014 - O Conceito de Direito (Herbert Hart)

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    H. L . A . H ART Traducaodo original ingles intirulado:THE CONCEPT OF LAW

    H.L.A. HART Oxford University Press, 1961Primeira edicao publicada em 1961Segunda edi~ao publicada em 1994

    (com urn novo Pos-escrito)

    o Conceito de Direito

    C om urn Pos-escrito e d it ad o p o rPenelope A. B u ll oc h e J os ep h Ra z

    TradUl;ao deA. Ribeiro Men des

    Reservados todos os direitos de acordo com a leiEdicao da

    FUNDA~AO CALOUSTE GULBENKl1\NAvenida de Berna, Lisboa

    2007FUNDAC;;Ao CALOUSTE GULBENKIAN

    Service de Educacao e Balsas Deposito Legal N." 253548/071SBN 978-972-31-0692-3

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    VIlFORMALISMO E CEPTICISMO SOBRE AS:R.EGRAS

    1. A textura aberta do dlreltoEm qualquer grande grupo. as regras gerais, 05 padroes e os

    principles devem ser 0principal instrurnento de controlo social, en a _ 9 ' as di rectivas parti culares dadas separadarnente a cada individuo ..$f nao fosse possivel comunicar padroes gerais de conduta que' .'multidoes de individuos pudessem perceber. sem ulteriores directivas,padroes esses exigindo deles certa conduta conforrne as ocasioes,nada daquilo que agora reconhece rnos como dire ito poderia exisrir.Da i result a que 0 direi to deva predominantemente. rnasnao de formaalguma exclusivamente, referir-se a categories de pessoas, e a cate-gorias de acres. coisas e circunstanclas, e 0 seu funcionamento comexito sobre vast as areas da vida social depende de uma capacidadela rgamente difundida de reconhecer aetas. coisas e circunstanciaspart iculares como casas das classi ficacoes gerai s que 0 direito faz.

    Tern-sf: usado dais expedientes principals. S o prirneira vista muitodi fe renres um do out ro, para a cornunicacao de ta is padroes gerais deconduta, com ari tecipacao das ocasioes sucessivas em que devem serapli cados. Urn deles faz urn usa maximo 0 outre faz um uso minimade palavras gerais a estabelecer classificacoes , 0 prirneiro e exempli-ficaclOiPor aquila a que chamamos legislacao e a segundo pe l oprecederite. Podernos ve r as aspectos que as dis tinguem nos exernplossimples de casas nao-jur idicos que a seguir apresentamos. Urn paiantes de ir it igreja diz ao filho: Todos os hamens e os rapazes devemtirar 0 chapeu ao entrar numa igreja. Outre diz, descobrindo acabeca quando entra na igreja: Olha, eis a forma correcta de noscomportarmos nes tas ocasioes.

    A cornunicacao ou ensino de padroes de conduta atraves doexemplo pode tomar diferentes farmas, bastante mais e laboradas doque no nosso caso simples. 0 nosso caso assernelhar-se-ia rnais

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    138 FORMALISMO E CEPTICISMO SOBRE AS REGRAS o CONCEITO os DIR E:ITO 139

    estreitamente ao uso juridico do precedente, se. em vez de dizer auma criarica na ocasiao ccncrera que observasse 0 que 0 pai fez aoentrar na igreja como urn exemplo de coisa apropriada a fazer-se, 0pai partisse do principio de que a crianca 0 consideraria como uma .autoridade sabre os comportamentos apropriados e olharta para depara aprender 0 modo de comportamento. Para nos aproxirnarmosmais ainda do uso juridico do precedente, temos de supor que 0pai seconsiders va a ele proprio e era considerado pelos out ros comoaderindo a padroes tradicionais de compartamento e nao comoestando a introduzir nevos padroes.

    A cornunicacao 'at raves do exernplo em todas as suas forrnase mbora acornpanhada por algumas directivas verba is gerais. t aiscomo: -Faz como eu faco , pode deixar aberta uma ser ie depossibilidades e. por isso, de duvidas, relat ivarne nre ao que ~epretende, rnesmo quanto a assuntos que a pessoa que procur acomunicar considerava ela propria como claros. Ate que punto devea actuacao ser imitada? Tern importancia se for usada a maoesquerda, em vez da direita, para tirar Q chapeu? Gue se [acalentamente ou com rapidez? Que Q chapeu seja posto=debaixo dacadeira? Ouenao seja colocado de novo na cabeca dentro da igre ia ?E5ta5 .sao todas variantes das perguntas gerais que a cri anca podiafazer a si propr ia : ft De que modos deve a minha conduta asserneihar-sea dele, para estar certa? Oue existe precisamente na sua condut.a.que deva ser 0 meu modelo? Ao compreender 0 exernplo. a c r ianraatenta em alguns dos seus aspectos, ern vez de out ros. Ao agi r assirn.ela e guiada pelo se nso comum eo conhecimento da espec ie ge ral decoisas e intencoes que os adultos consideram import antes e pela suaapreciacao do caracter geral da ocasiao (ira igreja l e da esper ie decomportamento apropriado a t al.

    Em contraste com as indeterrninacoes dos exernplos. a cornuni-cacao dos padroes gerais par formas gerais exphc it as de linguage m(

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    o CONCEITO DE D1REITO 141140 FORMALISMO E CEPTlC1SMO SOBRE AS RECRAS

    incontesta:~is. ~as as variantes dos casas familiares tarnbem exigernuma classificacao, segundo os lermos gerais que constituem emqualqu~r rnornento partedos nossos recursos lmguisticos. Aqui surgeum fenomeno que se reveste da natureza de uma crise na comuni-cacao: ha razoes, quer a favor, quer contra 0 nosso usa de um termogeral e nenhuma convenc;:~o firme au acordo geral dita 0seu usc, ou,par ~~tro _Iado, estabelece a sua rejeicao pela pessoa ocupada naclassificacao. Se em tais casos as duvidas hac-de ser resol vidas. algoque apresenta a natureza de uma escolha entre alternativas abertastern de ser feito par aquele que tern de as resolver.

    N~ste ponte. a linguagem geral dotada de autoridade em que aregra e expressa pede guiar aperias de um modo incerto, tal comoocorre com um exemplo dotado de autoridade. 0 sentido em que alinguagern da regra nos perrnitira simplesmente escolher casas dea~licac;ao facilmente recognosciveis. esboroa-se neste ponto; a subsun-cao e a extraccao de uma conclusao silogistica ja nao caracterizam -;;cer ne do racioc inio imp!icado na deterrn inacao do que e a coisac~rrec~a ~ Iazer-se. Pelo contrario, a linguagem da regra parece agoraso delirnitar um exernplo dotado de autoridade, nomeadamente 0constituido pelo caso simples. Tal pode ser usado de forma bastantesemelhante a do precedente, ernbora a linguagem da regra limite osaspectos que exigem atencao, nao s6 de forma mais permanente,como de modo rna is preciso do que faz 0 precedente. Confrontada~om a. q~estao sabre se a regra que proibe a uso de veiculos no parque~ aphcav.el a certa cornbinacao de circunstancias em que surge.' indeterrninada, tudo 0 que a pessoa chamada a responder-Ihe podefazer e corrsiderar (como 0 faz aquele que recorre a urn precedente) sea caso presente se assernelha suficienternente .10 caso simples emaspectos" relevantes 0 poder discricionar io que assirn the e deixadopela linguagem pode ser rnuito amplo; de tal forma que, seela aplicara regra,_ a conclusao constitui na verdade uma escolha, ainda quepossa nao ser arbitraria ou irracional. A pessoa opta por acrescentara uma serie de casos urn caso novo, por ~ausa das sernelhancas quepodern razoavelmente ser consideradas, quer como juridicamenterel~v~ntes, quer como suficierrtemente proxirnas. No caso das regrasjurfdicas, os criterios de relevancia e de proximidade da sernelhancadependem de factores muito cornp lexos que atravessarn 0sistemajuridicoe das finalidades ou intencao que possam ser atribuidos aregra ..Caracteriza-los seria caracterizar tudo 0que e especifico aupeculiar no raciocinio juridico.

    Seja ,qua~ for 0 processo escolhido, precedente ou legislacao, paraa cornurncacao de padroes de comportamento, estes, nao obstante a

    facilidade com que actuam sabre a grande massa de casos correntes,revelar-se-ao como indeterminados em certo ponto em que a suaaplicac;:ao esteja em quest ao: possuirao aquilo que foi designadocomo textura aberta. Ate aqui, apresentarnos tal, no caso da legislac;:ao,como urn aspecto geral da linguagem humana; a incerteza na linhade Ironteira e 0 preco que deve ser pago pelo uso de termosclassificatorios gerais em qualquer forma de corrumicacao querespeite a questoes de facto. As Hnguas naturals como a Ingles ternirredutivelmente uma textura abert a, quando usadas desse modo.E . contudo, importante apreciar por que razao, posta de parte estadependencia da linguagein tal como efectivarnente ocorre, com assuas caracteristicas de textura abert a. nao devemos acarinhar,rnesrno como urn ideal, a concep

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    142 FORMALISMO E CEPTTC!SMO SOBRE AS REGRAS o CONCEITO DE DIREITO 143

    satisfazer para se achar dentro do seu ambito de aplicacao, eeertamente podem apresentar-se ao nosso espirito exernplos c1arosdo que eai eertamente dentro doseu ambito. Sao as casas paradigrna-tieos ou claros (0 autornovel. autocarro,' 0 motociclo); e a nossafinalidade ao legislar e ate determinada, porque fizernos uma certaeseolha. Resolvemos desde 0 inicio a questao de que a paz e atranquilidade no parque deviam ser mantidas a custa, em qualquercase, cia exclusao destas .coisas. Por outro lado,

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    reconhecido desde 0 principio como umdominio em que os aspectosdos casos individuals variarao tanto, em contex tos social menteimport antes mas imprevisrveis. que nao podem ser criadas pelopoder legislative. de forma antecipada, regras uniformes destinadasa ser aplicadas caso a caso, sem directivas of iciais ulteriores. Por isso,para regular tal dominio, 0 poder legislative trap padroes muitogerais e delega entao nurn corpo administrative, dotado de poderregulamentar e famil iarizado com os varies tipos de caso, 0 papel demoJdar regras adaptadas as suas necessidades especiais, Assim, 0poder legislativo pode exigir que uma industria mantenha certospadr6es: cobrar 50 urn preco [usto ou oferecer condicoes de segurancade trabalho. Em vez de deixar as diferentes empresas aplicar estespadroes vagos a elas propr ias, com 0 risco de se descobrir que osviolaram ex post fac to , pode considerar-se ser melhor adiar 0 uso desancoes quanto as violacoes ate que urn corpo adrninistrat ivo tenhaespecificado por regulamento 0 que, para uma dada industria, devevaler como preco justo ou .condi

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    146 FORMAUSMO E CEPT!C!SMO SOBRE AS REGRAS o CONCEITO OE OIREITO 147hospttalMas devido a imensa variedade de casos posiveis em que seexige di ligencia, nao podemos prever ab initio que combinacoes decircunstancias surgirao, nem que interesses terao de ser sacrificados eem que medida, se houver que tamar precaucoes contra as danos. Dafque sejarnos incapazes de considerar de forma precisa, antes quesurjarn casas concretes, que sacrificio ou comprornisso de interessesou valores desejarnos fazer, para reduzir 0 risco de danos, De novo, anossa finalidade de proteger as pessoas dos danos e indeterminada,ate que a ponhamos em conjuncao com, ou a experirnentemos contraas possibilidades que so a experiencia trara perante nos: quando issoocorre, temos entao d~ encarar uma decisao que tornara, quandofeita, a nossa f inalidade pro tanto deterrninada. .

    A consideracao destas duas tecnicas p6eem relevo as caracterfs-t icas daquelas vastas areas de conduta que sao controladas com ex itnab initio atraves de uma regra exigindo accoes especff icas, apenascom uma nesga de textura aberta, em vez de urn padrao varia vel.Sao caracterizadas pelo facto de que certas accoes, eventos ouestados de coisas suscept iveis de distincao sao de tal irnportanciapratica para nos como coisas, quer a evitar, quer a executar, quemuito poucas circunstanciasconcomitantes nos inclinam a encara-losdiferentemente. 0 exemplo rna is cruel disto e a morte de urn serhumano. Estamos em posicaode fazer uma regra contra 0 acto dematar, em vez de estatuir urn padrao variavel (< < respeito devido pelavida hurnana), emboraas circunstancias ern que os seres humanosmatam outros sejam multo variadas:' isto e assirn, porque muitopoucos factores aparecern que nos levem a subvalorizar ou a fazer a'revisao do nosso juizo sobre a irnportancia de proteger a vida. Quasesempre 0 matar outrern, enquanto tal, domina os outros factores porque e acompanhado, e assirn quando 0excltdmos antecipadamentecomo hornicidio, nao estamos a prejudicar cegamente quest6es queexigem ser ponderadas umas relativamente as outras. Claro que haexcepcoes, factores que levam a melhor sobre este factor geralmentedominante. Ha homiddio em legitima defesa e outras formas dehornicidio justificado. Mas sao poucos casos e identificaveis emtermos relativamente simples; sao admltidos como excepcoes a regrageral.

    E importante notar 'que 0 estatuto dominante de alguma accao,even to ou estado de coisas facilmente identificavel pode ser. em certosentido, convencional ou artificial e nao de v i do a sua irnportancianatu ra l ou int rtnseca s para nos, enquanto seres hurnanos. Naoimporta qual 0 lade da estrada que e prescrite pelo codigo da estrada,nem (dentro de limites) quais as formalidades que sao impostas para

    a execucao de uma transferencia de propriedade (; mas importarnu i to que deva haver urn processo facil rnente ident if icavel e uni forrne.e assi rn uma distincao clara do que e correcto ou incorrecto nestasques toes. Quando isto tenha sido introduzido por lei, a importinciade adesao a tal e. com poucas excepcoes, fundamental; porquerela t i varnen te poucas ci;cunstfmcias atendiveis poderao prevalecersobre essa a desao e aquelas que 0 Iacam podem ser facilrnenteIde ntificave is como excepcoes e reduzidas a regra. 0 direito Ingles depropr iedade imobiliaria(;'1 ilustra muito clara mente este aspectodas regras,. A cornunicacao de. regras gerais por exernplos dotados deautoridade traz consigo, como vimos, indeterrninacoes de umaespecie mais complexa. 0 reconhecimento do' precedente como urncr i ter io de validade jur i~,! ca s ign ifica di fe '~entes coisas em diferentessistemas e no mesmo sistema em periodos diferentes. As descricoesda teorla I) inglesa do "precedente sao, em certos pontes. aindaaltamente controvertidas: na verdade, mesmo os termos-chave usadosna tcoria. ra tio decidend i" , .. . , factos rnater iais. interpret acao.tern uma penumbra propria da incerteza. Nao apresentaremosnenhuma descricao geral nova, mas tent arernos apenas caracterizarde forma breve, como fizemos no caso da lei, a area de textura abertae a actividade judicial criadora dentro dela.

    Qualquer descricao seria do uso do precedente no direito Inglesdeve atribuir urn lugar aos seguintes pares de factos contrastantes:em primeiro lugar . nao ha urn rnetodo unico de determinar a regrarela ti varnente a qual urn dado precedente dot ado de autoridadefunciona como autoridade. Nao obstante tal, na vasta maioria decasas decididos ha rnuito poucas duvidas , A nota de epigrafe e'geralmente bastante correcta. Em segundo lugar, nao ha nerihurna

    ( ) Em ingles, convevance:{") Em Ingles, real propertv:( .. Expressao latina que significa -a razao de decidir . Relat ivame nte aos

    precederites do direi to ingles, a teor- ia jur idlca ocupou-se, na analise do. casasjur ispr-udenciais anteriores. com a descoberta da raziio ou fundamento da decisiiojudicial analisada. Na verdade, a ratio deciendi de urn caso consritui precisarnente 0'precedente para ()"au r a . isto e . a regra dotada de autoridade que perrnite a decisao deigual modo de urn caso futuro em que se revela urn conjunto semelhante de factos,Como escreveu 0 juiz Sir George Jessel M.R. , numa decisao proferida em 1880 iReHallet} na Chancerv Division da High Court of Jus/ice, -0 unico uso das autoridades OUdos casos decididos consiste no estabelecimento de algum principia que 0 juiz possaseguir ao decidir 0caw posto perante si.Sobre esta materia, pode consultar-se 0 ivrode Rupert Cross. Precedent in English Law. 3." ed., Oxford, 1977.

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    forrnulacao dotada de autoridade au unicarnente correct a de qualquerregra que deva extrair-se dos casos. Por outro lado, ha frequenternenteurn eonsenso muito geral, quando a relacao de urn preeedente comurn caso posterior esta em causa. de que urna dada forrnulacao eadequada. Em terceiro lugar, seja qual for 0 estatuto dot ado deautoridade que uma regra extraida de urn precedente possa ter. ecompativel com 0exercicio pelos tribunais por ela vinculados dosdo i s tipos seguintes de actividade criadora ou legislativa: por urn .Iado, os tribunais que decidem um caso posterior podem chegar auma decisao oposta it conrida nurn precedente, atraves da interpre-tacao restritiva da regra extraida do precedente e da adrnissao dealguma excepcao a ela que nao foi antes considerada ou, se foiconsiderada, foi deixada em aberto. Este processo de distincao doeaso anterior implica a descoberta de algoma diferenca juridicamenterelevante entre aquele eo easo presente, eo nurnero destas diferericasnunea pode ser determinado exaustivamente. Por outro lado. aoseguir urn precedente . anterior, os tribunais podem afastar umarestricao deseoberta na regra, tal como foi formulada a partir do casoanterior, com 0 fundarnento de que tal restricao nao e exigida porqualquer regra estabelecida por lei ou por precedente anterior. Fazeristo significa arnpliar a regra. Nao obstante estas duas formas deactividade legislativa deixadas em aberto pela forca vinculativa doprecedente,o resultado do sistema Ingles do precedente consistiu emproduzir, pelo seu usc, urn corpo de regras, das quais urn grandenumero, quer de maior, quer de menor irnportancia, e tao precisocomo qualquer regra Iegislada. 56 podem agora ser alteradas por lei,uma vez que os proprios tribunais 0 declaram frequentemente emcasas cuja boa fundarnentacao parece correr em sentido oposto aodas exigencias dos precedentes estabelecidos.

    A textura aberta do direito significa que ha, na verdade, areas deconduta em que muitas coisas devern ser deixadas para sererndesenvolvidas pelos tribunais ou pelos [imciorrarios. os quais deter-minam 0 equilibrio. a luzdas circunstancias, entre interessesconfl ituantes que variam em peso, decaso par'a caso, Seja como for. avida do direito traduz-se em larga medida na orientacao, quer dasautoridades, quer dos indivfduos privados, atraves de regras deter-minadas que, diferentemente das aplicacoes de padroes variaveis.nao exigern deles uma apreciacao nova de caso para caso. Este factosal iente da vida social continua a ser verdadeiro, mesmo que possamsurgir incert ezas relativamente it aplicabilidade de qualquer regra(quer escrit a. quer comunicada por precedente) a urn caso concreto.Aqui, na franja das regras e no campo deixado em aberto pela teoria

    dosprecedentes, os tribunais preenchern uma funcao criadora deregras que os organismos administrativos executam de forma centra-Iizada na elaboracao de padr6es variaveis. Nurn sistema em que 0stare decisis()efirmemente reconhecido, esta funcao dos tribuna is emuito semelhante ao exercicio de poderes delegados de elaboracao denigulamentos por urn' organismo administrativo. Em Inglaterra, estefacto e rnuitas vezes obscurecido pelas aparericias: porque os tribunalsfrequentemente negam qiJalquerfun(,":80 criadora desse tipo e insistemern que a tarefa apropriada da in terp ret.acao da lei e do uso doprecedente e . respectivarnente. procurar a intcncao do legislador ea direito que ja existe.

    2. Yariedades de cepticlsmo sobre as regrasDiscutimos com cerro desenvolvimento a textura aberta do

    direito, porque e importante ver este aspecto numa perspcctivacorrecta. A falta de justeza no modo de encarar tal realidadcprovocara sempre exageros que obscureceraosoutros aspectos dod. ireito. Em qualquer sistema jur idico, deixa-se 'em aberto urn vasto eimportante dominic para 0 exercicio do poderdiscricionario pelostribunais e por outros funcionarios. ao tornarem precisos pad roesque eram inicialmente vagos, ao resolverem as incertezas das leis ouao desenvolverem e qualificarem as regras comunicadas. apenas deforma imperfeita, pelos precedentes dotados de autoridade. Se i acomo for. estas actividades, embora importantes e insuficientementeestudadas, nao devem dissimular 0 facto de que quer a est rut ura emque ocorrem, quer 0seu produto final principal sao uma das regrasgerais. Trara-se de regras cuja -aplicacao os i.ndividuos podem elesproprios descobrrr caso a.case. scm ulterior recurso a direct iva oficialou a urn poder discricioriar io.

    Pode parecer estranho que a afirrnacao de que as regras tern urnlugar central na estrutura de um sistema juridico pudesse algumavez ser seriamente posta em duvida, Contudo, 0 cepricismo sobre asregras (01 ou a pretensao de que falar sobre regras e um mito que

    r*) Sture decisis - Expressau latina que significa a letru acarar O~ L-aSoSdecididos. Esta expressao designa u principio fundamental do direit in!"I", 'L'~undu 0quat 05 precedentes constantes das decisoes anteriores dos t ribunais n;[!i",;~uz"m' deautorldade. sao vinculativos, devendo ser seguidos pOI' todos uS t ribuna is quandoocorram no futuro casos semelhanres., 0 ' , No original ingles, rule cepticism

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    esconde a verdade que afirma consistiro direito sirnplesrnente emdecisoes dos tribunais e na sua predicao. pode canstit~ir urn apelopoderoso a candura de um jurista. Afirmada duma forma geral eabsoluta, de maneira a. abarcar ao rnesrno tempo as regras secun-darias e primarias, e na v~rdade bast ante incoerente: porque a'assercao de que ha decisoes dos tribuna is nolopode ser combinada deforma consistente com a negacao de que haja quaisquer regras. Isto eassim pcrque, como virnos, a ex istencia de urn tribunal implica aexistencia de regras securidarias que conferem [urisdicao a urnasucessao rnutavel deindividuos e atribuem autoridade as suasdecisoes. Nurna comunidade de pessoas que cornpreendesse rn asnQ\:OeSde decisao e de prcdicao de uma decisao, mas nao a nocao deregra, a ideia de urna decisao dot ada de autoridade faltaria e com ela aideia de tribunal. Nao hav eria nada que distinguisse a decisao deurna pessoa privada da de um tribuna!. Podertarnos tentar suprir,com a n