Melodrama Contemporâneo: a atualização do gênero em A Favorita

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  • 8/3/2019 Melodrama Contemporneo: a atualizao do gnero em A Favorita

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    Universidade Federal de Minas GeraisFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas

    Graduao em Comunicao Social

    Melodrama ContemporneoA atualizao do gnero emA Favorita

    Frederico Ribeiro Lamgo

    Belo Horizonte2009

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    Frederico Ribeiro Lamgo

    Melodrama ContemporneoA atualizao do gnero emA Favorita

    Monografia de concluso do curso de Graduaoem Comunicao Social da

    Universidade Federal de Minas Gerais

    Orientadora: Prof. Dra. Simone Maria RochaUniversidade Federal de Minas Gerais

    Belo Horizonte

    Faculdade de Filosofia e Cincias HumanasUniversidade Federal de Minas Gerais

    Julho de 2009

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha me por ter me apoiado durante este percurso mesmo sem saber o

    que se estuda nessa tal de comunicao. Tambm por ter me deixado, ainda criana, assistir

    a qualquer programa de televiso que quisesse e acompanhar a todas as novelas mesmo

    aquelas que minha idade no me permitia ver. Essa vivncia televisiva se mostrou muito

    valiosa. A todos os amigos de todos os crculos que, alm de servirem como divertimento, me

    incentivaram a olhar as coisas por um vis diferente. Simone Rocha por revelar, nos

    primeiros semestres, que a teoria pode ser agradvel e por ter me ajudado, como orientadora,

    a concluir esse trabalho da melhor forma possvel. Por fim, a todos aqueles que, direta ou

    indiretamente, estiveram presentes na minha vida acadmica.

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    RESUMO

    Este trabalho realizou um estudo acerca do melodrama e de suas atualizaes causadas

    pela novela das oito A Favorita, de Joo Emanuel Carneiro, exibida de junho de 2008 a

    janeiro de 2009, s 21h, pela Rede Globo de Televiso. O objetivo foi verificar a

    possibilidade de um gnero se modificar por meio de seus formatos sem com isso perder sua

    identidade. Para abordar esse tema foi preciso efetuar a exposio e delimitao de conceitos

    como gnero e melodrama. Ambos sendo considerados como uma estratgia de

    comunicabilidade, cujas caractersticas definidoras no so unicamente aquelas que se

    encontram presentes no texto, mas tambm as que emergem tanto da esfera da produo

    quanto do momento de recepo de um produto cultural. Por isso, o objeto de estudo abarcou

    no apenas determinados captulos da novela, como tambm material fornecido pela crtica

    especializada, opinies emitidas por profissionais envolvidos com a produo de folhetins e o

    posicionamento da emissora responsvel pela novela. O resultado mostra que o formato pode,

    atravs do emprego de tcnicas caractersticas do melodrama, se reinventar e,

    consequentemente, renovar o gnero h muito conhecido, devido a sua vinculao com as

    telenovelas brasileiras.

    Palavras-chave: Gnero. Melodrama. Televiso. Novela. Vida social.

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    SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................. 6

    CAPTULO 1: A TELEVISO DE TODOS OS DIAS................................................. 81.1 Televiso e a realidade social ................................................................................. 81.2 Televiso e o domstico ....................................................................................... 12

    CAPTULO 2: COMO A TELEVISO CONVERSA COM A GENTE? .................. 172.1 Gnero .................................................................................................................. 172.2 Melodrama............................................................................................................ 192.3 Maniquesmo melodramtico ............................................................................... 222.4 Os personagens melodramticos .......................................................................... 25

    CAPTULO 3: A NOVELA DE TODOS OS DIAS .................................................... 293.1 Folhetim, soap-opera, radionovela e outros elementos que compem a histria datelenovela brasileira.................................................................................................... 293.2 Novela e a vida cotidiana...................................................................................... 36

    CAPTULO 4: A FAVORITA...................................................................................... 41

    4.1 A novela................................................................................................................ 414.2 O autor .................................................................................................................. 424.3 Corpus................................................................................................................... 434.4 Anlise textual ...................................................................................................... 444.5 Aproximao e/ou distanciamento do modelo melodramtico tradicional .......... 45

    4.5.1 Modelo tripartido de contar histria............................................................. 454.5.2 Fisionomia ..................................................................................................... 454.5.3 Figuras dramticas ....................................................................................... 45

    4.6 O tempo da telenovela .......................................................................................... 46

    CAPTULO 5: QUEM A FAVORITA?...................................................................... 475.1 O comeo.............................................................................................................. 475.2 O incio ................................................................................................................. 525.3 O fim..................................................................................................................... 565.4 Comeo, incio e fim ............................................................................................ 595.5 Olha para mim e olhe para ela. Quem est falando a verdade? ........................ 635.6 Sem motivos para rir ............................................................................................ 685.7 O passado te condena ........................................................................................... 69

    CONCLUSO............................................................................................................... 72

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA ............................................................................ 75

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    Introduo

    Presente na cultura brasileira h mais de cinquenta anos, a telenovela ao longo de sua

    trajetria adquiriu formas bastante peculiares de contar as histrias. A princpio, quando aindamantinha forte vnculo com as narrativas dos outros pases latino-americanos, seu enredo se

    resumia a embates promovidos pelo amor ou pelo dio. Com o tempo e com sua aclimatao

    ao ambiente nacional passou a incorporar temas relacionados ao cotidiano da sociedade, se

    distanciando de sua filiao com as obras radiofnicas cubanas.

    A novela, principalmente a das oito, transformou-se no produto de maior relevo da

    televiso brasileira. Dos programas fixos grade das emissoras, as telenovelas so as que

    apresentam a maior audincia e as que ocupam o horrio nobre das empresas de comunicao.As novelas contemporneas brasileiras tm caractersticas que as distinguem das latino-

    americanas, contudo as inovaes vivenciadas por elas datam, majoritariamente, da dcada de

    1960, perodo em que os autores investiram na insero de fatos da realidade nas tramas e

    cujo maior smbolo a novela Beto Rockfeller(1968). Desde ento, poucas novidades tm

    sido apresentadas ao espectador.

    No se trata, exclusivamente, de falta de interesse dos novelistas em transformarem o

    gnero. Como o autor Slvio de Abreu declara, muito difcil inserir variantes nas tramas,

    pois o pblico, geralmente, aguarda que seja reproduzido aquilo que esperado por ele. Os

    telespectadores, muitas vezes, no querem ser surpreendidos enquanto assistem novela.

    Inovar em novela muito difcil. O noveleiro muito conservador. (NOVELISTA..., 2008),

    afirma o autor.

    Por isso, quando surgiu A Favorita, que provocou fortes questionamentos tanto na

    crtica especializada, na prpria emissora em que foi exibida quanto no pblico, houve um

    interesse de nos debruarmos sobre essa histria para buscar o que h nela de to diferente a

    ponto de tirar o espectador de uma situao confortvel, onde quase tudo previamente

    sabido, e inseri-lo em um contexto de incertezas quanto ao andamento da narrativa.

    Em que medida a novela A Favorita se aproxima e/ou se distancia do gnero

    melodrama? Essa ser a pergunta que permear todo trabalho e nos possibilitar analisar se

    estamos diante de uma obra que se utiliza de outro gnero que no o melodrama, ou de uma

    trama melodramtica, porm inovadora, ou, em ltimo caso, se uma novela que

    simplesmente reitera as estruturas j conhecidas do folhetim.

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    Para fundamentar essa abordagem, trataremos, antes da anlise, de conceitos

    indispensveis para a compreenso da telenovela e do melodrama. Tendo em vista a melhor

    apreenso, nosso trabalho se dividiu em cinco captulos.

    No primeiro, ser discutida a presena da televiso no cotidiano das pessoas. As

    transformaes que ela causou no tecido social desde sua inveno e as formas de interao

    que ela estabelece com seu entorno, influindo na rotina domstica e sendo afetada por essa

    organizao familiar. O entendimento do meio essencial, pois as caractersticas de uma

    telenovela so atravessadas por ele, visto que se trata de um gnero (melodrama) adaptado

    para um dispositivo novo, a televiso.

    A seguir, discorreremos sobre a estratgia utilizada pela tev para a interpelao de

    seu pblico, o gnero, e tambm caracterizaremos as marcas que definem um produto culturalcomo sendo melodrama. O ambiente televisivo ao dividir seu fluxo em blocos genricos

    jornal, reality show, programa de auditrio, novelas, etc. estabeleceu maneiras de se dirigir

    ao espectador, porque este de antemo sabe o que esperar do produto e, ao mesmo tempo, se

    sente no direito de cobrar quando este no se enquadra nas suas expectativas. A telenovela,

    como os demais programas citados, possui essas marcas que a definem. O conhecimento

    desses traos de identidade, no caso do folhetim eletrnico, s pode ser feito por meio da

    cincia da estrutura melodramtica, gnero no qual ela se baseia.Tendo apresentado a televiso, o gnero e o melodrama, daremos um panorama sobre

    a telenovela ao descrever suas filiaes folhetim, soap opera, radionovela e pontuar suas

    obras e peculiaridades adquiridas desde sua implantao no Brasil na dcada de 1950. No

    quarto captulo, ser oferecido nosso objeto de pesquisa, A Favorita, delineado qual ser o

    corpus de pesquisa e propostos os operadores analticos com os quais nos atentaremos para tal

    objeto. Por fim, temos a etapa de anlise de todo o material e o levantamento das distines e

    similitudes queA Favorita tem em relao ao melodrama e as novelas precedentes.

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    Captulo 1

    A televiso de todos os dias

    1.1 Televiso e a realidade social

    Presente no Brasil h mais de 50 anos, a televiso, inaugurada em 18 de setembro de

    1950, por Assis Chateaubriand, na cidade de So Paulo, conseguiu, com o tempo,

    considervel relevo dentro do tecido social, o que pode ser apresentado de diversas maneiras.

    O alcance desse meio de comunicao, por exemplo, alm de espantoso, demonstra a sua

    rpida e eficiente insero nos hbitos dos indivduos. Na poca de seu lanamento havia em

    So Paulo apenas duzentos receptores, nmero que aumentou para trezentos e setenta e cinco

    em janeiro de 1951 (ALMEIDA apud CAMPEDELLI, 1987, p.8). Atualmente, segundo a

    Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) de 2007, realizada pelo Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o aparelho televisor est presente em 94,8% dos

    lares brasileiros, superando, at mesmo, o nmero de geladeiras (91,7%).

    Contudo, a relevncia da televiso ser analisada, neste trabalho, por outro vis, qual

    seja, o das profundas transformaes que ela gerou no dia-a-dia de seus telespectadores e da

    contnua construo de modos de ver e de agir realizada por ela, que interagem com a vida

    daqueles que se atm a sua grade de exibio, mais especificamente, aos seus programas.

    Embora uma empreitada por demais complexa, julgamos necessrio nos aproximar de

    alguma definio de televiso. Corroborando com a viso de Omar Rincn (2002),

    utilizaremos a acepo deste autor, destacando que ela privilegia a parte tcnica do meio e a

    composio de seu fluxo audiovisual. Entretanto, assim como ele, no consideramos que a

    televiso se limite a esses aspectos. Ao longo do texto, exporemos outras facetas da tev quese somam ao carter tcnico, tais como seu papel de mediao social, instituio cultural, etc.

    A televiso, em si mesma, compreendida como um sistema de distribuioaudiovisual, preferivelmente domstico, onde coexistem diversos dialetosaudiovisuais, mensagens heterogneas (noticirios, publicidade, filmes, concursos,esportes, debates, telenovelas, seriados, dramas documentrios, programas deauditrio, entrevistas) e cuja especificidade intrnseca construda pelo seu carterdireto, por essa simultaneidade entre a emisso e a recepo do programa.(RINCN, 2002, p.18)

    A tev de hoje , sem dvida alguma, um dos meios de comunicao mais constantes

    na vida da maioria dos indivduos. Seus produtos e sua programao condicionam, de certa

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    maneira, a rotina de seus usurios. Sempre h aquele que dedica parte do dia para assistir

    determinado programa de que gosta, ou ento, a pessoa que no marca nenhuma outra

    atividade no dia do captulo final de sua novela favorita.

    Alm disso, a televiso extrapola a tela e se faz presente tambm em outros meios.

    Jornais, revistas, rdios so alguns dos veculos que tem espaos garantidos para repercutir

    assuntos levantados pela tev ou para fazer crticas ao que fora transmitido por ela. A

    televiso erigiu um poderoso aparato que consegue alcanar seu telespectador em diversos

    momentos de sua vida e este, at certo ponto, faz questo de sua presena.

    Ela se insere nos espaos privados, as casas, e concomitantemente, passa a

    desempenhar um papel junto s relaes sociais a configuradas. O local onde o aparelho

    colocado, a forma como se d seu uso, as conversas travadas em seu entorno e osquestionamentos suscitados pelos significados veiculados pelo meio do a ela seu carter de

    elemento de nossa cotidianidade. A televiso desenvolve sua significao na e para a vida

    cotidiana (SILVERSTONE, 1994, p.12).

    Sua existncia est to vinculada realidade social que tem sido alvo de diversas

    correntes tericas (ADORNO; HORKHEIMER, 1991; BOURDIEU, 1992; SARTORI, 2001)

    que a abordam de forma demasiadamente instrumental, considerando-a apenas como uma

    forma de manipular o receptor de suas mensagens. Porm, como defende Silverstone (1994),a televiso est presente nas aes dirias mais ntimas dos indivduos e seu discurso est

    inserido nos diversos discursos da vida cotidiana. Por isso, se faz necessrio conceber este

    meio como algo mais que uma mera fonte de influncia, simplesmente benfica ou malfica

    (SILVERSTONE, 1994, p.12, traduo nossa) 1. Deve-se olhar para ele, como um sujeito

    social complexo, dotado de suas formas polticas, econmicas, sociais e psicolgicas, capaz

    de intervir na realidade e ser acionado por ela.

    Porque, quer nos encante ou nos d asco, a televiso constitui hoje, ao mesmotempo o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformao da cotidianidade edos gostos dos setores populares, e uma das mediaes histricas mais expressivasde matrizes narrativas, gestuais e cenogrficas do mundo cultural popular entendendo-se por este, no as tradies especficas de um povo, mas sim ahibridizao de certas formas de enunciao, certos saberes narrativos, certosgneros novelescos e dramticos das culturas do Ocidente e das culturas mestiasde nossos pases. (RINCN, 2002, p.68)

    Esta importncia da televiso em nossa vida diria faz com que a percebamos como

    algo natural que sempre esteve ali, embora saibamos que isso no seja, de todo, verdade. Ela

    1 este medio como algo ms que uma mera fuente de influencia, simplemente benfica o malfica.

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    nos faz companhia em nossos afazeres dirios, mas importante que a vejamos como uma

    construo, onde se encontram diversos atores sociais envolvidos.

    A televiso nos acompanha quando levantamos, tomamos o desjejum, bebemos chou vamos ao bar. Reconforta-nos quando estamos ss, ajuda-nos a dormir, nosbrinda prazer, nos aborrece e, s vezes, nos questiona. D-nos a possibilidade desermos sociveis e tambm solitrios. A televiso, hoje, nos parece natural, emborano tenha sido assim desde o incio. Tivemos que aprender a incorporar este meio anossa vida e, atualmente, a televiso parece natural como nos parece a vidacotidiana. (SILVERSTONE, 1994, p.20, traduo nossa) 2

    A integrao da TV em nossas vidas fortalecida por suas diversas significaes e por

    aquilo que estas nos possibilitam experimentar. Em frente tela nos perturbamos e nos

    emocionamos. Obtemos informao e, no obstante, nos vemos desinformados por dadoserrados ou uma excessiva parcialidade. Por esses motivos e tambm por tratar-se de uma

    instituio essencial do Estado moderno: essa integrao total e fundamental.

    (SILVERSTONE, 1994, p.20, traduo nossa) 3.

    Como muito se diz, ela visa, prioritariamente, proporcionar o divertimento, mas seu

    objetivo no s esse. A TV brasileira tem se apresentado como uma instncia da cultura

    que deseja oferecer mais do que informao, lazer e entretenimento (FISCHER, 2006, p.18).

    Ela , enquanto elemento de uma cultura, responsvel por uma rica troca de significados.Existe entre ela e seus telespectadores uma relao de cmbio, onde este recebe, interpreta e

    apreende as variadas mensagens expostas pelo meio, utilizando-as na construo de uma

    identidade individual e coletiva, e a televiso se faz com base no ordenamento social de quem

    a assiste.

    Como defende a pesquisadora Rosa Fischer (2006) em seu estudo sobre televiso e

    educao, a TV que assistimos tambm nos olha. Em suas narrativas, a tev pe em jogo

    acontecimentos e olhares que ora divergem, ora convergem com nossos interesses. Em

    qualquer um dos casos, o que se presencia que ns sempre estamos um pouco naquelas

    imagens (FISCHER, 2006, p.12), ela sempre diz algo a respeito de nossa vida.

    A TV torna visveis para ns uma srie de olhares de pessoas concretas produtores, jornalistas, atores, roteiristas, diretores criadores, enfim, de produtostelevisivos a respeito de um sem-nmero de temas e acontecimentos.

    2 La televisin nos acompaa cuando nos levantamos, tomamos el desayuno, bebemos um t o vamos a um bar.Nos reconforta cuando estamos solos. Nos ayuda a dormir. Nos brinda placer, nos aburre y a veces nos

    cuestiona. Nos da la oportunidad de ser sociables y tanbien solitrios.Hoy la televisin nos parece natural, aunque desde luego nos sempre haya sido asi y tuvimos que aprender aincorporar este mdio a nuestra vida. La television nos parece hoy natural como no parece la vida cotidiana.3 tratarse de uma institucin esencial del Estado moderno: esa integracion es total y es fundamental.

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    Quando assistimos TV, pode-se afirmar que esses olhares dos outros tambm nosolham, mobilizam-nos, justamente porque possvel enxergar ali muito do quesomos (ou do que no somos), do que negamos ou daquilo em que acreditamos, ouainda do que aprendemos a desejar ou a rejeitar ou simplesmente apreciar.(FISCHER, 2006, p.12)

    Ainda de acordo com esta autora, a TV hoje uma espcie de processador da realidade

    social. Tudo deve estar contido nela, tudo deve ser narrado, mostrado e significado por ela.

    (FISCHER, 2006, p.16). Por essa razo, no seria errado dizer que a televiso oferece hoje ao

    indivduo um campo privilegiado de aprendizagens. Atravs dela temos a oportunidade de

    acesso a formas de olhar e tratar nosso prprio corpo at modo de estabelecer e de

    compreender diferenas de gnero, diferenas polticas, econmicas, tnicas, sociais,

    geracionais (FISCHER, 2006, p.16), ou seja, encontramos variados modelos de ser, depensar, de agir e conhecer o mundo, os quais auxiliam na composio do sujeito

    contemporneo.

    A televiso se elevou ao plano das complexas relaes sociais. No a toa que, como

    muitos autores defendem, entre eles, Silverstone (1994) e Omar Rincn (2002), ela

    constituda e constiduidora da cultura e do social. Os sentidos veiculados por ela dizem

    respeito coletividade, penetram o mbito pblico e privado, interpelam as instituies

    sociais e colocam a tev como interlocutor direto destas. Dessa forma, a televiso em simesma uma instituio, pois suas aes esto disseminadas nos diversos campos da

    realidade, seus produtos so responsveis por gerao de sentidos e ela influi e influenciada

    pelo ordenamento do contexto social.

    A televiso no deve ser desligada, porque a sua presena social depende de comoas demais instituies sociais fazem seu trabalho, uma vez que a sua ao cultural diluda na medida da presena da famlia, da escola, da religio, da tradiocultural, dos partidos polticos, das formas de governos, dos costumes de ticacotidiana da comunidade. Uma sociedade no um efeito televisivo, o tecidoconstrudo por um todo social; a televiso uma dessas instituies produtoras desentido. Assim, fazer da tev algo de produtivo e propositivo para a sociedade quase impossvel fora das normas ticas e polticas que assume uma coletividade.(RINCN, 2002, p.16).

    Devido a todas essas questes, o que se mostra, primeiramente, pela televiso no ,

    definitivamente, o seu nico objetivo. A conciliao de imagens e sons para a diverso e a

    informao dos espectadores foi um mtodo utilizado para fazer circular no seio da sociedade

    significados compartilhados, sejam eles majoritariamente aceitos ou no, que se inseriro nos

    discursos da vida cotidiana, podendo alter-la, no de maneira manipulatria, mas por meio

    dos debates sugeridos, pelas emoes despertadas, etc. A sociedade por sua vez, atravs desse

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    mesmo debate e pela reafirmao de seus valores e costumes, configurar a produo

    televisiva. Tem-se com isso o constante dilogo entre atores sociais.

    A partir de ento, a tela j no se enche de imagens e sons, mas de formas culturais,dos desejos coletivos, das necessidades sociais, das expectativas educacionais, dosrituais da identidade; a tev converteu-se na instituio social e cultural maisimportante de nossas sociedades. (RINCN, 2002, p.15)

    Eis, portanto o pressuposto que orienta este trabalho: a televiso um elemento da

    vida social, seja como produtor ou produto cultural (WILLIAMS, 1997; FRANA, 2006).

    Interessa-nos neste empreendimento investigar aspectos atravs dos quais podemos

    compreender a televiso como uma instituio da cultura.

    1.2 Televiso e o domstico

    Como fora salientado na definio de tev dada por Rincn, este dispositivo foi

    pensado para ser, preferencialmente, de uso domstico. Esta caracterstica relevante, pois

    precisamos entender o contexto no qual ela ser recebida e como os sentidos compartilhados

    por ela modificaro a rotina do lar e, consequentemente, a vida social.A televiso faz parte da composio da casa. Pensar no domstico j inclui pensar o

    lugar onde as pessoas se reuniro para assistir a programao e, um costume mais recente,

    tambm planejar a localizao de receptores em locais mais ntimos em que o uso do aparelho

    possa ser feito sozinho, como os quartos, por exemplo. Como afirma Silverstone, a tev se

    inseriu de tal modo em nossa vida diria que hoje inconcebvel a sua ausncia, pois ela alm

    de ser parte da rotina tambm uma expresso da domesticidade (SILVERSTONE, 1994,

    p.51). Ela se faz necessria seja como aparelho, rudo, instituio cultural, dispositivo deestrias (RINCN, 2002, p.16).

    A televiso no pode ser desligada, porque acompanha a rotina, proporciona ostemas e perspectivas de conversa, age como agente socializador que baliza oscomportamentos, critrios de valor e aprendizados bsicos. A televiso gera asexperincias, os saberes e os sonhos que fazem parte dos referenciais mais comunsque ns temos como nao e sociedade; portanto constitui o espelho social quereflete a cultura que a produz, as identidades frgeis que nos habitam, as estticasdo popular de massa e dos consensos efmeros, com os quais construmos o sentidopara a vida de todos os dias. (RINCN, 2002, p.17)

    Outra consequncia de sua insero no meio domstico o confronto entre o pblico e

    o privado, entre o interior e o exterior. Se essa diviso poderia ser precisa h tempos, a tev

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    dilui esses limites, pois ela permite aos moradores terem acesso a tudo que ocorre alm dos

    muros. Pela tela, indivduos tm contato com outras realidades compostas por valores

    diversos dos seus ou semelhantes. Essas informaes passaro pelo crivo de cada um,

    permitindo a elaborao de novos modos de ver, de agir sem que seja necessrio

    deslocamentos. Hoje o que a televiso mais baliza so as formas que assume o sujeito, o que

    mostra que no existe um s modelo, ou estilo de ser na vida, mas mltiplas maneiras de

    habitar a existncia (RINCN, 2002, p.24). Tanto o igual quanto o diferente so entregues

    aos espectadores na sala de estar. essa caracterstica que concede tev o seu carter de

    mediao. Como explica Rincn (2002), o dispositivo mediador porque nele se encontram a

    cultura, a sociedade e as subjetividades. Em um ambiente domstico, a tev proporciona a

    interao de elementos presentes, idealmente, nos espaos pblicos, nas tramas sociais maisamplas.

    O que trazido para dentro do lar provoca tambm variaes na forma como os

    indivduos lidam com fenmenos que modelam toda a vida cotidiana. O tempo e o espao,

    por exemplo, com o surgimento das tecnologias audiovisuais, com destaque para a televiso,

    adquiriram outro estatuto. Tanto o ambiente domstico quanto a sociedade assumiram, atravs

    do convvio com os meios de comunicao, novas formas de encar-los, aceitando condies

    que antes no eram pensadas.No que se refere ao espao, a televiso promove uma nova percepo a respeito das

    distncias. No necessariamente o que fica a quilmetros de ns o que se encontra mais

    afastado. O distante pode ser aquele que no est em constante contato com o indivduo, o

    fato que no recebe a devida ateno da mdia. Consequentemente, essa informao por

    muitas vezes ignorada ou, quando pensada, considerada como algo que no faz parte da

    realidade do sujeito enquanto cidado ou componente da domesticidade. Nesse processo, o

    espao significativo, mas no um empecilho como o era antes dos meios audiovisuais. Adistncia entre continentes pode ser mais curta que entre casas vizinhas medida que os

    meios permitem essa interao entre objetos separados territorialmente.

    O tempo tambm transformado, pois as prticas televisivas trazem para dentro dos

    lares a possibilidade de experincias simultneas. Ao mesmo tempo em que a dona de casa

    faz seu almoo, ela pode estar recebendo informaes a respeito de acontecimentos ocorridos

    do outro lado da cidade ou do outro lado do mundo. E isso feito na certeza de que o visto

    representa o agora. uma transmisso instantnea. Por meio dos veculos audiovisuais o

    espectador tem a chance de vivenciar um aqui e um agora que outrora no existiria ou no

    seria acompanhado por ele.

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    Conforme Jesus Martn-Barbero (2002), a televiso opera essas transformaes no

    espao e no tempo como uma nova forma de se relacionar com a realidade.

    Do espao, porque aprofunda a desancoragem que a modernidade produz nasrelaes da atividade social, com suas particularidades de presena, des-territorializando as formas de perceber o prximo e o longnquo, tornando at maisprximo o vivido distncia do que aquilo que cruza o nosso espao fsicodiariamente. E a percepo do tempo, no qual se insere/instaura a experinciatelevisiva, est marcada pelas experincias de simultaneidade e do instantneo.Vivemos uma contemporaneidade que confunde os tempos e os esmaga em cima dasimultaneidade do atual, em cima do culto ao presente, alimentado pelos meios decomunicao, especialmente a televiso. (MARTN-BARBERO, 2002, p.66)

    Essa experincia com outros mundos, outros modos de agir so vividas em

    profundidade e mesmo com certo prazer, porque a televiso proporciona uma imerso semriscos. A aceitao ou a negao de uma realidade est mo do espectador que pode pela

    prtica dozapping interromper o fluxo. Ns, telespectadores, vivenciamos todos os dias, do

    conforto da nossa cama lugar predileto para assistir televiso uma viagem segura,

    porque transitar na tela ter certeza de no se perder. (RINCN, 2002, p.17).

    A experincia pode ser encarada como reconfortante. Dentro de uma atmosfera

    marcada pelas trocas, pelas negociaes entre os componentes e pelas incertezas comuns a

    qualquer ambiente social, desponta um dispositivo que apresenta esses conflitos, os interpela,porm de forma a orden-los, a sustent-los de maneira estvel, promovendo um discurso

    quase didtico.

    A televiso, como vimos at aqui, oferece ao ambiente domstico modelos de

    estruturao, mas vale ressaltar que a composio do lar, da famlia tambm auxiliam o

    espectador na recepo das informaes veiculadas pelo meio. A famlia e todas as relaes

    travadas nessa instituio social, que abarcam questes sociais, econmicas, culturais e

    polticas, servem de exemplo para que os indivduos olhem para a tela e apreendam dela ossignificados.

    O ambiente familiar a unidade social mais constante em nossas vidas e tambm o

    espao mais propcio para o desempenho de nossas subjetividades. Como Barbero4 aponta, a

    cotidianidade familiar a situao primordial de reconhecimento (MARTN-BARBERO,

    2008, p.295), pois ela representa o ambiente em que os indivduos pensam e elaboram a

    4 Alm da cotidianidade familiar, o autor oferece outras duas mediaes que configuram a relao dos

    espectadores com a televiso: a temporalidade social e a competncia cultural. O primeiro trata da forma como ateleviso articula o tempo produtivo, gasto pelos indivduos no trabalho e o tempo do cio, caracterizado pelarepetio e pela fragmentao, em sua programao. O outro diz respeito a capacidade de identificao dosgneros veiculados pela tev.

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    respeito de sua individualidade e se permitem manifestar suas aflies e frustraes. Nela as

    pessoas precisam se posicionar frente aos conflitos e tambm so obrigadas a enfrentarem os

    problemas da vida cotidiana. A famlia onde ocorre mais intensamente o consumo dos meios

    de comunicao, alm de ser um espao preferencial de leitura e codificao da televiso. Por

    isso, a recepo da tev est condicionada pelos mitos, os rituais e a hierarquia que definem

    essa instituio.

    Da mesma maneira que a famlia se encontra inserida em relaes sociais mais amplas,

    a atividade de ver televiso deve ser tratada como uma das relaes sociais travadas pela

    famlia. Desta prtica so tiradas razes tanto para a individualizao, a existncia do

    espectador enquanto diferente dos demais, quanto para a socializao, a encarnao de um

    grupo coeso. Pela tela, o espectador pode descobrir valores que so seus, mas que no socompartilhados por todos da famlia. Desse modo, ele percebe ou mesmo desenvolve

    mecanismos que o torne nico diante daquela organizao. A tev pode servir mesmo como

    um ser no mundo diferente dos demais membros. Contudo, no se trata necessariamente, de

    uma medida desagregadora, pois, simultaneamente a esse processo de individualizao, o

    telespectador pode iniciar a atividade de reafirmao dos seus valores. Ele pode tambm olhar

    para a TV tendo por base os costumes que vigoram naquela unidade familiar.

    A programao televisiva diz de uma rotina domstica a partir do momento que feitapara ser identificada por aquele que est inserido nessa unidade social. A televiso

    condicionada por fatores econmicos, polticos, de gnero, idade, porque todos esses

    elementos esto presentes no seio familiar e servem de modos de ver para os componentes.

    Embora a TV tenda a reproduzir a organizao comum da famlia, ela introduz as alteraes

    ocorridas com o passar dos anos. Exemplo disso a presena e o aumento da difuso de

    famlias monoparentais, simbolizando uma nova forma de estruturao dos lares. Essa

    adaptao ocorre porque tanto a televiso quanto a famlia so sistemas sociais queapresentam mobilidade e criatividade. A alterao de um influi na adaptao do outro, pois

    como j reiterado neste trabalho, ambas interagem e se interpenetram.

    At aqui refletimos sobre as implicaes da insero da televiso no tecido social e a

    relao mtua que existe entre essa e os espectadores-cidados. Ela faz parte da rotina do lar,

    dando e absorvendo informaes deste meio. uma relao diria que se concretiza por

    intermdio de uma corrente de imagens e sons contnua. Trata-se do fluxo televisivo. A

    maneira com que esse fluxo dialoga com o receptor diversa dependendo de cada programa

    televisivo exibido. Essa distino na relao entre produto e espectador acontece, pois o fluxo

    composto por gneros que variam de acordo com os horrios da grade e com os produtos

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    audiovisuais. A ttulo de exemplo podemos citar alguns gneros presentes na tev, como o

    programa de auditrio, o reality show, o sitcom e, o nosso objeto de estudo, a telenovela. Por

    esse motivo, para prosseguir necessrio apresentar o conceito de gnero adotado e mais a

    frente a acepo de melodrama, gnero do qual a telenovela emergir e se guiar em sua

    histria.

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    Captulo 2Como a televiso conversa com a gente?

    2.1 Gnero

    Teatro popular, radionovela, folhetim e telenovela so algumas das configuraes

    adquiridas pelo melodrama desde sua gnese. A histria desse gnero bastante antiga e a sua

    continuidade at os dias atuais pode ser justificada por constantes transformaes ocasionadas

    por sua adaptao a novos meios, perodos histricos e culturas.

    Esse caminho percorrido pelo melodrama passando por diferentes mdias e se

    desenvolvendo em pases com caractersticas bastante distintas fez com que o gnero sofressealgumas alteraes em sua composio e se moldasse melhor s prticas dos meios e das

    variadas configuraes culturais com as quais se deparou. Essas variaes do melodrama s

    so aceitveis se olharmos para o gnero da forma sugerida por Jess Martn-Barbero, ou seja,

    como uma estratgia de comunicabilidade ou como uma categoria cultural e no como algo

    inerente ao texto previamente definido ou categorizado segundo suas caractersticas

    intrnsecas.

    Para Barbero (2008), o gnero instaura uma negociao entre emissor e receptor. Ele,

    a bem da verdade, estabelece mediao entre essas duas instncias, a da lgica do sistema

    produtivo e a da lgica dos usos. essa transao que criar as regras para a configurao do

    formato e permitir o reconhecimento dele pelas partes. O autor afirma que o gnero se d

    no no texto, mas sim pelo texto (2008, p.303). Nele os atores se entrecruzam e,

    consequentemente, deixam sinais representativos dessa relao. [...] como marca dessa

    comunicabilidade que um gnero se faz presente e analisvel no texto. (MARTN-

    BARBERO, 2008, p.303)

    O autor no recusa a viso que atribui instncia de produo a tarefa de seguir certos

    modelos e de dar ao texto elementos referentes ao gnero pretendido. Contudo, ele acrescenta

    a ela o papel da audincia na atribuio de sentido. A definio de gnero deixa de ser algo

    tratado como um conjunto de componentes textuais para se transformar em produto de uma

    relao social, ou seja, para envolver a criao, a circulao e o consumo de tais textos dentro

    de contextos culturais. O produtor, alm de seguir as regras comuns ao gnero, precisa

    tambm fazer com que o texto seja reconhecido pelo pblico. Caso contrrio, no haver a

    pretensa relao.

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    Essa abordagem traz o conceito para dentro da cultura. O modo de olhar o gnero

    sugerido por Barbero (2008) e tambm por Mittel (2004) o interpreta como um produto

    sujeito as interferncias da esfera cultural. Gnero no encontrado dentro de um texto

    isolado. Ele emerge apenas das relaes intertextuais entre mltiplos textos, resultando numa

    categoria comum. Ele deixa de ser estanque para dialogar e evidenciar caracterstica do

    contexto no qual est imerso. A autora Silvia Oroz (1999), ao falar do melodrama

    cinematogrfico, apresenta uma viso de gnero que corrobora com a adotada por Barbero.

    Segundo ela,

    Todo gnero um sistema coerente de sinais, convencionalmente estabelecidos eaceitos, que funciona como um esteretipo cultural com dinnica prpria, num

    determinado contexto histrico. (OROZ, 1999, p.37)

    Ela complementa o conceito afirmando que eles

    apesar de suas regras prprias, vivem em permanente mutao, j que sendo achave para entender a cultura de massas, esto dinamicamente vinculados aocontexto histrico-cultural. (OROZ, 1999, p.48)

    Essa perspectiva acaba por libertar o conceito de uma rigidez limitadora, permitindo

    que ele interaja com a dinmica cultural e histrica. possvel, a partir de ento, encar-lo

    no apenas como um gnero que perdura, mas tambm como algo que carrega em si

    caractersticas dos embates sociais contemporneos a ele.

    A considerao dos gneros como fatos puramente literrio no cultural e, poroutro lado, sua reduo de fabricao ou etiqueta de classificao nos tem impedidode compreender sua verdadeira funo e sua pertinncia metodolgica: chave para aanlise dos textos massivos [...] (MARTN-BARBERO, 2008, p.303 e 304)

    Muito mais do que arranjos, cumprimento de regras de elaborao e estrutura rigorosa,

    o gnero diz respeito a uma competncia comunicacional. A sua efetivao acontecer pela

    interligao das duas partes envolvidas emissor e receptor -, e do reconhecimento das regras

    por ambos.

    Embora o melodrama, assim como tantos outros gneros, tenha passado por inmeras

    adaptaes devido aos diferentes contextos em que se inseriu, ele manteve alguns elementos

    que permitem, atualmente, que o caracterizemos como tal. Por trs de suas atualizaes h um

    arcabouo, presente nos formatos, comum as variadas pocas e meios. Essa unidade domelodrama, que persiste com o passar do tempo, justifica a opo de analis-lo neste trabalho

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    com base em consideraes feitas por autores a respeito tambm do folhetim, do cinema

    melodramtico, da radionovela, da telenovela, do teatro, entre outros. Encaramos essas

    configuraes como variaes de um mesmo gnero. Portanto, no h razes para trat-los

    como substancialmente diferentes. Recolher caractersticas comuns a todos possibilita melhor

    mapeamento da unidade melodramtica.

    2.2 Melodrama

    O melodrama esteve, desde seu princpio, vinculado ao popular. Suas manifestaes

    sempre foram vistas pelas elites como sinnimo de mau gosto e deturpao artstica. Arelao estabelecida com as classes mais baixas fez com que o gnero se baseasse na

    simplicidade e na clareza. Isso porque ele dialogava com um pblico pouco alfabetizado que

    dificilmente se interessaria por um texto rebuscado e empolado. Como afirma Gilbert de

    Pixerecourt, um dos principais autores melodramticos do sculo XVIII, o gnero era escrito

    para os que no sabem ler. (PIXERECOURT apud MARTN-BARBERO, 2008, p.164).

    Essa condio do melodrama, de se dirigir aos analfabetos, exigir dele uma

    conformao a estruturas bastante claras que possibilitem o entendimento rpido. Suasnarrativas devero eliminar os obstculos a compreenso. Por isso, as histrias

    melodramticas apelam, em sua grande maioria, para o modelo tripartido de se contar fbulas,

    tendo, claramente demarcados, o incio, o desenvolvimento e o fim.

    O intuito do gnero no ser o de gerar reflexo ou o de discutir a exausto temas da

    poca. A estrutura montada visa principalmente interpelar o pblico mediante relao direta

    com os sentidos. No toa, o melodrama quando adequado ao cinema foi denominado como

    filmes para chorar.Essa faceta do gnero j era apontada por Aristteles, quando este afirmava ser o

    melodrama responsvel por veicular o pranto inspirando a piedade e o temor necessrios

    para atuar como catarse legtima de tais emoes. (OROZ, 1999, p.13). A explorao da

    emoo no acontecia gratuitamente. O melodrama, principalmente o desenvolvido no sculo

    XVIII, conviveu com diversas revolues - Industrial e Francesa - que mudaram

    significativamente as condies do popular, tirando algumas das seguranas das altas classes.

    A intensa relao estabelecida com o povo foi percebida por aqueles que o tinham como

    produto da degenerescncia artstica e, por isso, o gnero foi visto como uma alternativa para

    se difundir conceitos morais das elites.

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    Esta afirmao no implica dizer que o melodrama tenha sido criado para satisfazer o

    interesse de uma burguesia ameaada, mesmo porque ele j existia antes disso. Muito menos

    que cumpria integralmente aos anseios destes. Como destaca Barbero, antes de ser um meio

    de propaganda, o melodrama ser o espelho de uma conscincia coletiva (MARTN-

    BARBERO, 2008, p.164). Contudo, ele foi utilizado tambm para esses fins, veiculando no

    apenas ideologias de classe, como tambm religiosas e diversas outras. Segundo Oroz, o

    sentimentalismo conservador e a preocupao moralizante fazem parte da estrutura formal e

    ideolgica relativa ao melodrama cinematogrfico. (1999, p.20)

    A simplificao da obra e a necessidade de emocionar acarretar mudanas tambm

    nos elementos que compem o espetculo. Os formatos anteriores ao melodrama, ou mesmo

    os gneros contemporneos a ele e cultuados pela crtica letrada, tinham na retrica verbal aprincipal ferramenta para se alcanar o pblico. Eram textos densos geralmente retirados da

    cultura literria.

    O melodrama subverter essa lgica tirando a primazia do texto e transportando-a para

    a encenao. Efeitos visuais e sonoros tero, mais do que a fala, a tarefa de transmitirem os

    significados das aes efetuadas. O que se paga o que se v (apud MARTN-BARBERO,

    2008, p.165), aponta um crtico do sculo XVIII. Da a peculiar cumplicidade com o

    melodrama de um pblico que no procura palavras na cena, mas aes e emoes.(MARTN-BARBERO, 2008, p.164).

    Outro detalhe oriundo da preocupao do gnero em ser inteligvel e emocionante a

    tessitura de um enredo pautado por dicotomias. Uma anlise, mesmo que superficial, dos

    textos melodramticos pode comprovar isso. Os binmios vcios e virtudes, bem e mal,

    correto e errado, etc., do o ritmo da histria e propiciam mais facilmente uma tomada de

    partido por parte do pblico. O gnero tem nessa diviso clarividente uma ferramenta para

    abolir as ambiguidades e, consequentemente, destacar a diferenciao de um comportamentomoral aceitvel daquele recusado socialmente.

    O sistema binrio permite a trama se desenvolver sobre histrias de transgresses e

    punies. Os personagens divididos pela lgica maniquesta entre viles e heris representam

    o mal que, a todo o momento, nega ou vai de encontro s convenes sociais e o bem, que

    sofre durante todo o espetculo com as investidas dos malfeitores. Ao fim de tudo, as

    situaes se solucionam cabendo aos heris comemorarem a restituio do status quo que

    simboliza o mundo harmonioso outrora desfeito pela apario do mal.

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    A comprovao da moral tornou-se no melodrama o caminho para deixar o pblico a

    flor da pele. A catarse se dava ao mesmo tempo em que este percebia a manuteno dos

    valores com os quais erigiu sua vida.

    Certamente, a juno moral-catarse, que estimulava a sensibilidade, era responsvelpelo envolvimento e identificao da platia, que aplaudia e chorava emocionadadiante da derrota ou castigo do vilo e da premiao dos bons e da vitria do bem.(MEIRELLES, 2007, p.5)

    A necessidade de repercutir aes moralizantes se faz to presente nos formatos

    melodramticos que, como aponta Silvia Oroz (1999), a indstria cinematogrfica latino-

    americana elaborou trs preceitos aos quais todas as produes necessitavam se empenhar

    para cumprir. Eles so: no se produziro filmes contra os princpios morais do pblico;

    sero apresentados corretos modelos morais de vida e a lei no ser ridicularizada nem se

    poder despertar simpatia por sua violao. (OROZ, 1999, p.33).

    Devido a essas regras do gnero, as personagens tendero ao esvaziamento, ou seja,

    eles no devero carregar em si todas as complexidades da vida humana. Pelo contrrio, lhes

    ser negado o carter psicolgico para que se tornem objetos planificados de fcil

    interpretao. Como dito anteriormente, elas representaro no uma pessoa em todas as suas

    dimenses, mas sim, sero o signo de um dos lados conflitantes, o bem ou o mal. Comoassinala a pesquisadora Clara Fernandes Meirelles, os personagens expressam

    exageradamente seus julgamentos morais sobre o mundo. (MEIRELLES, 2007, p.7)

    Meirelles sintetiza essas caractersticas do gnero da seguinte maneira:

    A linguagem clara, que utiliza recursos de fcil compreenso para demonstrar otriunfo da moralidade e da virtude, uma das caractersticas que contribuem paratal popularidade. (MEIRELLES, 2007, p.7)

    A conjuno dos elementos conduz a uma construo exagerada das cenas. possvel

    perceber por meio da representao, dos sons e das falas a reiterao de um mesmo sentido. O

    apelo redundncia uma garantia de que o pblico estar ciente do que se passa em cena,

    eliminando, na medida do possvel, leituras divergentes. a tentativa de que nada passe

    despercebido ao pblico.

    A ela [linguagem simples] alia-se a hiprbole, o desejo de expressar tudo: os

    personagens em cena dizem o indizvel, do voz aos sentimentos mais profundos,dramatizam atravs de palavras e gestos a lio completa de sua relao.(MEIRELLES, 2007, p.7)

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    Esses elementos presentes no melodrama surgem em conformidade com o gosto

    popular. Ao contrrio do que muitos crticos afirmaram e continuam a faz-lo, o gnero no

    impe uma forma de ver ao pblico, pelo contrrio,

    a retrica do melodrama que tende a assinalar reiteradamente, o mesmo significadoatravs de dilogo, da encenao, da insistncia musical, etc. est estreitamenterelacionada com o gosto popular e sua necessidade de reafirmao conceitual.(OROZ,1999, p.32)

    Mesmo sendo um gnero renegado, em todas as pocas, pela crtica e por boa parte da

    classe alta, o melodrama um dos poucos que conseguiu reunir em seu pblico um nmero

    to grande e to diversificado de pessoas. A simplificao buscada por ele e seu forte apelo

    emocional possibilita a identificao de indivduos localizados em contextos sociais

    diferentes. As histrias e mundos criados permitem uma agradvel projeo psicolgica nos

    leitores de diferentes classes sociais. (OROZ, 1999, p.24). Os mundos criados no melodrama

    so pautados pela aceitao social. Arnold Hauser ao discutir a novela de folhetim deixa bem

    clara essa questo da juno de diferentes pblicos dentro do melodrama. Trata-se de uma

    nivelao do pblico. O gnero consegue, atravs de suas tcnicas, que variadas classes se

    reconheam em sua trama. Tanto que nunca uma arte foi to unanimemente reconhecida

    pelos mais diferentes estratos sociais e culturais e recebida com sentimentos to similares.(HAUSER apud OROZ, 1999, p.23).

    2.3 Maniquesmo melodramtico

    A valorizao da virtude e o castigo dos vcios um dos componentes da estrutura do

    melodrama. No possvel alegar a existncia do gnero sem que se verifique essa divisofortemente marcada. O embate entre duas foras j se mostra no incio de qualquer obra. O

    antagonismo a justificativa da histria. Atravs da estrutura tripartida de incio, meio e fim

    tem-se as fases de apresentao do antagonismo, confronto e vitria do bem sobre o mal.

    Toda trama pautada pela perseguio. O comeo de tudo acontece com o

    aparecimento do vilo. Em muitos casos, ele j existe entre os personagens, mas no

    transcorrer da histria ele encontra razes para suas atitudes malvolas. As motivaes

    encontradas pelo malfeitor so inmeras, podendo ser conduzido por sentimentos tidos comonegativos, por exemplo, a inveja, ou mesmo sentimentos nobres, porm desmesurados, como

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    o amor. Este personagem bastante simblico, pois interfere em um mundo que at ento era

    harmonioso. A virtude era a base de tudo e, por meio dela, as pessoas conseguiam viver em

    paz. Ele desequilibra um mundo ideal.

    Os esforos narrativos, portanto, sero canalizados para a restituio da estabilidade

    existente antes das vilanias cometidas. O retorno a harmonia acontece, geralmente, no fim dos

    enredos e provoca no pblico grande aceitao. H nesse ponto da trama, uma identificao

    com a situao tratada. Os espectadores vem na histria a comprovao de seus padres

    morais, deparando-se ao mesmo tempo com a constatao de que a transgresso no

    compensa, pois esta sempre ser punida.

    atravs do, ou dos reconhecimentos que se encerra a perseguio e que seassinala o clmax pattico do drama e que se assinala, ainda, um retorno ao estadode harmonia inicial, pela derrota do vilo. (BRAGA, 2005, p.5)

    Boa parte das crticas gira em torno dessa diviso dos personagens. Alega-se que ela

    demasiadamente rasteira e exagerada. Dificilmente comprovada na vida real. No entanto,

    essa bipolaridade que d sustentao a histria e fornece ao melodrama suas peculiaridades

    em comparao com outros gneros.

    A bipolaridade perseguio-reconhecimento, todavia, no prejudica em nada ognero; pelo contrrio, ela que d ao melodrama sua dinmica prpria, criando,no jogo entre os dois temas, o clima propcio obteno do pattico, atravs doprocesso de identificao-catarse provocado e que se d, aqui, de formaespetacular. (BRAGA, 2005, p.5)

    Para deixar ainda mais forte essa distino maniquesta, o melodrama utiliza duas

    estratgias: a esquematizao e a polarizao. A primeira a responsvel por esvaziar os

    personagens, impedindo que eles possuam grande complexidade. Eles tm que ser facilmente

    decifrveis por quem acompanha a histria. O trabalho da esquematizao est em torn-los

    no-problemticos. Para isso, eles possuem ausncia de psicologia (MARTN-BARBERO,

    2008, p.168). Barbero (2008), apoiando-se em Walter Benjamin, acredita que esse

    esvaziamento no pode ser tido como uma precariedade do melodrama em comparao com

    os personagens de textos literrios. Afinal, o enredo melodramtico apresenta forte parentesco

    com a narrao, precisando, em decorrncia disso, de estruturas mais simples para ser

    contado. No se pode esperar que o escrito e o falado apresentem mesma forma. A relao

    estabelecida por cada um com a experincia e com a memria diferente. O espectador domelodrama tem apenas o momento da fala para compreend-lo enquanto o leitor pode voltar

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    ao texto quantas vezes quiser. O intuito da esquematizao, ao construir seus esteretipos,

    permitir a relao da experincia com arqutipos (HOGGART apud MARTN-BARBERO,

    2008, p.168).

    A polarizao, como j fora esboado no texto, essa construo de personagens

    arquetpicos pendendo para o bem ou para o mal. Por meio dessa estratgia os padres morais

    so percebidos e moldados. A planificao dos personagens pode ser vista como excessiva,

    mas mediante esse achatamento da personalidade que se faz a reafirmao dos costumes. A

    bipolaridade reduz as interpretaes e facilita ao pblico a verificao da moral e o

    reconhecimento na histria de um padro tico semelhante ao seu. As situaes sero sempre

    conduzidas de forma clara e muito intensa. Caber ao espectador apenas a decodificao de

    aes que ora representam o errado, digno de reprovao, e o certo, identificando-se com ele.

    A construo arquetpica dos personagens uma caracterstica da produocultural, pois atravs deles que se imprime, com absoluta clareza, a moral social,articuladora fundamental da produo. (OROZ, 1999, p.38)

    Diante disso, tendo-se em vista que no melodrama o importante aquilo que se v, o

    gnero determinar uma maneira bastante peculiar de atuao. A encenao em obras

    melodramticas transcende o trabalho do ator e os demais elementos de cena, alcanando at

    mesmo o nvel da aparncia fsica. No basta um bom desempenho, o ator precisa se

    assemelhar a aquilo que ele representa.

    A efetividade da encenao se corresponder com um modo peculiar de atuao,baseado na fisionomia: uma correspondncia entre figura corporal e tipo moral.Produz-se a uma estilizao metonmica que traduz a moral em termos de traosfsicos sobrecarregando a aparncia, a parte visvel do personagem, de valores econtra-valores ticos. (MARTN-BARBERO, 2008, p.166)

    A moral agregada imagem ser determinada pelo senso comum que atribui a tipos

    fsicos valores caractersticos. Silvia Oroz (1999) exemplifica esse caso ao tratar das vils

    presentes em filmes norte-americanos e latinos das dcadas de 1950 e 1960. De acordo com a

    autora, na Amrica anglo-sax a tonalidade loira dos cabelos mais comum. Alm disso, os

    imigrantes latinos so vistos por eles como ameaa. A conjuno desses fatores ajuda a

    relacionar a imagem da vil a uma mulher morena. J na Amrica Latina temos o contrrio,

    pois o moreno, por ser mais habitual, representa o natural. O tom mais claro simboliza o

    diferente, o artificial. Outro exemplo ilustrativo da necessidade de equivalncia entre o tipo

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    fsico e moral a recorrncia de mulheres no papel de vtimas/heronas. Tal personagem

    precisa aparentar fragilidade, caracterstica mais atribuda s mulheres.

    A importncia dos esteretipos na cultura de massas reside na figura simblica querepresentam. Todo arqutipo remete a valores socialmente aceitos, da seucondicionamento ao contexto histrico. [...] Na tipificao funcionam,simultaneamente, valor moral/tipologia fsica. [...] Da a vinculao do gnero como universo mtico-simblico do espectador. (OROZ, 1999, p.46)

    Bem e mal so duas facetas presentes no melodrama que corroboram com o

    argumento de que o gnero se faz pelas relaes estabelecidas entre a criao, circulao e o

    consumo. A validade da obra melodramtica s se concretiza quando os esteretipos

    veiculados podem ser reconhecidos e avalizados pela audincia. Caso contrrio, o que tendia aidentificao ser alvo de repulsa ou simplesmente ter sua veracidade posta a prova. Esse

    apelo maniquesta tambm um dos principais responsveis pelo estabelecimento de paixes

    entre texto e pblico devido a tenso permanente provocada pela ao do malfeitor e pelo

    gozo gerado com a vitria do bem e a restituio da calma.

    2.4 Os personagens melodramticos

    O melodrama prima pelo esquematismo e por sua diviso maniquesta. Essas

    estratgias so as alternativas que o gnero encontrou para tornar-se o mais claro e simples

    possvel. Alm do j dito, essas caractersticas das obras melodramticas tambm esto

    presentes nos diversos ncleos que compem a narrativa. Os personagens no se limitam a

    viles e mocinhos. Ainda h aqueles que ficam na rbita destes e garantem para a trama a

    manuteno da gama de sentimentos necessria para emocionar o espectador.

    Ao todo, podem-se caracterizar quatro figuras dramticas dentro do melodrama. Cada

    uma com suas funes e encarregadas de gerar um tipo de sentimento no pblico. So elas: o

    traidor, a vtima, o justiceiro e o bobo.

    Tendo como eixo central quatro sentimentos bsicos medo, entusiasmo, dor e riso-, a eles correspondem quatro tipos de situaes que so ao mesmo temposensaes terrveis, excitantes, ternas e burlescas [...] (MARTN-BARBERO,2008, p.168)

    A conjuno desses papis d ao melodrama caractersticas de diversos outros gneros

    contribuindo para que ele consiga agrupar em um mesmo produto um nmero to vasto e

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    diversificado de espectadores. Ao juntarem-se [personagens] realizam a mistura de quatro

    gneros: romance de ao [traidor], epopia [justiceiro], tragdia [vtima] e comdia [bobo]

    (MARTN-BARBERO, 2008, p.168). Para Barbero (2008), essa estrutura montada d a ver a

    necessidade do gnero em ser intenso, de tomar de assalto seu pblico, sendo a

    complexificao e o imbricamento de tramas a maneira encontrada para tais fins.

    O traidor (perseguidor ou agressor) um dos personagens mais caractersticos. Ele

    desencadeia todas as aes da histria com sua conduta errnea. Sua funo personificar o

    mal e todos os vcios e desagregar tudo aquilo que, antes dele, permanecia harmnico. O

    comportamento do vilo sempre visa o prejuzo de outro personagem, sendo a relao entre

    eles a da perseguio. A maldade deste elemento melodramtico dotada de uma astcia que

    o permite elaborar suas dissimulaes. Por meio desta inteligncia, ele engana a todos etambm seduz. A princpio o vilo, chamado por Barbero de a secularizao do diabo e

    vulgarizao do Fausto (2008, p.169), conquista a vtima com o intuito de encurral-la e

    obter com isso a realizao de seus interesses. A atuao do traidor leva para a trama

    caracteres das histrias de ao, pois ele que liga o melodrama ao romance de ao e

    narrativa de terror. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)

    Ao encarnar as paixes agressoras, o Traidor o personagem do terrvel, o queproduz medo, cuja simples presena suspende a respirao dos espectadores mastambm o que fascina: prncipe e serpente que se move na escurido, noscorredores do labirinto secreto. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)

    A vtima (ou herona) durante toda a narrativa ser ameaada pelo traidor. Este

    personagem entra no enredo como a personificao do bem. Sua trajetria ser marcada por

    angstias, sofrimentos e injustias. Somado a sua firmeza de carter estar sua

    vulnerabilidade. Sua condio ser colocada a prova enquanto durar a histria. No entanto,

    sua pacincia para suportar os encalos jamais cessa. Trata-se de um modelo de boa conduta eseus atos e tambm reaes baseadas na moral. o extremo oposto do vilo.

    A fraqueza desta figura dramtica implicou, em grande parte dos casos, que ela fosse

    representada pela figura feminina. Essa feminizao da vtima pode ser justificada tambm

    pelo fato do personagem necessitar da proteo de outro. A sua volta sempre se encontra

    algum que zela por seus interesses e se compromete em impedir que o mal acontea a ela.

    Esse papel, em muitos casos, o adotado pelo pblico em relao ao personagem. Percebendo

    sua impotncia, os espectadores se comprazem de seu sentimento e esperam com afinco a

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    soluo de seus problemas. O desfecho da histria, por devolver a herona a um contexto de

    tranquilidade, desperta intensas reaes das platias.

    o dispositivo catrtico funciona fazendo recair a desgraa sobre um personagemcuja debilidade reclama o tempo todo por proteo excitando o sentimentoprotetor do pblico -, mas cuja virtude uma fora que causa admirao e de certomodo tranquiliza. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)

    O trabalho de cuidar da herona fica a cargo do justiceiro ou protetor. Ao lado da

    vtima seja por amor ou parentesco, ele o responsvel por encaminhar a histria para um

    desfecho que privilegie o bem. No fim da trama, ele dever ter solucionado os enganos e

    restitudo a pureza e tranquilidade a herona. O papel do justiceiro remete ao do tradicional

    heri das epopias. Partir dele a punio de tudo aquilo que for divergente e errado, sendo

    ele, inclusive, o encarregado de castigar os malfeitores.

    , pela generosidade e sensibilidade a contraface do traidor. E portanto o que tempor funo desfazer a trama de mal-entendidos e desvelar a impostura permitindoque a verdade resplandea. Toda, a da vtima e do traidor. (MARTN-BARBERO,2008, p.170)

    Por fim, temos o bobo. Representante do cmico, esse elemento do melodrama no faz

    parte do ncleo principal das narrativas, constitudo pelo embate dos trs primeiros

    personagens. A tarefa dele inserir na trama traos humorsticos que possam estar

    intercalados entre as cenas de grande densidade e intensidade. A importncia deste papel est

    na manuteno do vis cmico relevante para o melodrama, presente no gnero desde seu

    incio. Enquanto a relao estabelecida pelo traidor, vtima e justiceiro demanda constante

    ateno, o bobo proporcionar relaxamento emocional. Tal caracterstica permite que o

    pblico equilibre as sensaes ao invs de ficar suspenso pelos mistrios e sensaes

    impactantes da trama principal.

    A figura do bobo no melodrama remete por um lado do palhao no circo, isto ,aquele que produz distenso e relaxamento emocional depois de um forte momentode tenso, to necessrio em um tipo de drama que mantm as sensaes e ossentimentos quase sempre no limite. Mas remete por outro lado ao plebeu, o anti-heri torto e at grotesco, com sua linguagem anti-sublime e grosseira, rindo-se dacorreo e da retrica dos protagonistas, introduzindo a ironia de sua aparentetorpeza fsica, sendo como um equilibrista, e sua fala cheia de refres e jogos depalavras. (MARTN-BARBERO, 2008, p.170)

    Tendo tratado do melodrama, se faz necessrio, por hora, ingressar no estudo da

    telenovela. No prximo captulo, portanto, nos dedicaremos a histria da telenovela,

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    destacando as diversas transformaes pela qual o melodrama atravessou at se conformar em

    um de seus representantes mais conhecidos, a novela, e as relaes que ela estabeleceu com o

    pblico e com o contexto social desde seu surgimento.

    preciso esclarecer de antemo que trataremos o folhetim eletrnico como uma

    categoria cultural, ou seja, conformado pelas diversas instncias sociais em constante embate:

    corporativismo, decises polticas, prticas da audincia, crtica televisiva, questes estticas

    e marcas histricas. Como defende Jason Mittel (2004), enquanto gnero ela opera a fim de

    categorizar e relacionar textos, atravs de discursos de definio, interpretao ou avaliao,

    uma teoria cultural.

    Aliado a essa ideia de gnero, abordaremos tambm a questo do formato, que para

    ns representa a maneira como o gnero plasmado (BALOGH, 2002, p.89) em umdeterminado horrio, respeitando a certas regularidades textuais e narrativas. O formato

    aponta para uma conformao tcnica do gnero. Por exemplo, Barbero (2008) ao falar do

    incio do folhetim, esclarece que este comeou como um formato, pois ele estava limitado a

    caractersticas fsicas do meio pelo qual era veiculado. Folhetim seria tudo aquilo que fosse

    publicado no rodap da primeira pgina dos jornais. Com o passar do tempo e devido ao

    sucesso do formato folhetim, ele foi ganhando autonomia em relao materialidade pela

    qual era caracterizado e se transformou em um gnero, porque passou a ser concebido comouma nova maneira de se contar histrias. Ele deixa de ser conhecido como o p de pgina

    (formato) para se tornar um gnero identificado por fices publicadas em captulos e que

    tinham forte apelo popular.

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    Captulo 3

    A novela de todos os dias

    3.1 Folhetim,soap-opera, radionovela e outros elementos que compem a histria da

    telenovela brasileira

    A histria da telenovela se mistura, e em muitos pontos se confunde, com o caminho

    percorrido pela televiso. Ela teve origem um ano aps o surgimento da primeira emissora de

    televiso e permanece como um produto televisivo de extrema importncia at hoje. Porm o

    percurso deste gnero no to simples assim. Ele, enquanto estratgia de comunicabilidade,

    teve que se adaptar a inmeras exigncias de produo e de pblico antes de ser considerado o

    que h de mais rentvel na televiso brasileira. Por esse motivo, se faz necessrio, antes de

    analisarmos o papel da telenovela na sociedade brasileira, apresentarmos uma breve histria.

    A configurao adotada pela telenovela, erigida sobre estruturas melodramticas, nos

    dias atuais recebe influncia de outros gneros surgidos anteriormente e desenvolvidos em

    outras mdias, alm de questes postas pelas indstrias, pelas audincias, patrocinadores e

    anunciantes, pelas mudanas sociais. No se trata simplesmente de uma transposio. Na

    verdade, mistura de diversas caractersticas presentes nesses variados gneros e que

    permitiram a constituio de um produto distinto.

    Alguns autores defendem que a primeira relao que se pode fazer entre novela e

    romance-folhetim (MEYER, 1996; ORTIZ, BORELI E RAMOS,1989), pois neste j se

    percebe a serialidade como forma de angariar um nmero vasto de leitores. Segundo Ortiz;

    Borelli e Ramos, alguns estudos vo denomin-lo de o arqutipo da telenovela (1989: 11).

    O termo folhetim deriva do francs feuilleton surgido no sculo XIX. Ele era utilizado paradesignar o espao vazio presente no rodap da primeira pgina dos jornais destinado ao

    entretenimento, a receitas culinrias, crticas literrias, etc. Era um local a ser preenchido com

    o que conviesse ao peridico. Aps algum tempo, este espao do jornal passa a ser utilizado,

    preferencialmente, para a publicao de histrias seriadas. A circulao diria dessas

    narrativas comea a ser feita em 1836 e em 1840 ela j alcana grande sucesso. Essa forma de

    contar histrias passa a ser o filet-mignon do jornal, grande isca para atrair e segurar os

    indispensveis assinantes. (MEYER, 1996, p.58). A nova maneira de utilizar o espao

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    folhetim d a ele uma nova significao, pois ele se especializa em narrativas ficcionais

    seriadas, que utilizam de cortes na histria com o intuito de gerar suspense.

    Desde seu incio, o folhetim vai mostrar forte vinculao ao gnero melodrama. Suas

    tramas sero calcadas no duelo entre bem e mal, tratando sempre de histrias de amores

    proibidos, conflitos de classe, etc. Esse apelo fez com que o folhetim alcanasse as diversas

    classes francesas e se tornasse um fenmeno popular.

    Esse gnero surgir no Brasil quase simultaneamente ao seu advento na Frana.

    Contudo, em solo tupiniquim seu desenvolvimento ser significativamente distinto. Em

    outubro de 1838 publicada, pelo Jornal do Comrcio (RJ), a srie Capito Paulo, de

    Alexandre Dumas. A circulao da histria acontece um ms aps seu lanamento no pas

    europeu. Diversos autores renomados tiveram suas obras partidas e expostas serialmente em jornais, como o caso de Machado de Assis e Jos de Alencar. Entretanto, no se pode

    considerar a separao de uma obra fechada em partes como folhetim. Para ser folhetim

    preciso ter sido pensada no formato no prximo captulo.

    Alm disso, devido condio scio-cultural brasileira, o folhetim em nada se

    assemelhou ao seu descendente francs. Ele no alcanou o status de gnero popular, sendo

    absorvido por uma elite que se contentava em reproduzir costumes vindos da Europa (Ortiz;

    Borelli e Ramos, 1989). Afinal, tirando a classe dominante, grande parte da populaonacional era formada por analfabetos.

    Nos Estados Unidos, em 1930, surge outro formato que tambm influenciar a

    telenovela latino-americana e brasileira, a soap-opera. Esse produto veiculado pelo rdio,

    meio de comunicao lanado na dcada de 1920, que adquiriu em pouco tempo uma

    capacidade de alcanar milhares de ouvintes em todo territrio nacional. Ao perceber o

    sucesso do meio, as indstrias de sabo e detergente (Colgate-Palmolive, Protecter e Gamble

    e Lever Brothers) decidiram utiliz-lo para difundir sua marca e seus produtos. Paraalcanarem este fim, elas preferiram, ao invs de comerciais tradicionais, produzir histrias

    radiofnicas destinadas ao pblico feminino. Da o nome soap-opera (pera de sabo).

    Este produto cultural possui, de acordo com Ortiz; Borelli e Ramos (1989), algumas

    semelhanas com o folhetim. Tanto quanto este, as soap-operas utilizam histrias

    sentimentais para atrair o espectador-leitor. Entretanto, os autores salientam que existem

    diferenas significativas entre os formatos. A primeira diz respeito estrutura dos captulos.

    Ao contrrio do folhetim, as soap-operas tem seus episdios fechados em si mesmo, ou seja,

    a histria narrada possui incio, meio e fim. No h uma trama que extrapole os captulos e s

    se resolva ao fim de toda a obra.

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    A outra distino se refere ao apelo comercial do produto radiofnico, que

    caracterizar bastante as telenovelas latino-americanas. Elas so atravessadas por comerciais,

    pois a sua finalidade primeira divulgar a marca de seus produtores, as grandes empresas de

    sabo e detergentes. Soap-opera representa uma forma de produo cultural que foi

    completamente penetrada pelo capital desde o momento de sua concepo, uma forma

    dirigida e sustentada por imperativos corporativos. (ALLEN apud ORTIZ; BORELLI;

    RAMOS, 1989, p.20).

    Contudo, ambas contribuiro para o surgimento das novelas latino-americanas. [...]

    do contraste entre essas duas formas possvel formarmos um quadro mais claro sobre o

    desenvolvimento da novela do continente latino-americano. (ORTIZ; BORELLI; RAMOS,

    1989, p.19).A introduo das radionovelas na Amrica Latina se d na dcada de 1930 aos moldes

    das soap-operas. As primeiras histrias foram feitas em Cuba e tambm eram patrocinadas

    por fbricas de sabo (Crusellas e Savats) que, logo em seguida, foram incorporadas pela

    Colgate-Palmolive e Protecter and Gamble. Todavia, diferentemente das soap-operas, as

    radionovelas cubanas seguiam a tradio folhetinesca de construrem tramas que perpassam

    os inmeros episdios, chegando a uma concluso apenas no fim da histria. A tradio

    latino-americana se formar sobre o forte apelo melodramtico. O esquematismo desse gneroser levado s ltimas consequncias, sendo as obras concebidas para representarem conflitos

    maniquestas intensos e tendo como finalidade o transbordar das emoes. Sero as famosas

    histrias para chorar.

    Em 1941 a vez de o Brasil conhecer esse formato. veiculada, pela Rdio So

    Paulo, a primeira histria radiofnica, A Predestinada. A implantao da radionovela foi

    responsabilidade de Oduvaldo Viana, diretor artstico da Rdio So Paulo, que durante uma

    viagem a Argentina teve acesso a esse tipo de narrativa e foi seduzido por ele, trazendo-o aoBrasil com toda a carga melodramtica com que era produzido nos demais pases latino-

    americanos. Segundo Ortiz, Borelli e Ramos (1991), a radionovela conseguiu alcanar, o que

    o folhetim no foi capaz no sculo XIX, o status de cultura popular. O sucesso das tramas e

    do novo veculo de comunicao, o rdio, na dcada de 1940 gerou uma mudana na

    produo destes programas. Antes eles eram basicamente adaptaes de textos estrangeiros, a

    partir de ento se comea a produzir histrias de autores nacionais.

    Uma dcada depois, em 1950, devido inaugurao da televiso no Brasil, as histrias

    folhetinescas sofrem uma adaptao para as telas. Comea-se assim a telenovela brasileira. A

    primeira obra exibida foi Sua Vida Me Pertence, escrita por Walter Foster. Neste perodo, as

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    novelas eram transmitidas ao vivo apenas duas vezes por semana, com durao de 20 minutos

    por captulo. Essa periodicidade se justifica pelo pequeno nmero de pessoas possuidoras de

    receptores televisivos e pela dificuldade que os profissionais do rdio tiveram em se

    enquadrar no novo meio. Acostumados apenas com a utilizao da voz, eles no sabiam bem

    como trabalhar a encenao diante das cmeras.

    Ao mesmo tempo em que a transferncia de pessoal do rdio para a tev gerava

    problemas, era ela quem fornecia as bases do desenvolvimento televisivo brasileiro. Como

    Ortiz; Borelli e Ramos (1989) afirmam, os textos utilizados no primeiro perodo da telenovela

    traziam em si forte apelo melodramtico, pois eles foram tomados da obra de grandes autores

    de radionovelas. Alm disso, eles afirmam que no se trata propriamente da feitura de uma

    telenovela, porque o que se verifica a produo de uma radionovela na TV. Isso pode serpercebido pelo predomnio do texto sobre as imagens. O enredo era esclarecido mais pela

    narrao do que pela atuao dos personagens.

    Os anos de 1960 sero definitivos para a telenovela. A televiso, que na dcada

    anterior popularizou-se e aumentou sua produo, vivencia nos anos sessenta a sedimentao

    de duas emissoras a Record (1953) e a Excelsior (1959) -, a expanso da rede televisiva pelo

    Brasil, o surgimento do videoteipe e a primeira novela diria

    A TV Excelsior dar uma guinada na televiso brasileira. Ela entrar no mercado comuma nova forma de gerir a empresa televisiva. Ela abandona o improviso caracterstico da

    fase anterior para se assentar em bases mercadolgicas modernas. Ela inova ao racionalizar as

    diversas reas de atuao da tev. Traz para as telas um tipo de produo mais industrial. Sua

    programao passa a obedecer determinados horrios, no se atrasa mais, ela horizontal,

    programas dirios como as telenovelas, e vertical, sequncia de programas, buscando fixar o

    telespectador num nico canal. (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989, p.57).

    Em 1962, temos o lanamento de um aparelho que ajudar intensamente na produode novelas. Trata-se do videoteipe. Com ele, as tevs podero fazer novelas gravadas, o que

    possibilitar a transmisso diria deste produto. O advento do videoteipe propiciou um ritmo

    maior de produo; agilizou a utilizao de vrios cenrios e de tomadas externas; alm da

    possibilidade infinita de corrigir erros, repetir e selecionar cenas, com a tcnica de edio

    cinematogrfica (FERNANDES apud GONALVES, 2002, p.25).

    Diante dessas transformaes, a TV Excelsior passa a transmitir, em 1963, a primeira

    telenovela diria, 2-5499 ocupado, do argentino Alberto Migr. Vale ressaltar que, a

    princpio, a novela era exibida trs vezes por semana. Passado um tempo, ela comea a ser

    diria.

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    Ainda nesse perodo, a maioria das novelas eram adaptaes de textos de pases latino-

    americanos e se calcavam em um melodrama tradicional baseado em dicotomias bem

    marcadas entre bem e mal, amor e dio, etc.. Exemplo disso O Direito de Nascer (TV

    TUPI), de 1964, escrita por Felix Caignet, adaptada para a TV por Talma de Oliveira e

    Teixeira Filho. Essa obra atingiu enorme repercusso e tida como um marco das telenovelas.

    Pouco antes dela, a telenovela era um produto desprivilegiado. O programa mais importante

    da televiso brasileira era, at ento, os teleteatros. A partir de meados da dcada de 1960, a

    novela passa a frente e instaura a era das telenovelas (GONALVES, 2002, p.25).

    Durante os anos de 1963 e 1969 o sucesso alcanado por esse novo gnero ficcionalda televiso, cuja audincia pula de 2% para 18%, fora uma reformulao na grade

    da programao televisiva, fazendo com que os programas de variedade e aprogramao estrangeira cedessem lugar nova mania nacional a telenovela.(GONALVES, 2002, p.25)

    Com todo esse desenvolvimento a televiso ir se firmar como uma indstria e sua

    produo de bens simblicos ser ampliada nas dcadas de 1970 e 1980. O emblema maior

    dessa institucionalizao da TV ser a Rede Globo de Televiso, inaugurada em 1965, aps a

    assinatura do contrato feito, em 1962, entre o grupo Roberto Marinho e a empresa norte-

    americana Time-Life.

    A Globo se insere no mercado de telenovelas com O brio (1965), de Gilda de Abreu,

    e Eu Compro Essa Mulher(1966), adaptao de Glria Magadan para o romance O Conde de

    Monte Cristo, de Alexandre Dumas. No fim dessa dcada, a forma como feita a novela

    mudar. At aqui elas continuavam sendo encomendadas pelas empresas de sabo (Gessy

    Lever e Colgate-Palmolive). Aps os anos sessenta, elas se tornam responsabilidade da

    prpria emissora que substitui os autores de radionovelas por profissionais mais ligados ao

    teatro e com maior grau de erudio. A inteno era modificar a linguagem do folhetim

    eletrnico.

    Essa alterao ser importante, pois ocasionar uma aclimatao do melodrama

    utilizado nas novelas a cultura nacional. Os elementos da histria passam a ser pensados de

    maneira a corresponderem mais diretamente com as situaes reais do cotidiano do

    espectador. Como afirma Ortiz; Borelli e Ramos (1989), o melodrama brasileiro se distinguir

    do praticado no restante da Amrica Latina, porque, mesmo mantendo o apego por eixos do

    gnero, ele se preocupar em enquadrar a novela dentro do panorama urbano existente.

    Como pilar dessa transio entre o melodrama dramalho e o melodrama mais

    realista temosBeto Rockfeller(TV TUPI/1968), de Brulio Pedroso. Nessa novela percebe-se

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    a quebra de diversos padres da tradio das telenovelas. Os dilogos se tornam mais

    coloquiais, com utilizao de grias e expresses populares, so inseridos na trama fatos

    ocorridos no cotidiano, o ritmo da histria buscava assemelhar-se a cadncia dos

    acontecimentos vivenciados pelos telespectadores. A ideia era transpor o real para o vdeo.

    Essas obras mais realistas, importante frisar, em momento algum apontam para o

    abandono da estrutura melodramtica. Na verdade, elas indicam uma atualizao. Como

    salienta Jess Martn-Barbero (2001), telenovelas como Beto Rockfellerserviram para

    conformar um novo modelo que sem romper de todo o esquema melodramtico, ir

    incorporar um realismo que possibilita a cotidianizao da narrativa e o encontro do gnero

    com a histria e com algumas matrizes culturais do Brasil (Barbero, 2001, p.120, grifo do

    autor).O autor, devido a essas adaptaes da novela brasileira, define dois modelos de

    folhetins eletrnicos: um relacionado produo latino-americana e aos primrdios da

    telenovela brasileira, a qual ele chama de tradicional e outro referente as obras mais realistas

    produzidas em solo tupiniquim, modelo moderno.

    Entendemos por tradicional aquele tipo de telenovela que, a partir da radionovelacubana, d forma a um gnero srio, no qual predomina a inclinao trgica.

    Gnero moldado por um formato que pe em imagens unicamente paixes esentimentos primordiais, elementares, excluindo do espao dramtico todaambiguidade ou complexidade histrica e neutralizando, com frequncia, asreferncias de lugar e tempo. (MARTN-BARBERO, 2001, p.120)

    No segundo modelo, a rigidez dos esquemas e as ritualizaes so penetradas porimaginrios de classe e territrio, de gnero e de gerao, ao mesmo tempo que seexploram possibilidades expressivas abertas pelo cinema, pela publicidade e pelovideoclipe. Os personagens se libertam, em alguma medida, do peso do destino,afastando-se dos grandes smbolos, se aproximam das rotinas cotidianas e dasambiguidades histricas, da diversidade das falas e dos costumes. (MARTN-BARBERO, 2001, p.121)

    Na dcada de 1970, a Globo racionalizar ainda mais a produo de novelas

    estabelecendo horrios fixos de transmisso. No comeo, ela mantinha os horrios das 19h,

    20h e 22h. Em 1972, ela inaugura a telenovela das 18h o que se efetiva em 1975, mantendo

    dessa forma quatro folhetins em sua programao, at eliminar o espao das 22h em 1979. O

    motivo da extino do horrio foi a baixa audincia.

    Essa diviso e manuteno da grade fixa foi de extrema importncia para o sucesso da

    emissora e o condicionamento dos hbitos de seu pblico. Como defende Anna Maria Balogh,

    esses diferentes horrios contriburam para a formao de um pblico cativo enorme para a

    empresa. A essa estratgia, a Globo somou a prtica de reiterar modelos de dramaturgia para

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    cada horrio, ou seja, cada espao tem suas peculiaridades, cada um constitui um formato

    diferente.

    s 18h h o predomnio de dramas histricos. De acordo com Balogh, esse o modelo

    que apresenta uma aproximao maior ao melodrama tradicional. O tema amoroso,

    geralmente, se relaciona com as questes sociais e isso pode ser percebido por meio de

    antagonismos claros. O confronto entre bem e mal feito de forma bastante maniquesta,

    sendo que ao fim da trama todos os empecilhos ao amor do casal principal e a harmonia da

    ordem social se dissolvem e enfatizam a vitria do bem. Exemplo desse padro de novela

    Fora de um Desejo (1999), de Gilberto Braga.

    O horrio seguinte possui uma estrutura mais flexvel. A linguagem utilizada mais

    livre. O produto das 19h utilizado para experimentaes do gnero. Foi atravs dessehorrio que a comdia se consolidou como uma possibilidade folhetinesca. A histria mantm

    oposies, mas no seguem to fortemente o modelo maniquesta. Verifica-se, na transio

    entre o modelo das 18h e das 19h, uma alterao dos temas. Samos do rural para chegar ao

    urbano, do drama ao humor. Em outras novelas das sete, os autores fizeram experimentaes

    com linguagens novas ou com rupturas de algumas das bases estruturais mais sedimentadas

    das novelas. (BALOGH, 2002, p.162). As principais quebras dizem respeito utilizao de

    tcnicas cinematogrficas, ou de outras artes visuais, como aconteceu com Beb a Bordo(1988) e Uga Uga (2000), ambas de Carlos Lombardi, a primeira por utilizar a linguagem dos

    videoclipes e a outra por se apoderar do estilo dos gibis.

    A grande estrela da programao, a novela das 20h, destina-se a tratar temas adultos

    mais fortes e polmicos. Ela tende a ser mais realista.

    De certo modo, a novela das oito e meia passou a incorporar alguns temasmalditos ou polmicos, reservados no passado s novelas experimentais do

    horrio das dez, na Globo. Os conflitos dramticos tendem a ser exacerbados,sobretudo nos tringulos amorosos como Ftima-Afonso-Solange ou Raquel-Iv-Helena em Vale Tudo. O amor e o sexo so abordados de forma mais frontal edeclarada do que nos horrios anteriores do trip de novelas da Globo. (BALOGH,2002, p.162)

    Rompendo com a tradio de se dirigir exclusivamente s mulheres, a Rede Globo

    passar a produzir histrias com o intuito de se aproximar mais do pblico masculino. Obras

    comoIrmos Coragem (1970), de Janete Clair,Roda de Fogo (1986), de Lauro Csar Muniz,

    entre outras, traro em suas tramas assuntos tidos como de homem. De acordo com Ortiz;

    Borelli e Ramos (1989), o objetivo dessas telenovelas ser alcanado, havendo inclusive

    paridade entre o nmero de mulheres e de homens que as acompanham.

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    Por fim, aps o perodo militar, a telenovela brasileira intensifica seu cunho poltico e

    trata, de forma mais incisiva, fatos referentes ao contexto social. Que Rei Sou Eu (1989), de

    Cassiano Gabus Mendes, por exemplo, foi uma crtica ferrenha a realidade poltica pela qual o

    Brasil atravessava. Verifica-se nesse perodo a intensificao da imerso da novela na

    realidade.

    Por esse breve histrico da telenovela possvel perceber que ela se desenvolveu

    absorvendo as estruturas do melodrama e, com o passar do tempo, produziu sobre esse gnero

    alteraes significativas. Mudanas estas que aconteceram devido s marcas deixadas por

    todos os interlocutores envolvidos na produo e recepo deste produto. Iniciado como um

    gnero importado dos demais pases latino-americanos em pouco tempo ele foi aclimatado a

    nossa cultura e permanece em constante atualizao por conta dos processos de negociaoque estabelece entre emissores e receptores, estando aqui subentendidas as questes sociais,

    econmicas e polticas que esse texto cultural implica. A essa relao entre telenovela e

    interlocutores, s transformaes ocorridas no seio social com o surgimento deste produto e s

    alteraes sofridas pela apreenso do contexto social que se refere o prximo item deste

    trabalho.

    3.2 Novela e a vida cotidiana

    Como j fora dito, telenovela e televiso so termos que em muitos casos se

    confundem. As histrias de ambos se influenciam e muitas vezes as definies de um se

    assemelha ao que dito a respeito do outro. Isso no acontece por acaso, pois h muito a

    novela o produto mais nobre da televiso e foi o predomnio desse produto televisivo a

    principal razo para o incremento da audincia das emissoras. Portanto, partiremos de umaacepo de telenovela, mas no pretendemos com isso desvincul-la do conceito de televiso.

    Afinal, cremos que ela se desenvolve nesse imbricamento.

    Segundo Maria Carmem Souza, o folhetim eletrnico , de forma ampla:

    romances sentimentais produzidos para a televiso que podem ser adaptaes deobras literrias, tea