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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIOGRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
CHARLES MAURCIO KRAY
Linguagens Cruzadas: A Imagem e o Teatro de Sombras no Ensino
de Artes Visuais
Porto Alegre 2013
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CHARLES MAURCIO KRAY
Linguagens Cruzadas: A Imagem e o Teatro de Sombras no Ensino
de Artes Visuais
Trabalho de Concluso de Curso como requisito
para obteno do ttulo de Licenciado em Artes
Visuais pelo Departamento de Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Prof. Dr. Andria Hofstaetter
Banca Examinadora
Prof. Dr. Laura Castilhos
Prof. Dr. Paola Zordan
Porto Alegre
2 semestre
2013
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Sumrio
INTRODUO ....................................................................................................................... 06
1 SOMBRA DA HISTRIA ............................................................................................... 08
1.1. A UTILIZAO DA SOMBRA COMO RITO E ARTE .................................................. 09
1.2. CINCIA E TECNOLOGIA ............................................................................................. 22
1.3. ASPECTOS METAFRICOS .......................................................................................... 32
2 FERRAMETAS MANIPULVEIS..................................................................................... 40
2.1. A IMPORTNCIA DO PRODUTO E DA IMAGEM NO PROCESSO DE
CRUZAMENTO ...................................................................................................................... 41
2.2. MANIPULAR A IMAGEM .............................................................................................. 48
2.3. A SOMBRA E AS ARTES VISUAIS ............................................................................... 52
3 CRUZAMENTOS E PROCESSOS DE EDUCAO..........................................................59
3.1. O PROFESSOR, A IMAGEM E A SOMBRA EM SALA DE AULA.................................61
3.2. ALFABETIZAO E LETRAMENTO: PROCESSOS DE EDUCAO VISUAL..........69
3.3. ESTGIOS: PROPOSTAS DE ENSINO..............................................................................79
CONCLUSES............................................................................................................................93
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................98
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Ao concluir este trabalho, quero agradecer...
... Andria Hofstaetter, orientadora no processo de construo deste trabalho e que nos
momentos difceis soube me compreender e dar o tempo que precisava para focar novamente
nesta tarefa importante. Nestas linhas busco expressar o quanto foi importante algumas palavras,
sua tranquilidade e sabedoria que sempre foram qualidades que me chamaram ateno.
... so seis anos dentro desta universidade, um bacharelado e agora a finalizao da licenciatura,
em tom de despedida quero deixar os agradecimentos a todos professores que fizeram parte da
construo do conhecimento que possuo agora. So estas pessoas que constrem esta
universidade pblica e a nica oportunidade para alguns de ter acesso a um ensino de qualidade
gratuto.
... aos colegas que se tornaram amigos e parceiros. Possivelmente colegas de trabalho em
educao e arte.
... Paola Zordan, coordenadora de bolsa, de estgio e banca. Agradeo por ter me ensinado a
paixo por licenciatura, por ter aproximado o meu trabalho em teatro com a licenciatura. Pelos
momentos de tamanha intensidade, ingrediente indispensvel ao professor. Pelas conversas e
conselhos. Pelas discusses sobre o nosso fazer. ... Laura Castilhos que nos encontramos
novamente. A primeira professora quando entrei na UFRGS e agora nas despedidas.
... muitas mudanas aconteceram em minha vida durante a elaborao deste projeto. Pessoas
foram e outras vieram para darem conforto e apoio. Obrigado Luiz Gustavo e famlia por me
mostrarem um novo caminho e novos valores. Aos colegas de trabalho Caca Sena e Anderson
Borges Gonalves. Claudia Oliveira que representa o quo fascinante a vida e os encontros.
Aos meus familiares.
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Resumo
A importncia da imagem no ensino das Artes Visuais nos revela uma srie de
cruzamentos na contemporaneidade. Acontecem entre as artes, entre as artes e a publicidade,
entre obra e bens de consumo. Linguagens Cruzadas: A Imagem e o Teatro de Sombras no
Ensino de Artes Visuais um relato destas experincias de cruzamento. Para que possamos
compreender melhor este processo buscamos referncias na histria do Teatro de Sombras e sua
utilizao na religio, na cincia e na arte. Em relao imagem, os processos artsticos de
apropriao e suas consequentes transformaes em relao ao seu prprio significado dentro e
fora do campo das artes.
Por fim, a busca de referncias e embasamentos tericos aplicada em planos
pedaggicos que privilegiam o ensino das Artes Visuais com nfase nos contedos da disciplina.
O cruzamento entre imagem e Teatro de Sombras serve de aporte para criao dos planos de
ensino com o intuito de potencializar o aprendizado. Todos os aspectos tericos e prticos
revelam a importncia do cruzamento para o ensino em Artes Visuais e neste, em especial, o
Teatro de Sombras e a imagem mostraram-se flexveis e adaptveis proposta.
Palavras chave: Teatro de Sombras, Imagem, Cruzamento e Educao em Artes Visuais.
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INTRODUO
Este trabalho de concluso de curso tem como objetivo principal aproximar duas
linguagens que so as Artes Visuais e o Teatro de Sombras. Foram desenvolvidas trs atividades
em sala de aula sendo que uma no fazia parte da disciplina de Estgio Docente e foi
desenvolvida na Escola Estadual do Rio Grande do Sul durante a cadeira de Identidade Docente
FACED/UFRGS. As outras duas fizeram parte do planejamento ocorrido durante a cadeira de
Estgio Docente e atividades do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Docncia
(PIBID) ambas coordenadas pela professora Paola Zordan e desenvolvidas nas escolas Flores da
Cunha e Ernesto Dornelles. Estas atividades seguiram algumas referncias de artistas que
trabalham com sombras e experincias profissionais fora da universidade, em Teatro de
Animao. Depois de encerradas as atividades, estas serviram de referncia para elaborao de
pesquisa terica levando em conta a histria, as obras e os artistas, a cincia e as religies que
utilizaram as sombras das mais variadas formas. No desenvolvimento dos planos de ensino
houve adaptaes que priorizaram o ensino das Artes Visuais, no entanto, as sombras foram
essenciais para que o contedo fosse realmente eficaz e flexvel junto aos alunos.
No primeiro captulo abordamos as sombras de trs formas distintas, j que acompanham
a histria da humanidade desde seus primrdios. A primeira traz um percurso pela histria e sua
utilizao como ritual, mito e arte. Comeamos esta viagem pelo oriente, bero das sombras e
fomos seguindo um caminho at chegar Europa. Neste continente o Teatro de Sombras assume
status de arte, isto , sem vnculos religiosos. Atravessamos o atlntico e desembarcamos no
Brasil. uma abordagem panormica, mas trazemos vrias referncias de autores e uma
bibliografia importante para quem tiver curiosidade poder buscar outras fontes e fazer uma
leitura aprofundada. Em Aspectos Metafricos abordamos sua capacidade de comunicao, sua
utilizao na poesia, como metfora na psicologia, enfim, as tantas figuras de linguagem criadas
a partir da imagem em sombras. Por fim, sua importncia para cincia e tecnologia. O fenmeno
sombra foi utilizado para compreendermos e dividirmos o tempo e as estaes, para complexos
clculos matemticos, astronomia, fotografia e cinema.
A partir de ento buscamos os dilogos possveis entre as sombras e as imagens, visto
que a base da bibliografia so os estudos de Ana Mae Barbosa e Fernando Hernndez. Estes dois
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autores so importantes para refletirmos sobre o fazer em sala de aula. Notamos que os dois
concordam que a imagem fundamental para o ensino das artes, ento buscamos na histria sua
influncia para o universo artstico e para comunicao na contemporaneidade. A constante
produo da imagem na atualidade passa por uma reflexo social, vinculada ao produto, aos
costumes e seu impacto nas relaes. Tambm abordamos as maneiras de manipul-la, de criar
sentido, de buscar ressonncias e conectar identidades. E para finalizar o segundo captulo,
trazemos referncias de trs artistas plsticos que trabalham com a sombra e criam as mais
diversas formas de utiliz-la.
Tanto o primeiro como o segundo captulo so introdutrios para mostrarmos a forma
como foi feito o cruzamento entre o Teatro de Sombras, ou simplesmente sombras, com as Artes
Visuais. So apresentados trs planos de ensino, sendo que o primeiro no fazia parte do estgio
docente e sim da cadeira de Identidade Docente da FACED/UFRGS. Foi justamente este plano
que gerou as maiores dvidas em relao ao sistema de ensino em Artes Visuais. Como a
atividade era interdisciplinar, unindo as Artes Visuais e a Pedagogia, surge o conceito de
letramento. Existem muitas reflexes sobre os conceitos de alfabetizao e gramtica visual, no
campo do ensino das Artes Visuais, propomos analisar o termo letramento como um possvel
dilogo neste campo.
No estgio docente e nas atividades ligadas ao PIBID h relatos sobre os planos de
ensino, suas adaptaes s propostas que contemplavam o ensino das Artes Visuais nos quesitos,
contextualizao, leitura e apreciao. A primeira experincia foi o autorretrato em sombras,
tema proposto pela titular docente, que exigiu a criao de uma atividade que contemplasse o
cruzamento. O resultado foi significativo, pois abriu possibilidades outras alm do simples fazer.
Nas concluses referida a importncia de um caminho trilhado entre as incertezas
dentro da sala de aula e as tomadas de decises diante de algumas impossibilidades. A concluso
uma radiografia daquele que esta diante do aluno, que esta inserido num meio totalmente
dinmico e como este fato altera e influencia o planejamento. Por fim, daremos um fechamento
potico inspirado num fato verdadeiro acontecido numa das escolas onde foi feito o estgio. Esta
licena potica, no retira a seriedade das concluses e sim, demonstra que o ambiente escolar
nos toca a todos, docente e aluno, e deve ser assim, diante de uma realidade social que a escola
espelha e no pode ser apartada da vida.
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1 SOMBRA DA HISTRIA
Durante a pesquisa percebemos a importncia da sombra para histria da humanidade.
Faz-se presente como mito, rito e arte. Sua importncia para a cincia, a matemtica, a fotografia
e o cinema. Traduzida em metforas auxilia a compreenso dos paradoxos da alma. A sombra se
caracteriza pelo mistrio, pela magia e pela beleza. No primeiro captulo deste trabalho de
concluso ser contado um pouco de sua histria no processo cultural e religioso. Iniciamos no
oriente, a migrao para o ocidente e sua chegada ao Brasil. Trazemos alguns exemplos de sua
utilizao em rituais religiosos e curiosidades carregadas de mistrio, bem como, referncias de
estudiosos e obras que abordam o assunto. As modificaes do Teatro de Sombras de rito e
religio para expresso artstica. No subcaptulo Aspectos Metafricos, ser analisada como
imagem produtora de sentido. Sua potncia esttica produz significados que esto alm de uma
leitura linear e formal. Sugerimos a metfora como ponto de partida para perceb-la como
imagem para psicologia. recorrente sua utilizao como parbola. Materializa alguns medos e
sugere alguns devaneios exotricos. Preenche os vazios deixados pela ignorncia cientfica e
religiosa. Utilizada na poesia como figura de linguagem ou adjetivando e nomeando situaes e
personagens.
Sua importncia no processo de evoluo humana, bem como, sua importncia no
desenvolvimento tecnolgico serviu de suporte para o descobrimento da fotografia at revoluo
do cinema que sero alguns assuntos abordados no captulo Cincia e Tecnologia. Sua forma
distinta de se apresentar em comparao a outras imagens criadas pelo homem e a necessidade
de projet-la impulsiona o desejo do homem de movimentar formas estticas. o desejo de
reproduzir os movimentos. Sua contribuio decisiva no processo de contagem do tempo. E
para astronomia e matemtica um fenmeno essencial.
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1.1 A UTILIZAO DA SOMBRA COMO RITO E ARTE
Talvez as primeiras utilizaes do Teatro de Sombras foram em rituais ligados s
religies. Conforme Nine Beltrame1, os registros de sua existncia remontam uma histria
ocorrida de 2.550 a 3.000 anos atrs no continente asitico. Na realidade h controvrsias entre
dois historiadores que defendem duas regies distintas deste continente. Para Meher Contractor
(1982), o bero desta arte seria na ndia e para Max Von Bohen (1972) tudo teria comeado na
China e para tanto, os dois teriam provas irrefutveis como silhuetas e dados levantados em
vrios museus.
A questo religiosa foi a principal motivadora para criao e manuteno do Teatro de
Sombras na ndia e a maioria dos espetculos eram adaptados e transcritos dos temas picos do
Ramayana2 e Mahabharata
3. H algumas dcadas, eles consistiam no nico suporte audiovisual
educativo e envolviam, alm do pensamento religioso, normas sociais que eram introduzidas, nas
quais prevalecia o pensamento do bem vencendo o mal. (CONTRACTOR, Pag. 79) Conforme o
historiador, a importncia do Teatro de Sombras se manteve por milnios e percebemos que era
utilizado como ferramenta pedaggica. Uma prova desta vocao educativa era que cada
espetculo teria que ser precedido por uma orao Lord Ganesh4 onde era invocado o nome da
Deusa Saraswati, deusa do aprendizado.
A importncia do Teatro de Sombras na cultura religiosa da ndia foi to relevante que no
aniversrio do Deus Shiva, que tambm patrono do teatro de bonecos, os espetculos duravam
seis noites com as apresentaes comeando ao entardecer e terminando na madrugada.
Ressaltamos que os espetculos, por ter um forte apelo religioso, eram totalmente gratuitos e na
maioria das vezes serviam para arrecadar doaes. Sendo que todo Teatro de Sombras se utiliza
1 Valmor Nine Beltrame: Professor doutor na UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina). Pesquisador de
teatro de formas animadas. 2 Ramayana: Atribudo ao poeta Valmiki um pico snscrito, parte importante do cnon hindu (smti). Sua traduo mais utilizada "a viagem de Rama". O Rmyaa consiste de 24.000 versos em sete cantos (kas) e conta a histria de um prncipe, Rama de Ayodhya, cuja esposa Sita abduzida pelo demnio (Rkshasa) rei de Lanka. 3 Mahabharata : Um dos dois maiores picos clssicos da ndia, juntamente com o Ramyana. Sua autoria
atribuda a Krishna Dvapayana Vyasa. O texto monumental, com mais de 74 000 versos em snscrito, e mais de
1,8 milhes de palavras; se o Harivamsa for includo como sendo anexo e parte da obra, chega-se a um total de 90
000 versos, compondo o maior volume de texto numa nica obra humana. 4 Lord Ganesch: Conhecido no Hindusmo como o Senhor dos Obstculos e traz boa fortuna.
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de pontos de luz para projetar as silhuetas, em algumas regies utilizavam a lmpada principal do
templo que era levada em procisso pelos manipuladores, msicos e Sutradhars5. Tal distino
demonstra o respeito por este tipo de representao.
Havia muitas regras litrgicas que regiam os roteiros de cada apresentao. No oriente, o
Teatro de Sombras obedecia a um cerimonial que envolvia o acondicionamento das silhuetas,
seus tamanhos, suas cores e at as entradas e sadas das personagens. O tamanho das silhuetas
era definido pela importncia de cada divindade dentro da hierarquia religiosa, sendo que Deus
Ganesh era a maior enquanto as outras possuam dimenses conforme sua posio e relevncia.
As cores definiam personagens e gneros sendo que as figuras femininas eram pintadas em tons
de vermelho, marrom e amarelo, numa requintada mistura entre elas. Os Deuses tinham suas
cores prprias como no caso da silhueta que representa Rama, pintado de azul ndigo. Mas nada
to evidente nesta cerimnia quanto o acondicionamento das silhuetas que eram devidamente
separadas entre as personagens que representavam o mal e o bem. Conforme a tradio, estas
personagens no poderiam ser guardadas no mesmo lugar e at a entrada em cena evidncia esta
regra: o bem sempre entra em cena pela direita enquanto a esquerda reservada ao mal.
As silhuetas eram tratadas como entidades vivas cabendo a elas todo o respeito.
Quando incompletas no poderiam ser acondicionadas com outras que j serviram cena.
Somente quando ela estava totalmente construda que poderia ser guardada junta as outras e ser
utilizada nas apresentaes. A partir deste momento, considerada viva. Outra curiosidade que
tambm demonstra o respeito por essas figuras em relao ao seu estado de conservao.
Quando uma se encontrava inutilizada pelo tempo era feito todo um ritual, quase fnebre, para
que esta fosse encomendada. Primeiramente era submersa em um rio para depois seguir em
procisso num ritual que era feito ao pr do sol.
5 Sutradhars: Marionetista responsvel pela apresentao inicial do espetculo.
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Na China
As primeiras silhuetas chinesas eram feitas em papel de arroz, um material frgil e tinha
como motivo principal: a sua destruio depois do uso. Tal procedimento era parte do ritual que
envolvia o Teatro de Sombras naquele pas. O ponto luminoso vinha de uma lamparina de azeite.
Primeiramente o Teatro de Sombras Chins era feita somente corte imperial e conforme uma
lenda, o imperador Wu ti, da dinastia dos Han, havia perdido sua bailarina preferida.
Inconformado com sua morte e por acreditar em poderes mgicos, ele pede ao mago para traz-la
do mundo das sombras, caso contrrio, perderia sua vida. O mago da corte preparou a pele de um
peixe e recortou a silhueta da danarina. Ornamentou-a com cores realando os vestidos e
chegou a um resultado satisfatrio. Criou tambm articulaes capazes de recriar os movimentos
de dana que esta executava. Na varanda do palcio esticou um tecido branco, este dava para o
ptio, com isto, aproveita os instantes que o imperador estava por l e quando o sol estivesse na
inclinao certa para projetar sombras, colocava a silhueta para danar ao som de msicos
imperiais. Quem assistia do ptio tinha impresso que a bailarina se encontrava dentro do
palcio, e conforme conta a lenda, a manipulao era to bem feita que a dana reproduzia com
perfeio os gestos graciosos da bailarina, e sua silhueta, era de tal forma parecida, que o
imperador se encantou e acreditou que sua bailarina havia voltado do mundo das sombras.
Quando o Teatro de Sombras da China sai da corte e vai para rua se torna muito popular e
utilizado em cerimnias de nascimentos, casamentos e funerais. Com o passar dos tempos, as
frgeis silhuetas feitas em papel de arroz do lugar s silhuetas produzidas com peles de carneiro
que eram trabalhadas at tornarem-se translucidas para ento aplicar cores. Esta transparncia
tinha como objetivo a passagem da luz pelo material projetando silhuetas coloridas. Cada regio
da China possua uma forma de construo de silhuetas e seus tamanhos variavam de territrio
para territrio. As sombras chinesas foram to importantes e conhecidas que influenciaram os
danarinos da pera de Pequim que se inspiravam nos movimentos das silhuetas para
interpretarem, principalmente, os animais. Os rituais que acompanhavam estes espetculos e a
construo das figuras seguiam certas normas tais como a utilizao de cores que representavam
sentimentos. O vermelho apresentava um personagem de bom carter, o preto representava fora
e coragem enquanto o verde representava os espritos e demnios. Os olhos rodeados de branco
com ornamentos no rosto eram expresses de ira e fria. Percebemos, como no Teatro de
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Sombras da ndia, que o Chins tambm est intimamente ligado aos rituais religiosos e
expressam o mundo das divindades.
Ilhas de Java
Nos dias de hoje encontramos um vasto estudo sobre o Teatro de Sombras nas ilhas de
Java e suas silhuetas so amplamente divulgadas em imagens e vendidas como lembranas para
turistas que viajam por aquela regio. (fig.1) Seu desenvolvimento e sua popularizao tambm
esto intimamente ligados aos ritos. Conforme Hartnoll (1990) na Indonsia os espetculos,
neste caso os rituais, acompanhavam casamentos e poderiam durar at cinco horas comeando no
pr do sol adentrando noite a fora. Seus registros acontecem tanto nas ilhas de Java como em
Bali. Na Indonsia, o Teatro de Sombras chamado de Wayang e remonta a poca pr-hindu e
tem origem nos cultos ancestrais Javaneses.
Fig.1. Fotos atuais demonstram que o Teatro de Sombras nas ilhas de Java ainda ativo e muitas silhuetas so
vendidas como lembrana.
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Na Tailndia, o Teatro de Sombras tem o nome de Waiang Kulit6, herdado da ilha
vizinha de Java. Com sua chegada, este tipo de teatro vai se modificando tornando-se mais
realista e sua proposta modifica-se, torna-se tambm uma diverso, mas no perde seu carter
religioso continuando a ser parte de um cerimonial aos Dewas7. Por isso, muitas vezes os
espetculos eram usados para iniciar adolescentes, culto aos mortos, consagrao de sacerdotes,
em rituais de exorcismo e para espantar maus espritos. Para tanto, as apresentaes seguiam a
uma srie de cdigos e smbolos que eram exaustivamente repetidos para tornarem-se
conhecidos nas comunidades e sua liturgia poder ser compreendida por todos. Este passo a passo
deveria ser meticulosamente obedecido para se alcanar os objetivos de cada ritual.
Neste pas, as sombras representavam o cosmos, enquanto o pano de projeo, o mundo e
sua atmosfera. O sol era representado pelo ponto de luz. Uma das figuras mais simblicas deste
teatro o Kayon, de significado obscuro, mas que aparece em forma de uma rvore no incio e
no final de cada sesso e tambm pode aparecer nos momentos de transio de cena. Misterioso,
sagrado e mgico, segundo os balineses esta figura tem o poder de transfigurar os imortais e
reanimar os mortos atravs das sombras. Mas para que isso acontea, o manipulador deve ter um
conhecimento vasto da liturgia e construo das silhuetas. Deve saber por onde vai acontecer a
entrada de cada personagem e qual lugar esta deve ocupar no pano de projeo. Percebemos que
existem regras rgidas e uma cultura que s pode ser mantida atravs de um sacerdcio que
passado de mestre para discpulo.
No Islamismo
Outra importante pesquisa de Marghot Berthold (2004) demonstrando que o Teatro de
Sombras era utilizado para contornar alguns problemas impostos pela lei Islmica que proibia a
utilizao de imagens realistas, humanas e personificaes de Deus. Para tanto, foram criadas
uma srie de silhuetas feitas em couro que continham uma srie de furos com o objetivo de
aumentar seu poder de ludibriao, pois com a passagem de luz pelos orifcios aumentavam a
6 Kulit: Couro 7 Dewas: Divindades
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sensao de que as imagens no se referiam realidade. As silhuetas eram criadas com todo o
cuidado para que todas fossem abstraes da figura humana e o efeito da passagem da luz entre
os espaos ajudava nesta iluso. Percebemos que neste caso o Teatro de Sombras era utilizado
em meio religioso e respondia ao desejo da imagem como representao de um mundo no
humano, pertencente s divindades. Conforme a autora, todas estas tcnicas e as maneiras de
ludibriar as leis Islmicas levaram o Teatro de Sombras a ser a Arte Cnica mais aceita no Isl.
Na Turquia
Aunque el teatro de Karagz8 (KHAZNADAR, 1975) conserva algunos vestigios de sus orgenes religiosos palpables en los prlogos de sus espectculos, que alaban a Dios, a su profeta Mahoma y al seor y jefe religioso del pueblo, se distingue de las dems sombras de Asia por su gran carga social y poltica. (BADIOU, Maryse. Pag. 67)
O Teatro Karagz popular na Turquia se desenvolve de forma mais autnoma em relao
religio. Percebemos isso no elenco de personagens que compem as histrias. Todos
representam a sociedade Otomana constituda de personagens tais como: rabes histricos, ricos,
devotos, libertinos, prostitutas, estrangeiros, juzes, mdicos, comerciantes, alm da gente
humilde do povo. Centralizando os conflitos, encontra-se Karagz e seu companheiro Hacivat,
sempre em oposio ao seu amigo. Encontramos esta estrutura no teatro ocidental em
personagens como o Arlequim9 e Punch e Jude
10.
Encontramos algumas referncias desta arte na Grcia e muito provavelmente foi
adquirida durante a ocupao Otomana. L o seu nome era Karagiozis e se mantm at 1822
quando a Grcia se liberta. Agora sob influncia do mundo ocidental, Karagiozis se torna heri
nacional convertendo-se de muulmano para ortodoxo. Com este exemplo notamos a fora deste
personagem, sua crtica social e poltica. So traos que acompanham o personagem desde sua
criao e mesmo mudando de religio suas caractersticas psicolgicas continuam as mesmas.
Neste momento histrico percebemos as primeiras aproximaes geogrficas com o ocidente.
8 Karagz: Se traduz como o homem do olho negro. Do Turco gz: olho e Kara: negro. Este olho imenso desenhado ao logo do rosto que visto de perfil adquirindo um valor simblico. 9 Arlequim: Personagem central da Comdia Dell Arte Italiana 10 Punch e Jud: Casal de personagens do Teatro de Bonecos muito populares na Inglaterra.
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Na Europa
Conforme Maryse Badiou, o interesse pelo Teatro de Sombras, desvinculado de questes
rituais e religiosas surge aps a inveno da Lanterna Mgica construda pelo padre Athanasius
Kircher. Mesmo que o aparelho fora usado com fins religiosos, pois Kircher projetava figuras de
demnios e anjos em catedrais com a finalidade de persuadir seus fiis, a inveno fora
apropriada para fins artsticos. O poder de projeo de tal aparelho impulsiona a produo das
primeiras silhuetas cortadas em papel. O gosto por este tipo de arte acontece principalmente na
Frana na poca das luzes e se multiplicam as apresentaes nos Teatros de Salo. Os
espetculos apresentam uma engenhosa maquinaria para manipular as silhuetas e verdadeiras
obras de arte na construo dos cenrios.
Fbregas (1975) nos relata o desenvolvimento do Teatro de Sombras na Catalunha que
fora trazido por artistas Italianos inspirados nas maiores criaes francesas do gnero. Em
Barcelona, no Hospital Santa Cruz, eram expostas as silhuetas feitas em carto e pouco a pouco a
arte das sombras torna-se um instrumento de lazer para aquela comunidade. Percebemos que o
Teatro de Sombras conquista no ocidente o status de arte e de criao. Conforme Maryse Badiou
(2012), antes desta profissionalizao, encontra-se registros de uma diverso muito popular
chamado de ombromania ou shadowgrafia que se refere arte de fazer sombras com as mos.
No havia refinamento artstico ou um profissionalismo como se apresentava nas silhuetas feitas
de carto, era sim, um tipo de descontrao e muitas vezes utilizado de maneira mais privada. No
entanto, nos alerta a autora, com o desenvolvimento das silhuetas esta tcnica resurge com mais
vigor.
Na Espanha o Teatro de Sombras ir influenciar a criao de muitos brinquedos que se
utilizam de silhuetas. Sua popularizao no enfraqueceu a produo mais apurada, tornando-se
uma forma de linguagem utilizada por vrios artistas para serem apresentadas em reunies de
intelectuais e lugares de encontro da elite cultural. Nas cervejarias, em plena efervescncia do
modernismo, o Teatro de Sombras se fazia presente, no s como uma distrao, mas tambm
fora utilizada como inspirao de muitos artistas tais como: Picasso, Rusiol, Casas, Nonell,
Utrillo entre outros.
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No final do sculo XVIII o Teatro de Sombras desfruta um grande sucesso e produz
talentosos artistas nesta rea. Um dos primeiros nomes que alcanam a fama o Francs
Seraphin. Ele construa suas silhuetas em chapas de metal de mnima espessura e com tal
perfeio eram feitas as articulaes, que produziam gestos estilizados de grande beleza esttica.
Muitas de suas criaes tornaram-se populares e so conhecidas at hoje, como no caso da
Ponte Quebrada, (fig.2) que era uma brincadeira entre as crianas nas dcadas de 50, 60 e 70.
Fig. 2. Podemos observar o bonequeiro Australiano Richard Bradshaw manipulando as silhuetas da histria criada
por Seraphin. Imagem ao centro da famosa histria Ponte Quebrada.
Em Paris, com a criao do Cabaret Chat Noir, o Teatro de Sombras ganha um impulso,
visto que este lugar era o ponto de encontro dos maiores artistas e intelectuais da poca. Neste
espao que surgiu a figura do tambm pintor e decorador Jacques Rivire que se tornou uma
referncia no gnero. Outros espetculos tiveram seu incio nesta casa como a pea Navidad de
Vicent Hyspa. As silhuetas foram produzidas por Miguel Utrillo. Toda esta efervescncia foi
interrompida pelo incio da primeira guerra mundial em 1914. A popularizao do rdio e o
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surgimento da televiso acabam enfraquecendo a arte do Teatro de Sombras, neste momento,
que as companhias tornam-se itinerantes.
O Teatro de Sombras se mantm por meio de companhias ambulantes at o momento que
surgem grupos extremamente inovadores com novas propostas de linguagem. Esta renovao d-
se nas dcadas de 70 por iniciativa de companhias independentes que se aventuraram em
estabelecer locais prprios para as apresentaes. A renovao acompanha a difuso dentro e
fora dos pases de origem. A partir deste momento, se fortalecem festivais internacionais que
renem espetculos que possuem em comum, alm do Teatro de Sombras, o Teatro de Bonecos.
Para Fabrizzio Montechi, ator e manipulador do grupo Gioco Vitta e tambm
pesquisador da arte do Teatro de Sombras, haveria um rompimento importante, um rompimento
com a tradio. Percebemos que este fato acontecia tambm nas Artes Visuais. Os novos
conceitos de espetculo vo experimentar outras maneiras de utilizar os meios tcnicos tais
como: os pontos de luz, a tela de projeo e a construo de silhuetas. Essas interrogaes
foram, ento, reunidas e desenvolvidas por uma nova gerao de companhias que fez delas
premissas indispensveis para aquela que foi uma verdadeira revoluo ocorrida no Teatro de
Sombras nos anos Oitenta. (MONTECHI, 2007, pag. 27) Mesmo com o enfraquecimento do
Teatro de Sombras em virtude da primeira guerra, o seu retorno partiu das pesquisas deixadas,
principalmente, pelos franceses. Um destes grupos foi o Chat Noir, que em sua poca, construa
espetculos com refinamento tcnico. Este refinamento envolvia principalmente as silhuetas,
projetores e telas. Mesmo refinado, a sua esttica era tradicional.
Nos anos oitenta, as reflexes sobre as possibilidades cnicas do Teatro de Sombras no
se limitam ao seu aspecto tcnico, mas procuram refletir sobre seus aspectos estticos e
dramatrgicos. Os pontos de luz j no so fixos podendo ser manipulados. A figura do
manipulador surge com outras funes e muitas vezes suas mos no movimentam somente as
silhuetas, mas tambm o seu corpo entra em cena podendo ser usado para complementar as
figuras que sero projetadas. As projees, que antes eram o ponto alto nas apresentaes, que
seguiam preceitos estticos puros, com imagens lmpidas, agora passam por um processo de
resgate da dualidade e da metfora de sua apario. As silhuetas no so mais coladas ao pano,
mesmo que possam perder sua nitidez, a prpria falta de definio dos seus contornos que so
objetos de investigao para se extrair o mximo de comunicao. Assim, palavras com
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enquadramento, montagem, sequncia, cmera lenta, transio cross fade11
e outras, assumiram
um papel muito importante no nosso neo-vocabulrio. (MONTECHI, 2007, pag. 68). Notamos
que o autor utiliza as tcnicas do cinema para obter linguagens que pudessem capturar este novo
espectador neste novo tempo. A introduo de novas tecnologias, novas maneiras de utilizar o
espao para projees buscam perpetuar a atuao da imagem sobre o espectador.
Neste espao criativo, a palavra que comanda as aes o experimentalismo
caracterizando o Teatro de Sombras feito a partir dos anos oitenta. J no existiriam limites para
esta arte e os experimentos trazem para dentro deste espao no s as imagens espetaculares
proporcionadas pelas projees, mas entrar neste jogo de cena o corpo, as distores, as
inmeras formas de suporte para a projeo e muitas outras descobertas. Neste sentido o Teatro
de Sombras se aproxima das experimentaes das Artes Visuais e contribui para a prpria
renovao nas artes cnicas tradicionais. Todas estas transformaes acompanham as mudanas
que aconteciam nas artes.
No Brasil
A partir dos anos setenta, o Teatro de Sombras que acontecia fora do pas tem a
oportunidade de ser visto nos festivais internacionais de Teatro de Bonecos. Talvez estes
festivais sejam os acontecimentos mais importantes dentro da categoria de Teatro de
Animao12
. E foi juntamente com o Teatro de Bonecos e o Teatro de Objetos que este gnero
vai transformar o espao cnico num espao mais afeito s experimentaes. Um dos festivais
mais importantes, considerado pela crtica nacional e internacional, foi o Festival Internacional
de Teatro de Bonecos de Canela que difundiu as melhores produes nacionais e internacionais.
Inclusive o grupo Giocco Vita participou de vrias edies, grupo este em que atua Fabrizio
Montechi. incontestvel a contribuio deste evento na formao de novos profissionais em
Teatro de Bonecos e Teatro de Sombras, bem como a formao de um pblico cativo.
Hoje as pesquisas em Teatro de Sombras esto bem avanadas no Brasil e destacamos
duas companhias que trabalham com esta tcnica. A primeira a Companhia Karagz de Lages,
municpio catarinense. O grupo foi fundado em 1980 pelo seu diretor Marcello Andrades dos
11 Cross fade: No cinema esta tcnica utilizada nas passagens de uma cena para outra onde duas imagens se
fundem, sendo que a anterior vai desaparecendo enquanto a outra se estabelece. 12 Teatro de Animao: Esta nomenclatura rene o Teatro de Bonecos, o Teatro de Sombras e o Teatro de Objetos.
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Santos. Ele conhecera a tcnica em uma viagem Argentina. O seu primeiro espetculo chama a
ateno da Unio Internacional dos Marionetistas13
e convidado para um curso na Espanha com
o mestre Jean Pierre Lescot da frana. Neste curso, ele tem contato com a tcnica e a histria do
Teatro de Sombras.
Voltando ao Brasil inicia uma srie de pesquisas. O trabalho todo executado pelos dois
integrantes, desde autoria dos textos, confeco das silhuetas, das telas e dos equipamentos de
iluminao e som, montagem, at a apresentao onde atuam como atores, iluminadores, contra
regragem e direo. (FIGUEIREDO 2008, pag. 48) A experincia trazida de fora acabou
influenciando o modo de pesquisa do grupo que se lana na criao de espetculos que interagem
as linguagens circenses, teatro popular e sombras e assim surge o espetculo O Circo de Sombras
Karagz B. Atualmente a Cia. esta estabelecida na cidade de Curitiba, capital paranaense. O seu
repertrio de produo inclui muitas outras criaes em Teatro de Sombras, cenrios e produo
para musicais. Notamos que o grupo possui as qualidades deste novo Teatro de Sombras que
inclui muita pesquisa de materiais e formas de linguagem que podem contribuir para o
enriquecimento de cada espetculo.
No Rio Grande do Sul surgiu a Companhia Teatro Lumbra no ano de 2000 fundada por
Alexandre Fvero. Conheceu a tcnica em 1997 com bonequeiros gachos e a partir de ento se
sentiu motivado pela proximidade do Teatro de Sombras com o cinema. Percebemos que este
gnero instigante justamente por dialogar com outras linguagens atuais como o cinema e a
fotografia. O primeiro trabalho profissional do grupo Sacy Perer A Lenda da Meia Noite.
Neste espetculo o grupo busca uma intensa pesquisa de materiais de iluminao e novas
maneiras de utilizao dos focos. O espao de projeo tambm inovador, pois utiliza outras
propores e passa a ser coadjuvante na construo dramatrgica visto que, muitas vezes, ele
manipulado. A tela de projeo aberta aos lados e por consequncia disto, h vazamento de luz
e projees pelo espao de apresentao. Este detalhe seria quase inconcebvel no Teatro de
Sombras tradicional, mas neste caso os efeitos ampliam o poder de comunicao. A esttica do
espetculo rene muitos elementos do cinema, principalmente nas passagens de cena e nos
recortes fotogrficos, alm de distribuir as cenas por todos os cantos da tela. O grupo formada
pelo coordenador Alexandre Fvero, Flvio Silveira, Fabiane Bigareli e Roger Mothcy.
13 UNIMA Unio Internacional da Marionete com sede na Frana.
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A pesquisa de novas formas de projeo e utilizao dos pontos de luz o que mais se
tem destacado nos seus trabalhos, pois esto sempre em busca de inovaes para a criao de
espetculos. Fruto desta pesquisa o trabalho chamado de Bolha Luminosa. Trata-se de um
balo inflado por meio de uma turbina de ar. (fig.3) Os manipuladores penetram a bolha e de
dentro projetam as sombras trazendo um efeito interessante devido s curvaturas que criam nas
figuras.
Fig. 3. Cia. Lumbra - Bolha Luminosa.
Na atualidade existem vrios grupos, no somente de Teatro de Sombras, mas tambm de
teatro convencional que utilizam esta linguagem para enriquecer a dramaturgia de seus
espetculos que seria quase impossvel mencionarem todos, eis o motivo de relacionar somente
estes grupos no Brasil. importante salientar a caracterstica de pesquisa em busca de uma
renovao da linguagem. Este aspecto salientado por Fabrcio Montechi uma realidade
irrefutvel na maioria das produes. Sendo assim, o Teatro de Sombras tradicional, mesmo que
no tenha desaparecido por completo, hoje se mostra contaminado pelas novas tecnologias e se
aproxima de um pblico vido por novidades e acostumado com a propagao da imagem.
O Teatro de Sombras desfruta de uma grande admirao do pblico, desde que este tenha
acesso, e possui um grande nmero de estudiosos, grupos e uma diversidade de linguagens
jamais vista. Todo este processo se reproduz em vrios festivais internacionais do gnero que
acontecem em vrios continentes. Somente no Brasil, h pelo menos dez festivais que renem,
alm do Teatro de Sombras, o Teatro de Bonecos e o Teatro de Objetos. Todas estas linguagens
se renem numa nomenclatura chamada de Teatro de Animao ou Teatro de Formas Animadas.
Mesmo dentro de cada linguagem, o tratamento esttico de cada espetculo varia de grupo a
grupo. Este um dos aspectos que mostra a fora de comunicao desta arte desde o seu
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surgimento no oriente. At os dias de hoje ela mantm a fora de sugesto, de informao, de
beleza esttica, de fascnio e fantasia. Muitas vezes era tida como pequena, mas aos poucos o
preconceito foi se diluindo visto o aumento da qualidade artstica e o nmero de mostras, que a
cada edio atraem mais pblico, no obstante, ela alcana o patamar de grande arte.
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1.2 CINCIA E TECNOLOGIA
As primeiras contribuies da sombra para cincia talvez sejam para contagem do tempo.
Para o homem primitivo bastou a percepo do intervalo que acontecia entre o nascer e o por do
sol, isto , noite. Uma deduo simples, porm, muitas outras descobertas foram feitas a partir
desta. Notaram que durante o ano os intervalos sofriam variaes e o que antes parecia acontecer
por acaso tornou-se uma certeza, as estaes. Cada estao possua uma variao de luz e sombra
diferente da outra. Com a chegada do frio as noites ficavam mais longas e pela ausncia do sol as
temperaturas baixavam enquanto no vero os dias aumentavam juntamente com o calor. A
percepo do ciclo foi muito importante e muitas outras descobertas foram feitas a partir de
ento.
O Gnmon uma descoberta que utiliza da sombra produzida pelo sol. Uma vareta
fincada no cho produzindo uma sombra fora suficiente para muitas descobertas que incluam a
matemtica, a astronomia, a geografia e a contagem do tempo. Utilizada para medies de tempo
e espao, mais tarde seria usado para a inveno do relgio solar. Ao observar o sol verificamos
que seu movimento durante o dia forma um arco de circunferncia no cu. O Gnmon nada mais
que um basto cravado na terra que projeta a luz solar. No entanto, a direo da sombra se
alterna durante o ano. Para nos orientarmos, a linha vertical do gnmon (g) nos d a direo
norte sul enquanto a perpendicular nos d leste e oeste. (fig. 4)
Fig. 4. Sombra mnima de um gnmon nos solstcios de vero (SV), equincios (E) e solstcios de inverno (SI)
Observamos que as sombras mostram tamanhos diferentes dependendo das estaes do
ano. Observamos que o Solstcio de vero (SV) menor enquanto o Solstcio de inverno maior
(SI). Entre eles encontramos o Equincio. Para marcarmos os arcos da circunferncia
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procuramos assinalar dois pontos, mximo e mnimo, durante a manh e durante a tarde.
Sabemos que as sombras mudam de posio durante o dia. Teremos dois pontos mais compridos
e dois mais curtos de mesmo comprimento registrados em turnos diferentes. Amarramos um
barbante ao p do gnmon e teremos dois arcos de circunferncia e este o caminho que sol
traou durante o dia. Sabendo-se o caminho do sol, nos auxilia na construo civil para melhor
aproveitarmos a luz solar fazendo as aberturas e os cmodos como desejarmos.
Esta simples descoberta tambm auxiliou na obteno de medidas de objetos inacessveis
tal como a Pirmide do Egito. Contam que quando Talles de Mileto chegou naquele pas no
sculo VI a.C provavelmente desenhou uma circunferncia e usando um gnmon ao centro
traou um raio igual sombra dele para medir a altura da pirmide. Quando a sombra atingia o
limite da circunferncia, neste momento a pirmide projetava a sombra at o basto que daria a
metade de sua altura e a outra metade seria at o centro da pirmide. Foram as primeiras
aplicaes do tringulo. (fig.5)
Fig. 5. Esquema feito por Talles de Mileto para medir a altura da pirmide.
Talvez a maior faanha realizada com clculos a partir da projeo de sombras foi o
clculo da circunferncia terrestre operada por Eratstenes no sculo III a.C. Para realiz-lo,
dispunha de trs hipteses: que a terra era esfrica; que o sol se encontrava numa distncia capaz
de incidir raios solares paralelos ao planeta e que as cidades de Alexandria e Siena (atual Assu)
estavam situadas num mesmo meridiano. (fig. 6) O matemtico chegou medida aproximada de
40.000 Km.
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Fig. 6. Base de clculo da circunferncia terrestre.
O gnmon foi um instrumento de relgio solar muito usado pelas civilizaes primitivas
e como podemos ver auxiliou em vrios clculos importantes. Ainda utilizado por algumas
tribos de ndios brasileiros. No incio, estes relgios serviram de calendrios revelando meses ou
dias equinociais. A diviso por horas aparece mais tarde, pois dependia de clculos das estaes,
tcnica ainda no dominada. O modelo mais antigo que se tem conhecimento do fara
Thutmosis III (1501 a 1448 a.C) com cerca de 30 centmetros de comprimento. Sua estrutura
continha duas pedras sendo A e B, sendo que B era em forma de L deitado. As horas eram
marcadas em B correspondendo altura do sol. Ele ficava em oposio ao astro solar. A pedra A
emitia a sombra sobre B. (Fig. 7)
Fig. 7. Relgio de sol do fara Thutmosis II.
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Outros modelos de relgios de sol:
Fig. 8. Relgio Equatorial Fig. 9. Relgio Horizontal
Fig. 10. Relgio Vertical Meridional Fig. 11. Relgio Horizontal
O Cinema
O Teatro de Sombras por muitos considerado o pr cinema, pois ele satisfaria o desejo
do ser humano de colocar figuras em movimento num plano. Sabemos que a imagem de filmes
uma sequncia fotogrfica, isto , imagens paradas que so colocadas em alta rotao e que nos
do a sensao de movimento. Mas at o dia em que os irmos Lumire nos apresentaram o
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cinematgrafo, no dia 28 de dezembro de 1895 no Grand Caf em Paris, muitas pesquisas e
experimentos foram feitos.
A cmara obscura remonta uma histria que nos leva at IV a.C onde encontramos uma
referncia ao fenmeno de captao da imagem. Aristteles menciona o fenmeno de refrao da
luz que passa por um pequeno orifcio de uma sala fechada e escura projetando a imagem
exterior invertida. Muitos sculos depois (sc. XI) os rabes vo utiliz-la para medir a distncia
do sol e observar eclipses sem prejudicar os olhos. Os primeiros registros de desenhos de um
equipamento de Cmara Obscura sero desenvolvidos por Leonardo da Vinci no sc. XV. (fig.
12)
Fig. 12. Desenho da cmara obscura por Leonardo da Vinci
Giovanni Battista Della Porta ir descrever a cmara em seu livro Magia Naturalis no
ano de 1553. Todavia, na descrio ainda no constava a utilizao de uma lente para melhorar a
imagem. Somente no ano de 1558 que ele se refere a este detalhe que transformaria o aparelho
num verdadeiro instrumento tico que chamou a ateno de muitos pintores da poca. Mas em
1685 que apresentado um aparelho porttil de 30 centmetros, antes as projees sempre foram
feita em quartos. Por muito tempo a imagem era considerada um fenmeno mgico e mstico
passando ser um espetculo de curiosidades. Foi atribuda ao alemo Athanasius Kirchner a
inveno da Lanterna mgica, na metade do sculo XVII. Este aparelho, composto por uma caixa
cilndrica iluminada por uma vela, funcionava de modo inverso ao da Cmara Obscura. As
imagens eram desenhadas em uma lmina de vidro e projetadas. Poderamos dizer que foi o
primeiro retroprojetor da histria. (fig. 13)
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Fig. 13. A inveno da Lanterna Mgica foi publicada no livro Ars Magna em 1671
A Imagem em Movimento
O primeiro a descobrir a persistncia retiniana, o tempo que a imagem fica retida ao olh-
la, foi o fsico belga Joseph-Antoine. Calculou que deveria haver uma reposio de dez imagens
a cada segundo para dar sensao de movimento. Cada imagem deveria representar uma parte de
uma ao. Tendo esta informao em mos, Plateau cria um aparelho chamado Fenacistoscpio
no ano de 1832. Era um disco com vrias figuras representando movimentos diferentes. Havia
um orifcio que o espectador poderia ver a imagem, sendo que o resto das figuras ficavam
escondidas. Quando o crculo girado as imagens passam pelo orifcio dando a noo de
movimento. (fig. 14)
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Fig. 14. Fenacistoscpio
O Praxinoscpio, inventado pelo francs mile Reynaud em 1887 era um aparelho
rudimentar composto por fitas transparentes que serviam de base para projeo em tela. Fora
construda numa caixa de biscoito e somente com um espelho. Mais tarde aperfeioada e ganha
uma srie de espelhos que sobrepunham imagens que do a sensao de movimento e relevo.
(fig.15)
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Fig. 15. Praxinoscpio
Talvez o fuzil fotogrfico seja o processo que mais se assemelha ao que ser o cinema.
Inventado pelo fisiologista Francs tienne-Jules Marey em 1878, desenvolveu um tambor
forrado por dentro com uma chapa fotogrfica circular (fig. 16). Mas sua aproximao com a
tcnica de cinema a forma como foram captadas as imagens de um cavalo feitas pelo ingls
Edward Muybridge. Ele instala 24 mquinas fotogrficas ao longo de uma pista para captar os
movimentos do cavalo em intervalos regulares. As cmeras so disparadas graas aos fios que
so rompidos pelo prprio animal. Os obturadores captam 24 poses em sequncia.
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Fig. 16. Fuzil Fotogrfico
Do mesmo criador do Fuzil Fotogrfico, em 1887 desenvolveu a Cronofotografia.
tienne consegue a fixao fotogrfica dos movimentos de um corpo aproximando-se cada vez
mais do cinema. (fig.17)
Fig. 17. Cronofotografia
O Americano Thomas Alva Edison inventa o Cinetoscpio que usa filmes perfurados.
Roda uma srie de curtas em seu estdio, o Black Maria. A diferena que o dispositivo era para
uma pessoa de cada vez e o filme era projetado numa tela dentro de uma espcie de caixa. (fig.
18)
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Fig. 18. Cinetoscpio - Data da patente (1895)
Destacamos a sombra como impulso primeiro de muitas descobertas cientficas que
incluem a contagem do tempo, a matemtica, a fotografia e o cinema. Por mais estranho que
possa parecer incluir a fotografia e o cinema, no to estranho, pois os dois se desenvolveram
com a presena do claro e do escuro e quando falamos destes elementos, de certa forma estamos
falando dos mesmos elementos vitais para existncia da sombra.
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1.3 ASPECTOS METAFRICOS
El teatro de sombras, que en su esencia presenta una dualidad, una ambivalencia, ofrece un universo que, por analoga, nos remite a un proceso mental que el ser
humano realiza constantemente en la vida cotidiana: el proceso de semiotizacin
de la realidad. (BADIOU 2012 p. 49)
A sombra representa a matria de uma maneira singular. Apresenta-se intangvel.
Impossvel ret-la. No matria. Possui qualidades que a colocam num patamar de imagem
animada. Tal qual o cinema, o seu produto depende de um suporte e ali se projeta, mas
impossvel de reter a sombra, poderamos dizer que a impossibilidade de ret-la maior que no
cinema, visto que este pode e deve ser registrado em pelcula ou fita magntica. O mesmo
acontece com o desenho animado registrado nos traos que compem o quadro a quadro que
dar a iluso de movimento. Este material estar ali. Esta qualidade de imaterialidade da sombra
se distingue da escultura e do desenho. Nestes casos, temos tinta, suporte, carvo, grafite e etc. A
sombra se apresenta como reproduo de algo existente e naturalmente est presa a ele, mas no
toca e no permite ser tocada. uma grande ambiguidade. uma metfora por natureza. So
inmeros os seus desdobramentos. Podemos perceb-la com um reflexo, um espelho ou uma
imagem em movimento como no cinema e na televiso. Estes so alguns dos seus
desdobramentos.
Se ela reproduz movimentos e imagens tambm desperta o desejo de imitao no homem.
Ela existe desde sempre, antes de aparatos de reflexo ou telas onde se projetam movimentos
contnuos. Poderamos perguntar ou afirmar que sua percepo possa ter vindo antes do que a
percepo do reflexo, mesmo os produzidos pela gua antes da inveno do espelho. Ela
acompanha o homem passo a passo desde seu nascimento. Neste sentido encontramos um conto
de Eduardo Galleano14
intitulado A Histria da Sombra, no qual, descreve vrias metforas a
respeito de sua existncia e da forma como ela acompanha o ser humano. Entre os
acontecimentos, ele retrata seu descobrimento pelo personagem principal Naquela manh, ele
viu o que at ento havia olhado sem ver: grudada a seus ps jazia a sombra, mais longa que seu
corpo. Caminhou, correu. Onde ele ia, fosse onde fosse, a perseguidora sombra ia com ele.
(GALLEANO 2012 pg. 17) O fascnio pela sombra est ligado escurido. Talvez o maior
14 Eduardo Galleano: Escritor e jornalista Uruguaio.
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medo de uma criana seja em relao ao escuro, talvez o fascnio por aquilo que nos assombra.
No entanto, ela o escuro provido de luz, anttese, pois se a escurido ausncia de luz, a
escurido da sombra se d pela presena desta.
Entender a escurido como universo das coisas e seres desconhecidos e ocultos por detrs
do breu uma das experincias humanas mais instigantes, pois est atrelada ao medo,
curiosidade e descoberta. Para o conhecimento, nada melhor do que o medo e a curiosidade.
Antes do advento da navegao, e neste caso, o mar representava o desconhecido, estava ele
povoado de mistrios e monstros apavorantes. Eram tempos de descobertas e navegaes. Nesta
poca o mar e a escurido eram os territrios do desconhecido. Nestes territrios se criavam as
assombraes.
um misto de fascnio e medo que impulsionam as criaes fantsticas, as iluses e as
varias interpretaes de imagens obscuras. Nem toda a sombra se apresenta inteligvel, no
entanto, sua qualidade poderosa a ininteligibilidade. Qualquer facho de luz em meio
escurido cria imagens de significados dbios, muitas vezes as interpretaes estaro ligadas ao
inconsciente, sero distorcidas. Aqueles que se acomodaram ignorncia criam os seus
monstros, lendas e mitos que vagam pela escurido ou mar sem fim. Outros, no entanto, sentem-
se desafiados por estas mesmas criaes e querem ver de perto tais assombraes para terem
certeza que so reais. Nesta busca, a descoberta. As descobertas trouxeram o conhecimento ao
mundo e retiraram a obnubilao religiosa que pairava na idade mdia. poca de sofrimento, mas
graas coragem de alguns homens, por coincidncia, a humanidade viveria o iluminismo.
O mito da caverna As, la concepcin de Platn por la que nuestro universo visible es la
sombra de outro universo ms real e perdurable... (BADIOU 2012 p. 49) no foi usada ao
acaso por Plato. A partir deste mito, tendo como exemplo mais perfeito a projeo das sombras
na parede da caverna, pde ele explicar o seu pensamento, o mundo das ideias. Esta percepo
de algo intangvel que suscita no ser humano a busca do indecifrvel que se projeta por meio
da imaterialidade uma forma de expressar o mundo do pensamento, dos sonhos e das ideias. Os
homens daquela caverna que viam as sombras, talvez distorcidas, no tinham a real noo dos
objetos (seres) projetados nas paredes. Se a percepo dos objetos que obstruam a luz fosse vista
explicaria ...tambin el pensamiento objetivo de Aristteles si, en vez de ver el espectculo
frente a la pantalla, nos colocamos al otro lado, all donde evolucionan los objetos... (BADIOU
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2012 p. 49) Desta maneira teramos a comprovao de que este mundo real projeta o mundo
imaterial. Este um bom exemplo da dualidade da sombra.
Mesmo quando projeta objetos conhecidos a sombra tem um poder de atrao e
significao e mais tarde auxiliaria a construo dos sistemas de representao utilizados hoje
em dia. As, dentro de un proceso general de semiotizacin, podemos constatar que el teatro de
sombras, por su dicotoma intrnseca (objeto de referencia y su sombra), potencia al cuadrado el
valor semntico del objeto de referencia. (BADIOU 2012 p. 53) Usa-se como exemplo a
criao dos smbolos de trnsito que se utiliza de silhuetas em preto que conferem um poder de
sintetizao maior do que a imagem real. O mesmo acontece com os smbolos utilizados em
banheiros para sinalizar o gnero (fig. 19) Conforme os conceitos da semitica estas figuras
seriam cones, pois se referem ao objeto dando significado forma atravs de pontos de
referncia como no caso da saia para representar o feminino. Ao mesmo tempo smbolo, pois
ao vermos a figura, no caso dos indicadores de banheiros, logo faremos esta relao cone =
toalete.
Fig. 19. Estes smbolos, por serem pretos, so semelhantes s projees em sombras.
Talvez o poder de sntese das silhuetas facilite uma leitura dinmica com o espao que a
cerca. No caso das sinalizaes de trnsito, as silhuetas se adaptam s condies de leitura dos
motoristas. Por mais complexo que seja o seu contorno no deixa de ser reconhecida, pois as
sombras fazem parte da composio de todas as coisas quando h um ponto de luz que possam
projet-las. Quando Charles Pierce (1839-1914) coloca o conceito de primeridade entendemos
melhor o poder de sntese que existe na sombra. Conforme ele, a primeridade aquilo que
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captamos de imediato, antes mesmo da sntese, no entanto os smbolos transformados em
silhuetas usam da sntese juntamente com a instantaneidade na qual percebemos a sombra e
fazemos relao com o objeto. Com certeza, da maioria das vezes as projees passam
despercebidas, damos valor ao objeto, olhamos o objeto, mas sua sombra estar ali projetada, no
obstante, ser percebida. Sua percepo pode ser inconsciente ou de tal forma se une ao objeto
que passa a ser compreendida como parte de um todo, indivisvel.
No teatro, a sombra foi separada de seu objeto tornando-se comunicao e dramaturgia.
Neste caso, j poderamos citar Ferdinand de Sausurre (1857-1913) considerado criador da
Semiologia que separa o mundo da representao do mundo real. No caso da representatividade
da imagem em sombra juntamente com as ferramentas dramatrgicas teramos as Relaes
Paradigmticas ou associativas. No caso de uma imagem em sombras a associao com o objeto
carregada de um sentido que o precede, outorgando-lhe outros significados que se referem
cena, narrativa. No Teatro de Sombras existe o objeto, mas este estar oculto por detrs do
pano de projeo. Conforme autor a face dual sem que haja relao imediata entre
representao e objeto. Nesta ao, obtemos o seu maior grau de significao visual, a
semiotizao da imagem. Neste momento ela usada como metfora. Estar aberta a novas
significaes e interpretaes.
Esconder as silhuetas envolve as figuras em magia e salienta o aspecto de apario. A
imagem recebe sua autonomia como objeto expressivo e a partir de ento pode ser manipulada e
conduzir o espectador as mais variadas formas de reflexo. Este processo demonstra que h uma
modificao esttica ou poderamos dizer que a imagem assume outras formas de ser percebida.
Sendo assim, mesmo que as sombras possam parecer fantasmagorias, uma forma um tanto
metafrica de linguagem para aquilo que no compreendemos, esta mesma metfora auxiliar no
resgate da imagem e seu poder de fruio e abertura para outros significados. Passa a ser magia.
Poderamos imaginar, no tempo que ainda se utilizava velas para projeo das sombras, o
espanto dos espectadores ao perceberem a sinuosidade das imagens criadas pela luz bruxuleante
que emite este tipo de claridade. Talvez o grande poder que o Teatro de Sombras possui a
possibilidade de manipular as sombras, torn-las sinuosas, distorc-las, modificar suas
propores e estar num espao livre da gravidade, enfim, as inmeras possibilidades
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dramatrgicas15
que tal linguagem possui. Utilizando-se deste potencial metafrico, o Teatro de
Sombras abre a imagem ou a representao de qualquer objeto e o retira do seu cotidiano estril,
reintroduzindo-o num novo universo de significaes manipuladas, tanto pelo sujeito
(manipulador), como absorvidas pelo espectador.
Nos rituais religiosos essas formas so usadas como smbolos divinos, visto que estes s
poderiam ser reproduzidos no mesmo patamar de percepo, isto , representar aquilo que
imaterial e nada melhor do que o Teatro de Sombras para metaforizar estas divindades. Ela
possui o poder de projetar ideias, de criar metforas, alm de ser um instrumento de
comunicao que vai alm das palavras. Si toda forma de representacin es metafrica, luego
potica, si lo imaginario es reintegrado bajo todas sus manifestaciones creativas a la vida
interhumana, es imprescindible considerar esa actividad como primordial y altamente
significante. (BADIOU 2012 p. 51) Tal poder anmico da sombra s pode encontrar ressonncia
no estado humano de apreenso dos fenmenos. Silenciosa e impalpvel, desperta os sentimentos
mais instveis e misteriosos que acompanham a existncia do nico animal capaz de refletir
sobre o desconhecido.
Conclumos que uma imagem que se afasta de uma reproduo do real se apresenta e
provoca interpretaes polissmicas16
. E no por menos, pois ao deparar-se com algo estranho
o observador busca alguma referncia com o real e neste mecanismo desenvolve reflexes e
acaba encontrando outros caminhos de objetivar o pensamento e apaziguar a prpria natureza
subjetiva da percepo. A cada observador uma nova forma de observao, novas reflexes,
novas formas de perceber e traduzir e mesmo de criar. O ato de criao de metforas no parte
somente do produtor da imagem e sim, esta encontra ressonncia no pblico e este tece o seu
texto sua maneira. A metfora um jogo partilhado, no obstante, no existe sem outrem e
muitas vezes so autnomas, acontece naturalmente em qualquer situao. Falar em metfora
como figura de linguagem, por consequncia, estaramos falando em imagem, pois toda e
qualquer metfora, em distintas medidas se refere imagem ou parte dela. Eis uma aproximao
que explica a potencialidade das sombras. Por ser imagem metafrica que se refere ao real,
mesmo dependendo do real, existindo como propriedade do objeto, o reproduz, mas no o , ao
15 Dramaturgia: Aquilo que diz respeito ao texto (a tessitura) da representao pode ser definido como dramaturgia, isto , o trabalho das aes na representao (BARBA, Eugnio. 1995 pag. 68) O significado de dramaturgia usado neste trabalho se refere a todos os mecanismos de representao e no somente ao texto. 16 Polissemia: O fato de uma palavra ter muitas significaes. Em nosso caso pode ser atribudo s imagens e gestos.
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mesmo tempo em que, com ele se completa e o completa, sendo assim, surge como uma
metfora, uma ambiguidade. Por su duplicidad, por su facultad excepcional de ser y no ser, la
figura animada adquiere una gran superioridad. (BADIOU 2012 p. 56)
claro que no Teatro de Sombras estas possibilidades so dadas, cria-se um espao
propicio ao jogo semntico das imagens projetadas. Neste caso h um ritual que existe em todas
as prticas artsticas. Talvez criar estes espaos, induzir, seduzir e estimular seja uma das suas
mais importantes contribuies. de muita inteligncia a criao desta linguagem que aproveita
a vocao das sombras para estimular e desencadear processos de leitura que conectam saberes,
percepes e criam uma ponte entre o objetivo e o subjetivo.
Na psicologia o uso de metforas que as envolvem uma constante. Organizado por
Connie Zneig e Jeremiah Abrams o livro Ao Encontro das Sombras, que nos traz vrios estudos
sobre o comportamento inconsciente, tratado como o lugar da sombra, d muitos exemplos de
sonhos e reflexes ilustrativas. Talvez figure como o lado desconhecido e negado da psique
humana e possa ser interpretada, no somente como coisas escondidas no poro como sugerem a
palavra inconsciente, mas interpretada como lugar para se esconder e sufocar. Uma de suas
qualidades sua projeo e tudo o que se projeta, se projeta para fora, para algo. Neste sentido,
Carl Jung teve um sonho que revela e aumenta o significado desta analogia:
Era noite, em algum lugar desconhecido, e eu avanava com muita dificuldade contra uma forte tempestade. Havia um denso nevoeiro. Eu segurava e protegia com as mos uma pequena luz que
ameaava extinguir-se a qualquer momento. Eu sentia que precisava mant-la acesa, pois tudo
dependia disso. De sbito, tive a sensao de que estava sendo seguido. Olhei para trs e percebi
uma gigantesca forma escura seguindo meus passos. Mas no mesmo instante tive conscincia,
apesar do meu terror, de que eu precisava atravessar a noite e o vento com a minha pequena luz,
sem levar em conta perigo algum. Ao acordar, percebi de imediato que havia sonhado com a
minha prpria sombra, projetada no nevoeiro pela pequena luz que eu carregava. Entendi que essa pequena luz era a minha conscincia, a nica luz que possuo. Embora infinitamente pequena e
frgil em comparao com os poderes das trevas, ela ainda uma luz, a minha nica luz. (JUNG Apud. ZNEIG Pag. 16)
Sendo assim, entender a metfora se torna mais fcil quando percebemos as qualidades
da sombra como imagem projetada e no como objeto imerso. Aproveitando esta qualidade de
projeo definimos algumas diferenas entre sombra e escurido. A escurido a ausncia da luz
enquanto a sombra a presena desta. Se luz conscincia e o homem objeto a ser iluminado
ter sua sombra projetada com espectro e dimenses maiores que ele prprio. Eis o grande poder
desta analogia, mesma que primeira vista parea aterradora, contm muitas explicaes que
somente este exemplo poderia concentrar numa imagem simples: o ser humano e sua sombra.
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Conforme o exemplo de Jung, as carregamos, as projetamos e a partir de ento passamos a
compreender a nossa prpria imagem.
H uma passagem muito interessante neste livro, de desconhecida inteno, pode ser uma
simples coincidncia, mas quando os organizadores Connie e Jeremiah citam a frase Conhea-te
a ti mesmo, gravada no templo de Apolo em Delfos na Grcia, a epgrafe havia sido conselho
dos sacerdotes do deus da luz. Coincidncia ou no, somente sendo deus da luz para ter o poder
de projetar sombras. Quando os autores aconselham conhecer o seu lado escuro, to somente
adentrar a escurido no daria a noo de conhecimento, pois imerso no haveria como saber
onde est, o que ou ver o que . A sombra possui a escurido, mas no escurido, pois produz
contornos e imagens. Possuir forma, possuir imagem, possuir silhueta e por fim semelhana.
Projetar uma silhueta escura com contornos cria uma identidade a fim de ser reconhecida.
Dentro de todos os estudos feitos e as parbolas produzidas, como sombrista, as
metforas podem ser ampliadas levando-se em conta alguns preceitos tcnicos. Jung diz que a
sombra tudo aquilo que no aceito, que jogado para o inconsciente. Neste caso a silhueta
seria o indivduo, at a nenhuma novidade ou genialidade potica nesta observao, mas Jung
fala que nem tudo que se encontra na sombra algo negativo. Muitos sentimentos e valores so
decorrncia cultural, isto , valores que para alguns so inferiores, para outros no. No Teatro de
Sombras a silhueta e a projeo atuam juntas, mas no caso da psicologia, a sombra muitas vezes
determina a ao humana. Atuamos conforme sua incidncia. Na psicologia inverte-se o jogo de
atuao, no a silhueta nem o manipulador que determinam a ao e sim as sombras. Sabemos
que elas sero sempre maiores que a silhueta, e no uma descoberta de Jung, mas ele percebeu
como uma revelao em seu sonho. Fisicamente isto que acontece, percebemos a projeo
sempre maior que a silhueta.
O termo projeo tambm utilizado na psicologia. Projetamos os nossos defeitos, ou o
contedo de nossas sombras nas outras pessoas. Criamos uma projeo sobre os outros. como
possuir uma silhueta nas mos e projetar sua imagem na tela para desfrutar os contornos. A
sombra projetada de duas maneiras: individualmente, na forma da pessoa a quem atribumos
todo o mal; e coletivamente, na sua forma mais geral, como o Inimigo, a personificao do mal.
O autor fala de uma projeo inconsciente, isto , quem atua desta forma no percebe a projeo
do seu carter no ator coadjuvante. A existncia da sombra (ou a necessidade dela) uma
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realidade arquetpica do gnero humano, pois o processo de formao do ego o conflito entre
coletividade e individualidade um padro humano geral. (WHITMONT 2004 pag.38).
Demos alguns exemplos do uso da sombra como metfora com a inteno de realar sua
prpria natureza. Mesmo que muitas vezes podemos utiliz-la para a imitao, sua imagem
produz um impacto esttico capaz de desencadear as mais diversas formas de perceb-la. Mesmo
com o advento de novas tecnologias da imagem, mesmo com a escassez de espetculos e obras
de arte que se utilizam desta linguagem, ainda assim, quando algum se depara com esta imagem
a acha sublime.
Para terminar este captulo relata-se uma passagem verdadeira acontecida em Santiago no
estado do Rio Grande do Sul numa noite dentro de um quarto de apartamento vivido por este que
escreve. Era uma noite quente, me encontrava na cama, e pela temperatura elevada no
conseguia dormir. Para refrescar, deixo a janela aberta e fico olhando para parede. Nela refletia
somente uma luz amarelada bem caracterstica dos postes com lmpada de mercrio. O silncio
foi quebrado quando percebo a silhueta das orelhas de um gato. Para quem conhece as atitudes
de um felino deu para perceber que espiava. S apareciam os contornos de suas orelhas e um
pouco da cabea. Noto que at ele mesmo percebeu os seus contornos, pois tentava abaixar suas
orelhas num movimento habitual de todos os gatos para no serem percebidos. Mas no estava
de frente para ele. O mais importante neste relato o poder de sntese da sombra. No mesmo
instante da apario da silhueta percebo de imediato o objeto que obstrua a luz e todos os
movimentos foram devidamente identificados. A silhueta do gato estava misturada ao cenrio,
mesmo assim, perceb-la no foi algo difcil.
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2 FERRAMENTAS MANIPULVEIS
Neste captulo daremos nfase imagem e tentaremos responder qual sua finalidade neste
projeto para o ensino das Artes Visuais e qual sua importncia no cruzamento entre Teatro de
Sombras e as Artes Plsticas. Suas escolhas, suas transformaes, suas manipulaes sero
respondidas na medida em que cada exerccio proposto em sala de aula busca objetivos variados,
mas todos eles ligados imagem. Sendo ela instrumento, temos que compreend-la em suas
vrias instncias e como ela ir interagir com a coleta, com a tcnica, com a significao, com a
interpretao e por fim, o mais importante, como linguagem. Sabemos que ela figura como um
dos instrumentos de comunicao mais usados na contemporaneidade e dentro da sala de aula ela
pode figurar como objeto de aprendizado.
No primeiro subcaptulo, sua importncia na histria da arte e sua veiculao ao objeto.
Sabemos que o produto na contemporaneidade necessita de uma roupagem. O produto
travestido de imagens que por vezes so mais importantes que seu contedo. Queremos colocar
exemplos que esta relao visual-textual-artstica17
acontece de vrias formas, em caminhos que
vo e voltam, e no possuem um destino e nem um princpio nico. Muitas das vezes a arte serve
propaganda, publicidade e muitas vezes estas ltimas so temas de obras de arte e sugerem
reflexes a partir do seu uso. O que nos parece unnime que todas so textuais, sejam elas
visuais e artsticas e da mesma forma, estas ltimas o so. E mais profundamente este trip
comunicacional. No segundo abordaremos as imagens como campo possvel de manipulaes.
Daremos nfase aos aspectos comunicacionais da imagem e como ela se relaciona com o
observador. Vista por estudiosos da comunicao, a imagem pode ser tratada ou manipulada
conforme a inteno do artista, jornalista e publicitrio.
Por fim, traremos artistas visuais que trabalham com esta linguagem e de que forma eles
manipulam estes elementos em suas obras. Sero feitas leituras analisando a tcnica juntamente
com outros elementos que as compem. A escolha foi feita levando em conta os aspectos
conceituais, uso de novos suportes, bem como, a representao da sombra.
17 Visual-textual-artstico: Neste projeto o trip visual-textual-artstico compreendemos como visual tudo aquilo
percebido pela viso sejam produtos e imagens que no sejam artsticas. Textual: tudo aquilo que pode ser
interpretado mediante palavras e signos escritos. Artstico: Toda e qualquer ao de cunho poitico seja visual ou
textual.
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2.1. IMPORTNCIA DO PRODUTO E DA IMAGEM NO PROCESSO DE CRUZAMENTO
A palavra reciclagem est em voga nos dias atuais, pois sabemos quanto lixo produzimos
e este lixo no tem outro destino seno o nosso mundo, sendo assim, poderamos transform-lo
num grande aterro. Na realidade, buscamos na natureza os recursos necessrios para produzir
aquilo que desejamos e desejamos, no final das contas, o bsico: comer, vestir e morar. No
entanto, dentro deste processo de sobrevivncia se interpe o mercado e a indstria que
estabelece uma rede maior de interesses que extrapolam as condies bsicas de vida e colocam
o desejo como algo a ser despertado. Para que este objetivo seja alcanado criamos mais e mais
produtos, ou melhor, reciclamos produtos colocando-se uma roupagem, um embrulho para torn-
los mais atrativos, vistosos, destacados e por fim consumidos. Porm, estes adjetivos requerem
um investimento na aparncia e para isto, uma gama de matria, esta tirada da natureza, que
possam ser transformadas para chamar a nossa ateno e neste processo se investe cada vez mais
em publicidade.
Nas grandes cidades notamos o aumento no nmero de catadores de lixo que encontram a
possibilidade de viver atravs deste trabalho, e sempre haver trabalho para eles, pois a matria
prima para sua atividade infinita. A importncia destes catadores que perseguem embalagens
que h pouco tempo escondiam produtos de nosso desejo essencial, tornando-se uma questo
de responsabilidade social. Mesmo depois de descartados, suas embalagens cumprem o papel de
despertar o desejo nas pessoas. Sendo assim, os maiores conhecedores, e muitas vezes no
consumidores dos produtos do capitalismo so os recicladores.
Podemos imaginar o contato destes com a imensa produo de imagens, pois produto
depende de sua imagem e muitas vezes o contedo no corresponde s expectativas da
embalagem. Esta, muitas vezes, se torna um cone, um smbolo de uma gerao e at mesmo
uma obra de arte. Como exemplo citamos a srie de Latas de Sopa de Campbells de Andy
Warhol18
. (Fig. 20)
18 Andy Warhol foi um artista Americano, cone da Pop Art, que fez a srie de Latas de Sopa Campbells (Campbell`s Soup Can) em 1962, tornando-se uma de suas obras mais conhecidas.
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Fig. 20. Campbells Soup I Andy Warhol Serigrafia sobre tecido, 1968.
Pense no conhecimento sobre a cultura visual de catadores de lixo que cumpriram suas
atividades durante 40 anos? Quantas mudanas presenciaram estes indivduos em nossa cultura
de consumo? Suponhamos que presenciaram as mudanas ocorridas nos rtulos da Pepsi e da
Coca-cola, o fim das garrafas de vidro, sendo substitudas pelas embalagens Pet que um grande
problema durante as enxurradas. Presenciaram as mudanas nos rtulos de papel das garrafas de
cerveja, desde que tinham que mant-las geladas entre serragem e blocos de gelo. O
desaparecimento de algumas marcas e a vinda da lata de cerveja, primeiro em metal e depois no
cobiado e reciclvel alumnio.
Conheceram eles uma gama de produtos que s os mais abastados tinham acesso.
Recolheram caixas de Autorama e Ferrorama que muita criana no teve a oportunidade de
possuir. Tambm recolheram estes brinquedos depois de velhos e sem utilidade, mas que agora
no fariam sentido aos seus filhos j crescidos. A lata vermelha de leo Violeta, que sempre fora
reciclada, transformando-se em caneca de metal. As embalagens dos sacos de leite que serviam
para muitas atividades como concertar as cadeiras substituindo a trama em palha por tramas
plsticas feitas com eles. Abrindo-os e fazendo um crculo repleto de furos no seu dimetro,
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barbante e uma pedra, tnhamos o paraquedas do cobiado Falcon. Com estes sacos no havia
problema de falta de munio, tocvamos fogo e observvamos o gotejar incandescente a
queimar tudo que estava em seu caminho. Faltava Estrela, mas no faltava criatividade.
Fig 21. Logomarca dos brinquedos Estrela fundada em 1937 na cidade de So Paulo.
Neste sentido, observamos a iniciativa do artista brasileiro Vik Muniz que documentou o
processo de transformao do lixo em obra de arte no Aterro Jardim Gramacho no estado do
Rio de Janeiro. Primeiramente o artista se envolveu com a comunidade de catadores e props
trabalhar a releitura de algumas obras de arte onde os personagens principais seriam pessoas que
trabalhavam no aterro. (fig. 22) O processo aconteceu durante dois anos e resultou numa srie de
fotografias das obras feitas com o lixo. Elas foram a leilo, e a soma arrecadada, revertida para a
associao.
Fig. 22. Releitura da obra de Jacques Luiz David com o titulo de A Morte de Marat. Nesta releitura o personagem
principal interpretado por Tio que era presidente da associao de catadores.
Podemos afirmar que a produo atual de imagens que servem de propaganda, e tambm
o seu uso para ilustrar matrias de jornais e revistas quase infinita, e por vezes, parece que elas,
como nos escreve Olgria Mattos sobre a dissoluo da fora cognoscente da imagem e a
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permanncia de objetos na forma de fantasmagorias, objetos sem sujeito, objetos de si mesmos,
no referidos a nenhuma conscincia de si. (MATTOS, 1991, p. 15) no criam vnculos e nem
edificam relaes sociais. Talvez um engano. No entanto, notamos que o interesse pela imagem
vinculada a produtos perdeu sua fora de atrao, pois no novidade como j foi h muitos
anos atrs.
Agora entramos num outro tipo de reflexo sobre a produo e a reciclagem do lixo,
estamos refletindo sobre a influncia da imagem na produo de sentido, na produo de desejos
e na consequente produo de produtos. Atualmente, a imagem e seu impacto esto presentes em
todos os nossos momentos, assim que nos apresentamos ao mundo. Ao comer,
desembrulhamos pacotes repletos de imagens capazes de despertar o desejo pelo produto
escondido, nos embalamos quando nos vestimos, acreditamos nesta embalagem para conquistar
um emprego, um amor, um olhar, enfim, nos produzimos. A imagem construda, a imagem
percebida nos impulsiona como humanidade, pensamos em imagens e as traduzimos em
palavras, poesias, msica, teatro, escultura, desenho e etc. Sendo assim, ela compreende uma
srie de expresses e cruzamentos de linguagem que muito bem podem contribuir para o ensino
das Artes Visuais quando levamos em conta seu aspecto cultural.
Seguindo esta mesma linha de raciocnio, encontramos no livro escrito por Fernando
Hernndez, chamado Catadores da Cultura Visual, o mesmo fio condutor que nos leva
reflexo sobre a utilizao da imagem e do objeto na contemporaneidade. Conforme o autor, o
ttulo do livro foi inspirado no filme da diretora Agns Varda19
chamado Les Glaneurs et la
Glauneuse20
de 2000 ...nos quais mostra a vida de catadores de restos de alimentos e dos mais
variados objetos. E complementa: A cineasta aparece no filme como sujeito e objeto da obra,
aparecendo ela mesma como catadora de imagens. (HERNNDEZ, 2007, p. 17) Tanto o ttulo
do livro, como o do filme so extremamente sugestivos para entrarmos no assunto proposto neste
projeto de concluso de curso: Coletar e reciclar imagens e sua importncia para o ensino das
artes visuais.
Para compreendermos como a imagem e o produto se impe como importante objeto de
investigao das sociedades contemporneas buscamos nos Estudos da Cultura Visual, sugeridos
por Hernndez na pgina 22, quando relata que Julie Matthew Identifica a emergncia deste
19 Agns Varda: Cineasta nascida em bruxelas, mas radicada na Frana. diretora e roteirista. 20 Do Francs Les Glaneurs et la Glauneuse. Traduo: "Os catadores e Eu". Filme finalizado na Frana em 2000.
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novo campo como resposta necessidade de (HERNNDEZ, 2007 p. 22) investigar e analisar
uma cultura dominada por imagens visuais (MATTHEW . apud: HERNNDEZ, 2007 p. 22).
No obstante, constatamos que a introduo de produtos e imagens na arte no de agora e isto
pode ser um indcio que os fatores da produo de subjetividade na contemporaneidade podem
influenciar na criao de obras de arte, bem como, sua utilizao na educao em sala de aula.
A importncia da utilizao do objeto e da imagem na arte provoca um dilogo com a
sociedade e a produo visual contempornea, pois a abre ou a mergulha para dentro dos
aspectos sociais de produo de sentido. Digamos qualquer sentido, mesmo que este seja um
desejo por produto ou uma imagem que espelha um ideal de beleza ou de identidade. Notamos
que h um cruzamento entre arte e vida, arte como produto e produto como arte, mas no final das
contas seria a produo de sentido.
Poderamos dizer que a introduo dos objetos na arte tenha como precursor o artista
Marcel Duchamp21
que ao criar os seus Ready Mades utilizou-se de objetos para compor novas
peas artsticas. De certa forma, poderamos dizer que ele reutilizou objetos dando outros
significados quando estes eram recompostos tal como a Roda de Bicicleta (1912) composta de
uma roda de bicicleta invertida presa em um banquinho de bar. (fig. 23)
Pag. 23. Marcel Duchamp, Roda de Bicicleta (Bicycle Wheel- MoMA22, 1913)
Esta iniciativa deixa claro de que a produo da visualidade e sua influncia, tanto em
objetos como em imagens, acabaram penetrando o mundo das artes. Outros exemplos notveis
21 Marcel Duchamp (1887-1968): Artista francs criador dos Ready Made. 22 MoMA: Museum of Modern Art (Museu de Arte Moderna). Fundado em 1929 na cidade de Nova York nos
Estados Unidos.
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seriam os Object Trouv que reedita os Ready Made sob a tica do Movimento Surrealista23
. A
traduo de Object Trouv seria o objeto encontrado, com qualidades estticas suficientes para
serem expostos como obra de arte. Marcel Duchamp diria que a diferena entre os Ready Made e
o Object Trouv a prpria escolha do artista pelo objeto, no caso do Ready Made no seria uma
escolha esttica, no teria um juzo de gosto. Deixando de lado as discusses sobre as diferenas
entre estas duas formas de utilizao do objeto e da imagem na arte temos que prestar a ateno
ao momento histrico de tais aes. Tal poca marcada pela revoluo industrial moderna que
insere na vida cotidiana da populao a veiculao de imagens e produtos de uma forma jamais
vista.
Agora citamos a introduo da imagem na elaborao de obras de arte. Como exemplo
poderemos analisar a obra de Richard Hamilton24
(fig. 24) um dos precursores da Pop Art.
Fig. 24. Richard Hamilton. Just What is it That Makes Todays Homes so Different, so Appealing?25 Coleo do
Kunsthalle Tbingen, na Alemanha.
Analisando a obra observamos que ela composta por uma srie de imagens retiradas de
materiais publicitrios, revistas e jornais. Considerada uma colagem, estas imagens so
introduzidas num espao com a pretenso de alcanar novos significados e o prprio ttulo
sugere uma interpretao deste arranjo. Percebemos que o artista utiliza uma srie de imagens
23 Surrealismo: Movimento artstico e literrio criado em Paris na Frana na dcada de 1920. Teve um dos seus
principais lderes o poeta e crtico Andr Breton (1896-1966). 24 Richard Hamilton (1822): Artista Ingls nascido em Londres e considerado um dos primeiros artistas da Pop Art. 25 Traduo: O que que Torna o Lar dos Nossos Dias to Diferente, to Atraente?
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para criar um sistema capaz de ser interpretado. De acordo com este enfoque, no devemos
confundir o mundo material, no qual as pessoas e as coisas existem, com as prticas simblicas e
os processos atravs dos quais a representao, o sentido e a linguagem operam
(HERNNDEZ, 2007 p. 22) Com esta citao, compreendemos que esta composio cria um
sistema que opera entre os smbolos veiculados, mas que ao mesmo tempo surgem com outros
significados, mesmo contrrios ao primeiro. Por este motivo, a expresso cultura visual refere-
se a uma diversidade de prticas e interpretaes crticas em torno das relaes entre as posies
subjetivas e as prticas culturais e sociais do olhar. (HERNNDEZ, 2007 p. 22)
Trata-se de uma nova postura diante da produo da imagem e do objeto e sua
consequente influncia. Os dois operam sua influncia mediante a linguagem, sendo assim,
podem ser manipuladas como na obra de Richard Hamilton. A partir destes exemplos acima
citados observamos que a arte agrega muitas outras formas de comunicao, no obstante, os
manipula como smbolos e signos, ora literalmente, ora com outras significaes. Neste projeto,
at porque utilizamos o Teatro de sombras, tambm faremos o uso da palavra manipulao, que
em certo sentido ampliamos sua significao indo alm do movimento das silhuetas, estamos
manipulando a imagem no sentido de linguagem. Neste processo cruzamos. Podemos agir como
interlocutores, coletores e manipuladores.
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2.2 MANIPULAR A IMAGEM
O ato de manipular, em Teatro de Sombras, esta associado ao movimento d