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    re-Visesdo Paraso:

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    Robert Wegner & Nsia Trindade Limasocilogos

    idias em livre concorrncia

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    ostuma-se reconhecer Oliveira Vianna (1883-

    1951) e Srgio Buarque de Holanda (1902-

    1982) como dois entre os grandes ensastas

    da Histria do pas. Mas, a partir desse quadro, alm de

    serem considerados de geraes distintas, so apresentados

    em extremos opostos, o primeiro representando o autorita-

    rismo enquanto o outro, a democracia. O principal formula-

    dor dessa configurao talvez tenha sido o prprio Srgio

    Buarque de Holanda ao publicar, no decorrer de janeiro de

    1950, um conjunto de quatro resenhas sobre o ento re-

    cm-lanado Instituies Polticas Brasileiras, livro do escri-

    tor fluminense.

    Nesses comentrios, o articulista mostrava-se surpreso

    com a resistncia manifestada por Oliveira Vianna s teo-

    rias culturalistas, apresentadas como uma moda passageira

    que transformava os indivduos em bonecos mecnicos

    da cultura. A surpresa se transformava em espanto, porque,

    segundo Srgio Buarque, ao continuar abraando explica-

    es biolgicas no decorrer do livro, o autor simplesmente

    reforava o determinismo antes criticado, ao mesmo tempo

    em que guardava espao para indivduos geniais, como que

    saltando por cima de sua raa e cultura, descobrirem as ins-

    tituies polticas de fato adequadas forma de ser do povo

    brasileiro, to avesso democracia e ao self-government.

    O prprio Srgio Buarque, quase trinta anos mais tarde,

    reconheceu que suas longas digresses sobre explicaes

    culturais e biolgicas tinham por alvo maior, na verdade,

    uma vasta construo jurdica e poltica, expressa nas leis

    trabalhistas, da era de Vargas, a que a ela pretende forne-

    cer o necessrio suporte cientfico.1 Desse modo, mesmo

    que seja exagero dizer que essas resenhas o tenham inau-

    gurado, delineiam de forma clara e em sua dupla face, te-

    rica e poltica, o antagonismo com que se costuma apresen-

    tar os dois ensastas.2

    Contudo, uma vez que assinalemos que as obras de Oli-

    veira Vianna no se resumem a explicaes raciais, o sim-

    ples antagonismo continua a pouco esclarecer a relao entre

    as obras dos dois autores e, mais especificamente, os usos

    de Populaes Meridionais do Brasil por Srgio Buarque de

    Holanda que mesmo em sua resenha crtica de 1950

    no deixa de afirmar que Oliveira Vianna, em 1920, inau-

    gurara com sua anlise memorvel das nossas populaes

    meridionais uma fase nova nos estudos para o melhor co-

    nhecimento do Brasil.

    Mais recentemente, alguns historiadores, como Jos

    Murilo de Carvalho e Angela de Castro Gomes, tm deixa-

    do de enxergar meros antagonismos entre os ensastas, apon-

    tando congruncias entre as interpretaes de Srgio Buar-

    que de Holanda e Oliveira Vianna.3 Mesmo assim, continua

    vlido dizer que uma das dificuldades para este tipo de rea-

    valiao repousa no fato de que a verso que costumamos

    ler de Razes do Brasil no corresponde exatamente pri-

    meira edio do livro publicada em 1936, mas sim se-

    gunda, de 12 anos depois.

    Mesmo que o simples acesso direto ao texto no seja

    capaz de resolver todos os enigmas de sua interpretao, a

    1. Holanda, Srgio Buarque de. Apresentao. In Tentativas de Mitologia. So Paulo: Perspectiva, p.9.

    2. As resenhas, publicadas originalmente no caderno Vida Literria do Dirio de Notcias, apareceram reunidas, sob o ttulo Cultura & Poltica,em livro de 1979, Tentativas de Mitologia.

    3. Gomes, Angela de Castro. A Dialtica da Tradio. Revista Brasileira de Cincias Sociais, n 12 , 1990. pp.15-27; Carvalho, Jos Murilo de.A utopia de Oliveira Viana. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol.4, n 7, 1991, pp.82-99.

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    primeira edio de Razes do Brasil poderia contribuir para

    uma melhor compreenso do livro em seu contexto e em

    dilogo com a literatura da poca. Lembremos que as mo-

    dificaes operadas pelo autor de uma para outra verso se

    deram justamente em um perodo de amplas mudanas no

    pas, com nada menos do que a instaurao do Estado Novo

    no ano seguinte publicao da verso original do livro, e,

    em 1945, a redemocratizao.

    Para o caso em questo, nos defrontamos com uma

    modificao significativa. Na primeira edio de seu livro,

    Srgio Buarque publicou uma nota sobre Populaes Meri-

    dionais do Brasil, que, juntamente com as outras notas de

    esclarecimento, foi retirada das edies seguintes e, portan-

    to, do texto de Razes do Brasil que costumamos ler. Desde

    ento, esses comentrios sobre Oliveira Vianna nunca mais

    foram publicados. Quase setenta anos depois, voltamos a

    publicar a nota.

    NOTA B(Pg. 56)

    Os admirveis estudos de histria econmica de Joo Lucio

    de Azevedo mostram-nos essa situao prevalecendo clara-

    mente em Portugal, antes de existir entre ns

    A teoria artificiosa e extravagante da fora centrfuga

    um dos aspectos de uma tese tendente a mostrar que as

    formas sociais institudas em nosso meio, depois de algum

    tempo de colonizao, resultam exclusivamente da ao ti-

    rnica do ambiente americano agindo sobre a gente de ul-

    tramar. Devemos essa teoria, to prpria para lisonjear a

    vaidade patritica de numerosos brasileiros, ao Senhor F.J.

    Oliveira Vianna. Precisamente a propsito da carta mencio-

    nada do Conde de Cunha, esse autor, depois de afianar

    que durante os primeiros tempos de colonizao prevaleceu

    a tendncia europia de concentrao urbana, o que pare-

    ce profundamente inexato, declara que o documento em

    questo tem uma significao imensa para ns, porque nos

    permite ver j nos meados do III sculo este duplo

    fato da maior importncia para a nossa histria social: de

    uma vida urbana rudimentar, em contraste com uma vida

    rural intensssima.

    ara o senhor Oliveira Vianna essa situao

    significa apenas que a vida social dos colo-

    nizadores do Brasil se est organizando, di-

    ferenciando e adquirindo uma fisionomia prpria, perfeita-

    mente incompreendida, por indita aos portugueses. O

    que o Conde de Cunha chama casar-se mal prossegue

    no , talvez, seno casar-se com pessoa sem nobreza,

    a ligao do luso com o elemento no-nobre, mas rico e

    rural do pas. Essa ligao, essa aliana, essa fuso nos no-

    bres vindos dalem-mar com os nossos fazendeiros do inte-

    rior prova quanto a obra de adaptao rural, de conformis-

    mo rural em uma palavra, a obra de ruralizao da po-

    pulao colonial, durante o III sculo rpida, vasta, pro-

    funda. Sente-se que o nosso tipo de homem rural homo

    rusticus com os caractersticos com que o conhecemos

    hoje, j se vai modelando por esse tempo, e diferenciando-

    se cada vez mais do tipo peninsular originrio. (Ver Oliveira

    Vianna Populaes Meridionaes do Brasil, 3 edio. Com-

    panhia Editora Nacional, So Paulo. 1933. Pgs. 19-20).

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    esprezando o que h de especioso nessa ten-

    tativa de interpretao de um texto que no

    exigiria tamanha ginstica de raciocnios da

    parte de um esprito menos prevenido, cum-

    pre, no entanto, assinalar que a intensidade da vida rural,

    em contraste com a misria da vida urbana, no tem nada

    de incompreensvel e de indito para os colonizadores. O

    fenmeno, geral entre ns desde o primeiro sculo da colo-

    nizao e no somente a partir do terceiro, como quer o

    Senhor Oliveira Vianna reproduz simplesmente o que j

    ocorria na me-ptria. Segundo nos informa Joo Lucio de

    Azevedo, sucedia algumas vezes no Portugal quinhentista

    ser a sede do conselho lugar deserto ou quase, derraman-

    do-se a populao pelas aldeias e freguesias rurais. Em

    1572, no censo a que mandou proceder Dom Joo III

    acrescenta esse historiador verificou-se haver, por exem-

    plo, em Trs-os-Montes, no conselho de Teixeira, dois mo-

    radores no lugar, e quarenta e seis outros, em suas residn-

    cias rsticas. No conselho de Penaguio, com cinco fregue-

    sias, ningum residia na sede. Erguia-se no ermo a casa

    das audincias e em frente o lugar da forca, com o rude

    pelourinho, emblema da autoridade local. (Ver J. L. de Aze-

    vedo pocas de Portugal Econmico, Livraria Clssica

    Editora de A. M. Teixeira & Cia., Lisboa, 1929. Pg.16).

    Em todo o trabalho do Senhor Oliveira Vianna ainda se

    observa bem ntida a pretenso de fazer coincidirem, a qual-

    quer preo, a verdade histrica e as teses de certa escola de

    socilogos particularmente interessados em acentuar os ca-

    racteres tnicos antes como efeito do que como causa. E as

    teses desse tipo so ansiosamente acolhidas pelos que vem

    qualquer coisa de detestvel nas condies em que se pro-

    cessou a nossa formao racial e, por isso mesmo, preferi-

    riam que, comparado a outras influncias no caso pre-

    sente a do chamado meio csmico o fator tnico pu-

    desse ser considerado de importncia secundria e at nula

    na constituio das sociedades. No fundo o desejo de ver

    cientificamente confirmada a esperana de que a influncia

    do ambiente nos seja, ao cabo, favorvel, liquidando a he-

    rana tnica que ficou dos nossos antepassados.

    certo que o prprio Senhor Oliveira Vianna parece

    desapegar-se dos pontos de vista patrocinados pelos disc-

    pulos de Le Play, que consideram soberana a influncia do

    meio csmico, para adotar com entusiasmo certas doutrinas

    racistas, seleccionistas etc., quando estas, suficientemente

    elaboradas, possam confirmar a idia de que caminhamos

    para um tipo racial mais excelente. Nesse caso est, por

    exemplo, a sua extraordinria obsesso do arianismo e

    da tendncia arianizante de nossas selees sociais. f-

    cil ver-se que ainda aqui as consideraes puramente senti-

    mentais prevalecem sobre as de ordem cientfica.

    A anotao de alguns erros de julgamento do autor de

    Populaes Meridionais do Brasil no visa, alis, negar que

    o ambiente brasileiro possa ter sido um considervel fator

    de diferenciao de nossa gente. Deseja-se apenas assina-

    lar, de passagem, que o caminho seguido por alguns pes-

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    quisadores para mostrar as etapas dessa diferenciao

    um mau caminho e que o rumo s aparentemente cientfi-

    co, e derivado realmente de inclinaes individuais, que to-

    mam, por vezes, tais pesquisas, deve ser evitado em qual-

    quer esforo srio para a clara compreenso de nossa rea-

    lidade. O estudo das razes rurais da sociedade e das insti-

    tuies brasileiras exige uma fundamentao mais objetiva.

    [SRGIO BUARQUE DE HOLANDA. RAZES DO BRASIL. RIO DE JANEIRO:

    LIVRARIA JOS OLYMPIO EDITORA, 1936 (COLEO DOCUMENTOS

    BRASILEIROS, N 1) PP.166-169]

    A simples publicao da nota de esclarecimento no re-

    presenta, por si s, uma iluminao sobre as relaes que

    possam ser estabelecidas entre Razes do Brasil e Popula-

    es Meridionais do Brasil. E nem pretendemos fazer aqui

    uma longa digresso sobre o tema. Ainda assim poderamos

    assinalar alguns pontos.

    Em primeiro lugar, se o texto tambm salienta um anta-

    gonismo entre os dois autores, chama a ateno inicialmen-

    te para uma diferena pouco explorada entre os autores e

    localizada num vetor mais interpretativo do que poltico. Usan-

    do termos elaborados mais tarde, podemos dizer que o que

    est em jogo diz respeito opo entre dois grandes mode-

    los explicativos para a histria do continente americano, que,

    em texto de 1965, Richard Morse chamaria de viso gen-

    tica e viso funcional.4

    a viso gentica afirma-se que o fator ex-

    plicativo principal da histria do novo con-

    tinente a tradio cultural que o incorpo-

    rou ao Ocidente. A Amrica apareceria como uma folha

    em branco a ser preenchida pelo legado transatlntico. Desse

    modo, no se compreenderia os Estados Unidos se no se

    entendesse o legado anglo-saxo, assim como o Brasil no

    poderia ser interpretado sem que se falasse dos portugue-

    ses. Esta a posio de Srgio Buarque de Holanda. A viso

    funcional, posio representada por Oliveira Vianna, com-

    preende o continente como portador de um poder transfor-

    mador das tradies culturais, seja pela ao do clima, pela

    simples distncia da Europa ou ainda pela existncia de no-

    vas terras a explorar.

    Em segundo lugar, na mesma medida em que a nota

    traz luz uma divergncia, pressupe um encontro nas in-

    terpretaes, pois os dois autores so enfticos em apontar

    como caracterstica da sociedade brasileira o predomnio do

    rural sobre o urbano. Se um parte de um enfoque funcional

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    4. Morse, Richard. Introduction. In The Bandeirantes: the historical role of the Brazilian Pathfinders. New York: Alfred Knopf, 1965. p.28. Os conceitosde iberismo e americanismo, trabalhados contemporaneamente por Luiz Werneck Vianna (A Revoluo Passiva: iberismo e americanismo no Brasil.Rio de Janeiro: Revan, 1997), poderiam ser mobilizados para o desenvolvimento de uma discusso prxima da que ser aqui esboada.

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    e o outro do gentico, elaboram um diagnstico bastante

    semelhante ao constatar que as relaes parentais estabele-

    cidas a partir do grande domnio rural eram determinantes

    na conformao das relaes sociais e dominavam a lgica

    da poltica mesmo nas cidades.

    como se a psicologia do brasileiro pudesse ser com-

    preendida a partir da e, nesse caso, no podemos deixar

    de lembrar do conceito delineado em Razes do Brasil como

    homem cordial, aquele que, acostumado a se guiar e

    moldar a partir das relaes familiares, age a partir dos

    impulsos do corao e, desse modo, no distingue esfera

    pblica e privada. E, de fato, este fundo comum de explica-

    o do pas a partir do ruralismo acaba desembocando em

    uma forma muito prxima de descrever o dilema brasileiro,

    pois h passagens de Populaes Meridionais do Brasil que

    podem ser lidas de um modo muito prximo ao que Srgio

    Buarque viria a denominar cordialidade, de um lado, e civili-

    dade, de outro. Uma passagem retirada do captulo de Popu-

    laes, intitulado A formao da idia de Estado, parece

    ilustrar bem o dilema que Srgio Buarque viria apresentar no

    famoso captulo 5 de seu livro. Escrevera Oliveira Vianna:

    [A] obedincia voluntria aos representantes locais

    do poder pblico, to assinalada entre os povos euro-

    peus, significa apenas que esses povos realizaram,

    nas formas da sua conscincia poltica, uma evolu-

    o, que ns ainda no podemos realizar. Eles con-

    seguiram discriminar, com perfeita lucidez, a dife-

    rena entre o poder pblico, como tal, e os indiv-

    duos, que o exercem. Atravs dos representantes da

    autoridade, conseguiram ver a autoridade em si, na

    sua abstrao. Do conceito concreto, tangvel, pes-

    soal do Estado, conseguiram elevar-se a um conceito

    intelectual, isto , ao conceito do Estado na sua forma

    abstrata e impessoal.5

    sta passagem pode ser comparada com a dis-

    cusso de Razes do Brasil sobre o funcionrio

    patrimonial, que assume funes burocrti-

    cas em um aparato estatal com uma mentalidade cordial,

    da no compreenderem a distino fundamental entre os

    domnios do privado e do oficial.6

    Em terceiro lugar, poderamos finalmente nos perguntar

    por que o debate com Oliveira Vianna condensado a par-

    tir da segunda edio com a reduo da passagem do

    corpo do texto em que discutia com a tese da fora centr-

    peta e mesmo com o corte da nota explicativa , fazendo

    com que as congruncias das teses ficassem invisveis ao

    mesmo tempo em que a divergncia antes explicitada dei-

    xasse de ser mencionada. certo que pode haver muitas

    explicaes para esse fato, inclusive porque as modificaes

    de uma edio para outra foram inmeras, no se limitando

    s que faziam referncia obra de Oliveira Vianna. Poder-

    se-ia at supor que, medida que as divergncias polticas

    foram aumentando, Srgio Buarque tenha procurado man-

    ter sua obra distante de Populaes Meridionais do Brasil

    inclusive eliminado as marcas mais explcitas da influncia.

    Contudo, tambm possvel cogitar que o exato oposto te-

    nha ocorrido: Srgio Buarque deixa de polemizar com Oli-

    veira Vianna exatamente porque o ponto fundamental da

    discrdia comeara a desaparecer. Para ser mais claro, Sr-

    5. Vianna, Oliveira. Populaes Meridionais do Brasil: histria, organizao e psicologia. Belo Horizonte: Itatiaia; Niteri: Editora da UniversidadeFederal Fluminense, 1987. p.247

    6. Holanda, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1936. p.100. Apenas em edies seguintes o autor substitui domniooficial por domnio pblico.

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    7. Holanda, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 2 edio. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1948, p.11.

    gio Buarque estaria abandonando o iberismo como a gran-

    de chave explicativa do pas e estaria adotando uma inter-

    pretao mais funcional.

    Uma pista para esta elucubrao se encontra fora de

    Razes do Brasil. Entre as duas primeiras edies desse li-

    vro, Srgio Buarque de Holanda publica, em 1945, Mon-

    es, um livro em que narra o estabelecimento de uma

    rota comercial, por via fluvial, entre o planalto paulista e as

    minas de Cuiab e que tambm uma narrativa da for-

    mao dos homens de fronteira. De um certo ponto de

    vista, integravam os primeiros grupos de monoeiros des-

    de a ral indmita at comerciantes aventureiros que ama-

    vam mais o cio que o negcio. Na mesma medida em

    que a rota comercial se rotiniza, estabiliza-se tambm os

    nimos dos seus personagens de modo que o ganho mais

    imediato comea a dar lugar ao clculo. O ponto especfi-

    co que deve ser a ressaltado que estamos diante de uma

    explicao funcional, onde h uma transformao do ho-

    mem ibrico a partir do momento em que se lana s ter-

    ras do novo continente. Nesse ponto, Srgio Buarque fica-

    r mais prximo de Oliveira Vianna.

    No entanto, se a idia do iberismo como chave para se

    entender o Brasil foi de fato constitutiva para a formulao

    do argumento de Razes, tem-se que, para falar de forma

    um tanto quanto descomprometida, Srgio Buarque encon-

    trava-se em maus lenis ao revisar o seu livro. O prprio

    autor parece reconhecer isto quando, no Prefcio da 2

    edio, escreve que reproduzi-lo

    [...] em sua forma originria, sem qualquer reto-

    que, seria reeditar opinies e pensamentos que em

    muitos pontos deixaram de satisfazer-me. Se por ve-

    zes tive o receio de ousar uma reviso verdadeira-

    mente radical do texto mais valeria, nesse caso,

    escrever um livro novo no hesitei, contudo, em

    alter-lo abundantemente onde pareceu necessrio

    retificar, precisar ou ampliar sua substncia.7

    De fato, se, a partir de Mones, Srgio Buarque come-

    a a investigar a transformao da tradio portuguesa

    medida que avana para o Oeste, podemos dizer que tinha

    o desafio de operar modificaes que ressaltassem uma di-

    8. No que diz respeito s modificaes operadas em Razes do Brasil, e especialmente sobre a questo do iberismo,vale remeter o leitor a uma conferncia pronunciada por Srgio Buarque de Holanda, j em 1967, na EscolaSuperior de Guerra. O autor explica as mudanas realizadas em Razes do Brasil dizendo que, em alguns casos, [...]

    (HOLANDA, Srgio Buarque de. Elementos bsicos da nacionalidade: o homem. Rio de Janeiro: Estado Maior dasForas Armadas/Escola Superior de Guerra, 1967. p.4).

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    nmica funcional quando o livro havia sido elaborado a par-

    tir de uma viso gentica, como fica claro ao demarcar sua

    diferena com Oliveira Vianna.8

    Talvez pudssemos esquematizar o que vimos at aqui,

    dizendo que, entre os anos 1930 e 1950, conforme Srgio

    Buarque ia se distanciando politicamente de Oliveira Vian-

    na, sua chave explicativa do pas tornava-se mais semelhan-

    te do socilogo fluminense. Embora isto seja uma simplifi-

    cao, aponta a direo correta. Contudo, preciso ainda

    uma quarta e ltima observao, pois h diferentes modos

    de operar com uma chave funcional e, portanto, dizer que

    os dois atores passam a com ela lidar no significa que dei-

    xem de existir grandes diferenas entre as obras. Desse

    modo, no parece meramente retrico o fato de Srgio Bu-

    arque, mesmo retirando a nota sobre Populaes Meridio-

    nais, ter continuado a considerar, no texto de Razes do Bra-

    sil, misteriosa aquela fora centrfuga prpria ao meio

    americano, que compeliu nossa aristocracia rural a aban-

    donar a cidade pelo isolamento dos engenhos e pela vida

    rstica das terras de criao.9

    Sem analisar a justeza da crtica, deve-se dizer que,

    mesmo que se diga que Populaes Meridionais do Brasil e

    Mones e, por assim dizer, a parte revisada de Razes

    do Brasil lidam com uma viso funcional do Brasil, o pri-

    meiro faz isso a partir da anlise do grande domnio rural,

    enquanto Mones aborda personagens que fogem de sua

    lgica e fazem avanar a fronteira para Oeste. Mas, para

    analisar essas diferenas, seria necessrio comentrios mais

    extensos.

    ueramos salientar com os que fizemos at

    aqui e com a transcrio da nota da 1a

    edio de Razes do Brasil que Oliveira

    Vianna parece ter sido um interlocutor ver-

    dadeiramente importante para autores como Srgio Buar-

    que de Holanda. No se trata apenas de apontar influncias

    ou mesmo pontos de convergncia na produo intelectual

    dos dois autores. Pretendemos, sobretudo, acentuar a ne-

    cessidade de estudos mais amplos que considerem a origi-

    nalidade de Populaes Meridionais do Brasil na conforma-

    o de uma matriz interpretativa sobre o pas e na constru-

    o de uma agenda de pesquisa em relao a qual as gera-

    es de intelectuais posteriores tiveram de lidar. Considera-

    mos este ponto fundamental para que se melhor perceba o

    lugar de Oliveira Vianna na histria do pensamento social

    no Brasil.10

    e - m a i l : r w e g n e r @ p o b o x . c o me - m a i l : l i m a @ c o c . f i o c r u z . b r

    9. Holanda, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 24 edio. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1992, p.60.

    10. Entre os trabalhos que contribuem para o reconhecimento da importncia da obra de Oliveira Vianna, destacam-se os de WanderleyGuilherme dos Santos (Paradigma e Histria. A ordem burguesa na imaginao social brasileira. In Roteiro Bibliogrfico do Pensamento SocialBrasileiro (1870-1965). Rio de Janeiro: UFMG/Casa de Oswaldo Cruz, 2002. pp.19-71); Luiz Werneck Vianna (Americanistas e iberistas: apolmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos. In A Revoluo Passiva, op.cit.); Jos Murilo de Carvalho, op.cit; Angela Castro Gomes, op.cit.

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