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VOZES DE PROFESSORES: A REVISTA O ENSINO PRIMÁRIO (1884- 1885) NAILDA MARINHO DA COSTA BONATO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO, RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL. E-mail: [email protected] Palavras-chave: Imprensa pedagógica; professores primários; ensino primário Introdução A apresentação se insere na proposta de comunicação coordenada intitulada “Intelectuais e processos de produção escrita na história da educação no Brasil” que “explora a possibilidade de reconfiguração da base documental no processo de pesquisa”. Em termos metodológicos trata-se de reflexão histórica que leva em consideração, a pesquisa bibliográfica e documental. Neste sentido, na perspectiva da história cultural do impresso buscou-se como fonte privilegiada para construção do artigo ora apresentado, a revista O Ensino Primário editada no município neutro da Corte imperial 1 , considerando seus dispositivos tipográficos e seus dispositivos textuais (Chartier, 1996, 2003), no tempo e espaço de sua produção. Destaca-se que foram encontrados no acervo de obras raras da Biblioteca Nacional dois exemplares microfilmados desse periódico datados de 31 de maio de 1884, ano I, sem número de identificação; e de 15 de agosto de 1885, ano II, n. IV como informado em sua primeira página. 2 É importante sinalizar a importância do impresso como fonte, pois “possibilita recuperar aspectos poucos considerados pela História da Educação Brasileira...”, contribuindo para “preencher algumas lacunas deixadas pelas pesquisas macro- estruturais e, ainda, traz para o cenário histórico agentes sociais antes desconhecidos...” afirma Carvalho (2007, p.49) se referindo ao uso de jornais em pesquisas. Classificada como imprensa pedagógica (Schueler, 2002; Villela, 2001) de acordo com Teixeira (2010), os dois números da revista contém artigos que possibilitam novos 1

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VOZES DE PROFESSORES: A REVISTA O ENSINO PRIMÁRIO (1884-1885)

NAILDA MARINHO DA COSTA BONATOUNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO, RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL. E-mail: [email protected]

Palavras-chave: Imprensa pedagógica; professores primários; ensino primário

Introdução

A apresentação se insere na proposta de comunicação coordenada intitulada “Intelectuais e processos de produção escrita na história da educação no Brasil” que “explora a possibilidade de reconfiguração da base documental no processo de pesquisa”. Em termos metodológicos trata-se de reflexão histórica que leva em consideração, a pesquisa bibliográfica e documental. Neste sentido, na perspectiva da história cultural do impresso buscou-se como fonte privilegiada para construção do artigo ora apresentado, a revista O Ensino Primário editada no município neutro da Corte imperial1, considerando seus dispositivos tipográficos e seus dispositivos textuais (Chartier, 1996, 2003), no tempo e espaço de sua produção.

Destaca-se que foram encontrados no acervo de obras raras da Biblioteca Nacional dois exemplares microfilmados desse periódico datados de 31 de maio de 1884, ano I, sem número de identificação; e de 15 de agosto de 1885, ano II, n. IV como informado em sua primeira página. 2 É importante sinalizar a importância do impresso como fonte, pois “possibilita recuperar aspectos poucos considerados pela História da Educação Brasileira...”, contribuindo para “preencher algumas lacunas deixadas pelas pesquisas macro-estruturais e, ainda, traz para o cenário histórico agentes sociais antes desconhecidos...” afirma Carvalho (2007, p.49) se referindo ao uso de jornais em pesquisas.

Classificada como imprensa pedagógica (Schueler, 2002; Villela, 2001) de acordo com Teixeira (2010), os dois números da revista contém artigos que possibilitam novos olhares sobre o processo de feminização do magistério; o ensino público do Rio de Janeiro; a Escola Normal da Corte; o Colégio Pedro II; os pareceres de Rui Barbosa e a presença do jurista no campo da educação; concurso para provimentos de cadeiras públicas; a formação e salários de professores (as); escolas públicas primárias; manifestação docente contra o poder público; entre outras.

Levando em conta as temáticas e o campo de investigação, algumas questões se colocam: A que ideário político-ideológico essa revista se filiava? Que fundamentos político-filosóficos estariam no cerne de sua produção e circulação? Quem eram os sujeitos/professores e professoras que nela se expressavam e faziam circular suas idéias? Quais eram seus interlocutores? Qual a forma e os objetivos de sua distribuição? Como era financiada?

Tendo em vista a multiplicidade de possibilidades que a fonte proporciona e a continuidade de parte dos estudos apresentados no V CBHE3, destacarei as questões em torno da participação do professorado primário nas Conferências Pedagógicas organizadas pela Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária da Corte. Neste sentido, o “diálogo” que o editorial da revista “O Ensino Primário” estabelece com a “Revista da Liga do Ensino” - que tem principal redator o eminente jurista Rui Barbosa.

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Conhecido como jurisconsulto, político e jornalista, no dizer de Homero Senna (1994, p.35), os estudos sobre a atuação de Rui Barbosa no campo da educação é recente e envolvendo, principalmente, seus Pareceres. A fonte consultada mostra um Rui Barbosa atuante na Liga do Ensino e na revista dessa associação.4 O jurista só se ocupou da educação num espaço de tempo muito curto, de 1881 a 1884, motivado pela necessidade de modernização do país. (Machado, 2002, Venancio Filho, 2007)5.

1. Conhecendo a revista O Ensino Primário

A primeira página de cada exemplar impresso da revista “O Ensino Primário” indica tratar-se de uma “Revista mensal consagrada aos interesses do ensino e redigida por professores primários”. A tipologia documental – revista - está explícita em sua primeira página.

O exemplar de 1884 que ocupa as páginas 17 a 32, permite observar em Expediente, localizado no final da última página, que a revista é rodada na Typ de Augusto Santos, situada a Rua da Carioca, n. 31, oferecendo assinatura anual de 38.000 [mil réis]. Assim é editada no Rio de Janeiro – município da Corte Imperial.

O Sumário é composto de: “Secção edictorial: Ensino primário, subdividido em: A Revista da Liga do Ensino. Professores adjuntos. Consignações. - Secção Noticiosa: Mais uma saudade. Theses. O professor Gustavo Alberto. Reunião de professores primários. Inspectoria Geral. Conselho director. Nomeações. Designações. - Secção pedagógica: Theses pelos professores, Santos Sabino e Luiz dos Reis. Expediente.”6

Na Secção Noticiosa se confirma a existência de um número anterior, quando o redator informa que “No numero passado desta Revista depuzemos três saudades sobre as campas de duas distinctas professoras e um distincto professor...” (1884, p.24).

O exemplar datado de 15 de agosto de 1885 corresponde ao n. IV, do Anno II da revista em pauta. . Esse dado se encontra na parte superior de sua primeira página junto a diferentes valores para assinatura, sendo a anual de 58.000 [mil réis] e a semestral 38.000 [mil réis]; um aumento de 20.000 [mil réis] se comparada a assinatura anual de 1884. Os valores são direcionados a assinantes da Corte e das Províncias não se limitando sua circulação ao município neutro. Se no número de 1884 esses dados apareciam na página final, agora estão estampados na primeira página. Ocupando as páginas 49 a 64 indica a existência de uma lacuna que vai da página 33 a 49, correspondente a outro número

Embora com alterações em sua disposição gráfica mantém na parte superior de sua primeira página que é uma “Revista mensal consagrada aos interesses do ensino e redigida por professores primários.” Mudanças no funcionamento da revista como a de endereço se faz evidente; se naquele exemplar de 1884 “Toda a correspondência dirigida a redacção do Ensino Primário deverá ser enviada a rua da Carioca, n. 31, typographia” (1884, p.32) no de 1885 “Toda correspondência deve ser endereçada a rua do Hospício n. 139” . Demonstrando a importância dada à instituição escolar, como diferencial chama também atenção a frase “Abrir escolas é fechar prisões” talvez com referência a de Victor Hugo, falecido em maio de 1885.

O sumário é composto de “- Provimentos de cadeiras publicas. – Escolas publicas primarias do sexo masculino. – Secção pedagógica: Chorographia do Brazil. – Chronica.”

Após a apresentação, vamos ao seu conteúdo.

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2. A Secção Edictorial da revista “O Ensino Primário” e a “Revista da Liga do Ensino”

A Secção Edictorial da Revista “O Ensino Primário”, datado de 31 de maio de 1884, ocupa as páginas 17 a 24 e tem como subtítulo no sumário a expressão Ensino primário, embora não apareça no início da seção no corpo da Revista. Desta Secção merece destaque a subseção A Revista da Liga do Ensino. Ocupando quase todo o editorial da página 17 a 20, nela o articulista responde a um artigo de Rui Barbosa, publicado na 4ª caderneta da Liga do Ensino, pautado em questões que giraram em torno das 7ª e 8ª Conferências Pedagógicas a partir de uma chronica também publicada naquela revista.

Existia na Corte imperial uma Série de Conferências Pedagógicas da Instrução Primária e Secundária da Corte patrocinada pelo poder público desde 1873 onde o professorado era convidado a apresentar trabalhos em forma de theses.

Indicando dar continuidade a um debate já iniciado anteriormente, o editor esclarece que em “artigo edictorial um distincto cidadão toma a si a responsabilidade do que ali se escreveu, e muito nos merece S. Ex. o Sr. Ruy Barboza7, ainda uma vez, diremos sobre o assumpto o que se nos apresenta com força de lógica, porque é a expressão da verdade.” (1884, p.17.). Mas o que foi dito? E quem disse?

O que se segue envolve (1) uma crônica publicada na Revista da Liga do Ensino criticando a ausência dos professores primários nas Conferências Pedagógicas organizadas pela Inspetoria Geral de Instrução Pública; (2) o editorial de Rui Barbosa publicado na 4ª caderneta da Liga do Ensino assumindo a responsabilidade pelo que foi publicado, porém “reagindo” a um outro artigo publicado no número anterior da revista “O Ensino Primário”; (3) o editorial dessa revista que, de forma dialogal, responde a Rui Barbosa sobre os motivos pelos quais os professores do magistério primário se recusaram a participar da 8ª Conferência Pedagógica na forma como queria a Inspetoria Geral de Instrução.

2.1 Um cronista e critico pedagógico da “Revista da Liga do Ensino”

Balduino Coelho – segundo o editorial da revista “o Ensino Primário”, “secretário da Liga do Ensino”, em crônica publicada na Revista da Liga do Ensino sobre a 7ª Conferência Pedagógica ocorrida na Corte em dezembro de 1883, expressa opiniões nada elegantes em torno do professorado público primário passando a crítico pedagógico. Nesta função, utiliza phrases amargas direcionadas ao conjunto de professores primários devido a não participação nas Conferências; declara toda classe como incapaz, o que é considerado uma injustiça.

Os professores são convidados pela Inspetoria de Instrução Pública a participarem das conferências pedagógicas com o sem apresentação de trabalhos – theses que são submetidos à seleção. Neste sentido, uma polêmica se instalou a partir da crônica citada. Dirigindo-se ao principal editor da Revista da Liga do Ensino - Rui Barbosa, o editor da revista O Ensino Primário, diz:

Antes, porém, da publicidade de taes trabalhos que exigiam escolha, appareceu na revista de que S. Ex. é redator principal, o Sr. Balduino Coelho, secretario da Liga, elevado á cathegoria de critico pedagógico, não poupando phrases amargas para passar diploma de incapacidade profissional á classe inteira dos professores primários. (p.18, grifo do original)

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O excerto abaixo indica que o secretário da Liga para escrever na Revista daquela associação, teve acesso privilegiado aos trabalhos que seriam apresentados por professores, antes do devido tempo e com a provável anuência do Inspetor Geral de Instrução

De acordo com o Editorial, as produções ainda inéditas foram fontes para a escrita do texto de Balduino Coelho, fato percebido pelo professorado.

As innumeras e textuaes citações do novo critico, que pela primeira vez se mettia em conferencias de professores, puzeram de sobreaviso o magisterio publico, que, fundado nas melhores razões, tornou-se convicto de que taes producções ainda inedictas lhe tinham passado pelas mãos, não podendo ser a isto estranho o Sr. Inspector Geral. (p.18)

Uma outra injustiça cometidas pelo cronista foi insinuar que o professorado utilizava as páginas da revista “O Ensino Primário” para criticar o poder público sem assumir autoria. Isso foi considerado um insulto à classe que criou a modesta revista, mesmo com dificuldades, para discutir assuntos a ela pertinentes, estando aberta a todos os professores que nela desejassem se manifestar. “O professorado publico primário creando uma modesta Revista teve em mente discutir os assumptos com a delicadeza e distincção com que soe ennobrecer-se. “(...) (p.19). Continuando registra com sua escrita: “Recebemos os factos como elles se nos apresentam e não esmerilhamos ninharias para eleval-as a alturas de princípios.” (p.20)

Prosseguindo, esclarece que a revista se constitui em um “orgam de modestos funccionarios públicos que não tem nas grandes rodas amigos graciosos que os tornem membros de sabias academias!...”(.20). Duas observações cabem a partir dessa fala (a) a revista é criada pela classe de professores primários, ou pelo menos por parte dela, como porta voz da categoria; (b) a existência de uma certa tensão entre os professores primários e os intelectuais das academias estava posta, ou pelo menos em parte deles.

Em relação a um panfleto distribuído pelo professorado e também alvo do chronista Balduino Coelho, esclarece o editorial: “Quanto ao papel que diz o chronista citado, ter recebido á porta do edifício das conferencias, temos apenas a dizer-lhe que foi elle impresso á custa dos mesquinhos ordenados de alguns professores primarios e não pago por faustosa associação de bem aquinhoados cidadãos.”(p.20). Esta fala proporciona perceber (a) a existência de um movimento organizado de professores, ou pelo menos de parte deles, sustentado pelos próprios recursos, sendo a criação da revista representativa; (b) uma denúncia quanto a baixa remuneração dos professores; (c) que os professores “nãos se vendem”.

Na seção Chronica, sem identificação de autoria, que ocupa as páginas 59 a 62 da revista “O Ensino Primário” de 1885, se descreve a situação de penúria do professorado público primário da Corte e como será o futuro dessa classe profissional.

Magnifico isto de ser professor publico primário na corte do vasto e rico império do Brazil!(...) “A proporção que os annos decorrem, mais diminuem, pelas contingências da vida material no meio em que vegetamos desalentos, os nosso proventos.Estacionarios, terrivelmente estacionários esses proventos, não obedecendo aos impulsos das necessidades que crescem, d´aqui a bem pouco o professor primário será um objecto digno de estudo ou de commiseração.”

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De estudo, porque todos quererão saber (como já se começa a fazer) de que modo se arranjam esses servidores do Estado pra cumprirem a sua missão e se apresentarem na sociedade. De commiseração, porque não está longe a épocha em que os vejamos, a esses pobres pariás do funcionalismo, pelas ruas da cidade com um chapéo impossível, a camisa de cor duvidosa e a sobrecasaca a rir-se pelos cotovellos. (1885, p.59).

Retornando ao editorial de 1884, o articulista esclarece a Rui Barbosa que mediante o ocorrido o professorado primário, ou pelo menos grande parte dele, resolveu não participar da 8ª Conferência Pedagógica. Como forma de participação o professorado primário não era obrigado a apresentar idéias, bastava apenas assinar o ato de presença, preferindo ficar calado, o que assim o fez: “Manteve-se a classe respeitosa, como era seu dever, e seu silencio valia mais do que bem elaborados discursos. (...)” (1884, p. 18). Porém, qual será o motivo dessa recusa? Explica que o motivo da recusa do professorado em participar da 8ª Conferência Pedagógica não estava na reclamação de toda a imprensa da Corte como afirma Rui Barbosa, tampouco foram as palavras indevidas do secretário da Liga, e sim na atitude do Inspetor Geral de Instrução. Como já visto, desconfiava-se que o Inspetor tivesse proporcionado a Balduino Coelho de forma privilegiada a leitura dos trabalhos - as theses, que seriam apresentadas na conferência, antes do tempo devido, propiciando as críticas que instaurou em seu artigo, reprovando, censurando, verberando os professores primários.

Se o Sr. inspector geral não fosse collaborador com aquelle senhor na Liga do ensino, se S. S. no caracter de chefe [Inspetor Geral como chefe dos professores] defendesse os seus subordinados, como parece de seu dever, verberados pelo critico amigo, o professorado primario teria envidado esforços para corresponder á missão que desempenha na sociedade brazileira, e do que já tem dado innumeras provas em conferencias trasnsactas. (p.18-9)

Duas theses são publicadas neste número da revista “O Ensino Primário”, o que será tratado em outra seção deste artigo.

Apesar de elogiar a escrita do jurista e a sua colaboração na “capacitação” dos professores primários com seu Parecer sobre o ensino primário, constata que Rui Barbosa não conhece a realidade dos professores e o convida a olhar melhor para a situação deles; além disso, estranha o fato da associação ter pagado a Balduino Coelho para escrever sobre a 7ª conferência pedagógica.

S. Ex. o Sr. Ruy Barboza, desconhecendo as aptidões dos professores primários da corte, como se deprehende de seu bem elaborado artigo, e cuja instrucção procura melhorar, mostrou-se-nos estranho aos factos ultimamente acontecidos, não em relação á associação [Liga do Ensino] de que é digno presidente; mas sim ao que em folha paga pela mesma associação disse o Sr. Balduino Coelho, em referencia á 7ª conferencia pedagógica, celebrada nesta corte em dezembro do anno passado. (p.18)

Pelas palavras do editorial, a crônica de Balduino Coelho foi encomenda pela associação da Liga do Ensino que por ela pagou.

De forma amistosa prossegue o editorial: “Com a boa fé que nos caracteriza e sem receio de sermos contestado, vamos melhor informar a S. Ex. sobre o ocorrido que

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parece ignorar.” O corrido, como se sabe, se traduz na recusa de alguns professores primários em apresentar trabalhos escritos na 8ª conferência pedagógica mediante solicitação da Inspetoria Geral de Instrução Pública por meio de seus delegados de ensino.

Querendo a inspectoria geral de instrução continuar a serie de conferencias pedagógicas, pediu e mandou pedir pelos seus delegados aos professores públicos que apresentassem trabalhos escriptos; por isso que alguns se esquivavam de contribuir para taes conferencias pelo principio depressivo, da rolha, imposto pela primeira vez ao magistério, a fim de que se não descobrissem os segredos da administração ou não procurassem devassar as intenções sem duvida hostis. (p.18, grifo do original)

Em rodapé do editorial há a informação de que a citação foi extraída de um panfleto impresso sobre a 7ª Conferência Pedagógica, produzido e distribuído pelos professores primários. Trata-se do mesmo panfleto citado pelo chronista da “Revista da Liga do Ensino”.

Esclarece ao jurista que nove professores primários apresentaram trabalhos escritos naquela Conferência, porém com pontos que consideraram relevantes discutir.

Conscios de terem comprido os seus deveres, retiraram-se com a paz de sua consciencia e com os elogios de seu chefe, os quaes foram eliminados na impressão dos trabalhos daquella conferencia, como se póde ver no impresso que por ahi corre.” (p.18, grifo meu)

Elogios como os endereçados ao trabalho do professor Januario dos Santos Sabino que dissertou sobre lições de coisas, assunto que tratarei mais adiante.

A questão que parece se colocar é de que os trabalhos não figuraram na impressão final dos Anais da Conferência.

O editorial da revista “O Ensino Primário” entende que se Rui Barbosa conhecesse melhor o magistério público da Corte teria sido “mais benévolo em sua apreciação e não diria com tanta amargura que ha um anno, em pleno parlamento, expendeu idéas mais acrimoniosas sem que ninguém se zangasse...”, provavelmente se referindo a apresentação do Parecer sobre o ensino primário à Câmara dos Deputados. As ideias de Rui Barbosa são citadas:

Ficou caracterisada por nós com desassombrada energia, a profunda ausencia de idoneidade profissional que, neste paiz, e designadamente no município neutro assignala os mestres, esterilisando a escola”. (Rui Barbosa apud O Ensino Primário, 1884, p.19)

Tudo indica que para o jurista um artigo publicado no número anterior da revista “O Ensino Primário” ao criticar o seu artigo publicado na “Revista da Liga do Ensino” desconsiderou o que ele havia dito em seus Parecer sobre o ensino primário. O trecho abaixo extraído do editorial em resposta ao jurista deixa evidente essa contestação:

Primeiro que tudo declaramos á S. Ex. que á classe dos professores públicos primários não passou despercebido o seu magestoso projecto8 apresentado á camara temporária de nosso paiz. Se nada se disse sobre elle, é porque entregou ella a questão aos seus illustres amigos naturaes os Srs. Deputados pelo município neutro, aos quaes

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competia mais do que a ninguém discutir o projecto de S. Ex. e providenciar sobre o desenvolvimento e progresso da instrução, cujos interesses immediatos deviam directamente zelar e defender como fieis mandatários de seus concidadãos na corte.” (p.17) (...) (Grifo meu)

Se por um lado é possível perceber no excerto acima, uma critica velada a atuação dos deputados por parte do editorial no que diz respeito às questões da educação no país, por outro é possível também perceber que o editor ao falar do magestoso projecto apresentado á camara temporária se refere aos Pareceres de Rui Barbosa sobre educação.

Devido a Reforma Leôncio de Carvalho9, Rui Barbosa, então relator da Comissão de Instrução Pública10, elaborou seus “Pareceres sobre a Reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior”, no Brasil conforme podemos constatar na nota de rodapé localizada nas páginas 215 e 216 do Volume X, Tomo IV, da edição de 1947, da “Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da instrução pública”. No apêndice III intitulado “Projetos Rodolfo Dantas” há uma nota de rodapé esclarecendo que:

Os pareceres foram provocados – como esclarecem inicialmente, e como já ficou estudado no Vol. IX, tomo I, destas Obras Completas , - pela reforma do Conselheiro Carlos Leoncio de Carvalho, dec. 7.247, de 19 de abril de 1879. (N. Rev.). (FCRB, 1947, p.215-6)

O Parecer sobre A Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública é datado de 12 de setembro de 1882, “dia em que os Anais do Parlamento consignam sua apresentação”. (Ibid., prefácio, p.XI, volume X, Tomo I)11

Causa estranheza ao jurista a reação dos professores repercutida na imprensa ao seu Editorial publicado na “Revista da Liga do Ensino” se comparado a palavras, talvez mais ásperas, ditas no Parecer. Na oportunidade propiciada pelo próprio Rui Barbosa, o Editorial o responde com uma pergunta: “Quer S. Ex. que lhe digamos com franqueza o que esterilisa a escola?” E responde – “É... a política de nossa terra e o modo por que a fazem os mais eminentes cidadãos, que suffocam os estímulos e até tolhem a liberdade de pensamento dos mestres!” (p.19) e não os mestres.

S. Ex. irrogou grave injustiça ao magistério brazileiro, esquecendo entre outros os corpos docentes primários das províncias do Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco (...) sem mencionarmos aqui a província da Bahia,12 por onde S. Ex. tem vindo como representante e pela qual muito deve ter feito com os recursos de que dispõe. (Grifo meu).

O redator deixa claro que suas críticas não o coloca contra a Liga do Ensino e nem contra Rui Barbosa. Anuciando-se como um defensor da criação daquela associação em outros artigos e a apresentando como um fator necessário ao progresso da instrução pública da pátria brasileira, cita a si mesmo:

Tendo á sua frente o nome do Dr. Ruy Barbosa e presidindo S. Ex. uma assembléia de cidadãos conspicuos e reconhecidamente habilitados nos ramos de conhecimentos humanos necessários á instrucção popular, via o professorado primário da corte, ligado por estreitos laços ao de todas as províncias do Imperio, rasgar-se o véo

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espesso que lhe encobria os horisontes até então carregados de nuvens negras. (p.19)

Não era da associação nem de Rui Barbosa de que se queixava o professorado, estando os docentes de acordo com o jurista quando afirmava “não ter aquella associação absorvido as autoridades do ensino em seu proveito, antes entende que foram estas que quizeram absorver aquella, punindo a um honrado professor que pronunciou na imprensa de um paiz livre contra um dos escriptores da Liga que deprimiu uma classe inteira de pacíficos funcionários públicos.” (Rui Barbosa apud O Ensino Primário, p.19). Se o escritor da Liga referido era Balduino Coelho, quem era o professor articulista da revista “O Ensino Primário”? Talvez a resposta a essa pergunta se encontre na Secção Noticiosa, especificamente na subseção O Professor Gustavo Alberto.

2.2 O professor Gustavo José Alberto

Prosseguindo o diálogo reafirma o Editorial que o jurista “não conhece as aptidões do corpo docente primário” e fundamenta sua asserção nas próprias palavras de Rui Barbosa.

A Liga do ensino não tem nem pretende, competência nenhuma, para intervir nas relações disciplinares entre o magistério elementar e os seus chefes legaes, não conhece pessoalmente os mestres, não lhes compulsa a fé de officio, nem os autos do processo, não ouve a accusação nem a defesa, não tem meios, pois, de qualificar a innocencia ou culpabilidade do acusado, sua conformidade ou rebeldia ás leis do respeito a que o magistério escolar, como sacerdócio, mais do que outra classe está rigorosamente obrigado para com os seus legitimos superiores. (Rui Barbosa apud Editorial da revista “O Ensino Primário”, 1884, p.19 (grifo do original)

Se o excerto acima apresenta grifos do original por parte do editor, cabem aqui os nossos próprios grifos. Nele, observamos que Rui Barbosa entendia a função do magistério escolar como um sacerdócio e por isso a classe profissional dos professores estava rigorosamente obrigada para com os seus legitimos superiores. A fala do jurista trouxe uma indagação quando afirma que: “A Liga do ensino não tem nem pretende, competência nenhuma, para intervir nas relações disciplinares entre o magistério elementar e os seus chefes legaes”. Por que “não tem meios, pois, de qualificar a innocencia ou culpabilidade do acusado”. Quem era o acusado? Salvo engano, a fala do jurista caberia perfeitamente no caso do professor Gustavo Alberto que na Secção Noticiosa mereceu destaque numa subseção intitulada O professor Gustavo Alberto. No primeiro número da Revista “O Ensino Primário” deu-se publicidade a uma carta escrita por aquele professor sobre a não participação dos professores públicos nas Conferencias Pedagógicas. Neste sentido, esclarece o redator a seus leitores:

Tendo-se celebrado nesta corte as conferencias pedagógicas e abstendo-se o professorado publico de tomar nellas parte, o Sr. Gustavo Alberto entendeu trazer a publico as impressões que lhes tinham ficado gravadas no espírito, e assim o fez em artigo por si assignado e em linguagem própria á sua profissão.” (1884, p.24)

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O professor opinava que a Inspetoria Geral de Instrução não podia estar satisfeita com os resultados obtidos nas conferências “face da abstenção dos professores e da ausência das pessoas altamente collocadas que sempre as animaram com sua presença” (p.24), pois “corriam rumores de grandes perseguições, mas que o professorado elevaria sua voz pedindo justiça, e Ella seria ouvida pelos poderes superiores.” (p.24). Rumores que se tornaram realidade, pois a Inspetoria Geral de Instrução fez o professor em pauta a ela comparecer por meio de um ofício datado do mesmo dia da publicação do artigo o suspendendo de suas atividades no exercício do magistério, balizada pelo artigo n. 131 do Regulamento de 17 de Fevereiro de 1854 -Reforma Couto Ferraz.13

Nos casos em que affectem gravemente a moral ou em que haja perigo na demora da deliberação definitiva, o inspector geral deverá suspender desde logo o professor culpado, ou determinar que se feche o estabelecimento particular, até a decisão do conselho, que será immediatamente convocado, levando-se tudo no conhecimento do governo. (Reforma Couto Ferraz apud “O Ensino Primário”, 1884, p.25)

O conselho diretor, reunido três dias depois, confirmou a deliberação da Inspetoria, impondo ao professor acusado a pena mínima, um mês de suspensão. A decisão é contra-argumentada considerando que não foi observado o art. 126 do mesmo Regulamento que preceitua: julgado procedente a denuncia será ouvido o accusado por escripto dentro do prazo de oito dias, que lhe será assignado. (p.25). Neste sentido, o professor Gustavo tendo em vista o dispositivo legal que determina o “prazo legal de cinco dias a contar da data da decisão do conselho” (p.25), recorreu ao Governo Imperial, da decisão imposta por aquele Conselho, informa o articulista.

No Estado Imperial brasileiro a legislação educacional não perdeu de vista os professores. A partir do citado regulamento, o sistema educacional14 ficou sob a responsabilidade da Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária da Corte que fora criada em 1851 diretamente submetida ao Ministério do Império a partir da promulgação do Decreto Legislativo nº 630, de 17 de fevereiro de 1851, que permitiu ao Imperador D. Pedro II reformar o ensino primário e secundário do município da Corte. O Decreto de 1854 também criou um Conselho Diretor – composto por dois professores públicos, pelo reitor do Imperial Colégio de Pedro II, e presidido pelo Inspetor Geral. Sua competência era determinada no Art. 11, estando entre elas “julgar as infrações disciplinares dos professores”. (In Souza, 2008, p.36).

A estrutura educacional é publicada no exemplar de 1885 da revista “O Ensino Primário”. A instrução primária e secundária do município da Corte achava-se “sob a immediata inspecção do Inspector Geral da instrucção primaria e secundaria do município da Côrte” sendo auxiliado por 21 “delegados litterarios”, e por um corpo consultivo com a denominação de “Conselho Diretor de Instrucção”, o qual se reúne frequentemente para tratar de “assumptos concernentes ao ensino”. (p.58). Desta maneira, em 1884 ainda vigorava a Reforma Couto Ferraz na qual o Conselho Diretor de Instrução enquadrou o caso do professor Gustavo José Alberto proferindo-lhe a sentença.

Devido a punição instituída foi organizado um abaixo-assinado pelos professores e professoras públicos de instrução primária do município da Corte datado de 27 de abril de 1884, contendo 60 assinaturas em favor do professor. O documento foi publicado na Secção Noticiosa, especificamente na subseção “Reunião de professores primários”.

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Realizou-se no dia 27 de abril a reunião dos professores públicos primários, como annunciaram as folhas diárias. Em presença de grande número professoras e professores públicos tomaram-se diversas deliberações sobre a attitude do magistério em vista dos acontecimentos últimos, novos nos annaes da instrucção publica da corte.Eleita a mesa por unanimidade de votos, foi presente uma declaração concebida nos termos seguintes: Os abaixo assignados, professores publicos de instrucção primaria do Municipio da Corte, declaram que adherem completamente á defesa produzida na imprensa em favor da classe dos professore primários, pelo distincto colega Gustavo José Alberto. – Rio de Janeiro, 27 de abril de 1884.” (“O Ensino Primário, 1884, p.25)

Conforme consta da notícia, nesta reunião “por proposta de alguns professores foram nomeadas diversas commissões para agradecerem em nome da classe as redacções da “Folha Nova” e “Gazeta da Tarde”, pelo interesse que tomaram na defeza do magistério primário (...)”. (Ibid. p.26). Assim os fatos ocorridos repercutiram na imprensa oficial, ou pelo menos em parte dela.

À época do abaixo-assinado era Inspetor Geral da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho que, conforme nossa fonte, em maio de 1884, pede exoneração do cargo. Sancho Pimentel, então diretor da Escola Normal da Corte, segundo consta na página de n.26 da revista, passa a ocupar o cargo interinamente.

3 As theses na Secção Pedagógica

Ainda em Secção Noticiosa, há a informação de que na Seção Pedagógica encontram-se publicadas duas theses figurando às páginas 27 a 30 da revista: uma sobre Lições de cousas discutida na 7ª Conferência Pedagógica pelo professor Januario dos Santos Sabino; e uma outra sobre a “Influencia que é chamada a escola publica a exercer sobre a educação dos alumnos” que deveria ser discutida na 8ª Conferência pelo professor Luiz Augusto dos Reis.” (1884, p.24), como forma de divulgação e valorização dos trabalhos.

Abaixo o enunciado da these para discussão do professor Januario dos Santos Sabino sobre lições de coisas:

Admittido que a lição de cousas é o methodo mais apropriado para dar aos alumnos da aula primaria as noções scientificas, pergunta-se: - 1º Si é possível desde já tornar tal ensino obrigatório em nossas escolas. – 2º Sobre que classes de objetos deverão de preferencia versar semelhantes lições, e qual o modelo a seguir. – 3º Si as lições de cousas devem constituir ramo independente do programma das escolas. (“O Ensino Primário”, 1884, p.27)

Vejamos as palavras do professor em seu pronunciamento sobre o tema “Lições de coisas” proferidas na 7ª conferência pedagógica.

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É inútil encarecer o valor do ensino intuitivo.Todos quanso se occupam com a nobre, mas difficilima tarefa de instruir, e acompanham o progressivo caminhar da sciencia pedagógica, são unânimes em reconhecer nelle o único caminho capaz de conduzir-nos a uma educação solida.Ao inverso dos antigos methodos que fazaim preceder o conhecimento da palavra ao do objecto que Ella significava, que confiavam á memória sons, em vez de gravar na intelligencia idéas, começa pro collocar sob os olhos da criança o objeto que faz o assumpto da lição ou, na falta deste, a imagem que o representa, e fazendo-lhe notar a sua cor, fórma, uso, procedência e propriedades, por meio de questões habilmente formuladas, em que deixa livre campo ás faculdades inventivas da criança, desperta-lhe a observação, desenvolve-lhe a reflexão e exercita-lhe a intellligencia. (...)Appareceu então o museu escolar que devia fornecer os objectos á instituição, organizaram-se programmas, methodizou-se emfim o ensino intuitivo. Desta methodização nasceram as lições de cousas.Duas são as condições para o emprego desta fórma de ensino, como querem uns, ou deste ramo de instrucção, como entendem outros: grande somma de conhecimentos por parte do mestre, e material escolar que sirva de base ás lições. Examinemos si possuem as nossas escolas taes requisitos... (p.27-8).

Após longa exposição chega a conclusão que as escolas brasileiras ainda não estavam equipadas para receber o novo método, porém, aponta alternativas chamando o professorado a colaborar para o sucesso.

O autor da these mereceu reconhecimento por parte do Inspetor de Instrução Pública. Em minuta de ofício datado de 9 de fevereiro de 1884, enviado ao Ministro de Estado dos Negócios do Império, o Conselheiro Francisco Antunes Maciel, pelo Inspetor de Instrução Publica Antonio Herculano de Souza Bandeira são apresentados os nomes dos professores Januário dos Santos Sabino e Manoel José Pereira Frazão15 merecedores de condecoração por parte do Governo Imperial, conforme resolução datada de 1872, por se destacaram devido aos serviços prestados ao magistério e a participação com apresentação de trabalhos na 7ª Conferencia Pedagógica realizada em dezembro de 1883. (Bonato, 2000).

Não é objetivo uma comparação entre o pensamento do professor e do jurista em relação a “Liçoes de coisas” 16, pois não caberia nas páginas desse artigo, mas Rui Barbosa em seu Parecer sobre o ensino primário, também se ocupou com “Lições de Coisas” especificamente, no Volume X, Tomo II, capítulo VII, ao tratar dos “Métodos e Programa Escolar”. O principal redator da “Revista da Liga do Ensino defende “Lições de Coisas – Método Intuitivo” como princípio do ensino integral” (Bonato, Coelho, Menezes, 2008, p.6). O que Rui Barbosa entendia por Lições de Coisas?

A lição de coisas não é um assunto especial no plano de estudos: é um método de estudo; não se circunscreve a uma seção do programa; abrange o programa inteiro; [...] No pensamento do substitutivo, pois, a lição de coisas não se inscreve no programa; porque constitui o espírito dele; não tem lugar exclusivamente no horário: preceitua-se para o ensino de todas as matérias, como o método comum, adaptável e necessário a todas” (Rui Barbosa, 1947, p. 214-5 apud Bonato, Coelho e Menezes, 2008, p.6.).

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Rui Barbosa traduz em 1881 e publicada em 1886 “Primeiras lições de coisas”, do norte-americano Norman Calkins, também conhecidas como método intuitivo 17, embora se estabeleça diferenças entre dois os termos. Considerado por Rui Barbosa como o método de ensino mais adequado para as aspirações sobre o ensino primário. Embora “Lições de coisas”

servisse para indicar o método intuitivo aplicado em todas as disciplinas, com freqüência ela designava o ensino elementar das ciências da natureza, isto é, restringia-se a uma das disciplinas do currículo. Buisson18 mesmo reconhecera essas duas possibilidades, mas ressaltava ser importante compreender “lições de coisas” como método constituinte de todo programa de ensino. (Aranha, 2006, p.232)

A segunda these, a do professor Luiz Augusto Reis, trazida na página 30 da revista “O Ensino Primário” se configurava dessa forma: “Influencia que é chamada a escola publica a exercer sobre a educação doa alumnos. – Meios ao alcance do professor para formar o caracter de seus discípulos.” (1884, p.30). As reflexões do professor ocupam as páginas 30 a 32 da revista que por limitação de espaço não são apresentadas. Porém, cabe dizer que Teixeira (2010) apresenta o professor e autor da these como editor chefe da revista O Ensino Primário e como um intelectual. Apoiando-se na Enciclopédia Brasileira (Reis, 1963); no Dicionário Bibliográfico Brasileiro, organizado por Blake (1902) e no Dicionário Bibliográfico Portuguez (Silva, 1893), a autora afirma: “No cerne desses professores intelectuais, encontrava-se Luiz Augusto Reis (sec. XIX), editor chefe da revista O Ensino Primário.” (Teixeira, 2010, p.67).

Considerações finais

Embora no tempo da escrita desse artigo não se tenha acessado o primeiro número da revista “O Ensino Primário” contendo o artigo/carta do professor Gustavo Alberto; a chronica de Balduino Coelho e o artigo de Rui Barbosa publicados na “Revista da Liga do Ensino” para uma melhor compreensão das questões, a partir das leituras dos exemplares consultados é possível considerar que: (a) existia naquele momento de 1884-1885 um movimento organizado de professores, ou pelo menos de parte deles; (b) havia um embate entre o professorado e a Inspetoria Geral de Instrução em torno do direcionamento que está pretendia dar à participação de professores nas conferências pedagógicas; (c) a “Revista mensal consagrada aos interesses do ensino e redigida por professores primários”, denominada “O Ensino Primário”, se configurava como um periódico defensor dos interesses dos professores primários que de uma determinada maneira se constituía como um contraponto a Revista da Liga do Ensino.

Teixeira (2010) afirma que Schueler (2004; 2008b) “validou a existência de uma rede de sociabilidade intelectual, formada por professores, pertencentes ao grupo de intelectuais que se destacaram pela edição e publicação de jornais, revistas, livros didáticos, poesias e outros gêneros, além de se dedicarem ao ensino primário da Corte imperial na segunda metade do século XIX” (Teixeira, 2010, p.67), identificando Luiz Augusto Reis como editor chefe da revista “O Ensino Primário”. Neste sentido, não seria demais afirmar que o perfil dos fundadores da revista “O Ensino Primário” se enquadra como sujeitos pertencentes a esse grupo de intelectuais trazido por Schueler. Por fim, é necessário entender melhor os próprios sujeitos professores que constituíram a revista no contexto de sua criação, o que nos limites deste artigo não se pode desenvolver.

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VENANCIO FILHO, Alberto. “O liberalismo nos Pareceres de Educação de Rui Barbosa. Estudos Avançados, v.21, n.61, São Paulo, set./dez. 2007. Capturado em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-4014200700030001&script=sci_arttext . Acessado em 18 de fevereiro de 2011

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1De acordo com a Na Secção Pedagógica da Revista “O Ensino Primário”, de 1885, o Município Neutro foi criado pelo “acto addicional que reformou alguns artigos da nossa constituição política”. À época em pauta tinha por limites “ao sul, o Oceano Atlantico; a leste, a Bahia do Rio de Janeiro, que separa da província deste nome [Rio de Janeiro]; ao norte, Iguassú pelos rios Guandú Mirim e Merety; ao oeste, Itaguahy, pelo rio Guandú.”; de superfície 1982 quilômetros quadrados e sua população chegava perto de 500.000 habitantes (p.58). Conforme os estudos de Souza (2008) no relatório da Justiça, datado de 1877 de Lafayette Rodrigues Pereira, sobre a distribuição dessa população na cidade, lê-se: “Consta de uma estatística feita em 1869, existirem na cidade 642 cortiços, contendo 9.769 quartos habitados por 21.929 indivíduos; 9.630 nacionais 4.735 homens, 4.895 mulheres; 5.918 maiores, e 3.712 menores; 12.712 estrangeiros, 8.820 homens, 3.479 mulheres; 11.124 maiores e 1.175 menores. Pode-se affoutamente asseverar que, de então pra cá, tem duplicado o numero de cortiços e de seus habitantes, sem ter-se conseguido melhora alguma no modo das edificações apesar dos reclamos da imprensa”. Relatório da Justiça - 1877, anexo A5 pp.59-60. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1871/000533.html . No campo da educação, no final do império, o Município Neutro possuía 95 escolas públicas primárias. Schueler (1998). É neste espaço e nas províncias que a revista circulava.2 Foram acessados por Roberta Guimarães Teixeira durante pesquisa para elaboração de sua dissertação de mestrado intitulada “Na penna da imprensa professoras e professores primários do século XIX (1852-1888): contribuições aos estudos da feminização do magistério” por mim orientada e defendida em 2010 na UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.3Realizado na cidade de Aracaju – SE, de 9 a 12 de novembro de 2008. Para o evento foi aprovado o t rabalho intitulado “Educação Integral no pensamento de Rui Barbosa” elaborado por Nailda Marinho da Costa Bonato; Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho e Janaína Specht da Silva Menezes, o trabalho se inscrevia como parte da pesquisa institucional “Tempo integral e educação integral no Ensino Fundamental”, financiada pelo Observatório da Educação, no âmbito do convênio CAPES/INEP, a partir de um de seus objetivos, “Identificar e historicizar concepções e práticas de educação integral em tempo integral, ao final do século XIX e ao longo do século XX”. 4 De acordo com Alberto Venancio Filho no artigo intitulado “O liberalismo nos Pareceres de Educação de Rui Barbosa”, publicado na revista Estudos Avançados, v.21, n.61, São Paulo, set./dez. 2007, no ano de 1864 (sic), provavelmente 1884, Rui Barbosa foi presidente da Liga do Ensino no Brasil e redator principal da Revista dessa associação, redigindo habitualmente o editorial. Capturado em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-4014200700030001&script=sci_arttext . Acessado em 18 de fevereiro de 2011.5 Alguns autores datam esse período até 1886. Conforme a cronologia publicada no site da Fundação Casa de Rui Barbosa, a tradução e adaptação da obra didática “Lições de coisas”, de Norman A. Calkins só foi publicada em 1886. Fonte: http://www.casaruibarbosa.gov.br . Acessado em 18 de fevereiro de 2011.6 Nas citações será mantida em todo o texto a escrita original da fonte. 7 O tratamento formal tem sentido, pois em 1878 Rui Barbosa é eleito Deputado à Assembléia Legislativa Provincial da Bahia e em 1879, deputado à Assembléia Geral Legislativa da Corte. Fonte: http://www.casaruibarbosa.gov.br . Acessado em 18 de fevereiro de 2011.8 Tendo em vista a sapiência de Rui Barbosa, reconhecida por todos – veja a expressão magestoso projecto, a ele é creditada pelo imaginário popular certa prepotência. De acordo com Homero Senna (1994) correm a respeito do jurista “as histórias mais fantasiosas (...). Está neste caso a lenda de que, chegando exilado à Inglaterra, teria colocado na porta de casa uma placa com os dizeres – “Ensina-se inglês aos ingleses”. E aquela outra, de que, na Conferência de Haia, antes de responder a um aparte, indagara: ”- Em que língua querem que eu fale?”(Senna, 1994, p.9).9 Instituída pelo Decreto n.° 7.247, de 19 de abril de 1879, expedido pelo ministro do Império, o Conselheiro professor Carlos Leôncio de Carvalho. (Bonato, 2003). Essa Reforma “...pregava a não fiscalização do governo nas questões do ensino, bem como a não obrigatoriedade de freqüência e de credo religioso. Também conhecida como “A reforma do ensino livre”, a Reforma Leôncio de Carvalho buscava ir ao encontro do pensamento educacional vigente ao final da década de 1870, o qual, após a conquista da Lei do Ventre Livre (1871), exigia que se educasse para o exercício da liberdade.” (Bonato, Coelho, Menezes, 2008, p.2) 10 Em 8 de março de 1881 é nomeado membro do Conselho Superior de Instrução Pública. Fonte: http://www.casaruibarbosa.gov.br . Acessado em 18 de fevereiro de 2011.11 Conforme o prefácio da obra citada, a folha de rosto do “Parecer menciona a data verdadeira do aparecimento do trabalho (1883)” (FCRB, 1947, prefácio, volume X, Tomo I) 12 Nas palavras de Homero Senna (1994, p.35) “Em maio de 1876 Rui Barbosa resolve deixar a Bahia e embarca para o Rio, a fim de tentar abrir caminho na vida.” 13 Reforma elaborada por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, o Barão do Bom Retiro. Conforme Souza (2008) a partir de Blake (1970) Luiz Pedreira do Couto Ferraz recebeu o titulo de Barão em 1867 e o de Visconde de Bom Retiro, em 1872. Nasceu na Corte, em 1818. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo, 1838, onde posteriormente foi nomeado catedrático. No ano de 1848, governou o Espírito Santo. Governou a província do Rio de Janeiro até 1853 e organizou a legislação do ensino primário e secundário em nível provincial. Como Ministro do Império, 1853-1855, regulamentou o ensino público e particular na Corte, seguindo as diretrizes do “laboratório fluminense”. Em 1866 foi Senador pela província natal e, em 1871, subiu ao Conselho de Estado, tornando-se amigo pessoal do Imperador. Presidiu o IHGB. Cf. BLAKE, Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. RJ, Conselho Federal de Cultura, 1970.

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14 De acordo com o exemplar de 1885 da revista “O Ensino Primário”, a instrução pública achava-se dividida em três graus: instrução primária, secundária e superior. A instrução primária era fornecida por escolas públicas, gratuitas, colégios e escolas particulares; a secundária ministrada pelo Colégio Pedro II, e por cursos e colégios particulares; a superior pelas Academias de Medicina, Escola Politécnica, Escola Militar e de Marinha. Naquele momento, o “Ministério do Imperio [geria] toda a instrucção do município, bem como o ensino superior das províncias.” (1985, p.58).15 Sobre Manoel José Pereira Frazão veja a tese de doutorado de Alessandra Frota Martinez de Schueler intitulada Culturas escolares e experiências docentes na cidade do Rio de Janeiro (1854-1889), defendida em 2002. Niterói: UFF (Tese de Doutorado), 2002.16 Sobre “Lições de Coisas” e método intuitivo são significativos os estudos e pesquisas de Vera Teresa Valdemarin. 17 Depois do fracasso no Brasil do método monitorial lancasteriano na primeira metade do século XIX, a discussão pedagógica se dá em torno do método intuitivo e lições de coisas. “Essas idéias chegam a América Latina sobretudo pela divulgação do pensamento dos franceses Célestin Hippeau (1808-1883) e Ferdinand Buisson (1841-1932). (Aranha, 2006, p.232). 18 De acordo com Souza (2008) ao escrever os pareceres Rui Barbosa fundamenta o seu pensamento, especialmente com leituras de autores estrangeiros, portanto se justifica as menções a Buisson.