01 Anderson Silva
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A dialtica ruminante de
Antonio Candido: antes e depois
da Formao da literatura
brasileira
Anderson Pires da SilvaCentro de Ensino Superior de Juiz de Fora
Resumo: A partir da comparao entre a introduo de Formao daliteratura brasileira e as contra-argumentaes de Afrnio Coutinho, SilvianoSantiago e Haroldo de Campos, o artigo discute o problema do nacionalismona elaborao do conceito de literatura como sistema.Palavras-chave: Historiografia literria, Barroco, Romantismo, AntonioCandido, Haroldo de Campos
Na introduo de Formao da literatura brasileira, AntonioCandido argumenta como o nacionalismo (pr) romntico foi um elemento
formador de nossa tradio literria. Assim, de Cludio Manuel da Costa a Jos de
Alencar, ocorria uma tomada de conscincia dos autores, dispostos a considerar o
literrio como parte do esforo de construo de um estado (espiritual e poltico)
nacional, visando a diferenciao e particularizao dos temas.1
1. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 28.
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O eixo e a roda: v. 20, n. 1, 2011
A literatura, como fenmeno de civilizao, constitua um sistema
de obras ligadas por denominadores comuns a criao de temas e imagens
ligados aos elementos da natureza psquica e social; a existncia de produtores
literrios conscientes do seu papel; um conjunto de receptores; uma linguagem
traduzida em estilo. Esse conjunto formava a literatura como aspecto orgnico
civilizatrio: por meio do qual as veleidades mais profundas do indivduo se
transformam em elemento de contacto entre os homens, e de interpretao das
diferentes esferas da realidade.2
O problema literrio comea a ser enfocado por Antonio Candido
sob trs ngulos: psicolgico, poltico e esttico. Em primeiro lugar, o que difere a
literatura como sistema das manifestaes literrias anteriores ao perodo neo-
clssico o empenho dos escritores, a vontade de construir uma literatura como
prova de que os brasileiros eram to capazes quanto os europeus.3
O empenho dos escritores brasileiros revelava um trao de
imaturidade, ao se comportarem como adolescentes inseguros, que precisam negar
a autoridade do pai (no caso, Portugal) para afirmarem sua identidade. Esse dado
subjetivo j prefigurava um aspecto de nosso nacionalismo: a mania hiperblica. A
hiprbole nacionalista aparecia como resultado do jogo comparativo entre Brasil e
Europa, a necessidade de se auto-afirmar negando o outro. O caminho mais fcil
para isso foi o nativismo. Vejamos os primeiros versos de Cano do exlio de
Gonalves Dias: Minha terra tem palmeiras/onde canta o Sabi/As aves, que aqui
gorjeiam/No gorjeiam como l/[...]/Nossos bosques tem mais vida/Nossa vida
mais amores. O engrandecimento da natureza e do jeito de ser brasileiro no se
esgotou no perodo romntico, pelo contrrio, permanece tambm no modernismo,
como por exemplo, no Manifesto antropfago, na proposio antes dos
portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
O nacionalismo na literatura, como Candido argumenta ao longo da
Formao da literatura brasileira, em particular no nono captulo (O indivduo e
a ptria) , foi uma imposio inevitvel, um mal necessrio, um doce remdio. A
jovem nao independente e os brasileiros precisavam de uma narrativa que os
representassem. De certo modo, o escritor consciente do seu papel era o atento
a essa necessidade do pblico, caso contrrio no seria capaz de expressar as
veleidades mais profundas do indivduo, e muito menos compreender a nao a
2. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 25.
3. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 29.
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ponto de interpretar as diferentes esferas da realidade. Assim, o sentimento que
j vinha se processando antes da Independncia, a vontade de fazer literatura
brasileira, tornou-se o meio mais forte para criar um sentido simblico para consolidar
a autonomia poltica.
Alis, o nacionalismo artstico no pode ser condenado ou louvado em
abstrato, pois fruto de condies histricas quase uma imposio
nos momentos em que o Estado se forma e adquire fisionomia nos
povos antes desprovidos de autonomia ou unidade.4
Em ensaio posterior Uma palavra instvel , Candido ir apontar
o carter semntico instvel do nacionalismo nas artes, que ora assume um aspecto
conservador e ora assume um aspecto progressista. Em Formao da literatura
brasileira a questo posta de modo sinuoso, pois se a representao do local
concede literatura sentido histrico e excepcional poder de comunicao,
tambm compromete a universalidade da obra.5
O questionamento da universalidade na literatura brasileira j havia
sido posto por Machado de Assis, no ensaio Instinto de nacionalidade, como uma
soluo e um problema. H alguns pontos convergentes na argumentao de
ambos. Se Candido considera o nacionalismo romntico como expresso da
juventude da nao, com todas as suas vantagens (a paixo da entrega) e
desvantagens (a imaturidade), Machado o considera uma intuio, ou ideia fixa,
presente at nas manifestaes de opinies ainda mal formadas. um problema
porque, ao se reconhecer esprito nacional somente nas obras que tratam de
assunto local, nega-se a contribuio da gerao anterior (os rcades) para nossa
independncia literria, e nisto h mais erro que acerto; alm disso, uma literatura
nascente no deve estabelecer doutrinas to absolutas que a empobream, por
isso o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, certo sentimento ntimo,
que o torne homem do seu tempo e do seu pas, ainda quando trate de assuntos
remotos no tempo e no espao.6
A universalidade de uma literatura, para Machado de Assis, depende
da competncia artstica do escritor e como se comporta diante do seu tempo:
4. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 29.
5. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 29.
6. ASSIS. Instinto de nacionalidade, p. 18.
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O eixo e a roda: v. 20, n. 1, 2011
Perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, Jlio Csar, a Julieta e Romeu tm
alguma coisa com a histria inglesa nem com o territrio britnico, e se,
entretanto, Shakespeare no , alm de um gnio universal, um poeta
essencialmente ingls.7
A essencialidade inglesa de Shakespeare seria fruto do sentimento
ntimo do poeta, ou seja, a ptria j estava gravada no seu modo de ser, logo sua
universalidade derivaria da fora a imaginao, pois no basta deixar impressa a
cor local, preciso que a imaginao lhe d os seus toques.8 Alm do
reconhecimento fundamental dos rcades na fecundao da literatura brasileira,
Machado antecipa uma questo fundamental para Antonio Candido: se a potncia
da literatura brasileira dependeria da imaginao criadora individual ou de um
sistema de fora coletivo.
Como no h literatura sem fuga ao real e tentativas de transcend-lo
pela imaginao, os escritores se sentiram freqentemente tolhidos no
vo, prejudicados no exerccio da fantasia pelo peso do sentimento de
misso, que acarretava a obrigao tcita de descrever a realidade
imediata, ou exprimir determinados sentimentos de alcance geral.9
Na segunda seo do nono captulo de Formao O romantismo
como posio do esprito e da sensibilidade , Candido argumenta que o conceito
de misso domina a esttica romntica e a viso de mundo dos escritores, que se
comportariam como avatares de uma misso espiritual ou uma misso social.10
O nacionalismo infuso contribuiu para a renncia imaginao ou incapacidade
de aplic-la devidamente representao do real, mas no impediu a expresso de
um contedo humano representativo dos estados de esprito de uma sociedade.11
No segundo captulo de Literatura e sociedade, ao discutir a posio
do artista, Antonio Candido volta a enfatizar, desta vez com o suporte da
antropologia, o valor coletivo da obra de arte, como o talento individual deve se
integrar s necessidades coletivas. Um dos pressupostos tericos da Formao
a articulao entre a anlise da integridade esttica do escritor (o particular) e
7. ASSIS. Instinto de nacionalidade, p. 17.
8. ASSIS. Instinto de nacionalidade, p. 31.
9. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 28.
10. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 345.
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a sua funo no sistema literrio (o geral). Esse movimento dialtico est exposto
na abertura da obra: Este livro procura estudar a formao da literatura brasileira
como sntese de tendncias universalistas e particularistas.12
Em Literatura e sociedade, no sexto captulo, Candido definir a
dialtica local-cosmopolita como uma lei de evoluo da nossa vida espiritual,
uma integrao progressiva e tensa entre o dado local (que se apresenta como
substncia da expresso) e os moldes herdados da tradio europia (que se
apresentam como forma da expresso).13
Conceder um carter universalista tradio europia embora seja
mais sensato substituir universal por internacional rendeu a Candido, talvez
sua revelia, uma polmica com a comunidade acadmica, tanto com os
americanistas (Afrnio Coutinho) quanto os mais afinados com as correntes ps-
estruturalistas de feio derridaniana (Silviano Santiago e Haroldo de Campos).
Para Afrnio Coutinho, o modelo historiogrfico proposto em
Formao da literatura brasileira supervaloriza a influncia lusitana em nossas
letras, alm de ignorar que o esprito barroco gerou a nossa independncia mental,
e marcou para sempre nossa mentalidade. O conceito de literatura como sistema,
no seu entendimento, confunde a origem da literatura brasileira com a independncia
poltica nacional, colocando o fenmeno literrio a reboque da poltica. Desse
modo, ao desconsiderar a transplantao do Barroco em solo nacional, o grito de
independncia antilusa de Gregrio de Matos, a evoluo histrica latina do
ponto de vista americano e no eurocntrico, Candido confirmava a nossa
subservincia aos antigos dominadores e exploradores europeus.14
Pensar a origem da literatura brasileira a partir do paradigma da
literatura portuguesa, Coutinho argumenta, favorecia a incompreenso do Barroco
e, por extenso, da contribuio hispnica na literatura brasileira, uma vez que o
Barroco espanhol. E Portugal e Espanha no se entendiam. H um paradoxo
conceitual na argumentao, pois, se nega o eurocentrismo de Candido, tambm
confirma a origem da literatura brasileira como rejeio autoridade lusitana, como
um processo de descolonizao literria, resultante precisamente do carter
11. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 29.
12. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 25.
13. CANDIDO. Literatura e sociedade, p. 101.
14. COUTINHO. Do barroco, p. 303.
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hispano-italiano das origens do Barroco, contra o qual lutava Portugal, por isso
no identificado com o Barroco.15
Afrnio Coutinho, ao mesmo tempo em que recusa a influncia
europia, em favor de um americanismo latino-americano, recorre a[] Europa
hispano-italiana como agente de origem. Por isso, mesmo os mais resistentes ao
modelo historiogrfico de Candido no aceitam os argumentos de Afrnio Coutinho;
Haroldo de Campos, por exemplo, o qualifica como eufrico. Na opinio de
Marcos Rogrio C. Fernandes, Coutinho no considerou o carter dialtico da
Formao, isto , a complexo do fenmeno literrio como traspassamento formal
entre sociedade, cultura e literatura .16
A permanncia erosiva de um pensamento eurocntrico foi explorada
por Silviano Santiago no artigo Atrao do mundo. Analisando a escrita
memorialista do livro Minha formao, de Joaquim Nabuco, e sua autodefinio
antes como um espectador do meu sculo do que do meu pas, Santiago traa
uma linha reta entre a viso de Nabuco e o pensamento dialtico de Candido:
A riqueza exploratria da escrita memorialista de Nabuco [...] pode nos
servir hoje, em primeiro lugar, para discorrer sobre as posturas ideolgicas
antagnicas no primeiro sculo da autonomia nacional, pode nos servir
em seguida para indicar os dilemas bem mais complexos que os intelectuais
brasileiros enfrentaro no sculo XX e, finalmente, pode nos ajudar a
esclarecer o percurso poltico-cultural da nossa modernidade tardia. Destaco
um dos mais surpreendentes captulos do livro, Atrao do mundo, em
que o autor exprime de maneira corajosa a grande sntese a que Antonio
Candido, meio sculo depois, ainda se referia como a definidora da
cultura brasileira: a sntese de tendncias particularistas e universalistas.17
Antonio Candido, no ensaio Poesia e fico na autobiografia, sublinha
que Nabuco atenua o carter exemplar do que narra, porque traz a primeiro
plano uma personalidade bastante narcsica.18 Vejamos como fica clara a posio
de Candido em relativizar, ou at mesmo negar, em certos casos, uma sobreposio
15. COUTINHO. Do barroco. p. 308.
16. FERNANDES. Sobre o mtodo crtico de Antonio Candido em Formaoda literatura brasileira, p. 231-235.
17. SANTIAGO. Atrao do mundo, p. 32.
18. CANDIDO. A educao pela noite, p. 63.
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do indivduo histria, que em esttica se traduz no conceito de manifestao
literria, quando o indivduo (p.ex., Gregrio de Matos) responde pela qualidade
de uma literatura nacional.
Para Silviano Santiago, a postura assumida por Nabuco espectador
do espetculo da civilizao moderna encenado em palco europeu e, por outro
lado, um deslocado em relao poltica local revelava uma crise (narcsica?)
do intelectual brasileiro, pois a ptria que fascina o corao no ilude a cabea e,
por isso, o grande espetculo do mundo o que prende e domina a inteligncia.19
Santiago insinua uma equivalncia secreta entre a posio de Nabuco e a de Candido
sobre o carter universal do escritor brasileiro, uma vez que ambas so formuladas
como subtraes: a participao passiva no espetculo do mundo, no primeiro
caso; a renncia imaginao, no segundo.
Segundo Silviano, a necessidade de criar uma metodologia para
balizar a literatura nacional e inscrever o brasileiro culto na Histria ocidental
funda um mtodo comparatista para anlise da nossa produo artstica, baseado
no paradigma europeu. Quando Candido situa a formao da literatura brasileira
no terreno neo-clssico, continua Santiago, revela um duplo movimento, pois
os escritores brasileiros tanto so atrados e motivados pela esttica neoclssica,
beneficiando-se de um carter universal, quanto pelo iderio da Ilustrao, que
contribui para incutir e acentuar a vocao aplicada deles, transformando-os em
verdadeiros delegados da realidade junto literatura.20
Em sntese, Santiago aponta, na aceitao do padro ocidental, racionalista
e realista, uma linha de pensamento reducionista, porque reafirma o centramento
da verdade cultural na razo europia. O logos ocidental, o crtico denuncia, no
consegue compreender o outro, ou aquilo que lhe diferente, sem o menosprezar,
por isso tolera o racismo. Ao final, prope outro modelo de formao, inspirado no
pensamento de Jacques Derrida (ou seja, o parmetro francs!), no-centrado em
uma verdade nacional, capaz de se deslocar entre as vrias etnias que explodem a
almejada cultura nacional em vrios estilhaos. A outra formao proposta por Silviano
seria escrita a partir do Modernismo de 22, que realizou esse deslocamento, cuja
inteligncia rebelde ensinou que o artista brasileiro deve ser o ator e no mais
espectador.21
19. SANTIAGO. Atrao do mundo, p. 34.
20. SANTIAGO. Atrao do mundo, p. 37.
21. SANTIAGO. Atrao do mundo, p. 42-48.
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A gramtica de Jacques Derrida e o Modernismo de 22 tambm
esto na base da contra-argumentao de Haroldo de Campos, no ensaio Da
razo antropofgica: dilogo e diferena na cultura brasileira, no qual retoma a
polmica iniciada em O seqestro do barroco da formao da literatura brasileira.
A teoria histrica de Candido, Haroldo argumenta, foi guiada por um nacionalismo
ontolgico, calcado em um modelo organicista-biolgico de evoluo, transferindo
para nossas latitudes tropicais a metafsica ocidental da presena, isto , o
racionalismo. Desse modo: Pretende-se detectar o momento de encarnao do
esprito (do Logos) nacional, obscurecendo-se a diferena para melhor definio
de uma estrada real, o traado retilneo dessa logofania atravs da histria.22
A excluso do Barroco, ou melhor, seu rebaixamento a manifestao
literria, na interpretao de Haroldo de Campos, decorre em funo de uma
identidade coesa, baseada na linguagem emotiva (exteriorizadora de veleidades
profundas) e termina por privilegiar poetas mdios (Casimiro de Abreu) no
lugar de poetas maiores (Gregrio de Matos).
No lugar do nacionalismo ontolgico, Haroldo de Campos prope
o nacionalismo modal, ou seja, capaz de pensar a diferena: o des-carter, ao
invs do carter; a ruptura, em lugar do traado linear; a historiografia como grfico
ssmico da fragmentao ao invs da homologao tautolgica do homogneo23
ou seja, ao invs do estvel, o instvel. Esse nacionalismo modal, na concepo
de Campos, foi concretizado pela Antropofagia modernista. A partir dela, prope-
se pensar o nacional em relacionamento dialgico e dialtico com o universal,
no em uma posio reprodutora, mas produtora de discurso. Logo, o Barroco
seria (como o Arcadismo na historiografia de Candido) uma pr-figurao da razo
antropofgica, desconstrutora do logocentrismo ocidental, pois l comearia a
toro e a contoro de um discurso que nos pudesse desensimesmar do mesmo.24
A solidez do pensamento de Antonio Candido com esta questo
pretendemos concluir o artigo reside tambm na capacidade de rearticular,
repensar e, s vezes, de reescrever suas idias. O efeito prtico disso certa
antecipao das opinies crticas mais divergentes das suas. Quando Silviano Santiago
l Literatura e sociedade, obrigado a considerar que, embora tmido no tocante
22. CAMPOS. Metalinguagem e outras metas, p. 236.
23. CAMPOS. Metalinguagem e outras metas, p. 237.
24. CAMPOS. Metalinguagem e outras metas, p. 243.
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crtica ao eurocentrismo, Candido compreendeu a importncia da antropofagia
para uma conceituao moderna de identidade nacional.
Do mesmo modo, Haroldo de Campos reconheceu o ensaio A
dialtica da malandragem como uma desleitura deliberada de Formao da
literatura brasileira, propondo um segundo pensamento, em prol de uma
valorizao dos movimentos marginalizados pelo nacionalismo ontolgico. Ou
seja, como se depois de uma tese, devesse apresentar uma antitese.
O pleno domnio de Candido da linguagem ensastica foi fator
primordial para esse processo ruminante. Segundo Clia Pedrosa, um gesto
orgnico, que se define pela forma ensastica. A escolha argumenta a autora-
tem a dupla funo de sinalizar um estilo pessoal e, ao mesmo tempo, vincular
esse estilo histria da reflexo crtica brasileira. Alm disso, a natureza aberta
do ensaio, sua fluidez estrutural, permite a convergncia de diferentes tipos de
reflexo (literria, histrica, sociolgica).25
Gradativamente, o ensaio tem sido substitudo pelo artigo na produo
textual acadmica, talvez como reflexo do poder de convencimento da teoria
literria, que apontou no ensaio a predominncia de uma viso subjetiva e
fragmentria. Seja como for, Candido sempre foi um problema para alguns tericos
de literatura. Isso porque, de uma forma malandra, atravs de textos mais leves,
descompromissados com a demonstrao rigorosa e detalhada de sua metodologia,
pode criar um sistema de pensamento.
curioso como, em alguns casos, as formulaes de Candido esto
prximas s dos tericos estrangeiros solicitados, como mtodo argumentativo,
pelos seus crticos. Um exemplo: Haroldo de Campos, ao propor um modelo
historiogrfico oposto ao sistema de Candido, recorre aos conceitos da esttica da
recepo de Hans Robert Jauss, para apresentar uma noo de cnone aberto.
Segundo Jauss, uma renovao da histria da literatura demandaria
que se considerasse a posio presente dos leitores. H uma dimenso temporal
desconsiderada tanto pela sociologia da literatura quanto a teoria da literatura: o
horizonte de expectativa. A distncia que separa ou transforma percepo de
uma obra e a sua posio no presente, principalmente quando perde sua significao
primeira, adquirindo um significado virtual at que a evoluo literria lhe confira
uma atualizao: Assim foi que somente a lrica obscura de Mallarm e de sua
25. PEDROSA. Antonio Candido: a palavra empenhada, p. 164.
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O eixo e a roda: v. 20, n. 1, 2011
escola preparou o terreno j longamente desprezada e esquecida poesia
barroca.26
Antonio Candido, para justificar a ausncia da poesia de Gregrio de
Matos do sistema literrio, lana mo de um argumento muito semelhante
explicao de Jauss: Com efeito, embora tenha permanecido na tradio local da
Bahia, no existiu literariamente (em perspectiva histrica) at o Romantismo,
quando foi redescoberto e pode ser devidamente avaliado.27 Sob essa perspectiva,
que desde o incio ps em relevncia a importncia do leitor, Gregrio de Matos
passa a atuar na literatura brasileira aps a formao do sistema, que se consolida
com o modernismo.
Em Literatura e sociedade, Candido definia o romantismo e o
modernismo como os dois movimentos decisivos que mudam os rumos e vitalizam
toda a inteligncia .28
Agora, cabe-nos a pergunta final: ser que Formao pode
ser lida a partir da perspectiva virtual do modernismo? Nesse importante captulo,
Candido leva a dialtica local-universal para o interior dos dois movimentos, no
qual o primeiro equivale etapa necessria de autoconhecimento; o segundo a
superao dos recalques decorridos da imaturidade nacionalista romntica e a
insero confiante na literatura ocidental. No por acaso, o trecho que Candido
destaca do Instinto de nacionalidade aquele que Machado argumenta que
nossa evoluo literria contar com o trabalho de vrias geraes.
The ruminant dialectics of Antonio Candido: Before andafter Formao da Literatura Brasileira
Abstract: From the comparison between the introduction of Formao daliterature brasileira and the counter-argumentations of Afrnio Coutinho,Silviano Santiago and Haroldo de Campos, the essay discusses the problem ofnationalism in the drafting of the concept of literature as a system.Keywords: Literary historiography, Baroque, Romanticism, Antonio Candido,Haroldo de Campos.
26. JAUSS. A histria da literatura como provocao teoria literria, p. 44.
27. CANDIDO. Formao da literatura brasileira, p. 26.
28. CANDIDO. Literatura e sociedade, p. 103.
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25
R e f e r n c i a s
ASSIS, Machado de. Instinto de nacionalidade. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999.
CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e outras metas. So Paulo: Perspectiva, 2004.
CANDIDO, Antonio. Formao da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio deJaneiro: Ouro sobre Azul, 2007.
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CANDIDO, Antonio. A educao pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
CANDIDO, Antonio. Iniciao literatura brasileira. Rio de Janeiro: Ouro sobreAzul, 2004.
COUTINHO, Afrnio. Do barroco. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
FERNANDES, Marcos Rogrio Cordeiro. Sobre o mtodo crtico de Antonio Candidoem Formao da literatura brasileira. Revista do Centro de Estudos Portugueses. BeloHorizonte, v. 26, n. 36, p 225-242, 2006.
JAUSS, Hans Robert. A histria da literatura como provocao teoria literria. SoPaulo: tica, 1994.
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SANTIAGO, Silviano. Atrao do mundo (Polticas de identidade e de globalizaona moderna cultura brasileira). Gragoat. Niteri, v.1, n.1, p. 31-54, 1996.