emsuas entranhas e os prendeu a todos,sem que eles o soubessem”.

A Coluna de Louvor

Segundo as tradições esotéricas e osdados atuais transmitidos por Jan vanRijckenborgh em seus livros, o homeminterior, digamos “espiritual”, possui decada lado de sua medula espinal (shus-humna ou, em termo maniqueu, “a colu-na de louvor”) dois outros canais deconsciência. Estes dois cordões do ner-vo simpático, chamados de “Pingala” e“Ida”, encontram-se à esquerda e àdireita da coluna vertebral. Um é solar,masculino, criador. Outro, é lunar, femi-nino, receptivo. De acordo com a tradi-ção hindu, eles asseguram a circulaçãodo “prana” (sopro, alento, ou alimentosutil) no corpo.

Nos textos maniqueus, eles são sim-bolizados por “barcos” do Sol e da Luaque conduzem regularmente para oMundo original as parcelas de Luzarrancadas pelas forças da matéria.“Ida” e “Pingala” cruzam-se seis vezessobre “shushumna” e cada um destespontos de encontro é chamado de “cha-kra”. Ainda existe um quarto chakra liga-do ao órgão da pineal (palavra que vemde “pinea”, que quer dizer fruto do pi-nheiro, pinha).

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Os chakras são centros de força emrelação ao sistema nervoso e ao sistemade glândulas de secreção interna e que,em um movimento rotatório, captam asenergias necessárias para a manuten-ção da vida em uma determinada situa-ção. Eles giram mais ou menos depres-sa, mas todos rodam no mesmo sentido.Nos homens que vivem inteiramente danatureza terrestre, eles giram no sentidoinverso aos dos ponteiros do relógio.Nos que estão voltados para a espiritua-lidade, em direção ao plano de Deus,eles giram no outro sentido. Quanto maisuma pessoa se interessar pelos diversosaspectos da vida, mais rapidamente oschakras irão girar. A filosofia orientalsimboliza estes dois movimentos doschakras pela dupla suástica (“swastika”),sendo que uma represen-ta a “roda da vida” e a outra, a “roda da morte”.

O renascimento da alma desenvolve-se a partir de um processo clássico queMani descreve sob a forma de “Cha-mado do espírito” e da “Resposta dohomem”. Trata-se de um movimentoduplo, de descida e de subida da Luz nofogo serpentino: um movimento salvadorque liberta a Alma-Espírito, a mônada,de sua sujeição ao espaço e ao tempo.No decorrer deste processo de subida, osentido de rotação dos chakras se inver-te. Portanto, o sentido de rotação doschakras mostra como está o processode renascimento. Quando em um ser, oschakras começam a rodar no outro sen-tido, podemos dizer que ele foi literal-mente convertido e este é o ponto departida para um desenvolvimento espiri-tual sétuplo, cuja sétima fase é a “coroa-ção”. O pólo monádico do Espírito podedescer na pineal, depois no canal central

“ PERMANECE ETERNAMENTEVOLTADO PARA A TUA MISSÃO”

Que devo fazer para viver? Meu Salvador,que devo fazer para viver?

Jejua, ó alma, e viverás!Dá repouso a tua mão.Reveste-te com a pureza da Verdade.Dá a tua Inteligência o dom do Amor.Oferece a tua razão a Fé.Dá ao teu pensamento a Perfeição,ao teu direcionamento, a Perseverança,à tua vontade, a Sabedoria.Cria o espaço em ti para as pombasde asas brancas.

Que elas morem em ti.Para não assustá-las,não acolhas em ti nenhuma serpente.Não abrigues a cólera...

A Fé é quem comanda.Aperfeiçoa a tua Perfeição.A tudo suporta com Paciência.Com o Conhecimento tudo compreenderás.Guarda a Lei interior.Aperfeiçoa teus atos.Permanece eternamente voltada para tua missão.

(A partir da tradução direta do copta para o inglês, por Allberry).

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da medula espinal. No decorrer destecaminho, o buscador, o homem espiri-tual verdadeiro, penetra o mistério emque ele celebra a derrota definitiva do“eu”. Somente quando a alma verdadei-ra estiver completamente restabelecidaé que ela poderá ligar-se ao Espírito. Éentão que começa a transfiguração, queé o metabolismo perfeito.

“Atividade luminosa”

Então, o Novo Homempode, em termo mani-queus, ser segurado pe-la mão do Espírito viven-te e sair das trevas. Elevenceu a morte. O novocorpo mental está edifi-cado. Nesta nova veste-de-Luz, o Espírito podenovamente revelar-se. Ohomem torna-se, entãoum Homem de verdade,um Manas, um Mani, umManu, um ser onisciente emquem as infinitas possibilidades divinasse manifestam. Surgem os três poderesdo Novo Homem, os três selos: o In-telecto luminoso, que novamente pene-tra nas profundezas da Sabedoria divi-na; o Sentimento luminoso, que nova-mente vibra em harmonia com “o somda maravilhosa Lei”, a força de amorque sustenta o universo; esta é a Ati-vidade luminosa, a ação que se tornouoração, inteiramente voltada para ocumprimento do plano divino de liberta-ção da Luz. Transformado em um autên-tico Perfeito, este homem irradia atravésde sua nova Alma, simbolizada em

representações maniquéias pela “vestebranca”. Para este Homem, o fim dostempos, o “tempo vindouro” já chegou.Ele conseguiu restabelecer internamen-te a triunidade Espírito-Alma-Corpo,simbolizada nos textos maniqueus pelaveste da alma, a coroa do espírito e ocetro da nova consciência, que são atri-butos do verdadeiro rei-sacerdote.Então, do coração do “homem pneumá-tico” jorra este antigo canto de louvordos antigos Irmãos maniqueus, dedica-

do ao Mani de todos os tem-pos: “Tu nos livraste da dor,

ó Senhor. ó Paracleto,espalhaste sobre nós aalegria. Todas as igrejascelebram teu mistério.Hoje, ofertamos nossarosa, como as árvoresdão seus frutos, a fim deque ela se torne umacoroa que colocarás emnossa cabeça”.

Mani pinta atampa de vidrode uma fontede água (minia-tura).

Abraxas comoSerapis. ParaMani, Cristo é aencarnação deAbraxas, o Sol(amuleto egíp-cio, Rivers ofLife, J. G. R.Forlong).

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A doutrina maniqueísta fala a res-

peito de três tipos de homens. De

um ponto de vista histórico e teoló-

gico, esta divisão corresponde fre-

qüentemente a características raci-

ais ou à situação social. Esta forma

de discriminação existe há séculos e

sempre está na base da separação

entre as classes dirigentes e as

classes trabalhadoras em certas

culturas. Entretanto, deduz-se da

doutrina de Mani que esta distinção

diz respeito a três fases do desen-

volvimento interno.

A partir da morte de Mani, tudo foi feitoa fim de apagar todos os vestígios de sua doutrina pacifista tão amplamen-te divulgada. Entretanto, ainda restamfragmentos que mostram como e por que ele falava de três tipos huma-nos. Em uma passagem dos Salmos, é dito que: “a Igreja perfeita é uma, duase três”.

Assim como os gnósticos em tornode Valentino, os nazarenos e os cátarosda Idade Média, Mani dividia a humani-dade entre “os eleitos” e os “chamados”.Juntos, eles formam um só todo, uma sóhumanidade, uma só comunidade, umasó igreja ou ekklesia. Na comunidademaniquéia, os membros destes doisgrupos viviam com toda a liberdade,igualdade e fraternidade, qualquer quefosse o seu lugar ou a sua tarefa. Entreos “eleitos” havia três graus que corres-pondiam ao desenvolvimento espiritualinterior. O primeiro grau dizia respeitoàqueles em quem o Espírito divino esta-va agindo. O segundo, àqueles em que

a alma original estava se tornando dinâ-mica. E o terceiro, àqueles que aindaaspiravam à libertação da alma original.

Esta divisão não aparece com clare-za nos textos encontrados no Egito e naChina, mas podemos deduzi-la a partirda disposição da estrutura do templo tríplice que acaba de ser descobertopelo pesquisador alemão A. von le Coq,em Turfan.

Todas as revelações apresentamtrês aspectos

Sabe-se que as doutrinas gnósticasadmitem, em geral, três níveis de de-senvolvimento: primeiro, o nível de ensi-namento escrito, que é acessível a to-dos e exposto no “átrio” de uma escolade Mistérios. Segundo, um ensinamentooral, que é exclusivamente transmitido aum círculo restrito. Terceiro, um ensina-mento puramente espiritual e imaterial,que não é revelado abertamente.

Todas as revelações apresentam,portanto, três aspectos: um aspectoexterior ou exotérico; um aspecto inte-rior ou esotérico; e um aspecto espiri-tual. Estes três aspectos da doutrinarelacionam-se com os três tipos dehomens conhecidos na tradição gnósti-ca como os “hílicos”, os “psíquicos” e os “pneumáticos” (materiais, psíquicos,espirituais).

Provavelmente é a esta distinção quese refere a utilização das cores negra,vermelha e dourada nos textos e pintu-ras maniquéias. O ensinamento interiordos maniqueus visava a fazer atingir oestado “pneumático”. Na doutrina mo-derna da transfiguração, transmitida

ENCONTRO DO CAMINHO HORIZONTAL E DO

CAMINHO VERTICAL

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derna da transfiguração, transmitidapela Rosacruz Áurea, trata-se de aspi-rar à purificação do ser humano, à liber-tação da alma e à efusão do Espíritodivino. Esta terceira fase pode ser com-parada à fase em que os “pneumáticos”conseguiam atingir seu objetivo, entreos maniqueus. Os “eleitos” provam,assim, a unidade que transcende asdimensões do tempo e do espaço,assim como o ciclo da vida e da morte.

Este processo começa no mundo dasforças contrárias A centelha de Luz –que é o germe do verdadeiro Homem –deve ser liberta dos véus da matéria deacordo com o tríplice processo alquími-co: separar, purificar, reunir. As fases“hílica” e “psíquica” são consideradascomo a preparação para a efusão doEspírito na alma. Um homem só é ver-dadeiro quando o Espírito se manifestanele. Sócrates falava neste contexto so-bre seu daimon. Mani, falava de seu“Gêmeo” ou “Duplo”. Ibn Arabi e Krish-namurti falavam a respeito da interven-ção de seu “eterno Companheiro”. Her-mes Trismegisto, falava sobre o acessoà “Natureza Perfeita”, enquanto que Janvan Rijckenborgh o designa como “OOutro” dentro de nós.

Os crentes ou os ouvintes da comuni-dade maniquéia eram membros da“Igreja que foi chamada”. Para eles,ainda não se tratava de levar uma vidainterior como era exigida dos eleitos.Eles descobriam a doutrina exteriorantes de se engajarem no processo detransformação interior. A História contaque Agostinho, Pai da Igreja de Roma,ficou apenas na fase dos ouvintes.Durante 9 anos ele fez parte do círculoexterior da Fraternidade maniquéia donorte da África. Quando ele achou que

não podia compreender a doutrina nemsondar suas profundezas, saiu destecaminho e converteu-se ao catolicismoromano, amargurado e decepcionado.Entretanto, quando um ouvinte eraimpulsionado por um ardente desejo docoração e queria prosseguir, ele podiaentrar na Igreja interna.

Uma estrutura vertical e horizontal

Enfim, havia um grupo de pessoasque continuavam no exterior porquenão queriam ou não podiam seguir adoutrina. Entretanto, quando se torna-vam conscientes do caminho da liber-tação interior que Mani ensinava aseus discípulos, eles podiam tornar-se“crentes” e até mesmo “eleitos”, comoPaulo de Tarso que, de perseguidordos primeiros cristãos, tornou-se “a-póstolo de Jesus”, e a quem as comu-nidades maniquéias ocidentais tinhamem alta estima.

As comunidade maniquéias, assimcomo as primeiras comunidades budistasou gnóstico-cristãs, apresentavam umaestrutura ao mesmo tempo horizontal e vertical. A estrutura vertical correspon-de ao caminho que conduz da matéria ao Espírito divino. A estrutura horizontalmostra o triângulo equilátero da liberda-de, igualdade e fraternidade de todos os homens. A linha horizontal e a linhavertical se encontram no ponto em que os homens que “se converteram” e “se prepararam” têm a possibilidade deser tocados pelo Espírito Santo e de seguir o caminho que conduz à imor-talidade.

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O pesquisadorfrancês Pelliotdiante de umdepósito secretode manuscritosem Turfan, naChina (La HauteAsie, P. Pelliot).

Ruínas noFayum, Egito,onde foramencontradoslivros maniqueusem 1930.

Em 1930, o professor Carl Schmidt

descobriu um certo número de tex-

tos coptas em papiro, em Medinet

Mai, no Egito. Ele pôde, assim, esta-

belecer que uma parte provinha de

uma comunidade maniquéia do sé-

culo II e do século IV.

Estes papiros, manchados e rasgados,encontravam-se em uma caverna úmi-da, fechados em um cofre, esperandoum comprador. Mas até então ninguémhavia se interessado por eles. Assim, oprofessor Schmidt e seu colega Allberrycompraram estes manuscritos grave-mente danificados pela umidade e pelosal, e confiaram sua restauração ao es-pecialista Ibscher, em Berlim. Os ex-perts pensaram que eles eram irrecupe-ráveis. Entretanto, Ibscher conseguiuseparar as páginas umas das outras e as reuniu em pequenos fragmentos.Em seguida, elas foram reclassifica-das e decifradas por Allberry. Os textosestavam em uma variante copta poucocorrente.

Depois de muitos anos, Allberry ter-minou uma tradução inglesa dos Ke-phalaia, das Homilias e de alguns ri-tuais. Segundo as tradições árabes, amaioria dos manuscritos foi queimadano decorrer da perseguição aos mani-queus. “Quando queimaram seus livros,muitas pedras preciosas saltaram delese do fogo escorria ouro líqüido”, dizia alenda. Estas palavras referem-se, semdúvida, não somente à grande riquezade sua decoração, mas também à sabe-doria que deles emanava.

O texto mais importante e mais com-pleto é uma versão que dizem que é

MANUSCRITOS DO TEMPO DE MANI E DE SEUS

DISCÍPULOS

TURFAN, TESOURO DASABEDORIA ANTIGA

A partir das primeiras escavações deTurfan, no início do século XX, umagrande diversidade de manuscritos foi descoberta.Textosbudistas em uigur, saquiano, soguidiano, e parta, chinês e tangu-tiano, ao lado de poemas e tratadoseconômicos em sakiano, cartascomerciais em soguidiano, textos deMani em soguidiano, e em escrita maniquéia, textos nestoria-nos em soguidiano e em siríaco.Além disso, textos maniqueus emuigur, chinês, parta, persa médio e persa clássico. E principalmentetextos em escrita kharoshti, em pra-krit, em sânscrito, mongol, phakpa.

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grega: Mani-Vita (o texto traz o título“Sobre em que seu corpo se tornou”).Este manuscrito, do século IV ou V foiencontrado no Egito e está registradosob o código Keulse Codex. Este codexdá uma resposta definitiva à questão daorigem do maniqueísmo. É um texto empergaminho, em um formato pequeno,de 192 páginas. Uma parte dele já de-sapareceu. As pranchas do texto nãomedem mais do que 3,5 cm de alturapor 2,5 cm de largura e compreendem,em média, 23 linhas.

Quase todos os manuscritos, afres-cos e miniaturas que foram encontradosna Ásia Central provêm do Oásis deTurfan. O arqueólogo Le Coq descrevesua descoberta assim: “todo o chão dapeça estava recoberto de uma camadade 8 cm de espessura de uma matériaenegrecida, mole e úmida, e por toda aparte surgia ouro e cores. Depois deexaminá-la, percebemos que estacamada espessa era feita de livrosmaniqueus completos. Eles estavamdanificados pela umidade e apodreci-dos, mas não dilacerados ou rasgadospor adversários eventuais. Muitos apre-sentavam iluminuras. Alguns, depois deserem secos, apresentaram linhas decores brilhantes. Entretanto, apesar detodos os nossos esforços, não conse-guimos salvar estes textos de tão gran-de valor”.

Mani escreveu um livro que ele chamou de EvangelhoVivo e que seus discípulos chamaram de Evangelhode Mani. O texto se apóia no livro ilustrado “Ardahang” . As ilustrações e decorações deste livroapresentam uma grande conformidade com as iluminuras do próprio Mani. No total, ficaram conheci-dos sete livros de Mani: O Evangelho Vivo, o Tesouroda Vida, Os Atos, O Livros dos Mistérios, o Livro dosGigantes, O Livro de Preces, Os Salmos e As Preces.Eles formam, em conjunto, o Heptateuco, do qualapenas restam citações. Os Kephalaia (Fundamentosda Fé) escritos em língua copta contêm citações deMani, que em sua origem eram em siríaco. Manideclara que seus predecessores – Jesus, Zoroastro,Buda – não escreveram sua doutrina. Eles instruíramseus discípulos, que escreveram em seguida as palavras de seus mestres “ como eles se lembravam delas”.Para o rei Shapur, Mani fez um conjunto de desenhosconhecido como Sabuharagan. Ardahang é o livro em que ele transmite sua doutrina sob a forma deimagens alegóricas e o Ardahang Wifras dá as explicações. Mani achava muito importante que suadoutrina fosse transmitida na língua e segundo as tra-dições de cada país. Isto explica, sem dúvida, porqueas interpretações ocidentais contêem nuanças decristianismo, enquanto que os textos iranianos oferecem símbolos persas e os textos da Ásia Central e da China apresentam metáforas budistas.

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Um de seus discípulos levantou-se e

perguntou ao Apóstolo: “Rogo-te,

meu Senhor, dá-me instrução.

Quando um ser humano é instruído

na sabedoria e ele a sela em seu

coração, isto o faz rejubilar-se gran-

demente; entretanto, sua [alegria] é

ainda maior quando ele a proclama

e a expressa. Ele é iluminado por

ela, [ela] irradia ainda mais dentro

dele, ela se desvela diante dele e,

por ela, ele se reveste de força e de

verdade”.

Este discípulo acrescentou: “Sei [...]que a palavra que pronunciei [é correta].Sei que a sabedoria que aprendi, daqual meu coração está preenchido eque é perfeita em minha alma não podebrilhar em mim nem crescer dentro demim a não ser que eu a proclame comminha boca, anunciando-a aos outros.De fato, quando eu a proclamo e a douaos outros para que a ouçam, torno-mecomo eles, como se eu jamais a tivesseouvido durante o meu desenvolvimento.Aspiro a ela ardentemente e meu cora-ção está atraído pela sabedoria que euproclamo. Agora [rogo-te], dá-me instru-ção, meu Senhor: por que a sabedoriaaumenta cada vez mais em mim quan-do eu a anuncio, do que quando elaestá selada em meu coração?”

O Apóstolo respondeu a este discípu-lo: “Como é boa a tua pergunta! Pois égrande a palavra que me pedes: deonde vem esta grande alegria em mim,por causa da sabedoria que eu anuncio[...]? Como ela é maior em minha línguaquando eu a anuncio, do que quando

ela está em [meu coração]? Tu mesmoentras em júbilo por causa dela, mastambém o outro, que a ouve de ti, exul-ta e é iluminado por ela. Ele recebe delauma força permanente. O mesmo acon-tece com uma criança concebida noventre de sua mãe: ela jaz em seu seioe preenche suas entranhas. A mãe sabee reconhece que a criança da qual elaestá grávida está viva dentro dela. Elase rejubila até a hora em que dá a luz aela e quando ela sai de dentro dela,com seus [membros sadios], com umabeleza perfeita, sem defeito [no] ar vivo,mais vasto, bem mais vasto que o pri-meiro ar em que ela se encontrava, eseus olhos se enchem de luz e ela falacom a voz viva daqueles que já nasce-ram. Pois, no momento em que estamulher concebe a criança em seu seio,sua alegria não é tão grande comoquando ela a recebe, ou como nomomento em que ela dá a luz a ela,quando ela a vê e percebe em um ins-tante sua beleza plena. O amor e a ale-gria que ela tem por esta criança sãocem vezes maiores do que antes, quan-do ela a faz nascer e a vê. Pois, notempo em que ela estava grávida destacriança, sua beleza e o olhar de seusolhos estavam ocultos para ela. Mas,quando ela a põe no mundo, e vê suabeleza, [...] seu brilho surge diante dosolhos de seu pai, de sua mãe e de todosos seus parentes. E eles se rejubilamcada vez mais por causa disto, quantomais eles a olham, face a face, e vêemsua beleza e a sedução que emanadesta criança. Nesta parábola, a sabe-doria que se encontra no coraçãohumano pode ser comparada à criançaque vive dentro de sua mãe. Mas, quan-do ele é ensinada e confirmada nos

A SABEDORIA É MAIS IMPORTANTE NA LÍNGUA

QUE NO CORAÇÃO

Mani ensina àsmulheres osmistérios daIgreja da Luz(manuscritopersa do sécu-lo XVIII).

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corações, ela se torna como a criançaque foi posta no mundo, de modo quepodemos ver sua beleza. Assim aconte-ce com a sabedoria que proclamamos,exprimindo-a com o coração. Ela vaicrescendo cada vez mais. Sua grande-za e magnificência vão redobrando con-forme sua beleza e seu esplendor vão-se revelando aos olhos dos que a ou-vem, e ela vai crescendo diante de ti [...] e tu te maravilhas do que estásproclamando.

Ainda uma vez, assim acontece coma sabedoria: quando ela está oculta noser humano, antes de ser proclamada,ela parece um [lampejo] do fogo queestá oculto na madeira. Mas estamadeira [contém] o lampejo do fogo,enquanto que a veste de fogo [que está]na madeira ainda não se manifesta.Agora, vê: [...] colocamos o lenho dentrode casa. Não é possível que ele ilumineesta casa enquanto a luz continuar den-tro dele: somente quando ele for coloca-do sobre o fogo, então a luz sairá dele eé possível que esta casa fique inteira-mente iluminada pela luz de um sólenho. Assim acontece com a sabedoriaque se encontra no coração humano.Ela é como o fogo que está oculto namadeira: enquanto sua luz não se mani-festar, seu esplendor estará oculto nocoração. Mas, quando um ser humano aproclamar, seu esplendor se revelaráaos olhos e aos ouvidos de muitos.”

Novamente o discípulo falou ao Após-tolo: “Se a sabedoria é semelhante aoexemplo que me deste, por que certoshomens se rejubilam quando ouvem apalavra da sabedoria e a honram, aopasso que a outros ela não traz nenhu-ma alegria enquanto a ouvem, e elesnem a honram?”

“Vê”, disse-lhe o Apóstolo, “vou teconvencer a afirmar a fé em teu coraçãoe vou instruir-te de tal modo que istofique evidente para ti. Esta sabedoria ésemelhante à criança sobre a qual fala-mos. Uma mulher a concebeu. Quandoela nasceu, seu pai, sua mãe e seusparentes se rejubilaram, mas outrosficaram aflitos, pois eles são estranhospara ela. Eles não pertencem ao seucírculo. Eles não se rejubilam por causadesta criança porque ela não pertence àfamília deles. O mesmo acontece com asabedoria. Quando a boca do mestre aproclama, os que pertencem a ela arecebem e se rejubilam com ela, mas osque lhe são estranhos não se rejubilam[...] e não a aceitam. É como a luz dofogo da qual te falei, que provém damadeira [e se manifesta] para fora, dian-te dos olhos de todos. Quem vê perce-be a luz que provém da madeira, mas ocego, não. Aquele em quem o Espíritoestá (o Nous) tem a sabedoria; quandoele a ouve, ele a recebe. Aquele emquem o Espírito não está, que lhe éestranho, não a recebe e nem a ouve”.

Quando o discípulo ouviu isto, rejubi-lou-se. E convenceu-se em seu coraçãodaquilo que ele (Mani) lhe havia ensina-do. Então, inclinou-se e, tomando o seulugar, sentou-se.

(Kephalaïa 7:84, a partir da tradução diretado copta para o inglês, por Allberry)

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“Queremos colocar Mani em plena luz,

a luz da Gnosis, pois chegou a hora em que

muitos estarão buscando a Luz dentro de suas almas”.

(Mani, um mensageiro que

abalou o mundo, p. 5)