Comparato - Função social do jurista

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  • 8/12/2019 Comparato - Funo social do jurista

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    F UN O SOCIAL D O JURISTAN O BRASIL CO NT EM PO R NE O*

    Fbio Konder ComparatoProfessor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

    Doutor e m Direito da Universidade de Paris

    Resumo:A funoo uutilidade socialdotrabalhodojurista, como

    cultor intelectualdoDireito, desdobra-see mduas atividades: pesquisacientfica e inveno tcnica.

    O labor intelectual daiurisprudentiaromana no se limitouclassificao conceituai dos dados da readadejurdica,comaaplicao dadiairessisgrega,m as estendeu-se tambmelaborao de novos institutos,destinadossoluodeproblemas sociais emergentes, sobretudonocampoprocessual.Na evoluo do direitoingls,foinotvelacontribuiocriadora dos juristasdaequity osquais desenvolveramu mtrabalhoanlogoao dopretor romano, completando, corrigindoesuprindoasdeficinciasdacommon law.N o salboresdocapitalismo europeu,noentanto,acapacidade criadora dos juristas foi nitidamente suplantada pelados prprioscomerciantes,que deram nascimento aos grandes institutos davida empresarial moderna, comoacambial,oseguroou asociedadeannima.

    C o m a acentuao do Direitoestatal,a partir do Renascimentoe,sobretudo, desdeaRevoluo Francesa,otrabalho dos juristas ficou,quase todo, confinado explicao doDireito positivo.A teoriademocrtica,alis,sempre viu com maus olhosacriaodoDireito porquem no fosse legitimado pelo voto popular.

    N o Bras,acriaodenovos institutos jurdicostemsidodevida muito menos ao esforo inventivo dos jurisconsultosemuito maisao talento dos profissionais doforo,ou da vidaempresarial.N o tocante aotrabalhodeinterpretaoeaplicaodalei,omovimentod ochamadodireitoalternativo no parece ser a soluo mais equilibrada em busca demaiorjustia.

    Os juristas de hoje somente justificaro sua utilidade social,quando souberem, deu mlado, desenvolver novos padres exegticosderealizao dajustia,sem desrespeito ao princpiodasupremaciadaleisobreavontade individual dointrprete;de outrolado,quando souberematuar,mximee mmatria constitucional, como verdadeiros engenheirossociais,na construo de uma nova sociedade.

    *Aula inaugural do curso de ps-graduao do ano letivo de1991,da Faculdade de Direito daUniversidade Federal da Bahia.

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    F U N O S O C I A L D O J UR I ST A N O B R AS I L C O N T E M P O R N E O 131Abstract:

    T h e function or social usefulness of the wo r k of thejurist,as anac ad em ic cultivator of La w , unfolds in two activities: scientific research andtechnical invention.T h e intelectual w o r k of the R o m a n jurisprudence did not limititselfto the conceptual classlcation of the data of the juridicalreality,withthe applicaton of the Gr e e k diairessis, but went o n also to the elaborationof n e w institutes, designed to sorve eme rg in g social pr oblems , speciafy inprocessual L a w . In the evolution of English L a w , the creative contributionm a d e by the equity jurists w a s remarkable, they deve loped a wo r k similarto that of the R o m a n Praetor completing, correcting a nd supplying thedeficiencies of the C o m m o n La w. In the beginings of Eu ro pe ancapitalism, nevertheless, the creative capacity of the jurists w a s clearlysuperseded by that of the traders themselves, that origmated the greatinstitutes of the m o d e m business life, as the excha nge, the insurance andthe stock com panie s.Wi th the emphasizing of state La w, f rom the Renaissance and,specially, sm c e the Fr en ch Revolution, the wo r k of the jurists re mai nedalmost ali ofitconfined to the explanation of positivelaw.T h e democratictheory, never liked the creation of law b y peop le not legitimai ed by pop ula rvote. In Braz , the creation of n e w juridical institutes ha s b e en du enot so m u c h to the inventive efforts of the jurisconsults but to the talent ofthe court professionals or the business sphere. A s regards the w o r k ofinterpretaiion an d a ppcation of law, the m o v e m e n t of the so ca Uedalternative law do es not see m to b e the mo st balanced solution in thesearch for greater justice.T h ejuristsof today w l ory justify their social usefulness w h e nthey are able to, o n o ne han d, develop n e w exegetic standards ofrealization of justice, without disrespect to the principie of the su pre ma cyof the L a w over the individual wl of the interpreter, and , on the otherhand, w h e n they k n o w h o w to act, specially in constitutional matters, asreal social en gm ee rs , in the bu d in g of a n e w society.

    S o u tentado a entrarex abrupto n o assunto, s e m ma io re s circunlquios,para indagar sob re a uti dade social do s juristas n o m u n d o de hoje. Pa ra q u eser vem eles, afinal? S u p o n h a m o s , c o m o n a afabulao d e Saint-Si mon n o inciod o sculo passado, 1qu e u m a insidiosa molstia, curio same nte ga da ao trabalho

    1. E m ensaio publicado em 1819, o conde Claude-Henri de Saint-Simon sustentou que osbito desaparecimento da elite dos cientistas, tcnicos, mdicos, industriais, comerciantes eagricultores franceses seria u m verdadeiro desastre para a nao francesa, de mandando pelomenos u m a gerao para ser reparado. E m contraste, a morte sbita dos principaisrepresentantes da nobreza, de todo o alto funcionalismo, inclusive os ministros de Estado, dosaltos dignitrios religiosos, de todos osjuizese dos dez mil principais proprietrios do pas n o

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    132 FBIO KONDER COM PAR ATOdo s nossos jurisconsultos, acabassee mpo uc o t e m po por dizim-los.O Brasilsofreria algum atraso po r isso?O carter provocativo dessa indagao po de ser ate nua do o u agravado,conformeoalcance que se d ao raio de atuao d o p ers ona gem .O queserjurista, afinal?

    A den omi na o - nin gu m ignora -hoje largamente atribudaatodoprofissional d o Direito neste Pas, assim c o m o , se gu nd oapersistente tradio,nohbacharel q ue dispenseotratamentodedoutor. M a s seoqualificativopode ter al guma utilidade para distinguir atividades e funes n o c a m p o jurdico,parece curialqu e ele n oassuma u m aacepo vasta e indiscriminada,un ic am en te para satisfazer vaidades pessoais ou prestgios profissionais. S e n e mtodo bacharel advogado, do m e s m o m o d o n e m todo advogado ou magistrado,o u pro mo to r pblico,ouconsultor geral da Repblica pode ser consideradojurista.

    E m R o m a , osprudentessouberam distinguir, nitidamente,ooratordoiurisconsultus,aeloquentiad ascientia iuris(D . 1, 2, 2, 40 -Pompnio).Desseelementar cuidado de discriminaoeclassificao - que presidiu,deresto,onascimento daiurisprudentia car ece mos muit o n o presente.

    O termojuristadeveria, a m e uver,ser reservado unica me nt e a o cientistao u cultor intelectual d o Direito, e nessa acep o q ue m e pr op on ho empreg-lo,doravante, nesta exposio.

    C o m o todo cientista,ojurista desenvolve, fundamentalmente, duasatividades:apesquisa e a inveno, vale dizer, a cincia pur a eaaplicada, ou, sese preferir, a teoria e a tecnologia.

    Enqu anto cincia, o u seja, cultura racional deu mobjeto de pensa mento ,o Direito nasceu sob a forma de classificao fenomnica, implicandoaelaborao d e conceitose asua definio.2O s ro ma nos serviram-se, para tanto,d o m t o d o dialtico grego, qu e se desenvolviae mdois mom en to s.E mprimeirolugar, procedia-seanlisedosfatos concretos,pormeiodedistineserelacionamentos diairessis paraosgregos,differentiaoudistino paraos

    acarretaria nenhum prejuzopoltico*.O atrevido ensaio valeuaSaint-Simon u m processocriminal.2.A setapasd onascimentoedesenvolvimento daiurisprudentia foram admiravelmenteretraadas po r Fritz Schulz, e mHistoryofRoma LegalScience,Oxford 1 edio e m 1946.

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    IUNO SOCI LDO JURIST NOBR SIL CONTEMPORNEO 33latinos visando ao estabelecimento de gneros e espcies, tal como ilustradomin uci osa men te por Plato, n o dilogoO Poltico.E mseguida, sintetizava-seaessnciadecad a conceito, assim elaborado, n u m a definio (regula iuris),consistente, s eg un doaelegante expressodeSabino (D . 50, 17,1 ,e m u m abrevisrerumnarratio.

    E importante ressaltar que, nesse trabalho de pesquisa para aclassificao sistemtica da realidade jurdica, osprudentesn o se limitaramapensaroDireitoe mbusca d e soluo para litgios judiciais, m a s fo ram alm,sobretudo n o c a m p o d o direito privado, lanando, pela primeira vez, as basesconceituais d e nossa cincia. As si m,otrabalhodeelaborao sistemtica do sconceitoseregulaeiuris,dequeoLivro 5 0doDigesto no s oferece sugestivacondensao, foi ta m b m u mm e i odedescobertadarealidade jurdica,u m aespcie de le vantamento cartogrfico d o q ue fora, at ento,terra ignota.

    A l m dessa pesquisa sistemtica da realidadejurdica,porm,otrabalhocientficodosjurisconsultos ro ma n o s desenvolveu-se t a m b m n oplanodacriao de institutos, m x i m ee mmatria de re m di os judiciais.

    A LexAebutia,d o se gu nd o sculo a. C, abriu nesse particularu mlargoc a m p oatuao criadora d osjuristas.O processoper formulam - conservado,alis,at hoje, substancialmente, nos juzos arbitrais internacionais exigia doslitigantes u m a tcnica de inveno jurdica inteiramente desconheci dapocadaslegis actiones,q u an d o as partes limitavam-seaemp re ga r, repetitivamente, asvias judiciais declaradasdem o d o taxativoe mlei. Dorava nte,oautor tinhaonusdeapresentaraopretoru m afrmuladeao, facultando-sea o rucontraproporainsero de u m a clusuladedefesa(exceptio).claro queasfrmulas s er am apresentadas ao juiz leigo depois d e aceitas pelo pretor. M a sc o m o este rar ame nte era u m jurisconsulto de forma o ,atarefa de com pos i oformular recaa normalmente sobreosjuristas, cujo aviso era busc ad o,deant em o, pelas partes e seus adv ogad os.

    Pode -se, pois, afirmar,c o msegurana, qu eoconjuntod ovastoiuspraetorium,q ue de u condies de viabilidade e exp ans o a todoodireito privadoro ma no , foi u m a criao dos jurisconsultos. Gr a asaeles, tod oocaptulodaresponsabilidade civil, estreitamente regulado pelaLexAquilia,foi alargado po rmei o dasactiones utiles;os contratos consensuais, qu e f o r m a m a base d o trficojurdico mo de rn o, f ora m reconhecidose mjuzo pela fr mul aex fide bona;as

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    134 FBIO KO ND ER COM PAR ATOactiones metusede dolo,com ple tam ent e estranhas ao sistema d oius quiritium,vieram quebrar, definitivamente,ofo rmal ismo negociai.M o v i m e n t o semelhante ocorreu no direitoingls,a partir da Baixa IdadeMdia. Tal c o m o n osistema ro ma no ,o ajuizamentodecausas peranteostribunaisd orei,nacommon law,spodia fazer-se se gu nd oaspou cas viasjudiciais,taxativamente admitidas pela tradio.O chanceler, no entanto, passoua conhecerdelitgios que no en co nt ra vam u m a soluo justa no s tribunais,lanando m o , paratanto,do princpio da boaf,aime temper ar a rigidez dosprecedentes. Essa jurisdio excepcional ac abou gerandou mcorpo prpriodenormas,paralelamenteaodireito c o m u m asmies of equity-, assim co mo,outrora,oEdito d o Pretor havia consolidadooius honorarium.Foi graas aoesprito inventivo dos juristasdachancelaria inglesa queaequitymodernizoutodoodireito das coisas, at entodeestrutura medieval, construindo,porexemplo,otrustnos moldesdaantigafiduciar o m a n aereformandoodireitohipotecrio. C o m o sabido,otrust,pela sua labilidade, tem servidoa u msem-n m e r o de utilizaes, not ada me ntenodireito empresarial. Foi, ademais, pormeiod oprocesso equitativoqu e seintroduziun odireito inglsaspecificperformance,d e aco rdo c o m as regras d o processo cannico.

    Tanto e m R o m a q ua nt o naInglaterra, portanto,osjurisconsultossoube ram desenvolver, a par d o seu trabalho tradicional de pesquisa da realidadejurdica, c o maclassificao d e conceitose aenunciao de princpios, ta m b mu m a atividade tcnico-criativa, c o maelaborao d e novas solueseremdiosjurdicos para os p rob lem as suscitados pela evoluo social.

    preciso,noentanto, reconhecer qu e esses exe mpl os for am rarosnahistriad oDireito.A extraordinria floraodeinstitutos jurdico-mercantis,qu e a Eu ro pa conhe ceu nos albores do capitalismo mo d e r n o c o m o acambial,oseguro, a sociedade annima, os valores mobilirios, a limitaodaresponsabilidaded oar ma do r naval-institutosse m osquaisaRevoluoIndustrialnoteria podid o enge ndra ra civilizao hodierna, foram todosproduzidos diretamente pelos prprios comerciantes,c o m a colaboraoeventual detabelies.Dess as notveis criaes do en ge nh o h u m a n o , os juristassom ente vieramase ocup araposteriori,para registraroseu aparecimen toedescrever-lhes a mec n ic a funcional.

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    FUNO SOCIAL DO JURISTA NO BRASIL CON TEMPO RNEO 135A partir do Renascimento, com a progressiva positivao do Direito peloEstado, os jurisconsultos europ eus, c o manotvel exceo do s q ue serviamnachancelaria inglesa, passaramaexercer, quase que exclusivamente,afunosocial de explicao d o direito vigente, c o m vistassua conservaoen o n ointuito de transform-lo. Eis por queoesforo principal de suas elocubraesconcentrou-senateoriadainterpretaodaleie dos precedentes judiciais,marcando-se com istoaconvico geral de queojurisconsulto , po r vo ca oeprofisso,u mservidor d o direito posto, nou magente transformador.

    Para tanto, alis, mu it o contribuiu o largo assentamento daidiademocrticadeques aolegislador,naqualidadederepresentanted opovosoberano, co mp et e legitimamente criaroDireito.O s juristas, pela su a vinculaotradicional c o mopoder monrquico noancienregime,p ass ara m a ser vistos c o msuspeita pelos novos lderes polticos.3Doravante,atarefa de assentar as basesdo direito liberal-burgus passo u a ser exercida pelos advogados.sabido, alis,queabancada doTiers tat,na Assem blia Nacional Francesa,e m1789, eracom pos ta majoritariamente por causdicos.

    Se t om ar mo s as duas maiores figuras do pe ns am en to jurdico d o sculoXIX, verificaremos, s e m dificuldade, queasua c oncep o da cincia do Direitocircunscrevia-se, unicamente,pesquisaecompreensodarealidade jurdica,se m n e n h u m a am bi o inventiva.

    Sem dvida,anoo de institutojurdico,concebida por Savigny c o m oentidadehistrica,dotada de u m a realidade orgnica , permitia-lhe atribuir u m acerta criatividade a o trabalho d o jurista;4ma s apenas na medidae mqueousodesses modelos histricos ensejava o preenchimento das lacunas door de na me nt o legal.

    3.E m L'Ancien Regime etIa Rvolution,publicado pela primeira vez e m 1856,escreveuTocqueville: Le droit romain, quiaperfectionnpartout Iasocit civile,partoutatendudgrader Ia soci t politique,parcequ'ilat principalementVoeuvre d'un peupletrs- civis et trs-asservi.Les ris1'adoptrent donc avec ardeur, etVtabrentpartoutou ilfurem les maiores.Lesinterpretesde cedroitdevirem dons touteVEurope leurs ministresou leursprincipauxagents.Leslegisles leur fournirentou besoin Vappuidu droitcontre ledroitmane. Ainsiont-ilssouventfaitdepuis.Act d'un prince quiviolait les lois, il est trs-rarequ' n'ait pasparu unlgistequivenaitassurerque rien n'taitplus legitime, etquiprouvait savamment que Iaviolence tait justeet queVopprim avait tort .4. cf.System des heutigenrmischenRechts,I,1840,pp.Xss.

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    136 FBIO KOND ER COMPAR ATOO m e s m o se po de dizer da no o de construojurdica ,na primeira

    fasedope ns am en to de Jhering.5Ela seria, se gu nd o ele,om to do prpriodacincia jurdica superior(hhere Jurisprudenz),consistente na c om pr ee ns o dosinstitutos jurdicos,eque se contrapunha , por isso,cincia jurdica inferior(niedereJurisprudenz), considerada mera teoriadainterpretao das no rm as .Pelo m t o d o construtivo, asseverava Jhering, era possvel conceb er realidadesjurdicas no expressasn alei,am o d o decomp osto s qumicos, qu ese noco nfu nd em c o m os seus elementos compon entes.

    E m s uma, na con cep o desses luminares da cincia jurdica no sculopassado,otrabalho construtivo dojurisconsulto limitava-se,namelh or dashipteses,acriar entidadesd erazo, paraamelhor compreens o davidajurdica.

    U m a viso panor mic a das diferentes escolas de pe ns am en tojurdico,nodecorrerd opresente sculo, nos leva, ta m b m s e mma io re s dificuldades,concluso de qu eotrabalho intelectual d o jurista tem sido visto,e mregra, c o m olimitadointerpretao da realidade, excluindo-se todo esforo transformador,pela inveno efetiva de novos institutos.6 N a s cogitaes daInteressenjurisprudenz, contraposta tanto Begriffsjurisprudenzdo passado quanto Wertungsjurisprudenzulterior;nateoriadaconcreo, c o m o critriodedecidibilidade;natpicae nateoriadaargumentao, co m o formasdesuperao d odedutivismo lgico-formal;naindagao sobre a realidadesistmica d o Direito, c o m o m t o d o de co mp re en s o sinttica,e mcontraposio tradicional anlise classificatria d e fatoseregras -e msuma,e mtodas essasmltiplas visesd om u n d o jurdico, qu e se suced era mnocurso deste sculo,encontra-se como pressupostou m m e s m o d e no mi n ad o r c o m u m : acinciajurdica n o t em po r mis so criaroDireito, m a s apen as interpret-lo.

    E ,no entanto,oexe mpl o da luminosaiurisprudentiaromana , ouolaboradmirvel do s juristasdaequityinglesa, continuamadesmentir,namemriahistrica, essa viso reducionista da fun o que os jurisconsultos d e v e m exercerna vida social.S e osjuristas foram n opassado, pelo m e n o s nesses dois

    5. cf.Geistdes rmischenRechts,II 2.6. Veja-seaexposio crtica de Karl Larenz,e mMethodenlehre derRecht-swissenschaft,5 aed., 1983, cap. 5.

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    FUNO SOCI LDOJURIST NOBR SIL CONTEMPORNEO 37momentos privilegiados, autnticos criadores do Direito, por que seriam agoraincapazes de reexercer esse papel?

    Essa indagao adquireu mto m cruciante, quando feita na perspectivada realidade brasileira. Aqu i, mui to ma isd oqu e nas nae s desenvolvidas-tradicionais fontes da cinciae dacultura -arealidade socialto pejadadeinjustias, carnciasecontradies, que ning um ousaria sustentar serafunoprimacialdojurista, entre ns,a conservao do direito positivo,ou asustentao dostatusquo.A s exigncias de renovao e m u d a n a se manif estamem todososquadrantese abalam todososconf ormi smos . Ur ge , portanto,reanalisare mprofundidadeovalor socialdacincia jurdica,e mfunododra ma nacional.

    Tenho,noentanto, fundad o tem orde queessa reanlise produzirconcluses po uc o lisonjeiras para os h o m e n semulheres q ue se v m dedicando,cont empo rane amen te, a pensar o Direitoex professoneste Pas.

    N o terrenodapesquisa e compreenso darealidade jurdica,e mprimeiro lugar, difcil negar que osjuristasbrasileiros, c o m raras excees, t msido, tradicionalmente, simples tributrios d o p ensamento estrangeiro e oquepior seguidores atrasados da p ro du o intelectual aliengena. Rarssimos fo ra mos jurisconsultos nacionais que aexemplodeTeixeiradeFreitas,n osculopassado,e dePontesdeMir and a, neste-so ub er am criar novos mo de lo sconceituais de co mp re en s o d o Direito, s e m se limitaremareproduzir eaindasofrivelmente as idias oriundas d e fora.

    Alg uns ex em pl os no s ajudaro a ilustrar essa crtica. ,e mgrande parte, devidaaTullio Ascarelli, que no s de uahonrade

    aqui viver e ensinar n a Universidade d e S o Paulo, de 1940 at m e a d o s dos anos50,a elaborao do conceito deatividade,e mcontraposio ao tradicional ato o unegcio jurdico.

    Foi graas a esse nov o instrumento de co mp re en s o da vida jurdica q uese tornou possvel fundare mnovas bases todoodireito comercial,c o m oab an do no da velha e inepta teoria dos atos de com rcio. F or a desse no vo qu ad rode compreensodarealidade empresarial,impossvel explicar po r q ueoscontratose mmassadavida mercantilseperfazem, habitualmente,se m opressuposto da capacidadecivildas partes (transporte de passageiros me no res deidade,ou ve nd a a varejo a me nores o u interditos, porexemplo).Excludaaidia

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    FUNO SOCI LDOJURIST NOBR SIL CONTEMPORNEO 139que explica, mais uma vez, o regime jurdico-admmistrativo do servio pblicono personalizado.

    A m e s m a necessidade candentederenovao se deparan oterrenodateoriadainterpretaoeaplicaod oDireito, o ndeop en sa me nt o jurdicoocidental maisseafadigounosltimosc e manos, tentando quase todasasformulaes possveis.

    A discusso desse assunto assumiu nveis polmicos entre ns,c o momovimentodoc h a m a d o direito alternativo Qu al qu er qu e sejaaopinio qu etenh amos sobreele, impossvel negar qu e os pro pug nad ore s desse no vo critriode soluo judicialdelitgios colocaramaquestodainterpretaodalein oterreno qu e lhe prprio e de onde nu nc a deveria ter sido alijada:opoltico.

    Malgradoaconhecida observaodeMontesqu ieu sobreaimpotnciado Judicirio(destroispuissances dont nous avonsparle, celledejuger estenquelque sortenulle),inegvel q ueaatribuiodedizeroDireitoe mltimainstnciasempre,e mqualquer sociedade,u matributodepoder.Q u eessacompetncia esteja ligadaaoutras,napessoa d o m e s m o titular, no alterae mnadaarealidade.O spontfices da R o m a antiga,aq u e m incumbiaafunodeinterpretar definitivamenteodireito sacro(fas),oqual,nas origens confundia-seco m todoodireito privado, eram chefes polticos.N e mpor outra razo qu eJlio Csar,ao sedesembaraardeseus rivaisnotriunvirato ditatorial,fezquestode assumir, cumulativamente,o cargo depontifex maximus; e oprecedente foi seguido por Aug us to e dema is imp eradores qu eosucederam.

    Acon tece que, no regime do Es tado de Direito, n o h pod er qu e possaser exercido foradalei.A legalidade, nesse tipod eEstado, confunde-se,basicamente, c o ma legitimidade; desde qu e e acondiofundamental -asleis nas quais se expressaodireito objetivo sejam normasgerais,perante as quaistodosseencontreme mposiodeigualdade.Q u e essas leis sejam editadasdiretamente pelo povo,porseus representantes eleitos,por u m colgiooligrquico,oupela vontade exclusiva d eu ms governante, pou co importa.Oconceito de Est ado de Direito n o se confunde c o mode E sta do democrtico.

    A ediod eleis gerais, c o m ob e madvertiramosconstitucionalistasclssicos, representaaprimeiraefundamental garantiadocidado contraoabuso de poder. O s rgos estatais incum bidos de aplicar a lei a Administrao

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    140 FBIO KO ND ER COM PAR ATOPblicae oJudicirio- nop o de m , portanto, substituiraratio legis pelasuavontade particular.

    S e m dvida,areivindicaodosadeptosdo direito alternativo ,de queojuiz possa fazer justian ocaso concretoapesardalei,compreensvelnoambientedeextensaeprofun da injustiae m quebanhaasociedade brasileira.Oquesedesconhece, po r m,comessa proposta, ofato elementarde quetudovai depe nde rdacorrelaodeforasnoseiodoprprioJudicirio,transformadoassime marena poltica aberta.-Q u e m garantiriaaopovoqueatotalidadeoupelomenos,amaioria do s juizes interpretariaoDireito almeacimadasleisde acordoco m osefetivos interesses populares? Equalottulodelegitimaodo Judicirio parasearrogar esse poder,se os juizesno soeleitosne mfiscalizados pelo p ov o? O princpio absolutodajustiadocaso concretocompensariaaquebradeuniformidadedosistema, abolindoacertezanaaplicaodoDireitoe,prconseguinte,asuaprevisibilidade?8 Poroutro lado,seu mdosPoderesdaRepblicaconstitucionalmente autorizadoadesvincular-sedasleis,por que nopoderias-lo,dam e s m a forma,oG ov er no , cujo chefe,alis,tradicionalmente escolhidoe meleio popular? Equalavantagemdese mante r,e msemelhante sistema,u mrgo legislativo,se asleis dei xa mde servinculantes?-Poracasoacomplexidadedavida mo de rn ae adimensodasatuais sociedades nacionais seriam compatveis c o m u m sistema jurdicodestitudo de no rm a s gerais, previamente pro mul gad as ou publicamentereconhecidas?

    N o obstante essas objees,quem epar ece m fundamentais,nocreioque se possa afastar c o m desdm a seriedade do problema social,dramaticamente ressaltado pelo movimento d o direito alternativo , Oimportanteretomaraquesto sobre novas bases. Ass im,aoinvsde sesuprimiroprincpiodalegalidade,comoinegvel retrocesso inerenteaboliodo EstadodeDireito, poder-se-ia pensar,porexemplo,natransformaodojulgamento porequidade e m princpio geral do direito judicirio.E msubstituion o r m adoart.127 doCdigodeProcessoCivil,declarar-se-iaqueo juiz est se mp re autorizadoadecidirporequidade, qu an dou m a daspartes

    8.N oDeOfficiis II, 12),Ccero j advertia que leges sunt inventae, quaecumomnibussemper una atque eadem voc loquerentur .

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    FUNO SOCI LDOJURIST NOBR SIL CONTEMPORNEO 141encontra-se em situao de grave carncia econmico-social, conforme fordefinidoe mlei.N ojuzo criminal,ocritrio especial de aplicao das multas,constante do art. 6 0 do C d ig o Penal, deveria ser alargado, declarando-se, c o m opropus na fase de preparao d a n ova Constituio, qu e a aplicao da penaindividualizada, levando-seem conta,obrigatoriamente, como circunstnciaatenuante,aracaituaoeconmica e a baixa posiosocialdodelinqente .

    Tudo isso,noentanto,no nosdispensaria deprocurar dirigiropensamento crtico sobreainterpretaoeaplicaodoDireito pa ra outroru mo , de m o d o a se focalizarem, t a mb m , os seguintespontos:a)oproblema daeficcia superiordasnor mas constitucionais, sobretudoasenunciadorasdeprincpios, b e m c o m oas normas-objetivoouprogramticas; b )aparticipaopopular n a funo legislativa, inclusive qua nt o votao d e leis interpretativas; c)a garantia de independncia dos juizese aefetivao de s ua responsabilidade,n u m Estad o de Direito que se pretende republicano e democrtico.

    Tais consideraes no s introduzem, diretamente,n ooutro c am p odolabor cientfico do jurisconsulto:aatividade criadora.Oque se exigehoje,maisM o que nunca,dacincia d o Direito n oapenasolevan tamen to rigorosodarealidade jurdica, c o maexplicao racional dos fu nd am en to s lgicoseticos d osistema.O que se im p econscincia de todo juristat a m b me sobretudoainvenod e u m Direito mais eficienteejusto. C o m o disse excelentementeAscarelli,e mconferncia pronunciadan oano anterioraoseu passamento, onosso problema de juristas nosode distinguir entreolcitoe oilcito,mastambm oda fantasia; o problemadacriao de instrumentos, diria mesmo demquinas jurdicas, que possam alcanar determinadasinalidades,ue tenhamfreio e motor, que se movimentem semacidentes,ouseja, que correspondam smais diversas exigncias ?

    N u m m u n d o do min ado pela tcnicaeseduzido pelo valor da eficincia,nu m a poca e mqueamisriae oatraso social se revelaram, enfim, n o u m afatalidade histrica, m a s autnticos crimes contraahum ani dad e, e, sobretudo,n u m pas cuja organizao socialsed e c o m p e a olhos vistos, seriau mdespropsito q ue os juristas, tal c o m o os convidados da parbola evanglica, serecusassemluta pela transformao social, sobopretexto de q ue cont inua m

    9.Problemi Giuridici Milo,1959,v.2, p. 702.

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    142 FBIO KON DER COM PAR ATOmuito ocupadose mcom en ta r as leis, oue melaborar pareceres no interessedelitigantes.Abrir-se-, dentro e m breve, no va etapa d e reformula o das instituiesconstitucionaisdoPas. N o creio exagerar, dizendo que ela ser, fatalmente,nossa ltima oportunidaded ereporaevoluo nacionaln or u m odoplenodesenvolvimento. V a m o s , afinal, c o m o ocorreu e m 1988, abandonar essetrabalhodealta engenharia social incompetncia e ilegitimidadedoslegisladores ordinrios? Ainda haveremosdesofrer, n ov am en te ,o impudenteespetculo de jurisconsultos travestidos e m lobistas de interesses particulares?

    Or a, esse trabalho d e reconstruo nacional exigir de nossosjuristasu mmtodo substancialmente diverso d o empregado n oexerccio datcnicamterpretativa. Exigir u m a viso global dos pro ble mas , de fo rm aarecoloc-losn o contexto di nm ico da realidade social, ondeavida econmi ca,apsicologiasocial,as tradieseestilos polticos nosep o d e m separard oDireito.Oinventor d e instituies jurdicas eficientes, que, a m o d o de verdadeiras m qu in ascibernticas sejam dotadas deu mm e c a n i s m o de auto-regulao, h de trabalhare m estreito co m rc io intelectual c o m os d emais cientistas sociais, atento a o fatode que a cincia contempornea progride porm e i o d e u m processodeinterfecundao dedados,anlises e princpios.10

    U m a vez realizado esse diagnstico globaldarealidade,otrabalhoconstrutivo do projetista dever concentrar-se, naturalmente, na comp os i o deinstituies dotadas,por sim e s m a s ,deam pl a energia transformadora.N aorganizao d o Esta do,ainstitucionalizao d a funo de p rogramar as polticaspblicase m u mrgo autnomo ,c o m aparticipaoderepresentantes dasprincipais categorias econmicasesociais. Paralelamenteaessa providncia,impe-seacriaod e u minstrumentodegarantiadarealizaodepolticaspblicas, que poderia,n opla no judicial, to maraformad e u mm a n d a d odeinjuno social.N oLegislativo,areviso radical da representao popularedopapel constitucionald oSenado.N oGoverno,ainstituiodemecanismosderesponsabilidade poltica mais efetiva, para ministrosdeEstadoe oprpriochefe de Esta do.N oJudicirio, c o m o ac im a se assinalou,asuperao de u m a10. cf. a esse respeito as observaes de Jean Piaget empistmologie des Sciences de1'Homme,1970, pp. 251 ss.

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    FUNO SOCI LDOJURIST NOBR SIL CONTEMPORNEO 143irresponsabilidade anti-republicana e antidemocrtica. Enfim, no nvelfundamentaldasoberania popular,acriaodeme canismos participativosn oexercciodafuno pblicae mtodosos setores: legislativo, administrativoejudicirio.

    For mar , nas novas geraes,os juristascapazes intelectual e eticamente- de de se mp en ha r essa emi nen te funo social aformidvel tarefa qu e se no sdepara. Oxal as Universidades saibam assumi-la pr ontamente, de m o d oaabrircam inh o para a grande renovao social que todos espera mos.