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    O incio da carreira profissional de jovens professores de Matemtica e Cincias1

    Joo Pedro da Ponte Ceclia Galvo

    Florbela Trigo-Santos Hlia Oliveira

    Departamento de Educao da Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa

    Resumo. Os primeiros anos da profisso docente so muito importantes no desenvolvimento do conhecimento e identidade profissional do jovem professor. Este artigo caracteriza a situao e os problemas vividos por jovens professores diplomados pela FCUL. A metodologia de investigao inscreve-se num quadro interpretativo, sendo baseada em estudos de caso. Os resultados sugerem que h muitos aspectos bem conseguidos no modo como os jovens professores se integraram na atividade das escolas, o que se atribui (i) ao facto do estgio constituir uma experincia reconhecida por todos os jovens professores como muito positiva; (ii) s iniciativas tomadas por algumas escolas, de enquadramento dos novos professores, que envolvem aspectos formais e informais; (iii) formao inicial recebida, e (iv) participao em atividades de ndole associativa e de investigao. No entanto, os casos tambm sugerem que a formao ministrada no 4. ano no conseguiu fazer passar a mensagem da importncia da teoria e da reflexo terica na prtica profissional do professor. Os jovens professores deste estudo revelam, apesar das diversas dificuldades, um significativo gosto pela sua profisso. Em alguns casos, evidenciam tambm uma atitude de empenhamento na sua formao e na procura de informao relevante para a sua atividade docente. Indicam ter, por vezes, projetos profissionais que apontam para a sua valorizao profissional.

    Palavras-chave. Induo; Conhecimento profissional: Socializao; Ensino da matemtica; Ensino das cincias.

    Abstract. The first years in the teaching profession are of utmost importance for the professional knowledge and identiy of the young teacher. This paper characterises the situation and problems lived by young teachers certified by the FCUL. The research methodology follows an interpretative framework based in case studies. The results suggest that there are positive aspects in the way these teachers integrate themselves in the school activities. These aspects may be attributed to (i) the fact that the practicum was very positively considered by all of them, (ii) the formal and informal activities that some schools undertook in order to include these new teachers, (iii) their initial teacher education, and (iv) their participation in research and professional activities. However, the cases also suggest that the education received in the 4th year was not successful in stressing the importance of the interaction of theory and theoretical reflection in teachers professional practice. In this study, the beginning teachers showed, in spite of the difficulties, to be enjoying their job. In some cases, they manifest a concern for their professional development and an interest in looking for information that might be relevant for their teaching. Moreover, some are undertaking professional projects for their own development.

    Key-words. Induction; Professional knowledge; Socialization; Mathematics teaching; Science teaching.

    1. Introduo

    Os primeiros anos da profisso docente so cruciais para o desenvolvimento do conhecimento e identidade do professor. Trata-se de um perodo em que o jovem

    1 Ponte, J. P., Galvo, C., Trigo-Santos, F., Oliveira, H. (2001). O incio da carreira profissional de

    professores de Matemtica e Cincias. Revista de Educao, 10(1), 31-46.

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    professor se encontra entregue a si prprio, tendo de construir formas de lidar com toda uma variedade de papis profissionais, em condies variadas e, muitas vezes, bastante adversas. O confronto dirio com situaes complexas que exigem uma resposta imediata, faz deste perodo uma fase de novas aprendizagens e de reequacionamento das suas concepes sobre a escola, a educao, o currculo, a disciplina que ensina, os alunos e o prprio trabalho em si.

    A investigao realizada em diversos pases tem demonstrado que a falta de apoio nesse primeiro ano pode comprometer a qualidade no ensino e provocar a desiluso, marcando de modo muito negativo o desenvolvimento profissional do jovem professor. Diferentes autores tm chamado a ateno para as dificuldades de insero na profisso, incidindo na sua socializao e dando ateno aos contextos de acolhimento (Bullough, 1997; Hargreaves, 1998) e aos modos de adaptao a esses contextos (Lacey, 1977), pondo em evidncia o conhecimento do professor e as etapas de evoluo pessoal (Huberman, 1989; Olson & Osborne, 1991) e estudando a relao entre a formao anterior e o desenvolvimento profissional (Knowles, 1992; Rodriguez, 1993). Em Portugal este momento da carreira dos professores tem merecido tambm a ateno dos investigadores (Alves, 2000; Couto, 1997; Silva, 1997; Vale, 1993)

    Os primeiros anos de trabalho do professor podem ser apoiados por programas de induo como acontece em alguns pases, como, por exemplo, os Estados Unidos e a Inglaterra (Huling-Austin, 1990). Mas este conceito tem tido vrios entendimentos. Por vezes, fala-se de induo a propsito da superviso em situao de estgio; no entanto, numa definio mais estrita, a induo refere-se ao apoio que tem lugar no perodo que se segue imediatamente formao inicial. No nosso pas, embora contemplada na legislao1, a induo profissional nunca foi regulamentada, no passando de uma figura de retrica sem consequncias prticas.

    O presente artigo tem em vista caracterizar a situao e os problemas vividos por jovens professores diplomados pela Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa, no incio da sua carreira profissional. Baseia-se, para isso, na anlise e discusso de seis estudos de caso de professores de Biologia-Geologia, Fsica-Qumica e Matemtica, no seu primeiro ou segundo ano de actividade profissional. Recolheu-se informao sobre: (i) o processo de adaptao a um novo contexto profissional; (ii) a prtica lectiva, em especial as rotinas de gesto de tempos e espaos e os modos de resoluo de problemas em diferentes contextos educativos; (iii) as imagens dos jovens professores sobre a formao inicial e sua influncia na prtica diria; e (iv) as necessidades de formao e de apoio que sentem nos seus projectos profissionais.

    A metodologia de investigao usada neste trabalho inscreve-se num quadro interpretativo privilegiando-se a recolha de dados em profundidade e no em extenso. Os dados foram recolhidos em entrevistas semiestruturadas, integralmente

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    transcritas. Numa primeira etapa, definiram-se as questes a abordar e construiu-se um guio para as entrevistas contemplando elementos de caracterizao pessoal, sobre o conhecimento profissional relativo prtica lectiva, sobre a socializao na instituio escolar, a sua imagem da formao inicial e a sua imagem como profissional em desenvolvimento. Numa segunda etapa, foram feitas entrevistas a dois professores de cada uma das licenciaturas em ensino da FCUL, estando um no primeiro ano e outro no segundo ano de profisso2. Numa terceira etapa, foram elaborados os casos, procurando identificar as questes, xitos e dificuldades mais salientes do incio da vida profissional de cada jovem professor. Numa quarta etapa, os casos foram confrontados entre si e com a literatura, levando identificao de temticas transversais.

    Com a anlise dos casos de alguns jovens professores, pretende-se caracterizar problemas, contextos e processos de desenvolvimento profissional. preocupao de identificar o que diferente, resultado de uma situao quer de formao anterior quer de contexto profissional, junta-se a pesquisa do que transversal e, por isso, comum aos jovens professores. Os casos, no seu conjunto, proporcionam, assim, uma reflexo simultaneamente virada para o que especfico, decorrente da biografia pessoal e das circunstncias particulares, e para questes gerais que remetem para a definio de alguns elementos propiciadores de um incio de profisso mais consequente.

    2. O desenvolvimento do conhecimento profissional

    O conhecimento profissional do professor decisivo para o desempenho da sua actividade profissional. Este conhecimento tem numerosas facetas e dimenses, orientando e regulando a prtica profissional. Trata-se de um conhecimento situado (como, de resto, todo o conhecimento) e, portanto, estreitamente ligado ao contexto onde o professor trabalha. um conhecimento em grande parte implcito, marcado por um conjunto de imagens, concepes e valores que determinam a sua estrutura fundamental (Elbaz, 1983; Ponte, 1998; Schn, 1983).

    O conhecimento profissional no se esgota no conhecimento dos assuntos a ensinar e nas teorias educacionais. Para alm destes aspectos que correspondem a dimenses de cunho declarativo o conhecimento profissional envolve aspectos ligados a outras dimenses do saber, como o saber-fazer e o saber-ser. Isso mesmo indicado por autores como Marcelo (1998), que refere, por exemplo, que os professores necessitam de ter um saber-fazer prprio e uma sensibilidade para lidar com as pessoas com quem trabalham.

    O perodo de induo marcado por diversas dificuldades que os jovens professores sentem em assumir o seu papel profissional (ver, por exemplo, Bullough, 1997; Dollase, 1992; Marcelo, 1998; Silva, 1997; Veenman, 1984). Estas dificuldades

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    podem agrupar-se em trs grandes grupos relativas aos alunos, relativas a insuficincias no conhecimento profissional e relativas s suas condies de trabalho. Os problemas relativos aos alunos so, de um modo geral, os que aparecem em primeiro lugar e dizem respeito (in)disciplina e falta de motivao. Aparentemente, estes problemas constituem uma sria preocupao para os professores principiantes. Em segundo lugar, surgem os problemas relativos a insuficincias no conhecimento didctico e de gesto da aula, que envolvem aspectos diversos. Em certos casos referido o conhecimento da matria a ensinar que pode ser vista como muito complexa (principalmente no ensino secundrio) ou como muito vasta (principalmente no 1 ciclo do ensino bsico). Surge tambm a organizao das actividades dos alunos e o tratamento das diferenas individuais, bem como a utilizao de materiais de ensino. E, em terceiro lugar, vm as condies de trabalho, relativamente s quais so indicados aspectos como a presso do tempo, o excessivo nmero de alunos por turma, a falta de informao sobre a escola e os alunos, a motivao dos pais e colegas, a carncia ou m qualidade dos materiais disponveis, a qualidade dos locais, as tarefas de preparao do trabalho escolar e o seu horrio.

    de notar que todos estes problemas esto estreitamente relacionados uns com os outros. As dificuldades no controlo da disciplina existem porque o jovem professor tem dificuldades na gesto da situao da aula e isso est ligado ao nmero de alunos da turma e ao deficiente enquadramento por parte das estruturas pedaggicas da escola. As dificuldades com a motivao dos alunos so particularmente salientes porque as tarefas propostas para a aula e o modo como foram apresentadas no suscitaram o seu interesse e envolvimento e isso pode estar ligado carncia de materiais pedaggicos e a dificuldades de acesso a recursos como as novas tecnologias. Desde modo, em vez de elaborar listas exaustivas de dificuldades e problemas, ser talvez mais importante analisar a relao que eles tm entre si, para tentar descobrir a sua origem e o modo como podem ser ultrapassados.

    Para Valli (1992), estes problemas resultam de (i) imitao acrtica de condutas observadas noutros professores; (ii) afastamento dos seus companheiros; (iii) dificuldade em transferir conhecimento adquirido na sua etapa de formao inicial; e (iv) desenvolvimento de uma concepo tcnica de ensino. Pode argumentar-se que a formao inicial no prepara completamente os jovens professores para o incio da sua actividade profissional e que as instituies educativas (a escola, a administrao educativa e as instituies de formao) no do muita importncia s dificuldades que os professores experimentam nesta fase. Resta saber em que medida podem estas entidades, mudando a sua forma de actuar, modificar substancialmente o quadro de dificuldades experimentadas pelos jovens professores.

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    Para isso, preciso saber bastante mais sobre a natureza dessas dificuldades. Boa parte da investigao sobre o assunto tem sido realizado na perspectiva da psicologia cognitiva e d especial ateno ao contraste entre o conhecimento de professores peritos e professores principiantes. Assim, para Marcelo (1998), o conhecimento do perito est organizado segundo conceitos e proposies interpretativas que reflectem a tarefa onde operam. um conhecimento tcito, situacional, ligado aco (p. 59). E para Bereiter e Scardamalia (1986), os peritos em qualquer rea e, portanto, tambm os professores tm um conjunto de caractersticas comuns, a saber: (i) a complexidade das habilidades o perito realiza as suas aces apoiando-se numa estrutura mais complexa que o principiante, exercendo um controlo voluntrio e estratgico sobre as partes do processo, que desenvolve de modo mais automtico que o principiante; (ii) a quantidade de conhecimento que muito maior no perito; (iii) a estrutura do conhecimento superficial nos principiantes, que tm algumas ideias gerais e alguns pormenores ligados s ideias gerais, mas no os ligam entre si; enquanto que, pelo contrrio, os peritos tm uma estrutura de conhecimento profunda e multinvel, com muitas conexes inter e intranvel; e (iv) a representao dos problemas o perito atende estrutura abstracta do problema e utiliza uma variedade de representaes de problemas-tipo armazenadas na sua memria; os principiantes, pelo contrrio, esto influenciados pelo contedo concreto do problema e, por isso, tm dificuldade em represent-lo de forma abstracta.

    Numa reviso de literatura sobre o processo de desenvolvimento do professor de Matemtica na fase inicial da sua carreira, Brown e Borko (1992) tambm indicam um conjunto de contrastes entre professores peritos e principiantes. Para estas autoras, os professores peritos: (i) tm mais conhecimento pedaggico e didctico; (ii) possuem esquemas cognitivos mais elaborados, interligados e acessveis para organizar e guardar este conhecimento; (iii) so mais eficientes no processamento de informao durante o planeamento e a fase interactiva de ensino; (iv) planeiam a sua actividade com maior avano; (v) usam guies mentais por eles criados para orientar as aulas; (vi) planeiam de modo mais rpido e eficiente, porque so capazes de combinar informao de esquemas pr-existentes adequados aos aspectos particulares da lio; (vii) tm esquemas com uma grande quantidade de explicaes poderosas, demonstraes e exemplos; e (viii) evidenciam, no ensino, um maior uso de rotinas de instruo e gesto que os principiantes, sendo, por isso, capazes de reduzir a carga cognitiva, na medida em que focam apenas os aspectos da aula que so fundamentais para a tomada de decises.

    Brown & Borko (1992), prestam especial ateno a dois aspectos do conhecimento do professor o seu conhecimento da disciplina e o seu conhecimento didctico (pedagogical content knowledge3) e a um aspecto dos seus processos cognitivos o raciocnio pedaggico (pedagogical reasoning). Trata-se de conceitos desenvolvidos por Shulman (1986, 1987) que sublinha tratarem-se de aspectos

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    especficos da funo docente. O conhecimento da disciplina envolve uma compreenso dos aspectos centrais, conceitos, princpios e quadros explicativos da disciplina (conhecimento substantivo) e das regras de validao dentro dessa disciplina (conhecimento sintctico). O conhecimento didctico consiste na compreenso do modo de representar os tpicos e questes disciplinares de modos apropriados para alunos de diversos tipos de interesses e nveis de capacidades. O raciocnio pedaggico o processo de transformao do conhecimento disciplinar em formas pedagogicamente poderosas e adaptveis s variaes em capacidade e conhecimentos prvios dos alunos. Inclui a identificao e seleco de estratgias para representar ideias-chave no processo de ensino e a adaptao dessas estratgias s caractersticas dos alunos. A concluso destas autoras que todos estes aspectos esto pouco desenvolvidos nos jovens professores.

    Para Brown e Borko (1992), a investigao realizada evidencia a importncia de uma forte preparao na rea de ensino, antes de comear a ensinar e mostra, tambm, que os jovens professores, no incio do seu estgio, no tm frequentemente o conhecimento da sua disciplina de ensino que seria de desejar. Estas autoras indicam tambm que o conhecimento didctico est, ainda, pouco desenvolvido nos jovens professores. Estes revelam, por vezes, bastante dificuldade em encontrar formas poderosas de representar os assuntos para os alunos e os seus esforos, muitas vezes, consomem muito tempo e so pouco eficientes. Tudo isto consistente com a ideia que os seus esquemas de conhecimento didctico so menos elaborados, interligados e acessveis do que os dos professores peritos. Tambm o raciocnio pedaggico relativamente pouco desenvolvido nos professores em incio de carreira. As autoras sugerem que um dos aspectos mais difceis de aprender a ensinar mudar de uma orientao pessoal em relao rea disciplinar para uma organizao que d um lugar proeminente representao dos seus contedos de modo a facilitar a compreenso pelos alunos. Indicam, ainda, que o mais preocupante o facto de, por vezes, os jovens professores no parecerem ter noo desse problema.

    Na verdade, no ser surpreendente que os professores em incio de carreira tenham o seu conhecimento da disciplina e o seu conhecimento didctico ainda pouco desenvolvido. O mais importante ser saber quais os processos e dispositivos que os podem ajudar mais rapidamente a ultrapassar essas limitaes, assumindo um conhecimento profissional e uma capacidade de pensar, em termos educativos, suficiente para um adequado desempenho profissional. Na investigao conduzida na perspectiva da psicologia cognitiva, torna-se saliente a reduzida capacidade de analisar as causas das dificuldades evidenciadas pelos jovens professores, continuando a acreditar-se que o fundamental aperfeioar os programas de formao inicial. Nota-se tambm que esta perspectiva tem pouco a dizer sobre o conhecimento profissional do

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    jovem professor no que respeita s dimenses do saber-fazer e do saber-ser e no que se refere ao desenvolvimento da sua autoconfiana e identidade profissional.

    Na verdade, os primeiros anos de prtica do professor constituem um perodo de intenso desenvolvimento do seu conhecimento profissional. H uma variedade de problemas prticos a resolver como preparar as aulas, como se relacionar com os alunos, como manter o controlo da situao na aula, como se relacionar com os colegas e com os rgos de gesto da escola. necessrio encontrar um estilo, conseguir um equilbrio entre as diversas frentes de trabalho profissional e encontrar uma relao estvel entre o lado profissional e o pessoal. Marcelo (1998) refere que a induo um perodo durante o qual os professores devem realizar a transio de estudantes para professores, nele surgindo dvidas, tenses, devendo adquirir um conhecimento e competncias profissionais adequadas num breve perodo de tempo (p. 55). Para este autor, trata-se de um perodo de tenses e aprendizagens intensivas e em contextos geralmente desconhecidos e durante o qual os professores principiantes devem adquirir conhecimento profissional alm de conseguir um certo equilbrio pessoal (p. 54).

    Para Bullough (1997), o processo de tornar-se professor cheio de contradies e envolve uma interaco constante entre escolha e restrio. Este autor indica que os jovens professores passam, com frequncia por uma fase de certezas, que d depois lugar experimentao e eventual estabilizao. Existe um choque de concepes do prprio professor com expectativas acerca do seu papel institucional, conduzindo a uma eventual resoluo, nem sempre muito feliz. Na perspectiva deste investigador, os factores pessoais e contextuais interagem para produzir e dar textura histria individual de se tornar professor. O que sobressai no percurso dos jovens professores a diversidade de experincias, sendo a unidade apenas imposta pela forma da histria.

    Este autor mostra-se cptico em relao ao que pode conseguir, s por si, a formao inicial, em termos de desenvolvimento do jovem professor. D grande importncia possibilidade da induo se poder desenvolver num contexto complemente diferente do usual. Para ele, reformas fundamentais na formao de professores so impossveis sem a reforma da escola as duas vo lado a lado. So, por isso, necessrios contextos escolares nos quais os jovens professores encontrem no apenas a melhor prtica e uma viso partilhada da formao de professores, mas tambm uma comunidade educacional vibrante, apoiante e intelectualmente empenhada.

    3. A socializao profissional

    Nos primeiros anos da vida profissional ocorre um processo de socializao durante o qual o jovem professor assimila as crenas, valores e atitudes da cultura dos professores. Como refere Marcelo (1998), o professor principiante tem, neste perodo,

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    que assimilar os conhecimentos, modelos, valores e smbolos da profisso, integrando-os na sua identidade, e tem de adaptar-se ao meio social em que se desenvolve a sua actividade docente.

    A socializao o processo pelo qual os indivduos aprendem as regras e as prticas dos grupos sociais e envolve a transmisso cultural atravs de vivncia de actividades muito diversas sendo parcialmente viabilizada pelo ensino e prolongando-se por toda a vida (Dubar, 1997). Na verdade, as organizaes escolares exigem a socializao dos seus membros nas prticas que lhes so caractersticas, tendo implicaes tanto no interior como no exterior da escola. As relaes que se estabelecem entre os elementos que compem o mundo escolar fazem com que se aceitem formal ou tacitamente as regras institudas.

    A socializao antecipatria (Musgrave, 1984) projecta o aluno, durante a sua formao para professor, para um contexto real de ensino. Mas no podemos esquecer que a socializao primria (Berger e Luckman, 1973) , desde muito cedo, responsvel por comportamentos e crenas relativamente ao que somos e ao que antecipamos nos outros. Diversos autores sublinham que muitas das crenas e concepes dos jovens exercem uma forte influncia naquilo que iro aprender durante a sua formao inicial como professores, bem como nas prticas de ensino que iro desenvolver na sala de aula (Bullough, 1997; Posner, Strike, Hewson & Gertzog, 1982). Assim, o processo de aprender a ensinar no se inicia apenas quando o professor entra na sala de aula e na escola pela primeira vez mas desenvolve-se ao longo da vida de estudante, durante a qual o jovem contacta com diferentes professores e abordagens ao ensino. Como refere Knowles (1992, p. 99), a biografia parece desempenhar um papel fundamental no modo como o estudante e o professor principiante abordam as suas experincias iniciais na sala de aula.

    Diversas perspectivas tericas procuram explicar o processo de socializao. Assim, a perspectiva funcionalista descreve o homem como sendo moldado pelas foras socializadoras, assimilando as orientaes de valores e hbitos bsicos da sociedade e dos grupos de que faz parte. Estudos realizados dentro desta perspectiva, detectaram seis tipos de influncias no processo de socializao dos futuros professores (Zeichner, 1985), provenientes de: (i) interaces com professores na primeira infncia, nomedamente no seu processo de aprendizagem como aluno, importantes pela internalizao de modelos docentes; (ii) pessoas com capacidade de avaliao, nomeadamente supervisores e tutores, em relao aos quais assume uma posio de subalternidade; (iii) companheiros, veiculando a subcultura dos pares, fazendo sentir o seu efeito sob a forma de apoio emocional e dando feedback dos progressos no domnio do papel docente; (iv) alunos enquanto agentes socializadores, podendo determinar o comportamento do professor pela legitimao da sua identidade profissional,

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    proporcionando-lhe sentimentos de xito e de fracasso; (v) exerccio de papis colaterais (por exemplo na famlia) e interaces com agentes no profissionais, porque constituem ocasio de conflitos de interesses e de tempo; e (vi) a subcultura dos professores e a estrutura burocrtica das escolas, relacionada com a influncia socializante das pessoas com capacidade de avaliao, que se expressa atravs de uma ideologia de controlo que sublinha a manuteno da ordem, da desconfiana dos alunos e um enfoque moralista na vigilncia.

    Estudos dentro desta perspectiva sugerem que as atitudes e aces dos jovens professores mudam na direco do que j est estabelecido, encorajando manuteno do status quo. No entanto, estes estudos reportam-se a tendncias gerais, no investigando detalhes das experincias dos indivduos, no do indicaes sobre as razes das mudanas dos professores principiantes e no do ateno aos contextos em que se processa a socializao (Brown e Borko, 1992). Zeichner (1985) sublinha, igualmente, que a transio de aluno para professor, vista como a passagem do indivduo para a subcultura docente, no pode ser apenas vista como uma evoluo marcada pela estrutura burocrtica, uma vez que nas escolas tambm existem ideologias alternativas e h bastantes professores cujo processo de socializao no se enquadra nesta perspectiva.

    Reconhecendo a importncia dos estudos funcionalistas, que identificam diversos factores de influncia na socializao do jovem professor, este autor apresenta algumas limitaes desta perspectiva, nomeadamente: a preocupao pela adaptao situacional, descurando a autonomia individual; a valorizao da importncia dos avaliadores, sabendo-se que a avaliao no um processo acrtico e que a auto-avaliao muitas vezes tem tambm grande importncia; a excessiva moldagem dos indivduos aos contextos, ignorando-se as suas aspiraes pessoais e projectos; a admisso de uma subcultura profissional uniforme, quando tal homogeneidade no existe, predominando determinadas ideologias e prticas.

    Uma segunda perspectiva que procura descrever o processo de socializao a interaccionista, que d especial ateno interaco entre indivduos e as instituies. Embora as estruturas sociais se imponham na formao da identidade, as pessoas so simultaneamente receptoras e criadoras de valores. A socializao do professor vista como a interrelao entre escolha e constrangimento, entre os factores individuais e institucionais.

    Nesta perspectiva, Lacey (1977) explica a socializao do professor utilizando o conceito de estratgia social. Para este autor, h trs tipos de resposta que os jovens professores podem dar aos constrangimentos institucionais: (i) ajustamento interiorizado, pelo qual o indivduo cede s exigncias da situao, crendo que contribuem para obter os melhores resultados; (ii) concordncia estratgica, pela qual o

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    indivduo se submete s exigncias da situao, mas mantm certas reservas ao faz-lo; e (iii) redefinio estratgica em que o professor procura activamente mudar a hierarquia dos comportamentos aceitveis dentro de uma instituio.

    Ao aceitar-se o carcter recproco do processo de socializao, implicitamente est a prever-se a implicao dos prprios professores na sua formao. Assim, Zeichner e Gore (1990), a partir de estudos com professores no primeiro ano de ensino, descobriram que as subculturas existentes nas escolas tendem a influenci-los de modos contraditrios, o que cria oportunidades para os professores estabelecerem expresses individuais de ensino.

    Ainda dentro desta perspectiva, um estudo levado a cabo por Delamont (1983, em Brown e Borko, 1992) sugere que as diferenas individuais so mediadoras das influncias que diferentes elementos do meio, como os alunos, os colegas e factores institucionais e organizacionais, exercem sobre os professores em incio de carreira. Este estudo no informa, contudo, sobre as razes dessas diferentes respostas aos factores de socializao. Brown e Borko alertam para o facto de ser tambm importante investigar de que modo os professores principiantes influenciam instituies, colegas e alunos.

    Uma terceira perspectiva que se debrua sobre a socializao a perspectiva crtica, que tenta trazer discusso temas como classe, gnero, raa, justia e igualdade, com o objectivo de transformao social. Esta abordagem coloca a questo da socializao numa perspectiva mais abrangente do ponto de vista do contexto poltico e social, com o propsito de questionar o que tido como garantido e normalmente aceite.

    Existem alguns estudos tentando evidenciar o papel da classe, do gnero e das minorias na socializao dos professores (ver Brown e Borko, 1992). Estes estudos interpretam a socializao no contexto alargado de sociedade, procurando encorajar a transformao do que existe, na medida em que desafiam os valores do sistema educativo, expondo desigualdades nele existentes. As investigaes dentro da perspectiva crtica revelam a complexidade das estruturas e ideologias das instituies em que os professores principiantes aprendem e trabalham, indicando de que modo estes so controlados por essas instituies e ideologias. No entanto, Brown e Borko reconhecem que estes estudos tambm no do ateno possibilidade das instituies serem influenciadas pelos jovens professores, isto , sua participao na transformao dos currculos e das escolas. Vindos de instituies de formao que utilizam os resultados da investigao em educao nos seus programas, seria de esperar que a possvel introduo de inovaes no sistema pelos jovens professores fosse uma rea de interesse para os investigadores.

    O estudo da socializao dos professores pressupe que factores externos os influenciam medida que se tornam membros da cultura de ensino. No seu conjunto,

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    estes estudos sugerem que vrios aspectos das experincias anteriores dos professores principiantes so importantes no processo de se tornarem professores. A experincia como alunos, as concepes desenvolvidas durante a sua formao inicial, a cooperao com colegas j em perodo de ensino formal, so fontes potenciais de influncia sobre o pensamento e aco dos professores. A perspectiva interactiva do processo de socializao parece acolher cada vez maior apoio, o que no exclui o interesse pelos contributos que possam advir das anlises funcionalistas ou das reflexes proporcionadas pela perspectiva crtica.

    4. Seis casos de jovens professores

    Os casos de jovens professores considerados neste estudo envolvem situaes diversas de integrao na carreira profissional. Referimos, em primeiro lugar, os que nos parecem, de algum modo, problemticos embora todos diferentes uns dos outros. Dois deles referem-se a professores no primeiro ano de docncia, um envolvendo uma situao marcada por conflitos com a escola claramente assumidos pela professora (Amlia) e outro, uma situao onde se adivinham dificuldades latentes (Nelson). Um terceiro caso que tambm constitui uma situao problemtica, diz respeito a uma professora que est agora no segundo ano (Elisa) e cujos problemas ocorreram no ano anterior. De seguida, surgem trs casos de manifesto sucesso na integrao na vida profissional. Um deles refere-se a um professor no seu primeiro ano de docncia (No) e os outros dois a professoras no seu segundo ano de actividade profissional (Maria da Cruz e Sara).

    Amlia

    uma professora de Fsica-Qumica que aparenta poder vir a ser uma profissional bem sucedida mas que se encontra numa situao de conflito com a cultura pedaggica e profissional da escola privada a que pertence. Resiste, manifesta a sua discordncia, mas no v como resolver o conflito.

    Esta jovem professora considera que o facto de se tratar de uma escola privada faz com que os alunos e os pais tenham uma relao com os professores muito diferente da generalidade das escolas do ensino pblico. Para ela, os alunos assumem uma posio arrogante e acham que podem exigir dos professores tudo o que entendem:

    Uma diferena grande em relao escola onde estive o ano passado [a realizar o estgio], que os alunos so muito competitivos entre si, o relacionamento entre eles no muito bom, no muito saudvel () O ano passado foi muito mais fcil, sem dvida, [no colgio] eles tm uma postura diferente, se calhar so mais exigentes, e porque sentem que os pais esto a

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    pagar muito dinheiro para eles estarem ali acham que tudo o que querem deve ser satisfeito, ento tm uma postura assim um pouco arrogante e prepotente para os professores. Ao princpio isso custou-me um bocado a aceitar () E no oficial os professores protegem-se sempre uns aos outros um pouco por isso que eu no pretendo ficar l.

    Os pais tambm no se cobem de manifestar o seu desacordo com decises dos professores, chegando a ser insultuosos dando o exemplo de uma me que discordava da classificao atribuda ao filho no primeiro perodo:

    Os pais no aceitaram, foram l e chamaram-me, a me extremamente indignada achincalhou-me de uma maneira que eu fiquei de rastos () Eu acho que quando ela me viu assim com este ar jovem, achou que tinha todo o direito de dizer o que queria. Eu mantive a minha posio, porque se ns definimos critrios temos que ser rigorosos, e eles sabiam desde a primeira aula quais que eram os critrios e sabiam que ia ser importante fazer todos aqueles trabalhos () Na altura senti-me mal, porque no gostei da maneira como a senhora falou comigo, senti-me reduzida a nada, mas tambm achei que devia ser coerente com os meus critrios e tambm, por isso, me senti bem, senti que devia manter a minha posio at ao fim e consegui mant-la.

    A escola tem uma cultura profissional baseada na lgica individualista, e na autoridade do director, a quem se fazem queixas quando se discorda de alguma atitude dos colegas, o que tambm muito desagrada a esta jovem professora, que no se sente bem neste ambiente: Entre os professores h um ambiente muito mau (...) As coisas no so faladas directamente, fala-se logo ao superior e depois vem o recadinho. Muito em especial, lamenta no haver colaborao e apoio dos colegas na resoluo das dificuldades. Para alm de uma grande falta de sintonia com a cultura institucional e profissional da sua escola, esta professora sente diversas outras dificuldades na sua actividade profissional. Acha-se pouco preparada em certas reas de Qumica. Sente que a sua formao na FCUL nas Metodologias e Didcticas foi insuficiente. Sente-se, ainda, bastante insegura em termos pedaggicos, em especial, no controlo disciplinar e na avaliao dos alunos.

    Como contraponto s dificuldades de insero que sente na sua escola, Amlia recorda o bom contexto de colaborao que viveu no seu ano de estgio com os colegas e o orientador: Sempre resolvemos as coisas em grupo e isso funcionou bem". Alm disso, mostra-se atenta s tendncias curriculares para o ensino da sua disciplina, valorizando o trabalho experimental. Procura activamente informao para usar na sua actividade profissional e afirma gostar de ser professora. Parece bastante dividida, entre a sua desiluso com a escola e o seu empenho em procurar ser, apesar de todas as dificuldades, uma boa profissional.

  • 13

    Nelson

    Trata-se de um caso de um jovem professor de Biologia e Geologia a quem, aparentemente, as coisas vo correndo bem, mas que manifesta uma concepo da educao, do ensino e da avaliao que prenuncia a possibilidade de problemas de desempenho, no futuro, e que evidencia grandes receios em domnios importantes da sua actividade profissional, incluindo a relao com os alunos mais novos.

    Este professor mostra-se extremamente satisfeito com a cultura profissional existente na sua escola: uma escola muito boa em todos os aspectos, quer em termos dos alunos em si, quer em termos dos professores e colegas de grupo. Sente-se, tambm, a ganhar confiana na sua prtica lectiva e reala a colaborao que tem tido, principalmente com os professores da sua disciplina. A planificao das aulas era feita em conjunto, com base, fundamentalmente, nas planificaes de anos lectivos anteriores organizadas pela delegada:

    Existe um armrio com vrios arquivos em que fica l tudo, todas as planificaes, todos os testes, as revistas que vo chegando () A nvel de TLB [Tcnicas Laboratoriais de Biologia] senti muita necessidade de contactar com os meus colegas () Eu tinha formao em Geologia, quem dava 11 ano tinha Geologia, e muitas vezes vinham ter comigo tambm, ajudvamo-nos uns aos outros.

    Os aspectos problemticos surgem na sua antecipao de dificuldades na relao com os alunos, nomeadamente no ensino bsico, a quem sente receio de vir a ter de leccionar:

    Quando soube da minha colocao nessa escola fiquei um bocadinho assustado () Fui ver os horrios, e reparei que no 7 e no 8 ano havia l uns alunos com idade j de 16 anos, esses alunos j deviam andar noite, e depois pensei e optei pelo secundrio () Todo aquele aspecto do bsico que muito complicado passou-me completamente ao lado.

    No se sente preparado para resolver casos de indisciplina que possam surgir. Alm disso, indica no saber como gerir a direco de turma. Noutros campos da sua actividade profissional evidenciam-se, igualmente, aspectos problemticos. Assim, no que se refere ao conhecimento dos contedos, considera no dominar bem certos temas de Biologia. Em relao avaliao, tem uma concepo muito formal, baseando a sua recolha de elementos, essencialmente, em testes. No se sente vontade para utilizar outros modos e instrumentos de avaliao. Como refere: Quando ns samos daqui [Faculdade] temos muitas ideias mas depois a realidade completamente diferente.

  • 14

    Nelson acha que tudo vai bem e afirma gostar do que faz. No se mostra muito entusiasmado com a profisso mas tambm no se mostra arrependido da sua escolha. Pe a hiptese de vir um dia a orientar estgios. No entanto, o modo pouco crtico como encara o seu papel como professor, a atitude defensiva que evidencia em relao aos problemas profissionais, a viso limitada da escola, do ensino e da avaliao, o passar a responsabilidade da resoluo de situaes mais complicadas para o conselho directivo, tudo isso so aspectos que sugerem que por detrs de uma insero profissional aparentemente no problemtica venha a estar um professor pouco preparado para as exigncias da sua profisso.

    Elisa

    Esta professora de Matemtica representa um caso de insucesso no primeiro ano que se transforma num caso de forte sucesso no ano seguinte da vida profissional. No primeiro ano, as suas dificuldades incidiram sobre o modo de lidar com uma turma extremamente problemtica que havia na escola e para qual nem ela nem os outros professores do conselho de turma conseguiram encontrar qualquer soluo. Os problemas de relao com esta turma levaram-na a decidir mudar de escola, apesar de gostar bastante do ambiente social existente entre os respectivos docentes. Como refere, No me sentia bem l. Chegava a casa sempre chateada, sempre com dores de cabea, cansada... Ento decidi, vamos experimentar outra, pode ser que corra melhor.

    No segundo ano tudo parece correr bem a esta professora. Elisa manifesta gosto pela profisso e evidencia uma relao harmoniosa entre o lado pessoal e o lado profissional:

    Eu tenho que dizer que gosto muito disto, depois gosto de planificar aquelas aulas, depois gosto da convivncia com os alunos, adoro andar l com os alunos. Acho que no me conseguia imaginar noutra profisso seno ali, portanto, logo ali j estou feliz.

    Evidencia apreciar a participao activa dos alunos nas suas aulas, sobretudo quando fazem perguntas e questionam matematicamente as situaes, mostrando perspiccia relativamente a aspectos interessantes da sua disciplina. Refere a esse propsito o exemplo de uma turma que faz daquelas perguntinhas que a gente sai de l contente (...) faziam perguntas ento e se, e se, e se... aqueles ses que a gente gosta de ouvir. Elisa mostra-se bastante confiante nos seus conhecimentos cientficos e didcticos, embora assuma a necessidade de um contnuo aperfeioamento em ambos os campos. Assume uma actividade de colaborao com outros professores da sua escola e em grupos de trabalho da Associao de Professores de Matemtica.

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    No seu primeiro ano, as principais dificuldades que teve de vencer foram a falta de apoio que sentiu bem como a ausncia de esprito de colaborao por parte dos professores na sua escola (apesar do bom ambiente), ao contrrio do que tinha acontecido durante o estgio. Essas dificuldades foram ainda agravadas pela pouca iniciativa que os rgos da escola mostraram face turma problemtica sob o ponto de vista disciplinar.

    Para o sucesso do segundo ano contribuiu de modo decisivo o facto de no ter tido nenhuma turma problemtica. Um factor tambm favorvel foi o modo como foi recebida na escola, onde viu serem-lhe atribudas importantes responsabilidades profissionais (delegada profissionalizao). Tais responsabilidades na formao levaram-na a assumir uma postura de confiana e maturidade. Tambm contribuiu neste sentido o estgio, que constituiu uma experincia profissional que reputa de muito positiva, e ainda o facto de ter adquirido j alguma experincia no ano anterior.

    No

    O primeiro caso de sucesso na integrao profissional que apresentamos o de No, um jovem professor de Matemtica com uma viso optimista do seu trabalho e cuja integrao na escola decorreu sem grandes problemas. No ano seguinte, ter de mudar de escola, por fora dos concursos, mas encara isso com naturalidade uma vez que considera ter boa capacidade de adaptao.

    Revela confiana no seu conhecimento didctico e v as suas aulas como bem sucedidas. Descreve-as assim:

    A aula tpica comearmos por escrever o sumrio, e depois a partir dali comea-se, depende do que que vamos fazer, se vamos fazer problemas, ou exerccios, ento a cem por cento os alunos a fazerem, s vezes tm dificuldades e eu vou de lugar em lugar ver se eles tm tido dificuldades, se esto a trabalhar em grupo mais simples, corre-se os grupos. Por vezes, quando para introduzir uma matria nova, depende um pouco se vou introduzir a matria logo directamente sem os alunos terem uma ficha frente, ou pelo livro e a lerem, a fazerem e a trabalharem, ou se uma coisa que vai ser explicada e ento eu fao uma exposio, vou para o quadro, exponho um pouco, tentando fazer por pergunta-resposta, pondo algumas interrogaes aos alunos e partir dali. Por exemplo, as definies, normalmente no fiz as que estavam no livro, no fiz da maneira como estava no livro, foi sempre um processo de uma tentativa de ir criando com eles, de lerem as definies que temos no caderno...

    Antev algumas dificuldades no domnio dos contedos quando for ensinar no ensino secundrio, mas no se mostra demasiado preocupado com isso, parecendo

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    considerar que facilmente ultrapassar os obstculos que surgirem. No que se refere avaliao, teve alguma dificuldade inicial em perceber o sistema de clculo das classificaes usado na escola a partir de diversos parmetros, que lhe parece bizarro, mas acabou por se adaptar sem dificuldades de maior.

    A situao mais complicada que viveu diz respeito sua direco de turma. Os alunos eram bastante difceis e o ano arrastou-se na procura de estratgias para lidar com o problema. Procurou apoio junto de muita gente, dentro e fora da escola, mas sentiu-se muito pouco vontade na conduo deste processo. Viu-se obrigado a dirigir muitas reunies do conselho de turma. Tratou-se de uma experincia difcil: Foi um pouco estranho, era eu que dirigia, e estava mais habituado a ser dirigido do que estar propriamente a dirigir uma reunio. Ficou com bastantes dvidas sobre o trabalho realizado mas acha que o grande problema teve a ver com o modo como a turma foi constituda:

    Acho que se deviam ter abordado outros pontos, e chegou-se a uma certa altura a tentar fazer isso, mas... Pronto.... Pelo menos na minha maneira de ver, a turma no devia ter sido constituda da maneira como foi. Ns no devamos ter 24 midos no incio do ano, devamos ter tido 13 ou 14 e com um processo especial para eles, uns currculos flexveis ou um programa adaptado, fosse o que fosse, porque eles eram midos que a partir de uma certa hora do dia j no funcionavam porque estavam fartos da escola...

    Considera que, com todo este processo, aprendeu a trabalhar na rea da direco de turma, matria para a qual no tinha ficado preparado pela formao inicial.

    No gosta de ser professor. Tem uma imagem positiva acerca de si mesmo como profissional. Acha que a vida profissional do professor pode ter uma perspectiva dupla, uma mais ligada prtica lectiva e outra realizao de projectos de inovao ou investigao, com uma forte componente exterior. Participa, presentemente, em grupos de trabalho da Associao de Professores de Matemtica e num projecto de investigao coordenado por uma antiga professora da Faculdade. V-se a si mesmo a fazer, um dia, mestrado ou doutoramento.

    Maria da Cruz

    Esta jovem professora de Fsica-Qumica parece muito bem integrada na profisso. Est muito satisfeita por ser professora. Sente-se muito confiante na sua competncia pedaggica e didctica. Assume interesses profissionais, demarcando-se neste ponto claramente da maioria dos seus colegas do grupo disciplinar, que v muito pouco envolvidos na profisso. Pensa vir a fazer um mestrado, continuando a sua valorizao profissional.

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    Para esta situao de sucesso na integrao na profisso parecem ter concorrido diversos factores, entre os quais se inclui o facto de ter estabelecido uma colaborao satisfatria com uma professora provisria da mesma disciplina da escola e, principalmente, com a sua delegada de grupo, com quem tem vindo a trabalhar em diversos projectos de inovao educacional. A oportunidade, proporcionada pelo Departamento de Educao da FCUL, de participar em projectos (nomeadamente do Cincia Viva), parece ter sido importante para a sua afirmao profissional nesta fase inicial da sua carreira. Na verdade, esta professora afirma que sente existir na escola uma certa considerao por si como profissional por estar a trabalhar neste tipo de projectos pois quando apresentei o relatrio tcnico do ano passado (...) foi muito bem visto, [foi] muito elogiado o meu empenho em continuar a participar em trabalhos com a Faculdade. Tambm positivo ter sido o facto de ter sido chamada a assumir algumas responsabilidades institucionais, como pertencer ao secretariado das provas globais, o que lhe deu alguma visibilidade perante o colectivo dos professores da escola:

    Mas, para mim, a relao com a maior parte das pessoas da escola, comeou a ser um pouco mais significativa a partir do momento em que o conselho directivo me nomeou para pertencer ao secretariado das provas globais, porque a partir da muita gente, que at altura no me conhecia, me comeou a cumprimentar, o que deve ser uma situao geral para todos os provisrios.

    Nesta sua integrao na escola e na actividade profissional deparou-se, apesar de tudo, com alguns problemas, respeitantes cultura profissional do grupo disciplinar (que marginaliza os novos professores e os professores provisrios). Na verdade, no se sentiu propriamente bem aceite pelos colegas do grupo:

    Nem fui o ano passado nem continuo a ser agora, porque continuo a ser [vista como a] nova. Ainda sou um bocadinho marginalizada neste grupo. Primeiro j h uma certa tendncia para a marginalizao, independentemente de quem vem... Porque so pessoas que esto muito arraigadas aos nveis de ensino que esto a dar h alguns anos, e tm sempre algum receio de que quem chega... Nomeadamente, [que] lhes tire o horrio.

    Trata-se duma situao que se tem vindo a atenuar a pouco e pouco, uma vez que Maria da Cruz tem vindo a integrar-se cada vez melhor na escola (mais no conjunto dos professores de todas as disciplinas do que no seu grupo disciplinar). Outro problema, que conseguiu ultrapassar, diz respeito sua relao com alguns alunos, que no ano anterior pareciam no confiar nos seus conhecimentos cientficos e a desafiavam com frequncia, pondo em dvida a sua competncia. Com trabalho continuado, e

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    procurando aperfeioar-se sempre neste campo, Maria da Cruz parece ter ultrapassado bem este tipo de problema.

    Sara

    Sara um caso particular de socializao na profisso docente. Desde o primeiro ano que desenvolve, simultaneamente, um percurso como docente, no qual se manifesta profundamente interessada na relao pedaggica com os alunos e como representante do grupo disciplinar da Biologia-Geologia nos vrios rgos da escola. Est muito vontade na planificao e realizao de aulas.

    A sua responsabilizao precoce em campos mais alargados do que a sala de aula e o ensino da sua disciplina do-lhe oportunidade de desenvolver uma viso particular da escola e uma compreenso das vrias culturas a existentes. Assim, criticamente, discorda de algumas explicaes simplistas acerca dos comportamentos dos alunos, elaboradas por algumas colegas. Demarca-se, igualmente, dos colegas que manifestam pouca disponibilidade para ensaiar novas formas de trabalho dentro da sala de aula. E, com isso, torna bem clara a existncia de duas maneiras diferentes de estar na profisso:

    Mas h sempre aqueles professores que por terem mais experincia, porque j se acomodaram um bocado e no esto para experimentar as coisas que ns ainda estamos com a disposio de experimentar. No quer dizer que nos tratem mal, que no tratam, mas tambm no nos do assim muita importncia, nem s vezes do muito andamento aos projectos que ns queremos dinamizar

    No seu segundo ano de docncia, demonstra j uma maturidade e capacidade de reflexo que a levam a uma clarificao de prioridades e estratgias que privilegiam sobretudo os alunos. Da que, ao contrrio de outros casos, no sinta como problema a (in)disciplina, chegando a afirmar que so os casos difceis que constituem o grande desafio para si:

    Ora bem, eu p-los na rua no resolve, vamos tentar se isto no resultar hoje, tenta-se outra coisa amanh Eu acho que tambm mudei, em termos pessoais eu mudei um bocado, e agora no so s eles a aprenderem comigo, tambm sou eu a aprender com eles, que era uma coisa que eu nem sequer suspeitava

    Sara valoriza a colaborao com os outros colegas mais experientes que a tm ajudado a desempenhar os cargos que ocupa. Como profissional, sente-se responsvel e interessada no seu prprio desenvolvimento profissional e tem como planos imediatos fazer um mestrado.

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    Entre os factores que parecem ter contribudo para a sua boa insero na profisso conta-se o estgio, que constituiu uma experincia muito positiva de colaborao, em especial com o seu orientador, bem como o seu esprito muito autnomo e decidido. Outro aspecto positivo a colaborao que no seu segundo ano de docncia, desenvolve com outra professora do seu grupo disciplinar.

    Apesar disso, no tm faltado dificuldades no seu percurso profissional. No concorda, com frequncia, com as ideias dos outros professores. Em particular, no parece identificar-se com a cultura profissional da sua escola actual. O facto de ter assumido funes de responsabilidade (como delegada de grupo), para as quais no se sentia devidamente preparada, constituiu tambm para si um motivo de preocupao, que traduz, no entanto, o seu forte empenhamento na profisso.

    5. Concluses

    Os casos considerados neste estudo mostram uma variedade de situaes que se manifestam na etapa inicial da carreira profissional. Comecemos pela insero na cultura profissional da escola. Existem situaes de satisfao com o modo como se d a integrao na escola dos jovens professores, mas tambm existem situaes problemticas. Os casos em que a integrao se realiza sem dificuldades parecem assentar sobretudo na boa capacidade de relacionamento pessoal tanto do jovem professor como dos professores da escola, embora se sinta que existe, por vezes, um cuidado deliberado dos rgos de gesto de criar oportunidades nesse sentido (Nelson, No, Elisa). Os casos de integrao mais complicada resultam de conflitos com a cultura balcanizada das escolas (Maria da Cruz, Sara) e, noutra situao, de um forte conflito com toda a estrutura de funcionamento e de autoridade da instituio, uma escola do sector privado (Amlia). Um ponto importante a reter que para alguns jovens professores (mas no para todos!), a integrao na cultura profissional da escola , na verdade, um processo complexo, doloroso e frustrante.

    O facto de se assumirem responsabilidades na escola revela-se positivo em alguns casos, proporcionando ao jovem professor uma oportunidade de evidenciar as suas capacidades (Elisa) e de se afirmar perante os seus colegas (Maria da Cruz). Mas revela-se complicado em situaes problemticas, como acontece quando o jovem professor assume o lugar de director de uma turma com caractersticas difceis (No) ou quando delegado de grupo num contexto profissional relativamente ao qual assume uma posio crtica (Sara).

    A relao com os alunos e a resoluo de problemas disciplinares constitui uma segunda rea que assume grande visibilidade em vrios dos casos analisados. Uma situao muito negativa a este respeito a vivida por Elisa, no seu primeiro ano de

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    prtica profissional, que a levou deciso drstica de mudar de escola, apesar de gostar do ambiente e de essa mudana lhe trazer algumas contrariedades. Problemas de ndole particular so sentidos por Amlia, dadas as caractersticas especiais da sua escola, em que alunos e pais tomam atitudes de confronto declarado com os professores. Quando os problemas de ordem disciplinar no so directamente vividos, so, pelo menos, pressentidos como o caso de Nelson que procura a todo o custo evitar assumir a leccionao de turmas que possam vir a revelar-se difceis. Quando os alunos no se evidenciam por situaes de indisciplina, podem, no entanto, dificultar a vida do professor por outros modos por exemplo, desafiando a sua competncia cientfica, como aconteceu a Maria da Cruz no seu primeiro ano de docncia.

    Uma terceira rea claramente problemtica diz respeito avaliao dos alunos. Uma das professoras (Amlia) reconhece frontalmente ter dificuldades neste campo. Outro professor (Nelson), no indica dificuldades, mas evidencia uma concepo muito limitada da avaliao, reduzida utilizao de testes e conduzida de modo extremamente formal. A avaliao constitui um aspecto particularmente problemtico do sistema educativo, uma vez que nela se cruzam todos os aspectos fundamentais que dizem respeito vida escolar e extra-escolar dos alunos. Tudo passa pela avaliao, desde a deciso sobre quem pode prosseguir este ou aquele curso at auto-imagem que cada aluno forma de si prprio. No sero s os jovens professores a ter dificuldades neste campo, uma vez que o problema parece estender-se de um modo generalizado aos professores em servio (Ponte, Matos e Abrantes, 1998). A verdade que o sistema educativo portugus ainda no conseguiu encontrar uma soluo satisfatria para a questo da avaliao, que serve funes muito contraditrias (regulao do ensino, informao aos alunos e pais, certificao, acesso universidade...) mas onde a dimenso sumativa se sobrepe dimenso formativa e diagnstica.

    Outro ponto a assinalar diz respeito ao conhecimento da disciplina e ao conhecimento didctico. O conhecimento dos assuntos que ensinam reconhecido por vrios dos jovens professores como ainda insuficiente e reconhecem a necessidade de uma actualizao constante nesta rea (Amlia, Elisa, Nelson, No). J no campo da didctica (com excepo do que se refere avaliao) a maior parte dos professores parece ter uma atitude de confiana, no se mostrando to preocupados em melhorar a sua formao. Fica, no entanto, a interrogao se se tratar de facto de uma zona sem grandes problemas ou se ser uma zona em que os problemas no so percebidos como tais. Desde que as aulas corram bem e o professor se sinta a controlar a situao, no h razo para experimentar dificuldades. Isso no significa que os objectivos curriculares fundamentais estejam a merecer a devida ateno, que as tarefas propostas aos alunos sejam as mais relevantes e que os modos de trabalho usados sejam os mais adequados. Neste campo, a relativa despreocupao dos jovens professores, traduz a atitude geral

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    relativa forma como a didctica encarada nas escolas pelos professores mais experientes. A aparente invisibilidade das questes respeitantes esfera da didctica , ela prpria, um problema a merecer ateno.

    Com matizes prprios, dados pela situao portuguesa e pela nossa perspectiva terica, reconhecemos nestes jovens professores as trs grandes reas de dificuldades apontadas pela literatura para os professores em incio de carreira e indicadas na primeira parte deste artigo. Trata-se de dificuldades relativas: (i) relao com os alunos, (ii) ao conhecimento profissional e (iii) s condies de trabalho, ou como preferimos dizer, natureza das culturas profissionais. Os dados tambm sugerem que a origem destas dificuldades no deve ser assacada a um nico factor, remetendo para a poltica educativa, a cultura das escolas, a formao inicial e para o papel que pode ser assumido pelos prprios jovens professores.

    No obstante os problemas detectados, este conjunto de casos aponta mais para uma situao de sucesso do que de insucesso na integrao na profisso. Os dados obtidos sugerem que h muitos aspectos bem conseguidos no modo como estes jovens professores se integraram na actividade das escolas. Importa, assim, reflectir sobre quais os factores que podem ter contribudo para que isso tivesse acontecido.

    Em primeiro lugar, o estgio constitui uma experincia reconhecida por todos os jovens professores como muito positiva. O estgio, pela sua durao prolongada, pela forte responsabilidade que atribui aos formandos, pelas condies de enquadramento num grupo de trabalho de pares e com um apoio directo do orientador da escola, parece constituir um enquadramento muito favorvel para o incio do processo de integrao na profisso. Na sua configurao actual, o estgio permite ir aprendendo a lidar com uma grande variedade de problemas e situaes prticas de um modo bastante apoiado.

    Em segundo lugar, as iniciativas tomadas por algumas escolas, de enquadramento dos novos professores, que envolvem aspectos formais e informais, parecem ter contribudo, em certos casos, para uma mais rpida e efectiva integrao na escola. Estes aspectos incluem, por exemplo, reunies de boas-vindas, visita s instalaes, integrao em actividades gerais da escola, disponibilidade para ajudar a resolver problemas que surgem, simpatia por parte dos docentes mais responsveis e dos docentes em geral.

    Em terceiro lugar, a formao inicial recebida, pode ter tido um papel relevante. verdade que a preparao dada pela Faculdade, tanto na vertente cientfica como na educacional, no surge nestes casos muito valorizada. tanto objecto de crtica como de referncias positivas. Os jovens professores apontam, nomeadamente, a necessidade de uma preparao mais forte nos aspectos prticos do seu trabalho, muito em especial no que se refere avaliao e direco de turma. Mas tambm reconhecem a pertinncia da formao didctica e apontam, por vezes, a importncia da formao em questes

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    gerais de educao. Na verdade, em relao crtica que a formao educacional deficitria nos seus aspectos prticos, pode-se argumentar que o momento adequado para a aprendizagem de muitos desses aspectos o estgio, que parece estar a cumprir satisfatoriamente esse papel.

    Os casos relatados neste estudo sugerem que a formao ministrada pela Faculdade no conseguiu fazer passar a mensagem da importncia da teoria e da reflexo terica na prtica profissional do professor. Mesmo assim, ser de nos perguntarmos se a formao proporcionada, com todas as suas deficincias, no ter sido importante para dotar os jovens professores com a confiana e a capacidade de lidar com problemas que lhes permitem, depois, enfrentar com xito os seus primeiros anos de vida profissional. Uma evidncia de uma dimenso altamente positiva da formao inicial destes professores dada pela ligao que dois deles mantm com projectos em curso no Departamento de Educao e o desejo que alguns enunciam de vir, eventualmente, a realizar uma ps-graduao em educao.

    Em quarto lugar, a participao em actividades de ndole associativa (que, no nosso caso, s se verifica em professores de Matemtica) e em actividades de investigao associadas com a Faculdade (numa professora de Fsica e num professor de Matemtica) revela-se um factor de consolidao de situaes de sucesso na integrao profissional. No podemos dizer se isso mais uma causa ou uma consequncia de uma boa integrao na profisso, mas importante registar o seu contributo muito positivo para o desenvolvimento profissional destes professores.

    Finalmente, temos de considerar as caractersticas pessoais destes jovens professores. No basta a formao inicial que lhes proporcionada, um estgio bem sucedido e uma integrao atenta e simptica por parte da escola. Para um incio de carreira bem conseguido, necessrio que os jovens professores estejam firmemente decididos a investir pessoalmente no seu trabalho e se identifiquem com a profisso.

    Os casos considerados ilustram tanto situaes de adaptao ao sistema e estratgias de sobrevivncia pela via mais fcil como situaes de afirmao e rebeldia por parte dos jovens professores, justificando a pertinncia tanto das abordagens funcionalistas como interaccionistas (Zeichner, 1985). Os jovens professores deste estudo revelam, apesar das diversas dificuldades, um significativo gosto pela sua profisso. Em alguns casos, revelam tambm uma atitude de empenhamento na sua formao e na procura de informao relevante para a sua actividade docente. Revelam ainda, em certos casos, ter projectos profissionais que apontam para a sua valorizao profissional, pondo a hiptese de vir a desempenhar outras funes no sistema educativo. Aqueles que evidenciam o maior inconformismo e vontade de aprender so, muito provavelmente, os que melhor se viro a adaptar s necessidades sempre em mudana da sua profisso.

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    6. Implicaes

    Os casos estudados sugerem diversas implicaes. Algumas dizem respeito a questes que podero ser aprofundadas pela investigao educacional. Assim, por um lado, necessrio continuar a dar ateno aos temas que se revelam mais problemticos na vida profissional dos professores em incio de carreira, como o caso das culturas profissionais, das dificuldades na relao com os alunos e das prticas de avaliao sem esquecer a ateno que tem de ser dada s outras vertentes do conhecimento didctico. Por outro lado, seria interessante investigar em que medida a formao inicial (proporcionada pela Faculdade de Cincias e proporcionada por outras instituies) constitui um elemento importante para a integrao na escola e para o sucesso profissional dos jovens professores. Seria tambm pertinente aprofundar as razes que levam alguns destes professores a envolverem-se em projectos e actividades de natureza associativa bem como os elementos da sua identidade profissional que se revelam mais decisivos na fase inicial da sua carreira.

    Outras implicaes dizem respeito poltica educativa, que deveria dar uma forte ateno ao problema do enquadramento dos jovens professores. A ausncia de regulamentao do perodo de induo, legalmente previsto, difcil de compreender e tem estimulado o desenvolvimento de perspectivas altamente contraditrias. Uns reivindicam para as instituies de formao inicial o protagonismo essencial no enquadramento destes professores, desvalorizando assim as escolas e os profissionais em servio. Outros pretendem fazer deste momento uma fase de avaliao das competncias profissionais dos jovens professores (perodo probatrio), em vez de o conceber como uma etapa decisiva do desenvolvimento profissional. Outros, ainda, interessam-se sobretudo pela informao que o desempenho dos novos professores pode dar sobre a qualidade da formao inicial recebida. Um melhor conhecimento dos problemas vividos por estes professores talvez pudesse ajudar na definio da poltica educativa sobre esta matria e na criao de dispositivos capazes de proporcionar um efectivo apoio aos jovens profissionais que dele necessitam.

    Algumas implicaes podem, tambm, ser tiradas para a prtica profissional. Assim, por exemplo, os resultados deste estudo mostram que tem muita importncia o modo como as escolas integram os novos professores. Trata-se de uma questo certamente relacionada com toda a poltica e vivncia da escola que deveria merecer uma grande ateno a todos os professores, em especial os que tm responsabilidades na administrao escolar, das comisses executivas e conselhos pedaggicos aos delegados de disciplina e responsveis de instalaes.

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    Finalmente, h implicaes para as instituies de formao, que devem preocupar-se em seguir de modo mais sistemtico o percurso profissional dos seus formandos, como modo de reflectir e avaliar o seu trabalho. Devem tambm rever os seus projectos de formao, valorizando as dimenses organizacionais do trabalho do professor (por exemplo, a insero na instituio escolar e o papel do director de turma) e procurar novas formas de estabelecer uma melhor relao entre teoria e prtica educativa, tanto no plano das didcticas como nas outras reas do saber educacional.

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  • 26

    1 Decreto-Lei n 139-A/90, de 28 de Abril de 1990, art 32, sobre o regime jurdico da formao de

    professores. 2 Ou seja, tendo terminado o curso, respectivamente, em 1996/97 e 1997/98.

    3 A noo de pedagogical content knowledge de Shulman tem dado origem a muita controvrsia. Dada a

    evidente proximidade desta noo com a de conhecimento didctico como o conhecimento especfico que o professor usa para planear e conduzir o ensino da sua disciplina optamos por usar este termo em vez de expresses como conhecimento pedaggico do contedo.