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SOU CHEGADO A UM MELODRAMA ”...No Recife há um resquício do rádioteatro, daí que por vëzes a cenas está antenada com a contemporaneidade, mas a prosódia está presa a um outro tempo, a um outro lugar. ( Cadengue,entrevista a O Folhetim #11, p.118.) IV Festival de Teatro Nacional do Recife foi aberto nesta quinta-feira, com a peça O O MELODRAMA, texto produzido num processo de criação por uma companhia carioca. O entrevistado Antonio Cadengue. julga ser característica do Recife, essa prisão da “prosódia” a outro tempo. Não entende definitivamente de modernidade. Nada mais modernidade que o melodrama.É talvez das poucas coisas “modernas” no teatro do recifense Nelson Rodrigues, por exemplo. Recife é desantenada não é por essa razão, mas por não gostar de estudo mesmo. Não sei, pois, se esse seria o melhor espetáculo para abrir o Festival, mas certamente é um espetáculo que vale a pena ser anotado na sua agenda. Muitos acertos e alguns equívocos. O equívoco maior fica certamente por conta da idéia de que uma companhia criar seus próprios textos é seu melhor caminho. Claro, essa não é uma idéia que eles inventaram, tantas que são as pequenas companhias que andam por aí no mesmo rumo. Penso que há um certo tipo de teatro que deveria respeitar um pouco mais o seu próprio teatro. Uma companhia cujo avanço e inventividade se dá dentro do espaço de um palco italiano necessita se ater às convenções desse próprio palco. E essa que vimos atuando em Melodrama não é nenhuma companhia de teatro de rua, ou de performances, ou de ... Para os menos afeitos à essa linguagem estranha que será falada durante esses 11 dias no Recife, vamos aprender algumas coisa sobre esse famoso macarrönico palco. Pois ele é o palco mais tradicional do Ocidente, que nos vem

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SOU CHEGADO A UM MELODRAMA

”...No Recife há um resquício do rádioteatro, daí que por vëzes a cenas está antenada com a contemporaneidade, mas a prosódia está presa a um outro tempo, a um outro lugar. “ ( Cadengue,entrevista a O Folhetim #11, p.118.)

O IV Festival de Teatro Nacional do Recife foi aberto nesta quinta-feira, com a peça O MELODRAMA, texto produzido num processo de criação por uma companhia carioca. O entrevistado Antonio Cadengue. julga ser característica do Recife, essa prisão da “prosódia” a outro tempo. Não entende definitivamente de modernidade. Nada mais modernidade que o melodrama.É talvez das poucas coisas “modernas” no teatro do recifense Nelson Rodrigues, por exemplo. Recife é desantenada não é por essa razão, mas por não gostar de estudo mesmo. Não sei, pois, se esse seria o melhor espetáculo para abrir o Festival, mas certamente é um espetáculo que vale a pena ser anotado na sua agenda.Muitos acertos e alguns equívocos.O equívoco maior fica certamente por conta da idéia de que uma companhia criar seus próprios textos é seu melhor caminho. Claro, essa não é uma idéia que eles inventaram, tantas que são as pequenas companhias que andam por aí no mesmo rumo.Penso que há um certo tipo de teatro que deveria respeitar um pouco mais o seu próprio teatro. Uma companhia cujo avanço e inventividade se dá dentro do espaço de um palco italiano necessita se ater às convenções desse próprio palco. E essa que vimos atuando em Melodrama não é nenhuma companhia de teatro de rua, ou de performances, ou de ...Para os menos afeitos à essa linguagem estranha que será falada durante esses 11 dias no Recife, vamos aprender algumas coisa sobre esse famoso macarrönico palco. Pois ele é o palco mais tradicional do Ocidente, que nos vem da Renascença, nascido em Vicenza, consistindo em um espaço fechado como um quarto, com uma das paredes substituída por uma cortina. Essa parede aberta, a quarta, vai virar inclusive ponto de ataque de um dos pais do teatro moderno, Brecht, em sua proposta por um teatro não ilusionista, um teatro que pudesse servir à consciëncia e a reflexão do público.Originalmente foi feito em um canto abandonado de um Palazzo, daí também a identificação desse palco com a burguesia. Se você quiser dizer “teatro de burgueses para burgueses”, simplifique tudo isso chamando-o de “palco italiano”. É onde boa parte de nosso IV Festival irá se aninhar.Creio que finalmente poderemos falar um pouco desse pessoal de base, carregador de pedras da construção toda, chamados Dramaturgos e de seus pequeninos mas árduos deveres. O ofício de dramaturgo é tão elevado quanto o de qualquer outro de nossos ofícios de cena. Se achamos que qualquer um pode sair escrevendo, por que não admitirmos que qualquer um pode subir em palco e dizer o que bem entender- substituindo-se assim definitivamente todos esses escombros de nosso velho teatrão, tais como diretor, ator, cenógrafo, iluminador etc etc? Eu pago para ver isto, mas....

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O primeiro dever dele é, sabemos, escrever algo para ser visto. Onde a dramaturgia se distingue profundamente de toda outra modalidade de literatura - de tal ordem que julgamos que nem literatura mais isso é. Mas isso é mera opinião nossa.

Está começando a vislumbrar porque o texto dramatúrgico, ou a peça, apesar de tão mal falado em nossa modernidade, tem uma importância vital? Pois o texto dramatúrgico é o primeiro roteiro do olhar do espectador sobre esse objeto chamado cena. O centro do texto, portanto, não é se é falado, nem como é falado, nem se é cantado, nem se é emudecido ( ou mímica).Seu centro é um olhar. E nisso há algo de extremamente positivo em O MELODRAMA. Pois pretende ser um certo olhar sobre o comportamento amoroso. Que no homem, diferente dos outros animais, é elevadamente ridículo. Daí talvez o enorme sucesso desse sub-gënero que dá nome à peça. Há quem identifique o melodrama com o nascimento da modernidade também. Mas, para não irmos demasiadamente antes disso, basta-nos dar uma olhada nas peças do francës Marivaux, para vermos que ele é bem mais tinhoso e resistente. O avö do gënero pode bem ser uma “marivaudage”, nomezinho cunhado para designar peças espertas em que rola esse amor em todo seu exagero. Seu fundo talvez seja a própria natureza humana.

Então porque disseste que a peça Melodrama, de abertura do festival, era de ruim dramaturgia? Por que o problema de fundo lá é de formalização do espetáculo como um todo. O que quer dizer apenas isso: posta essa característica de um determinado tipo de comportamento amoroso, o resto é enfeite.

Podendo, em nome da simplicidade, ser jogado no lixo. Vejamos o exemplo da gag, ou truque, do marido ter um irmão gëmeo e finalmente

esse não ser outra pessoa mas o mesmo e torturado personagem. Ou o truque , já muito conhecido nos meus anos de infäncia - e lá se vão punhados e punhados de anos nisso- do casamento entre parentes que resulta em uma cascata de situações em que finalmente a mãe descobre que pariu o próprio sobrinho. Até aí tudo bem. Afinal, um monumento de nossa tragédia, Édipo de Söfocles, foi responsável pelo nascimento dessa piada infame, que não acaba nunca de se reproduzir sobre nossos palcos.

O que não é lá muito bem é ficar se repetindo essas gags no espaço de uma hora e tanto. Não , não estou falando do fato da gag aparecer uma vez no faoreste, outra em novela mexicana e assim por diante até completarmos um ciclo quase de exaustiva pesquisa antropológica. Não. Esse problema ai é apenas de ërro de alvo. Não estamos em sala de aula. E teatro não é para se fazer estudos aprofundados da cultura ou dar mostras de descobertas antropológicas .Pode ser bom para se formar o ator barbiano, mas talvez para nada mais.

A repetição é mesmo a da piada que é contada duas vëzes do mesmo modo. Cansa. Se você ler Antígone de Anouilh verá que não se precisa fazer referéncia a nada dessa piada de cruzamentos consanguíneos para se fazer uma platéia chorar ou rir.

E olha que ela é filha do filho que se casou com a mãe, portanto o filho dela com Hemon seria neto e bisneto ao mesmo tempo de Jocasta, sua avó... Uma peça não é feita com uma boa coleção de piadas. Ou uma boa coleção de emoções fortes. Ou ridículas.

A repetição em MELODRAMA também é feita pela quantidade de músicas cantadas. Parece que entram para resolver outros problemas de texto como passagens de cena etc. Coisa aliás extremamente bem resolvida por uma direção que navega num texto caótico desta ordem.

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Talvez esse seja um dos pontos em que me parece complicada as escolhas de texto de Melodrama. Porque esse amor melodramático não tem como referéncia alguma a pluralidade de amores, mas muito pelo contrário, a obsessiva fixação em um ou dois valores apenas do comportamento amoroso. O eixo dessa fixação é a sexualidade.

Mas essa não chegou a subir em palco.