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Nara Alves

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© 2016 Nara Alves

Proibida reprodução total ou parcial, de nenhuma forma, por nenhum meio, sem autorização expressa da editora.

Todos os direitos reservados a:

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Catalogação na Fonte

Bibliotecário ResponsávelGinara de Oliveira Lima - CRB 10/1204

EditorZizo Asnis

Assistente editorialAline Bernardes

RevisãoMariane GenaroMárcia Lígia Guidin

Assistente de produçãoAdriane Mordomo Lima

Projeto gráfi co e diagramaçãoFialho Jr.Uda Flávia Cunha

Direção de arteVanina Batista

IlustraçõesNik Neves

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À minha mãe.

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APRESENTAÇÃO

MUITO PRAZER

Meu nome é Nara. Eu passava o dia todo no trabalho atrás de uma

tela de computador, ou presa no congestionamen-to, sonhando com a liberdade de sair por aí, des-temida e livre, sem rotina, sem chefe, sem coi-sa alguma que me impedisse de fazer o que bem entendesse. Então, depois de muito sofrer com a opressão social a que me submetia diariamente, me enchi de coragem e chutei o balde: pedi demis-são e decidi dar a volta ao mundo.

Mentira. Eu tinha um puta emprego. Trabalhava como

produtora de televisão, em São Paulo. Me davam salário para eu explorar lugares inóspitos e exó-ticos e descobrir coisas que ninguém sabia. Eu pesquisava, planejava, refletia sobre os assuntos e executava tudo ao lado de uma equipe bem paga, experiente e engajada.

Era o emprego dos sonhos. Eu morava a cin-co minutos do trabalho. Mesmo assim, sempre ia de carro, curtindo um som e o ar-condicionado. À noite, via The Big Bang Theory, jogava futebol e toma-va chope com as amigas no bar da esquina. A cada 15 dias, matava as saudades do Bernardo, meu na-morado, que morava em Belo Horizonte.

A vida estava boa. E, ainda assim, mesmo com a vida boa, decidi largar tudo. E o Bernardo topou na hora, sem questionar.

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Depois de um ano economizando uns troca-dos, vendemos tudo, pedimos demissão e, juntos, partimos, no dia 23 de julho de 2014, com as mochilas nas costas, com planos de voltar para o Brasil dali a 365 dias, caso sobrevivêssemos um ao outro.

Dava para ver em alguns olhares o preconceito contra nós, viajantes do mundo, esses vagabundos, desapegados e cheios da grana que não sabem o que querem da vida.

Não é nada disso, não, tá?Simplesmente tivemos vontade de ir. Isso virou

uma prioridade. Demos nosso jeito. E fomos.Mas finge que fomos viajar em busca de reali-

zação, ou do sentido da vida, tanto faz. Finge que pedir demissão foi um ato de liberdade contra o capitalismo. Fique à vontade para fantasiar.

A verdade é que, após essa jornada, não tirei nenhuma conclusão sobre praticamente nada. Ao contrário. Voltei com a certeza de que a minha ignorância não tem cura. Ela, a ignorância, mul-tiplicou-se exponencialmente a cada passo que demos. E olha que foram muitos passos!

Tampouco entendi o sentido da vida. Até por-que isso há muitos anos deixou de ser algo que incomoda meu sono. Substituí a angústia da vida pela fé em Deus e um gin tônica com gelo e li-mão. Recomendo.

Então, é isso. Sou meio ranheta, deu pra perceber. Com este livro, espero compartilhar um pouco

desse mau humor que, de tão ruim, talvez até dê pra rir.

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São Paulo, 7 de maio de 2014

1. PRimEiRAmENTE

Sabe o que mais me preocupa nessa volta ao mun-do? Não conseguir cagar. Sério.

Minha mãe era japonesa – ela nasceu e cresceu no Japão e só veio para o Brasil pela primeira vez depois de formada na faculdade – e me educou para ser recatada e educadinha. Não deu muito certo. Mas ficou o trauma. Como toda boa menina treinada para ser princesa, quando eu estou longe da minha pri-vada, levo alguns dias para conseguir evacuar. Me dá pavor só de imaginar que, durante a viagem, pu-lando de cidade em cidade, de país em país, indo a festas estranhas com gente, birita e comida esquisita, eu vou acabar enfezada, literalmente.

Todo esse pavor começou numa viagem que fiz a Cuba sete anos atrás. Eu já estava lá havia mais de um mês, evacuando com baixa frequência, mas evacuando. Na última semana, no entanto, me meti numa confusão diplomática (que explicarei mais adiante) e, com a tensão, prendi meu intestino por sete dias. Um recorde pessoal. No oitavo dia, forcei o nascimento da criança.

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Ao voltar de viagem, fui ao médico. Um proctolo-gista carioca. Eu morava no Rio de Janeiro naquela época. Ele me examinou e sugeriu que eu bebesse muita água, ingerisse mais fibras e deixasse de pas-sar papel higiênico, adotando a ducha higiênica.

Eu juro que tentei.Até importei um assento japonês que, entre outras

funções, é também um bidê, com regulagem de tem-peratura e secador. Um botão aciona o jato da frente. O outro botão aciona o jato de trás. Era pra essa pri-vada ter deixado meu “âanux” um brinco.

Mas não foi tão simples assim.De lá pra cá a coisa só piorou. Piorou a ponto de

eu preferir fazer uma cirurgia de hemorroidas. O que importa é que o problema foi resolvido. A um custo muito alto, friso. E eu não estava em condições de bancá-lo novamente. Logo, o medo.

Na tentativa de prevenir uma tragédia como a de Cuba durante a volta ao mundo, levarei no mochi-lão um bidê portátil – também importado do Japão. Funciona como uma ampola elétrica, que jorra água no apertar de um botão. Além disso, passei a comer granola e aveia toda manhã. Só digo que, dessa vez, há de funcionar.

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São Paulo, 30 de junho

2. AS PRElimiNARES E AS dESPEdidAS

Preliminares, embora possam ser dispensáveis, são sempre bem-vindas. Tratando-se de uma via-gem de um ano, as preliminares podem levar me-ses. Começamos, então, com uma pesquisa – muito chata – sobre vistos. Se eu fosse presidente do mun-do, faria um visto planetário. Ou o inverso: decreta-ria que ninguém precisaria de visto pra lugar algum, até que se provasse o contrário. Mas, enquanto não me torno presidente do mundo, temos de nos sub-meter às regras truncadas da diplomacia.

Os vistos são um quebra-cabeça complicado que nos fez reduzir as nossas opções e mudar nossos pla-nos um par de vezes. Cada país estabelece regras diferentes com base na cidadania do passaporte. De maneira geral, é muito mais complicado viajar com passaporte brasileiro, como é o caso do Bernardo, do que com passaporte japonês, que é o meu caso.

Queríamos começar nossa viagem pela África, indo sentido leste. Agora, no entanto, os Estados Uni-dos serão nosso ponto de partida, e vamos rodar sentido oeste. Quem é o culpado? O Japão. Explico.

O visto japonês para brasileiros deve ser emitido no Brasil e é válido por três meses, a contar do dia da emissão. Isso significa que teríamos até três meses para dar a volta em meio mundo. Como queremos aproveitar o tempo, sem correria, fomos forçados a inverter a viagem inteiramente.

A obtenção de um visto para o Iraque, por exem-plo, é muito complexa. Para começar, a embaixada

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iraquiana no Brasil não emite vistos. Os brasileiros devem ir para a embaixada do Brasil na Jordânia para solicitar o visto. Esta, por sua vez, emite uma carta de recomendação para o Ministério dos Negó-cios Estrangeiros do Iraque e o requerente apresen-ta um atestado médico afirmando não ter doenças contagiosas. Ai que preguiça. Então desistimos de ir ao Iraque.

Alguns países permitem o período de estadia por um número exato de dias que o turista informa querer ficar. Para isso, é preciso saber de antemão os dias exatos de entrada e de saída. Não é possível mudar de ideia. Estes países normalmente pedem a comprovação da saída. Ou seja, é necessário com-prar um bilhete de avião antes de obter o visto. É um risco enorme. Tô fora.

Outro risco são as doenças. A Organização Mun-dial da Saúde tem uma listinha de 21 doenças a se-rem evitadas pelos viajantes mundo afora. Elas são: febre amarela, sarampo, rubéola, caxumba, difte-ria, tétano, tosse convulsa, poliomielite, catapora, cólera, gripe (influenza), influenza tipo B, hepatite A, hepatite B, HPV, encefalite japonesa, doença me-ningocócica, doença pneumococo, raiva, encefalite transmitida por carrapatos e febre tifoide.

Como crescemos no Brasil e fomos devidamente vacinados na infância, já estamos imunes a sarampo, rubéola, caxumba, difteria, poliomielite e catapora. Para evitar os outros 15 diferentes tipos de doenças, vamos orar – e levar um repelente eficaz.

A única vacina realmente obrigatória é a da febre amarela, especialmente para nós, brasileiros, porque alguns países exigem vacinação prévia de visitantes

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que tenham colocado os pés em áreas afetadas por essa doença infecciosa, como, por exemplo, o Brasil. Por isso, Bernardo e eu já temos o nosso certificado internacional de vacinação contra a febre amarela.

Como vacinas não garantem a saúde de ninguém, decidimos fazer um seguro internacional, que, até o momento, foi a nossa maior despesa da viagem. Es-colhemos uma agência chamada World Nomads e fizemos um pacote que inclui atividades esportivas de aventura. Esperamos não usar. Amém.

Vistos pesquisados e providências de segurança tomadas, era hora de pedir demissão, despedir a diarista, vender tudo e partir.

Pedir demissão, no fim, foi fácil porque tive a sorte de ter um chefe que apoiou minha decisão. Aliás, meu (agora ex) chefe não é uma pessoa qual-quer. Imagine que ele até inspirou um personagem do Henfil!

Henfil foi um cartunista brasileiro criador de per-sonagens bem populares durante o período da di-tadura, nos anos 70. Ele resistiu ao governo militar com desenhos animados inteligentes e irônicos. Era hemofílico e morreu em 1988, aos 43 anos, depois de ser infectado pelo vírus HIV. Um dos seus perso-nagens foi Fradim Cumprido, um padre alto e esguio inspirado em um amigo, o padre Humberto Pereira.

Em 1980, Humberto, que também era jornalista, deixou a Igreja e criou o Globo Rural, o primeiro programa da televisão brasileira dedicado exclu-sivamente a questões do campo. Nos últimos 35 anos, o Globo Rural ganhou um incontável número de prêmios e ainda é líder de audiência nas ma-nhãs de domingo.

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O Fradim Cumprido, ou Humberto, foi meu chefe por dois anos, desde que ele me contratou para tra-balhar no seu novo projeto, o Globo Natureza, como responsável pela produção de reportagens espe-ciais sobre problemas e soluções ambientais. Pro-duzimos belas matérias para todos os programas de rede nacional da TV Globo. Para isso, viajamos por todo o Brasil e por todo o mundo. Era o emprego dos sonhos. Mesmo assim, pedi demissão. Sei que valerá a pena.

Dispensa difícil foi a da Valdete, que organizou minha bagunça uma vez por semana, por mais de três anos, e que me ajudou a cuidar de minha mãe quando ela estava doente em casa. Já havia tentado algumas vezes dispensá-la, mas fracassei. Na última vez, ela me contou como seu sogro solucionou o pro-blema da falta de segurança no Capão Redondo. E essa história é sensacional.

O filho mais velho da Valdete fez parte da Orques-tra Furiosa, uma orquestra formada por crianças de famílias pobres, do Auditório do Ibirapuera. O rapaz agora pretende fazer faculdade de música. O sucesso dele incentivou a irmã mais nova, que foi aprovada para a mesma orquestra, tendo também optado por instrumentos de sopro.

Mas, de um ano para o outro, o patrocinador do projeto mudou e um benefício foi cortado: o trans-porte. Na época do mais velho, um ônibus escolar levava e buscava os alunos da periferia até o Ibira-puera. Quando chegou a vez da menina, a família foi informada de que ela teria de se virar com o trans-porte público de São Paulo. A adolescente chegava

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da aula de música quase meia-noite e descia num ponto próximo a uma praça ocupada por mendigos.

Preocupado, o sogro de Valdete resolveu o pro-blema da neta da forma mais lindamente errada possível. Ele arrancou o ponto de ônibus do chão e plantou novamente em frente à casa da menina. Foi maravilhoso. Dias depois, a prefeitura colocou cobertura e bancos nos pontos de ônibus do bairro e, desavisadamente, acabou por consolidar oficial-mente o novo local de parada. Daí foi só a Valdete costurar novas cortinas para impedir que os pas-sageiros ficassem bisbilhotando a casa pela janela enquanto esperavam o busão.

Voltando ao assunto. A despedida mais sofrida pra mim, sem dúvida, foi a das coisas da minha mãe, que morreu há dois anos de câncer. Tive de me despedir do sofá onde assistíamos à TV, da mesa onde jantáva-mos juntas... Eram apenas móveis, mas, ainda assim, foi muito, muito difícil.

Sou a única filha da minha mãe, que se separou de meu pai quando eu tinha 7 anos. Vivemos na mesma casa, juntas, só nós duas, por mais de vinte anos. Então, fui morar sozinha, mas voltei pra casa dela (a nossa) na reta final da doença. Após sua morte, continuei morando lá. Por fim, vendi tudo e aluguei esse apartamento. Outra família foi morar na nossa casa. Que sensação estranha.

Eu sabia que, quando voltasse de viagem, depois de um ano, não teria mais a minha casa. Iria morar em outro lugar. Qualquer lugar. Foi triste pensar nis-so. Mas, ao mesmo tempo, tive uma sensação incrí-vel de liberdade.

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Orlando (Flórida), 28 de julho

3. A ESTREiA NA mERdA

Eu sei que é brochante ler que iniciamos nosso mochilão de volta ao mundo, uma viagem essen-cialmente selvagem e alternativa, no destino mais batido da família classe-média-sofre brasileira: a Disney World. Paciência. A viagem é nossa e você tem que aceitar este fato.

Antes de contar como terminou nossa estreia mundial, quero fazer uma confissão: eu e o Ber-nardo sabemos de cor todas as músicas da Disney. Sim, é verdade. No primeiro dia da nossa viagem, nós cantamos, dançamos, fomos a todas as atra-ções infantis sob o sol escaldante do verão em Orlando. Cumprimos bem contentes o nosso de-ver como turistas brasileiros na Flórida. Foi nossa primeira (e provavelmente última) vez no planeta da felicidade.

Doze horas depois da nossa chegada no lugar mais mágico da Terra, eu tive uma overdose de princesas, castelos, montanhas-russas. Tudo aqui é “o mais disso”, “o melhor daquilo”, “a coisa espeta-cular”, “a maior”, “o mais bonito”.

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Eu estava de saco cheio da obrigação de aprovei-tar tudo, de não se permitir perder nada. No fim do dia, eu só queria comer alguma coisa leve e dar o fora dali.

Então, pedi uma salada. Santa ingenuidade. A sa-lada veio com carne, queijo, molho de tomate pican-te, maionese e algumas alfaces de efeito decorativo.

Depois do jantar, em vez de voltarmos para o hotel, Bernardo e seu amigo que trabalha na Disney e que conseguiu bons descontos para nós, queriam mais.

Estávamos rodeados por milhares de fãs felizes e sorridentes da Disney que cantavam juntos When You Wish Upon a Star, como numa igreja. Bem no meio de toda essa gente, eu comecei a me sentir um pouco estranha. Minha barriga começou a emitir sons. Sabe aquele suor frio que te diz para ir i-me-di-a-ta-men-te ao banheiro mais próximo?

A salada queria sair. Mas o banheiro mais pró-ximo estava a alguns minutos dali. Àquela altura, completamente desesperada, eu pedi a todas as es-trelas do universo que o maldito castelo da Cindere-la fosse um banheiro gigante onde eu pudesse fazer aquilo que eu tinha de fazer.

Comecei a caminhar apressadamente, pedindo desculpas e repetindo: “Estou passando mal, estou passando mal”.

Um dos funcionários supersorridentes da Disney me ajudou a sair da multidão passando por uma fila livre onde eu podia correr. Run, Forrest, run!

Foi um milagre eu ter conseguido segurar aquela tragédia e ter chegado ao banheiro a salvo. Um se-gundo a mais e tudo iria por água abaixo.

Bela estreia.