0 Dialogo Entre a Psicologia e Direito de Familia é Possivel

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Análises Entrevista com o Professor Sidney Shine - O diálogo entre Psicologia e direito de família é possível O professor Sidney Shine revela o papel do psicólogo judiciário na disputa pela guarda dos filhos e pela programação de visita quando o casal se separa. E mais: fala da diferença entre guarda alternada e guarda compartilhada, da modalidade de visita mais adequada psicologicamente às crianças. Expõe as duas faces do rei Salomão em sua bíblica decisão quanto à posse do filho reivindicada por duas mulheres: a do psicólogo e a do juiz. Não são muitos os que conhecem a atividade dos psicólogos que atuam nas Varas de Família do judiciário. A impressão das pessoas em geral é que a decisão da guarda, visita dos filhos e pensão alimentícia em casos de separação do casal compete exclusivamente ao juiz da causa, quem, por sua vez, se fundamenta em aspectos legais e morais. Há cerca de 20 anos, a Psicologia passou a ser um ator importante nas decisões em direito de família, o que abriu um importante diálogo com a letra fria da lei e as implicações simplesmente morais, conferindo às decisões judiciais um maior senso de justiça e preocupação social. O professor Sidney Shine é um pioneiro na Psicologia Jurídica. Autor do celebrado livro "A espada de Salomão - a Psicologia e a disputa de guarda de filhos" (Casa do Psicólogo, 2003), é psicólogo formado pela USP, perito em avaliação de famílias no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 1987. É também psicanalista, formado pelo Instituto Sedes Sapientiae, com prática clínica e de supervisão. Psicólogo especialista em Psicologia Jurídica e Psicologia Clínica, cursou a clínica de Tavistock em Londres, tornando-se Child Psychologist Specialist. Shine é mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP com dissertação sobre Avaliação Psicológica para Determinação de Guarda de Criança: Um Estudo de Psicologia Jurídica, encontrando tempo para lecionar no curso "Saúde Mental e Justiça" do Instituto Oscar Freire de Medicina Legal da USP e colaborar na disciplina "Família: Abordagens Psicossociais e Psicanalíticas," no curso de Psicologia da mesma Universidade. O professor Sidney Shine recebeu a reportagem de Psicologia Brasil em seu consultório para conceder a seguinte entrevista: PB - Tradicionalmente quando ocorre o divórcio os filhos ficam indistintamente sob a guarda da mãe. Esta tradição persiste? SS - O Código Civil em vigor consagra que não há preferência em relação à mãe. Até 2002, em caso de separação, a criança ficava preferencialmente sob a guarda da mãe. Isso caiu. Já há uma certa tendência da sociedade de questionar a guarda só pelo fato de ser mãe. O trabalho da Psicologia para a justiça é verificar se realmente o cuidador ou a cuidadora da criança é efetivamente a pessoa que deve ficar com a guarda, pois é ele ou ela, independente do gênero, quem provê as necessidades da criança. Pela letra fria da lei não haveria suporte legal para se atribuir automaticamente a guarda à mãe. 1 / 7

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DIALOGO ENTRE A PSICOLOGIA E O DIREITO

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    Entrevista com o Professor Sidney Shine - O dilogo entre Psicologia e direito de famlia possvel

    O professor Sidney Shine revela o papel do psiclogo judicirio na disputa pela guarda dosfilhos e pela programao de visita quando o casal se separa. E mais: fala da diferena entreguarda alternada e guarda compartilhada, da modalidade de visita mais adequadapsicologicamente s crianas. Expe as duas faces do rei Salomo em sua bblica decisoquanto posse do filho reivindicada por duas mulheres: a do psiclogo e a do juiz.

    No so muitos os que conhecem a atividade dos psiclogos que atuam nas Varas de Famliado judicirio. A impresso das pessoas em geral que a deciso da guarda, visita dos filhos epenso alimentcia em casos de separao do casal compete exclusivamente ao juiz da causa,quem, por sua vez, se fundamenta em aspectos legais e morais. H cerca de 20 anos, aPsicologia passou a ser um ator importante nas decises em direito de famlia, o que abriu umimportante dilogo com a letra fria da lei e as implicaes simplesmente morais, conferindo sdecises judiciais um maior senso de justia e preocupao social.

    O professor Sidney Shine um pioneiro na Psicologia Jurdica. Autor do celebrado livro "Aespada de Salomo - a Psicologia e a disputa de guarda de filhos" (Casa do Psiclogo, 2003), psiclogo formado pela USP, perito em avaliao de famlias no Tribunal de Justia de SoPaulo desde 1987. tambm psicanalista, formado pelo Instituto Sedes Sapientiae, comprtica clnica e de superviso. Psiclogo especialista em Psicologia Jurdica e PsicologiaClnica, cursou a clnica de Tavistock em Londres, tornando-se Child Psychologist Specialist.

    Shine mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP com dissertao sobreAvaliao Psicolgica para Determinao de Guarda de Criana: Um Estudo de PsicologiaJurdica, encontrando tempo para lecionar no curso "Sade Mental e Justia" do Instituto OscarFreire de Medicina Legal da USP e colaborar na disciplina "Famlia: Abordagens Psicossociaise Psicanalticas," no curso de Psicologia da mesma Universidade.

    O professor Sidney Shine recebeu a reportagem de Psicologia Brasil em seu consultrio paraconceder a seguinte entrevista:

    PB - Tradicionalmente quando ocorre o divrcio os filhos ficam indistintamente sob a guardada me. Esta tradio persiste?

    SS - O Cdigo Civil em vigor consagra que no h preferncia em relao me. At 2002,em caso de separao, a criana ficava preferencialmente sob a guarda da me. Isso caiu. Jh uma certa tendncia da sociedade de questionar a guarda s pelo fato de ser me.

    O trabalho da Psicologia para a justia verificar se realmente o cuidador ou a cuidadora dacriana efetivamente a pessoa que deve ficar com a guarda, pois ele ou ela, independentedo gnero, quem prov as necessidades da criana. Pela letra fria da lei no haveria suportelegal para se atribuir automaticamente a guarda me.

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    PB - Em casos de separao, um dos problemas mais importantes, um ponto de conflitopsicolgico e de toda ordem a questo da visita...

    SS - Eu uso uma terminologia: guardio e genitor descontnuo, este ltimo o genitor que nofica diuturnamente com a criana. Genitor descontnuo tem pela legislao brasileira o direito visita. Isso dificilmente negado por parte do juiz. Do ponto de vista da Psicologia podemos irmais adiante. Alm do direito visita, tem o dever de visitar o filho que na verdade fruto daunio com a companheira ou companheiro. Nesse sentido, os pais teriam o dever de se fazerpresente e influenciar na criao dos filhos. Existe uma corrente hoje em dia que at questionao termo visita, uma vez que tal termo d uma impresso de ser algo distante. Argumenta-seque pai e me no visitam os filhos, pois deveriam ter um contato mais ntimo, mais regular eque visita daria uma conotao ligada a parentes mais distantes, a pessoas no vinculadas aoncleo familiar. Mas, com certeza, um ponto grande de conflito. Problemas que eclodemligados ao relacionamento dos adultos tm um primeiro momento na resoluo da questo daguarda e um segundo momento na questo da visita. Porque a visita a possibilidade deencontro das pessoas ligadas a esse ncleo familiar.

    PB - Quando a separao se d de forma litigiosa comum o genitor descontnuo dar umaorientao ou aconselhamento distinto nos dias de visita. O que isso influi no relacionamentodo casal que j est separado e como isso afeta psicologicamente a criana?

    SS - importante dizer que a atuao do psiclogo dentro de uma vara ou tribunal de justialigado aos problemas de famlia separao, guarda e visita se deve pela presena decrianas, pela dificuldade de question-las diretamente, pela dificuldade de saber o querealmente se passa com elas e isto pressupe a necessidade de algum que tenha um estudoespecfico em relao ao desenvolvimento infantil, processos psicolgicos, psicodinamismo defamlia. Da se recorrer ao psiclogo. O juiz no foi preparado para entender de crianas, noentanto chamado para tomar uma deciso que vai condicionar a vida dessas pessoas: o pai,a me e a criana. Os casos em que os psiclogos acabam atuando so aqueles em quehouve a separao litigiosa, que j vem contaminada por conflitos pr-existentes e que na horada separao no vai ser diferente.

    Dentre as questes que o casal pode no concordar seria, por exemplo, com quem a crianamoraria. Isso seria o extremo. Em outras questes, um pode no concordar com natao epreferir jud, pode no concordar com dana, preferir piano, o pai pode querer um tratamentohomeoptico para a criana, mas a me insiste no tratamento aloptico. Todas as questesvo desembocar em como esse casal parental, responsvel pela criana, vai conseguiradministrar essas opes, que so opes de vida, valores, formas de se pensar, formas deprojetar uma vida. Se o casal j se separou porque havia diferenas na percepo dessesvalores, obviamente essas diferenas vo voltar tona em relao educao da criana.

    PB - Nessa altura a justia j se pronunciou. Passa a ser um problema de psiclogo...

    SS - Se a famlia, os adultos tm a compreenso de que encontram dificuldade no trato enecessitam de uma terceira pessoa que possa ser um mediador, a fim de que essas diferenassejam colocadas e melhor trabalhadas, penso que o casal deve procurar espontaneamente um

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    consultrio, um profissional que atenda casais e famlia, e ter uma ajuda pontual.

    PB - corriqueiro o genitor descontnuo usar as crianas como instrumento. Como isso afetapsicologicamente as crianas? Como elas reagem a isto?

    SS - um pouco senso comum a idia de que as crianas vo ser utilizadas como parte doinstrumental de ataque por parte principalmente da me que a detentora usual da guarda etradicionalmente a idia de que o pai vai retaliar no pagando a penso. Essa concepo meio simplista porque a questo muito mais complexa. Em todas as famlias, mesmo asfamlias coesas, existem as dificuldades dos adultos e das crianas. Por questes depersonalidade, por exemplo, o pai pode ser mais expansivo, se d melhor no trato pessoal, mais relacionado no prdio ou na vizinhana, enquanto a mulher mais recatada, introvertida.As caractersticas so utilizadas como defeitos levados para serem equacionados na justia, nosentido de que como essa mulher que tem um trato social mais difcil no estaria exercendo asua influncia educativa sobre as crianas de maneira benfica. Tudo isso pode ser usado najustia como forma de questionar se a me seria adequada ou se o pai melhor para cuidar dacriana. O pai, por achar que melhor relacionado, conhecer mais pessoas e que em funode seu bom relacionamento vai conseguir colocar o filho em melhores condies sociais, vaiquerer o filho mais prximo de si a fim de exercer essa influncia.

    Do ponto de vista psicolgico so opes vlidas, so pontos de vista diferentes e a crianacresce identificando-se com cada uma dessas figuras no sentido de se achar e poder agir deforma mais parecida com um ou com o outro e da discriminando as diferenas em si. Julgoque meio simplista pensar que possa haver utilizao. Essa mulher que tem uma certadificuldade ou no tem tanto gosto pelo social pode tranqilamente na sua convivncia diria,ficando ela com a guarda, conviver com essa criana, um menino, por exemplo, identificadocom as caractersticas desse pai, e que comea a parecer com o pai ao criar uma teia social,com a habilidade do pai, e que essa me usufrua disso dentro da sua casa. Por outro lado,esse pai separado pode recompor a sua vida afetiva e escolher outra companheira tambmmais introvertida, mais quieta, parecida at com a sua primeira esposa, mas que combine maiscom o seu temperamento, uma vez que ele o extrovertido do casal. uma dinmica que vai acontecendo e muito difcildizer que existam padres especficos.

    PB - Durante o processo do divrcio, o papel do psiclogo aconselhar o juiz. J aconteceudo perito psiclogo dizer que a visita prejudicial criana e propor que se impea o cnjugede fazer visita ao seu filho porque leva uma vida absolutamente desregrada, viciado, e podecausar um prejuzo irreversvel criana?

    SS - Existe caso em que a visita no recomendvel do ponto de vista psicolgico. Um nicocaso em que trabalhei e em que existiam fortes indcios que o pai em questo era um pai queteria abusado sexualmente de um filho de 5 anos. Nesse sentido, meu parecer foi contrrio aum tipo de visita normal. Existem trabalhos nos EUA mostrando que em processos de Vara deFamlia existe um alto nmero de acusaes que podem se mostrar infundadas, e a utilizaoda acusao de abuso sexual uma delas e a mais grave. Nesse sentido, para no cometerinjustia, enquanto no se define o que houve efetivamente, o tribunal lana mo de visitas

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    supervisionadas. A visita no feita na casa do pai, feita dentro das dependncias do tribunalsob as vistas de um tcnico que acompanha a interao. um meio termo entre o dar obenefcio da dvida, uma vez que a questo foi levantada mas no determinada, a fim de nocercear o direito do pai de ter o contato com o filho e ao mesmo tempo de preservar a crianade qualquer risco efetivo se comprovada a hiptese de ser realmente abusador ou violento.

    PB - Guarda compartilhada algo recente. O que vem a ser realmente e por que foi adotada?

    SS - Vamos comear fazendo a distino entre guarda alternada e guarda compartilhada.Guarda alternada exatamente uma semana com um e uma semana com o outro, trs diascom um trs dias com o outro, em que a criana deslocada. Guarda compartilhada no querdizer apenas no lugar onde a criana mora. Quando se fala em guarda alternada, se diz que oguardio tem certos direitos que so direitos superiores ao do genitor descontnuo. O guardio aquele que vai definir a escolha da escola, ou a escolha do mdico, ou as escolhas dodia-a-dia. O genitor descontnuo pode no gostar, mas legalmente no tem o que fazerenquanto a guarda estiver com o outro genitor. A guarda compartilhada quer dizer que ambostm a mesma prerrogativa de escolher, opinar e influir na direo do filho. Nesse sentido, mais justo quanto ao equilbrio daquilo que se confere ao pai ou me. No caso, os dois juntos que deveriam decidir onde a criana passaria a maior parte de seu tempo ou, ento, noextremo, se a criana vai alternar a residncia. Houve uma psicanalista francesa, FranoiseDolto, que no era psicloga judiciria, mas teve ampla experincia com criana; ela colocauma coisa interessante em relao visita alternada e parece ser uma contribuio muitoimportante: a criana para o seu desenvolvimento necessita manter certa idia de um contnuo. essencial para ela ter um contnuo social, afetivo, a fim de que as coisas se mantenham e asmudanas sejam assimiladas para que ela possa se desenvolver. Se a criana mudageograficamente, isto vai afetar seu contnuo social e espacial. Franoise Dolto at maisradical. As crianas pequenas, por exemplo, no esto acostumadas apenas com o bero, coma sala. Esto acostumadas com as pessoas que esto na casa. O fato de um adulto sair decasa j altera o seu contnuo espacial, dentro do que a criana possa perceber dependendo doseu desenvolvimento. Quando se fala de guarda alternada, o melhor do ponto de vista dacriana que ela fique na casa. Ento, o pai convive com a criana no fim de semana, faz suamaleta, vai embora e a entra a me que fica at a outra semana. Quando se fala da guardaalternada todo mundo pensa que isto bom para a criana, no entanto, a alternncia conveniente aos adultos. Do ponto de vista psicolgico melhor que a criana fique na casa eque se os pais querem alternar, querem ter 50% do contato, ento que arquem com essedesejo. Aluguem outra casa ou morem na casa dos avs. Isto nunca foi tentado no Brasil,porque complicado. Se eu tiver essa oportunidade vou colocar os pais diante dessa questo.

    PB - Deve-se entender ento que a guarda compartilhada uma reao guarda tradicional?

    SS - A guarda compartilhada coisa nova diante da guarda tradicional geralmente atribuda me. Contudo, a guarda de criana nem sempre foi atribuda me. H muito pouco tempo que a mulher passou a ter um status civil de importncia. Se a gente retroceder no tempo, navirada do sculo no existia discusso sobre guarda. A mulher era totalmente dependente domarido, assumia o sobrenome do marido, toda herana ia para o marido, se houvesse aseparao, a mulher era quase como refm desse marido. No se discutia com quem ficaria a

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    criana. A criana ficava automaticamente com o chefe da famlia, o homem. A questo daguarda uma questo do direito e no da Psicologia. uma questo determinada conforme asforas sociais. O direito brasileiro informado pelo direito romano e no direito romano o pai erao senhor da famlia, podia inclusive vender o filho.

    PB - Isso nos remete questo do ptrio-poder ...

    SS - Hoje em dia mudou a terminologia de ptrio-poder para poder familiar. Exatamente dentroda idia que a expresso ptrio poderia transmitir o significado de que era s do pai, homem.J no existe no direito brasileiro a idia do chefe da famlia.

    PB - Na tradio brasileira, quando por algum motivo o casal se separasse ou faltasse um doscnjuges, o lugar era substitudo pela madrinha ou padrinho que na pia batismal assumiamesse compromisso.

    SS - A prpria acepo de madrinha e padrinho a de pai e me substituto. A reside a forada Igreja.

    PB - O psiclogo judicial leva em conta a idade da criana para estabelecer a guarda, ocompartilhamento da guarda, a visita? Existem faixas etrias para estabelecer esses direitos egarantias?

    SS - Primeiro preciso fazer uma distino. No o psiclogo judicirio que vai determinar aguarda ou o esquema de visitas. O trabalho da Psicologia ligada ao direito fornecerinstrumentos a fim de que o magistrado possa melhor dirimir esses conflitos que so da reaprivada e emergem para a rea pblica em funo dessas discordncias. importante afirmara idia de que no o psiclogo que decide, no sua funo ocupar o lugar do magistrado.Ocorre que o magistrado pela prpria formao no tem condies plenas de entender osintercmbios familiares que acontecem. Assim sendo, chama o psiclogo a fim de colhersubsdios. Penso que os psiclogos no devem ultrapassar essa linha do subsdio e searrogarem o direito de decidir quem seria a melhor me ou o melhor pai. Mesmo porque dentroda Psicologia no existe ainda o constructo do que seria o melhor pai ou a melhor me, umavez que isso muda histrica e socialmente conforme a cultura de cada regio ou pas. Ojulgamento ser subjetivo e estar sempre ligado a questes morais e legais. Do ponto de vistamoral e legal, a Psicologia no tem muito o que dizer. Ns podemos ajudar o magistrado aperceber que, dependendo da fase de desenvolvimento, a criana pode se manifestar de umjeito ou outro na questo da separao.

    PB - Em que consiste essa ajuda?

    SS - Podemos inform-lo por exemplo de que uma criana de colo precisa do contato maisprximo com a me. Isso inegvel e muitos tericos da Psicologia e da psicanlise odemonstraram inclusive contriburam para a idia de que a dade me-criana muito importante para oprprio desenvolvimento da criana e que se houvesse uma ruptura, uma separao precocepoderia prejudicar o desenvolvimento. Ocorre que a dade no quer dizer necessariamente

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    me, mais exatamente o cuidador, tradicionalmente na nossa cultura, em funo dadistribuio das responsabilidades, o papel foi exercido historicamente pela mulher. Muitoshomens buscam na justia a possibilidade de poder ter um contato com a criana desde a maistenra idade, sem cair naquela idia de que o pai s comea a exercer a paternidade quandoleva seu filho a um campo de futebol. At l problema da me. Isso ainda muito comum. Naoutra ponta do trabalho psicolgico, quando o psiclogo chama os pais para conversar, muitocomum que venha a me, desacompanhada do marido. Prevalece o costume, em geralcompartilhado tanto pela mulher como pelo marido de que coisa de educao, de mdico evacina, coisa da me. A conversa com o psiclogo, a consulta com o pediatra a me queleva. O pai est ocupado, est trabalhando. No entanto, a presena do pai cada vez maior,demonstrado pelo aumento dos conflitos para saber quem tem competncia para cuidar decriana. O pai no quer ser apenas aquele que aparece na festinha de aniversrio ou a do diados pais.

    PB - Em algum momento da percia psicolgica a criana consultada?

    SS - A criana consultada no curso de nosso trabalho. Os juzes j superaram certa fase emque consultar a criana era perguntar a ela: quer ficar com a mame ou com o papai? Umacoisa tentar avaliar qual a posio da criana no conflito que a envolve, a crise dentro deseu mbito familiar. Outra coisa perguntar a opinio dela e coloc-la quase que como o juizda causa. Ora, se dois adultos que so responsveis se anulam mutuamente na escolha decomo querem criar os filhos, e por isso tm de apelar para um terceiro neutro que o juiz, e seo juiz coloca a criana para decidir a questo, teremos ento uma total inverso da situao. Otrabalho do psiclogo tentar se aproximar dessa questo de modo a considerar todas asvertentes possveis. H um trabalho de dissertao de mestrado de uma colega, em que faz aanlise de vrios casos tentando entender que tipo de tendncias as crianas revelam. E umadas coisas interessantes que ela revela que algumas crianas, dependendo do tipo depersonalidade, muitas vezes manifestam o desejo de ficar, de morar com o genitor que elaspercebem ser o mais frgil, porque acham que ficando com o pai ou a me que se mostra maisvulnervel vo poder defender esse pai ou essa me. Do ponto de vista psicolgico, reforaressa tendncia complicado, pois inverte a posio, passando a criana a cuidar do adulto.

    PB - Existe um limite de idade em que a ao do perito judicial efetiva?

    SS - Teoricamente, enquanto os filhos so menores eles esto subordinados aos desejos dospais. Se os pais no chegarem a um acordo em relao aos filhos, a discordncia pode serresolvida via sentena judicial. Agora, com 13 ou 14 anos difcil fazer prevalecer o mandatojudicial se esse adolescente estiver comprometido contrariamente deciso do magistrado.

    PB - Poucos casos na legislao brasileira do causa a priso imediata. Um deles, terror dosinadimplentes, falta de cumprimento da penso alimentcia...

    SS - A Psicologia tem muito pouco a contribuir. Do ponto de vista paterno, muito fciljustificar a inadimplncia por conta do desemprego, por exemplo, porque na outra ponta acriana, com o pai ou a me desempregado ou no, continua tendo necessidades de comer,freqentar escolar, ir ao mdico... Se a famlia estivesse junta e um dos dois estivesse

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    desempregado o problema seria de todos. O que percebo que se o pai est separado e ficadesempregado pensa que o problema s dele. O problema continua sendo de todos porqueexistem pessoas que dependem desse dinheiro e que se no tm como preencher isto, noisenta que o problema continue sendo dele.

    PB - O ttulo que o senhor deu ao seu livro "A espada de Salomo" est baseado no maisclebre caso de deciso e que consta do Velho Testamento. Qual a razo desse ttulo?

    SS - Tem a ver com a epgrafe que escolhi, tirado de um filsofo francs, AndrConte-Sponville, de sua obra "O livro das pequenas virtudes" em que o autor comenta que sefala muito do juzo de Salomo quando se pensa em justia, sendo que, na verdade, o primeirojuzo no juzo, Psicologia. O segundo, sim, deciso de juiz, a que entrega a me. Oprimeiro juzo se refere ao teste que provoca. Diante da impossibilidade de enxergar diferenaseu s encontro uma sada justa que o de repartir a criana ao meio e dar a metade a cadauma. Trata-se de um estratagema psicolgico. E quem passou no teste recebeu a guarda.Nesse sentido me parece emblemtico a possibilidade do dilogo da Psicologia com o Direito.Efetivamente, a passagem da famlia em litgio por ns psiclogos funciona como um tipo deteste. No que a gente aplique um teste (o que tambm pode ser feito), mas faz com que sefale de expectativas, desejos, esperanas, sofrimentos, angstias e que tudo isto seja levadoao juiz para que ele possa, munido disto, saber melhor de que criana se trata, de que me oupai se trata e da aplicar a justia de forma mais humana, no s ancorada no que o estatutolegal diz o que ele deve fazer. Acredito tambm que os prprios membros da famlia ao seconfrontarem com seus desejos e angstias consigam se apoderar e conter melhor aspectosnegativos de si que s enxergam no outro. Isto no terapia, mas pode ser teraputico. Agora,Salomo tinha um problema relativamente fcil para resolver. Tinha duas mes disputando ofilho, no tinha diante de si um pai e uma me. A contribuio da Psicologia nesse sentido falar o seguinte: existem duas pessoas que personificam duas funes dentro da Psicologia, amaterna e a paterna, uma funo no pode substituir a outra. A criana deve ter acesso aessas duas pessoas e por meio delas s duas linhagens que so parte simblica e parte dacarga gentica dela mesma.

    Fonte: http://www.psicologiabrasil.com.br/edmes/entrevista/entrevista.htm

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